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Editora DeVryPresidenteRafael Lucian, Dr.

Comitê GestorMaria Emilia Miranda de Oliveira QueirozDiego Leite da CunhaJadinilson Afonso de MeloPedro Rogerio da Silva Neves

Conselho EditorialJulierme Gomes Correia de Oliveira, Dr.Marcus Augusto Arajúdo, Dr.Talita Rampazzo Diniz, Dra.Jefferson Davi Sales, Dr.Tenaflae da Silva Lordelo, Dr.Alvaro de Oliveira Azevedo Neto, Dr.Francisco Ivo Dantas Cavalcanti, Dr.Tatiana Acioli Lins, Dr.Rommel Santana Freire, Dr.

Catalogação na fonteBiblioteca da Faculdade Boa Viagem | DeVry, Recife/PE

D683d

Donida, Alcione Maria Araújo. Diretivas antecipadas de vontade e sua configuração no ordenamento jurídico brasileiro / Alcione Maria Araújo Donida. – Recife : DeVry, 2016.

Bibliografia ISBN: 978-85-69035-05-3 1. Ordenamento jurídico - Brasil. I. Título.

CDU 34

Ficha catalográfica elaborada pelo setor de processamento técnico da Biblioteca da DeVry | FBV

Monitores da Editora DeVryDany ChasezGuilherme Cahú

CapaEduardo Souza

Projeto GráficoGuilherme Cahú

Editoração Eletrônica e DiagramaçãoGuilherme Cahú

© 2017 DeVry1º edição – 2017Editora DeVry

Todos os direitos reservadospela Editora DeVry

Alcione Maria Araújo Donida concluiu, atingindo a pontuação máxima, o seu curso de doutoramento na vizinha República Argentina, com sua tese sobre

as Diretrizes antecipadas de vontade e sua configuração no ordenamento jurídico brasileiro, texto que ora é submetido à consideração do grande público, em especial aquele da área jurídica específica. Neste seu trabalho pioneiro apoia-se no novo ramo das ciências sociais, a bioética, um novo ramo do saber que se dedica à moralidade da conduta humana, na área das Ciências Sociais, ao impor limites à conduta humana para a obtenção e o desfrute de condições éticas para uma vida humana digna. O tema central do texto é o denominado, à falta ainda de melhor termo, de Testamento Vital, quando nele o seu autor, em final de vida ou estado vegetativo persistente, deseja receber quando não for capaz de tomar decisões. Por isso, ressalta, o seu registro ocorre enquanto o sujeito goza de completa lucidez mental e confirmada autonomia para deliberar sobre si mesmo. Esta parte da decisão lúcida está respaldada na bioética, nova ciência habilitada a ligar ciências empíricas às ciências humanas, em especial sob a ótica da ética, ressaltando-se que não se trata, para o caso, apenas de uma ética profissional. No Brasil, às antigas declarações de direitos, inseridas na Constituição a partir de 1824, ou seja, antes mesmo da Constituição da Bélgica de 1831, que Biscaretti Di Ruffia reconheceu equivocadamente a primazia na fixação de tais preceitos em normas jurídicas, foram sendo agregadas novas prerrogativas, até que na Constituição Cidadã o título sobre os Direitos e Garantias Fundamentais passaram a ser posicionados no inicio mesmo do texto da Carta Maior, como demonstrativo

da sua primazia na interpretação da própria norma, trazendo consigo as garantias ao lado dos direitos reconhecidos e protegidos pela Ordem Jurídica. Destarte, os temas centrais da Ética, do Direito e da Medicina passaram ser norteados pela autonomia de vontade e da dignidade da pessoa humana, em especial nas decisões que envolvem o começo e, sobretudo, o fim da vida. Pois que o respeito à dignidade da pessoa humana deve ser considerado como paradigma da Ordem Jurídica de um Estado Democrático de Direito, do mesmo modo que a autonomia da vontade como fundamento da dignidade da pessoa humana. Esta dignidade da pessoa humana vem de se vincular aos temas da Justiça e do efetivo exercício da cidadania numa sociedade democrática, sobretudo em relação ao aspecto terminal da vida, quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade da morte próxima parece inevitável e previsível. Deste modo, o paciente se torna irrecuperável e caminha para a morte, sem que seja possível reverter o quadro. É de relevância destacar que a condição de pessoa humana é o requisito fundamental para a titularidade de tais direitos, por ser um ente dotado de dignidade como valor intrínseco à condição humana. Deste modo, os direitos fundamentais integram o patrimônio comum da humanidade. Tal não foi conseguido de chofre, porém através de uma luta paulatina e incondicionada para a obtenção do reconhecimento desssas prerrogativas como inerentes ao ser humano. Pois que tais direitos e garantias vêm sendo assegurado de modo gradual através das lutas contra o Poder e contra a opressão, conduzindo a uma sociedade que assegure a todos uma existência digna. Para a Autora, é imprescindível relacionar o conceito de dignidade ao de autonomia, especialmente para a bioética e o biodireito, embora a essência do termo dignidade humana não possa se reduzir à autonomia da pessoa, eis que a proteção a esta autonomia é parte das exigências do princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana. Por isso, um dos maiores desafios da bioética está relacionado ao morrer com dignidade, ou seja, respeitar a vontade daquele que se encontra já sem qualidade de vida e, portanto, entregue aos seus familiares ou cuidadores. Mesmo porque a morte ainda hoje constitui um evento definitivo e que se relaciona com o sofrimento e a dor da quebra do relacionamento dos que ficam com aquele que se desenlaça do corpo físico. Relevante é, nesta quadra, o relacionamento entre os que permanecem vivos e à manifestação de última vontade do paciente terminal, enquanto este ainda tem esta aptidão de manifestá-la. E bem assim da necessidade de respeitar esta sua vontade por aqueles que permanecem vivos.

Daí ser ponto a destacar o relacionado com a elaboração do denominado testamento vital, a ser emitido como manifestação de última vontade, por representarem as disposições atinentes aos futuros cuidados para uma pessoa que ainda esteja capaz de exprimir a sua vontade e emitir instruções para a efetivação de suas disposições. Neste ponto é que surge em nosso Direito a denominada Declaração Antecipada de Vontade (DAV) do paciente em estágio terminal de vida, documento que em nosso país recebe a denominação de Testamento Vital. Neste ponto, é de se estipular que, no âmbito dos cuidados médicos, não é possível se afastar a morte, indefinidamente, pelo que se deve deixar ao paciente o direito à própria morte, ao que se pode acrescentar, com dignidade. A mesma dignidade devida à pessoa humana enquanto hígida. O Testamento Vital é, por vezes, confundido com as disposições patrimoniais de última vontade, porém é de ser reconhecido ser mais adequado do que Declaração Prévia de Vontade de Paciente Terminal, mesmo que este expresse mais fidedignamente os objetivos do instituto jurídico. Neste particular é de se distinguir o testamento civil, como disposições de última vontade, que somente se torna eficaz após o óbito do testador, e o Testamento Vital, pois este não se refere a valores ou bens patrimoniais, e sim a situações existenciais. É claro que o denominado Testamento Vital carrega consigo algumas limitações, dentre estas eventuais objeções contrárias ao ordenamento jurídico e bem assim disposições contraindicadas à patologia do paciente, ou mesmo ao tratamento, quando este esteja superado pelo avanço da ciência médica. Assim, evidencia a autora que “no âmbito do direito médico, o consentimento informado é o único instrumento suscetível de garantir o pleno respeito à autonomia de vontade do paciente, sua autodeterminação, tornando legítima a recusa de determinados pacientes. Desta afirmativa pode-se inferir que o Testamento Vital, para garantir a sua aplicabilidade, quando for contemplado pela legislação brasileira, deva se revestir de formalidades e obedecer a determinados requisitos no ato de sua elaboração, como é feito na maioria dos países em que foi normatizado. Nestes países exige-se que a pessoa seja maior e capaz; que o documento seja assinado perante duas testemunhas independentes e que seus efeitos sejam válidos apenas após quatorze dias de sua assinatura. Acrescente-se que, geralmente, tem caráter provisório, tempo de aproximadamente cinco anos e a manifestação de revogação poderá ocorrer a qualquer tempo para não representar alienação à liberdade pessoal. Por fim, para sua aceitação, exige-se caracterização da fase terminal do doente, atestada por dois médicos. A declaração, para ser plenamente capaz, deve ser parte de um mandato claro entre paciente e médico e sua validade estará condicionada

às condições de precisão e clareza com que seja formulado e os trâmites que lhe deram origem. Obedecidos os requisitos, serão convertidos em instrumento eficaz, sobretudo se, aos médicos, forem concedidas possibilidades de rápido acesso, em caso de acidente ou de enfermidade súbita”. Enfim, trata-se de trabalho pioneiro, como de resto toda a doutrina da Bioética e do Biodireito, sendo adequada a sua publicação para que a exposição da autora seja difundida e gere frutos na doutrina nacional.

Recife, dezembro de 2016.

Palhares Moreira reis

Doutor em Direito.Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco.Membro Fundador da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas.Membro Fundador da Academia Pernambucana de Ciências Morais e Políticas.Membro da Associação Brasileira de Constitucionalistas – Instituto Pimenta Bueno, de São Paulo.Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.Professor Catedrático Honorário da Universidade Moderna de Portugal.Professor aposentado de Ciência Política e professor aposentado de Direito Constitucional da Universidade Federal de Pernambuco.Conferencista honorário da Escola Superior de Advocacia Ruy da Costa Antunes, da Ordem dos Advogados do Brasil, seção de Pernambuco.Professor de Processo Constitucional, de Direito Eleitoral, de Ciência Política e Coordenador Acadêmico da área de ensino jurídico da FOCCA – Faculdade de Olinda.Ex-professor de Direito Eleitoral da Faculdade Boa Viagem – DeVry.Advogado.

O livro Diretivas Antecipadas de Vontade e sua configuração no ordenamento jurídico brasileiro é uma interessante reflexão sobre o tema morte e sua relação

com o Direito na prática das DAV na atualidade, à luz das informações coletadas pelas recentes informações fornecidas por autores especializados e pelo cenário jurisprudencial vigente. O texto aqui publicado foi originalmente produzido como tese de doutora-do, defendida junto à Universidad Museo Social Argentino, em Buenos Aires/Ar-gentina, em setembro de 2015, naquela cidade, na qual obtive a pontuação máxima. Não cumpre aqui tentar resumir a obra apresentada, sob pena de uma incabível e redutora simplificação, contudo, ressalto que procurei, de modo objetivo e simples fornecer as informações necessárias aos interessados na compreensão embrionária so-bre as DAV - Diretivas Antecipadas de Vontade, iniciando uma viagem crítica com vias a fornecer os primeiros passos para os inúmeros desafios que se colocam para o tema num mundo contemporâneo repleto de dúvidas a respeito da morte e do morrer. Todos os institutos normativos que objetivem tutelar a vida humana serão sempre em número insuficiente se não considerar que a vida humana é digna de respeito e que este não deriva apenas de uma imposição jurídica, mas, principalmente, de ser a vida humana um bem. O desenvolvimento da ciência médica fez surgir novas formas de prolongamento artificial da vida humana e suscitado discussões a respeito dos direitos dos pacientes. No âmbito da prática médica, tais direitos têm adquirido grande importância com o desenvolvimento dos direitos constitucionais de autonomia, liberdade e dignidade da pessoa humana. Os direitos à autonomia e liberdade individual fundamentam a possibilidade do ser humano eleger seus projetos

individuais de vida, e são de tal importância que não podem ter mais limitações que as já impostas pela ordem jurídica vigente O direito, compreendido como fenômeno social, cultural e histórico, não pode se manter à margem da identificação dos problemas práticos que afetam a sociedade, especialmente no campo das ciências da saúde e das biotecnologias cujas descobertas se mostram aceleradas na atualidade. Ao novo campo do direito focado no estudo e na normatização das questões bioéticas, convencionou-se chamar de biodireito e a importância de trazer o instituto das diretivas antecipadas ao debate está no fato de que a operacionalização de suas regras ratificam o respeito pela dignidade humana e pelas liberdades fundamentais, consagrando a bioética entre os direitos humanos internacionais. No Brasil, as DAV – Diretivas Antecipadas de Vontade têm como pressupos-tos teóricos o Código de Ética Médica, a Resolução 1805/2006, e a atual Resolução nº 1995/2012 do CFM. O documento é conhecido no Brasil como Testamento Vital – TV e já foi incorporado no ordenamento jurídico de países como a Espanha, França, Itália, Portugal, Estados Unidos da América, Argentina, Porto Rico e Uru-guai, já sendo possível identificar os reflexos do instituto na população médica e na sociedade em geral destes países. Em sua essência, considera o paciente como sujeito central do processo clínico ao invés da tecnologia médica e da obstinação terapêuti-ca, embora sem esquecer que o médico também necessita que lhe sejam respeitadas sua autonomia, crença e a própria submissão às normas deontológicas-profissionais. O presente trabalho é um estudo de direito comparado, de natureza descri-tiva, que narra o estado da arte do tema segundo a legislação brasileira. Foi realizada uma análise conceitual, principiológica e constitucional do instrumento e sua op-eracionalidade e regulamentação no Brasil e no mundo. Por fim, foi realizada uma apreciação axiológica a respeito dos fundamentos do instituto, e sua possível colisão entre o direito à vida e dignidade com o princípio da autonomia privada. No Brasil, muitas dúvidas ainda pairam sobre o tema. Embora reconhecendo que há pontos discutíveis e opiniões divergentes sobre o tema, gerados inclusive pelo seu desconhecimento, a grande contribuição da obra Diretivas Antecipadas de Von-tade e sua representação no ordenamento jurídico brasileiro consiste em suscitar uma discussão, notadamente nas comunidades acadêmicas, médicas e jurídicas sobre a legit-imidade da renúncia do direito à vida, com vistas a ensejar mudanças na abordagem do tema e talvez na reformulação de muitos dos conceitos atualmente adotados relaciona-dos à nomenclatura e conteúdo do instituto, bem como provocar um desconforto no Legislativo brasileiro para elaborar, urgentemente, a sua regulamentação.

Recife, 31 de outubro de 2016

Introdução 19

Capítulo 1 Os direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares no ordenamento jurídico brasileiro e sua concretização através do princípio da dignidade humana 25

Capítulo 2 Os princípios da dignidade humana e da autonomia e sua indispensável relação com a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto brasileiro 53

Capítulo 3 Considerações Gerais e enquadramento ético-social das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) 67

Capítulo 4 A legalização das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) em diversos países - uma visão panorâmica 79

Capítulo 5 A evolução, operacionalização e jurisprudência das Diretivas Antecipadas de Vontade no ordenamento jurídico brasileiro 89

Considerações Finais 129

Referências 139

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As nações evoluem, e, ao longo dos últimos anos assistiu-se a uma profunda alteração na relação entre a medicina e a sociedade. A caracterização da relação

médico-paciente evoluiu. Até bem pouco tempo, o conhecimento científico da classe médica dava-lhes o poder de agir de forma cada vez mais abrangente e os colocava em posição de assimetria em relação aos seus pacientes. Por outro lado, os avanços tecnológicos e científicos ampliaram exponencialmente as possibilidades terapêuticas e de cura de uma infinidade de enfermidades, permitindo aumento na longevidade através do acesso a informações e intervenções diagnósticas, mesmo em fases mais precoces do adoecer. Com o advento da hospitalização e predomínio da técnica, a relação profissional entre médico e paciente sofreu também profundos impactos, potencializando as desigualdades historicamente presentes.

É sabido que o exercício da medicina tem seus limites, sendo a morte o mais definitivo deles. A ciência e a técnica, no âmbito dos cuidados e respeito com a saúde, avançaram e trouxeram mudanças na forma de vida das pessoas e na possibilidade de vivê-las, bem como sobre todos os paradigmas éticos e jurídicos que fundamentam os novos fenômenos possíveis a ela relacionados (BOSTIANCIC; DADALTO, 2010).

A vida humana é amparada juridicamente desde o momento da fecundação e o direito à vida integra-se à pessoa até o seu óbito, abrangendo o direito de nascer, de permanecer vivo e o de subsistência, não importando ser a pessoa idosa, adolescente, criança, embrião, portador de enfermidade ou não. A vida humana é um bem anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar. Garantido constitucionalmente no Brasil em cláusula pétrea pelo art.5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o direito à vida torna-se intangível (DINIZ, 2011).

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As conquistas biotecnológicas alcançadas têm contribuído para proporcionar o prolongamento da vida. A fase final da vida de uma pessoa suscita inúmeras questões éticas e dúvidas de natureza exis tencial, sobretudo quando existe a possibilidade de intervir medicamente para aliviar a dor e o sofrimento ou antecipar a morte. É verdade que a evolução da medicina originou a possibilidade de prolongar a existência humana, contudo, a utilização de novas práticas que possam prolongar o viver, deve ser vista com cautela, uma vez que o aumento da longevidade pode não estar em harmonia com a qualidade de vida do paciente, fazendo surgir a necessidade de serem estabelecidos critérios claros para a boa prática clínica nesta fase da vida humana, definindo normas de orientação, de cunho ético e clínico, que ajudem os médicos a lidar com este problema, cada vez mais recorrente na sua atividade profissional (CARVALHO, 2007).

O entrecruzamento da ética com as ciências da vida e o progresso da biotecnologia fez surgir a bioética como um novo ramo do saber que se dedica à moralidade da conduta humana na área das ciências sociais, impondo limites aos avanços científicos, emergindo da reflexão que considera o ser humano em sua dignidade e as condições éticas para uma vida humana digna. Nasce como resposta da cultura contemporânea às implicações morais das tecnociências biomédicas e pode ser considerada sob o aspecto dos movimentos sociais e culturais, surgidos nas sociedades pluralistas e democráticas do ocidente, tendo-se, desde então, espalhado-se aos quatro cantos do planeta (SAVULESCU, 2012; BENTO, 2011; PESSOA, 2013).

Segundo o novo Código Civil Brasileiro em seu art. 6º, 1ª parte, termina com a morte a existência da pessoa natural (BRASIL, 2003). É certo que a morte um dia a todos chegará, cabendo ao direito normatizar algumas regras. O problema se inicia no inconformismo com a perda de alguém que se ama e o desejo, ainda que inconsciente, de torná-lo imortal, adiando o quanto possível o desfecho final, embora totalmente previsível. Por essa razão são altamente polêmicos os questionamentos relacionados à morte voluntária, e, embora revestidos de seriedade e complexidade, estão contaminados por discursos dogmáticos e preconcebidos relacionados aos aspectos éticos, morais, científicos, religiosos, filosóficos e jurídicos. Existem também os casos de prognósticos de inexistência de cura, enfermidades crônicas degenerativas e estado vegetativo permanente frente aos quais seus portadores podem não desejar viver até a condição de deterioração física, mental e, especialmente, moral a que serão acometidos no final de suas patologias (SILVA; GOMES, 2012; PESSOA, 2013).

Invariavelmente, o tema termina por relacionar o assunto ao respeito à dignidade humana e à valorização da autonomia do indivíduo na tomada de decisões sobre sua vida, angariando os que lhes são favoráveis sob o argumento de princípios como o da liberdade e autodeterminação, mas também suscitando

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opiniões que, fundamentadas no princípio constitucionalmente previsto no art.5º da Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988), anteriormente mencionado e que se refere à inviolabilidade do direito à vida, ao tema se opõem. Neste cenário, surge a necessidade de se pensar no paciente terminal que tenha manifestado, em vida, o desejo de morrer, abreviando seu sofrimento ou antecipando a terminalidade. Daí a importância do debate sobre o direito de morrer (BORGES, 2001).

A dignidade e a autonomia do indivíduo merecem respeito em todos os momentos da vida e surgem nesse contexto como elementos norteadores e cruciais na tomada de decisões para o final da existência. Nesse período, o paciente deve ser envolvido totalmente no processo de decisão, para que possa exercer plenamente sua autonomia, substituindo um cenário social anterior existente na sociedade em que se atribuía apenas ao médico a tarefa de indicar, com autoridade para impor sua decisão, o melhor para o paciente.

Ao considerar tais aspectos, surge o Testamento Vital (TV), documento que tem recebido múltiplas denominações, entre elas testamento biológico, biotestamento, instruções prévias, declaração prévia do paciente terminal, declaração antecipada de tratamento ou Diretivas Antecipadas de Vontade – DAV (LIMA, 2014). Esse documento que expressa os tipos de tratamento que o indivíduo em final de vida ou estado vegetativo persistente deseja receber quando não for capaz de tomar decisões. O seu registro ocorre enquanto o sujeito goza de completa lucidez mental e confirmada autonomia para deliberar sobre si mesmo. Tem-se progressivamente rea firmado a noção de que a vontade do paciente, previamen te manifestada, deve ser respeitada e, quando tal não for possível por falta de infor mação fidedigna, deve prevalecer o que for de melhor interesse do doente, de acordo com critérios universais de razoabilidade. A afirmação tem suporte no pensamento de Maria Helena Diniz (2011) ao entender como necessária, na atualidade, a imposição de limites à medicina, reconhecendo-se que o ser humano deve ser respeitado antes de nascer, durante seu nascimento, no decorrer da sua vida, no sofrer e no morrer. Ressalta que isso só poderá ser alcançado caso a sociedade esteja atenta à dignidade da pessoa humana.

O assunto tem respaldo em muitos documentos internacionais. Em 1948, foi promulgada pela ONU (Organização das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos do Homem), reconhecendo alguns direitos como essenciais a todos os seres humanos, proclamndo em seu artigo 3º que “todo homem tem direito à vida,à liberdade e à segurança pessoas”1. Posteriormente, o Pacto de São José da Costa

1. Declaração Universal dos Direitos do Homem. Disponível em: http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf. Acesso em 08.11.2014

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Rica, também conhecido como Convenção Americana dos Direitos Humanos, ao qual aderiu a República Federativa do Brasil, consignou o respeito incondicional à vida em seu artigo 4º, inciso I2. Também tem-se a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada e aberta à assinatura em Oviedo, a 4 de Abril de 1997 e que entrou em vigor na ordem internacional em 01 de Dezembro de 19993 e na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos4, proposta pela Unesco em 2005. Através dessa última, pela primeira vez e em um único texto, os Estados-membros e a comunidade internacional formalmente de comprometeram a respeitar e aplicar os princípios fundamentais da Bioética.

A Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina é, de crucial importância na história universal dos Direitos Humanos, por reunir princípios gerais e disposições específicas, na tentativa de estabelecer o difícil equilíbrio entre o direito e os interesses do indivíduo, da sociedade, da ciência e da espécie humana. Seu conteúdo expressa a consciência do respeito ao ser humano tanto como indivíduo em si mesmo considerado, como pertencente a uma sociedade em que está inserido. Nesse contexto, estabelece uma teia de direitos e deveres com hierarquias distintas, merecedora de aplausos (SARLET, 2010).

O consentimento é elemento nuclear da convivência pacífica em qualquer sociedade democrática (NUNES; MELO, 2012). Discutir sobre a vida e a morte, à luz da ética faz diferença em uma sociedade plural e democrática, por considerar cada pessoa em sua concretude, plena no exercício de seu consentimento em consonância com seus projetos de vida.

O fundamento legal do instituto remete ao direito à intimidade, à autonomia do paciente, remete à dignidade. O princípio moderno da dignidade exige que todos os indivíduos sejam igualmente respeitados em suas liberdades, para que possam, autonomamente, agir segundo seus valores. O testamento vital foi criado para exercer influência sobre os médicos na decisão do tratamento ou, simplesmente, no sentido do não tratamento, revelando a verdadeira vontade do paciente que, em razão da doença a que está acometido ou por qualquer das situações de final de vida, possa vir a estar incapacitado de manifestá-la.

2. Pacto de São José da Costa Rica. Art.4º – Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em 08.11.2014

3. DHnet – Rede de Direitos Humanos e Cultura. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro/principaisinstrumentos/16.htm. Acesso em 18/12/2013.

4. Site Oficial da UNESCO. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf.Acesso em 18/12/2013.

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O direito vem refletindo acerca do estabelecimento dos limites jurídicos às práticas biomédicas, dando início à sua regulamentação quer em nível internacional através de declarações que incorporem valores partilhados por diferentes culturas e sociedades; quer em nível nacional através dos ordenamentos jurídicos, na forma de legislações sobre temas específicos. No Brasil, as diretivas antecipadas de vontade, diferentemente de alguns países, ainda não foi assunto normatizado pelo Legislativo, justificando o estudo para trazer à arena jurídica o debate a respeito da preservação da autonomia de um indivíduo e sua dignidade nestes casos especiais.

É o presente trabalho um estudo de direito comparado, de natureza descritiva, que narra o estado da arte do tema Diretivas Antecipadas de Vontade segundo o panorama jurisprudencial e legislativo brasileiro, sob o enfoque da representação da autonomia e dignidade humana nela contidas quando utilizadas por pacientes em situações de final de vida.

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Uma análise à arquitetura internacional de proteção aos direitos humanos não traduz uma história linear. Enquanto o século XIX e as primeiras décadas

do século XX caracterizaram os momentos do reconhecimento constitucional dos direitos em cada Estado, marcando uma evolução sobre o tratamento dado aos direitos humanos, foi no pós-guerra, como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo, que ocorreu a progressiva concepção e incorporação no plano internacional sobre o tema. Iniciava-se o movimento de internacionalização dos direitos humanos, retratando um cenário no qual se vislumbrava o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional (DORNELLES, 2003/2004; PIOVESAN, 2013).

A nova concepção veio a ser introduzida pela Declaração Universal de 19485 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 19936. Constatou-se enfim que as liberdades e garantias para os seres humanos não eram temas que inte-ressassem unicamente a cada Estado, antes, ao contrário, interessavam e obrigavam a toda a comunidade internacional (DORNELLES, 2003/2004). Os direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de con-jugar todos os direitos civis e políticos com os direitos sociais, econômicos e culturais e assim, quando um deles é violado, os demais também o são (PIOVESAN, 2013).

5. Declaração disponível em: http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf. Acesso em 20.04.20146. Declaração disponível em: http://www.oas.org/dil/port/1993%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20

e%20Programa%20de%20Ac%C3%A7%C3%A3o%20adoptado%20pela%20Confer%C3%AAncia%20Mundial%20de%20Viena%20sobre%20Direitos%20Humanos%20em%20junho%20de%201993.pdf. Acesso em 20.04.2014.

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Vê-se portanto que a valorização dos direitos humanos na esfera das relações entre os Estados, entre as nações e entre grupos e indivíduos na ordem internacional é fruto da internacionalização das relações políticas e econômicas e do desenvolvi-mento dos princípios de direito internacional público. A questão dos direitos huma-nos passou do tratamento nacional, através da ordem constitucional, para a esfera internacional, incorporando todos os povos (FERRAZ JR, 2015; DORNELLES, 2003/2004).

Se a Segunda Guerra significou a ruptura do paradigma dos direitos huma-nos, por meio da negação do valor da pessoa humana como fonte de valor do Direi-to com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos constitui o legado maior da chamada “Era dos Direitos”, que tem permitido a internacionalização dos direitos humanos e a humanização do Direito Internacional contemporâneo. A partir de então, fortalece-se a ideia de que sendo a proteção dos direitos humanos tema de le-gítimo interesse internacional, não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado (PIOVESAN, 2013).

De acordo com a clássica formulação de Kelsen (2002), o ordenamento ju-rídico é um sistema hierárquico de normas, significando dizer que uma norma, para ser considerada válida, necessariamente terá que buscar seu fundamento de validade em uma norma hierarquicamente superior, uma norma fundamental a qual todos devem se subsumir. No Brasil, como estado federado que é, tem na Constituição a fonte de validade de todas as normas, o instituto legal que confere a necessária coesão ao ordenamento e que também contém um sistema aberto de princípios e regras cujo objetivo é orientar todo um sistema político. A história tem revelado que a crescente complexidade da sociedade contemporânea e o entrelaçamento de áreas como a política, a economia e a sociologia, têm, com notória velocidade, alterado o cenário político e o econômico, exigido um profundo redimensionamento do papel do Direito e das instituições jurídicas, sob o crivo de uma contínua e dinâmica revi-são dos fundamentos jurídicos (BARROSO, 2009; MORAES, 2009).

A superação do positivismo jurídico exigiu não só uma revisão de vários ins-titutos legais como também de inúmeras teorias que, embora servissem ao modelo liberal de Estado de direito, atualmente não podem se sustentar no novo constitu-cionalismo7. A presença estatal mais efetiva na segunda metade do século XX, época de maior incidência do constitucionalismo social e do ideário do chamado Welfare

7. Como exemplo podem ser citados a própria noção de soberania, a teoria liberal da separação de poderes, o controle jurisdicional da discricionariedade e do mérito administrativo, e, sobretudo, o papel do Poder Judiciário no controle da Administração Pública.

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State (Estado de Bem estar Social)8, resultou em que a Carta Constitucional passasse a ter mais relevo, pois, se em tempos idos se buscava no Código a expressão da má-xima perfeição jurídica (a exemplo o Código Napoleônico de 1804), hoje em dia, é na Constituição que a vida em sociedade é regulada e são estabelecidas as propostas de mudanças sociais.

O que a doutrina comumente vem chamando de neoconstitu-

cionalismo corresponde, justamente, a esta nova tendência de constitucionalização dos direitos e, consequentemente, da existência de uma Lei Fundamental de índole descritiva (MORAIS, 2009).

O interesse na investigação da expansão dos direitos fundamentais, e sua validade e aplicabilidade no âmbito das relações privadas vem se consolidando no ce-nário jurídico brasileiro. Paulo Bonavides (2000) foi quem, pioneiramente, enfrentou o tema, centrando sua análise na dimensão institucional dos direitos fundamentais e, em momento posterior, no problema de sua interpretação.

Na Constituição brasileira podem ser encontradas inúmeras referências às conquistas dessas dimensões de direito, inclusive, dê-se o merecido destaque ao Títu-lo II da carta magna dispondo “Dos direitos e garantias fundamentais”, regulamen-tando os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos. A Constituição do Brasil de 1988 elegeu como fundamentos do Estado brasileiro a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (BRASIL, 1988):

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

(...)

8. O conceito de Welfare State ou Estado de Bem Estar Social tem seu fundamento na ideia de que o homem, enquanto cidadão, possui direitos indissociáveis a sua existência. Tais direitos são classificados como direitos sociais. Nos termos desta concepção, desde o momento do nascimento, todo o indivíduo tem o direito a um conjunto de bens e serviços que devem lhe ser oferecidos e garantidos pelo Estado, no exercício do seu papel para com a sociedade, de forma direta ou indireta.

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Como objetivos fundamentais, a carta magna instituiu construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais e promovendo o bem de todos, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra discrimina-ção. É o conteúdo do artigo (BRASIL, 1988):

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de ori-gem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Especialmente preocupado com a cidadania, o documento instaurou valores como a democracia, direitos civis, políticos e sociais, descentralização política e desenvol-vimento, sendo então um marco na construção constitucional, recebendo, pela sua ideologia, com justiça, a denominação de “Constituição Cidadã” (CUNHA, 2008).

Com a evolução da civilização, o ser humano consagra novos anseios e valo-res compatíveis com as nuances da realidade em que vive e interage. Por essa razão, verificam-se, em consequência da natureza cambiante e intensa da humanidade, mu-danças contínuas em todos os níveis, e, o que antes foi referência de retidão, hodier-namente pode não sê-lo. O Direito não foge à regra e, como produto do homem que é, incorpora sua mutabilidade. No dizer de Pontes de Miranda (1967, p.31), “o Di-reito não é outra coisa que processo de adaptação”. Sendo assim, institutos jurídicos amoldam-se a concepções teóricas reinantes a seu tempo, assumindo significados e aplicações diferenciadas a cada ciclo de pensamento dominante.

Já vivemos épocas em que as pessoas, consideradas membros de grandes ou pequenos coletivos (família, aldeia, clã, reino, feudo), estavam a esses grupos subor-dinadas e privadas de seus próprios direitos. O tempo passou e, nas constituições modernas, houve o reconhecimento do indivíduo como um ser moral, independente

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e autônomo, o que possibilitou a ratificação de direitos individuais, tais como a liber-dade, a igualdade e a propriedade (MORAES, 2003)

O tema direitos fundamentais remete à presença de três elementos: Esta-do, indivíduo e texto normativo regulador da relação entre Estado e indivíduos. As teorias dos direitos fundamentais foram criadas de acordo com a organização do Estado em cada época da história, fruto da relação entre o Estado e as pessoas, estabelecendo-se, nesta relação, os direitos, as garantias e as liberdades dos cidadãos (DIMOULIS e MARTINS, 2008).

Sob a égide do Estado liberal, o poder estatal se posicionava distante das relações privadas e inúmeras opressões podiam ser identificadas ferindo os direitos individuais e políticos. As ideias de liberdade e igualdade trazidas pelas doutrinas iluminista e jus naturalista, dos séculos XVII e XVIII, provocaram mudanças no poder opressor do Estado e que repercutiram sobre a vida, liberdade, propriedade, igualdade formal, liberdades de expressão coletiva, nos direitos de participação po-lítica e, ainda, em algumas garantias processuais individuais, minimizando a injustiça e permitindo aos cidadãos uma melhoria na qualidade de vida. Era o declínio do Estado Liberal e o surgimento do Welfare State.

A história não para por aí, e outras dimensões de direitos foram sendo re-queridos por uma sociedade ansiosa pela liberdade, igualdade e dignidade. Surgem os chamados direitos coletivos e difusos, assim denominados por transcenderem o ho-mem-indivíduo, a exemplo do direito ao meio ambiente sadio, o direito do consumi-dor, o direito ao desenvolvimento econômico sustentável e a conservação do patri-mônio cultural. Mais tarde, pode-se registrar a luta pela universalização dos direitos humanos, pelo cosmopolitismo, pela democracia universal e pelos direitos de solida-riedade, representando a quebra das fronteiras estatais, acompanhando a globaliza-ção e iniciando o fim às fronteiras geográficas entre os países (SARMENTO, 2004).

Com o passar do tempo, observou-se que o Estado não era o único que po-deria lesar os direitos dos indivíduos, mas também os particulares causariam, even-tualmente, ameaças a tais direitos, como se verá posteriormente.

Os direitos fundamentais são concebidos como princípios supremos do or-denamento jurídico, não só na relação do indivíduo com o poder público, atuando de forma imperativa, como também na relação recíproca dos particulares, limitado sua autonomia privada, regendo-se como normas em defesa da liberdade e, ao mesmo tempo, como mandados de atualização e deveres de proteção para o Estado. Um ide-al democrático se realiza pelo compromisso na efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que eles constituem os pressupostos em que toda sociedade democrática deve se edificar (BIAGI, 2005). Necessário contudo, ter-se em mente que a realidade

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social jamais pode ser preterida por estar a tais direitos umbilicalmente ligada, acom-panhando a natural evolução da sociedade.

O distanciamento das ciências empíricas das ciências humanas tem como consequência a perda da capacidade de percepção e de autorreflexão sobre si mes-mas, muitas vezes incorrendo no risco de perderem a capacidade de autocrítica. A conexão entre direito e ética mostra-se extremamente necessária e, embora sejam conceitos que não se equivalham, as reflexões, análises e discussões realizadas no campo da ética se constituem condições prévias para a elaboração e justificação racional de um ordenamento jurídico que possa modificar-se, aperfeiçoar-se, de acordo com o contexto histórico, cultural e social em que se encontre. Em con-sequência, imprescindível será serem avocados critérios baseados na ética, valores e princípios os mais genéricos possíveis, capazes de servir de parâmetro a orien-tar o necessário debate público, as declarações internacionais específicas, a elabo-ração de legislações nacionais, e as tomadas de decisões para cada caso concreto (HABERMAS, 2007; RUSS, 2007).

