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489 Eixo Temático: 4 - INCLUSÃO, DIVERSIDADE E A CONSTRUÇÃO DA CULTURA DE PAZ NO CONTEXTO EDUCATIVO SUMÁRIO A CAPOEIRA UTILIZADA COMO MECANISMO DE EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................................................................................... 490 A NARRATIVA COMO PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO CURRICULAR PARA AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DE ALUNOS SURDOS ......................................... 509 O USO DOS CÍRCULOS RESTAURATIVOS EM MEDIAÇÃO ESCOLAR ............. 525 ORIENTADOR EDUCACIONAL: Um Estudo de Caso Sobre sua Atuação no Ambiente Escolar .................................................................................................... 548 PROGRAMA NOVOS TALENTOS EM EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E DIVERSIDADE NO VALE DO ARINOS ................................................................. 572 PROJETOS POLÍTICO PEDAGÓGICOS (PPPs) DAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE ALTA FLORESTA/MT E A LEI Nº 10.639/2003: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO............................................................584

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Eixo Temático: 4 - INCLUSÃO, DIVERSIDADE E A CONSTRUÇÃO DA CULTURA

DE PAZ NO CONTEXTO EDUCATIVO

SUMÁRIO

A CAPOEIRA UTILIZADA COMO MECANISMO DE EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................................................................................... 490

A NARRATIVA COMO PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO CURRICULAR PARA AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DE ALUNOS SURDOS ......................................... 509

O USO DOS CÍRCULOS RESTAURATIVOS EM MEDIAÇÃO ESCOLAR ............. 525

ORIENTADOR EDUCACIONAL: Um Estudo de Caso Sobre sua Atuação no Ambiente Escolar .................................................................................................... 548

PROGRAMA NOVOS TALENTOS EM EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E DIVERSIDADE NO VALE DO ARINOS ................................................................. 572

PROJETOS POLÍTICO PEDAGÓGICOS (PPPs) DAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE ALTA FLORESTA/MT E A LEI Nº 10.639/2003: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO............................................................584

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A CAPOEIRA UTILIZADA COMO MECANISMO DE EDUCAÇÃO

PSICOMOTORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ivan Gonçalves dos Santos1

Cirlei da Aparecida Brandão2

RESUMO

Esta pesquisa bibliográfica levanta algumas considerações históricas sobre a arte capoeira no Brasil e as possíveis contribuições, como elemento de desenvolvimento psicomotor na Educação Infantil, com crianças de 3 a 5 anos de idade. Elabora uma linha de pensamento voltada para a utilização de toda a riqueza de recursos da Capoeira e de seus benefícios na Educação Infantil. O estudo está alicerçado em autores da psicomotricidade como Gallahue e Ozmun e ao estudioso da capoeira Jorge Luiz de Freitas, mostrando a convergência entre ambos, no que se refere ao processo de aprendizagem e do desenvolvimento psicomotor nesta faixa etária. A Capoeira na Educação Infantil legitima-se como possibilidade de aprender e respeitar as diferentes práticas culturais, como as culturas africanas e afro-brasileiras, eliminando atitudes de discriminação e preconceito, bem como incentiva a cultura da paz. Palavras – chave: Capoeira. Educação. Psicomotricidade.

1 INTRODUÇÃO

Que navio é esse

que chegou agora

é o navio negreiro

com os escravos de Angola

gente de Cambinda

Benguela e Luanda

vinham acorrentados

pra trabalhar nessas

Que navio

¹Ivan Gonçalves dos santos, acadêmico do Curso de Educação Física-Licenciatura da Faculdade La salle de Lucas do Rio Verde-MT- Brasil. E-mail: [email protected] 2Professora Orientadora Mestre do Curso de Educação Física

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é esse que chegou agora

é o navio negreiro

com os escravos de Angola

aqui chegando não perderam a sua fé

criaram o samba

a capoeira e o candomblé

Que navio é esse

que chegou agora

é o navio negreiro

com os escravos de Angola

Mestre Camisa

O ensino da capoeira a cada dia vem despertando mais interesse nos meios

acadêmicos, tanto nas escolas como nas universidades. Mais recentemente este

interesse vem se voltando também para a Educação Infantil.

É necessário considerar que o conteúdo da capoeira historicamente foi deixado

de lado e marginalizado, como uma proibição velada e sutil, embora a Lei nº 10.639,

de 20 de dezembro de 1996, Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB,

inclua no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e

Cultura Afro-Brasileira” demonstrando com isso sua importância no cenário

educacional.

Mesmo que com forte apelo legal, percebe-se que o método da capoeira não

tem sido utilizado nas escolas para as crianças da Educação Infantil, seja por

desconhecimento de seus benefícios, seja pelo preconceito em relação a sua origem

ou mesmo pala falta de formação docente para utilizar esta metodologia. Desta forma,

deixando de utilizar de um forte componente da cultura genuinamente brasileira, com

significativas bases científicas para serem trabalhadas nas diferentes fases do

desenvolvimento das crianças. O período em que a criança mais se desenvolve nos

aspectos psicomotores é na educação infantil, por isso a psicomotricidade é

considerada uma aprendizagem de base. Uma base psicomotora bem estruturada traz

elementos prévios para todas as demais aprendizagens posteriores.

O objetivo deste estudo foi refletir sobre o desenvolvimento psicomotor

das crianças da Educação Infantil, com a prática da capoeira, mostrando a importância

de sua inclusão no currículo escolar. Buscou-se, baseados na literatura, e autores

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consagrados, entender como se dá o desenvolvimento psicomotor da criança na

Educação Infantil, bem como, divulgar sua contribuição neste sentido.

Segundo site oficial da Associação Brasileira de Psicomotricidade (1980, p.1).

Psicomotricidade é a ciências que tem como objetivo de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto.

Por isso, capoeiristas e educadores devem instigar e fazer com que a arte da

capoeira atinja de forma correta desde o menino de rua até a universidade,

entendendo toda a riqueza que engloba arte, cultura e educação. De acordo com

Gallahue e Ozmun (2004, p.3).

O desenvolvimento motor é a continua alteração no comportamento motor ao longo do ciclo da vida, proporcionada pela interação entre as necessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente.

A proposta da capoeira na Educação infantil, enfatiza a história, a música, a

arte e o jogo, como elementos que proporcionam o desenvolvimento emocional,

afetivo e motor, trazendo uma efetiva possibilidade educacional. É na faixa etária da

Educação Infantil que as crianças vão ser estimuladas nos mais amplos sentidos da

psicomotricidade e a capoeira é rica em movimentos que ajudam a melhorar estas

habilidades. Neste sentido, e de acordo com o artigo 1º da LDB, a educação abrange

os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência

humana, no trabalho, nas instituições de ensino e nas manifestações culturais. Dentre

estas manifestações buscamos a capoeira como proposta educativa, por atender

todas as habilidades necessárias para o desenvolvimento integral das crianças de 03

a 05 anos.

2 METODOLOGIA

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A presente pesquisa teve como objetivo verificar a contribuição da capoeira

para o desenvolvimento psicomotor da criança de 3 a 5 anos, com um estudo

bibliográfico onde buscou-se autores que contribuíram com estudos da

psicomotricidade, e especificamente sobre a capoeira infantil, levando em conta seus

aspectos históricos no Brasil.

O ponto central dessa pesquisa bibliográfica é mostrar as contribuições de

Freitas (2003, 2007) e Gallahue e Ozmun(2005), que apontam uma convergência

entre a capoeira e a psicomotricidade, no que se refere aos benefícios proporcionados

pela Capoeira na Educação Infantil. Utilizou-se uma abordagem qualitativa para

entender a natureza geral da questão abrindo espaço para a utilização de uma análise

interpretativa.

Para esta pesquisa bibliográfica que considerou no decorrer de seu texto os

documentos legais, para justificar a presença da capoeira na escola. Este estudo

classifica-se estritamente como bibliográfico visto que o objeto de estudo foi a

capoeira na Educação Infantil. Salienta-se que os documentos legais (Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional, Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Infantil, Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil) não fazem parte da análise, apenas contextualizam a problemática

da pesquisa.

3. REVISÃO E DISCUSSÃO DA LITERATURA

3. 1. História da Capoeira

Segundo o site oficial do Centro Cultural Capoeira Água de Beber (2013, p.03),

a Capoeira na sua mais completa definição e formação nasceu no Brasil. Teve início

com o tráfico de escravos, que no decorrer dos séculos passados foram

desembarcados aos milhares em nossas praias.

Embora trazidos contra sua vontade trouxeram sua cultura e vivências e junto

com elas, a semente da liberdade que nunca morreu. A origem do termo é originária

do tupi-guarani, onde “caa” significa mato e “puera” significa que foi mato.

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Estima-se que a Capoeira surgiu por volta de 1600, mas não se sabe se foi nas

senzalas ou os quilombos. Quando praticada na senzala, servia como objeto de

descontração. Nas fugas para os quilombos era muito útil nas lutas contra os capitães-

do-mato e capatazes.

Como é sabido que nenhuma escravidão é eterna, os negros logo se revoltaram

contra o jugo português. Foram se organizando em movimentos de resistência contra

um opressor em comum. Foi nesse contexto que a capoeira teve um papel

fundamental. Ao observar o comportamento de alguns animais da nossa fauna

incorporaram um conjunto de movimentos que reuniu agilidade, técnica e força.

Os negros capoeiras cada dia foram se rebelando e indo para a marginalidade

com isso o governo da época veio a fazer o Decreto de Lei, 487, do Código Penal

Brasileiro que estabelecia em um capítulo a seguinte sansão: Dos Vadios e Capoeiras

é proibido fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal,

conhecidos pela denominação de capoeiragem[...] pena de dois a seis meses, no caso

de reincidência agravava-se para alguns anos de prisão. Código Penal Brasileiro

(apud MARINHO, 1956, p.18-19).

O primeiro presidente da república encarregou o Dr. Sampaio Ferraz do combate aos capoeiristas, com o apoio de uma legislação repressiva que capitulava o delito da prática da capoeira, de pertencer a uma “malta”, de ser líder de um bando além da reincidência. Vigorava o código penal de 1890, e a matéria era tratada nos artigos 402, 403 e 404, com seus parágrafos. (WALCE SOUZA, 2004, p.96)

Em 1888 ocorreu a Abolição da Escravatura e o mínimo que se pode dizer é

que a Capoeira desempenhou um papel importante no apressamento a essa lei.

Grupos de capoeirista habilidosos e temíveis se organizaram nas famosas maltas

invadiam fazendas para libertar escravos. Com isso a Capoeira convenceu pelo medo

aqueles que insistiam nessa pratica comercial opressora. Após esta “libertação” o

negro ficou a “Deus dará” sem ter onde morar sem um trabalho e foi onde começou a

se marginalizar a troco de comida, dinheiro e um local para morar o negro se submetia

a cometer assaltos, roubavam casais e acabavam com festas da elite e com os

comícios de políticos a mando de partidos rivais, vivendo sempre nas ruas o negro

era uma forte arma contra eventos feitos pelo governo vigente da época. Segundo

Areias (1983, p.30), “Residindo nos morros e periferias, circulando normalmente nos

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locais de maior movimento da cidade, como portos, estações ferroviárias, mercados

e feiras, os negros mal conseguiam um trabalho que lhe garantisse a sobrevivência”.

Nesta época republicana 1890 onde Deodoro da Fonseca comandou o país

muito da nossa história se perdeu, pois a mando do ministro da fazendo o senhor Ruy

Barbosa o pouco de documentos que tinha foi queimado e com isso muitas coisas

relevantes da nossa história perderam-se no tempo caiu no esquecimento e hoje

existem muitas controvérsias sobre origem da capoeira e como ocorreu sua proibição

e liberação sem estes documentos não podemos analisar os fatos do passado a

reflexão da capoeira antiga e atual.

Rui Barbosa o “Águia de Haia” mandou queimar grande parte dos documentos referentes à escravidão alegando de que tais documentos eram retratos da “vergonha nacional” que a escravidão tinha sido. E nota-se que o Brasil foi o último país a libertar os escravos, só se justificando aquela atitude pelo fato de ela ter partido de Rui Barbosa, que acreditava ser possível apagar um fato pela simples queima de documentos que dele tratavam. (AREIAS, 1983, p.23)

Assim a Capoeira permaneceu mais de 40 anos proibida no nosso país. Porém

assim como o instinto de sobrevivência dos seus praticantes era grande ela

sobreviveu. Getúlio Vargas em 1932 no intuito de liberar uma série de manifestações

populares desvincula a Capoeira do ato criminal e libera a prática da arte livremente,

porém sendo desvinculada de qualquer ato considerado ilícito ou marginal. Deve ser

exercitada apenas como defesa pessoal e em locais fechados, por pessoas

consideradas idôneas e de bem, devendo ser transformada em esporte nacional.

Junto à liberação da capoeira surge também o famoso Mestre Bimba Manoel

dos Reis Machado que em 1928 criou a Capoeira Regional da Bahia e ele foi o

fundador da primeira escola de Capoeira do mundo e criou um método de ensino uma

nova pedagogia de ensino da Capoeira, mestre Bimba foi considerado professor de

Educação Física pela Secretária de Educação do Estado da Bahia e em 1936 fez a

primeira demonstração do seu trabalho e em 1937 ele foi convidado pelo governador

da Bahia Juracy Magalhães para apresentar-se no palácio para amigos e autoridades

convidadas e isso contribui muito para a evolução da capoeira nos dias atuais. De

acordo com Areias (1983, p.70):

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Dentro dessa nova visão, uma das medidas adotadas pelo centro de cultura física e regional da Bahia do Mestre Bimba foi a de só aceitar o aluno se ele tivesse carteira de trabalho assinada, ou então se fosse estudante ou tivesse uma ocupação reconhecida evitando assim o perigo de receber algum indivíduo que possivelmente pudesse estar ligado à vadiagem, misturando – se aos “filhinhos de papai” que começavam a frequentar a academia do mestre.

Mestre Bimba na verdade só queria que a população tivesse uma boa imagem

da capoeira e sua escola se colocasse como exemplo para a sociedade da Bahia com

isso a alta sociedade começou a fazer capoeira e trouxe uma forma diferente de ver

a capoeira, pois agora a capoeira não era mais marginalizada e muitos intelectuais da

época treinavam capoeira com mestre Bimba, além de o mestre ser chamado a

lecionar dentro do exército e na faculdade de medicina da Bahia isso foi um grande

marco para o crescimento da capoeira no Brasil e com está evolução criada por mestre

Bimba a capoeira está nos dias de hoje ganhando o mundo com adeptos em mais de

150 países e presente em escolas, universidades clubes e até em hospitais como

método de reabilitação.

3.2A Capoeira na Escola

O ensino da capoeira nas instituições de ensino vem a cada dia crescendo,

muitas escolas particulares e\ou públicas estão aderindo esta modalidade por ser ela

rica em seus aspectos culturais, musicais e históricos, pois a capoeira está inserida

no contexto histórico do nosso país, e é de suma importância que todos os brasileiros

saibam de suas origens. A Capoeira, por sua vez, abrange uma área enorme dentro

da nossa história, pois as evidências de sua criação até nos dias atuais é motivo de

estudos.

Aprender a Capoeira é acima de tudo exercitar-se rumo à liberdade do corpo.

A Capoeira tem origem controversa e desperta muita polêmica, veio de fontes

populares, e entrou as instituições públicas e entrou com força, na maior parte das

escolas, clubes, universidades, academias, dentre outros, se firmando com força em

vários países do mundo. Assim a capoeira foi inserida na lógica escolar. Isto

demonstra que não existem barreiras entre a educação e a capoeira, mas uma pode

fazer parte da outra.

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Aliar a capoeira à educação pode gerar uma melhora muito significativa na vida escolar de crianças e adolescentes, produzindo maior rendimento dos alunos e resgatando valores como respeito, amizade, companheirismo. Muitas escolas públicas e particulares já incluíram a capoeira como atividade intra e extracurricular, despertando a criança para a prática do esporte desde a mais tenra infância e criando atletas para o futuro. (MENDES, 2006, p.74)

Ao trabalhar a capoeira no ambiente escolar podemos resgatar a cultura

afrobrasileira e suas raízes e trazer ao coditiano dos alunos todos os ensinamentos

relacionados a vida, a moral, a ética, o respeito para com as outras culturas e formas

de convivências. Esse porcesso pode se dar a partir da Educação Infantil.

A capoeira privilegia a racionalização sem mecanicizar os movimentos, tem o

enfoque de mandiga que é símbolo nacional, e descontextualiza a história do lugar

do negro no Brasil.

Levar a Capoeira para escola é uma missão de todos, pois existem leis que

amparam o ensino da Capoeira na educação, basta gestores e poder público juntarem

forças junto a sociedade e enfatizar o ensino desta arte no âmbito escolar sempre

levando em cosideração de um ensino que busca o valor do ser humano e nos resgate

da herança cultural do povo afrobrasileiro. Conforme música que embala a roda de

capoeira:

“Sou capoeira desde pequenininho

desde que meu pai falava:

Capoeira meu menino!

E eu gingava, saltava meia-lua,

e plantava bananeira

até no meio da rua!”

(Domínio público)

De acordo com a Capoeira é hoje, um tema presente em muitas propostas

curriculares dos Estados brasileiros para a Educação Física, aparecendo, em sua

maioria, no eixo temático Lutas - São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraná, Rio

Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Sergipe; como Jogos e Brincadeiras em Minas

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Gerais; e em Rondônia como Lutas e Dança, se fazendo, cada vez mais necessária,

sua exploração científica do ponto de vista pedagógico.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física do Brasil PCN

determinam e valorizam a participação dos alunos em jogos, lutas e esportes, tudo

isso dentro do contexto escolar. Então porque não utilizar a Capoeira, um esporte que

é luta, é jogo e dança, para desenvolver competências e habilidades em crianças e

jovens? (SOARES, JULIO, 2011).

O reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as

histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo e

à discriminação, fazem parte dos documentos legais da Educação infantil.

3.3 A Capoeira na Educação Infantil

Na atualidade um dos aspectos mais relevantes da Educação Infantil é

reconhecer a criança como sujeito desde o seu nascimento, como um ser único, com

identidade própria, no que diz respeito a sua maneira de ser, à sua realidade e ao

direito de receber uma atenção adequada a suas necessidades básicas (biológicas,

cognitivas, emocionais e sociais).

Esta construção começa no seio familiar, por ser o primeiro núcleo de

convivência e atuação, e de onde vem o atendimento de suas necessidades básicas.

A construção da identidade se dará neste emaranhado de expectativas e desejos que

corresponderão ao estilo próprio de cada família.

Imersa nesse processo de construção de identidade a criança chega à escola

de Educação Infantil e deixa de ser um anexo da família para ser vista como ela

mesma, então a escola complementa a ação da família e da comunidade.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

– 2010 define-se a Educação Infantil como:

Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. DCNEI (2010, p.12).

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Este mesmo documento também define o currículo que deve atender esta proposta como:

Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. DCNEI (2010, p.12).

A capoeira pode ser inserida desde a Educação Infantil, pois, segundo o Referencial

Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.27) tem como principais

objetivos:

Ampliar as possibilidades expressivas do próprio movimento, utilizando gestos diversos e o ritmo corporal nas suas brincadeiras, danças, jogos e demais situações de interação; Explorar diferentes qualidades e dinâmicas do movimento, como força, velocidade, resistência e flexibilidade, conhecendo gradativamente os limites e as potencialidades de seu corpo; Controlar gradualmente o próprio movimento, aperfeiçoando seus recursos de deslocamento e ajustando suas habilidades motoras para utilização em jogos, brincadeiras, danças e demais situações; Utilizar os movimentos de preensão, encaixe, lançamento etc., para ampliar suas possibilidades de manuseio dos diferentes materiais e objetos; Apropriar-se progressivamente da imagem global de seu corpo, conhecendo e identificando seus segmentos e elementos e desenvolvendo cada vez mais uma atitude de interesse e cuidado com o próprio corpo.

As propostas pedagógicas de Educação Infantil, de acordo com os DCNEI

2010, devem respeitar os seguintes princípios: Éticos: da autonomia, da

responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e

às diferentes culturas, identidades e singularidades. Políticos: dos direitos de

cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Estéticos:

da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas

diferentes manifestações artísticas e culturais. Todos estes princípios estão em

consonância e são atendidos com a prática da capoeira na Educação Infantil, e sua

proposta deverá prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de

materiais, espaços e tempos que assegurem o reconhecimento, a valorização, o

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respeito e a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-

brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação.

Na atualidade a capoeira tem sido enfatizada por diversos autores como os

espaços de aprendizagem na Educação Infantil que precisam estimular as

capacidades criativas e expressivas das crianças. Para tanto, é preciso dar voz ao

corpo, pois o desenvolvimento das potencialidades da criança necessita da

experiência de movimento, pois é através dele que se instala a aprendizagem.

Considerando esta perspectiva, todas as disciplinas inerentes ao currículo da

Educação Infantil, mas em especial a Educação Física, tem a responsabilidade de

participar da formação a partir do movimento humano que é uma importante dimensão

do desenvolvimento e da cultura humana. Os conhecimentos primordiais para a

educação infantil se dá através do movimento, é pelo se movimentar que, começa a

engatinhar, a andar, a correr e rolar. Conforme o RCNEI’ III (1998, p.15):

O trabalho com movimento contempla a multiplicidade de funções e manifestações do ato motor, propiciando um amplo desenvolvimento de aspectos específicos da motricidade das crianças, abrangendo uma reflexão acerca das posturas corporais implicadas nas atividades cotidianas, bem como atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de cada criança.

A psicomotricidade é um processo que ajuda a e acompanha a criança

em seu processo maturativo, que vai desde a expressividade motora e do movimento

de acesso a capacidade de descentração. Em tal processo são atendidos os aspectos

primordiais que formam parte da globalidade em que a criança está imersa nesta

etapa, tais como a afetividade, a motricidade, e o conhecimento, aspectos que irão

caminhando da globalidade à diferenciação, da dependência à autonomia da

impulsividade à reflexão. (SÁNCHES 2003, p.13 apud GARCIA 1995).

Um dos caminhos para contemplar esta perspectiva é a capoeira.

Lembrando que o movimento tem grande relevância no desenvolvimento da criança

na faixa etária de 0 a 5 anos sendo importante na construção da cultura corporal. E a

capoeira por sua essência tem uma prática que enfocada no jogo da roda de capoeira,

onde é o seu sublime momento e por isso a partir destes movimentos corporais e

facilita o ato do movimentar-se na Educação Infantil.

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A Capoeira tem como movimento básico a ginga e este gesto vêm a ajudar na

melhora da condição do andar, correr, pular, equilibrar, rolar, além de trabalhar força,

velocidade, resistência e flexibilidade, aliado a um suporte lúdico, que é fator relevante

para a prática da capoeira e nas intervenções pedagógicas com crianças de 0 a 5

anos no ensino de Educação Infantil. Segundo Rego (1968, p.359), que compartilha

da ideia de que luta e brincadeira são componentes da capoeira: “primitivamente a

capoeira era o folguedo que os negros inventaram para os instantes de folga e

divertirem a si e os demais nas festas de largo, sem, contudo deixar de utilizá-la como

luta no momento preciso para sua defesa”.

Tomando por base o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

(1998), que tem por objetivo a formação integral da criança, bem como suas

identidades. Analisando as atividades nele propostos deixa a Capoeira como uma das

atividades priorizadas para educar a criança em um universo onde se possibilita a

realização dos movimentos fundamentais para seu desenvolvimento e buscando

melhorar sua vivência social e afetiva com outras crianças.

A Capoeira como elemento educacional vem a contribuir no desenvolvimento

intelectual, físico e moral do educando melhorando assim sua socialização e interação

com o ambiente a qual ela vive.

Mendes (2006, p.73), ressalta que “são muitos os casos de crianças e

adolescentes que, quando entraram em contato com a Capoeira, passaram a

acreditarem nelas mesmas e com isso passaram a se sentir útil para a sociedade,

desviando, muitas vezes do caminho do sedentarismo e até mesmo da

marginalidade”. O mesmo autor afirma ainda que a capoeira seja uma arma que, se

bem empregada, pode proporcionar benefícios incríveis tanto na esfera individual

quanto social. Tendo em vista que a capoeira traz esta gama de valores para a criança

ela vem também a desenvolver muitos benefícios para a criança que à prática, pois

ela ajuda na aquisição e na melhora da coordenação motora, lateralidade, noção de

espaço temporal, flexibilidade, força, velocidade, equilíbrio estático, dinâmico e

recuperado, agilidade, destreza, ritmo e disciplina.

Os benefícios da capoeira para esta faixa etária são inúmeros dentre as

qualidades a lateralidade o ritmo e coordenação é uma das habilidades motoras que

devemos ter muito cuidado ao trabalhá-las, pois a capoeira é rica em movimentos e

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não devemos esquecer que estamos mediando o conhecimento para crianças.

Portanto devemos utilizar o método da capoeira como meio de atingir objetivos

propostos para o desenvolvimento global da criança, estimulando-a a construir o seu

próprio movimento, ou seja, dar voz a seu corpo expressivo, e também respeitando

seus limites.

A lateralidade vem direcionar a criança a ter um olhar mais dinâmico em todas

as direções e a criança vai descobrindo-se aos poucos sua lateralização que age em

conjunto com a coordenação corporal e vem a integrar a crianças em todas as

possibilidades de construção de movimentos de seu corpo ao longo do processo de

sua vida. Segundo Gonçalves (2009, p.49)

A lateralização exprime a capacidade de integração sensório- motora dos órgãos pares, como pés, mãos, olhos, orelhas, etc., tornando-os funcionais e competentes no direcionamento das variadas formas de orientação do indivíduo. É também função da lateralização a integração bilateral necessária ao controle postural e perceptível visual.

Ao falar das habilidades motoras devemos lembrar que o ritmo é um dos

componentes primordiais para adquirir um bom desenvolvimento em atividades

expressivas e rítmicas tanto lúdicas ou com objetivo de esportes educativos, e através

de movimentos da capoeira a criança executa uma variedade de movimentações

trabalhando coordenação, ritmo, lateralidade tudo em uma aula de capoeira.

De acordo com Gallauhue e Ozmun e Jacqueline D.Goodway (2012, p.301) o

ritmo é o aspecto básico e o mais importante para o desenvolvimento de um mundo

temporal estável. E isso nos leva a crer que uma aula cheia de ritmos e alegria a

criança eleva seu processo de aprendizagem e busca sempre mecanismos lúdicos

para executar seus movimentos de capoeira trazendo a ela uma expectativa de

aprender cada dia mais e ela vai se auto descobrindo ao decorrer das aulas.