Hoje, o Estado cresceu para além de sua função garantidora e repressiva. Pode-se percebê-lo dando maior ênfase a normas de organização e de condiciona-mentos que antecipam os comportamentos desejados, sem que o caráter exclusiva-mente punitivo paire sobre suas ações. Dentro desta nova concepção, o jurista além das funções de sistematizador e intérprete, assumiu também o papel de teórico do aconselhamento, das oportunidades e das opções, incorporando às suas formas de atuação, além do saber ético um saber tecnológico (FERRAZ JR, 2015).

Nos anos 1970 surge o termo bioética criado pelo oncologista americano Van Rensselaer Potter9 para expressar uma nova ciência que teria o condão de religar as ciências empíricas às ciências humanas, especificamente sob o enfoque da ética que, de certo modo, estava sendo preterida em relação à técnica, restringindo-se apenas à ética profissional.

Desde então, a bioética vem se transformando em um novo campo de conhecimento e uma corrente de pensamento em busca da sabedoria, da crítica, e do uso da informação e do conhecimento que venham a melhorar as condições de vida e sua preservação, combinadas com a humildade, responsabilidade e racionalidade, voltadas tanto para o bem estar de cada indivíduo, quanto da coletividade como um todo (PESSINI, 2013).

9. Van Rensselaer Potter nasceu em 27 de agosto de 1911 e faleceu em 6 de setembro de 2001. Cidadão americano, foi bioquímico e pesquisador na área de oncologia.Através de sua experiência com pacientes oncológicos, propôs o surgimento de um novo conceito interdisciplinar correlacionando a ética com a ciência e o denominou de bioética. O legado de Potter foi estabelecer um diálogo entre a ciência da vida e a sabedoria prática, ou seja, entre o Bios e o Ethos. Seu livro Bioética:Ponte para o Futuro é o primeiro livro abordando este dialogo, e o marco inicial da bioética (PESSINI, 2013).

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Com o surgimento da Bioética, estabeleceu-se uma metodologia imprescindível para analisar casos concretos e os problemas éticos que deles emergiam. Contudo, a normatização jurídica das questões relacionadas à Bioética envolve uma série de dificuldades. O ritmo acelerado com que acontecem os avanços biotecnológicos e científicos se contrapõe à pretensão de estabilidade e duração no tempo das normas jurídicas. Em consequência dessa velocidade, legislar-se sobre temas novos, complexos e ainda muito controversos encontra inúmeras barreiras. Seus princípios embasadores não possuem um caráter absoluto, nem têm prioridade um sobre o outro, contudo, servem como regras gerais para orientar a tomada de decisão frente aos problemas éticos e para ordenar os argumentos nas discussões de casos (OLIVEIRA FILHO, 2007).

Barchifontaine (2002) associa a bioética à ética da vida e aponta não ser possível refleti-la a partir de uma única perspectiva, e sim de uma reflexão necessariamente multiprofissional, relacionada aos diversos campos que atuam na saúde. Definida como um instrumental misto de reflexão e ação, a bioética é explicada a partir de três princípios: autonomia, beneficência e justiça, sendo um movimento social preocupado com a biossegurança e o exercício da cidadania, diante do desenvolvimento das biociências a fim de oferecer “boa vida” ou “bem estar” à sociedade (ANDORNO, 2013).

O Direito trata a pessoa humana como um bem maior, não sendo de sua competência entender o sentido da vida humana segundo a sua materialidade. O que se ouviu até hoje é que os fatos andam à frente do Direito. A vida não pode ser objeto de defasagem legislativa e deve ser amparada, concomitantemente, à evolução social. Compete, portanto, ao Direito, a criação de um sistema de disciplina huma-no legal, com a finalidade de intermediar e solucionar os conflitos relacionados à Medicina, segundo a interpretação dos propósitos da sua essência. Nasce assim o Biodireito expressando uma inédita realidade de relações de vida frente às relações jurídicas inovando a sistemática interpretativa para o Direito. É definido como o conjunto de leis positivas que visa estabelecer a obrigatoriedade de observância dos mandamentos bioéticos, e a discussão sobre a adequação, necessidade de ampliação ou restrição da legislação a ela relacionada.

O desenvolvimento do biodireito, que deverá seguir os princípios da bioética se faz necessário para que possam ser assegurados o sadio desenvolvimento biotec-nológico e o respeito à vida humana, contribuindo para que o ordenamento jurídico esteja voltado com mais ênfase na relação ciência e pessoa humana, trabalhando para garantir a integridade física e psíquica do indivíduo. Encontrar a maneira de assegurar que o corpo humano seja respeitado e protegido e que não se transforme em mercadoria, constitui o desafio que requer o envolvimento da área do Direito, no intuito de se construir um sistema jurídico direcionado a responder às questões da modernidade (DINIZ, 2011).

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Não se deve, contudo, esquecer que o Biodireito, como integrante do Di-reito, deve observar outros princípios estabelecidos pelo próprio direito enquanto ciência, com métodos e formulações específicas. O grande desafio do século XXI será desenvolver uma bioética e um biodireito que corrijam os exageros provocados pelas pesquisas científicas e pelo desequilíbrio do meio ambiente, resgatando e va-lorizando a dignidade da pessoa humana, ao considerá-la como o novo paradigma biomédico humanista, dando-lhe uma visão verdadeiramente alternativa que possa enriquecer o diálogo multicultural entre os povos, encorajando-os a unirem-se na empreitada de garantir uma vida digna para todos, tendo em vista o equilíbrio e o bem-estar futuro da espécie humana e da própria vida no planeta. Todos os seres humanos, e, em especial os profissionais de saúde, devem intensificar sua luta em favor do respeito à dignidade humana, sem acomodações e com coragem, para que a efetivação dos direitos humanos se concretize, único caminho para um novo tempo onde a justiça, solidariedade e respeito pela liberdade e dignidade de cada um sejam conquistados. Bioética e biodireito lutam juntos por essa conquista e qualquer ato que não assegure a dignidade humana, deverá ser repudiado por contrariar as exi-gências ético-jurídicas dos direitos humanos (OLIVEIRA, 2007; CASTÀN, 2014).

Não se pode negar que o princípio da dignidade da pessoa humana possui estreitas conexões com os direitos fundamentais e, cada vez mais, os operadores do direito delas fazem, expressas nas pretensões constitucionais. A constituição de um país confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, repousa na dignidade da pessoa humana, isto é, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado. Para Sarlet (2010) os direitos e garantias fundamentais encontram seu fundamento direto e imediato na dignidade da pessoa humana atuando como elemento fundante e informador dos direitos e garantias fundamentais e, ainda, servindo de parâmetro para aplicação, interpretação e integração, não apenas das pretensões constitucio-nais, mas de todo o ordenamento jurídico.

Sem sombra de dúvida, o instrumento de concretização dos direitos fun-damentais é o princípio da dignidade da pessoa humana, do qual resulta a cláusula geral de tutela humana. O indivíduo terá a sua dignidade respeitada quando os di-reitos fundamentais forem efetivamente observados e realizados, embora se deva acrescentar que a verdadeira essência da dignidade neles não se possa esgotar (BAR-CELLOS, 2005). Não há questionamento quanto ao fato dos direitos fundamentais serem influenciados e tocados pelo primado da dignidade da pessoa humana. Toda-via, a utilização incorreta desses institutos poderá causar banalização e descrédito dos mesmos (SARMENTO, 2004).

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A noção cristã de “dignidade humana” surgiu como arma protetora contra os abusos do Estado, uma vez que o entendimento dominante era o de que apenas o Estado se subordinava aos comandos constitucionais relacionados ao princípio da dignidade humana, e não ao indivíduo em particular. Contudo, a complexidade das relações sociais somada a situações de crescente desigualdade humana fez surgir a percepção de que não era fruto apenas do Estado a opressão das liberdades, mas também dos homens entre si. Surgiu assim a necessidade de se estender a eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas como uma proteção à própria prepo-tência do homem. Proteger o homem de si mesmo.

Na atualidade, reconhece-se uma dupla dimensão para os direitos funda-mentais. A primeira, quando se apresentam como direitos subjetivos individuais essenciais à proteção da pessoa humana; a segunda, como expressão de valores ob-jetivos de atuação e compreensão do ordenamento jurídico (DIMOULIS, MAR-TINS, 2008; MARMELSTEIN, 2009). Segundo Ingo Sarlet (2010), a constatação de que os direitos fundamentais revelam dupla perspectiva, sendo considerados tanto como direitos subjetivos individuais, quanto como elementos objetivos fun-damentais da comunidade, constitui, indubitavelmente, uma das mais relevantes formulações do direito constitucional contemporâneo, especialmente no âmbito da dogmática dos direitos fundamentais.

Detalhando o conteúdo das duas dimensões, registre-se que a perspectiva sub-jetiva reporta-se à possibilidade que tem o seu titular de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental (MARMELS-TEIN, 2009). Sarlet (2010, p. 152), sobre essa dimensão escreveu:

De modo geral, quando nos referimos aos direitos fun-damentais como direitos subjetivos, temos em mente a noção de que ao titular de um direito fundamental é aber-ta a possibilidade de impor judicialmente seus interesses juridicamente tutelados perante o destinatário (obrigado). Desde logo, transparece a idéia de que o direito subje-tivo consagrado por uma norma de direito fundamental, se manifesta por meio de uma relação trilateral, formada entre o titular, o objeto e o destinatário do direito.

A dimensão objetiva se refere ao funcionamento dos direitos fundamentais como limites ao poder estatal, bem como uma diretriz para a sua atuação. Tem como mar-co histórico a decisão proferida em 1958 pela Corte Federal Constitucional da Ale-

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manha no caso Lüth10. Segundo a doutrina, dessa dimensão objetiva são extraídos alguns efeitos: o de eficácia irradiante, eficácia privada e deveres estatais de proteção. A eficácia irradiante significa que os valores que dão sustentação a estes direitos penetram por todo o ordenamento jurídico condicionando a interpretação dos dis-positivos legais e em consequência, direcionar as aplicações do direito por parte do legislador, administrador e juiz, impondo uma nova leitura de todo o direito positivo. Daniel Sarmento (2004) acrescenta que a eficácia irradiante está relacionada à inter-pretação e aplicação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados inseri-dos na legislação infraconstitucional, proporcionando assim a extensão dos direitos fundamentais às das relações privadas.

A teoria dos deveres estatais de proteção diz respeito a uma postura ativa a ser adotada pelo Estado na tutela desses direitos, não podendo violá-los, mais que isso, devendo proteger seus titulares diante de lesões e ameaças provindas de terceiros, principalmente de particulares. Essa concepção não é nova. Suas raízes estão no jusnaturalismo contratualista dos séculos XVII e XVIII, que reforçava a necessidade da existência do Estado protetor do homem em situações de opressão (SARLET, 2010).

A eficácia privada, último efeito da dimensão objetiva dos direitos funda-mentais refere-se a que os valores básicos da ordem jurídica e social sejam respeita-dos não só pelo Estado, mas também pelos particulares nas suas relações entre si, reforçando a ideia da aplicabilidade dos princípios informadores dos direitos funda-mentais na esfera privada. Para a vinculação às normas jusfundamentais no âmbito das relações jurídicas entre particulares, a doutrina adotou os termos eficácia hori-zontal dos direitos fundamentais, eficácia privada ou eficácia externa. Sua origem está na doutrina e jurisprudência constitucional alemã da segunda metade do século XX, atraindo mais recentemente a atenção da doutrina europeia em geral. No Brasil, contudo, a referida dimensão objetiva dos direitos fundamentais ainda não foi obje-to de estudos mais aprofundados, encontrando, por esta razão, uma tímida, porém crescente aplicação (SARLET, 2010; BARROS, 2003).

Segundo Ingo Sarlet (2010), o Estado Social de Direito, ao contrário do Es-tado Liberal clássico, ampliou suas atividades e funções. Em consequência, a socie-dade passou a participar, cada vez mais ativamente, do exercício do poder. A liberda-de individual cujo relato histórico elenca situações de constante ameaça, necessita de proteção não mais apenas contra o poder público, mas também contra os que detêm o poder social e econômico.

10. O caso Lüth aconteceu na Alemanha e versou sobre o dano (direito privado) e a liberdade de opinião (direito fundamental). Na decisão proferida pela Corte Constitucional Alemã no caso, consagrou-se que os direitos fundamentais constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos.

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Decorrente do Princípio da Unidade da Constituição11 deve-se admitir não haver hierarquia entre os princípios constitucionais, isto é, todos têm igual dignidade (BARROSO, 2009). Nestes termos, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais deve ser entendida como expres são de determinados valores que o Estado deve res-peitar, promover e zelar, através de uma postura ativa de proteção global dos direitos fundamentais, porém, em virtude da carga valorativa contida na Constituição brasi-leira, e, consequentemente, a existência de uma pluralidade de concepções, caracte-rística típica de um Estado Democrático de Direito, a existência de uma tensão per-manente entre alguns princípios aparece de forma natural, uma vez que, sob um pri-meiro olhar, podem parecer inconciliáveis, por exemplo, o princípio da liberdade de expressão e o direito à intimidade; a privacidade e a vida privada; o direito à proprie-dade com o princípio da função social da terra; todos eles constitucionalmente ex-pressos como garantias e direitos individuais (CANOTILHO, 1995; SARLET, 2010).

Duas teorias buscam esclarecer se a questão dessa vinculação dos particulares se dá de forma direta, demonstrando uma eficácia imediata, ou se ocorre de maneira indireta, no contexto de uma eficácia mediata. Para isso, dois aspectos principais são observados. Primeiramente, a constatação de que os direitos fundamentais, como princípios constitucionais que são, e por força do princípio da unidade do ordena-mento jurídico, são aplicáveis a toda a ordem jurídica, inclusive privada. O segundo aspecto tem relação com a necessidade de proteger os particulares contra atos de ou-tros particulares que atentem contra seus direitos fundamentais (ANDRADE, 2004).

Segundo Daniel Sarmento (2004) relata, defendendo a possibilidade de apli-cação direta dos direitos fundamentais, surge a primeira corrente (mittelbare indirek-te Drittwirkunt) liderada pelo alemão Günter Dürig em sua obra publicada em 1956. Günter pregava a atuação dos direitos fundamentais nas relações privadas, todavia condicionada à ação do legislador infraconstitucional, a quem incumbiria a tarefa de adequar as leis infraconstitucionais reguladoras da vida privada aos ditames consti-tucionais definidores de direitos como ressaltado, para os defensores dessa corrente doutrinária, somente ao legislador privado caberia a tarefa de mediar a aplicação dos direitos fundamentais sobre os particulares, estabelecendo uma disciplina das rela-ções privadas compatível com os valores constitucionais.

Para esses teóricos, a função principal dos direitos fundamentais não é resol-ver conflitos gerados pelo direito privado, devendo a sua aplicação realizar-se através dos meios colocados à disposição pelo próprio sistema jurídico. Sendo o legislador o principal destinatário das normas de direitos fundamentais, é de sua responsabi-

11. Segundo o Princípio da Unidade da Constituição, do ponto de vista jurídico, é impossível a existência de normas constitucionais antinômicas. As normas constitucionais devem ser analisadas de forma integrada e não isoladamente, de forma a evitar as contradições aparentemente existentes (BARROSO, 1999).

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lidade fazer com que as normas sejam aplicadas às relações jurídico-privadas e, na ausência destas, que possa ocorrer a interpretação pelo judiciário, em conformidade com os direitos fundamentais, significando uma espécie de recepção dos direitos fundamentais pelo Direito Privado.

Quando se pensa em eficácia mediata, afirma-se que em relação aos particu-lares, a força jurídica dos ditames constitucionais somente se afirmaria através dos princípios e normas de direito privado, ainda que editadas em razão do dever de proteção do Estado. Os preceitos constitucionais poderiam servir como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados suscetíveis de con-cretização, porém sempre inseridos nas linhas basilares do direito privado. Sarmento (2004) acrescenta que, uma norma de direito fundamental, independentemente da possibilidade de sua subjetivação, sempre contém valoração. O valor nela contido, quando revelado de modo objetivo, traz à norma uma eficácia irradiante e desembo-ca sobre a compreensão e atuação do ordenamento jurídico (SARLET, 2010). Acres-centa que, se tais normas são subjetivadas não pertencem apenas ao particular e sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade. Das colocações postas, pode-se afir-mar que não apenas o Estado está obrigado a não agredir os direitos fundamentais, como também tem a missão de fazer com que sejam respeitados pelos particulares

A proteção estatal se realizará, por exemplo, por meio de normas de proi-bição ou de imposição de condutas, ressaltando-se que, além disso, na hipótese de poder econômico social e de manifesta desigualdade entre dois particulares, também existirá a relação de natureza vertical, que nunca deve ser esquecida.

A segunda corrente (unmittelbare direkte Drittwirkung), no início da déca-da de 1950, defende a eficácia direta ou imediata. Teve como precursor Hans Carl Nipperdey (DÜRIG, 2012), e apregoa a aplicabilidade direta e imediata dos direi-tos fundamentais sobre as relações privadas, independentemente de prévia atividade legislativa. Sendo assim, não só o Estado como também os atores privados estão vinculados à Constituição.

Essa tese não teve uma boa aceitação na Alemanha, porém, nos países euro-peus, a exemplo de Portugal e Espanha e Itália, encontrou guarida. No pensamento de seus seguidores, a ampla oponibilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas é reconhecida, sob a constatação de que não é apenas o Estado o agente capaz de violá-los. Também não negam a necessidade de ponderação do direito fun-damental questionado com a autonomia privada dos particulares envolvidos, pelo contrário, reconhecem a unidade do ordenamento jurídico e defendem a impossi-bilidade de se conceber o Direito Privado à margem da Constituição e dos direitos fundamentais (SARMENTO, 2004). Em boa parte dos ordenamentos, a tese da efi-cácia direta é meramente especulativa, uma vez que a maioria dos Estados não possui posicionamento constitucional acerca da matéria.

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No ordenamento jurídico argentino, por exemplo, a temática da extensão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas foi apreciada pela Corte Suprema em meados do século XX, em caso denominado Kot12. Tratava-se de caso sobre violação aos direitos fundamentais à liberdade de trabalho, propriedade e liberdade de iniciativa por trabalhadores que paralisaram suas atividades e ocuparam a fábrica para protestar. Em sentença, a Corte Suprema argentina consignou que os particulares, no âmbito de suas relações privadas, igualmente aos poderes públicos, também são capazes de restringir e, até, suprimir direitos fundamentais de outros particulares, tornando necessário o reconhecimento da eficácia dos direitos funda-mentais nestas relações jurídicas como forma proteger os indivíduos e, consequen-temente, os objetivos da Constituição Argentina.

A teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais foi ilustrada por Ca-notilho (2007) em uma situação em que uma empresa industrial determina, como condição de admissão dos seus funcionários, a assinatura de termo que expresse a renúncia, pelo empregado, a qualquer atividade partidária ou a filiação em sindicatos. Agindo dessa forma, a empresa estará privando do empregado o direito de livre as-sociação. Os defensores da doutrina da eficácia imediata entendem necessária a apli-cação direta dos direitos fundamentais, ainda que nas relações privadas, evitando que seja preterido o mínimo de liberdade que os direitos fundamentais devem garantir. No caso mencionado, os direitos fundamentais dos trabalhadores deveriam prevale-cer sobre as regras impostas pela empresa. Caso não realizado o reconhecimento, o Poder Judiciário poderia ser acionado para intervir em seu favor.

Segundo a teoria da eficácia indireta e mediata, sob pena de se ver aniquilada a autonomia privada e desfigurado o direito privado, os direitos fundamentais não podem ser invocados diretamente da constituição. A teoria sustenta que, no âmbito das relações jurídicas privadas, os direitos fundamentais só poderiam ser aplicados após um processo de transmutação, caracterizada pela interpretação, integração e aplicação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado à luz dos direitos fundamentais, configurando-se, desta forma, uma recepção dos direitos fundamentais pelo direito privado (VASCONCELLOS, 2009). Para seus defensores, caberia ao legislador, por meio de uma regulamentação compatível com os valores constitucionais, mediar a aplicação desses direitos nas relações particulares. Sob esse enfoque, os direitos fundamentais irradiam seus efeitos por meio de mediação legislativa (SILVA, 2005). A teoria da eficácia direta ou imediata. Defende que os direitos fundamentais devem ser prontamente aplicáveis, sempre que as entidades privadas ostentarem um considerável poder social, ou seja, quando o particular

12. Disponível em: http://falloscsn.blogspot.com.br/2005/08/samuel-kot-1958.html. Acesso em 22.11.2014.

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estiver em uma situação de supremacia de fato ou de direito em relação ao outro (BRANCO, MENDES, 2011). Assim sendo, deveriam ser aplicados nas relações disciplinares de entes privados o princípio de que não pode haver punição sem prévia norma que defina o comportamento como censurável, assim como o princípio do contraditório, tese esta, em perfeita sincronia com o disposto no art. 5º, § 1º, da Constituição, onde está declarada a aplicação imediata das normas definidoras de direitos fundamentais (BRASIL, 1988).

A eficácia deve ser imediata sempre que ocorrer uma relação de subordina-ção fática ou jurídica para os particulares, ou seja, sempre que situações que impli-quem no dever de agir ou de não agir livremente sejam invalidadas por cláusulas de direitos fundamentais. Isto porque, igualmente na esfera privada, ocorrem situações de desigualdade geradas pelo exercício do poder social, de forma que não se podem tolerar discriminações ou agressões à liberdade individual que atentem contra o con-teúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais, devendo existir o equilíbrio entre estes valores e os princípios da autonomia privada e da liberdade negocial, que não podem ser totalmente suprimidos (BARCELLOS, 2002).

Fruto deste novo cenário, o direito retomou a discussão entre o público e o privado e a distância entre o mundo jurídico a eles isoladamente pertencentes tem se encurtado, não mais se aceitando uma incomunicabilidade entre os dois mundos, posto que são claramente ligados, quer por inspiração na interpretação constitucio-nal para as novas ordenanças da vida civil ou comercial; quer em face da constitucio-nalização das inúmeras diretrizes provenientes do direito privado; ou ainda em con-sequência da interpretação constitucional firmada pelas decisões judiciais proferidas.

O presente trabalho analisa a questão da constitucionalização do direito pri-vado, não como resultado de uma luta de forças entre o direito civil e o constitucio-nal e nem da superação de um pelo outro, até porque não há contestação para o fato de que a constituição se situa em posição hierarquicamente privilegiada em face da legislação civil, mas sim como resultado do pensamento convergente e sistemático do direito, permitindo a comunicação necessária para evitar ou minimizar as possí-veis colisões, antinomias ou lacunas jurídicas. Seguem o raciocínio de que, mais que discutir-se sobre a “constitucionalização o direito civil” ou a “privatização do direito constitucional”, a importância reside em manter aberto o canal de diálogo entre os dois ramos do saber jurídico, evitando que haja oscilação no direcionamento da apli-cação do direito e, ao contrário, propicie um deslocamento uniforme e em sentido convergente, pois, a oscilação dificulta o andar satisfatório da aplicabilidade do direito.

No Brasil, há uma tendência tanto na doutrina como na jurisprudência em se adotar a eficácia direta ou imediata nas relações privadas. Luís Roberto Barroso (2005) afirma que a teoria direta e imediata é, do ponto de vista da aplicabilidade,

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mais adequada para a realidade brasileira e tem prevalecido na doutrina. Acrescenta contudo que, tanto na ponderação a ser empreendida, como na ponderação em ge-ral, deverão ser levados em conta os elementos do caso concreto.

Em ordenamentos de países como Portugal, Espanha, Colômbia, Chile, ma-nifestações relacionadas à temática da extensão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares também podem ser observadas, levando-se a inferir que, independentemente do ordenamento jurídico, inexiste, atualmente, con-senso acerca de qual das teorias é mais hábil e adequada para conciliar a proteção dos direitos fundamentais com a garantia da autonomia privada e segurança jurídica. Á exceção do ordenamento jurídico norte-americano, que se diferencia pela adoção da teoria da state action, nos demais ordenamentos jurídicos as teorias da eficácia direta e indireta têm a sua defesa dividida entre teóricos de renome e membros integrantes das Cortes Constitucionais nacionais. Encontrar uma solução capaz de conciliar os importantes direitos fundamentais e interesses sociais em jogo, é o desejo de todos. Contudo, há um consenso entre os doutrinadores e os tribunais destes países: o re-conhecimento de que os direitos fundamentais vinculam os particulares em suas re-lações jurídicas privadas, residindo a controvérsia apenas na questão relativa a como e em que medida os direitos fundamentais vinculam os particulares em suas relações jurídicas privadas, e se o fazem direta ou indiretamente (MARTINS, 2010).

A terceira corrente existente nega qualquer efeito dos direitos fundamentais na relação entre particulares. Embora enfraquecida, é a teoria adotada pelos norte--americanos, mas conhecida como doutrina da state action. Para seus defensores, apenas o Estado está sujeito à observância das garantias fundamentais, isto é, os di-reitos fundamentais vinculam-se apenas os Poderes Públicos. Nos Estados Unidos, é praticamente consenso o fato de que o bill of rights (carta que veicula os direitos fundamentais) impõe limitação tão somente aos poderes públicos, não atribuindo aos particulares direitos fundamentais frente a outros particulares.

Para alguns doutrinadores como Ingo Sarlet (2010), desde que efetuados alguns ajustes e especificidades, haveria uma segunda forma de eficácia indireta, por ele denominada de “teoria dos deveres de proteção”. Na mesma linha segue Robert Alexy (2001), que tentou conciliar as teorias: a de efeito imediato; a de efeito mediato e a doutrina dos deveres de proteção do Estado. Segundo Alexy (2001), a medida da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas seria uma questão de ponderação e destaca terem as três teorias aspectos vinculantes dos particulares aos direitos fundamentais, levando a resultados equivalentes, porém com análises insufi-cientes. Por essa razão, propõe uma teoria própria, um novo modelo composto por três níveis de efeito: o nível dos deveres do Estado; o nível dos direitos frente ao Estado e o nível das relações jurídicas entre os sujeitos de direito privado. No pri-

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meiro nível, enquadra a teoria do efeito mediato, na qual ao Estado se impõe o dever de legislar e de julgar considerando a ordem objetiva de valores constitucionalmente dispostos; no segundo nível coloca a teoria dos deveres de proteção, função que, se não cumprida pelo Estado, acarretaria em violação dos direitos fundamentais; por fim, no terceiro nível estaria a teoria da eficácia direta e imediata. Para a nova teoria de Alexy, há quem a identifique como enquadrada na teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais, posto que não é incompatível com os efeitos decorrentes das outras duas teorias, a sua contribuição acrescentada consiste na aplicabilidade direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, independentemente da intermedia-ção de qualquer órgão estatal.

Analisando-se as Constituições Brasileiras, constata-se que os direitos huma-nos foram sendo paulatinamente agregados, especialmente na Constituição de 1988 na qual observa-se a ampliação do seu rol. Alexandre de Moraes (2009) escreveu que tais direitos nascem objetivando reduzir a ação do Estado aos limites constitucio-nalmente impostos, sem, contudo, desconhecer a relação de subordinação existente entre os indivíduos e o Estado, garantindo que ambos operem dentro dos limites impostos pelo direito. Segundo a classificação do autor, as normas que protegem os direitos humanos são de eficácia e aplicabilidade imediatas (MORAES, 2009).

O Brasil constitucionalizou expressamente a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, (artigo 1º, inciso III) (BRASIL, 1988). Sua inserção no contexto constitucional brasileiro sofreu influência de países como a Itália e Portugal que inseriam em seu texto esta proteção13, em resposta à indignação frente à cruelda-de e degradação desumanas, resultados das duas grandes guerras mundiais.

Aclamada como “constituição cidadã”, a Constituição da República Fede-rativa do Brasil se destaca por colocar o indivíduo em seu centro, voltando-se para a proteção das liberdades de cada um e, consequentemente, para as diversas con-cepções individuais de vida digna. Embora esteja há mais de 20 anos em vigor, e tenha elegido como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, em seu artigo 1º, inciso III (BRASIL, 1988), muito ainda tem que ser observado para que o status de “cidadã” possa ser, efetiva-mete reconhecido.

13. Na Constituição Italiana, encontra-se no artigo 3°: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sem discriminação de sexo, de raça, de língua, de religião, de opiniões políticas, de condições pessoais e sociais. Cabe à República remover os obstáculos de ordem social e econômica que limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do País”; e, na Constituição Portuguesa, no artigo 1°: “Portugal é uma República soberana, baseada, na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária). Informações obtidas nos sites: http://www.tudook.com/abi/constituicao_italiana.html; http://www.portugal.gov.pt/pt/GC17/Portugal/SistemaPolitico/Constituicao/Pages/default.aspx (ambos os acessos em 09/01/2012).

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O ordenamento jurídico brasileiro é composto por leis, e princípios, estes últimos, normas jurídicas não específicas, que necessitam serem interpretadas dian-te do caso concreto. Dos princípios relacionados ao tema estudado e presentes na Constituição brasileira sobressaem-se, o Princípio da Dignidade Humana (art. 1º, III), o da Autonomia Privada (princípio implícito no art. 5º) e a proibição constitu-cional de tratamento desumano (art. 5º, III) (BRASIL, 1988).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos es-trangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprieda-de, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algu-ma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...)

Significa dizer que a Constituição brasileira reconhece o direito à vida digna e reco-nhece a autonomia do ser humano, sua autodeterminação. Neste capítulo, a presente pesquisa pretende contribuir com o debate atual sobre os temas da autonomia e dignidade da pessoa humana na ética do direito e da medicina, vinculando-os ao exercício efetivo da cidadania numa sociedade democrática.

Em temas centrais da ética, do direito e da medicina, autonomia e dignidade constituem os fundamentos que norteiam as decisões dos problemas que envolvem o começo e o fim da vida, das pesquisas com seres humanos, dentre outros. Admi-tindo que a autonomia e a dignidade da pessoa humana são reconhecidas como prin-cípios constitucionais, conclui-se que devem fundamentar as decisões em qualquer das instituições políticas e sociais.

A compreensão do conceito de dignidade da pessoa humana enquanto prin-cípio ético, político e jurídico já é ponto pacífico na maioria dos ordenamentos; a verificação de suas implicações combinadas com o princípio da autonomia para a concepção de justiça em uma sociedade democrática, também não podem ser esque-cidas (SARLET, 2004) e é a proposta do presente trabalho.

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Partindo da premissa de que a dignidade deve balizar a ordem jurídica, é preci-so encontrar seu fundamento e caracterizar o que de mais importante nela existe, pro-tegendo-a para que alcance a sua real dimensão. O respeito à dignidade humana deve funcionar como paradigma da ordem jurídica de um Estado Democrático de Direito e a autonomia privada como representante do fundamento da dignidade da pessoa hu-mana, ou seja, a liberdade que o particular tem de conduzir sua vida segundo seus pla-nos. Apenas o indivíduo autônomo é livre, e, apenas assim irá alcançar sua dignidade.

A dignidade da pessoa humana no presente estudo se apresenta sob o enfo-que de direito fundamental, indisponível, pois, no ordenamento jurídico brasileiro revela-se como epicentro axiológico, seguindo os ensinamentos de Ingo Sarlet (2005, p.236-237), para quem a conceituação jurídica da dignidade da pessoa humana:

Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e con-sideração por parte do Estado e da comunidade, impli-cando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições de existências mínimas para uma vida saudável [...]

O presente trabalho contribui com o debate atual sobre os temas da autonomia e dignidade da pessoa humana na ética do Direito e medicina ao vincular-se aos temas da justiça e do exercício efetivo da cidadania numa sociedade democrática. Com rela-ção à situação de terminalidade de vida de um paciente, segue o conceito formulado por Pilar L. Gutierrez (2001, p.01), que escreveu:

[...] quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade de mor-te próxima parece inevitável e previsível. O paciente se tor-na “irrecuperável” e caminha para a morte, sem que se consiga reverter.

A proteção da dignidade humana trazida, a partir do entendimento de Sarlet (2005), deve abordar qualquer ato de cunho degradante e desumano e, no pensa-mento da pesquisadora, a manutenção da vida moribunda, contrariando desejo pre-determinado pelo paciente, pode sim configurar tratamento degradante e desumano.

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Uma análise à arquitetura internacional de proteção dos direitos humanos não traduz uma história linear (PIOVESAN, 2013). Enquanto o século XIX e as primeiras décadas do século XX caracterizaram os momentos do reconhecimento constitucional dos direitos em cada Estado, marcando uma evolução sobre o trata-mento dado aos direitos humanos, foi no pós-guerra, como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo, que ocorreu a progressiva concepção e incorporação no plano internacional sobre o tema. Iniciava-se o movimento de internacionaliza-ção dos direitos humanos, retratando um cenário no qual se vislumbrava o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional (DORNELLES, 2003/2004).

Os conflitos internacionais, principalmente as duas grandes guerras mundiais, os genocídios contra grupos étnicos, religiosos, nacionais; os massacres de popula-ções civis, e o armamentismo adotado como política para fortalecer defesas de seu estado de direito, constituíram permanente ameaça à paz internacional, ao mesmo tempo em que demonstraram que não era suficiente que cada Estado reconhecesse os direitos individuais em seus dispositivos constitucionais, ou mesmo subscrevesse di-ferentes documentos internacionais para que, automaticamente, passasse a respeitar os direitos proclamados. Algo mais precisava ser feito. Destaca-se então a concepção contemporânea dos direitos humanos, marcada de um lado pela universalidade, por clamar por sua extensão universal sob a crença de que a condição de pessoa é o re-quisito único, e por outro, pela indivisibilidade e titularidade destes direitos, conside-rando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade exis-tencial e dignidade, esta última enaltecida como valor intrínseco à condição humana.

A nova concepção veio a ser introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Constatou-se enfim que as liberdades e garantias para os seres humanos não eram temas que interessassem unicamente a cada Estado, antes, ao contrário, interessavam e obri-gavam a toda a comunidade internacional (DORNELLES, 2003/2004). Os direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar todos os direitos civis e políticos com os direitos sociais, eco-nômicos e culturais e assim, quando um deles é violado, os demais também o são (PIOVESAN, 2013).

Vê-se portanto que a valorização dos direitos humanos na esfera das relações entre os Estados, entre as nações e entre grupos e indivíduos na ordem internacional é fruto da internacionalização das relações políticas e econômicas e do desenvolvi-mento dos princípios de direito internacional público. A questão dos direitos huma-nos passou do tratamento nacional, através da ordem constitucional, para a esfera internacional, incorporando todos os povos (DORNELLAS, 2003/2004).

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O reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais do homem en-contram-se na base das modernas constituições democráticas. Para Bobbio (1992, p.17), “Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana ou para o desenvolvimento da civiliza-ção”. Para Canotilho (2007), as expressões “direitos do homem” e “direitos funda-mentais” são utilizadas como sinônimas. Direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos, relacionados à própria natureza humana, daí seu caráter inviolável, intemporal e universal; direitos fundamentais são os direi-tos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

Pérez Luño (2011) e Ingo Wolfgang Sarlet (2007) concordam na explicação de que a expressão “direitos fundamentais” surgiu na França, em 1770, no movi-mento político e cultural que conduziu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e, na Alemanha, sob o título Grundrechte. Ambos os movimentos articulavam o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado, e fundamentavam toda ordem jurídico-política. Daí a doutrina chamar de “direitos fundamentais” os direitos humanos positivados nas constituições dos Estados e de “direitos humanos” os direitos previstos em declarações ou convenções internacionais.

Os direitos fundamentais consagram os valores mais importantes em uma comunidade política, em outras palavras, constituem a base de uma ordem jurídica. São evidenciados em diferentes momentos da vida social contemporânea, mobiliza-dos em várias circunstâncias e invocados sob diferentes justificativas, muitas vezes se confundindo a sua dimensão conceitual e o seu fundamento. Tal constatação, contu-do, não minimiza, nem enfraquece a luta, incontestavelmente séria e comprometida, do entendimento do tema e a sua real efetivação. Para se chegar ao conceito de direi-tos fundamentais, é preciso observá-los dentro de um contexto histórico para o qual nada há de eterno, perene ou imutável. Os direitos fundamentais do homem e seus conteúdos se modificaram e ainda continuam se modificando ao sabor das condi-ções históricas, dos interesses dominantes, das classes no poder ou ainda dos meios disponíveis para sua realização. Uma análise do presente, do passado e do futuro dos direitos do homem leva à conclusão de que o problema mais grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem, consiste não mais apenas em fundamentá-los, mas, sim, em protegê-los, de modo que o problema não é filosófico, mas, num sen-tido mais amplo, político (BOBBIO, 2004; MARMELSTEIN, 2009).

Numa perspectiva atual, o jurista Perez Luño (2011, p.42), sobre os direitos fundamentais escreveu:

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“Los derechos humanos Suelen venir entendidos como um conjunto de facultades e instituciones que, en cada mo-mento histórico, concretam las exigências de la dignidad, la liberdad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamentos jurídicos a nivel nacional e internacional”

Os Direitos Fundamentais podem ser classificados como: direitos de defesa, direitos prestacionais e direitos de participação. Os direitos de defesa definem-se pela carac-terística de exigir do Estado, preponderantemente, um dever de abstenção, traduzi-do no impedimento de agir na autonomia dos indivíduos, ou seja, o poder estatal é limitado com o intuito de preservar as liberdades individuais, sendo-lhe imposto o dever de não interferir, não intrometer, não reprimir e não censurar. Os direitos a prestações englobam o direito a prestações materiais e jurídicas, e ao contrário da anterior, impõem ao Estado o dever de agir, realizar condutas ativas, não só para a proteção de bens jurídicos contra terceiros, como para a promoção ou garantia das condições de fruição desses bens. Por fim, os direitos de participação têm por função garantir a participação individual na formação da vontade política da comu-nidade e, portanto, possuem um caráter negativo/positivo, dependendo da situa-ção (NOVELINO, 2008, p. 223-4).

Não é excessivo relembrar que o reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais do homem no mundo aconteceram de forma lenta e gradualmente. Há mais de 60 anos, todos os países do mundo foram direta ou indiretamente atin-gidos pela Segunda Guerra Mundial. Setenta milhões de pessoas pereceram, con-sequência do mais terrível conflito armado já testemunhado. Contudo, em meio ao trabalho de homens e mulheres na limpeza dos campos de batalha, contagem dos mortos e esperança na reconstrução das cidades, as nações do mundo, através de seus representantes, reunidos nas Nações Unidas em Nova York, elaboraram uma obra de otimismo e esperança, uma das maiores conquistas do século 20. Nasce um documento visionário tornando viva uma realidade e que deve ser celebrado não só pela sua solidez como pela flexibilidade de sua estrutura (PEDROSO, 2005). Marcou uma síntese do passado e um idealismo futurista rumo à democracia, representando a consciência histórica da humanidade em relação aos seus próprios valores funda-mentais (BONAVIDES, 2002).

Em conclusão, os direitos fundamentais são essenciais à existência de um Es-tado Democrático de Direito, e, uma Constituição que não possua um rol de direitos fundamentais não pode ser considerada uma Constituição democrática. Hodierna-

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mente, verifica-se que os direitos fundamentais estão sendo deslocados da dogmáti-ca jurídico-constitucional para as variadas teorias chamadas: teorias da justiça, teorias sociais e teorias econômicas do direito14.

A civilização humana tem percorrido um longo caminho de transformações. A ciência jurídica, pela característica de estar condicionada à existência de vida hu-mana (Ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus), também tem se modificado, quer trazendo louváveis avanços, quer implementando infelizes retrocessos, muitas vezes traduzidos em séculos de luta e esperança por uma sociedade mais justa. Diante dessa constatação, a posição predominante entre os autores constitucionalistas é a de que o rol dos direitos fundamentais é exemplificativo, posicionamento ratificado quando verificadas as várias mutações constitucionais, surgidas para implementar, sob o manto da fundamentalidade formal, as novas conquistas da coletividade. Este é o cenário que se observa no plano relacional entre os direitos civil e constitucional, que, na atualidade, tem encurtado antigas distâncias em virtude da constitucionali-zação do direito civil ou da privatização do direito constitucional (TORRES, 2007).

A melhor estratégia para a proteção dos direitos fundamentais não está apenas nas técnicas jurídicas que os possam garantir, e nem nas circunstâncias sociais, econô-micas, culturais e políticas que lhes sejam favoráveis. A melhor maneira está em serem apresentados bons argumentos para respaldá-los e fundamentá-los, através dos quais possam ser defendidos racionalmente, não somente no papel, mas também, na cons-ciência de seu povo, na vida em sociedade (FERNANDEZ, 1991; MENDES, 2004).

É através do direito que o resgate à condição ontológica de ser verdadeira-mente humano se revela, sendo salvaguardada, sobretudo, sua dignidade. Partindo desse princípio, o ordenamento jurídico brasileiro elegeu como marco axiológico o postulado da dignidade da pessoa humana e partindo dos desdobramentos herme-nêuticos que o seu conteúdo conceitual possa emanar, os parâmetros substanciais são definidos e passam a orientar o exercício da atividade do Estado enquanto ma-crogrupo responsável pelo suprimento das necessidades da coletividade. Nesse sen-tido Norberto Bobbio (1992, p. 5) afirma que:

“Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circuns-tâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liber-dades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.”

14. Texto escrito pela autora em trabalho para cumprimento de crédito no curso de Doutorado/UMSA/2011 para a disciplina Direito Público, ministrada pela professora Isolina Dabove, sob o título: Um novo medir e pesar no exercício da cidadania.

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A Constituição brasileira, embora não tenha sido expressamente contem-plada com dispositivos de vinculação e aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, não sustenta a negativa de uma eficácia horizontal, ao menos em relação aos direitos fundamentais que não possuam como únicos destinatários os poderes públicos. A afirmação de que o uso da eficácia horizontal negaria a autonomia pri-vada, elemento basilar do direito privado, não tem sustentação, pelo contrário, en-contra-se reconhecida pela Carta Magna como verdadeiro princípio constitucional, sendo reconhecida na dignidade da pessoa humana, na liberdade, na livre iniciativa. O entendimento dominante segue não somente no sentido de reconhecer a autono-mia privada como princípio constitucional, como também de lhe impor limites, pois, segundo Sarlet (2000), no âmbito das relações negociais, via de regra os particulares não atuam movidos por uma autorização legal estatal e sim, em virtude de decisões tomadas no âmbito de sua autonomia privada e do direito geral de liberdade, os quais são objeto de regulação e proteção por parte do legislador.

Necessário, contudo, haver equilíbrio entre princípios do direito privado (li-berdade de ação, autonomia) e os direitos fundamentais primando-se pela pondera-ção de valores e busca de equilíbrio, de modo que não haja sacrifício de direitos por nenhuma das partes. Ambos são particulares e titulares de direitos fundamentais, os quais devem ser respeitados. A prevalência dos direitos fundamentais ocorrerá pela decorrência natural da supremacia da norma constitucional, contudo, devem ser ob-servadas as circunstâncias específicas de cada caso concreto (NOVELINO, 2011).

No Brasil, a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre parti-culares recebe proteção de diferentes formas. Pode ser por meio de intervenções le-gislativas que previnam a discriminação e assegurem a livre formação da vontade dos hipossuficientes; também pode ser por meio da interpretação e aplicação de cláusulas gerais de direito privado expressas nas decisões jurisprudenciais; e ainda se realizará através da invocação direta do direito fundamental para a solução de conflitos entre particulares, segundo os quais diversas normas de direitos fundamentais podem ter incidência direta no âmbito de relações jurídicas entre particulares (BRANCO, 2011).

Muitos são os julgados sobre o tema no Judiciário brasileiro que enfatizam a eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares. A Su-prema Corte tem deixado claro seu posicionamento no sentido da necessidade da observância dos preceitos fundamentais, especialmente aqueles de natureza procedi-mental, como a ampla defesa e o contraditório, sobretudo nos casos em que o ente privado tem o poder de ingerência na vida profissional do associado15.

15. Como exemplos podem ser citados os recursos: Recurso Extraordinário n. 201819/RJ, – Recurso Extraordinário n. 158215/RS – Recurso Extraordinário n. 160222/RJ – Recurso Extraordinário n. 161243/DF – Informações obtidas no site http://www.stf.gov.br/, “jurisprudência”, “inteiro teor”, acessado em 04 de janeiro de 2012.

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Mostra-se, portanto, plenamente possível no ordenamento brasileiro a eficá-cia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, sem que venha a ser eliminado o princípio da autonomia da vontade. Havendo regulamenta-ção legislativa específica, desde que compatível com a Constituição e com os direitos fundamentais, deve prevalecer a aplicação da norma infraconstitucional, desde que não seja deficitária, lacunosa, insuficiente ou manifestamente inconstitucional, situa-ções em que deverão ser afastadas.

A Constituição não é um conjunto de normas agrupadas, mais que isso, é um sistema normativo fundado em determinados postulados que integram um núcleo irredutível. As normas constitucionais devem estar mutuamente coesas e imbricadas, e seu intérprete, aplicando-as a um caso concreto, jamais deverá considerá-las isola-damente, como se fossem autossuficientes. No Brasil, a Constituição apresenta três características importantes, as quais devem ser estendidas aos direitos fundamentais: o seu caráter analítico; seu pluralismo e seu caráter pragmático. Da leitura do docu-mento constitucional brasileiro vislumbram-se inúmeros direitos classificados como fundamentais, mas que, contudo, não esgotam outros tantos direitos existentes, de maneira esparsa, no próprio texto constitucional, nas leis infraconstitucionais e tam-bém nas normas decorrentes de tratados internacionais que se incorporam à nossa legislação em virtude de ser o Brasil seu signatário.

Diante da vasta gama de direitos elevados à categoria de fundamentais, não é raro acontecerem casos em que haja conflitos desses direitos entre si. Diante do caso concreto, imprescindível será a aplicação da ponderação ou balanceamento dos direitos conflitantes, levando-se em conta as características peculiares da situação. Deve-se primar pela ponderação de valores e busca de equilíbrio de modo que ne-nhuma das partes sacrifique por completo seus direitos (MARMELSTEIN, 2009).

A ponderação é um método hermenêutico que consiste no dever de argu-mentar com transparência, fornecendo e desenvolvendo ferramentas que possam instigar o sentimento de justiça coerente, em busca da prudência, equilíbrio e pro-porcionalidade a caminho dos valores constitucionais. A situação ideal na técnica da ponderação seria, no caso concreto, o jurista conseguir uma conciliação ou harmo-nização dos interesses em discussão, através do princípio da concordância prática. Caso isso não fosse possível, como segunda opção, agiria utilizando-se da pondera-ção propriamente dita.

É certo que a ponderação não pode ser considerada um modelo perfeito e acabado, isto por não oferecer nenhuma resposta completamente segura e ob-jetiva para os difíceis casos envolvendo os direitos fundamentais; contudo, sendo utilizada corretamente e com fidelidade à ética argumentativa, apresenta-se como a melhor solução interpretativa na função de maximizar a efetividade de um direito

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fundamental sem que haja prejuízo jurídico para outras pessoas, ratificando assim a necessidade de aplicar-se o princípio da concordância prática ou da harmoniza-ção (MARMELSTEIN, 2009). Sobre o explanado, acrescenta Robert Alexy (2011, p.15):” quanto mais alto é o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio, tanto mais alto deve ser a importância do cumprimento do outro”.

Celso Bastos (2010), sobre o tema harmonização, dispõe:

O postulado da harmonização impõe que a um princípio ou regra constitucional não se deva atribuir um significa-do tal que resulte ser contraditório com outros princípios ou regras pertencentes à Constituição. Também não se lhe deve atribuir um significado tal que reste incoerente com os demais princípios ou regras.

Segundo o princípio da máxima efetividade, ao intérprete caberá tentar fazer com que o direito fundamental alcance a sua realização plena. A existência da desarmonia é ex-plicada pela não aplicação de uma norma, o que deve ser evitado. O postulado ou princí-pio da harmonização, mais do que possibilitar a máxima efetividade, relaciona-se com o princípio da unidade, na medida em que as contradições não podem ser admitidas.

O princípio da unidade tem dois objetivos: primeiro, fazer com que intérpre-te, fiel ao preceito da supremacia da constituição na hierarquia da pirâmide jurídica, obrigatoriamente, considere a constituição em sua totalidade, como texto sistêmi-co; segundo, procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (CANOTILHO, 2007). Para se chegar a uma vontade unitária da constituição, necessário que o intérprete procure implicações recíprocas tanto de preceitos como de princípios como afirma Luís Roberto Barroso (2009).

Em decorrência do princípio da unidade, poderá a constituição prever deter-minada solução jurídica para certos casos e depois, contrariamente ao anteriormente proferido, utilizar-se de outro posicionamento para outra situação, sem que, neces-sariamente, esteja obrigada a replicar o norteamento anterior. Esta constatação pode ser explicada à luz da relação existente entre uma norma geral e outra específica, pois, se a Constituição, documento supremo de uma nação, é única, todas as normas por ela contempladas estão no mesmo patamar, ou seja, em igualdade de condições, e portanto, nenhuma delas terá o condão de se sobrepor à outra para lhe afastar o cumprimento, assim como entre os direitos fundamentais, do ponto de vista norma-tivo, não pode haver hierarquia (BASTOS, 2010; MARMELSTEIN, 2009).

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Ratificando o já anteriormente mencionado, é preciso reconhecer que haverá situações em que a conciliação dos interesses poderá não acontecer, uma vez que para a proteção de um direito, outro deverá ser preterido ou violado. Nesses casos, em que a harmonização se mostrar inviável, surgirá a necessidade do sopesamento/ponderação, uma atividade intelectual que escolherá, diante de valores conflitantes, qual direito de-verá prevalecer através de um balanceamento de valores, ou seja, a aceitação da exis-tência de uma hierarquia axiológica entre os valores constitucionais. Em alguns casos, a própria constituição estabelece, nitidamente, qual o direito que merece proteção16.

A Constituição brasileira de 1988 estabelece o Princípio da Separação dos Poderes em seu artigo 2º: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988). Ao estabelecer em seu artigo 5º, inciso XXXV que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, fortaleceu o Poder Judiciário perante os demais poderes, conferindo-lhe maior importância (BRASIL,1988).

Claro está que a obrigação de proteger os direitos fundamentais não está adstrita aos poderes Legislativo e Executivo, mas também, e sobretudo, ao Poder Ju-diciário que, atuando como corresponsável pelos demais, tem o compromisso cons-titucional de implementar materialmente o Estado Democrático de Direito, através da proteção e da efetivação dos direitos e garantias pela constituição formalmente consagrados, promovendo a transformação positiva da realidade social, no sentido de igualdade substancial. Assim, tem o judiciário a ampla e importante missão de orientar os demais poderes no cumprimento das disposições constitucionais, e na promoção de mudanças sociais.

Diante do exposto, caberá ao legislador ordinário, a princípio, representando as escolhas políticas, indicar qual valor constitucional é mais importante. Porém, a existência de uma margem discricionária pelo legislativo (denominada de liberdade de conformação), não impedirá de um controle de constitucionalidade por meio do poder judiciário que, só respeitará a decisão do legislativo se não ficar demonstra-da inconstitucionalidade patente (princípio da presunção de constitucionalidade das leis). Na carta magna brasileira foi conferido ao Poder Judiciário ampla função ju-risdicional, sendo vedado à lei excluir da sua apreciação lesão ou ameaça a direito. A legitimidade do Judiciário para examinar quaisquer violações a direitos dos cidadãos é regra expressa no texto constitucional e não deve encontrar nenhum óbice legal para realizar-se (SOUZA, 2006)

16. Um exemplo disso seria a proibição de prisão civil por dívida. Nesse caso, o legislador constituinte deixou claro a importância, nessa situação particular, que o direito de liberdade tem sobre o direito de propriedade. Inadimissível, portanto, prender alguém por dívidas, exceto em situações expressamente ressalvadas pelo texto constitucional (MARMELSTEIN, 2009)

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É preciso ter em mente que não se pode determinar, de forma abstrata, a existência de uma hierarquia axiológica entre os direitos fundamentais, pois, à exce-ção de situações extremas, é dificílimo estabelecer qual o direito fundamental mais importante. Cada caso concreto estabelecerá essa hierarquia.

Sob o prisma da ética dos direitos humanos, especial atenção deve ser dada à ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano, vendo no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. Ao longo da história as mais graves violações aos direitos humanos tiveram como fundamento a dicotomia do “eu versus o outro”, em que a diversidade era captada como elemento para aniquilar direitos e o “outro” era concebido como um ser menor em dignidade e direitos, ou, em situações limites, um ser esvaziado de qualquer dignidade, um ser descartável e supérfluo. Exemplos dessa concepção e práticas de intolerância tem-se como destaque as violações ocorridas pelo nazismo, pela escravidão, o racismo, a homofobia, o sexismo, a xenofobia e tantas outras. O fato é que as gerações de direitos findam por induzir entendimento errôneo de que a evolução sempre se dará no sentido da coletivização do exercício dos direitos, e isso não corresponde à realidade porque o espaço dos direitos de cunho individu-al não se extingue e, pelo contrário, continua a existir plenamente, a evoluir e até a ampliar-se (BRANDÃO, 2000).

Em conclusão, parece insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, ge-ral e abstrata, necessitando-se da especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto em sua peculiaridade e particularidade. Ratificou o entendimento o autor Bo-aventura (2000) quando acrescentou que temos o direito a ser iguais quando a nos-sa diferença nos inferioriza; porém, temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Faz-se necessário, portanto, a existência de uma igual-dade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não alimente, produza, ou reproduza as desigualdades.

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Constatou-se que os direitos fundamentais constituem uma construção integrada ao patrimônio comum da humanidade, ratificada pela trajetória gradativa de sua

consagração nos direitos internacional e constitucional. Praticamente não existem estados que não tenham aderido a alguns dos principais pactos internacionais sobre direitos humanos, ou mesmo que não tenha reconhecido, no bojo de suas constitui-ções, um núcleo de direitos fundamentais. Contudo, hoje, em plena era tecnológica e globalizada, distantes estamos de alcançar soluções para os problemas e desafios pelo tema suscitado, a despeito de todo progresso a que se chegou na esfera da po-sitivação e evolução do conteúdo dos direitos fundamentais, sua mutabilidade his-tórica. Temas relacionados às agressões ambientais, armas químicas, manipulações genéticas, riscos e fragilidades de segurança da informática, bem como o ainda não superado abismo entre pobres e ricos, fazem com que, refletir sobre a verdadeira operacionalização dos direitos fundamentais venha a ser um tema sempre atual. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em que pese os seus avanços desde a sua proclamação em 1948, ainda não representa uma realidade almejada para uma grande maioria dos serem humanos. Em consequência, estudar os problemas inerentes aos direitos fundamentais representa, por mais singelo que sejam os resul-tados obtidos, uma atitude concreta de superação.

Os direitos essenciais à pessoa humana nascem gradualmente, fruto das lutas contra o poder e a opressão, das lutas contra os desmandos estatais. Não nascem todos de uma vez, mas sim quando as condições lhes são propícias e quando, grada-tivamente, passa-se a reconhecer sua necessidade para assegurar a cada indivíduo e a sociedade uma existência digna. Nessa trajetória de evolução dos direitos fundamen-

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tais, identificam-se diversas feições e vertentes que se traduzem em uma construção histórica contínua, mutável, de avanços e de retrocessos, pois refletem um combate, mediante processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana (FERREIRA FILHO, 2000). Compreender o passado deste processo auxilia em me-lhor compreender o presente e a pensar no futuro (PIOVESAN, 2003 CASTILHO, 2013). Assim, embora os direitos humanos sejam inerentes à própria condição hu-mana, seu reconhecimento e sua proteção são frutos de um longo processo histórico de luta contra o poder e de busca de um sentido para a humanidade.

Desde o mundo antigo, a dignidade humana, enquanto valor, foi historica-mente construída por meio da religião e da filosofia que, por sua vez, vieram a in-fluenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de ser humano. Segundo esse pensamento, o fato do ser humano existir, já lhe garante a titularidade de alguns direitos naturais e inalienáveis, quais sejam, a dignidade humana, a liberda-de e a igualdade dos homens, valores encontrados tanto na filosofia clássica, especial-mente na greco-romana, como no pensamento judaico-cristão (PIOVESAN, 2013).

Após a Revolução Francesa ocorrida no século XVIII, foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits de l’Homme et du Ci-toyen17), votada em 02 de outubro de 1789, que definiu os direitos individuais e coletivos dos homens como universais, e consolidou os ideais de igualdade e liberda-de, servindo de base para o reconhecimento da dignidade humana (CANOTILHO, 1995). O documento marca a existência do Estado Liberal, e serviu de modelo às declarações constitucionais modernas e contemporâneas, com suas evoluções no tempo. Como documento culminante da Revolução Francesa, dos direitos descritos na declaração, convém destacar o art.1º: Os homens nascem e são livres e iguais em direitos (...). Vê-se que, logo no primeiro artigo da Declaração, a liberdade e a igualdade, que integram a noção da dignidade da pessoa humana estão descritas de maneira explícita, impondo o respeito ao próximo. O significado da “liberdade” está descrito no artigo 4º da declaração:

Art. 4º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos na-turais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser de-terminados pela lei.

17. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. USP. Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declaração-Universal-dos-Direitos-Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html. Acesso em 03/01/2014.

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Art. 5º A lei não proíbe senão as ações nocivas à socieda-de. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Segundo a declaração, busca-se a ratificação da igualdade de todos perante a lei e o respeito ao próximo, devendo a lei “ser a mesma para todos”:

Art. 6º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cida-dãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mes-ma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissí-veis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. 18

Por fim, a consagração do artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão enfatizou, realmente, a trajetória dos direitos fundamentais e, a partir de então, não existem, praticamente, constituições que não tenham dedicado espaço aos direitos ou liberdades fundamentais:

Art. 16 – Toda a sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determi-nada, não tem em absoluto constituição.

A internacionalização dos direitos humanos, no entanto, teve sua consagra-ção com a edição da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 10 de dezembro de 1948, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris (ALTAVILA, 2001).

Para Flávia Piovesan (2013), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ocorrida após a 2ª Guerra, veio reconstruir esses direitos e pode ser vista como sendo uma referência ética e jurídica para os povos, demonstrando a inserção da dignidade

18. h t tp ://www.d i r e i to shumanos.u sp.b r/ index .php/Documentos - an t e r io r e s -%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html. Acesso em 30.12.2013.

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da pessoa no universo racional e lógico do positivismo, pois explica a definição do valor da dignidade em relação à condição humana, como importante valor intrínseco. Para a autora, todo ser humano tem uma dignidade que lhe inerente que independe de qualquer outro critério, senão ser humano. Acrescenta que o valor da dignidade humana, incorporado pela Declaração Universal de 1948, passou a formar o norte e o lastro ético dos demais instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, posto que todos introjetaram, a dignidade humana como valor fundante.

Os direitos fundamentais estavam agora fixados em um contexto interna-cional, o que naturalmente, ensejou uma maior prevalência destes nos textos dos ordenamentos jurídicos internos em todo mundo. Os direitos fundamentais pas-saram a ser vistos sob outra ótica, uma ótica da necessidade, a isonomia passou a estar presente sempre ladeando os direitos fundamentais; sua previsão sempre buscando a limitação do poder estatal, para que pudesse prevalecer a liberdade indi-vidual. O caminho foi longo, iniciou-se de forma tímida até atingir o momento atual (MAGALHÃES, 2000).

As transformações do Direito Constitucional tiveram início na Europa, Ale-manha e Itália e, depois, progressivamente se projetaram em diversos outros or-denamentos jurídicos, inclusive no brasileiro. Ao processo, como já mencionado anteriormente, chama-se Neoconstitucionalismo, surgido como um conjunto das modificações do Estado e do Direito Constitucional, fruto de um processo evolu-tivo com base histórica, filosófica e teórica. Esta reconstitucionalização definiu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A proximidade das ideias de constitucionalismo e de democracia fez surgir uma nova forma de organização política, cuja denominação pode ser: Es-tado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático (BARROSO, 2012).

Pode-se afirmar que o marco filosófico do Direito Constitucional Contem-porâneo está associado ao Pós-Positivismo, identificado como um conjunto amplo e inacabado de reflexões sobre o Direito, sua função social e interpretação. Observa-se o retorno dos valores ao Direito, que não mais se satisfaz com uma legalidade estrita. Nesse momento, tem início a atribuição de normatividade aos princípios, a forma-ção de uma hermenêutica constitucional e a edificação de uma teoria dos direitos fundamentais, alicerçada na dignidade da pessoa humana.

Essa autêntica “revolução de ideias” também exerceu influência sobre a Constituição brasileira refletindo, em especial, a perspectiva de que o Estado consti-tucional também é espaço de síntese e de proclamação de esperanças que, historica-mente, foram esquecidas configurando assim um novo cenário que atingiu significa-tivamente o coração do Direito Civil.

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O Princípio da Dignidade da pessoa humana na Constituição Brasileira con-solidou-se como princípio constitucional, a exemplo de outras como a italiana, a portuguesa e a espanhola. Ao ser colocada a dignidade da pessoa humana como pilar de sustentação constitucional, torna-se clara a intenção de que, em torno dela é que devem gravitar os demais bens, posto que se tornou o centro do qual irradiam os direitos fundamentais (SILVA, 1998; BARCELLOS, 2002).

Na visão de Kant (1980) a indignidade ocorre com a coisificação do homem e talvez tenha sido esse o seu maior legado em relação à identificação da dignidade. O autor defende a autonomia do homem – sua liberdade de tomar decisões – desta-cando que o homem só pode ser tratado como objeto (meio), se assim aceitar, com seu aceite não estará afrontando sua dignidade, pois teve liberdade para decidir desta forma (FERNANDES, 2008). Não é possível compreender a autonomia dissociada do contexto social. Seu conceito ocupa posição relevante no contexto constitucional atual e a sua construção sofre a influência de diversas áreas do conhecimento. Na visão kantiana, somaram-se as concepções do utilitarismo, da bioética e do direito civil, resultando em uma noção de autonomia que corresponde à capacidade de au-todeterminação da pessoa vinculada à possibilidade de livre decisão e conformação com o ordenamento jurídico.

A baliza de uma concepção da justiça capaz de promover um direito legíti-mo, ancorado na dignidade humana, é o que de mais precioso temos nas gerações de direito atual, saindo de um sistema fechado para um sistema móvel, cíclico que, segundo Sarlet (2012):

[...] na sua essência, todas as demandas na esfera dos di-reitos fundamentais gravitam direta ou indiretamente em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberda-de, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo em sua base o princípio maior da dignidade da pessoa humana. (SARLET, 2012 p. 50).

[...] a história dos direitos fundamentais, de certa forma (e, em parte, poderíamos acrescentar), também está relacio-nada à história da limitação do poder (SARLET, 2012, p. 36).

A cultura jurídica de uma sociedade expressa o fenômeno histórico que cada época reproduz, vinculada a uma prática jurídica intimamente conectada com as re-lações sociais e às necessidades humanas, e, embora a autonomia tenha ocupado um espaço de suma importância nas discussões filosóficas e religiosas, centralizando a

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questão sempre em torno da liberdade de decisão humana e das normas, atualmente o que se põe em evidência é uma autonomia voltada para o sentido ético quanto ao respeito à pessoa humana, ou seja, respeito às situações concretas, justiça social e au-tonomia individual. No novo constitucionalismo, a afirmação histórica da dignidade da pessoa humana como dimensão de direitos faz-se mister na busca pela efetividade dos direitos sociais19.

Nas últimas décadas, o impacto da aglutinação de problemas essenciais, como a globalização, a explosão demográfica, a economia, a degradação ambiental e as transformações nas condições de vida e de morte têm, continuamente, alterado a teoria e a prática do direito moderno. Em consequência, o clássico modelo jurídi-co-liberal-individualista tem sido pouco eficaz para recepcionar e instrumentalizar as novas demandas sociais, portadoras de direitos “inovadores” referentes a dimensões individuais, coletivas, metas individuais, bioéticas e virtuais. Tal situação faz com que haja um esforço, por parte dos operadores do direito, no sentido de propor novos instrumentos jurídicos mais flexíveis, mais ágeis e mais abrangentes, capazes de regu-lar situações complexas e fenômenos novos. Na maioria das democracias existe uma clara tendência na proteção da autonomia e privacidade das pessoas, incorporando o respeito aos chamados direitos personalíssimos, cujo fundamento básico radica na dignidade humana, e se expressa tanto no campo dos direitos humanos como da bioética (HOOF, 2008).

Interessante comentário foi expresso pela bióloga pesquisadora de bioética norte-americana Ruth Macklin (2003) em artigo publicado em dezembro de 2003 no British Medical Journal, comentando sobre a expressão “dignidade humana” na bioética. Para ela, o termo é, frequentemente, empregado com um significado muito genérico, muitas vezes vago, que pode ter como consequência seu uso exagerado. Defendendo essa ideia, classificou a dignidade humana como um “conceito inútil e supérfluo” na ética médica. Sua declaração causou uma polêmica generalizada, po-rém, para a autora, o termo não significaria outra coisa senão:

“que aquilo já contido no princípio ético do respeito às pessoas: a exigência do consentimento informado, a proteção à confi-dencialidade dos pacientes e a necessidade de se evitar descri-minações e práticas abusivas” (Macklin, 2003, p.1419).

Em outras palavras, para Ruth Macklin (2003), o respeito à dignidade das pessoas se traduziria no respeito a sua própria autonomia, daí porque conclui que a

19. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros,2009.

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noção de dignidade poderia ser simplesmente abandonada sem nenhuma perda, pois já estaria contido no princípio ético de respeito pelas pessoas, ou seja, na exigência de consentimento informado, na proteção do sigilo do paciente e na necessidade de serem evitadas discriminações e práticas desleais contra estes pacientes.

É imprescindível relacionar o conceito de dignidade ao de autonomia, es-pecialmente para a bioética e o biodireito, embora a essência do termo dignidade humana não possa se reduzir à autonomia da pessoa, vez que, embora seja verdadei-ro que a proteção da autonomia das pessoas é parte das exigências do princípio do respeito pela dignidade humana, essas duas noções não se sobrepõem, pois, se assim fosse, pessoas que ainda não tivessem autonomia, ou a tivesse perdido, como por exemplo, os recém-nascidos ou as pessaos acometidas de distúrbios mentais graves, ou em coma profunda, não possuiriam qualquer dignidade, o que não condiz com a verdade. Em verdade, pode-se afirmar que é a dignidade humana que estabelece o marco no qual as decisões autônomas são legitimadas.

Para a filosofia, o conceito de autonomia aparece frequentemente associado ao conceito de liberdade, autodeterminação e à capacidade do indivíduo, enquanto homem livre, em tomar decisões que possam afetar sua vida em suas dimensões sociais, físicas ou psíquicas. Em termos semânticos, a palavra deriva do grego autos (próprio) e nomos (lei, norma, regra ou governo) e foi utilizado inicialmente em refe-rência ao autogoverno nas cidades-estado gregas. Só depois o termo passou a abran-ger o aspecto individual, assumindo múltiplos sentidos e aplicações, não se caracte-rizando, contudo, como um conceito único. Sua conceituação moderna surge com a escola filosófica do alemão Immanuel Kant, para quem o homem age por dever, de acordo com sua lei moral interna. Kant entende como autonomia a capacidade do ser humano em optar pelas normas e valores que ele entende como válidas, sem intervenção heterônoma. Da leitura de sua obra, pode-se dizer que Kant interiorizou o conceito de liberdade desenvolvido por Rousseau, mas foi mais além, transfor-mando-o em autonomia da vontade. Em seu legado como pensador e fundador da filosofia crítica, convida os homens a pensar com liberdade e a agir com autonomia, uma vez que, para ele, o princípio da autonomia é: “escolher sempre de modo tal que as máximas de nossa escolha estejam compreendidas, ao mesmo tempo, como leis universais, no ato de querer” (KANT,1980, p.104). A partir disso é possível afirmar que a autonomia seja o princípio da dignidade da natureza humana, enquanto ser racional e, a liberdade é a chave da autonomia da vontade. Para Kant, portanto, o homem só é livre porque pode respeitar a vontade que tem de agir segundo sua lei moral interna, sua razão (KANT, 1980). Importante ressaltar também o pensamento do filósofo inglês John Locke acerca da autonomia. Para ele, cada homem possui a propriedade de sua própria pessoa. Ninguém, fora dele, tem direito algum sobre ela.

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Entre os direitos com os quais o homem nasce, está, em primeiro lugar, o direito de liberdade da própria pessoa e nenhum outro homem tem autoridade sobre ela, por-que em cada homem reside a livre disposição da mesma (CASTILLO, 2003).

O Relatório de Belmont foi o instrumento resultante de uma Comissão Na-cional para a proteção dos seres humanos da pesquisa biomédica e comportamental (National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research) Criado em 1974 para apurar escândalos de cunho éticos e iden-tificar os princípios éticos básicos que deveriam nortear a experimentação em seres humanos nas ciências do comportamento e na biomedicina (BARCHIFONTAINE & PESSINI, 2002). O relatório demorou quatro anos para ser publicado e identifi-cou três principais princípios norteadores da bioética: autonomia, beneficência e jus-tiça, mais comumente conhecidos como o ‘tripé’ da bioética ou “trindade bioética”.

O princípio da autonomia, ou respeito à pessoa, incorpora pelo menos dois enfoques básicos, o primeiro é que as pessoas devem ser tratadas com autonomia e o outro, refere-se às pessoas cuja autonomia está reduzida e que, portanto, devem ser protegidas. De acordo com o relatório, pessoa autônoma é o indivíduo capaz de deliberar e agir sob orientação dessa deliberação, ou seja, a autonomia é a capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem coação externa. Esse entendimento da comissão não coaduna com o pensamento Kantiano do homem como ser auto legis-lador, e sim com outro mais empírico, segundo o qual uma ação se torna autônoma a partir do momento em que o indivíduo toma uma decisão consciente, após ter sido informado das consequências.

A ideia clássica de beneficência como “caridade” é totalmente rejeitada pelo relatório e a considera como obrigação e, em decorrência desta conceituação formu-la, como expressões complementares dos atos da beneficência, o fato de não causar dano, maximizar os benefícios e minimizar os possíveis riscos (BARCHIFONTAI-NE, 1991). Seguindo a ideia do Relatório Belmont, a publicação do livro Principles of Biomedical Ethics, em 1979, de autoria do filósofo Tom Beauchamp e do teólogo James Childress significou um grande avanço no estabelecimento do princípio do respeito à autonomia, bem como dos demais princípios bioéticos (DINIZ, 2011). O livro tornou-se a teoria dominante por duas décadas. Nele restaram instituídos os quatro princípios básicos, não absolutos no fundamento do agir moral na ética bio-médica, Autonomia, Beneficência, Não-maleficência e Justiça. No cenário social, a autonomia seria a maneira como a pessoa se impõe como pessoa e cidadão, de acor-do com suas convicções e escolhas no que tange a sua vida e corpo, não afetando negativamente outras pessoas na sociedade em que ele está inserido. E o respeito a esta autonomia seria identificado pela forma como a sociedade democrática propicia espaço para essa liberdade de opção.

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Convém ressaltar que anterior ao relatório, a ideia de respeito à autonomia do indivíduo vinha sendo disseminada antes, especialmente no entender do indiví-duo como sujeito de pesquisa e como paciente, como, por exemplo, no Código de Nuremberg, documento elaborado em 1947 que se tornou um marco histórico no estabelecimento de diretrizes sobre os aspectos éticos envolvendo a pesquisa em se-res humanos. Em seu artigo 1º, é afirmada a essencialidade do consentimento volun-tário do ser humano, mais recentemente contemplado no artigo 101 do novo Código de Ética Médica20, que veda ao médico deixar de obter o termo de consentimento do paciente ou de seu representante legal quando se tratar da realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sua natureza e consequên-cias. O artigo 22 do referido código também contempla situação de consentimento relacionado a procedimentos a serem adotados ao enfermo21.