3.4 Fases de desenvolvimento da criança na Educação Infantil.

Este estudo toma como referência as fases do desenvolvimento da criança

conforme Gallahue e Ozmun (2005, p.201): o período da infância é de 2 aos 10 anos

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de idade, que é dividida em três fases, o período de aprendizagem (24 – 36 meses),

a infância precoce (3 – 5 anos) e a infância intermediário-avançada (6 – 10 anos).

No período da Educação Infantil a criança se desenvolve através do movimento

que é executado de diferentes formas de acordo com sua individualidade, de acordo

com suas práticas ela melhora sua coordenação e sua precisão no ato da atividade,

para isso ela usa a sua imaginação nas brincadeiras nos jogos simbólicos, e em todas

as atividades que lhe é proposta. Esta é a fase em que a Educação Física tem um

importante papel, seu objetivo é promover e estimular o desenvolvimento integral da

criança por meio de seus conteúdos e seu caráter lúdico. Ao apropriar-se do universo

infantil as potencialidades da criança serão desenvolvidas nas aulas a partir de sua

própria cultura corporal, cultura esta, impregnada dos movimento e gestos da capoeira

que já fazem parte das experiências já existentes na criança.

Dessa maneira as atividades pré-escolares devem fundamentar-se nas formas

motoras básicas desenvolvidas pela educação física, favorecendo assim o

desenvolvimento afetivo, social e cognitivo dos alunos. Uma aula de capoeira deve

considerar as diferentes fases do desenvolvimento motor da criança, que segundo

Gallahue e Ozmun (2005, p.57,58,59,61), é dividido em quatro fases:

a) Fase motora reflexa, que são os primeiros movimentos que o feto faz, é

involuntária que formam a base para o desenvolvimento motor.

b) Fase de movimentos rudimentares, são os primeiros movimentos voluntários

realizado pela criança do nascimento até por volta dos 2 anos de idade, são

movimentos necessários para sua sobrevivência.

c) Fase de movimentos fundamentais: são movimentos consequentes dos

movimentos rudimentares, é a fase que a criança explora, descobre e experimenta as

capacidades motoras de seus corpos.

d) Fase de movimentos especializados são os resultados da fase de movimentos

fundamentais. Na fase especializada, o movimento torna-se uma ferramenta se

aplica a muitas atividades motoras complexas presentes na vida diária, na

recreação e nos objetivos esportivos. D) f

A faixa etária considerada neste estudo, entre 3 a 5 anos, segundo Gallahue

e Ozmun (2005, p.60,61), os movimentos fundamentais são divididos em três

estágios: o estágio inicial, o estágio elementar e o estágio maduro.

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Estágio inicial é uma fase de movimentos fundamentais que representa as primeiras tentativas da criança orientada para o objetivo de desempenhar uma habilidade fundamental. Os movimentos da maioria das crianças da idade de 2 anos estão no nível inicial, com algumas exceções de crianças que podem estar além deste nível. O estágio elementar envolve maior controle e melhor coordenação rítmica dos movimentos fundamentais. Aprimora-se a sincronização dos elementos temporais e espaciais dos movimentos, mas os padrões de movimento neste estágio são ainda geralmente restritos ou exagerados, embora mais bem coordenados. Muitas crianças e até adultos não vão além do estágio elementar. O estágio maduro na fase de movimentos fundamentais é caracterizado por desempenhos mecanicamente eficientes, coordenados e controlados. Geralmente as crianças têm potencialidade de desenvolver se para o estágio maduro quase com 5 ou 6 anos de idade, este estágio é quando a criança tem maior controle de execução, coordenação e eficiência mecânica na maioria das habilidades fundamentais. Alguns indivíduos não conseguem alcançar este estágio e permanecem no estágio elementar pela sua vida toda.

3.5 Apresentação e Análise dos Resultados

A proposição deste estudo foi analisar as contribuições da Capoeira para o

desenvolvimento psicomotor de crianças de 3 a 5 anos, que estão na fase denominada

de movimentos fundamentais. Comparamos os benefícios de autores consagrados

em estudos da psicomotricidade com autores da capoeira e constatamos a

convergência nestas linhas de pensamento conforme apresentado na

QUADRO 1 – Quadro comparativo entre as habilidades psicomotoras propostas por

Gallahue e Ozmun e Freitas

IDA

DE

FA

SE

S

DE

DE

SE

NV

OL-

VIM

EN

TO

FASES GALLAHUE E OZMUN E RESPECTIVAS HABILIDADES

HABILIDADES CAPOEIRA FREITAS (2007)

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3 a

5

An

os

Fase

Motora

Funda-

mental

Estágio

Inicial

Fase onde movimentos fundamentais representam as primeiras tentativas das crianças, o movimento é caracterizado por elementos que faltam ou apresentam uma sequência impropria. Tipicamente, os movimentos locomotores, manipulativos e estabilizadores da criança de 2 anos de idade estão no nível inicial.

Nesta fase a criança concentra-se por um período de 10 a 15 minutos, se estiver motivada, consegue cantar as musicas da capoeira, embora fora do tom e sem ritmo. Faz movimentos de esquivas como: cocorinha agachadinha com a planta dos pés toda no chão e com os dois braços protegendo a cabeça, caranguejo.

Estágio

Elemen-tar

Este estágio envolve maior controle e melhor coordenação rítmica dos movimentos fundamentais, exige uma sincronia dos elementos temporais e espaciais do movimento. Crianças de inteligência e funcionamento físico normais tendem a avançar para o estágio elementar principalmente por meio de maturação.

Nesta fase a criança concentra-se por mais de 20 minutos, vive a maior parte do seu dia em um mundo imaginário, gosta de criar histórias que contam como se fossem verdadeiras, sem intenção de mentir aqui o professor pode trabalhar as histórias da capoeira, tem alguma compreensão de regras, mas quase não as seguem, canta as músicas com mais ritmos e no tom correto, faz movimentos de esquivas como: cocorinha com uma das mãos no chão, defesa da cabeçada, floreios como: pião de braço, beija-flor, casinha, ponte, e aú bebê, aú criança, finta do aú.

IDA

DE

FA

SE

S

DE

DE

SE

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OL-

VIM

EN

TO

FASES GALLAHUE E OZMUN E RESPECTIVAS HABILIDADES

HABILIDADES CAPOEIRA FREITAS (2007)

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Estágio

Maduro

Nesta fase os movimentos fundamentais são caracterizados por desempenhos mecanicamente eficientes, coordenados e controlados. Alguns dados disponíveis sugere que as crianças podem e devem atingir o estágio maduro aos 5 ou 6 anos de idade. Até mesmo em observação casual dos movimentos de crianças e adultos revela que muitos deles não desenvolveram suas habilidades motoras fundamentais até o nível maduro.

Nesta fase as crianças concentram-se um período maior em torno de 30 minutos, aprende com facilidade através de situações concretas, canta varias músicas de capoeira com mais ritmo, já percebe as diferenças de diversos timbres, dos sons graves e agudos, além da variação de intensidade. Já possui aptidão para fazer movimentos mais complexos como: descida básica, negativa, defesa da joelhada, rolê, cabeçada, boca de calça, tesourinha, rasteirinha, meia lua de frente, queixada, benção, pião de cabeça, macaquinho, bananeira 3 e 4 apoios, aú adulto, aú gigante, aú vovô, e já consegue bater palmas e cantar, tocar instrumentos e cantar.

Fonte: Galhaue, 2007; Freitas, 2003, 2007. Nota: Dados trabalhados pelo autor.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou comprovar a importância das aulas de Capoeira para o

desenvolvimento psicomotor da criança da Educação Infantil em idade de 3 a 5 anos,

com isso provocou uma reflexão sobre os benefícios da modalidade como um

mecanismo educacional. Na fase motora fundamental, a Capoeira trabalha o corpo

em sintonia, através de seus elementos culturais rítmicos, expressivo e psicomotores.

A criança é estimulada a se movimentar e a também a buscar novas alternativas para

as brincadeiras, estimulando assim a cognição, o afeto e a motricidade, a socialização

e a junção destes três aspectos faz com que a aprendizagem psicomotora seja mais

eficaz.

Além dos aspectos psicomotores a capoeira contribui para a socialização das

crianças, pois, quando elas têm a oportunidade de participar de uma prática

prazerosa, aprendem a respeitar as diferentes práticas culturais, como culturas

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africanas e afro-brasileiras, e desde aprendem a não cultivando o racismo e a

discriminação, práticas tão enraizado em nossa cultura.

A Capoeira pode ser introduzida como prática corporal na Educação Infantil,

pois atende a todos os aspectos inerentes a esta fase do desenvolvimento da criança,

e que também estão em consonância com os estudos da psicomotricidade.

Por isso pode-se levar a Capoeira para dentro das instituições infantis, pois não há

lugar mais rico para se trabalhar arte, cultura e educação em todos os seus aspectos. Se a

capoeira sobreviveu aos processos históricos e está em todos os ambientes, incentivar a

capoeira na educação física como método de desenvolvimento psicomotor na Educação

Infantil será um ganho na construção do conhecimento global da criança.

Esta pesquisa limitou-se a apenas a estudar, uma fase do desenvolvimento

motor, na faixa de 3 a 5 anos, referenciado em apenas dois autores considerados

referências na área, porém o avanço nos estudos da neurociência vem trazendo

novos conhecimentos que impactam diretamente sobre a forma de ensinar e

aprender, portanto novos estudos poderão caminhar nesta direção, para desvendar o

campo do desenvolvimento psicomotor, proporcionado pela capoeira na Educação

Infantil.

REFERÊNCIAS

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CARVALHO, D. A educação com projetos antropológicos. Porto: Edições Afrontamento, 1999. CENTRO CULTURAL CAPOEIRA ÁGUA DE BEBER - www.aguadebeber-pt.com, 13\10\2014, 17h00mi Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil /Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2010. FREITAS, J. L. Capoeira infantil jogos e brincadeira. Curitiba: Torre de Papel, 2003. FREITAS, J. L. Capoeira na educação física: como ensinar? Curitiba: Progressiva, 2007. FREITAS, Jorge Luiz de. Capoeira Infantil: a arte de brincar com o próprio corpo. -2º edição. Ed. Progressiva, 2007 GALLAHUE, D.L. OZMUN, J. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças e adolescentes e adultos. 3ªed. São Paulo: Phorte, 2005. GALLAHUE, D.L. OZMUN, J. GOODWAY, J.D Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças e adolescentes e adultos. 7ª ed. São Paulo: Phorte, 2012. GARCIA, Anaiz Pilar, psicomotricidade na Educação Infantil: Uma prática preventiva e Educativa, Artmed: 2003. GONÇALVES, F. Do andar ao escrever, Um caminho Psicomotor. São Paulo: ed. Cultural RBL, 2009. KUHLMANN JR., Moyses. Infância e educação Infantil uma abordagem histórica. 3. Ed. Ed. Mediação, 2004. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998. 3v.: il. SOUZA, Walce. Menino quem foi seu mestre? Ed. independente, 2004.

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A NARRATIVA COMO PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO CURRICULAR PARA AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DE ALUNOS SURDOS

Joniana Soares de Araújo3

RESUMO

Esse estudo é de cunho bibliográfico com uma perspectiva teórico-conceitual, constituída pelas leituras exploratória e interpretativa, que buscam relatar a importância da narrativa como proposta de adequação curricular para as práticas de letramento de alunos Surdos, tendo como intuito, promover a aprendizagem a partir da interação com o outro, motivar tanto a “Surdos”, quanto a “Ouvintes” ao gosto pelo contar e conhecer histórias, incentivar o hábito da leitura de forma prazerosa através da imaginação e criatividade. A narrativa tem um foco voltado à mediação dialética, que consiste numa proposta metodológica capaz de estabelecer relações entre os diferentes saberes e de propor aulas mais diversificadas e atrativas, tendo o professor como mediador da relação entre o ensino e a aprendizagem em uma própria desenvoltura do uso da Língua de Sinais; bem como criar novas possibilidades acerca das propostas de letramento de Surdos. E, para tanto, mostrar a relevância da narrativa, como prática educativa e de adequação curricular propensa à equidade, educabilidade, diversidade e identidade Surda.

Palavras - chave: Narrativa. Adequação Curricular. Letramento. Surdez.

RESUMEN

Este estudio es de naturaleza bibliográfica con un punto de vista teórico y conceptual, consiste en lecturas exploratorias e interpretativas, buscando relatar la importancia de la narrativa como propuesta de adecuación curricular para las prácticas de letramento de alumnos Sordos, teniendo como intuito, promover el aprendizaje a partir de la interacción con el otro, motivar tanto a “Sordos”, cuanto a los “Oyentes” al gusto por el contar y conocer historias, incentivar el hábito de la lectura de forma encantadora a través de la imaginación y creatividad. La narrativa tiene un foco direccionado por la mediación dialéctica, que consiste en una propuesta metodológica capaz de establecer relaciones entre los diferentes saberes y de proponer clases más diversificadas y atractivas, teniendo al profesor como mediador de la relación entre la enseñanza y el aprendizaje en un desarrollo del uso de la Lengua de Señas; bien como crear nuevas posibilidades acerca de las propuestas de letramento de Sordos. Y, para tanto, mostrar la relevancia de la narrativa, como práctica educativa de adecuación curricular direccionada a una perspectiva de equidad, educabilidad, diversidad e identidad Sorda. Palabras-clave: Narrativa. Adecuación Curricular. Letramento. Sordera.

3 Doutoranda em Educação. Mestre em Educação. Professora, Pesquisadora e Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Educação e Surdez no Instituto de Ensino Superior de Goiás. Brasil. E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios, histórias presenciadas ou vividas são narradas porque

sempre houve alguém de outros tempos, outras terras com autoridade para contar e

repassar alguma mensagem. A todo o momento contamos, lemos e escrevemos

histórias ao exercermos o intercâmbio comunicativo que caracteriza nossa vida

comunitária. “Narrar é uma arte de contar histórias”, uma sequência de fatos que

ocorrem em local e tempo determinado, sejam elas reais, imaginárias ou a mistura de

ambas; partem do prazer que o próprio contador experimenta ao mergulhar no

universo fascinante das histórias. O olhar, a interpretação e o corpo integram-se na

própria história e geram diálogos valorosos, os quais podem expandir e promover a

interação entre Surdos e Ouvintes.

É fantástica a experiência de “ouvir” e contar, afinal de contas quem nunca

contou uma história, um encontro, uma viagem ou até mesmo uma piada? Quem

nunca se encantou e sentiu prazer ao “ouvir” histórias deslumbrantes narradas por

seus avós? E quando se narra uma história emocionante de sua vida empolgado, é

melhor ainda! Partindo desta premissa, a grande necessidade de propor narrativas,

histórias contadas para a realidade daqueles que “não podem ouvir”, os Surdos.

Nessa perspectiva se torna valido salientar a partir de Vigotsky (2001) acerca

da linguagem e do pensamento afirmando que a linguagem executa um importante

elemento na construção psicológica do indivíduo, possibilitando a relação da

linguagem com o mundo exterior e interior, oportunizando a compreensão do abstrato

e do concreto. A mesma permite que seu usuário faça a relação entre objetos,

generalização, caracterização e conceitos, dentre outros, o que concede a

transmissão e assimilação de conhecimento pelo sujeito por meio da interação. Dessa

maneira, as operações de signos ou significações que fazem parte da linguagem

estão vinculadas ao cognitivo. E, é a partir dessa premissa que o uso da narrativa

como prática de letramento de surdos é um grande passo para os princípios de

equidade e diversidade.

Para tanto conforme Campos (2006), a prática da narrativa pode transcender

os limites dos estereótipos “Surdos ou Ouvintes”, pois pode promover o

encantamento, a magia, que vai e volta através dos livros, e do ato de contar e

conhecer histórias, e que pela literatura pode se transformar e se recriar.

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Assim sendo, segundo Campos (2006), quando contamos alguma história,

queremos transmitir ideias e revelar algo. E até buscamos aquelas histórias que ficam

marcadas lá no fundo da memória que a qualquer momento trazemos à tona e

recontamos várias vezes com o mesmo entusiasmo e prazer da primeira vez. A

narrativa exerce um papel importante na formação cultural do ser, uma vez que

conhecer e contar histórias é uma atividade que acompanha o homem em todo seu

processo de ensino e aprendizagem. Por isso, é necessário refletir sobre os desafios

que o professor terá diante dos seus educandos, sejam eles surdos ou ouvintes,

formando cidadãos capacitados e motivados a leitura, bem como ao próprio exercício

de cidadania ao que se refere ao contexto da diversidade.

E assim se propõe alguns questionamentos: qual o papel da escola diante da

responsabilidade para com a diversidade dos nossos alunos Surdos? Como explicar

ao aluno, em específico, ao surdo, que a literatura e o ato de contar e conhecer

histórias podem ser tão prazerosos? Qual a importância e o uso da narrativa, bem

como do fazer docente para as práticas de letramento de alunos Surdos?

Com base nesses questionamentos, é fundamental que o professor consiga

levar a narrativa para sala de aula, lançando um olhar crítico e interativo às demandas

e necessidades específicas de seus alunos.

2 METODOLOGIA

O estudo científico que culminou nestes escritos toma por base metodológica

a pesquisa bibliográfica em uma perspectiva teórico-conceitual, constituída por um

conjugado de livros, periódicos científicos e outros; a partir das leituras exploratória e

interpretativa (GIL, 2002), que buscaram meditar acerca dos diversos elementos

comprobatórios e determinantes, com objetivo de desvendar, reconhecer e analisar

algumas das principais teorias sobre a narrativa como proposta de adequação

curricular voltada ao letramento de alunos Surdos; tendo início com o gosto pela

narrativa e sua relação com a surdez, à linguagem e a diversidade, para então abordar

questões substanciais envoltas ao currículo e a uma própria adequação curricular.

Tais determinantes são válidos ao “fazer docente”, bem como as práticas pedagógicas

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voltadas ao uso da narrativa enquanto mediação dialética destinada ao letramento de

Surdos.

3 REVISÃO E DISCUSSÃO DA LITERATURA

3.1 O Gosto pela Narração

O gosto pela narração vem muito antes até da invenção da escrita, assim

menciona (KLEIMAN, 2002), está presente desde os primeiros esforços da

humanidade para fixar acontecimentos através de desenhos gravados nas pedras por

nossos antepassados escritos no interior das cavernas, transmitindo ideias sobre os

fatos acontecidos por lá. Então, existe uma longa história trazida para nossa cultura

humana. E por serem tão importantes, chegaram as nossas escolas e se

manifestaram através da poesia, teatro e inúmeros tipos de textos, tanto oral como

escrito, que passam no dia-a-dia das salas de aula. Isso tudo mostra o quanto é

importante à narração na vida do ser humano.

Todavia para Elizagaray (1979), nos diz que desde milênios de anos atrás já se

relatava de alguma forma a vontade que o homem tinha em demonstrar sua vivência,

sua experiência de vida e sentirem a necessidade de transmitir isso para alguém. Por

isso que nas escolas devemos ter em prática toda essa cultura, todo esse gosto pela

história de modo que ela resgate o incentivo não só da leitura como da desenvoltura

de textos, forçando assim a capacidade de aprender a ter gosto por ambas.

Existe um problema muito sério em relação à leitura, bem como também as

práticas de letramento em sala de aula, uma vez que esta está voltada, para o

cumprimento de um conteúdo, sem despertar para as possibilidades que ela pode nos

oferecer inclusive de prazer. A escola ainda não possibilita a leitura como útil e

prazerosa, e interativa, entretanto, faz com que seja considerada como obrigação e

como atividade que cansa, aborrece e dá trabalho. E em consequência disso, o

indivíduo não é capaz de tomar gosto em narrar ou interpretar um texto, muito menos,

de interagir com o mesmo “o texto” e com os outros. Observa-se que, muitas vezes, o

aluno escreve a partir de um tema previamente definido pelo professor ou pelo livro

didático, sendo que desse modo não há envolvimento dele com a atividade da escrita,

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ele faz apenas para cumprir a obrigação escolar. Nessa perspectiva, a situação do

surdo é ainda pior, pois necessita da interação com os outros, com a Língua de Sinais

e com uma estrutura bilíngue4.

Para que esse quadro seja revertido, a literatura, bem como as práticas de

letramento, seja de Ouvintes ou Surdos, precisa de mudanças urgentes, devendo

ocupar um espaço privilegiado, em que a partir dela seja possível refletir sobre o

mundo, sobre a interação, sobre a construção de espaços que promovam a

identidade, a aprendizagem e a equidade (SILVA, 2007).

Assim sendo, é relevante que o leitor seja agente, interfira no texto com suas

particularidades, escolhendo livremente suas próprias trilhas a seguir. O gênero

narrativo de acordo a Kleiman (2002) é, na escola, sinônimo de literatura, e letramento,

porém, os professores ainda não percebem a narrativa como um conteúdo ou uma

atividade significativa e propícia a questões de interação entre alunos e aprendizado,

tornando-se, por sua ver, um ponto crucial e de grande relevância para os processos

de ensino e aprendizagem.

3.2 A Surdez, a Linguagem e a Diversidade nas Práticas de Letramento

Falar do uso de narrativas e de práticas docentes para o letramento de Surdos

é falar da necessidade da aquisição da linguagem, bem como dos artifícios da

comunicação, os quais, a ela, estão envoltos como construção dos processos de

internalização, e mediação, cujos quais, são promovidos pela interação que se dá no

meio, assim para Vigotsky (2001), “o desenvolvimento cognitivo não é entendido como

um processo abstrato e desarticulado do contexto sociocultural dos indivíduos”; assim,

o contar e conhecer histórias se dá através da “Língua de Sinais” e por sua vez, pela

aquisição de conhecimentos percebidos nas relações interpessoais intuídas no

contexto da sala de aula.

4 O termo bilíngue indica segundo Fernandes (2010), a necessidade do Surdo de adquirir a Língua de Sinais como primeira língua (L1) e a língua de seu país (L2) enquanto segunda língua “leitura e escrita”.

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Sendo assim, de suma relevância o uso e aplicação da narrativa, enquanto

proposta didática voltada ao desenvolvimento da aprendizagem de Surdos em uma

perspectiva de equidade e de diversidade. E, para tanto, como meio de comunicação,

de expressão e de aprendizagem. Nessa magnitude, “[...] a linguagem torna-se o

canal principal para a internalização da cultura e, consequentemente, da

subjetividade. A linguagem amplia a possibilidade de se perceber o mundo” (PORTO,

OLIVEIRA, 2010, p.52). Nesse sentido, perceber a urgência de um olhar voltado as

comunidades surdas, em seus aspectos e anseios, que caracterizam uma cultural, na

qual deve ser respeitada em sua “diferença cultural”.

Desse modo é incompreensível pensar no conceito de aprendizagem

desassociado das interações que são mediadas pela linguagem, e por sua vez, pelas

práticas associadas a ela, “em questão, a narrativa”; partindo desse conceito, se torna

fundamental o uso e aceitação da Língua de Sinais por parte dos Surdos e dos atores

escolares que a ele norteiam. Assim:

[...] a possibilidade de interação social e educacional passa primeiramente e necessariamente pela aceitação da língua de sinais como sua língua materna e pela garantia de seu desenvolvimento a partir de sua língua. Isso implica mudanças na educação que é oferecida aos Surdos, investimentos em recursos humanos e uma política de reconhecimento da diferença linguística segundo um conceito de equidade e não de igualdade (CAVALCANTE, 2013, p.22).

A partir da percepção da linguagem como pressuposto de interação entre a

aprendizagem e o sujeito é necessário e crucial, pensar no conceito de equidade,

(CAVALCANTE, 2013) enquanto ponta pé inicial ao desenvolvimento humano, e a

formação do Surdo e de sua aprendizagem.

3.3 A Adequação Curricular enquanto Ressignificação das Práticas de Letramento de

Surdos

A adequação curricular é compreendida como uma maneira de adequar um

conteúdo escolar, uma prática educativa à realidade social, econômica ou cultural de

um grupo ou indivíduo, levando em conta “[...] atores, ações, instrumentos e

resultados... as ações de adequação comprometem a atuação de recursos humanos

mais próximos à concretização do processo de ensino e aprendizagem”. (LUCARELLI,

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1997, p.07). Sendo assim, perceber o currículo como um forte aliado a questões que

envolvem a inclusão social, bem como as práticas educativas de adequação do

mesmo, é fazer valer o direito a construção da identidade surda, que se apresenta

pela diferença, para isso, “conhecer o mundo pela visão significa desenvolver um

código visual com o qual os Surdos associam significados e, significante a partir das

informações visuais que extraem do meio” (VILHALVA, 2004), partindo desse

pressuposto, torna-se imprescindível discutir a temática adequação curricular nas

práticas de letramento de Surdos, a qual versa trazer questões categóricas para o

sucesso e interação escolar de Surdos, de modo que se faça valer o uso da Língua

de Sinais, do bilinguismo e de um repensar a cerca do currículo escolar; e, sobretudo

de uma reflexão aprofundada sobre as práticas educativas, voltadas a esta

comunidade. Para tanto é fundamental mencionar:

[...] em outras palavras, é a necessidade de formar profissionais que acolhem o novo, presente em cada aluno Surdo, livre de preconceito e comprometido politicamente com a função cultural e social de produzir sentido, de construir conhecimentos e reconhecer a plenitude do desenvolvimento... [de suas potencialidades] grifo nosso. (DUBOC, 2011, p.02)

Neste sentido, o comprometimento político, reflexivo para com a cultura surda

é impreterivelmente, o de reconhecer a função social que a escolar assume para com

estes coadjuvantes que nela estão inseridos. É partindo de tais pressupostos que se

compreende a adequação curricular como uma maneira de adequar um conteúdo

escolar, uma prática educativa a realidade social, econômica ou cultural de um grupo

ou indivíduo, tendo como base para tanto o sujeito para quem se ensina, com

características heterogêneas e próprias, as quais percebem “[...] o currículo, [como]

lugar geométrico, o qual reúne todos os desenvolvimentos teóricos vistos pela didática

[...]” (CAMILLONI, et al., 2007, p.21) nesse argumento, mesmo o Surdo tendo toda

uma estrutura de intérprete, instrutor e outros; há a necessidade de uma visão de

adequação curricular, percebidas pela didática, que respeite o Surdo como detentor

de uma identidade cultural, necessitando de possibilidades, as quais, o torne parte de

um processo verdadeiramente integrante da estrutura escolar da qual faz parte.