Em abril de 1997, fruto da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina22, realizada na Espanha e assinada por 21 países membros do Conse-lho da Europa, o consentimento informado passa a valer para qualquer intervenção biomédica humana, exceto intervenções de emergência, estabelecendo-se como um direito humano. Tal diretiva passou a vigorar em 1º de dezembro de 1999 e marcou grande avanço nos assuntos relacionados à autonomia do paciente registrando uma notável evolução na esfera da bioética e da ética médica, consistindo na “superação do paternalismo clínico”, já anteriormente mencionado, pelo princípio da autono-mia do paciente. Diz o artigo 9º da Convenção:

Artigo 9.º

Vontade anteriormente manifestada

A vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica por um paciente que, no momento da intervenção, não se encontre em condições de expressar a sua vontade, será tomada em conta.

20. Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.

Parágrafo único. No caso do sujeito de pesquisa ser menor de idade, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão. Código de Ética Médica. Disponível em: http://www.cremers.org.br/pdf/codigodeetica/codigo_etica.pdf. Acesso em 22.11.2014.

21. Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Idem.

22. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro/principaisinstrumentos/16.htm. Acesso em 22.11.2014

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Nos termos da Convenção, o princípio médico que visa prioritariamente à saúde e à vida do paciente, também conhecido como princípio da beneficência, foi questiona-do. É preciso se ter em conta que, na relação médico-paciente, são complementares os princípios de beneficência e de respeito à autonomia do paciente, e, as tomadas de decisão hão de ser, sempre, resultado da consideração de ambos, o que nem sempre constitui uma tarefa fácil, especialmente nas situações de final de vida, e com auto-nomia reduzida. Nesses casos, a valoração do consentimento tem sido defendida nas discussões atuais por meio de instrumentos jurídicos que registrem a expressão de sua vontade a prevalecer em situações futuras, exatamente como é o caso da decla-ração prévia de vontade do paciente. Falar hoje de Direitos Humanos sem falar da proteção devida ao ser humano face aos avanços da biomedicina e sem colocar, à mesma mesa de discussão, grupos de indivíduos de formação pluridisciplinar, dimi-nui em muito o seu significado.

A concepção dos Direitos Fundamentais no Brasil, após a Constituição/88, passou a gozar de uma possibilidade de aplicação e valoração inéditas. Contudo, expressamente, não contemplou a hipótese da vinculação dos particulares aos pre-ceitos de direitos e garantias fundamentais, como se observa, por exemplo, em países como na Espanha e Portugal. Tal observação leva a uma reflexão sobre a importân-cia que deve ser dada a essa vinculação.

Parece incompreensível que uma sociedade e uma ordem jurídica em que respeite a dignidade e a autonomia das pessoas contemple o estabelecimento deste relacionamento apenas nas relações com o Estado, preterindo-se sua aplicação nas relações particulares, desconhecendo que os direitos fundamentais a elas também se vinculam. Em consequência, por representar importante elo de harmonização para o ordenamento jurídico brasileiro, o tema vem ganhando espaço e reconhecimento doutrinário e jurisprudencial, pois, necessário se faz reflexionar sobre a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas e sua estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.

O direito à vida digna se inclui na dimensão da ética do humano como valor basilar da dignidade humana. Para o direito brasileiro, em consonância com os prin-cípios democráticos da atualidade, o direito à vida, constitucionalmente contempla-do, deve ser compreendido dentro de uma visão global que dele se faça, posto que é pressuposto indispensável para aquisição e o exercício de todos os demais direitos, incluindo na sua interpretação, incondicionalmente, a dignidade humana, elevando-o à categoria de princípio fundamental da República Federativa do Brasil, assim como o direito à liberdade, que dela se origina.

Sob essa análise, ninguém pode ser desprovido da própria vida contra sua vontade, contudo, não existe um dever absoluto e incondicionado de viver

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(KUBLER-ROSS, 2008). A ideia de dignidade humana que acompanha a pessoa durante toda sua vida pode ser determinante também na hora da sua morte. Assim como há o direito a uma vida digna, deve existir o direito a uma morte digna. O direi-to à morte encontra-se posicionado no outro lado da discussão sobre a vida, uma vez que o direito à vida não é um direito absoluto, porquanto a própria lei admite exce-ções à sua tutela. O direito a uma morte digna, bem como as decisões e escolhas no final da vida, sobretudo quando a pessoa esteja em estado terminal ou em situação irreversível de grande sofrimento, é um tema que precisa ser debatido e respeitado (BARROSO; MARTEL, 2012).

Sabe-se que os direitos fundamentais não são absolutos e que encontram seus limites em outros direitos fundamentais também constitucionalmente consa-grados. Diante de tal constatação, caberá ao aplicador das normas constitucionais, ao deparar-se com situações conflitantes entre bens constitucionalmente protegidos, adotar a solução que possa viabilizar a realização de todos eles e, concomitantemen-te, não implique na negação de nenhum. Através do critério de ponderação23, ao vincular as entidades privadas à observância dos direitos fundamentais, significará ratificar que, perante o Estado, os efeitos jurídicos deles advindos deixam de ser apenas efeitos verticais e se transformam em efeitos horizontais perante entidades privadas, aplicando-se o direito fundamental mais potencialmente valorativo.

Um dos maiores desafios da bioética está relacionado ao “morrer com digni-dade” e respeitar a vontade daquele que se encontra já sem qualidade de vida e “nas mãos” de seus familiares e/ou cuidadores. Não se pode compreender o que a morte significa para as pessoas se o termo não remeter ao significado de vida, e falar de vida remete à autonomia, à aptidão para manifestar a vontade. O fenômeno da medicali-zação da vida pode transformar a morte em um processo longo e sofrido (PESSOA,

23. O critério de ponderação tem-se mostrado indispensável, a exemplo da decisão proferida pelo TRF4 no agravo AG 41166 PR 2009.04.00.041166-0, em 31/08/2010tendo como relatora a desembargadora federal Dra. MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA.

Ementa: DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. COLISÃO DE DIREITOS. CRITÉRIOS PARA PONDERAÇÃO. ANÁLISE DE CASO CONCRETO.

1. O direito fundamental à saúde encontra-se garantido na Constituição, descabendo as alegações de mera norma programática, de forma a não lhe dar eficácia.

2. Na interpretação constitucional há de se ter em conta a unidade da Constituição, a máxima efetividade dos direitos fundamentais e a concordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros.

(TRF-4 , Relator: MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Data de Julgamento: 31/08/2010, TERCEIRA TURMA). Disponível em: http://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17516563/agravo-de-instrumento-ag-41166-pr-20090400041166-0-trf4/inteiro-teor-17516564. Acesso em 01.08.2014.

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2013). No presente trabalho, a morte com intervenção, não se resume a um debate acerca da permissão ou proibição da eutanásia e do suicídio assistido. O refinamento da discussão permitiu buscar um consenso em torno de alternativas moralmente menos complexas, antes de se avançar para o espaço das escolhas excludentes. A preocupação foi investigar possibilidades, compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro, capazes de tornar o processo de morrer mais humano. A preocupação do ordenamento jurídico com a pessoa em estado terminal da vida, por muito tempo, limitou-se a elaboração de regras que garantissem a realização de um negócio jurí-dico unilateral e solene: o testamento patrimonial. Contudo, a terminalidade da vida precisa ser encarada sob outro viés: o da dignidade humana (DADALTO, 2013).

Atualmente, apesar do desenvolvimento tecnológico e científico, o homem ainda continua sem desvendar o processo de morte e morrer. A sociedade em geral não está preparada para a morte. A visão relacionada ao ato de morrer tem se mo-dificado com o decorrer do processo de transformação das sociedades e está direta-mente ligada ao estágio de desenvolvimento de uma sociedade, assim como atrelada a sua especificidade, valores e ritos (SILVA et al, 2013). O tempo em que vivemos é caracterizado por uma cultura que não problematiza a morte, e, como consequ-ências, surgem as dificuldades em lidar com ela. Os profissionais de saúde não são formados, desde a academia, para lidar com os fenômenos das doenças terminais e da morte, embora com ela estejam obrigados a conviver. O impacto da morte, para esses profissionais, ainda representa o insucesso de todos os esforços e investimen-tos feitos pela equipe.

O paciente em situação de final de vida é identificado como aquela pessoa portadora de uma doença em estágio avançado, que inexoravelmente evoluirá para o óbito, independente dos esforços empregados, os quais, em sua maioria, causam grande sofrimento e não apresentam possibilidades terapêuticas de sobrevida ou cura (KOVÁCS,1992). Os cuidados prestados a estes doentes deixam de ser curati-vos e passam a ser paliativos, uma vez que, por se encontrar fora das possibilidades terapêuticas atuais, o objetivo principal do cuidado não é mais preservar a vida, mas torná-la o mais confortável e digna possível. Pode acontecer que o próprio paciente não deseje prolongar sua vida e o tenha manifestado através de um documento es-pecíficos, aqui denominado de DAV – Diretivas antecipadas de vontade. Neste caso, seria temerário se falar em um direito à própria morte decorrente do direito à vida, já que se está diante de uma verdadeira inversão do sentido do preceito constitucional? No exercício de sua liberdade e exercendo a autonomia constitucionalmente garan-tida, as DAV ou, como mais comumente chamada, Testamento Vital, surgem como instrumento viabilizador do reconhecimento, pela classe médica, da autonomia de um paciente em estado terminal.

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Sob uma visão simplista, poderia parecer que o direito à vida tornou-se dis-ponível, embora essa afirmação deva ser admitida com reservas, não possibilitando a intervenção ativa de terceiros, o que implicaria verdadeira renúncia às garantias de respeito e proteção contra o Estado e demais pessoas. A questão é se entender a vida humana como objeto de tutela constitucional enquanto vida digna, daí porque a bioética necessita ocupar-se de questões éticas atinentes ao começo e ao fim da vida humana e não pode ser separada da experiência efetiva dos valores ligados à “vida”, “dignidade humana” e “autonomia”, que são inestimáveis.

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Fazendo-se um retrocesso no tempo e um estudo mais apurado de culturas e po-vos antigos, tem-se a impressão de que o homem sempre abominou a morte e,

provavelmente, nunca a aceitará. As epidemias dizimaram muitas vidas em gerações passadas. Por outro lado descobertas como a da vacinação em massa praticamente erradicou muitas doenças, principalmente nos Estados Unidos e Europa Ocidental. A quimioterapia, o uso de antibióticos também contribuiu para a redução do número de moléstias de cunho infeccioso, associada à educação e uma puericultura melhor que ocasionaram um baixo índice de doença e mortalidade infantil. Por outro lado, cresce o número de anciãos, e, com isso, diretamente associada à velhice, surgem as vítimas de tumores e doenças crônicas.

A morte constitui ainda um acontecimento medonho e pavoroso, ainda que vivenciada diferentemente por alguns povos. É muito frequente ouvir-se nas unida-des de terapia intensiva – UTIs e corredores dos hospitais, pacientes que verbalizam não temer a morte em si mesma, mas sim o processo do morrer e a dor e o sofri-mento que, invariavelmente lhe são inerentes. O cuidado da dor e do sofrimento é a chave para o resgate da dignidade do ser humano neste contexto crítico, e, desde tempos imemoriais, é um dos objetivos da Medicina. A problemática da dor e do sofrimento não é simplesmente uma questão técnica; vislumbra-se uma das questões éticas contemporâneas de grande importância e que precisa ser vista e enfrentada em todas as suas dimensões (KÜBLER-ROSS, 2012; MÖLLER, 2006).

As nações evoluem, e, ao longo dos últimos anos assistiu-se a alterações pro-fundas relacionadas à medicina e à sociedade, com reflexos na relação médico-pa-ciente. No Renascimento aproximadamente entre os séculos XV e XVI (anos 1400

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e 1500), das profissões relacionadas à saúde, havia apenas a Medicina e a Farmácia. A Medicina surgiu como sacerdócio. Desde a Grécia antiga, acreditava-se no poder da cura dos médicos delegado pelos deuses. Eram tratados como “quase deuses” numa sociedade em que as relações sociais eram rigidamente estabelecidas entre a classe dominante e as demais pessoas, representadas pelos escravos e os estrangei-ros. Só muitos séculos depois, criado por Descartes, surge o método científico, com sólida base racional, fazendo com que a concepção de deuses fosse deixada de lado e passasse a divinizar a própria ciência médica (BENTO, 2011). O Método Científico surgiu como uma tentativa de organizar o pensamento para se chegar ao meio mais adequado de conhecer e controlar a natureza. A despeito disso, o profissional da medicina sempre esteve envolvido em uma atmosfera diferente, cercada de mitos, anseios e insatisfações.

Cada época tem como parâmetro uma forma de morrer que lhe parece ser a mais desejada. No século XX, é a morte sem dor, rápida e, de preferência, durante o sono, a que prevalece nas opiniões sobre o tema. A morte temida é aquela demorada, com dor e intenso sofrimento.

Não se está preparado para morrer, e nem para lidar com a morte, antes, prefere-se evitá-la como se, desse modo, a proteção se estabelecesse e dela se pudes-se escapar, ainda que pela omissão. Durante muitos anos, o conhecimento médico considerou a morte como uma ocorrência súbita, imprevisível, caracterizada pela interrupção total das atividades vitais (KOVÁCS; ESSLINGER, 2008; OLIVEI-RA; OSELKA, 2008). Hoje, é possível se pensar em morte com dignidade e com qualidade. Os cuidados paliativos, procedimento recentemente incluído como um de 25 princípios fundamentais do novo Código de Ética Médica, é voltado para o controle dos sintomas que incomodam o paciente, quer sejam eles de natureza físi-ca, emocional, social ou mesmo espiritual. A assistência também pode ser estendida aos familiares e cuidadores do paciente. O tempo não conta para a realização dos procedimentos, podendo o tratamento durar dias, semanas, meses ou anos. O que interessa é o quanto de desconforto for retirado da pessoa e de como foi melhorada a sua qualidade de vida (OLIVEIRA, 2008). Sendo a vida um dos direitos constitu-cionalmente assegurados, o desenvolvimento de novas técnicas e tratamento que po-dem prolongar a vida, são aplicados nos pacientes, muitas vezes sem a preocupação com o ser humano, o sujeito de direitos, mas, tão somente na obstinação terapêutica. Nem sempre o médico está preparado para enfrentar a situação.

A busca pelo prolongamento e manutenção da vida ao longo dos tempos, foi se configurando como esforços de distanciamento e negação da morte, por vezes, através de tratamentos obstinados e fúteis. A ameaça da técnica sobre a humanidade

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gerou uma ética para a biotecnologia para que a dignidade da pessoa humana pudes-se se desenvolver diante dos fenômenos da vida e da morte, em contraposição aos abusos do biopoder (DINIZ, 2011).

A ampliação da quantidade de vida passou a ocupar lugar privilegiado na assistência. Não fazer a distinção entre dor e sofrimento permite continuar agressi-vamente a prescrever tratamentos médicos fúteis, na crença de que enquanto pro-tegem os pacientes da dor física também os protegem de todos os outros aspectos. Porém, muitas vezes, a continuação de tais cuidados pode simplesmente impor mais sofrimentos para o paciente terminal. Leo Pessini (2001) conceitua tal prática como distanásia, o uso de todos os recursos disponíveis da medicina atual para prolongar a vida, muitas vezes, em detrimento de sua qualidade. O paciente continua sendo submetido a um intenso e penoso processo de dor e sofrimento. Daí a importância de pensar-se no respeito à autonomia da vontade do paciente em situações de recusa a tais tratamentos como fundamento para a dignidade humana, fazendo com que, através de uma diretiva antecipada de vontade, objeto central do presente trabalho, possa prescindir da intervenção do estado, da opinião de familiares ou amigos.

Oportuno também se faz mencionar, retornando aos cuidados paliativos como opção para os pacientes em estado de vida terminal, também denominado de ortotanásia, que, para os que trabalham com essa perspectiva, quando a morte bate a porta, viver dignamente é o que mais se deve e pode ser oferecido ao paciente gravemente enfermo. Nesta situação os cuidados paliativos surgem como oferta de qualidade de vida, contrapondo-se à quantidade que já não é mais o aspecto prepon-derante na assistência à saúde (BERTACHINI, PESSINI, 2011). Sendo acolhido em sua totalidade, o sujeito em cuidados paliativos deve ser compreendido como alguém que embora acometido por uma doença que invariavelmente o conduzirá à morte, possui vida até o último instante em que suas atividades vitais permitirem e, portan-to, até que esse momento derradeiro aconteça, é merecedor de cuidado e atenção.

Não se pode compreender o que a morte significa para as pessoas se o termo não remeter ao significado de vida. Falar de vida remete à autonomia, à aptidão para manifestar a vontade. Um dos maiores desafios da bioética está relacionado a respei-tar a vontade daquele que se encontra em situação de vida terminal, já sem qualidade de vida e “nas mãos” de seus familiares e/ou cuidadores.

A preocupação do ordenamento jurídico com a pessoa em estado terminal da vida, por muito tempo, limitou-se a elaboração de regras que garantissem a rea-lização de um negócio jurídico unilateral e solene, na sua maioria de conteúdo pa-trimonial: o testamento. Contudo, a terminalidade da vida precisa ser encarada sob outro viés: o da dignidade humana (DADALTO, 2013).

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Sob a pretensão do exercício de liberdade e autonomia constitucionalmente garantidas, as diretivas antecipadas de vontade surgem como instrumento viabiliza-dor do reconhecimento, pela classe médica, da autonomia de um paciente em estado terminal para decidir sobre seu fim.

O direito à autodeterminação enquadra-se num contexto onde os médicos e os doentes se encontram frequentemente como “estranhos morais”, coexistindo distintas visões do bem comum. Em uma sociedade plural, os cidadãos são mais exigentes e críticos e tendem a não aceitar imposições coercivas de nenhuma orto-doxia de pensamento. Os conceitos e a fundamentação da ética e da moral, não estão isentos de controvérsias. Talvez seja essa a razão da necessidade da obtenção de um consenso universal sobre princípios éticos que a todos deve nortear. A elaboração, pelo Conselho da Europa, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina (1997); e, pela UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (2005) são exemplos da pretensão de fornecer uma resposta à necessidade de se encontrar um mínimo ético dentro de uma escala global, e assim, proteger, de forma efetiva, os direitos dos uten-tes, especialmente o direito à autodeterminação (NUNES, 2012).

As diretivas antecipadas de vontade, também denominadas de Testamentos Vitais tiveram sua origem nos EEUU, na década de 60, época em que se privilegiou uma situação de individualismo exacerbado, e, em consequência, a autonomia do indivíduo foi sobrelevada diante de quaisquer outros direitos. São manifestações de vontade sobre a recusa ou aceitação de cuidados, tratamentos e procedimentos de saúde. Convém ressaltar que o conceito está exclusivamente relacionado às mani-festações de vontade sobre procedimentos de saúde, e não deve ser confundido com outros documentos jurídicos, ligados à vontade patrimonial, vontade de casar ou não casar, ter ou não ter filhos, etc. Muitas dúvidas pairam sobre o tema e, em países como o Brasil, a falta de legislação e jurisprudência contribui para tornar a situação menos clara, desfavorecendo a aceitação por parte da sociedade civil e comunidade médica.

Embora no Brasil frequentemente os conceitos dos termos “testamento vi-tal” e “diretivas antecipadas de vontade” sejam associados como um único instituto, convém fazer a distinção. Na visão de Luciana Dadalto (2013), uma das poucas estudiosas sobre o tema no Brasil, os termos não são sinônimos. Na realidade, as diretivas antecipadas de vontade representam um termo geral que contém instru-ções acerca dos futuros cuidados médicos a que uma pessoa que esteja incapaz de expressar a sua vontade seja submetida. É gênero e compreende duas espécies: o mandato duradouro e o Testamento Vital. Mandato Duradouro é o documento que

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contém a nomeação de alguém como procurador para que, em caso de incapacidade, definitiva ou temporária do outorgante, sejam consultados pelos médicos sobre as decisões a serem tomadas em relação a que tratamento médico a que o paciente será submetido ou a sua recusa, tendo como base a vontade de quem o proferiu. O ins-tituto surgiu na Califórnia/EUA (denominado power of attorney), e foi legalizado no âmbito federal pela PSDA (Patient Self-Determination Act) (DADALTO, 2013; LIPPMANN, 2013; NUNES, 2013).

O amadurecer da modernidade colocou o homem no centro das proble-máticas existenciais e introduziu o conceito de autonomia como foco das especu-lações teóricas. Inegável a importância que possuem as descobertas científicas para os últimos anos, contudo, os avanços acadêmicos e tecnológicos, especialmente nos campos da Medicina e da Biologia, têm colocado a humanidade frente a situações decisórias paradoxais, especialmente quando relacionadas a situações de final de vida. Corre-se o risco de, paralelamente a esse conjunto de progressos, valores como a ética e a dignidade humana venham a ser desprezados e façam surgir questiona-mentos a eles relacionados, bem como ao exercício da autonomia da vontade (BEU-CHAMP e CHILDRESS, 2002; SÁ; MOUREIRA, 2012).

Aclamada como a constituição cidadã, a Constituição da República Federati-va do Brasil (BRASIL, 1988) se destaca por centralizar o indivíduo em suas determi-nações, voltando-se para a proteção das liberdades individuais e, consequentemente, para as diversas con cepções individuais de vida digna. O documento constitucional representa um marco no tratamento da autonomia privada, pois, faz coexistirem juntas normas públicas e privadas, com a garantia de direitos individuais como o direito à liberdade, direitos sociais e o direito à saúde. Seu texto inovador trouxa nova significação na relação entre o indivíduo e o Estado e passou a ocupar uma nova posição no “centro das relações de direito privado”, antes ocupado apenas pelo Código Civil, consolidando uma consciência de unidade do sistema jurídico vigente e o respeito à hierarquia das fontes normativas (SARMENTO, 2004; MO-RAES, 2008; TEPEDINO, 2008; BARROSO, 2009). Os objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicação da pobreza colocaram a pessoa humana, mais precisamente os valores existenciais, no topo da ordem jurídica, a ela se subssumindo todos os ramos do Direito. Pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 interferiu e alterou sobremaneira o direito priva-do, ao eleger a dignidade da pessoa humana e o pleno exercício da cidadania como fundamentos da nova ordem jurídica e social. Em consequência, promoveu uma profunda alteração nos valores jurídicos, obrigando assim a revisão dos conceitos e finalidades dos vários institutos jurídicos.

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A própria doutrina passou a reconhecer a incidência dos princípios cons-titucionais nas relações de direito privado e, de acordo com essa nova ordem de valores, os chamados existenciais passaram a prevalecer sobre os patrimoniais e, em consequência, percebeu-se a necessidade de se repensar o próprio conceito de “su-jeito de direito”, de modo a colocar a pessoa humana como ser coletivo no centro de interesses. Essa interferência vem sendo denominada constitucionalização do direito civil (NERY, 2008; GAMA, 2008).

Embora a constituição brasileira esteja há mais de 25 anos em vigor, e tenha eleito como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, em seu artigo 1º, inciso III (BRASIL, 1988), muito ainda há que ser percorrido para que o status de “cidadã” possa ser, efetivamente, reconhe-cido e categorizado para o texto constitucional, a exemplo das questões no campo da bioética e seus conceitos, sua aplicabilidade e a necessidade de integrá-la cada vez mais à saúde pública. São inovadoras discussões afetas aos direitos do paciente ter-minal, ao prolongamento artificial da vida humana, aos medicamen tos inibidores da dor, enfim, às decisões válidas e juridicamente aceitáveis nesta fase de final de vida, todas fruto da rapidez com que a ciência médica se modificou, e, inexoravelmente, provocou mudanças no âmbito jurídico gerando discussões, cada vez mais detalha-das, acerca de supostos direitos do paciente (BENTO, 2011).

É neste contexto jurídico-social que surge a Declaração Antecipada de Von-tade (DAV) do paciente em situações de final de vida, comumente conhecida no Brasil como Testamento Vital, já anteriormente descrita.

Necessário que se esclareça que as diretivas antecipadas, como gênero, não se referem exclusivamente a situações de terminalidade, mas a todos os estágios clí-nicos que coloquem o paciente em situação de fim de vida, como a doença terminal, o estado vegetativo persistente, e todas as doenças crônicas, especialmente a demên-cia avançada (DADALTO, 2013). No presente trabalho, se refere às situações em que o paciente se encontre na condição de final de vida em todas as suas variações e não exclusivamente ao chamado paciente terminal, aquele que, embora a ciência médica não tenha lhe encontrado um conceito único, sua definição está relacionada à impossibilidade de cura, aliada à iminência de morte; pacientes que estejam em situação irreversível e que apresentem alta probabilidade de vir a óbito, em um cur-to espaço de tempo, independentemente de receberem tratamento médico ou não (KNOBEL; SILVA, 2004; KOVÁCS, 1998).

É fato que a medicina não pode afastar a morte indefinidamente que afinal acaba chegando e vencendo. Quando os procedimentos da terapia médica não con-seguem mais atingir os objetivos de preser var a saúde ou aliviar o sofrimento, tratar o enfermo para uma cura que não se concretizará, pode torna-se uma futilidade ou

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um peso e, mais do que prolongar a vida, será prolongada a agonia. Surge então o imperativo ético de parar o que é inútil e fútil, intensificando os esforços para proporcionar, mais que quantidade, qualidade de vida diante da morte. A pergunta fundamental não é se vamos morrer, mas quando e como teremos de enfrentar essa realidade, e, segundo Ronald Dworkin (2003):

[...] A morte domina porque não é apenas o começo do nada, mas o fim de tudo, e o modo como pensamos e fa-lamos sobre a morte – a ênfase que colocamos no “morrer com dignidade” – mostra como é importante que a vida termine apro priadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido (DWORKIN, 2003, p.280).

O “direito à própria morte” está inserido no debate ético sobre as novas tecno-logias e paradigmas em saúde. As diretivas antecipadas de vontade, em sua essên-cia, consubstanciam-se como instrumento viabilizador do reconhecimento, pela classe médica, da autonomia de um paciente em estado terminal (NUNES, 2012, LIPPMANN, 2013).

Sob uma rápida visão, o instituto poderia ser identificado como pertencente apenas ao direito privado, contudo, em face da constitucionalização do direito priva-do e do entrelaçamento ocorrido entre a seara pública e privada que hoje se observa, passa a exigir um exame não só privatista, mas também publicista, com apoio no texto constitucional e também na ordem internacional. Pois, só uma observação comparativista e constitucionalizada pode viabilizar a compreensão da evolução que o debate em torno da DAV vem sofrendo no cenário de transição do Neoconstitu-cionalismo24 para o Constitucionalismo Andino.

Foi dito que o termo “Testamento Vital” não corresponde ao que verdadei-ramente representa e, objetivando evitar confusões com o testamento patrimonial, face à igualdade semântica com o termo disposto no Código Civil Brasileiro, Luciana Dadalto (2009; p.526) registra ser mais adequada a tradução “desejos de vida” ou “disposição de vontade de vida”, contudo, segundo a mesma autora, encontrar um nome que se adequasse às características do instituto em nosso país, não foi uma

24. Movimento teórico que nasce na segunda metade do século XX objetivando uma revalorização do direito constitucional, sob a perspectiva de uma nova abordagem do papel da constituição no sistema jurídico, ou seja, uma nova proposta de alterar as formas de compreensão, interpretação e aplicação das Constituições, e as regras a elas relacionadas. O seu marco histórico é o Estado constitucional do direito que surge nas ultimas décadas do Sec. XX. O neoconstitucionalismo visa reestruturar o direito constitucional com base em novas premissas como a difusão e o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais e a força normativa da constituição, objetivando a transformação de um estado legal em estado constitucional.

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tarefa fácil, principalmente porque não havia, como ainda não há, discussões profun-das sobre o tema. Embora a denominação possa causar confusão, o termo utilizado mais comumente é mesmo o Testamento Vital, ao invés de “declaração prévia de vontade do paciente terminal”, nome que exprimiria, com maior fidelidade, as carac-terísticas e objetivo do instituto. Diz a autora:

Encontrar nome apropriado não foi tarefa fácil. Inicialmen-te, cogitou-se adotar instru ções prévias, terminologia utilizada na Espa nha – descartada por entender-se não fidedig na ao documento, haja vista não possibilitar a ideia de seu significado. Posteriormente, pen sou-se em decla-ração de vontade do paciente terminal , em virtude desta nomenclatura entre ver um entendimento apriorís-tico do que seja o instituto – igualmente descartada por dar a impressão de documento feito por paciente terminal. Com base nesses argumentos, che gou-se ao termo de-claração prévia de vontade do paciente terminal , por meio da verificação de que o documento comumente chamado de Testamento Vital é, na verdade, uma de-claração de vontade a ser utilizada pelo paciente terminal, mas que deve ser manifestada previamente à situação de terminalidade (DADALTO. 2009; p.526).

Chamar o documento de “testamento”, invariavelmente remete a pensá-lo como um negócio jurídico. O termo “testamento” é definido por Pontes de Miranda como o ato que expressa a vontade de alguém, que será declarada quando da sua morte, com vistas a reconhecer, transmitir ou extinguir direitos (MIRANDA, 1972).

O tradicional testamento civil é uma das mais antigas formas de manifesta-ção de vontade, existente desde o direito romano. Sua importância é indiscutível no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não ser corriqueiramente utilizado para uma sucessão. Uma das explicações estaria no fato de que a feitura de um testamen-to esbarra, socialmente, na dificuldade do ser humano em aceitar a inevitabilidade da morte, e, assim sendo, planejar o que deveria ocorrer após a mesma, embora o ato possa conter disposições sem cunho patrimonial, como o reconhecimento de filiação, a nomeação de um tutor ou curador, a atribuição de um título honorífico. Contudo, a pouca utilização não retira do testamento a acuidade jurídica e social a ele inerentes (GONÇALVES, 2010).

O vigente código civil brasileiro de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) destacou as características essenciais do instituto e expôs em seus artigos

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1.857, caput e 1.858, que o testamento civil constitui ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém dispõe da totalidade dos seus bens, ou de parte deles depois da morte (PEREIRA, 2010).

No Brasil, o Testamento Vital, objeto de estudo do presente trabalho, ape-sar de servir a fins completamente distintos do testamento civil comum, em muito a esse se assemelha quanto às características jurídicas nele contidas25, motivo pelo qual, aliado ao desconhecimento do termo pelos profissionais e sociedade em geral, levam a confundi-los.

Realmente, estamos diante de um negócio, por constituir uma declaração de vontade destinada à produção de efeitos jurídicos, que terão eficácia quando o paciente não estiver consciente; é um ato unilateral por exprimir uma única vonta-de, a do paciente; é essencialmente revogável; é ato personalíssimo e deve ser, para que tenha efeito erga omnes, solenemente registrado para sua validade e respeito (PEREIRA, 2013). Em realidade, o instituto não se insere no campo do Direito das Sucessões, nem pode ser tomada como um verdadeiro testamento, ao menos em sua acepção tradicional, o que implica localizar seu estudo e discussão no campo do Biodireito e não do Direito das Sucessões.

Dentre as principais diferenças entre os dois, está o momento em que se processam os efeitos da disposição de vontade. O testamento civil se faz eficaz pela

25. Pode-se pontuar como características similares natureza de negócio jurídico unilateral, a forma escrita do documento, a revogabilidade e a manifestação de vontade emitida por pessoa em estado de lucidez. Dispõe o Código Civil Brasileiro sobre o testamento civil público (GONÇALVES, 2010):

Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:

I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;

II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;

III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião. Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.

Art. 1.865. Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias.

Art. 1.866. O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas.

Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento. (Código Civil, Vade Mecum, 2010).

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“causa mortis” e o Testamento Vital, ainda durante a vida do indivíduo, com a prin-cipal característica de expressar a vontade do paciente, feita quando está lúcido e ca-paz, exercendo sua total autonomia, e que será utilizado quando estiver em situação, temporária ou permanente, de incapacidade (BEUCHAMP e CHILDRESS, 2002; GELAIN, 2010). A vinculação de terceiros aos testamentos, também é uma diferen-ça (mandato duradouro). Dentre as similaridades, pode-se dizer que ambos são ato jurídico ou negócio jurídico, por representar a manifestação da vontade do indivíduo para a produção de efeitos jurídicos; são unilaterais porque sua eficácia independe de outra pessoa, sendo suficiente a declaração de vontade do testador; ambos são per-sonalíssimo por lhes serem proibida a outorga de poderes a um representante para a confecção; são revogáveis; gratuitos e, por fim, solenes e formais por exigir registro para a garantia da segurança jurídica e respeitar as solenidades, sob pena de nulidade (AMARAL; PONA, 2010, p.8).

Desta forma, considerado um negócio jurídico personalíssimo e ato de últi-ma vontade de uma pessoa, o instituto não se restringe a valores ou bens patrimo-niais, mas a situações existenciais. Conhecido com o nome de testamento vital, se revela eficaz quando da inexistência do exercício da manifestação da vontade daque-le que decidiu sobre sua vida (RIZZARDO, 2011). Para Luciana Dadalto (2013), o instituto e suas disposições, produzem efeitos erga omnes, vinculando médicos, parentes do paciente e eventual procurador de saúde, contudo, acrescenta a autora que, necessário se faz verificar os limites que a doutrina aponta à declaração prévia de vontade do paciente terminal, os quais são apontados por ela como a objeção de consciência do médico; a proibição de disposições contrárias ao ordenamento jurídi-co; e disposições contraindicadas à patologia do paciente ou tratamento que estejam superadas pelo avanço da medicina.

Sobre as qualidades do instituto, Rui Nunes (2012) cita o autor Henry Perkins (2007), para quem, duas delas seriam essenciais. A primeira seria contribuir para o empowerment dos doentes, ou seja o Testamento Vital surge para reforçar o exercí-cio, pelo paciente, do legítimo direito à autodeterminação em matéria de cuidados de saúde, especialmente do que se refere à recusa de tratamentos desproporcionados. Uma segunda característica, segundo o autor, é a facilitação do planeja mento do momento da morte, a qual, por diversas razões, é ignorada pela maioria das pessoas e por muitos profissionais de saúde.

Rui Nunes (2012) ressalta que a utilização do Testamento Vital como ele-mento estrutural da decisão médica (e não apenas com valor indiciário), implica que alguns requisitos básicos do consentimento sejam adequa dos a esta nova modalida-de de decisão, contudo, os requisitos fundamentais do consentimento, devem ser verificados quando se opta pelo consentimento futuro através da elaboração de uma Diretiva Antecipada de Vontade, na forma de Testamento Vital.

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No âmbito do direito médico, o consentimento informado é o único instru-mento suscetível de garantir o pleno respeito à autonomia da vontade do paciente, sua autodeterminação, tornando legítima a recusa de determinados pacientes. Desta afirmativa pode-se inferir que o Testamento Vital, para garantir sua aplicabilidade, quando for contemplado pela a legislação brasileira, deva se revestir de formalida-des e obedecer a determinados requisitos no ato de sua elaboração, como é feito na maioria dos países em que foi normatizado. Nestes países, exige-se que a pessoa seja maior e capaz; que o documento seja assinado perante duas testemunhas inde-pendentes, e que seus efeitos sejam válidos apenas após 14 (quatorze) dias de sua assinatura. Acrescente-se que, geralmente, tem caráter provisório, tempo de aproxi-madamente 5 (cinco) anos e a manifestação de revogação poderá ocorrer a qualquer tempo para não representar alienação à liberdade pessoal. Por fim, para sua aceita-ção, exige-se a caracterização da fase terminal do doente, atestada por dois médicos (CLEMENTE; PIMENTA, 2006, p.5). A declaração, para ser plenamente capaz, deve ser parte de um mandato claro entre paciente e médico, e sua validade estará condicionada às condições de precisão e clareza com que seja formulado e aos trâ-mites que lhe deram origem. Obedecidos os requisitos, serão convertidos em instru-mento eficaz, sobretudo se aos médicos forem concedidas possibilidades de rápido acesso, em caso de acidente ou de enfermidade súbita. Na Dinamarca, o médico, sob pena de repreensão, tem a obrigação de consultar o arquivo central eletrônico de testamentos vitais (GUERRA, 2005).