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Igualmente para Silva (2007), o conceito de multiculturalismo representa um

importante instrumento de luta política nas estruturas de currículo e educação, pois

ele remete ao seguinte questionamento: o quê conta como conhecimento oficial? O

quê e como devem ser os processos educativos no seio escolar? Assim, ele também

nos lembra, que “a igualdade não se obtém simplesmente através da igualdade de

acesso ao currículo hegemônico” (SILVA, 2007), mas pelo modo como a escola e os

indivíduos conduzem este “acesso”; sendo, para tanto, preciso mudanças

substanciais do currículo existente e prioritariamente na forma ideológica, com a qual,

é visto. Para tanto, se faz necessário uma aplicação verídica aos direitos arduamente

conquistados pela comunidade surda, trazendo-os a uma estrutura escolar que

interaja o currículo real ao currículo ideal, semeado por uma escola que se adeque

aos anseios e necessidades desta população, enfatizados por uma proposta bilíngue

e igualitária em seus direitos deveres. Tornando o indivíduo Surdo capaz de exercer

seu verdadeiro papel na comunidade escola, disseminado pelas inúmeras

capacidades que possui de exercer sua cidadania, estudantil e social.

Para tanto, Silva (2007) aborda por sua vez o currículo como narrativa étnica e

racial, reafirmando uma superação e ampliação do pensamento curricular crítico, que

aponta a dinâmica de classe como única no processo de reprodução das

desigualdades sociais. Buscando alertar para tanto, para questões como etnia, raça,

cultura, gênero, entre outros inúmeros aspectos, os quais, podem configurar um novo

repertório educacional significativo. Tornando-se fundamentais, as discussões

problematizadoras que estabelecem vínculo entre conhecimento, identidade e poder;

assim, temas como diversidade, equidade, cultura, etnia e outros, ganham seu lugar

no território curricular.

Neste prisma se ressalta a prioritária relevância de um currículo adaptado à

identidade cultural surda, voltado a uma comunidade escolar bilíngue e inclusa as

suas peculiares e necessidades educacionais.

3.4 O Fazer Docente e a Importância da Narrativa

De acordo com Kleiman (2002), a leitura ocupa um lugar cada vez menor no

cotidiano brasileiro, com a pobreza no seu ambiente de letramento ou a formação

precária de um número significativo de profissionais, os quais, por muitas vezes não

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tem o hábito de ler. Por que essa realidade? Esse problema surge desde as práticas

pedagógicas vistas no seio escolar e vão até os livros citados para os vestibulares,

não criando mecanismos que facilitem o acesso aos livros, nem a textos com

qualidade literária. As práticas pedagógicas desmotivadoras provêm de concepções

erradas sobre a natureza do texto, da leitura e, logo, da linguagem. Gerando para

tanto, um analfabetismo funcional gigantesco, submerso nas escolas, na sociedade,

na cultura e na política do país.

Normalmente os adultos preocupam-se com que as crianças façam seus deveres escolares todas as noites; mas raramente encontramos esse interesse voltado para orientação da leitura de ficção, para o estímulo à imaginação e pelo prazer que os grandes autores podem oferecer por meio de seus diferentes estilos e temas literários. E, no entanto, isso na prática requereria apenas um pequeno esforço. E quanto não ajudaria ao desenvolvimento da sensibilidade de qualquer criança! (ELIZAGARAY, 1979, p.51)

O incentivo não precisa vir necessariamente apenas do docente, a educação

desde o berço pode partir de experiências prazerosas para a descoberta do mundo

da imaginação, que são os livros. Exemplo disso são as cantigas de ninar, das rimas

antigas, o folhear dos livros mostrando as figuras (ELIZAGARAY, 1979), enfim,

existem diversas maneiras de desenvolver no homem um vantajoso interesse pelos

livros, criando assim um hábito para a vida toda.

Diante dos avanços da sociedade moderna, nos últimos anos, o acesso ao livro

não só democratiza a leitura, mas proporciona controle e poder, o que só se acentua

quando origina uma visão crítica e atuante, em que o leitor ao se situar diante do livro,

também se situe diante do mundo que ele traduz. Além de abrir caminhos e

perspectivas de posicionamento crítico diante da realidade, a leitura também dá

prazer, e este prazer os levará a imaginar e conhecer lugares e pessoas jamais vistos,

mas imaginados por seu pensamento. A pouca formação escolar não favorece o

desenvolvimento dessa atividade pelas famílias, e a escola torna-se para muitos, o

lugar praticamente exclusivo para se ler (LEITE, 1997). Para que isso aconteça, é

necessário, no entanto, que os professores dominem os aspectos teóricos relativos à

estrutura da narrativa, e a importância de adequar suas práticas, para que as mesmas

possam contemplar de maneira interativa a Surdos e Ouvintes.

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No decorrer da história, porém, as histórias narradas pelos homens foram-se complicando, e o narrador foi mesmo progressivamente se ocultando, ou atrás de outros narradores, ou atrás dos fatos narrados, que parecem cada vez mais, com o desenvolvimento do romance, narrarem-se a si próprios; ou, mais recentemente, atrás de um contar, que velando e desvelando, ao mesmo tempo, narrador e personagem, numa fusão que, se os apresenta diretamente ao leitor. (LEITE, 1997. p.5)

O texto narrativo permite ao indivíduo olhar para o outro, reconhecer-se e criar

sua própria identidade. Na essência de um conto, romance, novela ou poesia,

descobre-se a complexidade humana representada na ficção. Narração e ficção

nascem juntas praticamente, pois o narrador narra o que viu, viveu ou testemunhou,

como também o que imaginou, sonhou e desejou. Para Leite (1997), ao redigir uma

narrativa, o escritor deve decidir se fará parte ou não da história, podendo ser narrador

em 1° pessoa ou em 3° pessoa. Sendo necessário ainda conhecer os elementos

básicos da narração, o qual, todo texto narrativo só existe se houver ação e esta

praticada pelos personagens. É preciso detalhar o fato ocorrido de modo que o texto

seja analisado pelo produtor usando os elementos coesivos estabelecendo uma

relação entre o sujeito escrevente e seu interlocutor.

O universo das práticas de letramento de Surdos através da narrativa é muito

amplo, esta veiculado aos meios de comunicação, seja na internet, jornal, revistas, no

uso de textos não verbais, entre outros. A melhor maneira de interpretá-los é

identificando-os. As práticas de letramento e o uso de narrativas é o processo

dinâmico do uso da língua que melhor evidencia as marcas da identidade de um povo

e de sua cultura. Ainda na perspectiva de Leite (1997), o contar de uma história é uma

ação que infelizmente já está em decadência no mundo de hoje, pois as pessoas

andam muito atarefadas e estão sem tempo para sentarem a mesa e contarem os

fatos do dia-a-dia. Através da narrativa poderemos ter noção e dimensão do nível das

competências e habilidades de um produtor de textos à medida que conhece história

narradas. O homem criou os gêneros literários para manifestar por meio da linguagem

tudo àquilo que surge em sua imaginação e pode se transformar em um tipo de

história.

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Ensinar um texto narrativo em sala de aula automaticamente envolve o

despertar para a sensibilidade, a possibilidade do reconhecimento de sentidos, a

reconstrução da linguagem e do pensamento; os quais começam a se desenvolver

mediante motivações. Nessa observação, sendo fundamentais para o Surdo, os

processos de interposição, estimulação e desenvolvimento de práticas de letramento

adaptadas as suas necessidades.

Assim é valido ressaltar que as atividades mentais do Surdo têm expansão com

a aquisição da Língua de Sinais “como primeira língua (L1)”, Fernandes (2010), a qual

permite que os signos sistematizem o pensamento. Todavia é indispensável

mencionar que a interação mediada no contexto da sala de aula, em questão o “uso

da narrativa”, seja indispensável para uma construção de cognição dada pela

linguagem e pela interação percebida através dela.

Logo, existe uma relação entre linguagem e pensamento de maneira

interligada, mas isto não quer dizer que tenham a mesma função. O pensamento está

relacionado ao signo, no qual o mesmo dá origem à fala, que por sua vez estabelece

o pensamento verbal, desse modo, a pessoa Surda, não possui “a fala”, a qual é

substituída pela “Língua de Sinais”, e a partir dela, constitui significado. “É no

significado da palavra que o pensamento e a linguagem se unem e formam o

pensamento linguístico” (GOLDFELD, 2002, p.53), “a compreensão”. O Surdo que não

tem interação no meio social com a Língua de Sinais apresenta sérios problemas no

desenvolvimento cognitivo e também na comunicação. Sendo para tanto, de grande

valia as práticas de adequação curricular, desenvolvidas a partir do uso de narrativas.

Portanto, o ensinar é capaz de transformar informações em conhecimentos,

aumentando assim as relações entre o ensino e a narrativa enquanto veículo para o

letramento. Assim, a narrativa proporciona uma analogia entre as expectativas do

leitor e sua própria prática, igualmente ela é percebida quão intensamente em uma

sequência de fatos que se conectam, com causas e consequências esperadas, como

se os enredos da vida humana, representados no texto, sempre tivessem fim. Essa

organização de sentido dos fatos que a narrativa proporciona faz com que o leitor se

sinta gratificado, pois mostra as possibilidades de sentido que a vida pode ter. E

provavelmente toda essa vivência com a narrativa proporcionando prazer, gosto pela

leitura, significado no ato de ler, o que facilitará a leitura (LEITE, 1997), e

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provavelmente, acarretará na formação de leitores, fazendo com que a escola atinja

os seus objetivos.

O docente pode trabalhar a narrativa em sala de aula de várias formas, no

entanto, fazendo uso de adequação curricular para os Surdos a partir do uso de

imagens, da Língua de Sinais, de softwares, entre outros; partido da necessidade, da

criatividade e da imaginação de seus alunos. Nessa totalidade, um exemplo muito

eficaz é o uso de histórias em quadrinhos, pois detêm a articulação entre a imagem e

a escrita, que se articulam; temos também as histórias em quadrinhos apenas com

imagens, as quais permitem aos alunos, sejam Ouvintes ou Surdos, a possibilidade

de criação e construção de suas próprias narrativas.

Até um objeto comum, contido na sala de aula pode servir como método

explicativo do conteúdo a ser explorado, no qual o professor apenas deve mostrar

para a turma e através dele, o aluno começa a narrar sua história, ou seja, o próprio

aluno terá a capacidade de transpor suas ideias e começar a desenvolver um texto

narrativo. Vários tipos de textos podem ser trabalhados durante a intervenção,

elegendo para sua produção, um tipo específico de narrativa, como conto de fadas,

começando por “Era uma vez”, deste modo o sujeito que produz esse tipo de texto

vira o autor que por meio da memória discursiva criou um texto com começo, meio e

fim, coerentes com a proposta de produção da proposta em questão.

Há também, segundo Kleiman (2002), uma maneira de fixar o conteúdo

relacionado aos textos narrativos que seria as narrativas recontadas, ou seja, os

alunos fazem uso dos elementos da sua memória para poder reescrever imprimindo

nela, a criatividade semântica e contextual, voltadas a Língua de Sinais, produzindo

efeitos de sentido diante do contexto e demonstrando aspectos de sua formação

“identitária” ao usar memórias e construir enredos nas histórias de seu povo. Portanto,

orientar o aluno, em específico, o aluno Surdo, é interagir com ele, mostrando a

capacidade para contar textos, por ele produzido, fazendo com que perceba a

produção de textos como processo de construção, e para tanto, consequentemente

surgirá à criatividade muito mais trabalhada através do planejamento e da prática

constante de contar e recontar histórias, como proposta de letramento, compreendido

pelo domínio da Língua de Sinais (L1), da leitura e da escrita, enquanto língua usada

em seu país (L2), (FERNANDES, 2010).

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Enfim, as narrativas possuem a capacidade de mobilizar sentimentos, através

da ideia de pertencimento ao espaço local e ao mundo particular, quão grandemente

para a prática docente e o letramento de Surdos.

Um importante meio de se trabalhar em sala de aula é utilizar gestos realizados

com as mãos e o rosto, somados ao uso de imagens relacionadas ao eixo temático e

a Língua de Sinais. O texto pode ser recontado segundo a sensibilidade,

expressividade e intenção do narrador. Quem está participando, no momento do ato

de perceber a história, revela condições de elaborar seu próprio texto, criando suas

possibilidades dramáticas, já que, ao contarmos uma história, transmitimos

sentimentos, ações, ponto de vista, expressões com sentidos próprios.

A hora de “curtir” um livro juntos é a hora de partilhar: um livro de histórias curtas, contadas com palavras fáceis de ler e entender, ilustrado com imagens que falem da história, das personagens e ações que estão sendo lidas e mostradas, que façam rir de verdade, que seja engraçado, que faça pensar em coisas novas, que informe, que faça brincar com as mãos, olhos e ouvidos. O importante é que nessa hora não haja pressa, contando ou lendo tudo de só uma vez. É preciso respeitar as pausas, perguntas e comentários naturais que a história possa despertar, tanto em quem lê quanto em quem ouve. É o tempo dos porquês. (SANDRONI, 1986. p.15)

Esses textos narrativos a serem utilizados devem conter figuras relacionadas

aos eixos temáticos, de modo que o campo visual estimule a criação e informação do

aluno Surdo.

Alguns recursos a serem utilizados pelo professor é a linguagem através da TV,

do vídeo, de imagens, do computador, de softwares, e outros que usem o campo

visual, os quais são importantes para a motivação, pois partem do concreto, do visível,

do próximo, movimentando todos os sentidos. Através dos recursos mencionados em

uma concepção viso-espacial, é que se criam as situações, pessoas, cenários, cores

e circunstâncias. Formando um conjunto apoiado, ao narrar, ao contar histórias e a

construção da aprendizagem vista pela própria comunicação humana. A lógica da

narrativa se baseia em colocar um pedaço de imagem e história, encontrando

fórmulas que se adaptam perfeitamente à sensibilidade do homem contemporâneo,

bem como de suas necessidades.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar a narrativa como proposta de adequação curricular para as práticas de

letramento de alunos Surdos nos remete a inúmeras questões e barreiras que

precisam ser transcendidas, dentre elas, a urgência da compreensão de questões que

permeiam a aquisição da linguagem e dos conflitos subjacente a ela, da necessidade

de interação das práticas educacionais em um ponto de vista que considere a

diversidade e equidade.

Partindo deste pressuposto, é relevante considerar que a linguagem é requisito

fundamental para a atividade cognitiva humana e tida como essencial para a formação

do sujeito, pois possibilita as interações e a própria formação do conhecimento

humano Vigotsky (2001). A linguagem é adquirida na vida social e é com ela que o

sujeito se constitui como tal, com suas características próprias, diferenciando-se dos

demais animais. Se considerarmos a linguagem, a integração e o uso da narrativa

como caminho para tal, do mesmo modo, torna-se possível discutir a interação escolar

de pessoas Surdas, de seus processos educativos, sociais e curriculares.

Neste contexto, é imperativo pensar em uma proposta bilíngue, conforme

defende Fernandes (2010), enquanto passo fundamental para a aprendizagem da

pessoa Surda, sendo crucial, para isso, que se pense em um currículo adaptado as

suas legítimas necessidades.

Em face disso, o aluno Surdo precisa de uma metodologia de ensino própria,

com sala de aula adequada, em que se predomine o visual. É importante perceber

que a pessoa com surdez tem as mesmas possibilidades de desenvolvimento da

pessoa Ouvinte, precisando apenas que suas necessidades específicas sejam

atendidas.

Para tanto, esse estudo se propõe a lançar uma reflexão do fazer docente a

partir de um olhar crítico e construtivo acerca das práticas educativas que versão a

uma adequação curricular a partir do uso da narrativa no letramento de Surdos.

Assim, é a partir de reflexões sobre as ações e processos educativos que

podemos pensar e conduzir a educação de Surdos como uma proposta de inclusão

escolar real e voltada ao fortalecimento da “Cultura Surda” e de um currículo adequado

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a suas necessidades, que busque ressinificar as práticas pedagógicas que visando

suprir dificuldades no desenvolvimento cognitivo, linguístico e social dos Surdos.

Percebe-se a importância da narrativa como proposta de adequação curricular

para as práticas de letramento de alunos como uma necessita urgentemente,

enquanto parte de uma “prática docente”, direcionada pelo discurso do uso de uma

linguagem acessível a todos, os quais, na diferença, possam ter os mesmos direitos,

sejam eles de aprender, de se socializar, e, sobretudo, de serem sujeitos de sua

própria aprendizagem.

REFERÊNCIAS

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LUCARELLI, Elisa. Regionalización del currículum y capacitación docente: respuestas e interrogantes en la Educación básica latinoamericana. Buenos Aires. Miño y Dávila, 1997. PORTO, Marcelo Duarte; OLIVEIRA, Márcia Denise Marque. Educação inclusiva: concepções e práticas na perspectiva de professores. Brasília, D.F.: Editora Aplicada, 2010.

SANDRONI, Laura C; MACHADO, Luiz Raul. A criança e o livro. São Paulo: Ática, 1986. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. VIGOTSKY, Lev. Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VILHALVA, Shirley. Despertar do silêncio. Rio de Janeiro: Editora Arara Azul, 2004. (Coleção Cultura e Diversidade)

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O USO DOS CÍRCULOS RESTAURATIVOS EM MEDIAÇÃO ESCOLAR

Elis de Castro Benedito dos Santos5

RESUMO

A realidade da violência permeia as práticas escolares, que passa a buscar na Mediação

Escolar um terceiro neutro que possa subsidiar o abandono das concepções punitivas e

vingativas, em prol de um olhar restaurador dos conflitos escolares. O presente estudo teve

por objetivo, analisar a eficiência do uso dos círculos restaurativos, na promoção da resolução

de conflitos escolares. O estudo contou com a participação de alunos do 6º ao 9º ano do

Ensino Fundamental II, com idades de 11 a 15 anos, seus responsáveis e toda a comunidade

escolar. Adotou-se para a coleta de dados a abordagem qualitativa, considerando

subjetividades e flexibilizando contexto, teoria e prática, característica da metodologia de

pesquisa-ação. As análises revelaram que a partir de intervenções participativas em situação

de conflito, há um favorecimento à substituição das atitudes violentas, compreendendo o

conflito como uma possibilidade de experiência, aprendizagem, além de enfatizar a força

positiva dos sentimentos de compaixão e empatia, que emanam durante a vinculação dos

envolvidos e atuam incisivamente na restauração das relações.

Palavras-chaves: Círculos Restaurativos. Mediação Escolar. Violência Escolar.

1 INTRODUÇÃO

Uma realidade de discursos intolerantes, depredação e abuso das relações de poder,

promovem na instituição escolar um ambiente hostil às aprendizagens e às socializações.

Nessa atual conjuntura observam-se cada vez mais professores doentes solicitando licenças

saúde, alunos evadidos por serem alvo de Bullying e outros tantos sendo encaminhados pela

escola às clínicas psicológicas, diagnosticados precocemente com os mais variados

distúrbios.

5Mestre em Psicologia da Saúde. Universidade Metodista de São Paulo-SP. Brasil. Email: [email protected]

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A patologização dos problemas educacionais ilustra a falta de capacidade da escola

em lidar com novas formas de relacionamento que as crianças e os jovens têm com o mundo,

além de escancarar a fragilidade da estrutura escolar e do seu sistema de ensino. É urgente

repensar as práticas escolares em prol de uma educação efetivamente saudável, em que

crianças e adolescentes deixem de ser diagnosticados, rotulados, medicalizados e excluídos.

Este artigo tem como objetivo, analisar a eficiência do uso dos círculos restaurativos, na

promoção da resolução de conflitos escolares. Faz-se relevante este objeto de estudo, que

parte de uma necessidade insipiente da realidade educacional, que compromete não somente

as aprendizagens, mas torna-se um problema de saúde pública, envolvendo toda a

comunidade escolar. É possível notar sua importância à medida que surge uma iniciativa da

Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, instituindo o Sistema de Proteção Escolar,

ou seja, se fez preciso instituir uma política pública que abarque estas novas demandas.

Compreende-se que é indispensável se atentar à qualidade das relações do ambiente escolar

tornando-o saudável e seguro, e que esta qualidade afeta além das interações, como também

o próprio processo ensino aprendizagem. Assumindo seus conflitos e atuando de maneira

preventiva, envolvendo toda a comunidade escolar e desenvolvendo as habilidades de

tolerância e autonomia. Surge então, a figura do mediador escolar e a concepção de mediação

escolar, a qual se responsabiliza por tratar de maneira apaziguadora os conflitos escolares,

viabilizando as trocas de saberes e o respeito à diversidade. Sendo o mediador o terceiro

neutro que promove o encontro das partes envolvidas no conflito, sem qualquer tipo de

rotulação e pontuando as necessidades individuais em busca de um acordo satisfatório para

ambos.

O conceito dos processos restaurativo tem como base teórica a Justiça Restaurativa

e os círculos restaurativos, que por meio do diálogo aberto e da narrativa de suas experiências

vão se restabelecendo laços afetivos, recriando novas interações, com aceitações,

generosidade e consequentemente o esvaziamento da violência. Enfatizando a força positiva

dos sentimentos de compaixão e empatia que emanam durante a vinculação dos envolvidos

e atuam incisivamente na restauração das relações.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Círculos restaurativos

O consenso e principalmente a circulação da palavra, ao invés da detenção do

poder da palavra, é uma das experiências propostas pela Justiça Restaurativa, sendo

a capacidade dialógica um de seus pilares educativos. Os processos circulares

apresentados (PRANIS, 2010) se orientam nessa direção, em princípios de partilha

da liderança durante as rodadas do bastão da fala, conectando as pessoas que

buscam a construção do consenso. A proposta de círculos acontece como uma

reunião de pessoas que ao contar suas histórias, suas versões de um acontecimento,

se vinculam através da compaixão.

A compaixão é uma virtude que comunga do sofrimento do outro, sem se

amparar em julgamentos, é possível se ter compaixão tanto pelo objeto que se tem

apreço, como por aquele condenável. “A compaixão, (...) é um sentimento horizontal,

só tem sentido entre os iguais, (...) ela realiza essa igualdade entre aquele que sofre

e aquele (ao lado dele e, portanto, no mesmo plano) que compartilha do seu

sofrimento. (…) Não há compaixão sem respeito.” (COMTE-SPONVILLE, 2009, p.127)

Segundo Pranis (2010) as narrativas pessoais evocam sentimentos de respeito,

compreensão e confiança, que reduzem as possibilidades de manutenção da

hostilidade oriunda do conflito. Estes círculos através do fortalecimento dos vínculos

sociais fomentam uma responsabilização dos envolvidos, afinal há um

comprometimento mútuo e coletivo. Sua organização acontece frente a algum conflito,

de forma igualitária e jamais rotulante, ouvindo vítimas e ofensores, dando lhes apoio

e os ajudando a se responsabilizarem por seus atos.

O processo circular é composto pelos elementos estruturais: Cerimônia,

Orientações, Bastão da Fala, Facilitador e Processo Decisório Consensual. (PRANIS,

2010). Tanto a abertura como o término de cada círculo restaurativo tem a Cerimônia

como elemento que demarca a sua sacralidade como um momento único. A pausa

para as orientações iniciais do funcionamento do círculo, a verificação da

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disponibilidade dos envolvidos ao estarem em um desnudamento de julgamentos, a

ênfase na capacidade transformadora de realidades mediante o diálogo, a quebra das

visões negativas e inseguras e posse da responsabilização pelos atos, são todas

fagulhas que vão sendo acesas durante a Cerimônia. Esta que demarca que o tempo

despendido ao círculo e que os encaminhamentos que serão feitos durante ele, não

ocorrem de uma maneira qualquer, é preciso estar disposto a reconciliar-se, a

responsabilizar-se, à ouvir de forma compassiva e empática o outro. O Círculo

interconecta os partilhantes com um sentimento de esperança e confiança e essa

diferença de percepções e ritmos, da vida comum e do círculo é que fazem da

Cerimônia o elemento estrutural que instaura esse novo ritmo, instaura o momento do

círculo como um momento sagrado.

As Orientações são os compromissos que os participantes têm a fim de facilitar

a dinâmica do processo restaurativo. Adotadas de forma consensual as Orientações

são anseios pessoais e também coletivos durante o círculo, como a necessidade de

respeito e de oportunidade de fala e escuta. Ou seja, as Orientações são os

compromissos firmados que garantirão a boa execução do processo circular.

O Bastão da Fala é um objeto que circula entre os participantes do círculo, em

que aquele que o tem em mãos, tem a voz e sem interrupções, narra sua história. O

bastão é a segurança de que sua fala será respeitada sem ser interrompida, assim

como também respeita o silêncio daquele que não quiser falar. O bastão fornece a

igualdade entre os participantes, além de distribuir responsabilidade. Organizando

diálogos e gerenciando emoções, que de mão em mão vai conectando os partilhantes.

O guardião ou Facilitador conduz de maneira neutra e imparcial as reflexões,

pontuando conforme as necessidades apresentadas. Sua função é de garantir a

funcionalidade do círculo, gerindo a qualidade das trocas e partilhas. Deixando claro

que o processo de decisão é de responsabilidade dos envolvidos no círculo, sendo

que jamais o Facilitador se encontra em um papel de destaque ou em uma relação de

poder.

O Processo Decisório Consensual é de maneira simplista um acordo firmado

pelos envolvidos no círculo que de maneira coletiva é construído no encaminhar da

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partilha de suas narrativas. Coletivamente os envolvidos decidem de maneira

consensual sobre a responsabilização de todos, e de seus compromissos frente à

decisão. É sabido que nem sempre as decisões são consensuais, e que por vezes se

apresentam pesadas demais para algum membro do círculo, para tanto é necessário

o autoconhecimento que permite a percepção de que não há a possibilidade de

cumprimento da decisão, gerando assim a busca de novas soluções que visam

atender a todos. O próprio exercício de recontar suas vivências e sentimentos já

propicia uma autoreflexão, sendo assim o círculo restaurativo, se desenha como um

espaço de partilha de verdades e de fortalecimento e reconstrução de relações.

Empatia, confiança e compaixão, estes são os três sentimentos primordiais que

atuam de maneira a restaurar as relações. “A confiança é um ato de audácia; muitas

vezes constitui um desafio às aparências e às evidências, um recomeçar, mas não a

partir do mesmo ponto. (...) A confiança nos demais supõe apostar que eles são bons.

E isto tem que ser ensinado.” (CURBELO, 2005, p.37). Confiar no outro, acreditar no

que está sendo dito, nos compromissos que estão sendo firmados, é de fato um ato

de audácia, que só possui aporte para ocorrer na aura sagrada que o círculo propicia.