Como limites à utilização dos testamentos vitais pode-se colocar a Lei, a Ordem Pública e, essencialmente, que o seu cumprimento não venha a, deliberada-mente, provocar a morte não natural e evitável. Em qualquer caso, a vontade tem que ser expressa, clara e inequívoca, podendo não ser acatada quando se comprove que o outorgante não as deseja manter; exista face ao progresso dos meios terapêu-ticos, uma desatualização dos tipos de tratamento pelo paciente escolhidos ou haja divergência com as circunstâncias de fato anteriormente previstas.

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A legalização das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) instrumentaliza-se como um importante vetor de afirmação dos direitos individuais, especialmen-

te dos doentes em situações de final de vida, reforçando o sentimento de autodeter-minação e de independência face a intervenções médicas não desejadas. O presente capítulo se dedicará a demonstrar o contexto histórico e jurídico do Testamento Vital por diversos países em que já existe legislação específica, e o tema encontra-se em estágio avançado.

Foi nos Estados Unidos, em 1967 na cidade da Califórnia, que a primeira lei sobre o testamento vital foi editada, proposta pela Sociedade Americana para a Eutaná sia como um documento de cuidados antecipados, pelo qual o indivíduo poderia registrar seu desejo de interromper as invenções médicas de manutenção da vida. Rapidamente serviu como referência para o surgimento de diplomas se-melhantes naquele país. Em 1969, o ad vogado Louis Kutner propôs um modelo de declaração prévia de vontade do paciente terminal como um meio de solução de confli tos entre médicos, pacientes terminais e familiares acerca da tomada de decisão dos tratamentos a que o paciente em estado de terminalidade deveria ser submetido (BOSTIANCIC; DADALTO, 2010).

Em 1976, o Estado da Califórnia aprovou o Natural Death Act, primeiro diploma legal, elaborado pela Faculdade de Direito da Universidade de Yale, a re-conhecer textualmente o testamento vital. Até 1986, mais de 30 estados americanos já haviam legislado sobre o assunto, contudo, apenas em 1990, o tema chegou à Suprema Corte estadunidense em 1990 para decisão jurisprudencial. Tratou-se do caso Nancy Cruzan, jovem em estado de coma permanente e irreversível após um

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acidente automobilístico, mantendo-se viva através de aparelhos. Seus pais solici-taram a retirada dos apa relhos sob a alegação de que a mesma, teria esboçado, em conversa com uma amiga antes do acidente, que não gostaria de ser mantida viva quando metade de suas capa cidades normais estivesses comprometidas. A Suprema Corte deferiu o pedido, ordenando ao hospital que cumprisse a vontade da família da paciente. Essa decisão foi a peça que faltava para fosse, em definitivo, elaborada uma lei sobre o tema nos EUA.

Em 1991, foi editada a Lei de Autodeterminação do Paciente (Patient Sel-f-Determination Act), norma federal que objetivava estimular a elaboração, pelos pacientes, de diretivas antecipadas, em conformidade com as respectivas leis estatais que versasem sobre o tema. O foco da lei foi determinar que os pacientes admitidos em entidades como hospitais e agências de saúde recebessem, de imediato, informa-ções a respeito do sentido e dos possíveis benefícios das diretivas antecipadas (GO-DINHO, 2012; ALVES 2012). O documento foi a primeira lei federal a reconhecer o direito à autodeterminação do pacien te e o direito do paciente a fazer uma diretiva ante cipada, em suas duas modalidades: testamento vital e mandato duradouro. É preciso ressaltar, contudo, que as legislações estaduais não tinham uma correta con-ceituação sobre os dois institutos, fato que criava uma certa confusão entre as duas espécies e que muito contribuiu para que a dúvida no entendimento prevaleça até hoje (DADALTO, 2013).

Vê-se que o assunto tem sido estudado e difundido no contexto médico em âmbito mundial. Convém ressaltar que diversos países já têm em seus códigos de ética médica a previsão quanto à possibilidade do paciente em estabelecer diretivas antecipadas de vontade quanto aos tratamentos que deseja ou não se submeter, ainda que, a exemplo do Brasil, não exista uma lei específica regulamentando a utilização do instituto.

Na Europa, em 1997, foi proposta a Convenção de Oviedo sobre Direitos Humanos e Biomedicina, que já vinha sendo discutida desde 1990 (época da edição da lei americana “Patient Self-Determination Act”, já mencionada. Em Portugal, apesar de ter ratificado a Convenção de Oviedo em 2001, a real discussão do tema teve seu início em 2006, com o projeto de lei de autoria da Associação Portuguesa de Bioética. Contudo, não havia lei e, só recentemente, em julho de 2012 foi promul-gada a lei que regulamentou as diretivas antecipadas de vontade, Lei nº 25/201226.

Apesar da inexistência de lei, em Portugal, até 2012, três documentos ser-viam de orientação aos portugueses, feitos pela Associação Portuguesa de Bioética:

26. Texto completo disponível em: http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/96/lei_portuguesa.pdf. Acesso em 19.12.2013.

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o Parecer nº P/05/APB/06 sobre diretivas antecipadas de vontade; projeto de di-ploma nº P/06/APB/06 regulador do exercício do direito de formular as diretivas antecipadas, no âmbito dos cuidados de saúde e a criação de um registro nacional; e algumas Guidelines, discutidas na Conferência Nacional de Consenso sobre Suspen-são e Abstenção de Tratamento em Doentes Terminais, realizada em 11 de janeiro de 2008 (BOSTIANCIC; DADALTO, 2010, pág.115; ALVES, 2012). Analisando o texto legal percebe-se uma clara confusão terminológica. O legislador iguala o testa-mento vital às diretivas antecipadas de vontade e o mandato duradouro, lá chamado de “procurador para cuida dos em saúde”, como outro instituto jurídico, porém, não pode deixar de registra que a norma traz uma grande avanço na operacionalização do instituto quando prevê a criação de um registro nacional. Em acréscimo, convém salientar que o Código de Ética Médica português traz no item 4 do artigo 4627:

“A actuação dos médicos deve ter sempre como finalidade a defesa dos melhores interesses dos doentes, com es-pecial cuidado relativamente aos doentes incapazes de comunicarem a sua opinião, entendendo-se como melhor interesse do doente a decisão que este tomaria de forma livre e esclarecida caso o pudesse fazer”.

No parágrafo seguinte diz que o médico poderá investigar estas vontades por meio de representantes e familiares: “os representantes legais ou os familiares podem aju-dar a esclarecer o que os doentes quereriam para eles próprios se pudessem mani-festar a sua vontade”28.

Na Itália, como no Brasil, ainda não existe legislação específica sobre o tema. O Código de Deontologia Médica italiano, aprovado em 1998 dispõe especificamen-te sobre a autonomia do paciente. Na norma, o médico não pode deixar de levar em conta aquilo que foi previamente manifestado pelo paciente ainda que ele não esteja em condições de manifestar sua própria vontade, em caso de grave risco de vida29.

27. Site do Diários República 2.ª série – N.º 8 – 13 de Janeiro de. 2009. Disponível https://dre.pt/pdf2sdip/2009/01/008000000/0135501369.pdf. Acesso em 19.07.2014.

28. Idem.29. Artigo 34 do Código de Ética Médica italiano: “Il medico deve attenersi, nel rispetto della dignità, della

libertà e dell’indipendenza professionale, alla volontà di curarsi liberamente espressa dalla persona. Il medico, se il paziente non è in grado di esprimere la propria volontà in caso di grave pericolo di vita, non può non tener conto di quanto precedentemente manifestato dallo stesso”. Texto encontrado na exposição de motivos da Resolução 1995/2012. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf. Acesso em 18.07.2014.

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Determinou aos médicos o dever ético de respeito às vontades antecipadas de seus pacientes. Apesar da sua importância, o código italiano não possui eficácia erga om-nes, atingindo apenas a comunidade médica.

Outro documento italiano, embora também sem força vinculante, conseguiu maior repercussão social na Itália, trazendo muita colaboração para o debate. Trata-se do documento denominado “Dichiarazzioni Anticipate di Tratamento”, editado em 2003 pelo Comitê Nacional de Bioética, trazendo condições para que as declarações antecipadas de vontade fossem consideradas válidas, pautando-se no princípio de que qualquer pessoa tem o direito de exprimir seu próprio desejo, antecipadamente, a respeito dos tratamentos e intervenções médicas aos quais não deseja se submeter.

A discussão a respeito das diretivas antecipadas na Itália se intensificaram e recebeu apoio da sociedade através do caso de Piergiorgio Welby, escritor italia-no falecido em dezembro de 2006, aos sessenta e nove anos, sofrendo de distrofia muscular progressiva desde os dezoito e conectado a um respirador artificial desde 1997. Nos últimos meses que antecederam sua morte, Welby havia sofrido uma gra-ve deterioração de seu estado de saúde e não conseguia sequer sentar-se. Resolveu então solicitar o direito de morrer em uma carta aberta ao presidente da República, Giorgio Napolitano, já que o Tribunal de Roma lhe havia negado, em setembro de 2006, o pedido. Foi ajudado pelo Partido Radical, defensor da legalização da euta-násia. O respirador artificial que o mantinha vivo desde 1997, foi desligado por um anestesista injetando-lhe sedativos para que não sofresse. O médico foi processado pela prática da eutanásia, crime previsto no ordenamento italiano, porém, absol-vido sob a alegação de que, ao desligar o respirador que mantinha vivo o pacien-te, não cometeu crime algum, pois, rejeitar tratamento médico não desejado é um direito reconhecido na Constituição italiana. Segundo a juíza do caso, o paciente, ao exprimir seu desejo, estava lúcido, consciente, informado, sendo legítimas suas vontades. De acordo com a juíza, o médico cumpriu a sua obrigação profissional. Ao final, um caloroso debate sobre a legalização da eutanásia teve início na Itália, e, consequentemente, sobre a possibilidade de manifestação de vontade do paciente através do Testamento Vital, denominado pelos italianos de Testamento Biológico30 (BOSTIANIC; DADALTO, 2010).

Na verdade, o primeiro país europeu a legalizar as diretivas antecipadas foi a Espanha, que legislou através da Lei nº 41/200231, mais de dez anos após a legislação

30. Reportagem publicada no Estado de São Paulo. Caderno Vida e Saúde, sexta-feira, 19 de outubro de 2007 disponível em http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,juiza-italiana-inocenta-medico-que-ajudou-paciente-a-morrer,67650 (acessado em 20/07/2014)

31. España. Ministerio de la Presidencia. Ley nº41, de 14 de noviembre de 2002. Básica reguladora de la autonomía del paciente y de derechos y obligaciones en materia de información y documentación clínica. [Internet]. Boletín Oficial del Estado. 15 nov. 2002;(274):40126.Disponível em: http://www.boe.es/boe/

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estadunidense. Saliente-se, que a legislação espanhola não acatou a terminologia “di-retivas antecipadas” dada pelos Estados Unidos por julgá-la distante do mundo da bioética e do direito sanitário. Preferiu chamá-la instrucciones prévias. A lei em co-mento possibilita que no documento de instruções prévias o outorgante nomeie um representante que possa expressar sua vontade quando de sua impossibilidade. Ou seja, a lei espanhola apresenta uma verdadeira diretiva antecipada, com a possibi-lidade de conter, em um único documento, o testa mento vital e o mandato duradou-ro (GODINHO, 2012; ALVES, 2012).

Embora o instituto normativo tenha surgido em 2002, as discussões na Es-panha tiveram início em 1986 com a “Associación Pro Derecho a Morir Dignamen-te”, que, naquele ano, re digiu um modelo de testamento vital. Destaque-se, entretan-to, que a primeira província espanhola a le gislar o tema foi a catalã, na Lei 21/2000, de 19 de dezembro. Em seguida, comunidades autônomas como Navarra, Aragón, La Rioja, Galícia, Extremadura, Madrid e Cantabria também regularam o tema. Daí porque, acompanhando essa tendência, a Espanha sancionou a lei dispondo sobre as “instrucciones previas” em 2002.

Em 02 de fevereiro de 2007, foi publicado o Real Decreto 124/2007, ins-trumento criando o Registro Nacional de Instrucciones Previas e o correspondente arquivo automatizado de dados de caráter pessoal. Segundo o decreto, o acesso a esse Registro Nacional é restritivo. Apenas as pessoas que fizeram as instruções prévias, os representantes legais dessas pessoas ou a quem o outorgante tenha de-signado neste documento, os responsáveis dos registros autônomos e as pessoas designadas pela autoridade sanitária da comunida de autônoma correspondente ou pelo Ministerio de Sanidad y Consumo podem ter acesso às informações ali conti-das (BOSTIANCIC; DADALTO, 2010).

Em linhas gerais, as instruções prévias na Espanha devem conter orienta-ções à equipe médica sobre o desejo de que não se prolongue artificialmente a vida, a não utilização dos chamados tratamentos extraordinários, a suspensão do esforço terapêutico e a utilização de medicamentos para diminuir a dor, entre outras.

Na Espanha, seguindo a linha italiana, o código introduz, de maneira objeti-va e clara, as diretivas antecipadas de vontade no contexto da ética médica, trazendo no artigo 27 de seu Código de Ética: “[…]Y cuando su estado no le permita tomar decisiones, el médico tendrá em consideración y valorará las indicaciones anteriores

dias/2002/11/15/pdfs/A40126-40132.pdf; España. Ministerio de la Presidencia. Real Decreto no 124, de 2 de febrero de 2007. Regula el registro nacional instrucciones previas y el correspondiente fichero automatizado de datos de carácter personal. [Internet]. Boletín Oficial del Estado. 15 fev. 2007 (acesso 7 jan. 2013);(40):6591. Disponível: http://www.boe.es/boe/dias/2007/02/15/pdfs/A06591-06593.pdf. Acesso em 29.11.2014.

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hechas por el paciente y la opinión de las personas vinculadas responsables”32. Deste modo, verifica-se que os três códigos inseriram, de forma simplificada, o dever de o médico respeitar as diretivas antecipadas do paciente, inclusive verbais.

Na América Latina, Porto Rico foi o primeiro país a legislar sobre as DAV, através da Ley nº 160, de 17 de novembro de 2001. Na exposição de motivos que antecede o documento vê-se registrada a importância que lhe foi outorgada. O texto diz que a lei serve para reivindicar o direito à privacidade e do reconhecimento da autonomia do indivíduo para integrar em nosso sistema jurídico de um processo le-gal pelo qual o indivíduo maior de idade, em plena posse de suas faculdades mentais, possa registrar sua diretiva antecipada. Se o indivíduo sofrer, no futuro, alguma con-dição terminal ou estado vegetativo persistente, o seu corpo será ou não submetido a determinado tratamento médico (tradução da autora)33.

Para permitir que a qualidade de vida do paciente estivesse sempre em pri-meiro lugar, no Uruguai, instituiu-se o testamento vital no ordenamento local atra-vés da lei nº 18.473, de 03 de abril de 2009 (GODINHO, 2012). Contendo onze dispositivos, a norma estabelece no primeiro deles34:

“Toda persona mayor de edad y psíquicamente apta, en forma voluntaria, consciente y libre, tiene derecho a opo-nerse a la aplicación de tratamientos y procedimientos médicos salvo que con ello afecte o pueda afectar la salud de terceros”.

Na Argentina, a primeira legislação sobre diretivas antecipadas foi a Lei 4.263, da província de Rio Negro, promulgada em 19 de dezembro de 2007. A norma respal-dava a ortotanásia. Em 2009, foi promulgada a lei federal 26.529, em 21 de outubro de 2009, sobre os direitos do paciente, que no artigo 11 reconhece o direito do pa-

32. Idem. Tradução: “e quando seu estado não lhe permita tomar decisões, o médico levará em consideração e valorará as indicações anteriormente feitas pelo paciente e a opinião das pessoas responsáveis vinculadas”

33. Texto original: “Esta ley atiende al reclamo del derecho a la intimidad y al reconocimiento de la autonomía de la voluntad del individuo para integrar a nuestro ordenamiento jurídico un proceso legal mediante el cual el individuo mayor de edad, en pleno uso de sus facultades mentales, pueda dejar constar su voluntad anticipada de que en caso de sufrir, en el futuro, de alguna condiión de salud terminal o de estado vegetativo persistente, su cuerpo sea sometido, o no sea sometido, a determinado tratamiento médico”. Disponível em: http://www.lexjuris.com/lexlex/leyes2001/lex2001160.htm. Acesso em 20.07.2014.

34. Republica Oriental del Uruguay. Lei 18.473/2009. Disponível em: http://200.40.229.134/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=18473&Anchor= Acesso em 19.07.2014.

Traduzindo: toda pessoa maior de idade e psiquicamente apta, de forma voluntária, consciente e livre, pode expressar antecipadamente sua vontade no sentido de opor-se à futura aplicação de tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem a vida em detrimento da sua qualidade, se se encontrar enferma de uma patologia terminal, incurável e irreversível.

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ciente dispor sobre suas vontades por meio de diretivas antecipadas35. Todavia, esta lei não traz maiores detalhes sobre o tema, a não ser que que podem ser prestadas por toda pessoa capaz e maior de idade e que as disposições do indivíduo deverão ser aceitas pelo médico responsável, salvo se elas implicarem práticas eutanásicas – ocasião em que serão tidas por inexistentes. Embora a lei argentina proibisse ex-pressamente a diretiva antecipada com vistas a ceifar a própria vida, a lei significou um importante passo pela relevância dada ao desígnio individual, considerando-o um critério decisivo na prevalência do princípio da autonomia da vontade em face do direito à vida (BELLI; MAGLIO, 2013). Posteriormente, impulsionado por casos reais36, em 2011 um debate público aprofundou o assunto sobre a morte com dig-nidade e, em 9 de maio de 2012, após a discussão se estender também para a esfera pública, o Congresso Nacional Argentino aprovou a Lei No. 26.74237, chamada “lei da morte digna”. Promulgada em 24 de maio do mesmo ano, incorpora importantes alterações à Lei nº 26.529 de outubro de 2009, sobre “direitos do paciente em seu relacionamento com profissionais e instituições de saúde”. As alterações trazidas pela nova lei introduzem mudanças específicas e significativas no conjunto de direi-tos individuais, apresentando afirmativamente a autonomia dentro do sistema legal argentino, ao expandir os direitos das pessoas frente a medidas médicas a serem tomadas nas situações de final de vida. Esta noção de autonomia está presente no artigo 19 da Constituição Nacional. No entanto, não se trata de uma autonomia sem restrições. Dentro do poder que a lei dá aos pacientes, há certos marcos que limitam as situações em que se pode exercer essa autonomia (BELLI; MAGLIO, 2013).

No âmbito médico, os debates sobre a validade de documentos de manifes-tação de vontades do paciente terminal e a consequente divergência de posiciona-

35. ARTICULO 11. Directivas anticipadas. Toda persona capaz mayor de edad puede disponer directivas anticipadas sobre su salud, pudiendo consentir o rechazar determinados tratamientos médicos, preventivos o paliativos, y decisiones relativas a su salud. Las directivas deberán ser aceptadas por el médico a cargo, salvo las que impliquen desarrollar prácticas eutanásicas, las que se tendrán como inexistentes. Disponível em: http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/160000-164999/160432/norma.htm. Acesso em 01.12.2014.

36. Melina González, una joven de 19 años que pedía sedación terminal para atravesar los últimos momentos de su vida frente a una enfermedad que la mantenía en constante sufrimiento (Disponível em: http://www.cadena3.com/contenido/2011/03/02/71718.asp. Acesso em 01.12.2014) y Selva Herbón, madre de una niña en estado vegetativo permanente que pedía el retiro de soporte vital a su hija para no prolongar su sufrimiento (Disponível em http://www.noticias24.com/actualidad/noticia/292616/bebe-en-estado-vegetativo-reabre-debate-sobre-muerte-digna-en-argentina/. Acesso em 01.12.2014), fueron dos figuras clave para que la temática de la muerte digna se introdujera en el conocimiento público. Como antecedente, también se debe mencional la Ley B 4.264 de la Provincia de Río Negro, “Respeto a la calidad de vida y dignidad de los enfermos terminales – Derecho a la abstención o el retiro del soporte vital”sancionada en el año 2008. Disponível em: http://www.notivida.com.ar/legprovincial/RIO_NEGRO_Ley%204264_Muerte_digna.htm. Acesso em 01.12.2014.

37. Disponível em: http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/195000-199999/197859/norma.htm. Acesso em 01.12.2014.

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mentos entre os profissionais de saúde ainda possui um largo caminho a percorrer em termos de um contexto mundial. Demonstra-se abaixo (Quadro 01) um resumo elucidativo dos principais dispositivos normativos a respeito da incorporação das diretivas antecipadas de vontade. Além dos abaixo elencados, outros ainda podem ser visualizados no site brasileiro sobre testamento vital38. Abaixo, para melhor vizu-laização, foram elencados os dispositivos normativos das DAV:

Quadro 01. Dispositivos normativos das Diretivas antecipadas de Vontade pelo mundo

DISPOSITIVOS NORMATIVOS DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS PELO MUNDO

ARGENTINALey 26.742 – Modifícase la Ley Nº 26.529 (21 de octubre de 2009) que estableció los derechos del paciente en su relación con los profesionales e instituciones de la Salud. Sancionada: Mayo 9 de 2012. Promulgada de Hecho: Mayo 24 de 2012.

BRASIL Não há lei. Existe resolução n. 1995/12 do CFM – Conselho Federal de Medicina, aprovada em 30.08.2012

ESPANHA LEY 41/2002. Madrid, 14 de noviembre de 2002

ESTADOSUNIDOS DA

AMÉRICA

Patient Self Determination Act of 1990 (Introduced in House)HR 5067 IH 101st CONGRESS 2d Session H. R. 5067

FRANÇA Loi nº 2005-370 du 22 avril 2005 parue au JO nº 95 du 23 avril 2005 (rectificatif paru au JO nº 116 du 20 mai 2005)

ITÁLIA Não há lei. Tema disposto no Código de Ética Médica, artigo 34

38. Site Testamento Vital: www.testamentovital.com.br.

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PORTO RICOLey n º160, de 17 de novembro de 2001. Ley de declaración previa de voluntad sobre tratamiento médico en caso de sufrir una condición de salud terminal o de estado vegetativo persistente.

PORTUGAL ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Lei nº 25/2012 – 3728 Diário da República, 1.ª série – Nº 136 – 16 de julho de 2012

URUGUAI Lei nº Ley nº 18.473, de 3 de abril de 2009. Voluntad antecipada. Diário Oficial. 21 abr. 2009 Diário Oficial. 21 abr. 2009

Fonte: a autora, através de informações retiradas do site www.testamentovital.com.br (http://www.testamentovital.com.br/legislacao.php) e pesquisas aos sites oficias dos países descritos.

Convém ressaltar que as leis de países como Portugal (2012), Espanha (2002) e Argentina (2009 e 2012) sobre Diretivas Antecipadas de Vontade foram precedidas, por norma semelhante inserida em seus Códigos de Ética Médica, respectivamente em 1985, 1999 e 2001. Na Itália foi inserido no Código de Ética Médica ainda em 1998, mas a lei não foi aprovada ainda, embora esteja em processo de tramitação. No Brasil foi inserida na deontologia médica em 2012, mas não existe ainda lei em tramitação. Não se tem conhecimento, até o momento, que nestes países tenha ocorrido alguma tentativa para a eliminação de tais regras na deontologia médica por parte do poder público. No Brasil, a necessidade de regulamentação por parte deste Conselho Federal para que os profissionais da medicina não se vissem desprovidos de um posicionamento técnico, ético e moral no relacionamento com seus pacientes, parecia indispensável, contudo, muitos ataques jurídicos sobrevieram à criação do instituto, passando desde a validade jurídica até o fundamento ético de sua existên-cia. Espera-se agora a promulgação de uma lei específica que trará, para a sociedade em geral, ratificação da importância do tema, sua operacionalidade e a consequente tranquilidade na relação médico-paciente.

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Os conceitos relacionados ao debate sobre o final da vida têm recebido da bio-ética uma nova determinação léxica, com denominação e tratamento jurídico

igualmente inovadores (LOPES, LIMA, SANTORO, 2012).No Brasil, a classe médica é regida pelas resoluções expedidas pelo CFM –

Conselho Federal de Medicina, órgão criado desde 1951 com atribuições constitu-cionais de fiscalização e normatização da prática médica e que possui fundamento jurídico conferido pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei n. 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto n. 44.045, de 19 de julho de 195839.

Tais resoluções têm o caráter de normas derivadas e são impositivas, regu-lando temas de competência privativa dessas entidades em suas áreas de alcance. A força normativa é apenas entre os médicos, não possuindo o condão de regulamen-tar, por exemplo nas diretivas antecipadas, aspectos imprescindíveis relacionados ao assunto como a formalização, o conteúdo, a capacidade dos outorgantes, o prazo de validade e a criação de um registro nacional, como será visto mais adiante.

Nos últimos 50 anos, o Brasil e a categoria médica mudaram muito, e hoje, as atribuições e o alcance das ações deste órgão, que antes reduziam-se ao registro pro-fissional do médico e à aplicação de sanções do Código de Ética Médica, estão mais amplas, extrapolando a aplicação do Código de Ética Médica e a normatização da prática profissional. Atualmente, o Conselho Federal de Medicina exerce um papel

39. Legislações disponíveis em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L3268.htm

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político muito importante na sociedade, atuando na defesa da saúde da população e dos interesses da classe médica40.

As resoluções expedidas pelo conselho são atos normativos emanados dos plenários do Conselho Federal de Medicina e de alguns dos Conselhos Regionais de Medicina que regulam temas de competência privativa dessas entidades em suas áreas de alcance. Estas resoluções resultam do esforço dos órgãos supervisores, dis-ciplinadores, fiscalizadores, normatizadores, e julgadores da atividade profissional médica em todo o território nacional (ANDRADE, 2011). No foco das resoluções, está o zelo pelo desempenho ético da Medicina, por adequadas condições de traba-lho, pela valorizarão do profissional médico e pelo bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente e de acordo com os preceitos do Código de Ética Médica vigente. O caráter classista das resoluções não lhes retira seu mérito, pelo contrário, volta os olhos da sociedade à discussão de assuntos de inegável importância.

Em 13 de abril de 2010, entrou em vigor o sexto Código de Ética Médica, reconhecido no Brasil, fruto de uma revisão do código anterior. Seu fundamento re-pousou no objetivo comum de construir um estatuto básico da profissão atento aos avanços tecnológicos e científicos. O texto atualmente em vigor foi revisto, atualiza-do e ampliado ao longo de dois anos de debates e discussões, inclusive em audiência pública, coordenados pela Comissão Nacional de Revisão do Código de Ética Médi-ca. O documento trouxe muitas novidades como a previsão de cuidados paliativos, o reforço à autonomia do paciente e regras para reprodução assistida e a manipulação genética, além de outras inovações relacionadas à gestão administrativa e financeira, à publicidade médica, ao conflito de interesses, à segunda opinião, à responsabilidade médica, dentre outras. O novo código é um documento aprovado pelo plenário do Conselho Federal de Medicina e publicado no Diário Oficial da União (Resolução CFM Nº 1931, de 17 de setembro de 2009), e começou a valer em 13 de abril de 2010. Nele estão contidas as normas éticas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício da profissão, independentemente da função ou cargo que ocupem.

Na história da medicina brasileira, houve cinco Códigos de Ética oficialmen-te reconhecidos pela classe médica41. O Código atualmente em vigor é o sexto. O Dr. Roberto Luiz D’Avila – presidente do Conselho Federal de Medicina, pronunciou-se sobre o novo código publicamente, através do artigo intitulado “Um novo código

40. Site do CFM. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20671&Itemid=23

Acesso em 03.04.2014.41. Código de Moral Médica (1929); Código de Deontologia Médica (1945); Código de Ética da Associação

Médica Brasileira (1953); Código de Ética Médica (1965); Código Brasileiro de Deontologia Médica(1984). Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/artigo4.htm. Acesso em 12.01.2014.

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para um novo tempo”42. Na opinião do presidente, o novo documento estaria subor-dinado à Constituição Federal e à legislação brasileira, reafirmando os direitos dos pacientes e a necessidade de informar e proteger a população assistida. Buscou-se confeccionar um Código justo, uma vez que a medicina deve procurar o equilíbrio entre estar a serviço do paciente, da saúde pública e do bem-estar da sociedade. Afir-ma que o novo código traz como essência implícita o contrato harmonioso entre os princípios das autonomias do médico e do paciente.

Embora no sonho de todo médico encontre-se o desejo de sempre vencer a morte, todos eles sabem que esta é uma tarefa impossível face à finitude da vida humana. Esgotados os aparatos médicos disponíveis, encontra-se o médico diante de uma situação terminal, na qual vê o compromisso na profissão em cheque entre o viver e o morrer. O debate sobre o tema “direito de morrer com dignidade” surgiu um pouco antes da elaboração no Código de Ética Médica vigente (2009), com a Re-solução nº 1805/200643 que apontou para o médico brasileiro o norte ético nacional sobre o assunto (ANDRADE, 2011). A edição da resolução em comento foi fruto de um amplo debate e intensas reflexões que ultrapassaram os limites dos Conselhos de Medicina e buscaram na sociedade o melhor entendimento sobre o tema.

Na cronologia do nascimento da norma, registre-se que, em 2005, o CFM realizou, na cidade de São Paulo um simpósio sobre “Terminalidade da Vida”, o qual serviu de substrato para a resolução em pauta. Naquela ocasião, foram ouvidas pessoas dos mais diversos matizes, entre as quais juristas, religiosos, bioeticistas e médicos44. A liberdade e a racionalidade médica foram a fonte criadora da resolução dando-lhe, por consequência, um caráter impositivo, que, visto sob a ótica da filoso-fia kantiana, funciona como um imperativo de ordem moral (KANT, 2006)45. Logo após sua edição, a resolução, que possui apenas três artigos, passou a fazer parte das colocações e debates doutrinários, jurídicos e éticos no Brasil46:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender proce-dimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respei-tada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

42. Artigo disponível em http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/artigo4.htm. Acesso em 12.01.2014.43. CFM – Conselho Federal de Medicina. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_

resolucoes&Itemid=36. Acesso em 11/01/2014.44. Parte de suas discussões apresentada no Simpósio sobre a Terminalidade da Vida foram transformadas em

artigos e publicados na revista Bioética. 2005;13(2).45. Kant destaca que a autonomia é o único princípio de todas as leis e dos deveres dela decorrentes. Afirma

que a lei moral tem o objetivo de indicar-nos como devemos nos comportar, a fim de que possamos ser dignos da felicidade, que tem sua base na racionalidade e na liberdade de que o ser humano é possuído.

46. Portal Médico. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm. Acesso em 11.01.2014.

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§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofri-mento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publi-cação, revogando-se as disposições em contrário.

De forma inovadora, embora sem agressividade literal, tratou da ortotanásia, con-ceito que, junto com a eutanásia, distanásia, mistanásia e suicídio assistido envolvem o processo de morrer, e são alvos de confusões conceituais, daí necessitar, antes de adentrar na parte jurídico-formal do presente trabalho, realizar-se uma rápida, po-rém necessária, exposição conceitual desses institutos.

Iniciando pelo termo eutanásia, sabe-se que tem raízes na Grécia e foi criado no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Ba con. Pode ser traduzido como “boa morte”, “morte apropriada”, “morte piedosa” (SÁ, 2005). Ocorre quando o pacien-te, sabendo que a sua doença é incurável ou ostenta situação que o levará a não ter condições mínimas de uma vida digna, e, tentando evitar os sofrimentos e dores físi-cas e psicológicas que lhe trarão com o desenvolvimento da doença ou sua condição física, solicita, ao médico ou terceiro que o mate antecipadamente (PESSINI, 2004; LOPES, LIMA, SANTORO, 2012). Em sua configuração, possui dois elementos, que são a intenção e o efeito da ação. A intenção de realizar a eutanásia pode ge-rar uma ação, configurando a “eutanásia ativa”, ou uma omissão, a não-realização de uma ação terapêu tica, denominando a “eutanásia passiva”, considerada também como ortotanásia por alguns doutrinadores, como Maria Helena Sá (2012), contu-do, após a Resolução n. 1.805/2006 do Con selho Federal de Medicina (CFM), as dúvidas não devem mais existir, uma vez que a ortotanásia foi contextualizada mais amplamente, não envolvendo somente a omissão, mas também cuidados necessários que aliviam os sintomas, evitando os sofrimentos.

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Passando para a definição do termo distanásia, também designada como obs-tinação terapêutica, pode-se afirmar que é o oposto da ortotanásia. Em sua aplicação está inserida a ideia de que tudo deve ser feito pelo paciente enfermo, ainda que lhe possa causar sofrimento e dor. Como resultado do prolonga mento exagerado de um suposto procedimento terapêutico, tem-se uma morte lenta e dolorosa, com muito sofrimento. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte (DINIZ, 2011).

Durante muito tempo, houve entre a população médica a tendência a seguir um comportamento distanásico, sob o respaldo do código então em vigor, Resolu-ção CFM nº 1.246/88, de 08.01.88. Naquele documento, segundo o artigo 16, con-servar e prolongar a vida seriam os propósitos mais sublimes da medicina47:

Art. 16º Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital, ou instituição pública, ou privada poderá limitar a escolha, por parte do médico, dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.

Hoje, no atual código, nota-se uma importante mudança de ênfase, pois, o objetivo da medicina não é apenas prolongar ao máximo o tempo de vida da pessoa, o com-promisso com a saúde, principalmente se for entendida como bem-estar global da pessoa e não apenas ausência de doença, abre a possibilidade de se preocupar com questões outras no tratamento do doente terminal que apenas questões curativas. A convicção do respeito pela vida humana, de qualquer forma, ainda continua firme, e esteve pautada em códigos anteriores, a exemplo do conteúdo do artigo 6º do do-cumento anterior:

Art. 6º O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Ja-mais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e inte-gridade.

47. Resolução disponível em: www.simers.org.br/cartilhas-e-guias.html%7Cbaixar_cartilha=true&id=25. Acesso em 12/01/2014.

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Realiza-se a distanásia quando, mesmo sem a possibilidade de cura, dá-se continuidade aos tratamentos médicos que trazem mais sofrimento do que alívio para o paciente em situações de final de vida. Esta obstinação pode se justificar pelas consequências penais que, uma interpretação deturpada do art. 13, § 2º, a, do Código Penal, seja feita48:

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido

§ 1º A superveniência de causa relativamente independen-te exclui a imputação quando, por si só, produziu o resul-tado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigi-lância

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocor-rência do resultado.

Contudo, a tensão gerada entre beneficiar o paciente com tratamentos paliativos que possam, embora sem cura, promover seu bem-estar físico e mental e a absolutização do valor da vida humana no seu sentido biológico gera um dilema que alguns médi-cos preferem resolver a favor do prolongamento da vida.

Descritos brevemente os conceitos da eutanásia e a distanásia como pro-cedimentos médicos, pode-se concluir que ambas têm em comum a preocupação com a morte do ser humano e a maneira mais adequada de lidar com isso. O que as diferencia é que, enquanto a eutanásia se preocupa prioritariamente com a qualidade

48. Código Penal Brasileiro – Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em 11 de janeiro de 2013.

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da vida humana na sua fase final, eliminando o sofrimento, a distanásia se dedica a prolongar ao máximo a quantidade de vida humana, combatendo a morte como o grande e último inimigo (PESSINI, 2004; CARDOSO, 2010; LOPES, 2012).