Assim como a compaixão é partilhar da dor, a empatia é a compreensão das vivências

do outro. Segundo Rosemberg (2006), a escuta empática é a escuta livre de qualquer

julgamento, é uma escuta que acontece muito mais do que sensorialmente, é uma

escuta no coração. “Quando os sentidos estão vazios, então todo o ser escuta. Então,

ocorre uma compreensão direta do que está ali mesmo diante de você e que não pode

nunca ser ouvida com os ouvidos ou compreendida com a mente.” (ROSEMBERG,

2006, p.134). Compaixão, confiança e empatia corroboram na medida em que se

desvencilham de julgamentos e se colocam frente ao outro, sem relações de poder na

busca pela compreensão, mas muito mais que mero entendimento, é um dispor-se ao

outro, é a verdadeira partilha de si.

Trabalhar com a circularidade fomenta a ideia de que as coisas estão ligadas e

relacionadas entre si, entendendo a circularidade das mudanças, em que há fases no

conflito, que ora progridem e ora regridem, e que seu crescimento, sua forma é

desenhada pela sua própria dinâmica, tal qual um espiral. (LEDERACH, 2012)

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2.2 Conflitos e mediação

Ao compreender a relação entre doença e os conflitos, avaliando a qualidade

das interações escolares envoltas por um contexto violento, Santos (2009) afirma que

uma das funções da escola deveria ser a de promover a reflexão, e como se nota, ela

não vem cumprindo esta sua função social. Ao contrário, vem exercendo um papel de

reprodutora de violências por meio de ideais competitivos, de formação adaptada ao

mercado de trabalho e de acúmulo de informações. Para que haja uma resistência a

essa reprodução, é preciso que professores e alunos tomem consciência das

condições que geram essa reprodução, compreendendo seus contextos, e que a

escola se reconheça como produtora de violência.

Heredia (2005) se atenta para o fato de que os problemas são apenas sintomas

de uma sociedade doente, e que muito mais que tratar de forma paliativa estes

sintomas, é preciso conhecer as causas e atuar em suas transformações. A violência

e os conflitos escolares se configuram como estes sintomas, o trabalho de promoção

de uma educação para a paz, para o respeito à diversidade, e o enfoque na resolução

dos conflitos é que são a base substancial da mudança escolar.

O ambiente escolar costumeiramente delega exclusivamente aos alunos a

responsabilidade pela violência vista nas unidades de ensino, desconsiderando sua

parcela enquanto instituição, além de eximir seus outros atores, seja gestores,

funcionários e professores como produtores e propagadores de violência. A escola

tanto gera violência quanto também é atingida por violências advindas de conflitos

além muros. (NASCIMENTO, TRINDADE, 2008)

“A escola, com as suas especificidades de natureza organizativa, as nem sempre harmoniosas relações com as finalidades educativas da sociedade e a inevitável ressonância da conflituosidade social, é um campo propício à emergência do conflito. Daqui se depreende a necessidade de educar gerações, e todo o corpo educativo, na resolução criativa e

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nos benefícios da gestão construtiva dos conflitos.” (MORGADO E OLIVEIRA, 2009, p.47)

É nesse sentido que os processos restaurativos atuam nas escolas, não

ocultando os conflitos, mas os aceitando como possibilidades de crescimento.

Chrispino (2007) conceitua conflito como toda divergência de interesses,

considerando que não há uma homogeneidade de interesses na convivência social, o

conflito se apresenta como algo natural. A violência nessa perspectiva é uma resposta

a algum conflito que não foi encarado como possibilidade de aprendizado, mas sim

negando as competências dialógicas.

Lederach (2012) enfatiza o caráter positivo do conflito o apontando como um

disparador que promove mudanças, o apresentando como uma oportunidade dada

pela vida para que os diferentes sujeitos reflitam e avaliem sobre suas condutas e

julgamentos. O autor entende também que é preciso alterar a abordagem resolutiva

de conflitos, para uma transformadora. Afinal, a resolução é algo superficial que se

limita aquilo que foi explicitado pelo conflito, mas que se não for tratado de forma

restaurativa, se perpetuará. O foco resolutivo é no conteúdo do conflito e em lhe

fornecer uma solução imediata. A transformação do conflito, diferentemente anseia

por intervir nas causas, minimizando disfunções comunicativas e potencializando a

compaixão, empatia e confiança entre os envolvidos. Atentando-se para o contexto

dos relacionamentos esgarçados pelo conflito.

Ao se debruçar sobre conflitos e suas vertentes, é possível perceber que há de

maneira simplista, duas formas de se lidar com conflitos, uma inflexível e amarrada a

interesses individuais, e outra flexível, que apesar de também expor interesses

particulares, no embate desses interesses há um crescimento e uma partilha de

anseios.

O conflito é parte da vida e expressa a habilidade de divergir e refutar opiniões

contrárias, esse movimento no relacionamento com o mundo demonstra autonomia.

Pensar uma sociedade sem conflitos é pensar uma sociedade sem resistências, uma

sociedade amorfa, que apenas concorda com autoridades e não elabora seus próprios

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quereres. Nesse processo de aprender a divergir, que nasce do conflito, nasce

também o progresso. (PERRENOUD, 2000)

Zehr (2008) em sua obra Trocando as Lentes apresenta a diferença de visões

quanto aos conflitos, como repercutem nas visões de Justiça. Assim a visão quanto

ao crime reflete na maneira de como se pode lidar com ele, que por sua vez mostra

as diferenças de postura educacional. Enquanto a justiça retributiva que é a justiça

tradicional se foca no crime, na sua punição e no seu ofensor, a justiça restaurativa

se ocupa de voltar os olhos para a restauração das relações que foram rompidas pelo

conflito. É um olhar de reparação, de ressarcimento, de revalidação de emoções e

sentimentos. Na justiça retributiva a vítima não tem respostas para as suas dúvidas,

não é ouvido seu sofrimento, afinal o foco é na responsabilização através da punição

do ofensor, o que é sabido não é de fato uma responsabilização. A verdadeira

responsabilização implica na compreensão do ato, na correção do erro e no

envolvimento com o processo.

A tendência educativa em não apenas punir, por meio de sanções como

suspenções, advertências e expulsões, é muito recente e ainda tem a resistência do

corpo docente e administrativo, que não acredita na eficácia da mediação e lhe

imputam um sentido de impunidade, por ser um processo moroso, que demanda

paciência e envolvimento. Heredia (2005) aponta o fracasso de iniciativas de

resolução de conflitos que se pautam apenas nos estudantes. Entendendo que são

apenas eles os propagadores da violência e assim de forma reducionista e superficial

não se tem uma mudança significativa das interações. O eximir-se da

responsabilidade do adulto e da instituição frente o fomento de práticas conflitivas é a

ratificação de sua incompetência e despreparo para o manejo restaurativo de conflitos.

O conceito de mediação é definido como uma negociação gerenciada por um

terceiro imparcial, que consta de técnicas e habilidades que precisam ser treinadas

(AZEVEDO, 2013). Vinyamata (2005) apresenta o conceito de conflitologia, surgido

entre as décadas de 1950 e 1960, como algo que vai além de um método para

resolução de conflitos, é a busca pelas suas origens e a orientação por caminhos que

devolvam aos envolvidos a capacidade de conviver serenamente. A mediação é

apenas uma técnica de resolução de conflitos, enquanto a conflitologia é a ciência que

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estuda o conflito, desenvolve processos de reconciliação, e não um mero acordo entre

as partes. O conflitólogo busca pelos fundamentos do conflito e pela modificação nas

suas bases de sustentação e estímulo. Sendo assim, a conflitologia atua de forma

restaurativa e reparadora.

Mas, abandonar concepções punitivas e vingativas em prol de um olhar mais

holístico tanto a ofensores como às vítimas é gradual e invariavelmente terá

empecilhos.

“Neste sentido, o sucesso de um projeto de mediação na escola depende do envolvimento de todos os atores do contexto escolar. A escola deve desenvolver um contexto de significação congruente com a mediação. De pouco servirá que as crianças e os jovens estudantes sejam sensibilizados e treinados para uma cultura de diálogo, de escuta e de pacificação das relações interpessoais, se o discurso de educadores e docentes for incoerente com esta postura.” (MORGADO E OLIVEIRA, 2009, p.50)

Não somente a escola, mas a família e a sociedade também, devem se fazer

presentes, na aceitação de uma visão restaurativa, o indivíduo é aluno, filho e cidadão

ao mesmo tempo, portanto é preciso um envolvimento coletivo, em um sentido de

parcerias em suas responsabilidades, se utilizando de uma mesma linguagem,

evitando incoerências e atuando na construção de uma cultura de paz. (LAWRENZ,

2012).

3 METODOLOGIA

Pesquisar é um conjunto de ações direcionados a encontrar solução para um

determinado problema, sendo assim o método é o caminho que direcionará para esta

análise de soluções. (SILVA; MENEZES, 2001)

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A presente pesquisa utiliza-se do método clínico qualitativo. Segundo Gil (2008)

o uso da abordagem clínica deve se atentar para o cuidado com generalizações, afinal

se baseia em casos individuais repletos de subjetividades. A escolha pelo método

qualitativo valida a concepção de que o ser humano é um ser relacional e subjetivo,

que está em constante atividade interativa e ao construir sua história, a interpreta. “As

pessoas interpretam seu mundo, compartilhando o seu modo de ver com outros, que,

por sua vez, também interpretam.” (OLIVEIRA, 2008, p.15).

O uso das narrativas pessoais, oriundas dos círculos restaurativos aplicados,

atuam como uma técnica metodológica centrada nas representações dos sujeitos

enquanto reflexos e reconstruções da totalidade objetiva.

“Trata-se da re-produção do fato social na experiência

pessoalmente vivida e na reflexão que a relata. Sendo cada

relato a forma pessoal de expressar o grupo ou o social, o que

cada pessoa relata, e o modo como relata, são construções que

se determinam na vida em sociedade. Por um lado, sendo

construções, correspondem a um modo de relatar e, por isso, a

narrativa produz sempre uma interpretação daquele que relata,

trabalhando na própria subjetividade a objetividade do real. Mas,

por outro lado, seu conteúdo, seja relatando o presente ou como

recordação, não é exatamente único, senão a experiência

pessoal no interior de possíveis históricos bem determinados,

experiência que dependerá da forma pela qual o narrador

posiciona-se socialmente e que lhe produz as concepções

acerca do real das quais lançará mão em seu relato.”

(SCHRAIBER, 1995, p.65).

Conforme Tripp (2005) essa flexibilização entre contexto, prática e teoria, as

inter-relacionando, é encontrada na metodologia da pesquisa-ação. Considera que,

os principais eixos de sustentação da metodologia da pesquisa-ação é a melhora

significativa da prática, aliada a produção de conhecimento científico.

Para as análises dos dados coletados, o uso da técnica de análise de conteúdo

foi tida como uma “ferramenta para a compreensão da construção de significados que

os atores sociais exteriorizam no discurso. (...) O que permite ao pesquisador o

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entendimento das representações que o indivíduo apresenta em relação a sua

realidade e a interpretação que faz dos significados à sua volta.” (SILVA; GOBBI;

SIMÃO, 2005, p.74)

2.1 Local e Participantes

O estudo foi realizado em uma Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental

II e Médio da periferia da cidade de Santo André. Esta unidade possui no período da

tarde, 4 salas de 6º ano, 3 salas de 7º ano, 4 salas de 8º ano e 3 salas de 9º ano,

totalizando assim 14 turmas.

A Unidade Escolar também está incluída no Programa Estadual da Secretaria

de Educação do Estado de São Paulo denominado “Sistema de Proteção Escolar”

criado em 2010, como um conjunto de ações coordenadas pela Secretaria da

Educação que visam promover um ambiente escolar saudável e seguro, propício à

socialização dos alunos, por meio da prevenção de conflitos, da valorização do papel

pedagógico da equipe escolar e do estímulo à participação dos alunos e sua

integração à escola e à comunidade. As ações que integram o Sistema de Proteção

Escolar reafirmam a escola como um espaço privilegiado para a construção da

cidadania participativa e o pleno desenvolvimento humano. Possui publicações

destinadas ao fortalecimento das regras de convivência escolar e apoio a

encaminhamentos externos à escola, em atuação conjunta com outros órgãos e

instituições que compõem a rede de proteção social. (Normas Gerais de Conduta

Escolar e Manual de Proteção Escolar e Promoção da Cidadania)

O sistema também prevê encontros anuais para divulgação dos trabalhos

executados denominado Encontro de Mediação Escolar e Comunitária, sendo o

primeiro realizado em 2012. Há também uma organização do controle de ocorrências

de violências e conflitos por meio do ROE (Registro de Ocorrências Escolares) que

funciona tal qual um Boletim de Ocorrência da Polícia Militar, no qual o diretor da

unidade escolar deve notificar à Secretaria de Estado da Educação das ocorrências

envolvendo o público escolar, a escola e seu entorno.

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O critério utilizado para a escolha dos participantes se deu por conveniência,

uma vez que há inúmeros conflitos, que demandam intervenções.

2.1.1 Procedimento

Após o encaminhamento aos círculos restaurativos pela mediadora escolar à

pesquisadora, houve uma explicitação aos envolvidos sobre como se dariam os

processos restaurativos. Abarcando a execução dos pré círculos, o círculo

restaurativo propriamente dito, e o pós-círculo. A pesquisadora em ação atuou nos

processos restaurativos intitulando-se como facilitadora. Uma vez que a instituição

escolar consta da presença de uma mediadora.

A análise do caso relatado foi feita seguindo a metodologia de análise de

conteúdo, ou seja, a princípio foi feita uma pré análise, descrevendo detalhadamente

os relatos, após esta etapa concluída, explorou-se o material coletado definindo

categorias importantes à análise como violência/conflito/vergonha/culpa/reparação.

Por fim o tratamento dos resultados, ou seja, suas interpretações são reconstruções

dos significados expressos nos discursos sob a ótica das percepções da pesquisadora

à luz do quadro teórico apresentado.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Faz-se necessário relatar não apenas as experiências dos processos

restaurativos ocorridos, mas sim o contexto no qual a coleta de dados se deu e como

a escola veio aos poucos abarcando os princípios restaurativos em suas práticas.

A escola pública escolhida estava em um processo de implantação do Sistema

de Proteção Escolar, contando com a presença de um profissional específico para o

trato dos conflitos escolares, a Mediadora Escolar. O projeto de justiça restaurativa

em conflitos escolares e suas técnicas incluíam os círculos restaurativos (PRANIS,

2010) e a mediação (AZEVEDO, 2013). Assim, foi possível destacar a importância de

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um espaço físico específico e neutro para que ocorressem os círculos e a busca pela

reparação nos conflitos. A pequena sala que servia de estoque para materiais

didáticos, com uma mesa e duas cadeiras, onde os alunos eram recebidos, foi

substituída pouco a pouco pela sala de Mediação. Com um espaço maior, também foi

possível que mobiliasse a sala com uma mesa redonda e várias cadeiras, o que

possibilitou assim a execução dos círculos restaurativos e a despolarização do

conflito. Segundo Azevedo, (2013) durante tentativas de resoluções pacíficas de

conflitos, é necessário que as partes envolvidas se coloquem de maneira circular e

não frente a frente, essa mudança física rompe a questão da mera disposição

estrutural e traz benefícios para a construção de um acordo. Afinal o colocar-se frente

à frente estimula uma polarização entre vítima e ofensor, inocente e culpado, e

consequentemente uma violência implícita vinculada às relações de poder. Enquanto

que nos processos circulares há uma horizontalidade das partes sendo estimulada a

igualdade dos envolvidos. As pequenas mudanças do espaço físico também refletiram

de forma positiva no trabalho da mediadora, que passou a se sentir valorizada.

Em reuniões pedagógicas, na apresentação dos princípios dos círculos

restaurativos notou-se a grande resistência por parte dos professores, que ansiavam

por resultados rápidos, não acreditando e obstaculizando as iniciativas restaurativas.

Enfatizavam a necessidade de punição, mesmo compreendendo que estas não

solucionam os problemas apresentados. Afirmavam que “conversar e orientar eles já

fazem e que dar voz ao aluno é fomentar maiores indisciplinas” (sic).

Por isso, o processo de instauração dos círculos restaurativos na instituição foi

gradual, assim como descrevemos acima, na luta pela aquisição de um espaço físico

próprio, mas também por um espaço simbólico no cotidiano escolar.

A princípio os alunos entendiam a figura da mediadora como outra diretora, que

em casos de indisciplina iria repreendê-los e chamar os pais. Com o passar do tempo

e com a presença da pesquisadora, perceberam que este não era o papel do mediador

e por esta ser uma figura que os ouvia, ansiavam a todo tempo ir à sala da mediação

para conversar. Relatavam suas angústias, e por vezes até geravam pequenos

conflitos apenas para serem encaminhados à mediação e então encontrarem um

espaço de escuta. Ao se depararem com a pesquisadora nos corredores a abraçavam

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e pediam: “Me chama pra conversar, sou da sala 10!” () A sala de mediação passou a

ser um espaço de referência aos alunos, quando percebiam que estavam envolvidos

em conflitos, dos quais ainda não possuíam autonomia suficiente para solucioná-los.

3.1 Caso

3.1.1 Descrição

Alunas Joana e Giovana6, ambas 13 anos cursando o 7º ano, possuem

desenvolvimento escolar satisfatório, com a maioria de suas notas azuis, porém

alunas medianas mantendo-se no limite da média estipulada (5,0).

A escola possui uma pasta relativa a cada sala de aula, contendo uma ficha de

cada aluno, onde estão relacionadas suas notas, faltas em cada disciplina e as

ocorrências disciplinares em que se envolvem. Estas pastas se encontram em um

armário arquivo localizado na sala da coordenação, todos os professores, inspetores

e equipe gestora tem autorização para anotar qualquer tipo de ocorrências nestas

fichas, seja em horário de aula, intervalo, entrada e saída.

Joana tem em sua ficha, uma série de ocorrências relacionadas a uma conduta

inadequada em sala de aula, anda constantemente pela sala, conversa bastante, além

de relatos de envolvimento em brigas coletivas no intervalo, entrada e saída. Já

Giovana não possui nenhum relato indisciplinar.

O processo restaurativo se inicia no momento em que a aluna Giovana adentra

a sala de mediação chorando, se queixando de Joana ter feito um vídeo seu e

mostrado para outros alunos da sala para provocá-la. Diz que “Joana sempre arruma

briga, junta turminha no intervalo e fica zoando” (sic). Relata ter medo de voltar para

a sala de aula, diz “Joana me provoca e fala para os outros alunos também tirar sarro

6 Privilegiou-se o uso de nomes fictícios, preservando a identidade dos participantes.

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de mim” (sic). Conta que não adianta falar para os professores, pois quando eles saem

da sala na troca de aula, começa tudo novamente.

Após a primeira fala a facilitadora pergunta quem estava na sala momento da

cena do celular. Giovana diz que a professora havia saído da sala para buscar

material. Diz que não tem amigos de verdade, pois um amigo de verdade guarda

segredo e ela não confia em ninguém da sala de aula.

A aluna se apresentava bastante abalada, chorando muito e relatando as

informações como um desabafo, falando sem pausas. A aluna é acolhida, a

facilitadora lhe dá água e tenta acalmá-la, oferece lenços para secar suas lágrimas,

ela então abraça a facilitadora dizendo não querer voltar para a sala. É dito então, que

as coisas irão se solucionar da melhor maneira possível, e que a aluna Joana também

será ouvida. Em seguida a facilitadora faz a proposta da participação nos processos

restaurativos, sendo esta primeira escuta um pré-círculo, sendo encaminhada a sala

de aula, aparenta alívio.

A aluna Joana é convidada a conversar com a facilitadora e já adentra a sala

de mediação desconfiada, supondo que estava ali por reclamação da aluna Giovana

e antes de qualquer intervenção da facilitadora já inicia sua fala alegando não ter nada

contra a colega e que ela é assim mesmo “chorona e quieta, na dela”.

Ao ser indagada sobre o motivo do choro da colega Giovana, Joana relata sua

versão da situação do celular, diz ter pego o celular e mostrado uma montagem de

uma foto do cantor Justin Bieber vestido de mulher. Esta era a imagem que Joana

mostrava aos alunos que desencadeava o riso. Diz não entender o porquê da saída

repentina da colega da sala e por ter sido convidada ao pré-círculo, acredita que seja

por não ter mostrado a foto do celular à Giovana e que ela então deve ter se sentido

excluída, mas reitera que não mostrou para todos os alunos da sala. Convidada a

participar dos processos restaurativos, foi agendado um círculo para a segunda feira

da semana seguinte.

No encontro entre as duas alunas a sala é organizada para recebê-las e se

inicia com a apresentação dos procedimentos restaurativos. Explica-se que elas foram

convidadas para participar do círculo, pois houve um conflito e que é importante que

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ele seja resolvido de modo a promover a restauração dos vínculos. Também é

explicado a função do bastão da fala e da necessidade de um ouvir o outro durante

sua narrativa, reforçando que por vezes tendemos a interromper o outro, mas que

cada uma terá seu momento. É salientado que o bastão da fala é dado primeiro para

aquele que procurou a mediação, no caso Giovana. As alunas se mostram muito

atentas às orientações, Giovana ao recontar sua versão se emociona e chora

novamente. Diz a Joana que não gostou da amiga ter feito um vídeo dela pelo celular

e mostrar aos outros. Relata que desde o ano passado é zoada de gorda. Antes

brigava, respondia e até já bateu em uma menina na rua, mas que seu pai disse que

acaso se envolvesse em briga novamente iria apanhar em casa, então prometeu a si

mesma não se envolver mais em brigas. Durante toda sua fala, além das lágrimas,

seu olhar focava o chão. Salienta que seu maior medo é apanhar, pois ser zoada já

está acostumada.

Joana assume o bastão da fala, e inicia afirmando que não pensa em bater em

Giovana, e que acha uma covardia chamar muita gente para bater em uma pessoa

só, e se tiver algum problema resolve sozinha. Reconta a situação do celular, mostra

a foto do Justin Bieber e ri por achar que Giovana pensava que fosse dela. Relata que

ninguém zoa a Giovana, até porque apenas cinco pessoas da sala falam com ela.

Afirma ter andado pela sala mostrando o celular e dizendo: Que horror! Mas que essa

ação não tem vínculo nenhum com Giovana.

A facilitadora então faz uma intervenção, faz um pequeno resumo de tudo o

que foi dito por ambas as partes e clarifica o mal entendido, propõe então que juntas

alcancem uma solução para o conflito.

Joana diz à Giovana que também já foi zoada de testuda, mas que ela não fica

quieta. Diz também que ela precisa se defender, mas que como ela não sabe, vai

ajudá-la, se propõe a não permitir que a sala faça gozações com a colega, e que vai

estimulá-la a enfrentar os que insistirem na ação. Giovana sorri e concorda com o

acordo proposto. O processo é encerrado e agendado um pós círculo.

Na data agendada as alunas se encaminham à sala de mediação para

reavaliarem a repercussão do acordo firmado. Giovana já se apresenta em uma

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postura corporal mais ereta, e inicia sua fala. Diz que os outros percebem quando a

pessoa é boba, que pararam de zoá-la por saberem que passou a reagir. Joana fez

os colegas pedirem desculpas à Giovana, que se sentiu valorizada. Afirma que não

vai mais deixar ninguém lhe humilhar. Que antes muitos não conversavam com ela,

agora são seus amigos, e que conversa com todos da sala. Afirma que até em casa

já está mais feliz.

Joana por sua vez, diz que se sentiu muito bem em ajudar a colega. E recita

uma frase que diz lembrar todos os dias ao acordar e que ensinou a Giovana, “Se um

dia a tristeza bater na sua porta. Abra um sorriso bem grande e fale assim: me

desculpe, mas hoje a felicidade chegou primeiro.” (sic)

3.1.2 – Análise

É notável a satisfação das duas participantes e a eficácia da noção de

restauração das relações no trato dos conflitos. As alunas conseguiram construir um

acordo mútuo, entenderam que o conflito ocorreu, devido a um distúrbio de

comunicação, sendo importante a preservação do relacionamento esgarçado, a

restauração da relação.

O sentimento de compaixão parece envolver Joana, que compreende as

dificuldades de relacionamento da amiga, e se coloca à disposição para ajudá-la. De

maneira empática, demonstra que partilha da dor de ser alvo de gozações, pois

também já as vivenciou, apesar de possuir um estilo de resposta diferente a estas

situações. Ao ouvir o outro há uma voluntariedade em auxiliá-lo, em participar do seu

sentimento. “Compartilhar o sofrimento do outro não é aprová-lo, nem compartilhar

suas razões, boas ou más para sofrer; é recusar-se a considerar um sofrimento

qualquer que seja, como um fato indiferente, e um ser vivo qualquer que seja, como

coisa.” (CONTE SPONVILLE, 2009, p.118)

Ao analisar o caso observou-se que Giovana coloca-se na posição de vítima.

Ela é uma adolescente forte, alta, negra e com sobrepeso, suas vestes se diferenciam

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da maioria das outras garotas de sua faixa etária e aparentam desgaste. Parece que

o rótulo de gorda e a maneira como se sente tratada já lhe são garantia de rejeição e

humilhação. A escola que deveria ser um local no qual se sentisse protegida reafirma

esta sua condição de inferioridade. Lederach (2012) apresenta a questão da

identidade como a raiz dos conflitos, sendo o respeito e a compreensão elementos

restaurativos. O sujeito expõe por meio de suas narrativas o modo como se percebe

e como se relaciona. “A identidade está profundamente enraizada na percepção que

a pessoa, ou grupo, tem de qual o seu relacionamento com os outros – e que efeito

esse relacionamento tem sobre sua percepção como indivíduo ou grupo.”

(LEDERACH, 2012, p.71). A noção de identidade que Giovana estabelece justifica as

violências das quais sofre, crendo ainda ser responsável por elas. No momento em

que vê seus colegas de sala rindo, e automaticamente se assume como alvo de

gozação expõe o seu processo de internalização da vergonha. Afinal seus rótulos não

possuem em si mesmos a concepção de vergonha, há uma soma de múltiplos fatores

de sua vida das quais não temos acesso, mas que reforçam esse seu sentimento. “Há

um encadeamento entre o sofrimento social, ligado às condições de vida e o afetivo”

(GAULEJAC, 2006, p.46). No relato de sua dificuldade em conquistar amigos, de

sentir-se segura para contar seus segredos e da necessidade em abraçar a

pesquisadora é possível reafirmar essa interligação entre suas frágeis condições

sociais e afetivas.

Faz-se importante também destacar o fato da aluna já ter feito uso de violência

na rua em outra ocasião e a solução apresentada pelo seu pai, ou seja, caso se

envolvesse novamente em brigas, ele a bateria. O pai ao buscar resolver seus

problemas com a violência física funciona como modelo para a filha também resolver

seus problemas dessa forma. A saída para o diálogo, à busca por restauração nesse

caso, age não tão somente na escola, mas como um multiplicador da cultura de paz

nas famílias, assim como a violência serviu de modelo, o diálogo passa a ser o novo

redator das relações.