Um outro conceito a ser explicado é o da mistanásia, também chamada de eutanásia social, ou morte miserável. Segundo Juciara Vieira Cardoso (2010), foi Leonardo Martin, em 1998, quem primeiro a conceituou. O termo assemelha-se à eutanásia pelo fato de ambas provocarem a morte antes da hora, embora por di-ferentes razões. De forma sucinta, pode-se afirmar que, especialmente na América Latina, a forma mais comum de mistanásia é a omissão de socorro estrutural que atinge milhões de doentes durante sua vida inteira e não apenas nas fases avança-das e terminais de suas enfermidades. Uma sociedade pratica a mistanásia quando nela inexistirem ou mesmo existam de forma precária os serviços de atendimento médico. Essa lacuna garante que pessoas com deficiências físicas ou mentais ou portadoras de doenças que poderiam ser tratadas, morram antes da hora e padeçam, enquanto vivas, dores e sofrimentos, em princípio, possíveis de serem evitados. A fome, condições precárias de moradia, falta de água limpa, desemprego ou condi-ções de trabalho massacrantes, enfim, todos os fatores geográficos, sociais, políticos e econômicos juntam-se para espalhar esse tipo de morte miserável e precoce de crianças, jovens, adultos e anciãos e contribuem para espalhar a falta de saúde e uma cultura excludente e mortífera. A grande e mais urgente questão ética que se levanta diante do doente pobre na fase avançada de sua enfermidade não é a eutanásia, nem a distanásia, as quais são os destinos reservados para doentes que conseguem que-brar as barreiras de exclusão e tornarem-se pacientes, mas, sim, a mistanásia, destino reservado para os socialmente excluídos (CARDOSO, 2010).

Acrescentando ao rol das definições conceituais, tem-se o procedimento de suicídio assistido, confundido com a eutanásia, porém, com diferenças pontuais, e, a principal delas é que, no suicídio assistido, a pessoa doente é apenas assistida para a morte, mas todos os atos que levarão ao desfecho final da morte são pela pessoa realizados. Há casos, inclusive que sendo a pessoa dependente por problemas de locomoção, sem conseguir, inclusive, levar um copo de água à boca, alguns mecanis-mos foram desenvolvidos para garantir que o paciente, através apenas do aperto de um botão de uma máquina, por exemplo, injete um medicamento letal. É a própria pessoa quem toma a decisão e realiza as medidas necessárias para garantir sua morte e assim, os profissionais de saúde não são envolvidos no ato, e além disso, qualquer pessoa de seu círculo de relações familiares, afetivas ou sociais poderiam auxiliá-lo (DINIZ, 2006).

Por fim, chega-se ao conceito de ortotanásia, trazido à baila pela Resolução 1805/2006 aqui retomada após terem sido esclarecidos os institutos passíveis de

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confusão conceitual. Etimologicamente, ortotanásia significa morte correta, orto: certo, thanatos: morte. Significa o não prolongamento artificial do processo de mor-te, além do que seria o processo natural, feito pelo médico (BORGES, 2001, p.287).

Se por um lado há uma abreviação da vida no procedimento eutanásico, o oposto está no procedimento distanásico, que posterga, de forma injustificada a vida. Em ambos, a morte acontece fora da época certa, no primeiro, pela abreviação e, no segundo, pelo prolongamento da morte (CARDOSO, 2010).

O objetivo da ortotanásia é a morte no tempo certo, sem o prolongamento do sofrimento e da dor, desta forma, se enquadra entre o procedimento distanásico e eutanásico. Pode ser definida como a busca de uma solução ética, a fim de evitar que princípios fundamentais se choquem, o princípio da inviolabilidade do direito à vida, desrespeitado pela eutanásia e o princípio da dignidade e, por vezes, o da autonomia, preteridos pela distanásia (CARDOSO, 2010).

Considerada como boa morte ou a arte de morrer bem, a ortotanásia busca resgatar a dignidade do ser humano em morrer no tempo em que seus recursos vitais permitirem tendo como meta a oferta de dignidade nos momentos que antecedem os momentos finais da vida. Barchifontaine (2002.b, p. 291) afirma ser a ortotanásia “a antítese de toda tortura, de toda morte violenta em que o ser humano é roubado não somente de sua vida mas também de sua dignidade”. Dantas e Hodges (2006, p. 3) descrevem-na como “a suspensão, diminuição ou retirada de medicação, equi-pamentos ou procedimentos que sirvam para prolongar artificialmente a vida de um doente, abreviando-lhe o sofrimento, e permitindo que a vida siga seu caminho natural até a extinção”.

A resolução 1805/2006 tratou da limitação do tratamento e do cuidado pa-liativo de doentes em fase terminal, nas hipóteses autorizadas por seus parentes ou por seus familiares. Em sua exposição de motivos, encontra-se o conteúdo:

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garan-tindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistên-cia integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. (Resolução CFM nº 1.805/2006 (Publi-cada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169).

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Ainda na exposição de motivos que acompanhou a resolução49, o CFM, baseou-se no argumento de que a medicina passava pela busca do equilíbrio na relação médico--enfermo e na concepção paternalista sob a qual a ética médica tradicional era con-cebida, cabendo ao enfermo, simplesmente, obediência às decisões médicas, tal qual uma criança cumprindo as ordens paternas. Acrescenta que, até a primeira metade do século XX, a ação médica era julgada levando-se em conta apenas a moralidade do agente, desconsiderando-se os valores e crenças dos enfermos, modificando-se a partir da década de 60, época em que os códigos de ética profissional passaram a reconhecer o doente como agente autônomo.

Também se viu registrado na exposição de motivos, que a classe médica, até então, aprende muito sobre tecnologia de ponta e pouco sobre o significado ético da vida e da morte. Cita o trabalho publicado em 1995, no Archives of Internal Medi-cine, e segundo o texto50:

(...) apenas cinco de cento e vinte e seis escolas de me-dicina norte-americanas ofereciam ensinamentos sobre a terminalidade humana. Apenas vinte e seis dos sete mil e quarenta e oito programas de residência médica tratavam do tema em reuniões científicas.

Despreparados para a questão, passamos a praticar uma medicina que subestima o conforto do enfermo com do-ença incurável em fase terminal, impondo-lhe longa e sofrida agonia. Adiamos a morte às custas de insensato e prolongado sofrimento para o doente e sua família. A terminalidade da vida é uma condição diagnosticada pelo médico diante de um enfermo com doença grave e in-curável; portanto, entende-se que existe uma doença em fase terminal, e não um doente terminal. Nesse caso, a prioridade passa a ser a pessoa doente e não mais o trata-mento da doença.

Passou-se então a dar atenção aos cuidados paliativos, já conceituados pela Organi-zação Mundial de Saúde (OMS) desde 1990 como51:

49. Portal Médico. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2007/111_2007.htm. Acesso em 11/01/2014.

50. Idem.51. Maiores informações consultar World Health Organization. National Cancer control Programmes:

Policies and managerial guiderlines. Disponível em: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en/. Acessado em: 12/01/2014.

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Cuidados ativos e totais aos pacientes quando a doença não responde aos tratamentos curativos, quando o con-trole da dor e de outros sintomas (psicológicos, sociais e espirituais) é prioridade e o objetivo é alcançar a melhor qualidade de vida para pacientes e familiares.

Posteriormente, o conceito foi ampliado, contemplando a prevenção do sofrimento desde as fases anteriores ao fim da vida, a saber l52:

Abordagem que aprimora a qualidade de vida dos pacien-tes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação correta e tratamento impecável da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual.

Pode-se então afirmar que a norma emitida pelo CFM (Resolução 1805/2006) trou-xe à baila a prática da ortotanásia, permitindo a interrupção de procedimentos mé-dicos para pacientes terminais que não tenham mais perspectiva de uma vida digna. A partir da sua edição, as possibilidades e modalidades de cuidado à população fora de possibilidade terapêutica, passam a ser repensadas, como de extrema importância. Parecia ser a concretização do exercício do direito de morrer com dignidade, inseri-do no contexto de um Estado Democrático de Direito.

A nova abordagem foi de encontro à chamada obstinação terapêutica, de-nominada de distanásia, já tratada anteriormente no presente trabalho, na qual o médico era visto com a função de garantidor da não ocorrência do resultado morte. Diferentemente, mostra que a medicina tem seus limites, sendo a morte o mais defi-nitivo deles (BARROSO; MARTEL, 2012).

Aos olhos da antiga interpretação, se o médico deixasse de utilizar tratamen-tos, ainda que inúteis para o doente em estágio terminal, mas apenas aliviar seu sofri-mento, poderia responder por homicídio doloso na modalidade omissiva imprópria. O crime ocorreria mesmo que o paciente, em posse de todas as suas faculdades mentais, autorizasse a interrupção do tratamento. Chegou-se a especular a respeito

52. Idem.

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da incidência da qualificadora de utilização de meio que dificulte ou torne impossível à defesa da vítima. Na melhor das hipóteses, o médico poderia ser processado por omissão de socorro, nos termos do artigo 135 do Código Penal53:

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fa-zê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extra-viada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Em termos médicos, tratamento é o conjunto de meios empregados na cura. Se a possibilidade de cura não mais existe, obviamente, também não haverá o que tratar. O novo Código de Ética Médica trouxe, de forma velada, o conceito da ortotanásia, dispondo no parágrafo único do artigo 4154:

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e termi-nal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou tera-pêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consi-deração a vontade expressa do paciente ou, na sua impos-sibilidade, a de seu representante legal.

Em acréscimo, o artigo 32, ainda do Código de Ética Médica, dispõe:

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diag-nóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

53. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em 11.01.2014.

54. Código de ética Médica – Resolução CFM nº 1.931/2009. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/. Acesso em 10.01.2014.

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A interpretação do artigo parece dispor que o médico tem a obrigação de, a qualquer custo, utilizar procedimentos médicos, mesmo sem a possibilidade de cura, contudo, essa não é a melhor interpretação, pois, desde 1999, a chamada “Lei Mário Covas”, editada no Estado de São Paulo, de autoria do deputado Roberto Gouveia, e que regula sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde, já assegura ao pa-ciente terminal o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida. É a lei estadual nº 10.241/199955, dispondo expressamente em sentido contrário ao do artigo 32. Dois dos mais importantes tópicos da Lei es-tão nos incisos XXIII e XXIV, neles se pode identificar, com clareza, que o paciente tem o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários cujo fim seja o de prolongar a sua vida e que tem, em acréscimo, o direito de optar pelo local da morte. Também oferece respaldo legal aos médicos que acreditam que, em alguns pacientes terminais, e com a concordância dos mesmos ou de quem responda por eles, a não introdução ou a interrupção de medidas para o prolongamento da vida é a conduta ética a ser adotada.

Fato curioso é que, o próprio governador Mário Covas, ao sancioná-la, afir-mou que o fazia não só como político, mas também como paciente, já que lhe havia sido diagnosticado um câncer e, dois anos depois, estando em fase terminal, se utili-zou dela, ao recusar o prolongamento artificial de sua vida.

Dificuldades práticas e teóricas são inevitáveis na construção de nexos entre a medicina e o direito, ou a medicina e os valores morais. Os discursos dos atores sociais envolvidos no processo evidenciam uma atribuição diferencial de sentidos e valores para as categorias apontadas, além da produção de sentimentos a elas as-sociados. O aspecto normativo da ortotanásia na prática médica é tema conflitivo e suscita inúmeras dúvidas relacionadas à formulação sobre como viver e morrer, diante da oferta de novas opções. Isso porque, a partir da novidade trazida pela re-solução nº 1805/2006, traduzida na construção de distintas liberdades em relação ao próprio corpo, à vida e morte, às relações privadas familiares ou conjugais foram possibilitadas. Percebe-se uma atribuição diferencial de valores, por vezes de conte-údo ambivalente ou paradoxal, ou os dois, como, por exemplo, ao falar de dignidade e sofrimento (MENEZES; VENTURA, 2013).

A defesa da Resolução do Conselho Federal de Medicina pode ser constru-ída quer dentro das categorias do próprio Direito Penal, quer mediante uma leitura de seu texto à luz da Constituição. Ao pretender dar suporte jurídico à ortotanásia objetivou contornar as deficiências e insuficiências de um Código Penal em vigor,

55. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/saudelei10241.htm.

Acesso em 30.03.2014.

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cuja parte especial é da década de 40 do século passado. Respaldou sua proposta na função disciplinadora que exerce na classe médica, bem como o artigo 5º, III da Constituição. Não considerou, sequer fez menção à eutanásia e ao suicídio assistido, práticas não éticas, rejeitadas pelo CFM (BARROSO; MARTEL, 2012).

Pela forma normativa precária com que a ortotanásia vem sendo tratada pelo Direito Brasileiro, cuja carência vem sendo detectada pelos legisladores pátrios sem, contudo, alcançarem uma solução mais adequada para o problema, a Resolução do CFM nº 1.805/2006 vem se juntar à Lei Paulista n. 10.241/1999, na busca da cons-trução de um novo paradigma jurídico, tendo por base o respeito à dignidade da pessoa humana. Posterior aos institutos mencionados, o presente trabalho abordará a Resolução nº 1995/2012, foco principal do presente estudo mas que, teve como precursores as indicações citadas.

No direito penal brasileiro vigente, até o presente momento, não existe um tipo específico para categorizar a ortotanásia ou mesmo a eutanásia. Em relação à eutanásia, o Código Penal Brasileiro considera crime a sua prática em qualquer hi-pótese, porém, não a tipifica de forma objetiva e explícita, aplicando-se, nos casos cabíveis, o previsto no art. 121 do Código Penal56, ou seja, é tratada como homicídio,

56. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm.

Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio

de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado§ 2º Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo

torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo§ 3º Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de um a três anos.

Aumento de pena§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de

regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

§ 5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

§ 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.

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simples ou qualificado. Conforme a conduta do agente, poderá se encaixar na pre-visão do homicídio, do auxílio ao suicídio, ou pode, ainda, ser atípica, nos termos do artigo 122 do Código Penal57 (LOPES JÚNIOR, 2013). Segundo o autor, o en-tendimento penal formal da doutrina é no sentido de considerar a ortotanásia uma espécie de eutanásia, e é mais comumente chamada de eutanásia passiva, cuja carac-terística do delito é a ação omissiva do agente. No atual Código Penal Brasileiro, o pedido da vítima não afasta a ilicitude, sendo o consentimento, no texto, irrelevante para a caracterização do que se chama de eutanásia.

O Código Penal Brasileiro está sendo alvo de reforma, pois, precisa respon-der às exigências de uma nova sociedade.

O anteprojeto do Código Penal foi criado por um conjunto de renomados juristas e entregue ao presidente do Senado no dia 27 de junho de 2012. Atualmente, está tramitando como PLS 236/201258. Muitos tópicos são alvo de reformas, inclu-sive alguns bastantes polêmicos, como o aumento da lista de crimes considerados hediondos, facilidade em comprovar a embriaguez ao volante, ampliação das possi-bilidades de aborto, descriminalização do uso de drogas e questões sobre os crimes cibernéticos. Dentre as modificações previstas, também está a possibilidade de lega-lização da ortotanásia, nos casos de desejo do paciente, bem como da proibição da eutanásia, embora criando algumas exceções.

A previsão da ortotanásia como causa de exclusão da ilicitude do homicídio encontra-se registrada no art.121 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal Brasileiro:

§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de al-guém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilida-de, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

57. Induzimento, instigação ou auxílio a suicídioArt. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único – A pena é duplicada:Aumento de pena

I – se o crime é praticado por motivo egoístico;

II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.58. PLS – Projeto de Lei do Senado – Portal Atividade Legislativa – Senado Federal – Disponível em:

http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404. Acesso em 9.11.2014.

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Olhando os detalhes da redação, a modificação permitirá dirimir a contro-vérsia a respeito da licitude do procedimento ortotanásico, contudo, observa-se que o texto traz uma incorreção técnica: a ortotanásia não é causa de justificação do ho-micídio, pois a omissão do médico em prolongar artificialmente a vida de paciente terminal não infringe nenhum dever legal, inexistindo a hipótese de crime omissivo impróprio. O fato é simplesmente atípico, sendo redundante a previsão de causa de exclusão de ilicitude.

A morte não é um processo alheio à vida, e sim o fim natural do processo de viver, estando a ela intrinsecamente ligada. O direito à vida não é um direito ab-soluto, vez que os princípios constitucionais, notadamente o princípio da dignidade humana, permeiam a interpretação de todos os direitos e garantias fundamentais. O que está protegido pela constituição federal é a morte digna, pois, o fato de a mor-te natural integrar a vida humana, conclui-se que ao proteger a vida o constituinte também estará protegendo a morte digna, conformando esse valor em direito. Deste modo, enquanto há o direito à vida digna, pode-se igualmente falar em direito à morte digna (DIAS, 2012).

Ao se abordar o direito à morte digna é comum que haja repulsa das pessoas em comentá-lo por haver uma ideia de antagonismo frontal ante o direito à vida. Entende-se que ao resguardar a morte digna automaticamente se estaria impondo uma afronta à vida. Contudo, a morte digna que se entende resguardada constitucio-nalmente é aquela que integra o próprio direito à vida: a morte natural.

A morte digna revela dilemas não apenas de ordem jurídica, como também na seara religiosa, social e moral, daí, a necessidade de delinear os termos atinentes, o que torna possível identificar as condutas que diferenciam a ortotanásia da eutaná-sia, por exemplo, distinção altamente relevante para que uma conduta lícita não seja taxada como criminosa (SANTORO, 2010).

Não há nexo de causalidade entre o ato do médico e a morte do paciente, pois a ortotanásia apenas existe relativamente a pacientes em fase terminal de vida, ou seja, a evolução da enfermidade a morte ocorre em razão, pois os tratamentos extraordinários seriam administrados para prolongar a quantidade da vida, e, os cui-dados paliativos atuam na melhora da qualidade de vida. Considerando as questões sociais, jurídicas e filosóficas que envolvem a morte digna, a lacuna normativa gera insegurança jurídica manifestada no temor dos médicos de sofrer punição judicial pela prática da ortotanásia (CRUZ; OLIVEIRA, 2013).

A edição da Resolução 1.805/2006, pelo Conselho Federal de Medicina (Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169), tratando dos critérios au-torizando a prática da ortotanásia, foi extremamente impactante e gerou grande

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celeuma, especialmente considerando os padrões culturais brasileiros. Embora sen-do uma norma vinculante apenas à comunidade médica, sua aprovação foi parar nos tribunais (DADALTO, 2013).

Tudo começou quando o Procurador dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal ainda antes da publicação da Resolução CFM nº 1805/2006, dela tomou co-nhecimento e instaurou o Procedimento Administrativo nº 1.16.000.002480/2006-2159, com recomendação para sua imediata revogação, sob os argumentos de prote-ção do direito à vida; de que a ortotanásia é análoga à eutanásia e, em resumo, editá-la se estaria fazendo uma apologia ao homicídio. Para o procurador proponente, não haveria como se estabelecer distinção ou fundamento para se legitimar e autorizar o término da vida de alguém por outra pessoa, sem, invariavelmente, esbarrar na regra constitucional. Curioso notar-se o conteúdo emocional e passional que envolveu o procurador ao defender a suspensão da Resolução, visível não só pela maneira como se expressou, como também pelo uso de tamanhos variados de letra e em negrito; muitos espaços entre frases ou trechos, na tentativa de realçar ideias; a repetição de palavras como “não” em seis linhas consecutivas ou quatro linhas com a expressão “pô!”; e o uso frequente de pontos de exclamação. Diante dessas observações pode--se evidenciar o grau de rejeição do procurador ao conteúdo da Resolução do CFM, postura inadequada ao Estado de direito democrático, que exige uma análise racional e imparcial dos conflitos.

Sem obter resposta positiva do CFM sobre o objeto do processo adminis-trativo instaurado, e já tendo decorrido alguns meses da determinação da revogação pelo MPF, o procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, representando o órgão a que faz parte ingressou com ação civil pública. Desta forma, o Ministério Público Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal propôs Ação Civil Pública, com pedido de liminar, que tramitou perante a 14ª Vara Federal da Justiça Federal do Distrito Federal, número 2007.34.00.014809-3, por entender, na pessoa do seu pro-ponente, que a norma ultrapassou as competências do Conselho Federal de Medici-na, por pretender, na sua concepção, regrar fato que não comportava regramentos, quer pelos limites jurídicos, quer pelos limites culturais vigentes no Brasil. O procu-rador regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal, Wellington Marques de Oliveira, argumentou que o CFM não teria poder para regulamentar sobre o direito à vida, matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional. Na petição inicial, colocou-se frontalmente contra o conteúdo da Resolução. Em meio a muitas consi-derações jurídicas, morais e metafísicas, afirmou60:

59. Íntegra do processo administrativo. Disponível em: http://www.prdf.mpf.mp.br/imprensa/arquivos_noticias/arquivos-antigos-noticias/ACP_Ortotanasia.pdf/view. Acesso em 10.11.2014.

60. BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ACP nº2007.34.00.014809-3. Petição Inicial(Wellington

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A ortotanásia não passa de um artifício homicida; expe-diente desprovido de razões lógicas e violador da Consti-tuição Federal, mero desejo de dar ao homem, pelo pró-prio homem, a possibilidade de uma decisão que nunca lhe pertenceu.

Na petição inicial da ação civil pública contra a Resolução 1805/2006 do Conse-lho Federal de Medicina que autorizava a ortotanásia, estava subjacente a dignidade como heteronomia e não como autonomia. O procurador sustentava que todos os pacientes terminais e seus familiares estariam destituídos de capacidade para tomar decisões referentes aos tratamentos médicos a serem ou não realizados, tornando claro que a dignidade como autonomia não se fazia presente em seu raciocínio. No pensamento do procurador, destituídas estariam de sua autonomia para tomar de-cisões, sem qualquer exame das particularidades do caso, sem qualquer análise indi-vidualizada. Descartou-se, sumariamente, a possibilidade de os pacientes terminais ou seus responsáveis legais optarem pela limitação consentida de tratamento, o que considerou como “fuga” para não enfrentar o sofrimento e não lutar contra a morte. Foi uma compreensão heterônoma do que é ou não digno para o ser humano em seu leito de morte.

Para o Ministério Público Federal, a decisão de pôr fim à vida não poderia vir apenas dos médicos e do paciente ou seu representante legal, como prevê a resolução do conselho. Os aspectos psicológicos, sociais e econômicos devem ser considerados também, para evitar distorções nas decisões de terminalidade da vida. Segundo o proponente, um paciente idoso com doença terminal, por considerar-se um estorvo à família, poderia desejar a morte, por exemplo. Também esboçou, a título de exemplo, a preocupação relacionada com o custo do tratamento, a pressão dos planos de saúde e a disponibilidade de equipamentos e medicamentos na rede pública. Tais situações poderiam interferir na decisão do médico, segundo sua inter-pretação (MENEZES, 2013).

Para o procurador, necessário seria a existência de uma comissão multidis-ciplinar, formada por assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, e outras especiali-dades que se fizessem necessárias, a depender do caso concreto, só assim se teria

Divino Marques de Oliveira – Procurador Regional dos Direitos do Cidadão/1ª Região). Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/pdfs/ACP%20Ortotanasia.pdf Acesso em: 20/01/2014. BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Recomendação nº 01/2006 – WD – PRDC.(Wellington Divino Marques de Oliveira – Procurador Regional dos Direitos do Cidadão/1ª Região). Disponível em: http://prdc.prdf.mpf.gov.br/legis/docs/exfile.2006-11-21.7242563592/attach/REC%2001-2006%20CFM.pdf Acesso em: 20/01/2014.

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condições de fazer uma avaliação sobre a indicação ou não da ortotanásia. Ressalta também ser imprescindível a participação, no processo, dos órgãos constitucional-mente legitimados para defender os direitos e garantias individuais, o Ministério Pú-blico e o Judiciário.

Na realidade, o procurador, preocupado com a situação da saúde pública brasileira, não muito satisfatória em termos de recursos, atentou para o cuidado que se deve tomar em se vincular a possibilidade da ortotanásia às dificuldades de ope-racionalização dos procedimentos médicos. Segundo sua linha de pensamento, seria temerário que predominasse o raciocínio de que vale mais à pena investir os recur-sos financeiros e procedimentais disponíveis em pacientes que têm possibilidade de sobrevivência, em detrimento daqueles em estados terminais. Tal prática, dentro de uma sociedade capitalista, segundo o procurador, poderia servir como instrumento para uma “eugenização social da população”, ou seja, “a ortotanásia levaria a uma tentativa conspiratória de purificação do povo brasileiro daqueles que não podem mais trabalhar ou produzir num mundo capitalista”61.

Sob essas conjecturas, o MPF pediu a revogação imediata da resolução ou, alternativamente, que ela fosse alterada de forma a contemplar todas as possibilida-des terapêuticas e sociais envolvidas. Pediu a definição, pelo Conselho Federal de Medicina, de critérios objetivos e subjetivos para a prática da ortotanásia, incluindo obrigatoriamente a participação de uma equipe multidisciplinar e que, após pare-cer de aprovação da equipe, os médicos fossem obrigados a comunicar e submeter previamente ao Ministério Público e ao Judiciário todos os pedidos de pacientes ou representantes legais, bem como os diagnósticos médicos aconselhando a ortotaná-sia62. A suspensão da resolução foi requerida.

Inicialmente, o magistrado que julgou a ação, Roberto Luis Luchi Demo, concedeu a tutela, sustando os efeitos desta resolução. Na decisão que acolheu o pedido de antecipação de tutela, entendeu o juiz de primeiro grau pela existência de “aparente conflito entre a resolução questionada e o Código Penal, no entan-to, percebe-se, em seu pronunciamento, uma confusão ao se referir aos conceitos de eutanásia, ortotanásia e suicídio assistido, especialmente quando cita os filmes

61. Palavras do procurador impetrante de ACP. Texto disponível em: http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/ACP%20Ortotanasia.pdf/view. Acesso em 17/01/2014

62. A íntegra da Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada pode ser encontrada em: http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/ACP%20Ortotanasia.pdf/view. Acesso em 17/01/2014.

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“Mar Adentro”63 e “Menina de Ouro”64 e a “Declaração sobre a Eutanásia”65. O primeiro filme trata de um caso de suicídio assistido; o segundo de eutanásia e a Declaração é um documento religioso, elaborado na década de 80 (DADALTO, 2013). Contudo, apesar das confusões de definição, o magistrado reconheceu que a ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite que ela aconteça de forma natural e, pensando em termos plenamente legalista, mencionou a reforma do código penal em tramitação (e que ainda não se concretizou no Brasil) invocando a seguinte lógica: se há um projeto de lei em tramitação propondo a descriminalização da ortotanásia, significa que o ordenamento jurídico atual a considera crime e, por essa razão, não seria possível que uma norma proferida por um órgão fiscalizador da medicina e da prática médica assumisse o papel de lei, sem que a matéria, sendo considerada crime, tivesse passado pelo devido processo legislativo, nos termos do direito brasileiro66, ou, pelo menos, passasse pela apreciação do Supremo Tribu-nal Federal via ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental67.

63. O filme, dirigido por Alejandro Amenábar, é baseado em uma história verídica. Retrata a vida de Ramón Sampedro (Javier Bardem), marinheiro e mecânico de barcos totalmente saudável, inteligente e viril, que fica tetraplégico ao sofrer um acidente e ser obrigado a viver, contra sua vontade, paralisado em uma cama, dependendo da ajuda de seus familiares para todas as suas necessidades básicas. Em seu quarto, confinado em uma cama para sempre, resume seus dias a olhar o mar, o mesmo mar que tanto viajou e que lhe roubou a vida e a juventude. Vinte e seis anos depois do acidente, ele consegue uma advogada disposta a ajudá-lo na luta em legalizar a eutanásia e finalmente morrer com dignidade. Confrontando questões morais, religiosas e sociais, Ramón tenta legalizar uma petição que lhe dê autorização para cometer eutanásia, sem que nenhumas das pessoas que o ajudaram sejam prejudicadas por suas ações. Nessas quase três décadas de clausura, houve tempo suficiente para pensar em tudo e decidir-se pela morte, e o filme nos torna partidários dessa ideia, quase cúmplices do personagem.

64. O filme, dirigido e protagonizado por Clint Eastwood, conta a história de Maggie Fitzgerald (Hilary Swank) uma jovem que enfrenta muitos preconceitos para seguir a carreira do Box, em um mundo extremamente machista. Em certo momento do filme, se depara com uma lesão que a deixa com toda sua movimentação paralisada, mantendo apenas o contato verbal. Nesse momento, seu treinador (Clint Eastwood) tem que fazer uma difícil escolha entre mantê-la viva, porém infeliz, ou aplicar uma morte assistida como é a vontade da garota. O filme trata da fragilidade das questões humanas, éticas e familiares, ao mostrar até onde pode chegar o drama da existência. Questiona inteligentemente a questão da eutanásia e põe à prova todas as variações de julgamentos ético-morais acerca deste problema.

65. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19800505_euthanasia_po.html. Acesso em 18.01.2014.

66. No Brasil, legislar sobre Direito Penal cabe à União, segundo a Constituição Federal, artigo 22, I: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;(...) (grifos nossos).

67. Segundo o STF – Descrição do Verbete: É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza equivalente às ADIs, podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal, mas tal norma deve ser municipal ou anterior à Constituição vigente (no caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal 9.882/99. Os legitimados para ajuizá-la são os mesmos da ADI. Não é cabível ADPF quando existir outro tipo de ação que possa ser proposto. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=481. Acesso em 18.01.2014.

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Segundo Luís Roberto Barroso68, a decisão marca o encontro, no Brasil, de dois fe-nômenos a medicalização e a judicialização da vida, iniciando uma realidade já vivida em casos internacionais como os de Terri Schiavo (EUA)69, Hannah Jones (Reino Unido)70 ou Eluana (Itália)71 , dramas acompanhados, em tempo real, pela sociedade em geral através dos meios de comunicação. A orientação do Conselho Federal de Medicina contida na resolução está em consonância com as da Associação Médica Mundial (AMM), as da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e as do Conselho Europeu e da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), bem como com o tratamento jurídico adotado em países como Estados Unidos da América, Canadá, Espanha, México, Reino Unido, França, Itália, Suíça, Suécia, Bélgica, Holanda e Uruguai (BARROSO, MARTEL, 2012).

O pronunciamento judicial suspensivo da Resolução 1805/2006 exibe, tal qual nos casos citados, o descompasso entre ordenamento jurídico e a ética

68. Atual ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, nomeado pela presidente Dilma Rousseff em 26 de junho de 2013, em substituição a Carlos Ayres Britto. Ficou conhecido por sua atuação no STF, como advogado, em casos de grande repercussão como defesa das pesquisas com células tronco embrionárias, defesa da equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis tradicionais e defesa da proibição do nepotismo no Poder Judiciário. Também foi advogado do militante da esquerda italiana Cesare Battisti, caso de grande repercussão internacional.

69. Terri Schiavo, em decorrência de uma parada cardíaca viveu em estado vegetativo até falecer, em 2005. Nos últimos sete anos de sua vida, seu marido e representante legal, Michael Schiavo, pediu ao Judiciário dos EUA o desligamento dos tubos que a mantinham viva, sob a alegação que a esposa, antes de entrar em estado vegetativo, havia no sentido de que não gostaria de ser mantida viva artificialmente. Os pais de Terri e muitas autoridades norte-americanas, como o Presidente Geoge W. Bush, eram contra o desligamento dos. Foi uma longa controvérsia jurídica envolvendo desde a Justiça Estadual da Flórida até a Justiça Federal dos EUA, passando pelo Legislativo e pelo Governador do Estado. A Suprema Corte dos EUA se recusou a analisar a matéria. Terri Schiavo faleceu em 31 de março de 2005. O resultado de sua autópsia confirmou que nenhum tratamento poderia tê-la ajudado a superar os danos neurológicos que sofreu. GOODNOUGH, Abby. Schiavo Autopsy Says Brain, Withered, Was Untreatable, New York Times 16.jun.2005. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2005/06/16/national/16schiavo.html>. Acesso em: 22/01/2014.

70. Hannah Jones foi diagnosticada, aos cinco anos de idade, com uma forma rara de leucemia e, desde então, sua vida passou a envolver frequentes internações hospitalares. Seu tratamento incluía doses diárias de um forte medicamento que passou a comprometer o funcionamento do seu coração. Como única chance para sobreviver, necessitava de um transplante, contudo, a menina, na ocasião com treze anos, recusou o tratamento. Os muitos traumas sofridos e as inúmeras cirurgias a que se submeteu, embasaram sua decisão: preferia morrer com dignidade. O hospital não aceitou a decisão da paciente e recorreu ao Judiciário que decidiu acatar a decisão da paciente alegando que a garota era madura o suficiente para decidir por si própria.

71. Eluana Englaro sofreu um acidente de carro e ficou em coma por dezessete anos. O pai da moça lutou para garantir o direito de deixá-la morrer e junto ao Tribunal de Milão, conseguiu derrubar uma decisão de autoridades regionais que impedia os hospitais da região de cooperar com o fim da vida de Eluana, encerrando a batalha judicial. O caso provocou uma polêmica sobre a eutanásia na Itália, com a mobilização de grupos ligados à Igreja Católica e contrários à prática, gerando uma crise entre o Primeiro-ministro Silvio Berlusconi (contrário à eutanásia) e o presidente Giorgio Napolitano.Ela passou três dias sem receber comida e hidratação, mas uma complicação no seu quadro geral de saúde acabou antecipando sua morte. V. Morre Eluana, a italiana que estava em coma havia 17 anos. G1 09/02/09 – 17h48hs. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL993961-5602,00.html>. Acesso em: 22/01/2014.

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médica. Em um mundo pós-positivista, onde a reaproximação entre o Direito e a Ética passou a ser uma tarefa basilar, este é um desencontro que deve ser evitado (BARROSO, 2009).

No espaço temporal entre a decisão da antecipação de tutela e o julgamento definitivo da ação, o CFM – Conselho Federal de Medicina aprovou o novo Código de Ética Médica, Resolução CFM Nº 1931/2009, que começou a valer efetivamente em 13 de abril de 201072.

O julgamento final da ação aconteceu em 1º de dezembro de 2010. O juiz Roberto Luis Luchi Demo emitiu sentença considerando improcedente o pedido de decretação de nulidade da Resolução nº 1.805/2006 pelo Ministério Público Federal.A decisão valorizou a opção pela prática humanista na Medicina, registrada pelo abandono de práticas e posturas paternalistas, de superproteção, na qual canalizava seus esforços na doença e sua cura a qualquer custo e não no paciente, numa busca obsessiva pela cura a qualquer custo, mesmo que isso significasse o prolongamento da dor e do sofrimento para o paciente e sua família (BARROSO; MARTEL, 2012).

O magistrado, diferentemente de seu primeiro pronunciamento, entendeu os avanços médicos relacionados aos cuidados paliativos e aos tratamentos extraordi-nários ou fúteis, ressaltando a dificuldade da medicina em estabelecer a terminalida-de, assim como a de diagnosticar uma doença rara ou optar por um tratamento em lugar de outros.

A decisão divulgada pela 14ª Vara da Justiça Federal, sediada em Brasília, contemplou a própria evolução dos costumes e das relações sociais, e colocou um ponto final na disputa que se arrastou por mais de três anos, reconhecendo a licitude da ortotanásia no Brasil e a validade da mencionada resolução.

Não há dúvidas, do ponto de vista ético e jurídico, à luz dos valores sociais e dos princípios constitucionais que a ortotanásia é legítima, posto que a resolução 1.805/2006 é uma interpretação adequada à Constituição. É o que se pode verificar da sentença quando ressaltou: 1) ter o CFM competência para editar a resolução, por não estar tratando de direito penal e sim de ética médica e suas consequências; 2) não se pode interpretar a ortotanásia como crime de homicídio pelo Código Penal Brasileiro vigente; 3) não ter a resolução determinado modificação significativa e danosa na rotina dos médicos que lidam corriqueiramente com pacientes em final de vida; e, por fim, 4) a resolução veio, ao contrário do que lhe foi imputado, incentivar os médicos a descrever os procedimentos que possam ou não adotar em relação aos seus pacientes, trazendo assim maior transparência e possibilidade de controle da atividade (PESSOA, 2013).