Os princípios da justiça restaurativa colocam nas mãos dos próprios envolvidos

a responsabilidade pela solução do conflito, não delegando a instâncias superiores

posturas punitivas. Quando Giovana se encaminha a sala de mediação escolar, o faz

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para notificar uma conduta de uma colega, a qual considera inadequada por tê-la

magoado, essa cultura escolar de delatar colegas, para as autoridades, a fim de que

sejam punidos é freqüente. Há um estranhamento inicial das alunas frente à

possibilidade de serem ouvidas e de poderem explicitar suas visões do conflito.

“Nesse sentido, verifica-se que o modelo

restaurativo tem como objetivo, inicialmente, a

reparação e cura para a vítima e, posteriormente,

sanar o relacionamento entre vítima e ofensor,

bem como para com a comunidade. Portanto,

compreende-se que a intervenção restaurativa

amplia os horizontes da vítima e de seu ofensor,

oportunizando espaço para confissão,

arrependimento sincero, perdão e reconciliação”

(CASAGRANDE, TRENTIN, 2013, p.5)

Segundo Casagrande e Trentin (2013), as mudanças de paradigmas alteram o

olhar para o conflito, tomando-o de forma positiva, em que as diferenças iniciais

passam a ser oportunidades de crescimento e as forças energéticas opostas

transformam-se em complementares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto indivíduos, repletos de particularidades, seja no ambiente escolar ou

em qualquer outro ambiente, nossas necessidades são diferentes e a

heterogeneidade fomenta conflitos. Aceitá-los como possibilidade de crescimento os

resolvendo de forma consensual, considerando todos os envolvidos de maneira

igualitária é diferente de negá-los, afinal essa postura supressora apenas instiga

novos conflitos por abordá-los pelo viés da agressividade. O uso dos círculos

restaurativos promove esse respeito ao conflito, e a partir dos resultados

apresentados, é possível defender a noção de mediação não apenas enquanto

técnica, mas como um instrumento que reestrutura relacionamentos.

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Pudemos perceber a construção de uma rede multiplicadora de paz, a partir

das restaurações bem sucedidas na escola, estes sujeitos passam a disseminar essa

experiência em suas famílias e comunidade. Sendo notável o quanto a mudança de

energia empregada no trato dos conflitos durante a mediação, trouxe reflexos em suas

relações além-muros escolares.

Compreendendo o conflito como algo inevitável, resultados das interações

humanas e, portanto, algo positivo que culminara em aprendizagens advindas às

trocas com as diferentes opiniões. A substituição do modelo agressivo pelo modelo

dialogal perante os conflitos é o primeiro passo no processo restaurativo, a abertura

ao diálogo, à possibilidade de escuta do outro, promove a compaixão. Ouvindo o outro,

partilhando da sua dor, compreendendo suas posturas temos a despolarização do

conflito, e o fim de uma relação de poder e a horizontalização das relações. Uma vez

que todos os participantes se entendem como iguais, sem rótulos de vítimas e

ofensores, em uma relação de troca.

O maior ganho obtido durante a construção da visão de uma mediação

restaurativa na escola pública foi seu crescimento. Primeiramente de maneira tímida

em uma mesa na sala de coordenação, remanejada para uma sala de almoxarifado,

a sala de mediação se tornou referência para os alunos, que a entendiam como um

terceiro olhar neutro que poderia auxiliá-los na maior compreensão dos fatos e

direcioná-los para uma harmonização da relação entre as partes. Desenvolver a

capacidade de não utilizar a violência como primeira resposta, mas sim buscar o

diálogo, valida o êxito dos processos restaurativos.

A mediação, a justiça restaurativa e o uso dos círculos restaurativos já são

reconhecidos no meio acadêmico, entretanto há muito ainda a se trilhar para que

sejam de fato incorporados à nossa cultura. Instaurar a restauração dos

relacionamentos, e não somente usar-se de abordagem resolutiva de um conflito, é

que reside a maior contribuição deste trabalho. Porém há ainda pontos desejosos de

pesquisa que podem ser destrinchados à partir dessa temática, direcionado á um viés

mais psicológico, como a noção de reparação pela Psicanálise e a ideia de Vergonha

Reintegradora de BraithWhaite.

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Para que a restauração dos laços emocionais seja feita é preciso que haja

disposição para isso, uma abertura para a compaixão de todas as subjetividades que

submergem durante as narrativas pessoais.

O cunho pedagógico desse tipo de abordagem é mais eficaz que a lógica

punitiva, na medida em que respeita individualidades e as tornam responsáveis por

suas ações. O fato do sujeito ao invés de ser julgado, ser ouvido, o respeita não

apenas enquanto homem sujeito de direitos, mas enquanto ser humano, com direito

à dignidade.

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ORIENTADOR EDUCACIONAL: Um Estudo de Caso Sobre sua Atuação no

Ambiente Escolar

Ana Cristina de Almeida Blessa7

Marisa Claudia Jacometo Durante8

RESUMO A ação do Orientador Educacional desenvolve-se por meio de um conjunto específico de atividades, tais como incentivar o corpo discente no processo de sua aprendizagem; orientá-lo para as temáticas sociais e afetivas; auxiliá-lo na sua escolha profissional. Desse modo, esse estudo teve como objetivo geral identificar qual a percepção do professor em relação a atuação do OE. Especificamente buscou-se: a) Descrever a função do orientador educacional sob a ótica do professor; b) Identificar a opinião dos professores da rede municipal sobre a atuação do OE nas escolas; e c) Comparar a função do orientador educacional descrita pelo professor com o papel que deve ser desempenhado. Esta pesquisa realizou-se a partir de um estudo de caso com 174 professores que atuam na rede municipal de ensino feita através de um questionário objetivo. Os principais resultados indicam que o que se espera desse profissional é a participação e envolvimento com todas as instâncias da escola, desde o seu PPP até os resultados obtidos pela execução do mesmo. Um profissional que perceba que o aluno ao adentrar a escola traz em sua bagagem valores, cultura e visões sociais observadas através da sua realidade. O resultado observado destacou a importância e ressaltou a necessidade do profissional dentro das instituições, entretanto há algumas confusões empiricamente observadas e verificadas na pesquisa que convergem para a ideia de um projeto de implantação e entendimento do papel deste profissional nas escolas municipais. Palavras-chave: Orientador Educacional. Atuação no Ambiente Escolar. Escolas Municipais.

1 INTRODUÇÃO

Embora regulamentada em 1968 a profissão do orientador educacional (OE),

sua atuação e percepção das suas atribuições no ambiente escolar ainda permeia

equívocos e contradições.

7 Artigo apresentado como exigência parcial para obtenção do título de especialista em Orientação Educacional, na Faculdade La Salle, 2015. E-mail: [email protected] 8 Doutora em Educação. Professora orientadora do artigo. E-mail: [email protected]

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A escola deste século requer do OE mais do que conselhos esporádicos

individuais, empíricos ou superficiais, hoje, a orientação requer conhecimentos

biopsicossociais que contemplam não apenas a dimensão pessoal, mas um trabalho

que perpasse a coletividade do cenário escolar. Exigindo desse profissional, estudos

para melhor conduzir todas as fases do desenvolvimento do indivíduo, bem como

potencializar suas habilidades.

Com base em observação empírica, na organização escolar atual, o OE

educacional faz parte da equipe técnica pedagógica, sendo suas atribuições divididas

em “privativas” e “participativas”. Assim, para atuar o OE necessita delimitar suas

ações com clareza para não se tornar confusa e complicada seu relacionamento com

os demais profissionais.

A ação do OE desenvolve-se por meio de um conjunto específico de atividades,

tais como incentivar o corpo discente no processo de sua aprendizagem; orientá-lo

para as temáticas sociais e afetivas; auxiliá-lo na sua escolha profissional. Essas

atividades sempre se realizam com o apoio ou a parceria de diversas fontes, a saber:

a estrutura educacional, os professores, os pais e até mesmo os próprios alunos

(SANCHES, 1999).

Nesse sentido, o OE contribui para o desenvolvimento pessoal do educando,

ajuda a escola a organizar e realizar a proposta pedagógica, trabalha em parceria com

o professor, assim compreendendo o comportamento dos educandos e agindo de

maneira adequada em relação a eles.

Por ser uma área tão importante para a educação, o tema orientação

educacional e o que se espera da atuação do profissional no contexto escolar, bem

como as divergências que envolvem sua formação na atualidade, justificam a

necessidade de desenvolver um estudo sobre o assunto.

O município de Lucas do Rio Verde compreende em sua rede municipal 16

(dezesseis) Instituições Educacionais, as quais ofertam ensino para crianças de 0

(zero) a 14 (catorze) anos de idade. Das instituições supracitadas, 3 (três) atendem

Educação Infantil, apenas idade de creche de 0 (zero) a 3 (três) anos, 2 (dois) centros

de Educação Infantil, fase pré-escola que atendem crianças faixa etária de 3 (três) a

5 (cinco) anos e um centro que atende Educação Infantil nas fases de creche e pré-

escola; 2 (duas) instituições que ofertam Ensino Fundamental – Anos Iniciais em

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Tempo Integral, compreendendo a faixa etária de 6 (seis) a 10 (dez) anos; 2 (duas)

instituições que ofertam Ensino Fundamental Anos Iniciais e Anos Finais de 6 (seis) a

14 (catorze) anos de idade; 2 (duas) instituições que ofertam tanto Educação Infantil,

fase pré-escola, quanto Ensino Fundamental Anos Iniciais e uma delas também

atende os alunos dos Anos Finais; 1 (uma) instituição que atende alunos de 11 (onze)

a 14 (catorze) anos no Ensino Fundamental Anos Finais, todas estas estão localizadas

na área urbana.

O município conta ainda com 2 (duas) instituições que estão localizadas na

área rural e atendem alunos de 4 (quatro) a 14 (catorze) anos, ou seja, Educação

Infantil na fase de pré-escola e Ensino Fundamental Anos Iniciais e Anos Finais e 1

(uma) que oferta educação para crianças de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, ou seja,

Educação Infantil na fase de pré-escola e Ensino Fundamental Anos Iniciais. Estes

estabelecimentos de ensino localizados na área rural também ofertam a modalidade

de ensino em tempo integral por adesão do aluno no momento da matrícula.

Para que seja garantido uma educação de qualidade todas as instituições

possuem uma equipe que gerencia a instituição formada por gestor escolar e

coordenação pedagógica e, dependendo do número de alunos há uma variação na

quantidade de coordenadores pedagógicos.

Apenas uma instituição conta com o OE, pois o município ainda não possui em

seu quadro de colaboradores profissionais habilitados para desempenhar tal função.

Além desta equipe há profissionais que fazem parte da equipe de apoio composta por

secretária escolar, auxiliar de serviços gerais escolar, merendeira, monitor creche/pré-

escola, guarda de patrimônio e zelador de pátio. Contudo, o quadro de servidores

públicos na área da educação compreende aproximadamente 800 (oitocentos)

profissionais, dos quais 463 (quatrocentos e sessenta e três) são professores.

Frente às diversidades enfrentadas no cenário educacional há uma expectativa

grande com relação a figura do OE e a implantação deste profissional no ambiente

escolar. Tendo em vista a problemática da atualidade, presente nas instituições

educacionais do município de Lucas do Rio Verde-MT, referente a conflitos existentes

entre aluno/aluno, aluno/professor, professor/professor, professor/equipe de apoio,

enfim, todos os atores envolvidos no processo educacional que se configura nestes

estabelecimentos, fazem-se necessário um levantamento de dados para verificar qual

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é o conceito que se tem do profissional OE. Diante deste levantamento é

imprescindível pensar numa estratégia de intervenção para que a implantação deste

profissional nas instituições atenda tais expectativas.

Desse modo surgiu o questionamento: Qual a percepção do professor em

relação a atuação do OE? Tendo como objetivo geral identificar qual a percepção do

professor em relação a atuação do OE.

Especificamente busca-se: a) Descrever a função do orientador educacional

sob a ótica do professor; b) Identificar a opinião dos professores da rede municipal

sobre a atuação do OE nas escolas; e c) Comparar a função do orientador educacional

descrita pelo professor com o papel que deve ser desempenhado.

A importância do tema reside na contribuição que este estudo faz ao

desmitificar os equívocos existentes entre os educadores no que diz respeito a

atuação do OE Tais estudos auxiliam ainda na elaboração de um projeto de

intervenção junto aos educadores para que se compreenda qual o real papel do OE

na rede municipal de ensino de Lucas do Rio Verde.

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Orientador Educacional

A profissão de OE tem sua história marcada por várias dificuldades no cenário

brasileiro educacional, influenciado fortemente pela cultura americana. Suas primeiras

experiências datam da década de 20 com fortes indícios na tarefa de auxiliar os jovens

em sua escolha profissional, através do aconselhamento, num momento em que a

educação era vista como direito de todos.

O Brasil foi o primeiro país no mundo a ter a Orientação Educacional

regulamentada por lei e de caráter obrigatório (GRINSPUN, 2011). E assim, em 1942

é legalmente instituída, com o papel de ser o responsável por um clima educativo nos

estabelecimentos de ensino.

Em 1961 a Lei de Diretrizes e Base dá destaque a figura do OE incluindo um

capítulo na Educação Brasileira, “ressaltando-se, agora, a formação dos orientadores

educacionais para os cursos primários e secundários” (GRINSPUN, 2011, p.29)

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Contudo, é com a Lei 5.692/71 que a figura do OE se torna obrigatória nas escolas de

1º e 2º graus, mas ainda com o objetivo de aconselhamento vocacional, que acaba

sendo mais tarde criticada por seu perfil, dando lugar a novas características para o

profissional destinado ao serviço de orientação educacional.

Somente na década de 80 a partir de vários movimentos e eventos

educacionais, seguidos de muitas conferências e debates é que o profissional em

questão deixa de ter um perfil de terapeuta para assumir o papel político da, e na

educação da sua verdadeira função. Agora escolher uma profissão ia além de uma

escolha vocacional, mas estava diretamente ligada a liberdade e autonomia do

indivíduo, permitindo que ele tivesse uma postura ética social.

Desta forma é neste cenário que se dá a construção da identidade deste

profissional, considerando que ninguém poderia ser um OE sem ter compreendido o

conceito de homem, de mundo e de sociedade. Neste momento o papel de pedagogo,

responsável pela aprendizagem dos educandos, também é visto como parte das suas

atribuições (GRISPUN, 2011).

Atualmente o que pode-se concluir, de acordo com GRINSPUN (2011, p.35) é

que:

A Orientação, hoje, caracteriza-se por um trabalho muito mais abrangente, no sentido de sua dimensão pedagógica. Possui caráter mediador junto aos demais educadores, atuando com todos os protagonistas da escola no resgate de uma ação mais efetiva e de uma educação de qualidade nas escolas.

Desta maneira o OE possui papel abrangente responsável pela formação

integral dos educandos, com enfoque coletivo, preocupado com a cidadania dos

mesmos, considerando o caráter da subjetividade. A partir da década de 90 este

profissional passa a ter uma nova função no cenário educacional, um papel muito mais

significativo, passando a ser um parceiro indispensável junto a prática pedagógica.

Mesmo sem a obrigatoriedade da LBD, o que se espera da figura do OE vai

além de um simples conselheiro vocacional, “mais do que nunca, deve estar atento

ao trabalho coletivo da escola, atuando harmonicamente com os demais profissionais

da Educação; o trabalho é interdisciplinar” (GRINSPUN, 2011, p.35).

O que se espera é um profissional engajado,

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[...] em favor da cidadania, não criando um serviço de orientação para atender os excluídos (do conhecimento, do comportamento, dos procedimentos etc.), mas para entende-los, através das relações que ocorrem (poder/saber, fazer/saber) na instituição escolar (GRINSPUN, 2011, p.37).

Ser OE na atualidade requer a habilidade de trabalhar em conjunto com todos

os segmentos da unidade escolar, considerando suas dimensões sociais, culturais,

políticas e econômicas que a englobam. É atuar em consonância como Projeto

Político Pedagógico e comprometido com as transformações sociais que vão se

desenhando no espaço e no tempo, construindo uma nova história, como um

protagonista necessário diante dos desafios que a instituição “ESCOLA” enfrenta

diariamente.

2.1.1 Atuação do orientador educacional

A Orientação Educacional vista numa dimensão ampla na perspectiva que vai

além do simples aconselhamento, comprometida com o desenvolvimento integral dos

alunos e com a dinâmica coletiva do ambiente escolar precisa considerar a construção

do conhecimento, através da relação sujeito-objeto tendo em vista a objetividade e a

subjetividade desta interação. Na dissertação de Grinspun, fica evidenciado este novo

perfil:

[...] A Orientação que se quer hoje, de que se fala hoje, é para este novo tempo, em que a Educação tem que saber lidar com o real, comas perspectivas dessa realidade, entremeando esses momentos, essa passagem do presente para o futuro com a construção do imaginário da escola, da educação e dos próprios alunos (2011, p.36).

A atuação do profissional em questão tem que estar pautada na prática social

existente no contexto escolar, lembrando que esta realidade é o que constitui os pré-

requisitos que servirão de alicerce na construção de novos conhecimentos. O OE

precisa entender sua atuação diretamente ligada à dimensão pedagógica na

instituição de ensino, preocupado com a elaboração e efetivação do planejamento

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pedagógico deste estabelecimento e em sintonia com os demais membros que a

dirigem.

Em Lucas do Rio Verde a Proposta Curricular vigente tem em suas diretrizes a

concepção sob a ótica Construtivista, concebendo o aluno como principal autor da

construção do seu conhecimento. Sendo assim, atuar como OE numa perspectiva

Construtivista significa

[...] promover meios para a aquisição do conhecimento por parte do aluno, procurando, de um lado, resgatar seu meio, sua realidade cultural; por outro, especificar e esclarecer o desenvolvimento e a aquisição do conhecimento, segundo os teóricos que o fundamentam (GRINSPUN, 2011, p.53).

Neste sentido acreditamos que o papel deste profissional precisa transcender

os muros da escola e provocar transformações significativas na sociedade. Um

trabalho desenvolvido em parceria com o gestor escolar e o coordenador pedagógico

em e numa harmoniosa sintonia com o quadro docente, buscando uma formação para

a cidadania.

Assim, para se implementar a figura deste profissional na rede municipal de

Lucas do Rio Verde, foi feito um projeto de pesquisa, que posteriormente dará suporte

a um projeto de intervenção para que se garanta a implantação deste profissional de

maneira a garantir o fortalecimento das escolas e consequentemente a melhoria da

educação.

O município possui desde 1998 Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos dos

Profissionais da Educação Básica, o qual contempla os profissionais que compõem o

quadro de profissionais da educação, bem como suas atribuições. Entretanto,

somente em 2007, com a reestruturação deste plano foi assegurado a figura do OE

no referido quadro de profissionais, bem como suas atribuições. Desta forma a Lei

Municipal Nº 1514 de 17 de janeiro de 2008, reestruturada, passa a ser a vigente,

sendo revogada a então Lei Nº 618 de 28 de dezembro de 1998.

Assim, tendo como base o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos dos

Profissionais da Educação Básica da rede municipal de ensino a Lei Municipal Nº 1514

de 17 de janeiro de 2008, os profissionais da orientação educacional possuem

atribuições específicas:

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I - elaborar planos e projetos em consonância com a filosofia e objetivos da unidade escolar. II - colaborar com a gestão escolar e coordenação pedagógica para o bom desempenho administrativo e pedagógico. III - trabalhar em prol de um clima harmônico entre todos os segmentos. IV - colaborar na integração da família, unidade escolar e comunidade. V - proporcionar momentos de estudo, de reflexão sobre valores, atitudes, procedimentos, com alunos, pais e professores. VI - incentivar a formação de liderança positiva. VII - auxiliar o professor na compreensão da relação entre os alunos, fornecendo subsídios a respeito dos mesmos. VIII - incentivar o aluno a estudar e participar ativamente das aulas. IX - atender e acompanhar individualmente alunos com comportamento inadequado no ambiente escolar, com dificuldade acentuada no relacionamento e na aprendizagem. X - assessorar os professores regentes na organização de ações para mediar, solucionar e identificar as dificuldades relacionadas à turma. XI - atender pais, professores e funcionários, individualmente quando necessitarem. XII - trabalhar no sentido preventivo e educativo, através de projetos, desenvolvidos em sala de aula, reunindo grupos com dificuldades afins, além de atendimentos individuais. XIII – encaminhar aos especialistas, os casos de alunos que necessitem (2008, p.5).

Observa-se então um árduo trabalho na definição do papel deste profissional e

seu campo de atuação, sendo estes os principais objetivos deste projeto de pesquisa.

3 METODOLOGIA

Este projeto foi desenvolvido com os professores da rede municipal de ensino

de Lucas do Rio Verde nas 16 (dezesseis) instituições de ensino que atendem alunos

da Educação Infantil e Ensino Fundamental. A intenção foi atingir o maior número

possível de educadores efetivos e contratados por meio de um questionário, obtendo

suas opiniões a respeito da atuação do Orientador Educacional.

Os questionários foram enviados às equipes gestoras com um texto introdutório

explicativo de como funcionaria a pesquisa e com um período predeterminado para

resposta. O questionário foi composto de duas partes, sendo a primeira de perguntas

fechadas com questões que aponte indícios da etapa de atuação deste educador e

há quanto tempo está na profissão. A segunda parte foi de questões abertas, para que

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o professor se sentisse à vontade para discorrer sobre sua percepção em relação ao

profissional da orientação educacional. Os questionários foram anônimos para

garantir que fosse respondido com sinceridade e tivesse informações importantes e

necessárias para a realização deste projeto.

Responderam ao questionário 174 (cento e setenta e quatro) professores, isso

corresponde a 36,63% do corpo docente atuante na rede municipal de Lucas do Rio

Verde, desde a Educação Infantil na fase Creche até o Ensino Fundamental II

Segmento.

Deste universo de respondentes 4,4% possuem idades entre 20 a 27 anos,

32,7% de 28 a 35 anos, 40,9% de 36 a 43 anos, 15,1% de 44 a 51 anos e 4,4%

possuem idade superior a 52 anos. A maioria dos participantes respondentes da

pesquisa são do sexo feminino, sendo 90,1% enquanto apenas 9,9% são do sexo

masculino.

Quanto ao nível de escolarização o percentual de profissionais com uma ou

mais especializações foi surpreendente, pois correspondem a 76,7% do total,

enquanto 18,6% são apenas graduados e 4,7% são profissionais em nível Magistério.

Dos docentes que participaram da pesquisa foi constatado que 8,7% dos

profissionais atuam na rede municipal de ensino há menos de 1 ano; 34,7%, o maior

grupo de respondentes atuam de 1 a 5 anos; 27,2% atuam na rede entre 6 a 10 anos;

17,9% de 11 a 15 anos e 11,6% desempenham suas funções docentes há mais de 15

anos. A maioria exerce a função de professor com 85,6%, representando 149 (cento

e quarenta e nove) respondentes da pesquisa, enquanto 12 são coordenadores

pedagógicos, ou seja, 6,9%; 10 são gestores escolares, o que significa 5,7% e 3 estão

em outra função correspondendo a 1,7%.

Do professorado envolvido na pesquisa quanto a sua área de atuação foi

observado que a maior parte atua no Ensino Fundamental I Segmento, crianças de 6

a 10 anos de idade, o que significa dizer que do universo de respondentes 47% estão

nesta função; 23,2% atuam na Educação Infantil Fase Pré-Escola com crianças de 4

e 5 anos; 14,9% atuam no Ensino Fundamental II segmento com crianças e

adolescentes acima de 11 anos e também com 14,9% professores que atuam na

educação Infantil na Fase Creche com crianças de 0 a 3 anos.

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Do grupo envolvido na pesquisa foram observados que 84 (oitenta e quatro)

profissionais já atuaram numa instituição educacional em outro cargo ou função, além

da função de professor, isso representa 48,28% do professorado. Deste universo

54,8% atuaram ou atuam na função de Coordenador Pedagógico, 6% na função de

Gestor Escolar, 1,2% como Assessor Pedagógico, 1,2% como Orientador Educacional

e 36,9% em outras funções elencadas como sendo secretária escolar, monitora de

creche/pré-escola, zeladoras entre outras.

O professorado que participou da pesquisa representa a diversidade existente

na rede municipal de ensino deste município, da área urbana e rural, configurando a

heterogeneidade que circunda o cenário educacional atual.

O principal objetivo deste trabalho foi conhecer a percepção dos professores

sobre a atuação do Orientador Educacional, coletar as informações e a partir da

análise do mesmo elaborar um projeto de implantação para a inserção deste

profissional na rede municipal de ensino.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Preservando a identidade dos respondentes, os mesmos serão indicados no

texto pela letra P seguido de número, tais como P1, P2 [...] P174.

4.1 Descrever a Função do Orientador Educacional Sob a Ótica do Professor

Para atingir este objetivo e apropriar-se das percepções dos professores acerca

do papel do OE, foram elaboradas questões diretas e objetivas para que os

respondentes pontuassem suas percepções. Assim, quando questionados sobre o

papel do orientador na escola, ofereceu-se cinco alternativas, conforme o gráfico 1:

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GRÁFICO 1 – Papel do orientador educacional na escola

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Nesse questionamento das cinco alternativas oferecidas, apenas três eram

corretas. De um universo de 174 respondentes foi constatado que ainda existem

divergências quanto ao papel do orientador educacional, pois 23,7% entendem que

“fornecer condições para que o docente realize a sua função da maneira mais

satisfatória possível” é papel do OE e 3,6% entendem que “cuidar da disciplina em

sala de aula, corredores e pátio” seja tarefa do referido profissional.

As duas opções assinaladas competem ao coordenador pedagógico, pois seu

papel consiste em realizar o acompanhamento e a orientação adequadamente para

que o professor consiga desenvolver suas atividades de maneira satisfatória. Quanto

a cuidar da disciplina em sala de aula ou nos corredores da escola são funções que

fazem parte da atribuição do professor e no segundo caso de um inspetor de pátio, ou

cargo semelhante.

Compete ao profissional de OE ser o mediador frente aos conflitos existentes

na instituição de ensino, adaptar o aluno à rotina escolar e cuidar da formação dos

alunos para a escola e para a vida, haja vista sua coparticipação junto à equipe

gestora na busca pela qualidade de educação e na formação da cidadania dos

estudantes. Cabe ao OE estar em sintonia com toda a equipe e fortalecer as relações,

auxiliando neste processo. Como bem explicita Grinspun (2011, p.35) ao destacar

que:

[...] o orientador tem espaço próprio junto aos demais protagonistas da escola para um trabalho pedagógico integrado, compreendido criticamente as relações que se estabelecem no processo

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educacional. O orientador, mais do que nunca, deve estar atento ao

trabalho coletivo da escola, atuando harmoniosamente com os demais profissionais da Educação; o trabalho é interdisciplinar.

O que é preciso compreender neste imbricado de ações é que cada ator é

fundamental e deve desempenhar suas funções adequadamente, para que o

resultado final tenha êxito, considerando que o objetivo é o processo de ensino e

aprendizagem, bem como a formação crítica do aluno, possibilitando a ele viver bem

em sociedade.

Quanto a esta integração e compartilhamento de papeis, o professorado foi

perguntado sobre o papel do OE junto a equipe gestora, onde 99,4% respondeu sim

conforme o gráfico 2.

GRÁFICO 2 – Papel do orientador educacional junto a equipe gestora

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Esse questionamento apresentou opção de justificativa, e para destacar o

configurado na resposta, veja a afirmação de P46, reforçando ainda mais o que foi

identificado no gráfico com o demonstrativo das repostas, “Acredito que o OE é de

fundamental importância no ambiente escolar, auxiliando o processo ensino

aprendizagem, mas feito através de um trabalho coletivo envolvendo os docentes e a

equipe gestora”. Veja outro exemplo descrito por P060: “Trabalhar visando a

integração de todos os segmentos no âmbito escolar, principalmente os funcionários.”

E também na fala de P080: “A importância do orientador na escola e os papeis a serem

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desenvolvidos pelo orientador e isso acontecendo, algumas funções do gestor e

coordenador serão facilitadas [...].”

Quando solicitados a responder quanto ao papel exercido adequadamente pelo

OE, houve um número relativamente interessante nos resultados, pois foram seis

alternativas para serem refletidas, das quais apenas quatro estavam corretas, sendo

elas as mais consideradas pelos respondentes. O gráfico 3 apresenta as respostas

que elucidam qual é o papel do OE.

GRÁFICO 3 – Papel do orientador educacional na escola

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Aqui fica evidenciado que há um entendimento quanto ao papel do OE, que

também é salientado por Grinspun (2011, p.33) ao relatar que o

[...] papel do orientador está relacionado com a mudança social, através do questionamento do modo de perceber o mundo, da valorização dos conteúdos que serão transmitidos aos alunos, como instrumentos que lhes permitam transformar a sociedade. [...].

É o que se configura também nas respostas do primeiro questionamento

apresentado pelo Gráfico 1. Mas é necessário entender que isso só é possível quando

todos os protagonistas que compõem o cenário educacional desempenham seus

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papeis tendo em mente os mesmos propósitos e objetivos no que se refere a uma

educação que promova mudanças de fato.

Entretanto é essencial que o profissional OE, além de ter a compreensão da

sua função, tenha perfil para assumir esta tarefa. Tal conclusão também foi explicitada

pelo P094: “[...] um OE auxiliará não só na construção de valores do aluno, e sim

valores, atitudes e postura de toda a comunidade escolar: aluno, pai e professor, pois

o foco deste profissional será este [...].”

A pesquisa nos oportunizou refletir sobre as características essenciais ao

profissional que deve assumir a orientação educacional, conforme apresenta-se o

gráfico 4.

GRÁFICO 4 – Características do orientador educacional

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Há que se lembrar aqui, que no contexto escolar são várias as dimensões de

atuação dos protagonistas, ou seja, dos profissionais comprometidos com a qualidade

de ensino, então valho-me de Grinspun (2011, p.102) para reforçar quanto o OE ao

apontar que:

A Orientação Educacional busca o aluno real, concreto, historicamente situado, sendo trabalhada junto com ele a questão de seus direitos e

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deveres. Esse aluno, principalmente das classes populares, deve ter acesso à escola e nela permanecer. [...].

O estudo em questão explicita diante das indagações que este profissional

precisa ser eminentemente político e compreender que ele será e fará parte do elo

entre as dimensões filosóficas, psicológicas e pedagógicas, tendo como principal foco

o social, haja visto que a “escola é um dos espaços do cotidiano do sujeito onde a

subjetividade está sendo formada” (GRINSPUN, 2011, p.102).

Desse modo, a função do OE sob a ótica do professor se apresenta dentro do

esperado para o profissional da orientação educacional, bem como o que consta nas

atribuições da Lei Municipal. O que se observa é que a maioria do professorado tem

conhecimento do verdadeiro papel do O.E, porém alguns não possuem clareza sobre

como este profissional vai atuar na escola e por vezes acabam se equivocando ao

tentar entender “o que, como e quando” será efetivamente necessário a atuação do

profissional da orientação educacional na instituição de ensino.

4.2 Identificar a Opinião dos Professores da Rede Municipal Sobre a Atuação do

Orientador Educacional nas Escolas

A expectativa da presença e da atuação da figura do OE nas instituições

educacionais é ponto de destaque nas reivindicações dos profissionais da educação

na rede municipal de Lucas do Rio Verde. O destaque de tal informação se dá com

base na observação empírica da realidade nas referidas instituições, bem como suas

dificuldades.

Foi detectado na pesquisa o entendimento que o professorado possui acerca

do papel e as características do profissional da orientação educacional, e apesar de

algumas contradições apontadas o que fica evidenciado é a certeza de que o

profissional de OE tem que conhecer a realidade da sala de aula e ser parte integrante

da equipe, precisa estar engajado e comprometido com o bom desenvolvido da

instituição. Observe alguns depoimentos acerca deste item, como o de P172 “Em

minha concepção acredito que este profissional venha para acrescentar, mas para

que isso aconteça precisa estar preparado”.

Na minha concepção na área educacional o papel do orientador educacional é de suma importância, desde que ele venha a contribuir e exercer o seu papel no contexto escola, desempenhando suas ações

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de forma a ajudar a encontrar soluções de conflitos de situações no cotidiano escolar, proporcionando um ambiente harmonioso no contexto escolar (P047).

Desse modo, quando perguntados sobre a relevância do profissional da

orientação educacional na instituição através da pergunta “A presença do Orientador

Educacional na escola favorece o processo de Ensino Aprendizagem. Você

concorda?”, o resultado foi quase unânime entre as respostas, conforme demonstra o

gráfico 5.

GRÁFICO 5 – Presença do Orientador Educacional na escola

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

De acordo com a pesquisa 97,1% responderam sim ressaltando a necessidade

da presença deste profissional nas instituições educacionais. Este resultado reforça

que há um anseio real quanto a figura do OE nas escolas.

Isso também fica evidente nas falas dos professores, veja o que afirma o P157

“O OE é um profissional de grande importância na escola, pois ele vai orientar,

articular, mediar os conflitos e clarificar as contradições, e nesse meio buscar ajudar

o aluno a compreender as redes de relações na sociedade”. E na afirmação do P004

“Seria interessante que todas as escolas tivessem orientador educacional, pois sua

presença auxilia conflitos existentes, sendo alguém que ouve, dialoga e colabora com

sugestões.”

Quanto ao trabalho junto a equipe gestora observe os relatos de P0048 e 0119

consecutivamente: “O orientador pedagógico deve trabalhar em consonância com a

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equipe gestora para que juntos possam desenvolver um bom resultado no ensino

aprendizagem dos alunos” e ainda mais latente no próximo que destaca,

Acredito que no momento atual as escolas necessitam do trabalho desenvolvido pelo OE, pois esse fará uma ponte entre escola, comunidade, alunos e professores visando sempre o desenvolvimento integral do aluno, ‘desafogando’ o trabalho da gestão e coordenação. O trabalho preventivo também é de suma importância nas escolas, orientando pais e alunos.

O que se observa ainda é a ideia de um profissional com entendimento de sala

de aula, que conheça realmente o processo das relações que são vivenciadas

cotidianamente nos estabelecimentos de ensino destacado na fala do P042 “O

orientador educacional tem que ter experiência em sala de aula para poder exercer

sua função dentro da instituição de ensino”. Para melhor elucidar esta percepção

Grinspun (2011, p.208) enfatiza que:

[...] o Orientador Educacional como educador, e não como técnico, tem um trabalho muito importante a realizar na escola, numa perspectiva que avance os muros da escola, para inserir-se na análise do projeto de uma sociedade mais justa, mais fraterna, que desejamos construir. Muito há que se fazer na escola e o Orientador Educacional é um profissional que, trabalhando com a questão de valores, com a pessoa humana, colaborará na formação desse aluno, desse sujeito social, que vive a história do seu tempo [...]

Assim, entende que o OE é um profissional que se preocupa com a formação

integral dos estudantes, auxiliando na tarefa de educar com sentido e significado, em

que cada um compreenda que pode e deve ser protagonista na história e no tempo.

Há que se concluir assim que é uma figura importante no contexto educacional, tanto

pelas observações dos pesquisados quanto pela referência da autora.

Considerando a relevância do supracitado e o que ficou destacado na resposta

da questão que solicita uma nota para avaliar o profissional ao que se refere ao

processo de ensino e aprendizagem, o gráfico 6 apresenta o seguinte resultado:

GRÁFICO 6 – Orientador Educacional e o processo ensino aprendizagem

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Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

Os apontamentos com valores de 4 e 5 correspondem a 75% das opiniões,

representando a importância dada a figura do OE dentro da instituição quanto ao

processo de ensino e aprendizagem dos alunos. O que ficou destacado foi o

entendimento que com a figura do referido profissional a escola conseguirá atingir

melhores resultados na aprendizagem dos alunos e agilidade dos procedimentos

cotidianos, haja visto que o coordenador pedagógico está exercendo também a função

do OE, e, muitas vezes deixa a desejar no acompanhamento pedagógico do

professorado auxiliando no planejamento e na gestão da sala de aula. Observe o que

aponta P105 “A necessidade de um orientador é inquestionável, pois o coordenador

fará o seu papel que é auxiliar e acompanhar o professor, pois este momento está

sendo quase impossível, devido a demanda da escola”.

Observa-se também o equívoco de alguns profissionais ao compreenderem

que a função do OE está diretamente ligada a resolução de problemas

comportamentais e disciplinares e uma falsa ideia que o OE dará conta de todos os

conflitos. Como destaca P123 “Auxílio em sala de aula; auxílio em material, cuidados

no pátio, entrada de pessoas na escola”.

Quanto a importância e necessidade deste profissional nas instituições de

ensino também ficaram bem marcadas na última pergunta da pesquisa, na qual foi

garantido um espaço para inferências espontâneas quanto a figura do referido

profissional, ao solicitar ao professorado: “Descreva aqui suas percepções que não

estão contempladas neste questionário”, o resultado foi bastante eclético quanto as

percepções, mas 27,7% do público envolvido destacou que as escolas tem que ter o

OE e nos relatos ficaram as justificativas quanto a este posicionamento conforme se

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seguem os depoimentos, observe P104 “O orientador irá colaborar com a equipe

escolar no sentido de auxiliar o educador e contribuir com o processo de ensino

aprendizagem”.

Se faz necessário nas Unidades escolares o Orientador Educacional, pois o mesmo é um elo entre educadores, pais e estudantes. O papel do Orientador é um desafio diante da clientela das escolas, pois não pode descuidar do coletivo, ao mesmo tempo que desenvolve uma série de intervenções individuais. O papel do Orientador Educacional deve estar centrado nos aspectos políticos e social, ultrapassando o âmbito escolar (P029). Acredito que o OE é uma pessoa importante dentro da instituição e ajudaria muito o coordenador pedagógico, assim como o professor e o próprio aluno que muitas vezes precisa ser orientado, ter um atendimento individualizado para superar os conflitos existentes (P131).

Enfim, são vários os depoimentos que tratam da importância do OE nas

instituições de ensino, também reforçados nas palavras de Grinspun (2011, p.60) ao

afirmar que “O orientador atua como mediador, auxiliando a relação pedagógica e

promovendo as condições para que professores e alunos a efetivem”. O referido autor

ainda acrescenta a seguir:

O orientador clarifica as contradições e confrontos, procurando verificar a situação existente e, nesse meio, busca ajudar o aluno a compreender as redes de relações que na sociedade se estabelecem. O orientador dinamiza, mobiliza as questões coletivas, mas levando em consideração que esse coletivo não é abstrato, e sim formado de indivíduos que devem pensar, criar e agir (IDEM).

Diante de tais considerações é possível entender que há uma justificativa

pertinente quanto a figura do OE nas instituições de ensino, principalmente quanto as

exigências de uma educação pública de qualidade, pois este é seu dever e direito de

todos os que a procuram com o intuito de garantir conhecimento e cidadania.

4.3 Comparar a Função do Orientador Educacional Descrita Pelo Professor com o

Papel que Deve ser Desempenhado

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Ao atentarmos para tantos relatos e entendimentos acerca do OE coletados na

pesquisa, foi possível inferir que os estudos demonstraram um saldo positivo quanto

ao papel deste profissional. Em todas as questões houveram acertos consideráveis

que demonstraram a necessidade da figura do OE nas instituições, bem como seu

papel e devida importância.

Entretanto há uma preocupação bastante grande quanto as peculiaridades que

talvez não sejam tão claras e evidentes aos colegas que se disponibilizaram a

responder tal pesquisa, que em alguns momentos também foram destacadas em

todas as questões. Talvez a confusão se dê pelo fato de faltar um esclarecimento

adequado aos mesmos e que não é tão simples quanto pareça a implantação deste

profissional nos estabelecimentos de ensino quanto é a vontade e a solicitação.

Há com certeza a ideia da importância deste profissional nas instituições,

porém, o que pode ainda não estar claro é o que ele fará dentro dela. Veja as

divergências encontradas nos relatos dos respondentes: P072 “O orientador deve

estar totalmente integrado a toda a equipe escolar. Deve exercer a função de

mediador ente alunos, pais e professores afim de desenvolver ações em conjunto para

o bem estar da criança no ambiente escolar”. Enquanto que P133 “O OE é um

profissional imprescindível numa escola de tempo integral, onde as ocorrências

indisciplinares dos alunos são maiores e isso acaba tomando todo tempo dos

coordenadores pedagógicos e estes diminuem o trabalho pedagógico com o corpo

docente.”

Tais registros revelam que há de um lado o conhecimento de que o OE é

importante estando integrado à equipe e engajado com os reais objetivos da escola,

e em contraponto existe o entendimento que seu papel fará a diferença se atuar no

combate a indisciplina dos alunos. Aqui é necessário destacar que não é esta a função

do OE, ele pode auxiliar a implementar boas estratégias previstas no Projeto Político

Pedagógico (PPP), mas não dará conta sozinho desta ou de qualquer dificuldade, pois

é essencial que cada um faça sua parte neste imbricamento de responsabilidades.

Grinspun (2011, p.35) corrobora com o citado enfatizando que:

A orientação, hoje, tem que se desenvolver através de um trabalho participativo, onde o currículo deve ser construído por todos, e onde a interdisciplinaridade deve ser buscada, para uma melhor compreensão do processo pedagógico da escola. A

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interdisciplinaridade é vista como um projeto a ser viabilizado nas escolas, em oposição a um sistema fragmentado [...] Não ficam de um lado os professores da Escola e do outro os especialistas; não é um espaço de luta entre vencedores e vencidos, em que uns ensinam e outros atendem alunos e professores. O trabalho é conjunto, integrado, e todos estão comprometidos com o processo e com os resultados. [...].

Assim cada qual tem papel fundamental, desde que exerça suas tarefas

conscientes das suas responsabilidades. Da mesma forma todos os outros devem

desempenhar seus papeis a contento para que os objetivos sejam atingidos.

Contudo, se é fato que ao OE cabe o papel de mediador e articulador, esse foi

bem pontuado, é possível entender aqui que há uma concepção adequada quanto a

função do profissional da orientação nas escolas. Observe o que alguns professores

relataram quanto a este assunto: P160: “Por ser um profissional que trabalha com as

relações interpessoais entre professores, alunos e pais, o trabalho do orientador

reflete diretamente nos resultados da sala de aula. [...]”

Fica claro que o papel do orientador educacional é exercer o diálogo entre as partes tendo como foco o aluno, buscando a promoção do relacionamento interpessoal entre a comunidade escolar sendo agente da informação qualificada para a melhor ação, adotando práticas de reflexão permanentes (P039).

Se reportarmos a Grinspun (2011, p.37) quanto ao que é essencial ao OE

considerando as concepções acerca da sua função entenderemos que o profissional

que se quer hoje e que se pretende ter deve estar comprometido com:

1) A construção do conhecimento, através de uma visão da relação sujeito-objeto, em que se afirma, ao mesmo tempo, a objetividade e a subjetividade do mundo, está considerada como um momento individual e de internalização daquela; 2) A realidade concreta da vida dos alunos, vendo-os como atores de sua própria história; 3) A responsabilidade do processo educacional na formação da cidadania, valorizando as questões do saber pensar, saber criar, saber agir e saber falar na prática pedagógica; 4) A atividade realizada na prática social, levando-se em consideração que é dessa prática que provém o conhecimento, e que ele se dá como um empreendimento coletivo; 5) A diversidade da educação, questionando valores pessoais e sociais, submersos nos atos da escolha e da decisão do indivíduo;

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6) A construção da rede de subjetividade que é técnica em diferentes momentos na escola e por ela; 7) O planejamento e a efetivação do projeto político-pedagógico da escola em termos da sua finalidade, considerando os princípios que o sustentam, portanto, a filosofia da educação, que o fundamenta, e as demais áreas que o articulam.

Dessa forma o que se espera é a participação e envolvimento de um

profissional preocupado com todas as instâncias da escola, desde o seu PPP até os

resultados obtidos pela execução do mesmo. Um profissional que perceba que o aluno

ao adentrar a escola traz em sua bagagem valores, cultura e visões sociais

observadas através da sua realidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do resultado obtido com o estudo de caso através da pesquisa junto ao

professorado da rede municipal, foi possível observar que há uma expectativa

bastante grande em relação a figura do OE nas instituições educacionais, pois há o

entendimento de que este profissional colaborará muito com os processos existentes

nas mesmas. Há uma evidente preocupação com a problemática atual vivida e as

dificuldades enfrentadas tanto com o modelo de ensino e aprendizagem, quanto com

as relações interpessoais dos atores envolvidos neste cenário.

Quanto a maneira de ensinar e aprender é preciso destacar que o papel do

professor e sua função necessitam estar claras e serem acompanhadas e orientadas

pelo coordenador pedagógico a fim de assegurar boas práticas pedagógicas e

resultados que assegurem uma educação de qualidade, configuradas nos índices

deste município através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),

bem como a execução da proposta curricular que assegura uma metodologia pautada

em situações desafiadoras mediadas pela figura do educador.

Ao que se refere a carreira profissional do professor há uma preocupação

evidente garantindo formação continuada a todos os profissionais, pois acredita-se

que a capacitação contínua com base em estudos, discussões e reflexões sobre a

teoria e a prática podem auxiliar e melhorar ainda mais os resultados tanto do fazer

pedagógico quanto do aprender do alunado.

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Como esta pesquisa se ateve ao papel e função do OE e sua importância nas

instituições educacionais na rede municipal de ensino, ficou evidenciado que quanto

as dificuldades e as relações existentes neste universo há a necessidade deste

profissional participando efetivamente deste processo pedagógico. O P160 destacou

algo para enriquecer este estudo descrevendo que,

Por ser um profissional que trabalha com as relações interpessoais entre professores, alunos e pais, o trabalho do orientador reflete diretamente nos resultados da sala de aula, o grupo tem que ter bem claro que esse profissional é formado e apto a ajudar a resolver em conjunto com o professor situações problemas, por isso as salas de aula deveriam estar abertas para a presença deste profissional. A presença de um orientador na escola ajudaria bastante a desenvolver o trabalho do coordenador, uma vez que o coordenador se focaria mais no cumprimento do planejamento e em dar suporte aos educadores, e menos resolver conflitos interpessoais.

Assim, pode-se considerar que o OE é personagem indispensável no cenário

da instituição educacional junto com a equipe gestora da escola, sendo parte dela,

desde que esteja participando efetivamente na elaboração, execução e

acompanhamento do Projeto Político Pedagógico da instituição. Este seria o ponto de

partida, além de orientar alunos e professores, bem como promover boas discussões

e ações preventivas acerca do ambiente em que todos estão envolvidos.

O OE precisa estar sempre próximo ao aluno, auxiliando no processo da

construção de sua personalidade, auxiliando no “desenvolvimento pessoal, visando à

participação dele na realidade social” (GRINSPUN, 2011, p.116). Trabalhar sempre

junto aos professores sendo colaborador efetivo na “construção do projeto político

pedagógico da escola, principalmente através de seu currículo” (GRINSPUN, 2011,

p.116). Atuar junto a direção, ou seja, da equipe gestora, pois como afirma Grinspun

(2011, p.116):

[...] O Orientador deve participar da organização das turmas, dos horários, da distribuição dos professores em turmas, do número de alunos em sala de aula, dos horários da merenda, da recreação, das atividades complementares, da matrícula, enfim, de toda a prática que organiza a infraestrutura da escola.

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Também deve ser um profissional que atue junto aos demais funcionários,

colaborando para a valorização das suas tarefas, considerando o bom desempenho

das mesmas, “deve procurar trabalhar a autoestima, a identidade profissional e suas

atribuições para o funcionamento da escola” (Grinspun, 2011, p.117). Como não

destacar aqui sua atuação junto aos pais e comunidade em geral, trazendo-os para

dentro da escola, promovendo ações que favoreçam a participação destes membros

de diferentes formas, desde o planejamento do projeto da instituição até as tomadas

de decisão. Pois como destaca Grinspun (2011, p.117):

A construção de uma escola de qualidade implica um projeto coletivo, que requer ação coordenada e participação de todos nela envolvidos. A qualidade não está na adjetivação externa, mas na substancialidade interna da instituição.

Acrescente-se aqui o entendimento de que cada um deve assumir seu papel e

responsabilidade no sentido de tomar e fazer parte de todo o processo. Neste cenário

fará o OE uma diferença capital, pois ele conseguirá desenvolver suas ações,

trabalhando de maneira preventiva e contribuindo de fato para o que se espera de

uma educação de qualidade.

Tendo em vista as observações e reflexões geradas a partir deste estudo de

caso, faz-se necessário a implantação da figura do profissional da Orientação

Educacional através de um projeto de implantação e implementação na rede municipal

de ensino de Lucas do Rio Verde, com vistas a promover tal diferença e obter êxito.

Caso contrário muitas das falas dos professores serão perpetradas diante da falta de

clareza da real função e atuação do referido profissional.

REFERÊNCIAS

GRISPUN, Mirian P.S. Zippin. A Orientação Educacional: Conflito de Paradigmas e alternativas para a escola. São Paulo, Cortez, 2011. LUCAS DO RIO VERDE-MT. Lei nº 1514, de 17 de janeiro de 2008 que dispõe sobre a reestruturação do Estatuto e o Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos dos Profissionais da Educação Básica do Sistema Público do Município de Luca do Rio Verde-MT.

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PROGRAMA NOVOS TALENTOS EM EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E

DIVERSIDADE NO VALE DO ARINOS

Lori Hack de Jesus9

Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira10

Waldineia Antunes de Alcântara Ferreira11

RESUMO

Este texto é resultado de atividades efetivadas ao longo do período de desenvolvimento do Programa Novos Talentos: Educação e diversidade no Vale do Arinos, aprovado pelo Edital da CAPES/NOVOS TALENTOS/2012, que incentiva a realização de atividades extracurriculares pela universidade em escolas de educação básica. Essas atividades devem ocorrer, parte na escola e parte na universidade. O Programa tem como objetivos possibilitar a descoberta de novos talentos, inclusão e permanência de professores e alunos na escola pública do Vale do Arinos, contribuindo com a democratização do ensino superior, através da consolidação de ações que possam melhorar a qualidade da educação pública nas escolas parceiras e no curso de Pedagogia da UNEMAT Campus de Juara. A metodologia utilizada na execução deste Programa tem sido o desenvolvimento das atividades programadas em cada projeto no contraturno, de forma a não interferir na frequência escolar, ou seja, no período contrário à frequência de aulas pelos estudantes. Os resultados têm sido evidenciados nos trabalhos efetivados por alunos e professores, em sala de aula e fora de sala, em forma de texto, produção de bonecas negras seguidas de história construídas, construção de horta no espaço da escola e a confecção do cantinho das africanidades, bem como, a produção de documentários, sobretudo nas aldeias da Terra indígena Apiaká-Kaiabi.

Palavras-chave: Educação. Novos Talentos. Diversidade Étnica e Racial.

ABSTRACT

This text is the result of activities done throughout the period of development of the Program New Talents: Education and diversity in the Arinos Valley, approved by the CAPES/NEW TALENTS/2012 Notice, which encourages the realization of

9 Mestre em Educação. Professora no Curso de Pedagogia da UNEMAT, Campus de Juara. Brasil. E-mail: [email protected]. 10 Doutora em Geografia. Professora no Curso de Pedagogia da UNEMAT, Campus de Juara. Brasil. E-mail: [email protected]. 11 Doutora em Educação. Professora no Curso de Pedagogia da UNEMAT, Campus de Juara. Brasil. E-mail: [email protected].

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extracurricular activities of the university on basic education schools. These activities must take place at school and university both. The program aims to enable the discovery of new talents, inclusion and retention of teachers and students in the Arinos Valley's public school, contributing to the democratization of higher education, through the consolidation of actions that can improve the quality of public education in partner schools and in the Faculty of Education of UNEMAT, Juara Campus. The methodology used in the implementation of this program has been the development of the activities planned in each project in the spare time, so as not to interfere with school attendance, ie the period contrary to the one in which students are attending to classes. The results have been evidenced in the work effected by students and teachers in the classroom and outside the classroom, in the form of text, production of black dolls, followed by constructing stories, garden construction in the school and the making of the corner of africanities, as well as the production of documentaries, particularly in the Amerindian villages, on Apiaká-Kaiabi land. Keywords: Education. New Talents. Ethnic and Racial Diversity.

1 INTRODUÇÃO

O “Programa Novos Talentos: Educação e diversidade no Vale do Arinos” é

composto dos seguintes subprojetos: “Interculturalizando Talentos: Articulações entre

linguagens, história étnico cultural e educação ambiental em uma escola indígena”,

que é desenvolvido nas aldeias da Terra indígena Apiaká-Kaiabi. “Descobrindo

talentos em uma escola municipal de Novo Horizonte do Norte-MT: Educação e

relações raciais”, que é desenvolvido na Escola Municipal Ulisses Guimarães do

Município de Novo Horizonte do Norte-MT. “Educação Matemática”, que é

desenvolvido com as escolas de Ensino Médio. E “Em busca de novos talentos na

Escola do Campo: Educação e meio ambiente”, na Escola Municipal Rui Barbosa, no

Distrito da Catuaí.