72. Resolução publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90, com retificação publicada no D.O.U. de 13 de outubro de 2009, Seção I, p.173.

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Hoje, a Resolução nº 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina, tratan-do da ortotanásia, está em pleno vigor no âmbito da ética médica e foi fortalecida pelo parágrafo único do art. 41 do novo Código de Ética Médica, Capítulo V, que dispõe sobre a Relação com pacientes e familiares (artigos 31 a 42) e diz ser vedado ao médico:

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos dispo-níveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal (Código de Ética Médica).

Assim, respeitando a autonomia do paciente, devem os médicos empregar os cuidados paliativos nos casos de doença incurável e terminal (OLIVEIRA; CARVALHO, 2008).

De qualquer forma, a Resolução do CFM combatida na ação proposta, que-brando antigos tabus e enfrentando realisticamente problemas até então pouco dis-cutidos, registrou uma importante vitória nos campos ético e jurídico, com foco na dignidade humana, para os conselhos de Medicina e conseguiu levantar uma acirrada discussão sobre o momento da morte, um tema antigo e que sempre mereceu aten-ção da sociedade e do legislador ordinário, frente à possibilidade de ser constitucio-nalmente possível. Na prática, ainda não aconteceu nenhum caso de um médico que foi processado e condenado criminalmente por ter praticado a ortotanásia, porém, embora uma acusação pela ´prática seja algo bastante remoto, só com a edição tão esperada do novo Código Penal poderão os médicos suspirarem aliviados e afasta-rem o fantasma da possibilidade de um processo.

Em 31 de agosto de 2012, o CFM editou a resolução nº 1995, reconhecen-do, expressamente, o direito do paciente, em fim de vida, manifestar por escrito sua vontade sobre a suspensão de tratamentos e procedimentos médicos: nascia as diretivas antecipadas de vontade (DAV), gênero do qual o Testamento Vital é espécie (DADALTO, 2013).

A sociedade, no entanto, precisa estar preparada para mudanças como esta, que tem como fundo o resgate da dignidade do ser humano em todos os momentos de sua trajetória, inclusive no momento da morte.

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Passada essa primeira batalha que marcou a discussão da terminalidade de vida no Brasil, outra estaria surgindo com a edição da Resolução nº 1995, em 31 de agosto de 2012, pelo CFM – Concelho Federal de Medicina73.

Enquanto a Resolução nº 1.805/2006 regulamentou a possibilidade de o mé-dico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, a nova resolução de nº 1995/2012 dispôs sobre as diretivas antecipadas de vontade, mais conhecida como “Testamento Vital”, registrando a primeira regulamentação do tema no Brasil. O foco agora passou a estar na autodeterminação do paciente, na possibilidade deste definir situações futuras relacionadas ao seu momento de morrer. De acordo com a resolução, tornou-se possível, ao paciente, definir as “diretivas antecipadas de vonta-de”, ou seja, o conjunto de desejos, previamente e expressamente manifestados, so-bre cuidados e tratamentos que deseja, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade (DADALTO, 2013.

Embora só recentemente tratado pelo CFM, o tema “diretivas antecipadas de vontade” não é uma inovação do CFM, pois foram admitidas como um conceito da Bioética ainda nos anos oitenta e aparecem consagradas na obra de Tom Beauchamp e James Childress intitulada “Princípios da Ética Biomédica, cujo primeiro livro foi editado no Brasil somente em 2002 (Beuchamp; Childress, 2002) mas corresponde à quarta edição norte-americana, de 1994, cuja 1. ed. fora lançada ainda em 1979. Na Europa a relevância deste direito do paciente tradicionalmente é referenciada pela obra Livro da Bioética Personalista intitulado Manual de Bioética: fundamentos da Ética Biomédica (2009, p. 887) de Elio Sgreccia (RIBEIRO, 2014).

É dever do médico diagnosticar e determinar o alcance da enfermidade, bem como a possibilidade de cura, contudo, caberá ao paciente, de acordo com a auto-nomia que lhe é constitucionalmente garantida, a opção de limitar ou suspender o tratamento. A projeção de uma autonomia para o futuro pressupõe um ato jurídico capaz de antecipar a vontade individual, com o objetivo de que seus efeitos possam ser verificados para o futuro (SÁ; MOUREIRA, 2012).

No Brasil, o “Testamento Vital” e sua aplicabilidade legal vem sendo obje-to de discussões doutrinárias, bem como de estudos em sede de graduação e pós--graduação, como mestrado e doutorado, mesmo antes da edição da resolução nº 1995/2012. Em 2010, a pesquisa de mestrado realizada pela, hoje doutora Luciana Dadalto, praticamente iniciou a abordagem do tema vida e morte no direito brasi-leiro, marcando uma nova concepção na desmistificação do excesso terapêutico e

73. Conselho Federal de Medicina. Resolução 1805/2006. Disponível em http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf. Acesso em 18.01.2014.

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da afirmação da autonomia existencial do ser humano. Porém, foi com a edição da Resolução nº 1995/2012 pelo Conselho Federal de Medicina, que, expressamente, foi feito o reconhecimento do direito do paciente, em fim de vida, manifestar por escrito sua vontade sobre a suspensão de tratamentos e procedimentos médicos.

A edição da norma marcou a introdução oficial da declaração prévia de von-tade do paciente terminal no Brasil, instituto já encontrado no cenário mundial. Face à nova resolução do CRM, estudos sobre as diretivas antecipadas de vontade come-çaram a surgir no Brasil, agora pautados em dados normativos concretos, passando a discussão a focar na possibilidade de alguém incluir, em seus projetos de vida, o desejo de que, em situações nas quais a medicina não possa remediar, a natureza pos-sa agir com liberdade, deixando que a morte aconteça de forma natural, em respeito, principalmente, à vida (DADALTO, 2013).

Em casos de pacientes em situação de final de vida, o bem da vida e a dig-nidade da pessoa humana entram em conflito e a vontade não mais pode ser mani-festada devido à ausência da capacidade de discernimento do paciente. Em razão da mudança de perspectiva na relação medicina e direito, surgem os questionamentos a respeito dos direitos dos pacientes, especialmente daqueles que se encontram nessa situação (GONZÁLES, 2006). Dentro desse contexto, cabe trazer à tona as palavras da autora Kübler-Ross (2008) ao afirmar que pacientes gravemente enfermos, na grande maioria das vezes, são tratados como pessoas que não têm direito de opinar sobre suas decisões e escolhas no fim da vida, uma vez que a outras pessoas é de-legado o direito de fazê-lo. Enfatiza que, no entanto, pouco custaria “lembrar-se de que o paciente tem sentimentos, desejos, opiniões e, acima de tudo, o direito de ser ouvido” (KÜBLER-ROSS, 2008, p.12).

A partir da resolução 1995/2012, a vontade do paciente passou a ser sobe-rana, não mais podendo o médico, detentor do saber cien tífico, decidir pela questão da vida ou da mor te do paciente. Pela resolução, as diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. O paciente agora passa a ser visto como sujeito do processo, partícipe da decisão. Não poderá tal profissional estabelecer determinações terapêuticas ou procedimentais que venham a colidir com as diretivas manifestadas pelo paciente, res salvado o que dispõe o Código de Ética Médica no artigo 41, já descrito anterior-mente (cuidados paliativos).

Contudo, é preciso cautela ao se afirmar que o médico está subordi nado à decisão do paciente, pois, isso não tem o significado absolu to de dizer que o paciente não terá tratamento (não haverá a ortotanásia), ou em outras palavras, a determi-nação que vincula o mé dico ao Testamento Vital, não está de modo algum dando a possibilidade de um suposto direito ao suicídio, ou à eutanásia, ou mesmo ao

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suicídio assistido, práticas ainda condenáveis à luz do direito normativo brasileiro. A diferença entre esse procedimento (a ortotanásia) e a “eutanásia” é que, na ortota-násia, não há uma “ajuda” para a morte do paciente, apenas não lhe é oferecido um possível recurso ou tratamento, posto que foi expressamente recusado pelo próprio paciente (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013).

À época da edição da resolução não existia, no ordenamento jurídico brasilei-ro vigente (como ainda não existe), lei específica para tratar das declarações prévias de vontade. Diante desse novo cenário, a classe médica passou a conviver com as no-vas determinações, enfrentando um problema que, embora contendo uma inovadora discussão jurídica, já fazia parte do cotidiano operacional de médicos e profissionais da saúde que lidam com pacientes considerados terminais e fora de possibilidade terapêutica. O prolongamento artificial e desproporcional da vida, quando a morte, de fato, já se instalou por irreversibilidade, e a prática de uma cultura medicalizadora da vida impondo que se continue a adiar seu momento final, após a nova resolução, passou a estar sob o enfoque da decisão do paciente e não da decisão do profissional ao avaliar a situação.

Não é difícil entender as dúvidas e a profunda insegurança jurídica que deve se instalar para esses profissionais quando deparados frente às situações limites que envolvam a autonomia do paciente, para atenderem ou não atenderem os desejos dos pacientes, principalmente no que diz respeito às consequências jurídicas. Por se tratar do órgão regulador e fiscalizador da profissão médica e, por já ter se pro-nunciado a respeito da manifestação da vontade do paciente não só no novo código de ética como também na Resolução nº 1995/2006, o CFM parece ter consolidado o entendimento de que a manifestação da vontade do paciente deve ser respeitada e seguida por aqueles profissionais, sob pena de aplicação das sanções pertinentes.

A discussão do tema não é algo tão simples, justamente por nela estar inse-rida a dúvida sobre a existência de “um direito de morrer” ou de “viver a própria morte” (PESSINI, 2004). Além disso, apenas a existência da resolução não resolve questões importantes sobre o exercício do instituto pelas pessoas, ou seja, quais as pessoas que poderiam elaborar o documento; quais os tratamentos ou procedimen-tos que podem ser recusados; qual será a participação do médico na construção deste documento; se este documento, para ter validade, terá que ser submetido a re-gistro; se poderá ser revogado e em prazo e circunstâncias, e muitos outros enfoques procedimentais. Realmente, a discussão precisa ser aprofundada, especialmente pelo grau de desconhecimento do instituto “testamento vital” pela comunidade médica e jurídica, e pela sociedade em geral. Uma reflexão minuciosa deverá abordar o institu-to sob dois enfoques primordiais: a forma e o conteúdo (DADALTO, 2013).

Por ser uma manifestação da vontade humana e produzir efeitos jurídicos, causando o nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas e seus

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direitos, o testamento vital, realmente padece destes atributos. Com relação à forma, é necessário que se estabeleça como o documento será produzido. São determina-ções relacionadas à necessidade de registro público ou não; à capacidade civil plena do seu feitor, ou seja, se um indivíduo incapaz poderia redigi-lo; se a forma escrita é essencial; se deve existir um prazo de validade e eficácia explícito ou tácito e, por fim, se, para operacionalização do instituto, deva existir lei em sentido formal e material, a exemplo de outros países que adotam modelo similar, a exemplo da Espanha, Ar-gentina, Estados Unidos, Portugal e tantos outros74.

Após a edição da resolução pelo CFM, mais uma vez, repetindo a história do que ocorreu quando da edição da resolução nº 1805/2006, o Ministério Público Federal – MPF resolveu intervir. Desta vez, foi em Goiás. A sede do MPF naquele estado moveu ação civil pública, com pedido de liminar, para suspender a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.995/2012. Argumentou que a norma-tiva extrapolava as competências legais do Conselho Federal de medicina, e também agredia a Constituição da República. A resolução foi classificada como inconstitucio-nal e ilegal pelo MPF/Goiás75. Leia-se o introito da ação76:

Esta ação civil pública tem suporte nos elementos acosta-dos ao inquérito civil público nº 1.18.000.001881/2012-38, instaurado nesta Procuradoria da República, visando apu-rar eventuais ações e omissões ilícitas do Conselho Federal de Medicina – CFM, relativamente ao conteúdo da Reso-lução CFM nº 1.995/2012, que “dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes”.

Com efeito, esta demanda tem por objetivo lograr provi-mento judicial que, em caráter incidental, declare a incons-titucionalidade e ilegalidade da Resolução CFM nº 1.995,

74. No site: http://testamentovital.com.br/legislacao.php pode-se visualizar toda legislação estrangeira sobre o testamento, vigente até o momento. O site foi, pioneiramente, desenvolvido no Brasil pela pesquisadora Luciana Dadalto com o objetivo de alimentar a discussão acerca do Testamento Vital no país, divulgar trabalhos realizados, e também de serem feitos registros do documento, transformando-se no primeiro arquivo nacional de testamento vital do Brasil. Como exemplo de registros em outros países, pode-se citar o site da Aniorte: http://www.aniorte-nic.net/trabaj_model_testam_vital.htm e do Instituto Gerontológico: http://www.igerontologico.com/derechos/testamento-vital-modelo-firmar-notario/140, ambos na Espanha. Acesso em 19.01.2014. O Link para o curriculum lattes da pesquisadora Luciana Dadalto é: http://lattes.cnpq.br/2434143079314894.

75. Ação Civil Pública n. 0001039-86.2013.4.01.3500 (proposta contra a resolução nº 1995/2012 CFM; Decisão liminar proferida na Ação Civil Pública 0001039-86.2013.4.01.3500; Agravo de Instrumento contra decisão liminar na Ação Civil Pública 1039-86.2013.4.01.3500

76. O texto pode ser lido na íntegra pelo endereço: http://www.testamentovital.com.br/sistema/arquivos_legislacao/inicial%20ACP%20testamento%20vital.pdf. Acesso em 19.01.2013.

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de 9 de agosto de 2012, a qual, a pretexto de normatizar a atuação de profissionais da medicina frente à terminalida-de da vida de seus pacientes, extravasa os limites do po-der regulamentar , impõe riscos à segurança jurídica, alija a família de decisões que lhe são de direito e estabelece instrumento inidôneo para o registro de “diretivas anteci-padas de pacientes”. Ademais, busca-se tutela jurisdicional que imponha ao réu conduta de não fazer, a fim de inibir a reiteração de atividades ilícitas fundadas na aludida re-solução; e conduta de fazer, consistente em ordem para que o réu dê ampla publicidade à decisão que suspender a aplicabilidade da normativa aqui impugnada. (grifos en-contrados no próprio texto)

Da leitura do texto, percebe-se que o procurador da República, Ailton Benedito de Souza, autor da ação proposta, explanou que, ilicitamente, a resolução, na tentativa de conferir segurança jurídica à atividade médica e, sob o pretexto de suprir o vazio normativo atinente às formas de expressão de vontade do paciente terminal, dispôs sobre o “direito de morrer”, à revelia de, segundo ele, todas as repercussões adminis-trativas, civis e penais dessa prática. O promotor ressaltou que o que está contido na resolução pretendeu introduzir no ordenamento jurídico a expressa possibilidade de utilização da eutanásia pelos pacientes que não possam exprimir sua vontade, obje-tivando abdicar do emprego de medidas médicas paliativas, que tenham como único resultado o de retardar, artificialmente, a inevitável e iminente morte do paciente terminal. Na opinião do autor da ação, inexiste norma, constitucional ou legal, que conceda ao réu competência para normatizar essa prática, daí, segundo ele, a incons-titucionalidade da resolução que teria extravasado o poder regulamentador.

Outra argumentação do procurador autor da ação consistiu na ameaça à se-gurança jurídica, ratificando o já mencionado anteriormente por Dadalto (2013), ou seja, que a resolução deixou inacabada a operacionalização do instituto, carecendo de esclarecimentos e definições em relação à forma e ao conteúdo. Para o procurador, a segurança foi ferida quando, por exemplo, não foi exigida sequer a capacidade civil do paciente para que possa manifestar sua vontade, ou seja, nada esclareceu sobre casos de menoridade, de emancipação ou de interdição civil. Isso pode se constituir um problema uma vez que o médico não tem formação jurídica e não está obriga-do a tê-la para exercer sua profissão. Por outro lado, também não foi determinado um lapso de tempo para que o instituto possa valer. Pode acontecer que um testa-mento vital feito nos dias de hoje, enquanto o paciente está sadio e lúcido, sendo

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utilizado daqui a muitos anos, as determinações nele contidas sejam esquecidas ou não mais correspondam à verdadeira vontade do paciente, ou ainda, face às inova-ções tecnológicas refletivas no procedimento terapêutico, o que estiver escrito, não mais existam ou tenham sido abandonadas e substituídas por novas técnicas. Neste momento, o então paciente, inconsciente e incapaz de exprimir sua vontade, frente à terminalidade da vida, poderia ser prejudicado. Realmente, parece fazer sentido a argumentação do promotor.

O Ministério Público de Goiás pediu, como tutela antecipada e depois, em julgamento definitivo, a suspensão em todo o território nacional da resolução CFM 1.995/2012, e o reconhecimento da declaração de sua inconstitucionalidade, além disso, pediu a aplicação de multa diária de R$ 100 mil, para cada caso de descumprimento77.

Em 14.03.2013, a Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado de Goiás – Primeira Vara, através do juiz Jesus Crisóstomo de Almeida, indeferiu a liminar sob a alegação de que, na Resolução nº 1995, o CFM apenas regulamentou a conduta médica ética perante a situação fática de o paciente externar sua vontade quanto aos cuidados e tratamentos que deseja receber ou não, na hipótese de se encontrar em estado terminal irremediável. Entendeu, então, ser a resolução constitucional, e que se coaduna com o princípio da dignidade humana. Acrescenta que a vontade do paciente é livre, em consonância com o artigo 107 do Código Civil Brasileiro, que só exige forma especial quando a lei assim o estabelecer. Por fim, observou que na resolução apenas está determinado que o médico deve registrar no prontuário do paciente a sua manifestação de vontade (da qual tomou conhecimento), não tendo exigido uma forma específica de comunicação.

Como a decisão liminar proferida reconheceu que a resolução era constitu-cional, foi interposto o agravo de instrumento nº 0019373-95.2013.4.01.000078 pelo Ministério Público. O agravo ficou concluso no gabinete do desembargador relator por mais de um ano, sem qualquer movimentação e, como o processo em primeira instância não estava suspenso, o juiz proferiu sentença, publicada em 02.04.201479, reconhecendo a constitucionalidade da resolução, e fazendo algumas observações. Registrou que as Diretivas Antecipadas de Vontade valeriam para qualquer paciente em situações em que esteja impossibilitado de manifestar sua vontade, e não apenas para os pacientes terminais ou que optem pela ortotanásia: assinalou a necessidade de legislação sobre o tema e, por fim, afirmou que tanto a família quanto o Poder

77. O texto pode ser lido na íntegra pelo endereço: http://www.testamentovital.com.br/sistema/arquivos_legislacao/inicial%20ACP%20testamento%20vital.pdf. Acesso em 19.01.2013.

78. Disponível em: http://testamentovital.com.br/wp-content/uploads/2014/07/agravo-de-instrumento-resolucao-CFM-1995.pdf. Acesso em 26.11.2014.

79. Sentença disponível em: http://testamentovital.com.br/wp-content/uploads/2014/07/senten%C3%A7a-ACP-testamento-vital.pdf. Acesso em 26.11.2014.

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Público podem invocar o Poder Judiciário caso se oponham às Diretivas Antecipa-das do paciente, bem como caso queiram responsabilizar os profissionais de saúde por eventual ilícito.

A decisão foi apenas uma pequena conquista, porém, registra um grande avan-ço para os defensores do instituto, especialmente no que diz respeito ao reconheci-mento da vontade do paciente, contudo, ratifica a falta de conhecimento do instituto no Brasil, e especialmente, retrata a dificuldade na diferenciação entre Diretivas An-tecipadas de Vontade, Testamento Vital e Mandato Duradouro. O Poder Judiciário poderia ter se manifestado e diferenciado os institutos de forma individual. Não o fez.

A Resolução nº 1995/2012 ratificou o que já tinha tido início com a resolu-ção nº 1805/2006, ou seja, abandonou a antiga cultura centrada no poder médico e o paternalismo do profissional, que, durante muito tempo, reduziu o indivíduo doente a um paciente que deve, resignada e submissamente aguardar, que delibera-ções acerca de sua vida sejam tomadas por outros, sem que sua decisão sobre o tipo de práticas de intervenção a que terá que submeter seja considerada, e ele as possa aceitar (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013).

É preciso que se reforce a informação de que a edição da Resolução CFM nº 1.995/2012 ocorreu em virtude da competência atribuída exclusivamente aos Con-selhos de Medicina pela Lei nº 3.268, de 30.09.57, na qual a União outorgou aos Conselhos de Medicina a legitimidade para tratar de temas atinentes à área médica, no campo ético, técnico e moral, como, por exemplo, das diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Leiam-se os artigos:

Art. 2º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo julgadores e discipli-nadores da classe médica, cabendo-lhe zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desem-penho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente;

(...)

Art. 15. São atribuições dos Conselhos Regionais:

a) deliberar sobre a inscrição e cancelamento do quadro do Conselho;

(...)

h) promover, por todos os meios ao seu alcance, o prefeito desempenho técnico e moral da medicina e o prestígio e bom conceito da medicina, da profissão e dos que a exerçam...”

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Em verdade, não há que se falar em ilegalidade ou inconstitucionalidade do referido ato administrativo, uma vez que cabe ao Conselho Federal de Medicina, atuando nos limites de sua competência legalmente definida e agindo em nome do interesse público, o poder dever de atribuir e regulamentar comportamentos éticos e morais acerca dos assuntos atinentes ao exercício da medicina. Desse modo, a re-solução é um marco da concretização do dever-poder dos Conselhos de Medicina, concretizando os preceitos da Lei nº 3.268/57 a quem deve fidelidade.

A resolução em comento, portanto, não padece de qualquer inconstituciona-lidade ou mesmo ilegalidade. Tem como escopo orientar a classe médica no sentido de exaltar a conduta ética no respeito que o profissional da medicina deve atribuir às diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Ressalte-se que não pretendeu introduzir no ordenamento jurídico a possibilidade de ser facultada ao paciente a possibilidade de se valer da eutanásia, mas, tão somente informar ao profissional da área médica que a conduta ética da profissão precisa estar alinhada à necessidade de se respeitar os desejos e vontades previamente expressados pelo paciente. Teve por objetivo apenas preservar a dignidade da pessoa humana no sentido de que o médico deve respeitar a predeterminação de vontade do paciente, estando essa decisão em perfeita sintonia com o ordenamento.

Na prática profissional, os médicos podem defrontar-se com situações de or-dem ética ainda não previstas nos atuais dispositivos éticos nacionais. Dessa forma, a regulamentação do objeto da Resolução em debate é medida de extrema importância para os profissionais da medicina, que nela poderão respaldar suas condutas diante de pacientes que tenham manifestado previamente, quando em pleno exercício de sua capacidade, que não desejam se submeter a este ou aquele tratamento médi-co. Ratifica-se assim o objetivo do CFM ao editar a resolução: simplesmente regu-lamentar, não invadindo, em momento algum, o âmbito de competência do Poder Legislativo brasileiro, pois não impôs regras gerais que devam ser observados por todos os cidadãos, mas, apenas, diretrizes éticas e morais a serem observadas pelo médico no exercício da profissão.

O mais importante a ser pontuado com relação à resolução 1995/2012 é que o instituto normativo atribuiu especial relevância à autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente. O termo “autonomia” remete à condição de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas, de se determinar por si mesmo, ou seja, de se conduzir por suas próprias leis, de se autorregulamentar e regrar, fundamentado na ideia de dignidade humana, a qual está associada à proteção das circunstâncias indispensáveis para uma existência plena do indivíduo (AMARAL, 2010; BARRO-SO; MARTEL, 2012). O tema tem sua relevância por traduzir o estado do homem

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enquanto indivíduo, afastando-o da condição de objeto à disposição de interesses alheios que imponham limites a ações que não consideram a pessoa como um fim em si mesma.

Recepcionar a resolução como norteadora do comportamento médico não se significa dizer que se esteja negligenciando o direito à vida, bem maior e indisponí-vel, do qual derivam todos os demais direitos. Contudo, de que vale a vida sem digni-dade? O artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal Brasileira enaltece a dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, devendo, para o presente debate, ser lido em conjunto com o artigo 5º, inciso III, no qual “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”. É nesse cenário que o embate Vida X Dignidade Humana quando nos propomos a investigar a validade dos testamentos vitais e das diretrizes antecipadas perante o ordenamento jurídico brasileiro.

As diretivas antecipadas de vontade não se restringem unicamente à hipótese em que o paciente esteja em situação terminal de vida. A manifestação prévia de vontade do paciente pode estar relacionada a qualquer tratamento médico a que ele não tenha intenção de se submeter. Contudo, é sobre a relativização desse direito nos casos de pacientes terminais, com doenças incuráveis ou em estado vegetativo que a discussão toma maior vulto, uma vez que essas pessoas não gozam da vida em sua plenitude (DADALTO, 2013). Em tais casos, não se pode afirmar sequer a existência de vida digna, pois o indivíduo se encontra privado de sua liberdade e do exercício de muitos de seus direitos. Para esses, os testamentos vitais ou diretrizes antecipa-das serão os instrumentos de manifestação de vontade com a indicação negativa ou positiva de tratamentos e assistência médica a serem ou não realizados em determi-nadas situações (BARROSO; MARTEL, 2012). Na prática médica, o profissional, dentro das suas atribuições, indica e recomenda o tratamento adequado. Em geral, o paciente, exercendo sua autonomia constitucionalmente assegurada, aceita ou não a recomendação, exercendo poder de escolha para tomar decisões sobre aquilo que lhe é melhor.

Diaulas Costa Ribeiro80, em artigo publicado nos Anais do V Congresso de Direito de Família (08 a 10 de agosto de 2013), narrou a história de Ramón Sampedro,

80. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), doutor em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, Lisboa e pós-doutorado pela Universidade Complutense de Madrid, Espanha. Atualmente é Diretor da Escola de Direito da Universidade Católica de Brasília, onde também é professor no curso de Medicina. Procurador de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, tem atuação em Direito e Bioética, com ênfase em Direito Penal, principalmente nos seguintes temas: aborto, testamentos vitais, doação de órgãos, suspensão de esforço terapêutico, terminalidade da vida, autonomia do paciente, eutanásia, ortotanásia, reprodução assistida. Currículo disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4229275J8. Acesso em 16.07.2014.

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um marinheiro e escritor espanhol que com 18 anos entrou para a marinha mercante com a intenção de conhecer o mundo, e com 25 anos, sofreu um acidente ao mer-gulhar de cabeça na água e bater em uma pedra. O acidente o deixou tetraplégico o que lhe fez lutar na justiça pelo seu direito de morrer dignamente. Tendo em vista sua incapacidade física de suicidar-se, Ramon desejava que seus amigos e familiares pudessem ajudá-lo a morrer sem que cometessem algum delito. Em seu artigo, o autor transcreve uma carta de Ramón:

“É um grave erro negar a uma pessoa o direito a dispor da sua vida porque é negar-lhe o direito a corrigir o erro da dor irracional. Como bem disseram os juízes da Audiência de Barcelona: viver é um direito, mas não uma obrigação. Todavia, não o corrigiram, nem ninguém parece responsá-vel para corrigi-lo.

Aqueles que esgrimem o direito como protetor indiscutí-vel da vida humana, considerando-a como algo abstrato e acima da vontade pessoal, sem exceção alguma, são os mais imorais. Poderão disfarçar-se de doutores em filoso-fias jurídicas, médicas, políticas ou metafísico-teleológicas, mas desde o momento em que justifiquem o absurdo, transformam-se em hipócritas. A razão pode entender a imoralidade, mas não pode nunca justificá-la. Quando o direito à vida se impõe como um dever, quando se penali-za o direito à libertação da dor absurda que implica a exis-tência de uma vida absolutamente deteriorada, o direito transformou-se em absurdo, e as vontades pessoais que o fundamentam, normativizam e impõem em tiranias”.

O atual Código Civil de 2002 (Lei 10406/02), em vigor desde janeiro de 2003, esta-belece especial relevância à autonomia do indivíduo quando expressa em seu artigo 15 que “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a trata-mento médico ou a intervenção cirúrgica”. Para a legislação civil, o paciente deve possuir autonomia em se preordenar diante de várias hipóteses de tratamentos que seu médico lhe diz possíveis. Não estando o paciente em condições de manifestar seu desejo para escolher o tratamento a que deseja se submeter, a aplicação da reso-lução em comento encontra sua aplicabilidade.

Embora a Resolução CFM nº 1.995/2012 esteja em perfeita consonância com o ordenamento jurídico, não cabe ao CFM estabelecer quem é ou não capaz de dispor de sua vontade, uma vez que essa competência é atribuída ao Código Civil,

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especificamente nos artigos 1º, onde se lê: “Toda pessoa é capaz de direitos e deve-res na ordem civil”, e 5º: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (CÓDIGO CIVIL, 2002). O que se pode extrair dos dois artigos é que as pessoas plenamente capazes poderão informar livremente sua vontade e firmar diretivas antecipadas as quais devem ser respeitadas pelo médico na hipótese daquele paciente não possuir, em determinado momento, condições de expressar plenamente seus desejos.

Por fim, algumas considerações devem ser feitas em relação ao texto contido na resolução. De sua leitura constata-se não haver, obrigatoriamente, a exigência de um documento escrito e registrado em cartório para que as manifestações do paciente passem a ter validade. Na realidade, quer seja o documento registrado em cartório, com ou sem testemunha, ou que faça parte de uma ficha médica ou de um prontuário elaborado pelo médico assistente (que, pela sua profissão, tem fé públi-ca), também com ou sem testemunhas, não parece ter significância, desde que se possa, claramente, identificar a real vontade do indivíduo (DADALTO, 2013). Não se pode caracterizar o reconhecimento de tal documento como sendo uma forma de democratização da conduta médica ou de banalização de um saber científico, mas de respeito à autonomia do paciente, que, ainda na condição de doente, incapacitado, moribundo ou até mesmo inconsciente, tem o direito de ter sua vontade respeitada e de tomar decisões livres e autônomas, ou seja, no dizer de Maria Júlia Kovács, “mes-mo que um paciente esteja próximo de morrer, ainda está vivo, e é uma pessoa com desejos” (KOVÀCS, 1998, p.65).

Dentro destas constatações, parece ratificar-se então o ponto central e nor-teador da resolução: a autonomia do paciente, sujeito de sua própria história e de seu destino. O médico, neste contexto, passa a ocupar o lugar de condutor do processo terapêutico, e não o de senhor do destino de seus pacientes. Os médicos podem, conhecem e até utilizariam as diretivas antecipadas de vontade, mas reconhecem a necessidade de ter um amparo legal específico para a questão. Recente estudo rea-lizado pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. evidenciou que os médicos valorizam a vontade dos pacientes e buscam realizar decisões compartilhadas, contudo, o problema, não parece ser tão simples (LIMA, 2014). Enquanto o debate ético avança entre a comunidade médica e no Conselho Federal de Medicina, a preocupação com os limites jurídicos da reso-lução editada em agosto de 2012 parece impor uma preocupação com a legalidade da submissão à Resolução por parte dos médicos, especialmente em relação aos riscos inerentes a possíveis questionamentos jurídicos relativos a condutas de não intervenção (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013).

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O lugar anteriormente ocupado pelos médicos e familiares em relação ao poder decisório em casos de pacientes terminais sem condições de autodetermi-nação, foi, realmente modificado com as regras adotadas pela Resolução 1995. Em consequência, conflitos éticos poderão e estão surgindo, os quais, fatalmente, pode-rão fragilizar os efeitos do instrumento, por exemplo, em casos nos quais a vontade do paciente, manifestada através das diretrizes antecipadas de vontade, não de com-patibilizem com a vontade dos familiares. Nestas situações, os médicos, pela falta de uma regra jurídica editada pelo legislativo, diante de possíveis riscos de sofrer ações judiciais, poderão ignorar as diretrizes antecipadas de vontade do paciente, preferin-do seguir as orientações dos familiares (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013).

Os objetivos principais das DAV – Diretivas Antecipadas de Vontade fo-ram garantir ao paciente ter seus desejos atendidos no momento de situações de terminalidade da vida e o de proporcionar respaldo legal à classe médica para a tomada de decisões em situações conflitantes. Como no Brasil não há normati-zação quanto à legitimidade do testamento vital e também não há jurisprudência sobre o tema81, a doutrina se divide com opiniões a favor e contra o documento. A existência de legislação específica em matéria da morte voluntária ou DAV seria de grande utilidade porque fortaleceria as garantias dos direitos dos cidadãos, posto que os instrumentos de sua tutela estariam respaldados na Constituição e não no arbítrio de juízes (PESSOA, 2013).

Para se ter noção do desconhecimento do tema perante os tribunais bra-sileiros, convém ressaltar uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, que, em 20.11.2013 julgou uma apelação cível na qual o

81. Foi feito um levantamento nos sites de Tribunais Superiores do Brasil, e o de cada Estado da Federação, ratificando-se a inexistência de decisões focadas no Testamento Vital. Segue lista dos Tribunais pesquisados com os respectivos sites:

Tribunais: Superior Tribunal de Justiça – http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ; Supremo Tribunal Federal – http://www.stf.jus.br/; Tribunal Regional Federal da 1ª Região – http://portal.trf1.jus.br/; Tribunal Regional Federal da 2ª Região – http://www.trf2.jus.br/; Tribunal Regional Federal da 3ª Região – http://www.trf3.jus.br/; Tribunal Regional Federal da 4ª Região – http://www2.trf4.jus.br/trf4/; Tribunal Regional Federal da 5ª Região – http://www.trf5.jus.br/

Estados:Acre – http://www.tjac.jus.br/; Alagoas – http://www.tjal.jus.br/; Amazonas – http://www.tjam.jus.br/; Amapá – http://www.tjap.jus.br/; Bahia – http://www.tjba.jus.br/; Ceará – http://www.tjce.jus.br/; Espírito Santo – http://www.tjes.jus.br/; Goiás – http://www.tjgo.jus.br/; Maranhão – http://www.tjma.jus.br/; Minas Gerais – http://www.tjmg.jus.br/portal/; Mato Grosso do Sul – http://www.tjms.jus.br/; Mato Grosso – http://www.tjmt.jus.br/; Pará – http://www.tjpa.jus.br/; Paraíba – http://www.tjpb.jus.br/; Pernambuco – http://www.tjpe.jus.br/inicio; Piauí – http://www.tjpi.jus.br/site/Init.mtw; Paraná – http://www.tjpr.jus.br/; Rio de Janeiro – http://www.tjrj.jus.br/; Rio Grande do Norte – http://www.tjrn.jus.br/; Rondônia – http://www.tjro.jus.br/; Roraima – http://www.tjrr.jus.br/; Rio Grande do Sul – http://www.tjrs.jus.br/site/; Santa Catarina – http://www.tjsc.jus.br/; Sergipe – http://www.tjse.jus.br/portal/; São Paulo – http://www.tjsp.jus.br/; Tocantins – http://wwa.tjto.jus.br/; Distrito Federal e Territórios – http://www.tjdft.jus.br/;

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Ministério Público figurou como apelante82. A discussão girou em torno do direito de um idoso recusar a amputação de um membro necrosado. O direito foi inter-pretado como constitucional, supostamente pela alegação de constituir ortotanásia, através do desejo manifestado pelo paciente por um testamento vital, em conformi-dade com a resolução 1995/2012. O caso, embora equivocadamente trate de Testa-mento Vital, registrou o primeiro acórdão que analisou, à luz de um caso concreto, o instituto do testamento vital. Diz-se equivocadamente porque, analisando os de-talhes da ação, conclui-se que o paciente manifestou a recusa de tratamento e nisso não está o fundamento de um testamento vital, principalmente porque o autor não estava em situação de fim de vida. Além disso, havia o diagnóstico de depressão para o paciente que, como sabido, é um limitador da capacidade de discernimento, logo, os termos do testamento poderiam ter sido questionados, uma vez que o paciente poderia não estar gozando de sua plena autonomia. Enquanto decisão proferida pelo Judiciário brasileiro, foi um grande avanço, contudo, os estudiosos do tema, os juristas e até mesmo a sociedade brasileira precisam estar atentos a essa uniformi-zação de conceitos, pois, o desconhecimento, por parte do Poder Judiciário, passa a identificar como Testamento Vital a toda manifestação de recusa de tratamento, o que descaracterizaria totalmente o instituto.