O Programa tem como objetivo geral: Possibilitar a descoberta de novos

talentos, inclusão e permanência de professores e alunos da escola pública do Vale

do Arinos, contribuindo com a democratização do ensino superior, através da

consolidação de ações que possam melhorar a qualidade da educação públicas nas

escolas parceiras e no curso de Pedagogia da UNEMAT Campus de Juara.

Tem como objetivos específicos: Oportunizar espaços de participação, para a

comunidade acadêmica e comunidade em geral, em atividades artísticas e culturais

que possibilitem a construção de conhecimentos artísticos, estéticos e éticos

fundamentais na formação integral do ser humano; Desenvolver a criação e a

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liberdade de expressão, integrando o aluno e professores ao convívio cultural através

das artes; Propiciar atividades diversificadas, de forma indissociável entre o Ensino,

Pesquisa e Extensão, no que se refere à diversidade étnica, racial e da população do

campo.

A metodologia utilizada na execução deste Programa tem sido a efetivação de

atividades desenvolvidas no contraturno de forma a não interferir na frequência

escolar, ou seja, no período contrário a frequência de aulas pelos estudantes. A ação

metodológica se sustenta em uma construção dialógica e participante como nos

ensina Freire (2005).

Queremos aqui, refletir sobre os processos educacionais a partir da interface

dos projetos que compõem o Programa Novos Talentos no Vale do Arinos, financiado

pela CAPES, bem como contribuir e dialogar com escolas do campo, urbana e da

Terra Indígena Apiaká-Kaiabi do Vale do Arinos, através dos relatos de experiências

produzidas pela coletividade de professor@s da Universidade e professor@s das

escolas de Educação Básica, na tentativa de preservar as matrizes culturais das

comunidades onde estão inseridas.

2 REVISÃO DA LITERATURA

A discussão em torno da Educação do Campo tem se dado com base em fontes

como Arroyo (2006), Arroyo e Fernandes (1999), Martins (2009) e Caldart (2002).

Estes autores nos embasam a discutir a formação do campo brasileiro, inicialmente,

calcado no latifúndio que deu origem às escolas rurais. A partir da luta pela terra

apontada, sobretudo, por Arroyo e Fernandes (1999), e o surgimento do MST

(Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) é que surgem as escolas do/no campo.

Estas escolas levam em consideração a realidade local e os saberes do campo. E é

nesse sentido que o Projeto Novos Talentos em uma escola do campo tem contribuído

em pensar o local.

A discussão sobre as questões raciais é ainda muito complexa e polêmica, seja

ela na universidade, na escola de educação básica ou na sociedade, pois ainda

existem pessoas que acreditam que vivemos em uma democracia racial, quando isso

já foi provado que é um mito.

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Diversas pesquisas têm comprovado que as relações na sociedade brasileira

têm se dado de forma desarmônica, quando se trata das relações raciais, como vemos

em Rosemberg (1987), Oliveira (1999), Cavalleiro (2001 e 2003), Jaccoud e Beghin

(2002), Silva Jr. (2002), Fazzi (2004) e Carvalho (2010). Estes pesquisadores

evidenciam, desta forma, que a democracia racial, tão propalada nos discursos, não

passa de um mito e, que as políticas públicas universalistas são ineficazes na

promoção da igualdade entre negros e brancos, contribuindo para a manutenção de

privilégios para o grupo racial branco.

Assim, percebemos que as desigualdades nos diversos setores da vida

humana, tais como a educação, saúde, habitação, trabalho, acesso a bens e outros

têm se mantido inalteradas ao longo do tempo. Segundo Henriques (2001), os

indicadores sociais mostram melhorias na qualidade de vida de todos os brasileiros,

negros e brancos, entretanto, a diferença nos indicadores sociais entre os grupos

raciais não tem diminuído, o que nos prova que a democracia racial em nossa

sociedade permanece como um mito.

A Lei 10.639/03, que alterou a Lei 9.394/96 - LDB, incluindo no currículo oficial

das escolas a obrigatoriedade do estudo dos conteúdos relacionados à História e à

Cultura Africana e Afro-brasileira, veio para auxiliar nesse processo de romper com a

permanência dessas desigualdades em função do preconceito racial existente na

sociedade brasileira.

Várias são as pesquisas que comprovaram as consequências do racismo no

interior das escolas. O preconceito e a discriminação decorrentes do racismo

promovem prejuízos às crianças vítimas de tais ações, entre as quais, as crianças

negras estão em maior número segundo Henriques (2001). Conscientes da existência

do racismo no interior do contexto escolar, podemos afirmar a grande necessidade

em promover uma educação que supere esta realidade, uma educação que combata

categoricamente a questão, ou seja, uma educação antirracista.

Assim, entendemos que os professores devem estar preparados, dominar os

conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados e conhecer os aportes teóricos

sobre as diversidades que podem dar sustentação à sua prática pedagógica.

As muitas definições existentes sobre racismo são elaboradas, em sua maioria,

pelos antirracistas, segundo Munanga (1998, p.44) e, mesmo estes, partem de pontos

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de vista diversificados, às vezes opostos, dificultando o consenso, assim os

antirracistas tentam explicar o racismo, através de discursos diversos, enquanto isso,

os racistas agem e, para justificar a sua ação de exploração, de sujeição e de

dominação, do mesmo modo, para legitimar as desigualdades, também elaboram um

discurso, fundamentado, ora na religião, ora no sistema político-econômico e ora na

ciência (pseudociência biológica).

O autor divide em dois grandes grupos as teses sobre o racismo, mesmo que

os dois concordem em dizer que "há racismo, todas as vezes que, na interação

conflitual de categorias diferentes, surge um modo de exclusão baseado na marca

biológica" (p.45).

O primeiro grupo dá ao racismo um sentido mais amplo, mais comum, mais

popular, onde toda a situação de conflito, que implique numa desigualdade real ou

suposta é considerada racismo, por exemplo: racismo antivelho, anti-homossexual,

etc. Neste sentido, o preconceito é um dado universal, é ligado à própria psicologia

humana, é inerente a todas as culturas e a todas as civilizações. Nesta perspectiva,

não há uma cultura que não seja preconceituosa.

O segundo grupo emprega o racismo no sentido mais restrito, considerando-o

um fenômeno que tem uma história conhecida, isto é, tem um tempo e um lugar de

origem. De acordo com Munanga (1998, p.46), está ligado à história da cultura e da

civilização ocidental, com sua origem situada no século XVIII.

Esse racismo, visto como ideologia, utiliza os argumentos emprestados a uma

biologia falsificada, é intelectualmente estruturado, pois segundo o autor citado, é

preciso distingui-lo do racismo corrente e ordinário que é utilizado por quem não

domina as teorias dessa pseudociência.

Desta forma, percebe-se que os negros não foram escravizados por serem

considerados biologicamente inferiores, mas por que o capitalismo buscava a mão-

de-obra gratuita. Munanga esclarece que a biologia racista foi elaborada muito tempo

depois do início do processo de escravização, que na América se deu a partir do

século XVI, portanto, essa biologia racista não foi utilizada como fundamento para a

ação de escravizar.

Ainda que o racismo seja assim definido, há necessidade de distinguir entre o

racismo de exploração, ocorrido durante a colonização, que explora porque traz

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“benefícios” a quem o pratica, portanto não quer eliminar o ‘outro’ fisicamente, do

racismo de extermínio, exemplificado pelo que foi praticado pelos nazistas contra os

judeus, que se caracteriza pela "absolutização da diferença, sendo a eliminação física

do ‘outro’ considerada como a única salvação do grupo". Munanga (1998, p.47).

O fenômeno do racismo, de acordo com este autor, pode ser decomposto em

três elementos, que são distintos, porém inter-relacionados, pois para discriminar

alguém concretamente, tem-se que ter preconceito, sendo que a ideologia racista,

enquanto doutrina, reforça e legítima as práticas discriminatórias. Portanto, o autor

assim explica cada um dos elementos: o racismo como ideologia, que se torna uma

doutrina, uma concepção de mundo, que às vezes é apresentada como uma teoria

científica ou como uma filosofia; enquanto preconceito racial, o racismo é uma

disposição imaginária, ligada aos estereótipos étnicos, é uma atitude, uma opinião,

que segundo o autor, pode ser verbalizada ou não, que pode se tornar uma crença,

comparável a uma crença religiosa, onde se crê mesmo que o negro é inferior ao

branco; e, o elemento que é a manifestação do comportamento coletivo observável e,

relativamente, mensurável que remete às medidas de exclusão que visam os

membros do grupo exterior ao nosso, é a discriminação racial.

Com isto, o autor afirma que o preconceito racial, por ser a estrutura mais

profunda do imaginário racizante, é o problema mais complexo de combater, pois não

é possível legislar contra o que é invisível, isto é, não existe lei para acabar com o

preconceito, pois a ação antirracista só pode atuar sobre os preconceitos raciais

"quando estes são verbalizados, declarados e até mesmo proclamados".

Mas as práticas discriminatórias, de acordo com Munanga, assim como as

mentalidades e os hábitos relacionados ao interesse de grupos resistem fortemente

às tentativas de transformação, o que leva o autor a dizer que "nós não temos

instrumentos para atingir as profundezas dessa estrutura, a não ser talvez

indiretamente, através da educação".

E, a educação é considerada por Munanga como apenas um dos meios para

se lutar contra o racismo, não pode ser o único, pois por ser, antes de mais nada, uma

ideologia, não se pode corrigi-lo simplesmente pela educação. Mas orienta que não

se deve deixar de trabalhar com os jovens, potencializando a personalidade,

fornecendo elementos para que eles possam reagir contra o racismo.

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Munanga (1998, p.50) diz ainda, que no Brasil temos um racismo não

institucionalizado, mas que é um racismo de fato, um racismo implícito, diferente dos

sistemas racistas do sul dos Estados Unidos, do Apartheid e do nazismo, o que levou

alguns autores a afirmarem que no Brasil não existe racismo.

3 METODOLOGIA

As atividades têm acontecido parte na escola e na universidade. O trabalho

junto às escolas tem sido semanal em dois dos subprojetos.

No subprojeto que trata das relações raciais na educação, “Descobrindo

talentos em uma escola municipal de Novo Horizonte do Norte-MT: Educação e

relações raciais” priorizou-se, inicialmente, os estudos através de ciclo de palestras e

roda de conversa sobre os principais marcos teóricos da questão, tais como as

desigualdades raciais no Brasil, as ações afirmativas e a Lei 10.639/03, assim como,

os conceitos básicos, como de raça, racismo, discriminação e preconceito racial.

Desenvolvemos atividades que envolveram os professores e o grupo de alunos

selecionados pela escola, que se constituíram de oficina com a confecção de bonecas

negras de lã e de tecido, vivências com brincadeiras com os bonecos confeccionados

através do teatro de fantoches, jogos de origem africana, como o mancala, filmes e

documentários como “Crash no limite” (este apenas com os professores e os demais

com professores e alunos), “Kirikou e a Feiticeira”, “Vista a minha pele”, “Eu sou

assim”, pois através deles abordamos os conceitos de raça, racismo, discriminação e

preconceito racial.

Iniciamos também, a criação e a organização do cantinho das africanidades,

buscando livros que tratem da questão racial, tanto na literatura infantil e juvenil, como

de outros materiais diversificados, que sejam de origem africana ou afro-brasileira.

Desta forma, iniciamos os estudos e o diálogo sobre a valorização da história e da

cultura negra, através do estudo sobre a História da África e dos africanos no Brasil,

bem como a cultura negra no continente africano e em nosso país.

Em decorrência desse trabalho foi possível ainda, publicar um artigo em livro e

vários trabalhos em eventos nacionais, regionais e locais, após desenvolvermos uma

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oficina de elaboração de textos, artigos e relatos de experiência, com professores da

escola e os acadêmicos envolvidos no projeto.

No subprojeto da “Educação do Campo” foi possível organizar oficinas com

universitários, professores e alunos da escola do campo, como as Práticas de

Educação Popular e os Cuidados com a Saúde, realizadas no Campus Universitário.

E na escola foi possível a construção de uma Horta Escolar e a Confecção da Boneca

Negra, Construção do Blog da Escola e dos projetos, onde os professores e alunos

socializam as informações, procurando compreender a cultura da comunidade. Todas

as atividades têm sido acompanhadas pelas crianças, que fazem perguntas

mobilizadoras da aprendizagem e do compartilhamento das experiências e sabedorias

que as mesmas têm com o trato da terra.

Neste subprojeto utilizou-se da pesquisa-ação-participante, metodologia

utilizada pelo Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNAE) do Ministério do

Meio Ambiente. Portanto, o PAP 1- será a equipe idealizadora do projeto; o PAP 2, o

coletivo educador, professores e acadêmicos, com a junção das instituições: Unemat

e escola e o PAP 3 os educadores ambientais que são os professores da Escola e por

fim, o PAP 4 formado pelo estudantes e pessoas do Distrito de Catuaí, ao mesmo

tempo que reúne todos os participantes atores deste projeto (BRASIL, 2005).

Professores e estudantes têm participado de oficinas e cursos que se conectem

aos conteúdos curriculares da educação básica, o eixo matriz da Educação Ambiental.

Estas têm servido de fundamento para a produção de atividades científicas.

A Coordenação dos subprojetos e os professores participantes se envolvem

diretamente com as atividades teóricas, responsabilizando-se pela organização dos

cursos e oficinas. Os professores da educação básica e acadêmicos/monitores do

curso de Pedagogia através da pesquisa-ação-participante contribuíram com a

elaboração de um livro publicado pela Editora da UNEMAT e Central de Texto com o

título: Educação do campo na Escola Rui Barbosa: Interface entre Novos talentos e o

PIBID.

No subprojeto “Interculturalizando Talentos: Articulações entre linguagens,

história étnico cultural” o desenvolvimento das atividades tem sido organizado em

encontros de círculo de cultura, na Unemat e nas aldeias Mayrob, Tatuí e Munduruku.

Nesses encontros fizemos o diagnóstico cultural e orientações da pesquisa/vivência

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socioantropológica, organizou-se as ações a serem desenvolvidas por estudantes,

professores, cacique, lideranças e com a realização das atividades, confeccionou-se

um livro com sabedorias em Educação Ambiental (marcadores de tempo, medicina

indígena e casa tradicional) e estamos com estudos e levantamento de atividades de

escritas na língua materna com auxílio de linguista. A comunidade Mayrob do povo

Apiaká vivenciou um tempo de círculo de cultura com o povo Tapirapé com o objetivo

de revitalização linguística já que são os dois pertencentes ao tronco Tupi Guarani.

Acompanhamento das ações são feitas indiretamente por internet e diretamente

quinzenalmente nas três escolas indígenas na perspectiva de círculos de cultura.

Neste subprojeto foi acrescentada a Educação Ambiental em uma Escola

Indígena, que é desenvolvido com os três povos indígenas do Estado de Mato Grosso

que vivem na Terra Indígena Apiaká – Kayabi, no Município de Juara, com os povos

Apiaká, Kayabi e Munduruku. O projeto tem o Centro de Formação e Atualização dos

Profissionais da Educação Básica (CEFAPRO) como parceiro.

A relevância das atividades contribuiu com a publicização dos saberes

indígenas, o incentivo, a aprendizagem da elaboração coletiva e o trabalho de

Educação Ambiental desencadeado nas decisões coletivas, que vão desde a temática

até a elaboração textual do material. O mesmo tem a finalidade de valorizar os

costumes, tradições e compartilhar aprendizagens, saberes e vivências de

construções tradicionais, de saberes medicinais utilizados na cotidianidade e de

marcadores de tempo que regulam a vida e a relação ser humano-natureza.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os principais resultados estão apresentados em forma de artigos elaborados

por professores das escolas e dos projetos. Estes artigos compõem uma publicação

especial do Caderno de Pesquisas Educacionais n. 04 e duas cartilhas, resultado da

produção dos subprojetos, além de documentários sobre a vida na aldeia e na escola

do campo.

O subprojeto: Interculturalizando talentos, apresenta nos resultados o

empoderamento do saber indígena, das relações e diálogos com a Mãe Terra. Na

leitura apreendida a partir dos escritos e na observação das reuniões com anciãos,

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lideranças, Caciques, Pajé, professores/as e estudantes/as situamos a elaboração da

cartilha como um registro protagonizado pelos povos indígenas, uma consolidação da

garantia do direito de pensarem o seu próprio material, com a perspectiva de atender

uma educação que seja específica e diferenciada, sem perder os processos

interculturais. O empoderamento se dá ainda, através da língua, isto é, o

empoderamento linguístico é uma força no sentido de marcar o lugar da voz materna,

compreendendo-a como um exercício de recuperar memórias, histórias, ciência,

afirmação das identidades étnicas e valorização das línguas.

O projeto tem sido desenvolvido por meio dos círculos de cultura como ensina

Paulo Freire (2005), parte das atividades ocorreram na UNEMAT como prevê o Edital

da CAPES/2012/Novos Talentos e continuam nas comunidades indígenas, onde

ocorre o contato direto com a natureza e constituem leituras indiretas dentro do

processo de escolarização.

Os estudantes e professores da educação básica desenvolvem atividades de

iniciação de pesquisa e de orientação das questões ambientais que afligem a

comunidade; ressaltamos a participação de professores e alunos das escolas

parceiras em eventos realizados na UNEMAT como Mostra Científica e Cultural do

Vale do Arinos (este ano com a realização da I Feira do conhecimento das escolas) e

KALUNGA (evento comemorativo ao dia da consciência negra) eventos estes que tem

contado com o apoio financeiro da CAPES e este ano com o CNPq.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto na escola como no tempo da universidade é nossa tarefa problematizar

os conceitos fundamentais sobre educação e a diversidade no Vale do Arinos.

Portanto, as ações deste Programa e seus subprojetos acabam por desencadear

novas ações, em função da continuidade do processo de aprendizagem sobre as

diversidades analisadas, isto é, diversidade étnica, racial e da população do campo,

no sentido de minimizar os preconceitos existentes, de forma prática, através da

valorização desses grupos e suas culturas.

Com a implementação do programa a universidade se sente responsável por

auxiliar e participar do processo educativo nesses diversos ambientes, seja das

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comunidades indígenas, da escola do campo ou urbana, enquanto agente que

contribui na formação profissional dos professores, como para a educação geral de

seus alunos e demais membros da comunidade escolar, conclamando para que

estejam todos engajados na discussão sobre a questão das diversidades e o respeito

a cada uma delas, como preveem as leis 10.639/03 e 11.645/08.

Desde forma, a universidade estabeleceu parceria com as escolas e

comunidades, em função do processo de aprendizagem sobre as relações raciais, as

relações étnicas e a minimização de toda forma de preconceito, de forma prática,

ainda que a longo prazo, pois a ação, sendo educativa, será apreendida pelos

participantes, que socializarão com os demais membros da comunidade escolar e

social.

Os depoimentos vindos de professores e de alunos das escolas envolvidas

mostram que há grande interesse na continuidade do projeto.

REFERÊNCIAS

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__________. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003. FAZZI, Rita de Cássia. O Drama Racial de Crianças Brasileiras: Socialização Entre Pares e Preconceito. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 44 ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2005. HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade Racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. TD n° 807. JACCOUD, Luciana de Barros; BEGHIN, Nathalie. Desigualdades Raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: IPEA, 2002. MARTINS, José Souza. Fronteira: a degradação do Ouro nos confins do humano. São Paulo: Contexto, 2009. OLIVEIRA, Iolanda. Desigualdades Raciais: construções da infância e da juventude. Niterói: Intertexto, 1999. 155 p. ROSEMBERG, Fulvia. Relações Raciais e Rendimento. In: Cadernos de Pesquisa, Raça Negra e Educação. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, (63):19-23. 1987. SILVA JR., Hédio. Discriminação Racial nas Escolas: entre a lei e as práticas sociais. Brasília: UNESCO, 2002. 96 p.

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PROJETOS POLÍTICO PEDAGÓGICOS (PPPs) DAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO DE ALTA FLORESTA/MT E A LEI Nº

10.639/2003: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO

Solange dos Santos12

RESUMO A lei nº 10.639/03 foi promulgada com a finalidade de incorporar no cotidiano das escolas os conteúdos de História da África e Cultura Afro-Brasileira, contudo nem todas as escolas fazem constar em seus currículos os conteúdos que dão visibilidade às populações negras. Esta pesquisa foi realizada com o objetivo de analisar, se as escolas da rede pública municipal de ensino de Alta Floresta-MT contemplam em seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), estudos da contribuição dos negros para a história do nosso país. Trata-se de uma Pesquisa Qualitativa, pautada na análise documental dos PPPs de dezoito escolas, realizada de junho a setembro de 2012. A análise dos PPPs explicitou que, apesar destes terem sofrido reestruturação em meados do ano de 2011 e de em 2010 e 2011 terem sido ofertados cursos de formação aos professores sobre a necessidade implementação da lei nº 10.639/2003 em todas as unidades escolares, no total das escolas observadas, três ainda não contemplam em seu Projeto Político Pedagógico qualquer trabalho a ser realizado acerca desta importante temática. Tal fato demonstra a necessidade de investimento na formação pedagógica dos professores visando sensibilizá-los quanto à necessidade da escola trabalhar interdisciplinarmente os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira.

Palavras-chave: Lei nº 10.639/2003. História da África e Cultura Afro-Brasileira. Projeto Político Pedagógico. Alta Floresta - MT.

ABSTRACT The law 10.639/03 was done with the goal to join the daily routine of public and private schools with História da África and Cultura Afro Brasileira, however it is known that a small number of schools have in theirs curriculo these subjects showing the negro population. With the goal to analyse some public schools have in the Projetos Políticos Pedagógicos (PPP’s) the paper has to be developed about the subjects of História da África and Cultura Afro Brasileira, came up with the following question: do all public schools in Alta Floresta have their Projeto Plítico Pedagógico to be done according to the law 10.639/03? The work was done through pesquisa qualitativa, analising of PPP’s of eighteen public schools in Alta Floresta trough june to september of 2012. The analyse of PPP’s showed the went trough some changes at the beginning of 2011, in 2010 and 2011 the teachers of publics schools had opportunity to study how important is the law 10.639/03 shows that the Ensino de História and Cultura Afro Brasileira must be done, three schools have not done any work about this subject. It

12 Professora da rede pública municipal de ensino de Alta Floresta-MT. E-mail: [email protected].

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is showed that the education system must invest on training teachers with the goal to qualify them about the História and Cultura Afro Brasileira, showing how important the law 10.639/03 is besides that, it is needy a process of qualification of the teachers involved in racial subjects. Keywords: Law 10.639/03. História da África and Cultura Afro Brasileira. Projeto Político Pedagógico.

1 INTRODUÇÃO

Com a promulgação da lei n° 10.639/03 aprovada em 9 de janeiro de 2003 pelo

então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, coube às escolas públicas e

privadas da federação, incluir obrigatoriamente no currículo do Ensino Fundamental e

Médio o ensino de "História e Cultura Afro-Brasileira bem como a História da África e

dos Africanos", temática até então ocultada da maioria das salas de aula do nosso

país.

O propósito da lei nº 10.639/03 foi de incorporar ao cotidiano escolar, novos

aspectos relacionados à cultura negra, a qual tem uma grande parcela de contribuição

na formação da nação brasileira. Tais conteúdos devem ser trabalhados

interdisciplinarmente no âmbito de todo o currículo escolar, especialmente nas áreas

de Educação Artística, Literatura e História Brasileira. No entanto, uma década após

a aprovação da lei, nem todas as escolas fazem constar em seus Projetos Político

Pedagógicos (PPPs) e currículos os conteúdos que dão visibilidade às populações

negras, omitindo a importância do negro na formação da nação brasileira.

Como meio de superação, é preciso empreender esforços para que a lei nº

10.639/2003 seja efetivada nos PPPs das escolas de todos os Sistemas de Ensino,

fomentando nos currículos escolares o reconhecimento da importância do negro na

formação sócio-econômica-político e cultural da nação.

Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações

Étnico-Raciais chama-nos a atenção acerca da necessidade de incorporar nos

processos pedagógicos outros valores que não os eurocêntricos, ao mesmo tempo

em que visa:

[...] o combate ao racismo, o trabalho com o fito de acabar com as desigualdades social e racial, a necessidade de empreender a reeducação de que as relações étnico-raciais não são tarefas

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exclusivas da escola, pois é preciso entender que as formas de discriminação de qualquer natureza não nascem na escola. Entretanto, o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ela (GUIMARÃES, 2010, p.40).

Mediante tais evidências, este trabalho teve por finalidade analisar os PPPs

das escolas públicas municipais de Alta Floresta/MT com base no que preconiza a lei

nº 10.639/03, uma vez que por força da referida lei, todas as escolas, quer sejam

públicas ou privadas devem abordar em seus PPPs e currículos os conteúdos de

História da África e Cultura Afro-Brasileira.

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 O Projeto Político Pedagógico (PPP) e a lei nº 10.639/2003: um diálogo emergente

A sociedade brasileira tem em sua formação nacional a característica peculiar

da convivência e mescla de diversas etnias e diferenças culturais, onde a convivência

entre portugueses, índios e negros de origem africana favoreceu a formação de uma

nova cultura conhecida hoje como cultura brasileira.

Temos, em nossa história, a ignomínia da escravidão de africanos, que tantas

marcas deixou em nossa memória e cuja herança é visível, ainda hoje, em situações

nas quais não somente se manifestam profundas desigualdades marcadas pelo

regime escravocrata, mas por vários episódios graves de violações dos direitos dos

africanos e seus descendentes (MUNANGA, 2005).

Segundo Souza (2006), a negação dessa história sempre esteve associada às

diversas formas de controle social e denominação ideológica, além do nítido interesse

de construir uma identidade brasileira livre do conteúdo racial, dentro do que ficou

conhecido como “desejo de branqueamento”. Esse desejo que foi evidenciado na

segunda metade do século XIX ainda hoje é muito forte em alguns setores sociais,

mesmo que muitas lutas por mudanças tenham modificado paulatinamente esse

cenário.

Contudo, o preconceito de cor e raça permanece escamoteado no seio da

sociedade brasileira, o que nos remete à reflexão de como poderia ser mudado esse

quadro, tornando a sociedade capaz de conviver e respeitar as diferenças de maneira

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a superar a ignorância e o preconceito vivenciado pelos negros e seus descendentes

ao longo da história.

Têm-se na educação, através de seus currículos e livros escolares a esperança

de que sejam banidos os conteúdos racistas ou de intolerância, trazendo à reflexão,

em sua plenitude, as contribuições dos diversos grupos étnicos para a formação da

nação e da cultura brasileiras. Conforme Cardoso (2005, p.10) “Ignorar essas

contribuições – ou não lhes dar o devido reconhecimento – é também uma forma de

discriminação racial” e, conforme o autor, é a educação um dos terrenos decisivos

para que sejamos vitoriosos nesse esforço.