82. Ap. Civ. 70054988266 TJRS. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL.

1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para “aliviar o sofrimento”; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida.

2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural.

3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal.

4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina.

5. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013). (TJ-RS – AC: 70054988266 RS, Relator: Irineu Mariani, Data de Julgamento: 20/11/2013, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/11/2013). Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/acordao-tj-rs-concede-paciente-direito.pdf. Acesso em 29.11.2014.

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Outro episódio interessante a ser relatado ocorreu na cidade de São Paulo, nos dias 14 e 15 de maio de 2014, reunindo magistrados, integrantes do Ministério Público, de Procuradorias e da Advocacia, além de gestores, acadêmicos e profissio-nais da área da saúde. O CNJ – Conselho Nacional de Justiça realizou o evento de-nominado como “I Jornada de Direito da Saúde”. O CNJ é uma instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual83. Teve o evento o objetivo de, após debates, emitir enunciados que servirão de apoio aos magistrados na tomada de decisões em processos que envolvam os temas discutidos, auxiliando a comunidade jurídica na interpretação de questões não pacificadas no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Seria como o “embrião” das futuras decisões que fatalmente surgirão, auxiliando a comunidade jurídica na interpretação de ques-tões não pacificadas. Foram aprovados 45 enunciados interpretativos sobre direito da saúde e, o Enunciado de nº 37, tratou especificamente das DAV – Diretivas An-tecipadas de Vontade. Eis o enunciado:

ENUNCIADO Nº 37,

As diretivas ou declarações antecipadas de vontade, que especificam os tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter quando incapacitado de ex-pressar-se autonomamente, devem ser feitas preferencial-mente por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação admitidas em direito.

Seguindo uma interpretação equivocada, a exemplo do que aconteceu na decisão mencionada, também o enunciado não retratou fidelidade ao conceito do instituto por várias razões. Primeiramente, ao definir as DAV inicia o enunciado dizendo “As diretivas ou declarações antecipadas de vontade”. Não se trata de uma coisa ou ou-tra. A conjunção não é “ou” e sim “e”, ou seja, o correto é falar “Diretiva Antecipada de Vontade e Declaração Prévia de Vontade do Paciente”, esta última, mais comu-mente chamada de Testamento Vital, espécie das DAV que são o gênero composto pela declaração e o mandato duradouro. Em seguida, o documento menciona apenas

83. Site do CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj. Acesso em 22.11.2014. O CNJ tem como missão contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade em benefício da Sociedade; como visão, Ser um instrumento efetivo do Poder Judiciário.

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a manifestação de vontade dos pacientes relacionada aos tratamentos médicos e excluindo os “cuidados” médicos, restringindo o alcance do art.1º da Resolução nº 1995 do CFM84:

Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifesta-dos pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. (Grifos nossos)

Por fim, o enunciado equiparou as diretivas antecipadas de vontade, à uma espécie de contrato, um negócio jurídico, na medida em que exigiu, para ter força executiva, necessitar de testemunhas, sem considerar tratar-se de uma declaração unilateral e autônoma de vontade, e, portanto, desnecessária a presença de testemunhas, embo-ra, tradicionalmente, exista a nomeação de procuradores para o mandato duradouro os quais não podem ser categorizados como testemunhas.

O CNJ, como órgão público que tem o objetivo de aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, deixou passar a grande oportunidade de finalizar as confusões terminológicas que pairam sobre o tema. Além disso, outras questões contraditórias relacionadas ao instituto, que se apresentam controversas na resolu-ção, poderiam ter sido também determinadas, como por exemplo, prazo de validade, possibilidade de incapazes com discernimento fazê-las, a necessidade de lei espe-cífica, quais cuidados e tratamentos podem ser recusados, ratificando que o tema, apesar da crescente discussão doutrinária, ainda não é compreendido, mesmo para aqueles que têm nas mãos o poder de decisão definitiva, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, caso algum caso chegue a seu conhecimento.

Realmente, parece que, no Brasil, muito ainda há de se percorrer para que a validade do Testamento Vital possa ser reconhecida, e, um dos grandes empecilhos está no temor, equivocado, certamente, do instrumento ser utilizado para a prática da eutanásia. Por essa razão, infelizmente, não interesse por parte de nenhum membro do Poder Legislativo federal para levar um projeto de lei para o Congresso Nacional, im-pedindo assim qualquer tratativa normativa, até o presente momento (PESSOA, 2013).

84. Texto completo disponível em: ttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf. Acesso em 25.11.2014.

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É essencial que se demarque com precisão o momento da eficácia do insti-tuto, ou seja, é da essência do instituto o fato de que, sendo um instrumento cons-truído em virtude do exercício da autonomia do paciente, produzirá efeitos apenas quando esse paciente estiver fora de possibilidades terapêuticas para exprimir sua vontade livre e consciente. É preciso também que se registre que existem limites para o exercício dessa autonomia que são as normas jurídicas vigentes e as normas éticas do profissional de saúde, no caso, o Código de Ética Médica e resoluções do CFM, aos quais estão diretamente subordinados.

A advogada e doutora em Ciências da Saúde Luciana Dadalto85, frequente-mente citada no presente trabalho, é uma das pessoas que, no Brasil, se dedica à di-vulgação e entendimento sobre o tema das DAV. Recentemente, propôs um modelo para o instituto, fruto de sua tese de doutorado concluída no estado de Minas Gerais. Autora de muitos artigos e livros sobre o tema, uma de suas últimas publicações foi na Revista Bioética, artigo que traz um modelo86 para as DAV (DADALTO, 2013, p.474 – 476), fruto de sua tese doutoral.

Também de iniciativa de Luciana Dadalto, existe um portal sobre o testa-mento vital que não é apenas um site e sim, como dito pela própria autora, “a porta de entrada para a discussão sobre a efetivação da vontade dos pacientes fora de possibilidades terapêuticas87. O Portal tem as funções de informar leigos e pesquisa-dores sobre o tema e de criar o RENTEV88 – Registro Nacional de Testamento Vital, uma plataforma virtual em que o Testamento Vital pode ser incluído, sem qualquer custo, seguindo o modelo internacional de bancos privados de testamentos vitais, comuns em países europeus e nos Estados Unidos. Pela plataforma, qualquer pessoa pode fazer um upload do seu testamento vital, indicar um procurador e gerar uma chave de acesso ao conteúdo do documento, para entregar a seu procurador e/ou profissional de saúde de sua confiança. Luciana Dadalto recomenda, contudo, que se faça registro em cartório para dar mais legitimidade ao documento.

Em outubro de 2014, Luciana Dadalto decidiu criar um grupo de estudos virtual e interdisciplinar, para pesquisadores do tema no Direito e na Saúde. A exce-lente iniciativa viabilizará a troca de conhecimentos acadêmicos sobre Testamento Vital e temas afins como mandato duradouro, eutanásia, distanásia, cuidados palia-tivos e suicídio assistido. O objetivo tem cunho acadêmico e visa a troca de conhe-cimentos, referências bibliográficas, sugestões de pesquisas, matéria prima para a

85. Currículo de Luciana Dadalto na plataforma Lattes, disponível em:http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4716696H1. Acesso em 26.11.2014

86. O artigo completo pode ser visualizado em:http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/855/926. Acesso em 26.11.2014

87. Site Testamento Vital. Disponível em: http://testamentovital.com.br/. Acesso em 26.11.2014.88. http://rentev.com.br.

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produção de futuros livros e artigos científicos. O grupo foi criado no Slack, uma ferramenta virtual na qual pode-se conversar on line e compartilhar arquivos A pri-meira reunião virtual cujo objetivo é o grupo se conhecer e estabelecer as diretrizes de ação para 2015.

Uma recente publicação também chamou a atenção dos brasileiros interessa-dos no tema Testamento Vita. Foi na Revista ZH Vida e Estilo89. Uma jovem de 19 anos Ariane Flávia Cardoso, fez um testamento vital em abril/2014, motivada por ter presenciado o seu próprio pai em estado vegetativo durante oito anos, consequ-ência de um acidente de trânsito. A jovem decidiu deixar por escrito a forma como gostaria de ser tratada no caso de, no futuro, ser acometida por uma doença irrever-sível, decisão que, ao ser respeitada, pouparia sua família de uma difícil decisão e a si própria de um sofrimento prolongado.

Outra recente reportagem surgiu através do Correio Brasiliense (jornal do Distrito Federal), logo após a publicação da morte da americana Brittany Maynard, psicóloga de 29 anos que deu fim à própria vida devido a um câncer no cérebro em estágio terminal. A história comoveu o mundo ao ser vista por milhares de pessoas em um vídeo postado pela própria Brittany90, onde conta que, pouco depois de se casar com seu marido, Dan Diaz, começou a sentir fortes dores de cabeça. O diag-nóstico veio logo a seguir detectando um câncer extremamente agressivo e letal no cérebro. Com o objetivo de ter uma “morte digna”, Brittany Maynard mudou-se da Califórnia para o estado do Oregon, local em que a legislação permite a prática do suicídio assistido. O debate sobre o tema reascendeu. Na reportagem, em acréscimo, foi possível saber que, no Brasil, na contramão do silêncio, 1.059 pessoas, em 23 estados da federação brasileira, já oficializaram em cartório os limites terapêuticos que devem ser considerados na reta final da vida, lavrando uma escritura declaratória diretiva de antecipação de vontade segundo dados do Colégio Notarial do Brasil a que o Correio Braziliense teve acesso. São Paulo responde por mais da metade da estatística, com 625 escrituras do tipo, porém, no Distrito Federal, capital do país, não houve nenhum registro até agora91.

Chama-se Colégio Notarial à sociedade civil de direito privado que cola-bora com o Poder Público no aperfeiçoamento dos serviços notariais. A entida-

89. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2014/11/testamento-vital-relata-como-pessoa-quer-ser-tratada-no-fim-da-vida-4645795.html. Acesso em 26.11.2014.

90. http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/em-video-mulher-de-29-anos-explica-sua-escolha-por-suicidio-assistido-em-1-de-novembro-14204314#ixzz3KBtD8VuI. Acesso em 26.11.2014.

91. http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica-brasil-economia/33,65,33,12/2014/11/09/interna_brasil,456728/mais-de-mil-brasileiros-nao-querem-tratamento-em-caso-de-doencas-terminais.shtml

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de congrega os tabeliães de notas e de protestos em cada Estado92. Os Colégios Notariais de cada Estado estão reunidos em um Conselho Federal93, filiado à União Internacional do Notariado – UINL, com sede em Buenos Aires e escritório admi-nistrativo em Roma. A UINL é uma organização não governamental, constituída para promover, coordenar e desenvolver a atividade notarial no âmbito internacio-nal. A integração do notariado brasileiro a outros países é muito importante, por permitir que se saiba no Brasil quais serão as dificuldades que uma pessoa encontrará para realizar um negócio no exterior.

A alternativa ao testamento vital está fundamentada no consentimento li-vre e esclarecido, que ganhou grande dimensão nos últimos anos, sobretudo com o advento dos transplantes de órgãos, assunto tratado no novo Código de Ética Médica94, embora com fundamentos completamente diferentes.

Pode-se afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta fundamen-tação suficiente para respaldar a conduta médica da ortotanásia, porém, a sua com-pleta aplicabilidade ainda carece de uma previsão legal, uma vez que, embora as normas médico-deontológicas expressas no código de ética revelem-se instrumentos diretivos de condutas na atuação dos profissionais de saúde, não são regras absolu-tas. A vigência do novo Código Penal, possivelmente, sanará a maioria das dúvidas.

Com relação às DAV, a situação está mais nebulosa e, muitas questões rela-cionadas a aspectos legais e formais precisam ser esclarecidas, principalmente ao se comparar o instituto brasileiro às experiências estrangeiras. Uma lei normativa espe-cífica se faz necessária para dirimir as lacunas que impedem a correta aplicabilidade do instituto no ordenamento jurídico brasileiro.

92. A organização notarial do Brasil é muito nova, se comparada a outros países, que possuem legislação e tradição secular nessa atividade profissional. A Constituição Federal de 1988 reconheceu em seu artigo 236 o caráter privado da função do notário e a necessidade do concurso público para obter-se a delegação do Poder Público, determinando que lei federal regulamentasse a atividade, o que ocorreu em novembro de 1994, com a edição da Lei 8.935/94.

93. Site do Conselho Notarial Federal, disponível em:http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19wYWdpbmFz&idPagina=1. Acesso em 26.11.2014.

94. Código de Ética e artigos relacionados a: DOAÇÃO E TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E TECIDOS. É vedado ao médico:

Art. 43. Participar do processo de diagnóstico da morte ou da decisão de suspender meios artificiais para prolongar a vida do possível doador, quando pertencente à equipe de transplante.

Art. 44. Deixar de esclarecer o doador, o receptor ou seus representantes legais sobre os riscos decorrentes de exames, intervenções cirúrgicas e outros procedimentos nos casos de transplantes de órgãos.

Art. 45. Retirar órgão de doador vivo quando este for juridicamente incapaz, mesmo se houver autorização de seu representante legal, exceto nos casos permitidos e regulamentados em lei.

Art. 46. Participar direta ou indiretamente da comercialização de órgãos ou de tecidos humanos.

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Os rápidos progressos da ciência e da tecnologia influenciam não só a nossa concepção da vida como também a própria vida, tendo como consequência

uma forte procura por respostas universais e suas implicações éticas, visto que o res-peito pela dignidade da pessoa humana e o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais devem ser incessantemente considerados.

Tratou-se o presente trabalho de um estudo de direito comparado, de nature-za descritiva, que narrou o estado da arte do tema Diretivas Antecipadas de Vontade segundo a legislação brasileira, sob o enfoque da representação da autonomia e dig-nidade humana nela contida quando utilizadas por pacientes em situações de final de vida. O tema no Brasil ainda não possui legislação específica, ao contrário de outros países, porém, a utilização das DAV, mais comumente chamadas de Testamento Vital, como instrumento através do qual se torna possível a manifestação do paciente em estado de vida terminal, tem sido objeto de debates pelos doutrinadores brasileiros.

A criação das DAV pelo CFM pretendeu levar em consideração a necessi-dade e a inexistência de regulamentação sobre a vontade do paciente no contex-to da ética médica brasileira, bem como a necessidade de disciplinar a conduta do médico em situações de final de vida. Considerou também a atual relevância da questão da autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente. Para o CFM, na prática profissional, os médicos poderiam defrontar-se com situação de ordem ética ainda não prevista nos atuais dispositivos éticos nacionais e, por falta de um instituto jurídico que os acobertasse, consequências a eles desfavoráveis pode-riam advir. A resolução foi editada considerando que os novos recursos tecnológi-cos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento

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do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e que essas medidas podem ser antecipadamente rejeitadas pelo paciente quando em estado de plena lucidez (Resolução 1995/2012-CFM).

Em apertada síntese, à luz do que vemos no ordenamento brasileiro, obri-gar um indivíduo a se submeter a um tratamento que não lhe devolverá uma vida plena, não é plausível. Por outro lado, faz-se necessário mencionar que a prática da eutanásia no Brasil não é aceitável e se constitui crime, logo, ao se falar da disposição sobre interrupção ou suspensão de tratamento, imediatamente remete-se a prática de ortotanásia, reconhecida como lícita pelo Conselho Federal de Medicina no artigo 41 do Código de Ética Médica (CFM) e pela sentença do processo judicial de número 2007.34.00.014.809-3, ação pública promovida pelo Ministério Público Federal. Im-portante ressaltar que inexiste incompatibilidade entre o texto normativo expresso pela Resolução nº 1.995/2012 e o ordenamento jurídico penal brasileiro, entretanto o conteúdo das diretivas antecipadas harmonizar-se por completo com o ordena-mento jurídico vigente, sob pena de responsabilidade penal do profissional de saúde envolvido. A manifestação da autonomia ocupa o campo do interesse privado, e, por-tanto, depende de recepção pela ordem jurídica para o seu completo cumprimento.

A morte ainda é um grande mistério. A sociedade moderna tem como ca-racterística não problematizar a morte quer pelos profissionais que trabalham dire-tamente ligados à ela, quer pelas pessoas em geral, daí a dificuldade em lidar com a morte. Contudo, trata-se de algo inevitável, pelo qual todos passarão um dia, mas que nem mesmo as grandes descobertas da ciência é capaz de desvendar o processo de morte e morrer.

No Brasil, muito há o que ser feito sobre a compreensão e aceitação do final da vida. É importante que aos estudantes de graduação e pós-graduação, aos médicos e aos participantes de cursos de aperfeiçoamento, se ensinem as limitações dos sistemas prognósticos; como utilizá-los; como encaminhar as decisões sobre a mudança da modalidade de tratamento curativo para a modalidade de cuidados pa-liativos. Saber como reconhecer e tratar a dor; como reconhecer e tratar os outros sintomas que causam desconforto e sofrimento aos enfermos; saber respeitar as preferências individuais e às diferenças culturais e religiosas dos enfermos e seus fa-miliares e o estímulo à participação dos familiares nas decisões sobre a terminalidade da vida, parecem ser temas imprescindíveis dentro da medicina atual, já que, em sua grande maioria, as escolas médicas moldam profissionais tecnicamente preparados e com pouca ou nenhuma ênfase humanística.

A ciência médica não deve ter outro objetivo senão o de estar a serviço das pessoas contribuindo para o seu bem-estar físico e psíquico. Diante de tais argu-mentos a noção de dignidade humana é extremamente útil e fundamental, devendo

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iluminar e nortear toda a prática biomédica, afinal, não é o homem que serve a medi-cina; pelo contrário, a medicina foi feita para servir ao homem. É precisamente sob o enfoque dessa ideia fundamental que a noção da dignidade humana deve ser vista.

A Resolução do CFM que trouxe as diretivas antecipadas de vontade para o centro do debate jurídico é bastante recente e carece de regulamentação no Código Civil, local onde ainda não foi recepcionada. As Resoluções do CFM, embora não tenham força de lei, são consideradas como mandatárias para os médicos, portan-to, os médicos que a seguirem não serão considerados negligentes. Ao contrário, ao desobedecê-las, pode-se interpretar como quebra do Código de Ética Médica, e acarretar sérios contratempos, até cassação da permissão para exercer a Medicina.

Clara está, contudo a necessidade de que sejam definidos os requisitos essen-ciais das diretivas antecipadas de vontade do paciente terminal /testamento vital em seu conteúdo e aspectos formais. Deve constituir-se como ato revogável, constituí-do por pessoa com discernimento, lavrado por escritura pública frente ao notário. Só assim surtirá efeitos erga omnes. Importante também que, em seu conteúdo não estejam contidas disposições contrárias ao ordenamento jurídico brasileiro, deven-do-se ater à recusa de tratamentos extraordinários. Convém, para dirimir qualquer dúvida, que seja criada no país uma lei que trate do tema, bem como um Registro Nacional de Declarações Prévias de Vontade do Paciente Terminal.

É preciso que seja esclarecida a população de que as diretivas antecipadas de vontade/testamento vital não cultuam a supressão da vida, mas sim um posicio-namento de quem a redigiu frente á inerte posição em que poderá estar diante da sina natural dos doentes terminais. Diante disso, parece não haver qualquer vedação jurídica ao implemento da declaração prévia de vontade do paciente terminal, já que pode se formalizar como uma garantia a uma morte digna, honrada, respeitável e, nestes termos, ser um forte instrumento em forte consonância com o princípio-mor da dignidade da pessoa humana e da vida, somente sendo possível este respeito mediante a valorização e garantia do direito fundamental à liberdade e à autonomia do paciente terminal.

É a dignidade humana quem estabelece o marco no qual as decisões autô-nomas são legitimadas, daí o insistente apelo da bioética e padrões biojurídicas à dignidade, cujas atividades devem estar diretamente relacionadas às prerrogativas humanas mais fundamentais, como o direito à vida, à saúde e à integridade física e mental da pessoa. O princípio da dignidade humana, que é a fonte de onde emerge todos os direitos, invariavelmente, deve ser invocada como justificação final de todas as regras que regulam essa matéria.

A problemática do testamento vital também pode ser abordada como um direito básico e inalienável à autodeterminação pessoal; ou seja, como parte do

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exercício de autonomia prospectiva. O conceito de autonomia refere-se à perspecti-va de que cada ser humano deve ser verdadeiramente livre, dispondo das condições mínimas para se autorrealizar. Na realidade, uma sociedade democrática e plural assenta os seus pilares na capacidade dos cidadãos efetuarem escolhas livres, no qua-dro de uma verdadeira cultura de responsabilidade. Na saúde, a aplicação concreta seguindo estas linhas de orientação carece, por um lado, de um grande consenso en-tre os profissionais de saúde sobre os grandes princípios éticos a adotar e, por outro, de uma discussão social ampla e participativa. Isto é, só o verdadeiro exercício de democracia deliberativa poderá legitimar a prática médica adequada.

Tem-se reiteradamente afirmado que a vontade previamen te manifestada do doente deve ser respeitada e, quando essa não for possível de ser identificada por falta de informação fidedigna, deve prevalecer aquilo que se vislumbrar como o “melhor interesse” do doente, de acordo com critérios universais de razoabilidade. A Con-venção para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano Face às Aplica ções da Biologia e da Medicina e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, proposta pela Unesco em 2005, reforçam largamente este ideal.

A dignidade humana fundamenta tanto a sociedade plural e secular, como também é a sede dos valores sociais que todos partilhamos e, a principal emanação do seu conceito representa o princípio do respeito pelo outro, especificamente na sua autonomia individual. Configura-se então como um princípio no plano ético, e com um forte arcabouço jurídico, que é o direito à liberdade de autodeterminação de todos os seres humanos. Em conclusão, pode-se afirmar que, em uma sociedade plu-ral e secular, cada pessoa tem o direito e o dever de se autorrealizar ainda que diante da existência de situações de especial fragilidade física e psicológica. Num contexto plural e inclusivo, a nova ética em cuidados de saúde e nas decisões frente à finitude da vida deve ter em consideração a expressão máxima do respeito pela liberdade de autodeterminação individual.

O paternalismo médico calcado nas considerações de beneficência abre es-paço a uma nova realidade na relação médico-doente, implicando responsabilidades particulares no exercício da medicina, especialmente em situações limite tal como a doença terminal ou o estado vegetativo persistente. O Testamento Vital, nestes termos, caracteriza-se como a expressão mais vincada da vontade previamente ma-nifestada por parte do doente.

Há quem queira insistir no tratamento, na esperança de uma cura pouco provável, mas há também aqueles que desejam interromper o sofrimento intenso, e para isso, necessariamente, chegará à morte. É preciso ter em mente que o paciente em estado terminal, próximo de morrer, ainda está vivo e é uma pessoa com desejos. Ele pode não estar completamente consciente e senhor de si para decidir, ou em

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estado de incapacidade de manifestar sua vontade, ou seja, com sua autonomia reduzida. Estando o paciente consciente ou não, é preciso registrar-se que ele se encontra vivo e seus desejos expressados devem ser respeitados, preservando assim sua dignidade e autonomia. Não se pode privilegiar apenas a dimensão biológica da vida humana, ignorando-se a qualidade de vida do indivíduo.

A razão humana é mutante e efêmera e, por não ser um produto acabado, a cada novo degrau galgado, mais perguntas acontecem e menos respostas são obtidas e, com elas, menos certezas. Na luta pela concretização dos direitos fundamentais, faz-se necessário encontrar a justa medida que permita adaptar o sistema normativo dos direitos fundamentais às novas realidades, respeitando as peculiaridades e neces-sidades de cada época, de cada caso concreto, sem perder de vista a praticidade que lhe confere caráter e delimita seu horizonte.

Hoje, há mais de sessenta anos da promulgação da Declaração Universal de Direitos do Homem cuja herança foi o fim dos regimes totalitários, é certo que, se por um lado a plena efetivação dos direitos fundamentais está distante de acon-tecer, por outro, também se constata uma tendência crescente à conscientização da sociedade para a concretização desses direitos. Tal concretização, hoje, é mais visivelmente manifestada em um plano globalizado não só a nível proclamatório das declarações, como também na defesa dos direitos mais elementares das pessoas, com vistas a construir uma ordem jurídica internacional efetiva, através de um sistema de direitos fundamentais em permanente mutação. Busca-se um “estatuto de humani-dade”. A mudança de paradigma implica a reaproximação entre o direito e a ética, liberdade e justiça.

Pelo exposto no presente trabalho, uma das importantes conclusões a que se pode chegar é a de que o assunto precisa ser bastante investigado e debatido a fim de que surjam novas premissas e o direito possa evoluir para melhor satisfazer aos anseios da sociedade, cabendo ao Estado, em última análise, não só respeitar, mas, ainda, asse-gurar que seja observado o regular cumprimento das normas de direitos fundamentais por todos aqueles potencialmente capazes de violar tais direitos, propondo solidarie-dade humana e cuidados espirituais ao paciente terminal, respeitando a sua dignidade como ser humano, auxiliando-o a exercer seu direito a uma morte digna.

Ao se tratar da morte no presente trabalho, não se pretendeu fazer uma apo-logia ao extermínio de vidas supostamente “inúteis”, seja pela velhice avançada, seja pela tetraplegia, seja pela doença incurável, ou, de forma mais radical, pela “purifica-ção do ambiente social”, afastando os “socialmente inconvenientes”. Também não se pode entender as DAV como procedimentos tendentes à antecipação da morte, e, portanto, impossível reconhecer no ordenamento um “direito à morte”, embora seja

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admitido o “direito à morte digna”, sendo o elemento dignidade o aspecto principal a ser enfocado, quer para permitir a prática da ortotanásia ou o cumprimento lícito das diretivas antecipadas de vontade.

A intenção do estudo não foi expressar pontos de vista complementares aos que já habitualmente são colocados na doutrina sobre o direito de morrer. O objeti-vo foi acentuar o posicionamento da autora sobre a autonomia que deve prevalecer frente aos avanços da medicina que possam prolongar uma vida em que não mais se vislumbre cura ou a sua reversibilidade. Contudo, o enfoque dado à autonomia, não pretendeu eliminar a solidariedade e sim, levar em consideração o traço de in-dividualismo próprio das sociedades contemporâneas, permitindo harmonizar duas realidades: a preservação da vida humana como expressão de um direito constitu-cionalmente assegurado e a garantia da pessoa para decidir, com liberdade, o seu próprio final, expressando, no limite máximo a sua autonomia diante de situações de terminalidade, tendo por direção a consciência de que a única vida que vale ser vivida é aquela revestida de dignidade, no caso, a liberdade de pensar o seu próprio fim.

O que se afirmou foi o direito de morrer da forma como se deve viver, ou seja, com absoluta dignidade. Invariavelmente, isso levará à liberdade de escolha pelo não sofrimento. Nestes termos “morte digna” deve ser entendida no presente trabalho como respeito pela autonomia da pessoa e pela dignidade no aproximar da morte. Morrer com dignidade deve significar o poder decidir sobre seu tratamento ou suspensão dele, não prolongar um tratamento inútil e ineficaz, levando, em úl-tima análise, a ter a dor aliviada consolidada no direito de morrer e como morrer, afastando-se de uma existência humana degradante. Enfim, o direito de morrer seria um corolário do direito à vida, salvaguardado pela constituição. A ideia de dignidade como autonomia é especialmente relevante para os propósitos do presente trabalho, no qual se procurou retirar o tema da morte do domínio dos tabus e das concepções abrangentes, para trazê-lo para o âmbito do debate acerca dos direitos humanos e fundamentais. A autonomia envolve dignidade pela capacidade de autodetermina-ção, o direito de decidir pelos rumos da própria vida. Significa o poder de realizar suas escolhas, assumindo a responsabilidade pelas decisões tomadas. Por trás da ideia de autonomia está um sujeito moral capaz de se autodeterminar, traçar planos de vida e realizá-los. É bem verdade que, nem tudo na vida, naturalmente, irá depender de escolhas pessoais. Haverá decisões que o Estado poderá tomar legitimamente, em nome de interesses e direitos diversos. A lei, pelo que se verificou, não terá o condão de resolver todos os problemas polêmicos apontados, mas, tão somente controlá--los, reduzindo-os, sem eliminá-los, mas decisões sobre o final da própria vida de alguém, e outras opções personalíssimas que não violem direitos de terceiros, não podem ser subtraídas do indivíduo, sob pena de se violar sua dignidade.

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É preciso ressaltar que não basta garantir a possibilidade de escolhas livres, e sim prover meios adequados para que a liberdade seja real, e não apenas retórica. Nesse ponto fundamental a intervenção e atuação do Estado enquanto macro gru-po supridor das necessidades da coletividade é indispensável, devendo existir uma efetiva participação, seja no âmbito da saúde, seja no campo da educação a fim de conscientizar a população sobre esse novo cenário que se vislumbra. Decisões no campo das políticas públicas, em qualquer nível de governo terão influências, pois, proporcionar saúde significa não só evitar doenças e prolongar a vida e sim assegurar meios e situações que ampliem a qualidade de viver, entendida como a capacidade de autonomia do indivíduo e o padrão de bem-estar que são valores socialmente definidos, importando em decisões e escolhas. A perspectiva da criação de políticas públicas saudáveis deve ultrapassar as políticas urbanas de expansão de serviços e bens de consumo coletivo. Deve implicar em uma abordagem mais complexa, e ser compreendida como uma reestruturação inovadora do conceito de saúde e do papel do Estado perante a sociedade, visando não apenas diminuir o risco de doenças, e sim aumentar as chances de saúde e de vida

A relação entre políticas públicas e saúde ganha relevo nas últimas décadas. A nova concepção de saúde deve levar a uma visão afirmativa identificada como bem-estar e qualidade de vida, e não simplesmente com ausência de doença. A saúde deixa de ser um estado estático, biologicamente definido, para ser compreendida como um estado dinâmico, socialmente produzido. A criação de uma comissão in-tegrada por participantes das áreas de saúde e educação para discutir e fomentar po-líticas sobre o assunto aqui desenvolvido no presente trabalho, promoveria políticas públicas relevantes e conscientizadoras à população, a serem materializadas através de diversos mecanismos complementares, nos quais a mudança legislativa seria ape-nas uma delas. Como resultado haveria transformações profundas na organização e financiamento dos sistemas e serviços de saúde, assim como nas práticas e na for-mação dos futuros profissionais.

No campo da educação, considerando o seu fundamental papel na formação do cidadão, caberia ao Estado fomentar estratégias educacionais através das quais, desde cedo, as crianças aprendam a formar sua opinião e compreender os problemas sociais de forma a continuar lutando contra estes, respeitando o seu próximo. É na escola, durante os processos de socialização que a criança tem a oportunidade de de-senvolver a sua identidade e autonomia. Em consequência, passa a reconhecer o outro e a constatar as diferenças entre as pessoas; diferenças essas que podem ser aprovei-tadas para o próprio enriquecimento e posicionamento frente aos problemas sociais.

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A correta educação deve ser aquela que englobe o aluno nos problemas sociais e mostre como ele deve se portar, lutar para garantir e exercer seus direitos de cidadão. Essa educação é obrigação do Estado.

O cunho ontológico da dignidade, isto é, seu caráter inerente e intrínseco a todo ser humano, impõe que ela seja respeitada e promovida de modo universal. A visão da dignidade como autonomia valoriza o indivíduo, sua liberdade e seus direitos fundamentais. Através dela são fomentados o pluralismo, a diversidade e a democracia de uma maneira geral. Todavia, a prevalência da dignidade como au-tonomia não pode ser ilimitada ou incondicional. Em primeiro lugar, porque, atra-vés do próprio pluralismo está subjacente a convivência harmoniosa de projetos de vida divergentes, de direitos fundamentais que podem colidir. Além disso, algumas escolhas, embora individuais, poderão produzir impactos não apenas sobre as rela-ções intersubjetivas, mas também sobre o corpo social e, em certos casos, sobre a humanidade como um todo. Daí a necessidade de imposição de valores externos aos sujeitos e da necessidade de normatização, que tratará essa autonomia e digni-dade como heteronomia, ligando-as a valores compartilhados pela comunidade e abrigando conceitos jurídicos indeterminados como bem comum, interesse público, moralidade ou a busca do bem do próprio indivíduo. Nos dias atuais, com relação aos direitos do homem, o problema grave que se pode identificar não é mais o de fundamentar tais direitos, e sim, a tarefa de protegê-los. Não se trata mais de saber quantos e quais são, mas sim qual é o modo mais seguro de garanti-los. Em síntese, ao lado de uma clássica eficácia vertical dos direitos fundamentais, que obriga ao respeito pelo Poder Público, identifica-se, de forma cada vez mais presente, a neces-sidade de uma eficácia horizontal ou privada (erga omnes), que exija a observância dos direitos fundamentais também nas relações entre particulares.

No Brasil, não há dispositivo expresso no tocante à vinculação e aplicabili-dade dos direitos fundamentais aos particulares. Por outro lado, analisando o orde-namento jurídico brasileiro, inexiste argumento capaz de sustentar a negativa de uma eficácia horizontal. O entendimento dominante segue não somente no sentido de reconhecer a autonomia privada como princípio constitucional, mas de lhe impor limites, não sendo possível, portanto, afirmar que a autonomia privada foi negada, mas sim reconhecida pelo Constituinte, como verdadeiro princípio constitucional, notadamente em seu art. 5º, inciso II, podendo também ser reconhecida na digni-dade da pessoa humana, na liberdade e na livre iniciativa. Desta forma, mostra-se plenamente possível no ordenamento brasileiro a eficácia direta dos direitos funda-mentais nas relações jurídicas entre particulares, sem a eliminação do princípio da autonomia da vontade.

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Permitir um debate maduro que possa defender o direito à autodeterminação sobre a forma da própria morte, em última análise, é também defender que o Estado resguarde a coexistência de diferentes projetos individuais. Com discernimento, é necessário compreender que o direito de morrer não é a mesma coisa de direito de matar e muito menos do dever de morrer. É, tão somente, dar o direito de cada um decidir, quando isso for possível, quais são seus limites individuais sobre o prolonga-mento da vida, saliente-se, de sua própria vida. Afinal, a vida é um direito individual.

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Embora iniciado sua vida acadêmica com a graduação no curso de Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco – Unicap (1986), foi nas ciências jurídicas que Alcione Donida definitivamente encontrou sua vocação. Tornou-se bacharel em Direito pela mesma Universidade (2000), expandindo sua preparação para a área administrativa, em torno da qual desenvolveu sua dissertação de Mestrado, apresentada na Faculdade Boa Viagem/Devry – FBV (2009), e posteriormente garantindo o título de doutora em ciências jurídicas e sociais, pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA (2016), em Buenos Aires.

Atualmente, é professora na Faculdade Boa Viagem, onde leciona as disciplinas Direito Público e Privado e Direito Tributário, e coordena os cursos de Graduação Tecnológica em Gestão.

Membro integrante da diretoria do Instituto Pernambucano de Bioética e Biodireito (IPBB) e especialista ainda em Direito Tributário – título expedido pela Universidade Federal de Pernambuco (2001) – Alcione concilia suas responsabilidades acadêmicas com o funcionalismo público. É auditora tributária municipal na cidade do Recife, exercendo a função de julgadora tributária no Conselho Administrativo Fiscal.