No ano de 2004, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação o Parecer

que propõe as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais

e para o Ensino de História e Cultura Africanas e Afro-Brasileiras que, em consonância

com a lei nº 10.639/2003 reafirmou a obrigatoriedade das escolas incluírem em seus

PPPs e currículos tais temáticas, que por longo período foram ignoradas pelos

sistemas de ensino de nosso país.

Contudo, nem todas as escolas trabalham as temáticas relacionadas ao Ensino

de História e Cultura Africanas e Afro-Brasileiras, ou não tem dado a devida

importância que o tema requer, sendo necessário que a comunidade escolar se

aproprie do direito de reivindicar que o PPP e o currículo da escola articulem os

aspectos políticos e pedagógicos de modo que a escola se comprometa com a

valorização da diversidade.

Em face da lei nº 10.639/2003, o PPP da escola deve vislumbrar a

implementação de uma educação anti-racista, explicitando aos docentes meios de

atuação para inserir práticas educacionais e políticas para a educação das relações

étnico-raciais. Além disso, o PPP deve olhar cotidianamente “as questões macro e

micro do contexto escolar, tais como o atendimento da secretaria escolar, os alimentos

servidos, a escolha e preparação, as maneiras de resolver os conflitos bem como

promover atitudes e valores que favoreçam a convivência” (BRASIL, 2006, p.92).

Os sujeitos que elaboram e vivem o PPP devem assumir a responsabilidade

coletiva e individualmente, devendo ser protagonistas e atuantes, buscando sempre

meios de responder pelo engendramento e fortalecimento de ações de transformação.

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Neste viés de compreensão, o currículo, enquanto um dos elementos de um

PPP deve ser reconstruído na direção da diversidade, respeitando os princípios que

têm sido entendidos como norteadores para uma educação anti-racista. Deve

propiciar que alunos negros e não negros tenham condições de conceber a escola

como um ambiente de socialização, onde as relações interpessoais, os conteúdos e

materiais se traduzam em um diálogo entre culturas, trazendo não só as histórias e

contribuições sob a ótica européia, mas também as histórias e contribuições africanas

e afro-brasileiras.

Para tanto, o currículo deve ser concebido do ponto de vista de construção de

conhecimento, visando à inclusão social e a valorização do sujeito enquanto

construtor de sua história. Deve suscitar um conjunto de práticas que buscam articular

as experiências e os saberes dos diferentes sujeitos envolvidos no processo educativo

com os conhecimentos historicamente constituídos, os quais fazem parte do

patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico.

Conceitualmente, o currículo pode ser compreendido como um programa de

eixos norteadores que envolvem a ação do educar, significando também a expressão

de princípios e metas do projeto educativo da escola, que deve estar fundamentado

numa concepção de flexibilidade a fim de oportunizar discussões e reelaborações, ao

realizá-lo nos diferentes espaços da escola.

Cabe ao professor traduzir esse currículo, torná-lo vivo e adaptável aos

princípios de sua prática didática e à realidade onde está inserido, com o intuito de

promover a construção do conhecimento. Nessa concepção de currículo, o educando

é o centro do planejamento curricular, sujeito histórico e de direitos que nas interações,

relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva:

brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e

constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.

Neste sentido, Munanga descreve que o estudo das Africanidades tem o

propósito de que os currículos escolares visem em todos os níveis:

Valorizar igualmente as diferentes e diversificadas raízes das identidades dos distintos grupos que constituem o povo brasileiro.

Buscar compreender e ensinem a respeitar diferentes modos de ser, viver, conviver e pensar;

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Discutir as relações étnicas no Brasil, e analise a perversidade da assim designada “democracia racial”;

Encontrar formas de levar a refazer concepções relativas à população negra, forjadas com base em preconceitos, que subestimam sua capacidade de realizar e de participar da sociedade, material e intelectualmente;

Identificar e ensinar a manusear fontes em que se encontram registros de como os descendentes de africanos vêm, nos quase 500 anos de Brasil, construindo suas vidas e sua história, no interior do seu grupo étnico e no convívio com outros grupos;

Permitir aprender a respeitar as expressões culturais negras que, juntamente com outras de diferentes raízes étnicas, compõem a história e a vida de nosso país;

Situar histórica e socialmente as produções de origem e/ou influência africana no Brasil, e proponham instrumentos para que sejam analisadas e criticamente valorizadas (MUNANGA, 2005, p.157).

Nesta perspectiva, o currículo propõe a inserção do sujeito no universo real,

onde o mesmo possa ampliar seu potencial e na interação com o ambiente, ir

construindo seu conhecimento bem como sua forma de interpretar o mundo a sua

volta. Neste sentido, tudo é observado de modo a propiciar uma transição adequada

do contexto vivencial do ser humano ao contexto escolar.

3 METODOLOGIA

Trata-se de uma Pesquisa Qualitativa, desenvolvida durante o ano 2012, para

a qual foi realizada a análise documental dos PPPs de 18 (dezoito) unidades

escolares, sendo: 3 (três) Escolas do Campo que ofertam o Ensino Fundamental

(Castelo Branco, Paulo Cesar Leining e Aluízio de Azevedo); 6 (seis) Escolas de

Ensino Fundamental da zona urbana (Professora Sônia Maria Faleiro, Jardim das

Flores, Vicente Francisco da Silva, Geny Silvério Dalarincy, Nilo Procópio Peçanha e

Professor Benjamin de Pádua) e; 9 (nove) Escolas de Educação Infantil (Menino

Jesus, Irmã Dulce, Trenzinho Mágico, Anjo da Guarda, Maria Domingas Mazzarello,

Laura Vicuña, Semente do Saber, Paulo Pires Pereira e Princípio da Sabedoria).

Para tanto, levantou-se a seguinte questão norteadora: todas as escolas da

rede pública municipal de Alta Floresta já contemplam em seu Projeto Político

Pedagógico o trabalho a ser realizado a partir da lei nº 10.639/03?

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Diversos autores discutem e enfatizam a importância dos conteúdos de História

da África e Cultura Afro-Brasileira serem trabalhados no currículo escolar,

destacando-se como base teórica deste trabalho as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e da Cultura

Afro-Brasileira e Africana (2004), Pahim (1987), Munanga (2005), Valente (2005),

Souza (2006), Monteiro (2010), Guimarães (2010), Vasconcelos (2010), dentre outros.

Estes autores comungam a idéia de que o trabalho pedagógico acerca de tais

conteúdos representa um importante marco no combate à desigualdade racial, o que

tem promovido um significativo debate educacional no Brasil, ampliando a visão de

que este não é um país democrático em termos étnicos e raciais.

Além disso, sabe-se que é dever da escola, enquanto instituição formadora,

trabalhar de forma interdisciplinar os conteúdos relacionados às questões raciais, de

modo a promover discussões e ações capazes de banir de nossa sociedade atitudes

de racismo, discriminação e desigualdades contra os afrodescendentes.

Cabe então às unidades escolares, enquanto espaço de formação cidadã, suscitar o

trabalho curricular preconizado pela lei nº 10.639/2003, para que a escola trabalhe na

reconstrução de conhecimentos, atitudes e formas de conduta em relação à

verdadeira identidade da população afrodescendente de nosso país.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Os Projetos Político Pedagógicos (PPPs) das escolas da rede pública municipal

de ensino de Alta Floresta–MT face à lei nº 10.639/2003

O berço da colonização do município de Alta Floresta trouxe em seu bojo a

necessidade do convívio entre brancos, negros e mulatos, sendo o espaço escolar o

ambiente social propício para a reflexão sobre a necessidade de brancos e negros

terem seus direitos respeitados mutuamente.

Desse modo, considerando que o PPP da escola deve vislumbrar a

implementação de uma educação anti-racista, explicitando aos docentes meios de

atuação para inserir práticas educacionais e políticas para a educação das relações

étnico-raciais, buscou-se conhecer se as escolas da rede municipal de ensino

contemplam neste importante documento, o trabalho a ser desenvolvido a partir do

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que preconiza a lei nº 10.639/2003 e a forma pela qual trabalham as questões étnico-

raciais.

Trata-se de uma obrigação legal trabalhar no contexto escolar, desde a

Educação Infantil, o Ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira, pois “a

educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros,

trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção

de uma sociedade justa, igual e equânime” (BRASIL, 2004, p.14).

À título de contextualização, convém informar que os PPPs das escolas da rede

municipal de ensino de Alta Floresta sofreram as últimas alterações no mês de junho

de 2011, momento em que a Secretaria Municipal de Educação de Alta Floresta

requisitou que todas as escolas reestruturassem o referido documento, já que tratava-

se de uma exigência do Conselho Municipal de Educação para a tramitação dos

Processos de Credenciamento das etapas e modalidades de ensino ofertadas.

A análise dos PPPs explicitou que apesar destes terem passado por um

processo de reestruturação em 2011 e embora o município tenha ofertado em 2011 e

2012 cursos de formação aos professores da rede municipal sobre a necessidade de

implantação da Lei nº 10.639/2003 nos currículos escolares, que torna obrigatório o

Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, nem todas as escolas contemplam em

seu PPP algum trabalho a ser realizado acerca desta importante temática.

Dentre as dezoito escolas que tiveram seus (PPPs) analisados, três escolas

(Escola Municipal do Campo Paulo César Leinig, Escola Municipal de Ensino

Fundamental Geny Silvério Dalarincy e Escola Municipal de Educação Infantil

Princípio da Sabedoria) não apresentaram neste documento, quaisquer elementos

que caracterizem a realização de algum trabalho com o Ensino da História e Cultura

Afro-Brasileira, conforme preconiza a lei nº 10.639/2003.

Mas o simples fato destas escolas não conhecerem bibliografias específicas

que tratam da implantação da lei nº 10.639/2003 não lhe dá o direito de ignorar, ao

escrever um PPP, a existência da múltipla diversidade presente no contexto escolar e

uma explicação razoável para tal negligência pode ser a de que a literatura sobre o

currículo escolar não seja um ato inocente, mas intencional e politicamente pensado

(SANTOS, 2009). Isso nos remete também ao fato de que praticamente inexiste nos

currículos de formação de professores em todos os níveis, bem como nos currículos

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escolares, abordagens didático metodológicas que objetivem banir o racismo de

nossa sociedade.

Para Alexandre (2010, p.21), “é preciso assumir e criar condições de um

trabalho pedagógico que faça com que a criança perceba a discriminação como algo

errado, ruim, que provoca sofrimento ao outro”. Isso só será possível à medida que

os currículos escolares derem visibilidade a lei nº 10.639/2003 e o professor se atentar

que suas metodologias de trabalho e sua prática pedagógica devem estar isentos das

ideologias racistas e preconceituosas dos livros didáticos e de sua própria formação

pessoal e profissional.

Mas a maioria das escolas da rede pública municipal de Alta Floresta já trazem

em seus PPPs, em menor ou maior grau, a explicitação da necessidade legal de

realizarem uma práxis pedagógica que possibilite, dentre outros, o respeito à

dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais,

sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas e à socialização das crianças

através de sua participação e inclusão nas mais diferentes práticas sociais, sem

qualquer tipo de discriminação.

As escolas de Ensino Fundamental, em detrimento às escolas de Educação

Infantil, não apresentam de forma consistente em seus PPPs propostas ou projetos

de trabalho a serem realizados com base na lei nº 10.639/2003, se restringindo

apenas à menção da necessidade de implantação da referida lei, sem pormenores.

Esta constatação pode ser exemplificada através do PPP da Escola Municipal

de Ensino Fundamental Professora Sônia Maria Faleiro, onde está explícito que a

escola entende a necessidade de que o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira

seja definitivamente implantado naquele estabelecimento de ensino-aprendizagem:

[...] esta instituição terá daqui para a frente um grande desafio e missão diante das questões globais atuais tão emergentes e que demandará um grande esforço para um trabalho de formação humana mais eficaz e que contemple os anseios de todos os cidadãos. No desenvolvimento de suas ações pedagógicas deverá dar ênfase à lei que regulamenta os parâmetros do ensino de História e Culturas Afro-Brasileiras no sentido de valorização e consolidação dos direitos de igualdade para todos. (Grifo Nosso) – (PPP DA ESCOLA SÔNIA MARIA FALEIRO, 2011, p.19).

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A exemplo de outras, a escola entende que há uma obrigatoriedade na oferta

do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, contudo, ainda que haja tal previsão

no PPP, este não apresenta qualquer proposta de trabalho pedagógico voltado às

questões étnico-raciais, não constando também, dentre suas metas ou ações, o

trabalho que a escola deveria realizar em relação à implementação da lei nº

10.639/2003.

Para exemplificar a superficialidade com que algumas escolas apresentam em

seu PPP as temáticas étnico-raciais, destaca-se o PPP da Escola Municipal Nilo

Procópio Peçanha (2011, p.27) que no seu Marco Político, descreve que, além da

escola ter seu dever de mediar o conhecimento, deve respeitar: “[...] as diferentes

opiniões, credos, cor, cultura, opção sexual, classe social, hierarquia e portadores de

necessidades especiais [...]”.

Ainda conforme o PPP desta escola (2011, p.30), esta instituição tem, em sua

dimensão Pedagógica, a missão de contribuir no desempenho do educando, “atender

as necessidades educacionais especializadas aos alunos portadores de

necessidades especiais, a inclusão sócio/racial (grifo nosso) e inteirar o conhecimento

científico com o empírico”.

Mediante tais constatações, torna-se sendo urgente que as escolas construam

suas propostas de ensino ancoradas no anseio de interferir no processo de

desenvolvimento de crianças brancas e negras, “[...] envolvendo necessariamente não

apenas as crianças, mas, sobretudo os educadores na escola e na família” (VALENTE

2005, p.65). A escola precisa desencadear ações cada vez mais pragmáticas visando

equipar a sociedade e, em especial a própria escola, para progressivamente enfrentar

a questão racial.

Por outro lado, foi possível visualizar que algumas escolas, especialmente de

Educação Infantil já apresentam de forma mais consistente no PPP, propostas

pedagógicas de trabalho com as temáticas enunciadas pela Lei nº 10.639/2003. É o

que ficou visível no PPP da Escola Municipal Menino Jesus, que em seu Marco

Filosófico (p.36) destaca que “[...] devemos assegurar em nossa proposta pedagógica

o trabalho das relações étnico raciais com ênfase na cultura afro-descendente e a

cultura indígena” (grifo nosso). Em sua Dimensão Pedagógica, este PPP (p.38)

descreve que o preconceito é algo que a escola deve trabalhar com cautela, “sendo

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importante levar os alunos a entenderem e aceitarem o diferente. Isso pode ser feito

através de brincadeiras ou histórias mostrando que cada um tem seu valor e seus

direitos”.

Esta escola prevê em seu PPP o trabalho que deve ser realizado com as

crianças sobre o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira, o que representa um

importante passo rumo a uma sociedade menos preconceituosa, uma vez que já na

Educação Infantil deve-se trabalhar esses temas com as crianças para que cresçam

respeitando as diferenças étnicas e culturais de seus pares.

Em qualquer espaço onde adultos e crianças interagem, deve-se garantir o

direito de exercício da cidadania e o respeito às diferenças, devendo esses direitos

serem fortalecidos no âmbito geral das propostas educacionais. A construção da

identidade negra é de responsabilidade política, sendo necessário e emergente o

rompimento de uma educação excludente da cultura negra, a fim de humanizar as

questões raciais.

Dentre as escolas de Educação Infantil, merece destaque a Escola Municipal

de Educação Infantil Irmã Dulce, a qual expõe no Plano de Suporte Estratégico do

PPP (2011, p.52) a necessidade de:

a) Valorização das características raciais através de atividades como confecção de murais expondo a diversidade étnico-racial e promoção de desfile infantil e; realização de uma noite cultural destacando as diversas culturas através de costumes e comidas típicas junto à comunidade. b) Reforço da prática pedagógica nos temas ligados a diversidade étnico racial e cultural por meio da leitura de materiais variados como livros infantis, jornais, revistas, gibis sobre a cultura Afro-brasileira; realização de uma Mostra Cultural com os trabalhos realizados pelos alunos; utilização de linguagens cênicas, linguagem falada, escrita e expressão corporal (corpo e movimento); expressões plásticas, visuais e sonoras e; elaboração de peças teatrais.

O PPP desta escola traz em seus desdobramentos, o planejamento para que

as metas de valorização da imagem pessoal e respeito às diferenças, valorização das

características raciais, valorização dos talentos pessoais e reforço da prática

pedagógica nos temas ligados à diversidade étnico racial e cultural sejam executadas

no ano de 2012, trazendo inclusive, a indicação dos profissionais responsáveis pela

efetivação das metas junto à comunidade escolar.

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De forma semelhante, o PPP da Escola Municipal Trenzinho Mágico também

reflete em seu Marco Doutrinal (p.31) sobre as questões de racismo e preconceito na

escola, almejando “uma sociedade mais unida, sem preconceito, descriminação,

racismo, violência e sem exclusão social onde todas as pessoas brancas, negras,

índios, asiáticos pobres e ricos terão seus direitos respeitados [...]”.

O PPP desta escola (p.34) descreve que o currículo deverá contemplar os eixos

propostos pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, bem como

as Orientações Curriculares Municipal para esta etapa, além “da diversidade cultural,

as relações étnico-raciais e a educação inclusiva”. Dentre os Objetivos Estratégicos

deste PPP para o ano de 2012 (p.59) consta a inovação das práticas pedagógicas da

escola, tendo como estratégia a formação continuada de seus profissionais com a

meta de formulação e execução de um “projeto de formação continuada com o tema

princípios éticos e morais, estudo das relações étnico raciais e educação inclusiva”. O

documento destaca também a inserção definitiva dessas temáticas no currículo da

escola, a alocação de recursos financeiros para a aquisição de bibliografias que

versem sobre tais assuntos e a busca de parcerias para ministrar palestras à

comunidade escolar acerca de tais temas.

De modo geral, dentre as escolas que tiveram seus PPPs analisados, as

escolas de Educação Infantil explicitam de modo mais coerente a necessidade de

implementação de um trabalho voltado às questões étnico-raciais, incluindo ações ou

projetos a serem desencadeados durante o ano letivo de 2012. Isso representa um

avanço, pois conforme Valente (2005, p.64):

É nesse nível da educação básica que se apresenta o quadro educacional mais grave para as crianças negras, as propostas curriculares para o enfrentamento do preconceito e discriminação raciais são dirigidas para o ensino fundamental e médio, e são especialmente voltadas para o ensino de História. Também as experiências educacionais de grupos e entidades negras organizadas, mesmo quando desenvolvidas em interação com o sistema de ensino regular, enfrentam dificuldades de incorporação efetiva e acabam por atender, basicamente, a uma clientela cuja faixa etária tem mais de 7 anos.

Ainda que a maioria das escolas já apresente no PPP, em maior ou menor grau

a realização de um trabalho voltado às questões étnico-raciais, não se pode perder

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de vista que o Projeto Político Pedagógico deve ser concebido como a sistematização

nunca definitiva de um processo de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e

se concretiza na caminhada que define claramente o tipo de ação educativa que se

deseja realizar (VASCONCELLOS, 2010).

Nesse sentido, o trabalho a ser realizado a partir da lei nº 10.639/2003 é vasto

e processual, cabendo às unidades escolares explicitarem detalhadamente seus

objetivos e metodologias de trabalho acerca desta temática no currículo, sem excluir

a dinamicidade com que tais conteúdos devem ser abordados. Este processo

depende de leitura, releitura, aprendizagem e reaprendizagem por parte do professor

que deve se propor a ver, apreender, reagir, e jamais silenciar ante o racismo que se

manifesta nos espaços escolares e sociais deste país.

As questões discutidas neste trabalho indicam que o município de Alta Floresta

deve investir continuamente na formação dos professores, para que cada vez mais se

tornem sensíveis à necessidade de realizarem um trabalho de combate à

discriminação étnico-racial nas escolas da rede pública municipal, pois nem todas as

unidades escolares tem cumprido a determinação legal de trabalharem os conteúdos

de História da África e Cultura Afro-Brasileira.

Neste arcabouço, a formação continuada dos profissionais da escola,

compromissada com a construção do Projeto Político Pedagógico deve contemplar o

tratamento da questão racial com certa urgência, com o desenvolvimento de

metodologias que contemplem desde a Educação Infantil ao Ensino médio,

envolvendo várias dimensões, que vão “desde o repensar sobre a política educacional

até a ‘capilaridade’ do processo que envolve os professores e os alunos nas salas de

aula” (VALENTE, 2005, p.73).

A lei nº 10.639/2003 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

promoveram um avanço histórico de grande monta para o ensino brasileiro, ainda que

não isentem percalços futuros. “Vale a pena buscar superar quaisquer dificuldades na

construção de uma sociedade anti-racista” (VALENTE, 2005, p.75), sendo esta a ideia

com a qual todos nós educadores devemos comungar.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Se considerarmos todo um processo que vem sendo desencadeado no

município de Alta Floresta, no sentido da formação continuada para gestores e

professores, com ênfase na temática étnicorracial na educação, é preocupante

detectar que no universo das escolas pesquisadas, três ainda sequer fizeram menção

à lei 10.639/2003 nos seus Projetos Políticos Pedagógicos.

Este problema merece ser cautelosamente estudado, pois a lei da qual tratamos

neste estudo não é recente, foi promulgada há uma década. Ficando para refletir a

indagação: o que estaria provocando a omissão das escolas frente à legislação em

vigor?

No que tange às escolas de Educação Infantil, verificou-se que estas

privilegiam em seus PPPs uma práxis pedagógica voltada para o trabalho da temática

em curso, o que pode ser considerado um dado relevante, pois a Educação Infantil é

a modalidade de ensino que apresenta o quadro educacional mais grave para as

crianças negras, já que as propostas curriculares para o enfrentamento do preconceito

e discriminação raciais são dirigidas para o Ensino Fundamental e Médio,

especialmente voltadas para o ensino de História.

Por outro lado, ficou evidente que as escolas de Ensino Fundamental têm dado

pouca visibilidade ao trabalho que deve ser efetivado com base na lei nº 10.639/2003,

fato que requer especial atenção dos dirigentes municipais da educação, de todos os

profissionais destas escolas e comunidade em geral, pois as metodologias usadas

pelo professor e toda a sua prática pedagógica devem estar isentos das ideologias

racistas e preconceituosas dos livros didáticos e de sua própria formação pessoal e

profissional.

Isso nos reporta também à possível falta de conhecimento do professor para

um efetivo trabalho acerca das relações étnico-raciais, tornando-se necessária e

urgente a formação dos professores em exercício e a capacitação daqueles em

formação, visando conforme Valente (2005, p.75):

a) sensibilizá-los para a importância de incorporar ao currículo existente recorte que destaque a história e cultura afro-brasileira – com base no conhecimento acumulado, mas sujeito a transformação; b) trocar experiências, aprimorá-las e difundir aquelas voltadas para a valorização do respeito à diferença; c) discutir a necessidade de formação específica sobre história e cultura negras.

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Ações isoladas e descontextualizadas parecem não resolver o problema,

fazendo-se necessária, além da formação docente, a criação de uma política

municipal de educação que trabalhe, dentre outras, as questões de valorização da

cultura afro-brasileira e respeito pelos negros, de forma pactuada em todo o Sistema

de Ensino do município.

Para tanto, todos os níveis educacionais devem se envolver no processo,

incluindo as diversas áreas de competência da estrutura institucional, de modo a

promover a formação de futuros profissionais da educação e daqueles que já atuam

como professores nas escolas.

Às escolas que já trabalham com a temática, cabe realizar continuamente o

monitoramento, análise e avaliação das ações desenvolvidas, pois há sempre algo

novo a ser apreendido, reaprendido e compartilhado. Além disso, é preciso que não

somente a escola esteja imbuída neste trabalho, mas também a família e toda a

sociedade civil, pois é necessário um “trabalho conjunto, de articulação entre

processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais, visto que as

mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se

limitam à escola” (FIRMO, 2010, p.46).

O resultado deste trabalho será disponibilizado às autoridades educacionais do

município de Alta Floresta, com a sugestão de que seja elaborado um plano de ação

que assegure a todos os educandos, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, o

direito de conhecer mecanismos de combate ao preconceito e à discriminação racial

bem como a construção de uma identidade negra positiva construída na relação com

o branco e no reconhecimento da diferença.

REFERÊNCIAS ALTA FLORESTA. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Aluízio de Azevedo, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Anjo da Guarda, junho de 2011.

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_______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Benjamin de Pádua, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Castelo Branco, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Geny Silvério Dalarincy, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Irmã Dulce, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Jardim das Flores, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Laura Vicuña, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Maria Domingas Mazzarello, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Menino Jesus, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Nilo Procópio Peçanha, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Paulo César Leinig, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Paulo Pires Pereira, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Princípio da Sabedoria, junho de 2011.

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______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Semente do Saber, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME) - Depto de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Sônia Maria Faleiro, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Trenzinho Mágico, junho de 2011. ______. Secretaria Municipal de Educação (SME), Departamento de Políticas Pedagógicas. Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Vicente Francisco da Silva, junho de 2011. ALEXANDRE, Ivone Jesus. Eixo II Relações Raciais no Ensino Fundamental. In: MULLER, Maria L. R. (Org.). Estratégias de combate ao racismo na escola. Cuiabá: UAB/EdUFMT, 2010. p. 17-22. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília/DF: 2004. BRASIL. Lei nº. 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 de janeiro de 2003. BRASIL. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. MEC/SECD. Brasília/DF: 2006. CARDOSO, Fernando Henrique. Prefácio à 2ª Impressão (2000). In: MUNANGA, kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2ª Ed. Revisada. Brasília: MEC/SECAD, 2005. FIRMO, Yandra. Eixo III As relações raciais e diversidade no cotidiano escolar. In: MULLER, Maria L. R. (Org.). Estratégias de combate ao racismo na escola. Cuiabá: UAB/EdUFMT, 2010. p. 23-38. GUIMARÃES, Maristela abadia. MULLER, Maria L. R. (Org.). Estratégias de combate ao racismo na escola. Cuiabá: UAB/EdUFMT, 2010. p.39-53. MONTEIRO, Edenar. Eixo I Relações Raciais na Educação Infantil. In: MULLER, Maria L. R. (Org.). Estratégias de combate ao racismo na escola. Cuiabá: UAB/EdUFMT, 2010. p. 7-16. MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na Escola (Org.). Brasília: MEC/SECAD, 2005.

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