educa+º+úo desenvol sustentavel

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Publicado em: SOUZA, João Valdir Alves de; NOGUEIRA, Maria das Dores P. (Org.) Vale do Jequitinhonha: desenvolvimento e sustentabilidade. Belo Horizonte: PROEX/UFMG, 2011. Educação e desenvolvimento regional sustentável João Valdir Alves de Souza Todo mundo “pensando” em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando é que “pensarão” em deixar filhos melhores para o nosso planeta? Introdução Este texto resulta de uma pesquisa realizada em 2009 1 cujo objetivo geral era analisar a relação entre processos de escolarização e desenvolvimento regional sustentável, tomando como referência a região mineira do semiárido. Além desse objetivo geral, dois outros objetivos específicos compunham seu escopo. O primeiro era analisar concepções de desenvolvimento regional sustentável debatidas nos fóruns de organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais que atuam na região. O segundo consistia em analisar matrizes curriculares de cursos de graduação que formam profissionais com atuação potencial na região, visando obter informações sobre a relação entre essas matrizes e os debates contemporâneos sobre desenvolvimento sustentável. Quanto ao primeiro desses objetivos, a despeito da amplitude das possibilidades de abordagem, o foco pretendido era refletir sobre práticas sociais concretas que animam a ação dos participantes dos fóruns de ONGs e movimentos sociais que militam em prol de questões ambientais no semiárido, em particular, e inscritas no debate geral sobre desenvolvimento sustentável. Na realidade, esses fóruns de ONGs e movimentos sociais 1 Pesquisa realizada com bolsa de pós-doutorado do CNPq, no Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UNB), no período de novembro de 2008 a outubro de 2009.

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  • Publicado em: SOUZA, Joo Valdir Alves de; NOGUEIRA, Maria das Dores P. (Org.) Vale do Jequitinhonha: desenvolvimento e sustentabilidade. Belo Horizonte: PROEX/UFMG, 2011. Educao e desenvolvimento regional sustentvel

    Joo Valdir Alves de Souza

    Todo mundo pensando em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando que pensaro em deixar filhos melhores para o nosso planeta?

    Introduo Este texto resulta de uma pesquisa realizada em 20091 cujo objetivo geral era analisar a relao entre processos de escolarizao e desenvolvimento regional sustentvel, tomando como referncia a regio mineira do semirido. Alm desse objetivo geral, dois outros objetivos especficos compunham seu escopo. O primeiro era analisar concepes de desenvolvimento regional sustentvel debatidas nos fruns de organizaes no governamentais (ONGs) e movimentos sociais que atuam na regio. O segundo consistia em analisar matrizes curriculares de cursos de graduao que formam profissionais com atuao potencial na regio, visando obter informaes sobre a relao entre essas matrizes e os debates contemporneos sobre desenvolvimento sustentvel. Quanto ao primeiro desses objetivos, a despeito da amplitude das possibilidades de abordagem, o foco pretendido era refletir sobre prticas sociais concretas que animam a ao dos participantes dos fruns de ONGs e movimentos sociais que militam em prol de questes ambientais no semirido, em particular, e inscritas no debate geral sobre desenvolvimento sustentvel. Na realidade, esses fruns de ONGs e movimentos sociais 1 Pesquisa realizada com bolsa de ps-doutorado do CNPq, no Centro de Desenvolvimento Sustentvel (CDS) da Universidade de Braslia (UNB), no perodo de novembro de 2008 a outubro de 2009.

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    abrigam ampla gama de participantes, em virtude de sua atuao no semirido mineiro desde o incio dos anos 1990, o que lhes permitiu acumular amplo repertrio e grande experincia no debate sobre a questo da sustentabilidade. As principais agncias locais articuladoras desse debate so: o Centro de Agricultura Alternativa (CAA), sediado em Montes Claros; o Centro de Assessoria aos Movimentos Populares (CAMPO), sediado em Minas Novas; o Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), sediado em Turmalina; as Critas diocesanas, sediadas em Araua e Almenara; sindicatos de trabalhadores rurais e associaes comunitrias diversas. No conjunto, compem a Articulao do Semirido em Minas Gerais (ASA/Minas), cujos espaos de debate so o Frum do Norte de Minas e o Frum do Vale do Jequitinhonha, representantes mineiros da Articulao do Semirido Brasileiro (ASA/Brasil). Em 2009, a ASA/Minas completou dez anos de atuao na regio. Quanto ao segundo desses objetivos, tambm a despeito da amplitude das possibilidades de abordagem, o foco recaiu sobre a anlise da configurao curricular de alguns cursos de graduao, conforme se ver. Como salta vista, a partir de rpida observao, nessa poro centro-norte do estado, onde se situa o semirido mineiro, ainda muito precria a oferta de ensino superior. A quase totalidade das instituies pblicas de ensino superior mineiras est localizada na poro centro-sul do estado, a mesma regio que concentra a oferta de ensino superior privado. As nicas instituies pblicas de ensino superior com oferta regular na regio so a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e a Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). A UFMG IFES nacionalmente reconhecida pela excelncia do seu ensino de graduao e ps-graduao, pelo volume da pesquisa produzida e pela amplitude de seus programas e projetos de extenso, inclusive o Programa Polo de Integrao da UFMG no Vale do Jequitinhonha, com mais de dez anos de atuao. Ela tem em Montes Claros o Instituto de Cincias Agrrias, que conta com cinco cursos na rea das Cincias da Terra, um curso de mestrado em Cincias Agrrias, com concentrao em Agroecologia e forte insero regional. Mais recentemente, passou a oferecer, na modalidade a distncia, cursos de licenciatura em Cincias Biolgicas, Qumica, Matemtica e Pedagogia, sendo que trs dos seus diversos polos no interior do estado se situam na regio do semirido: Montes Claros, Araua e Tefilo Otoni. Alm desses cursos, comeou a oferecer, em carter excepcional, um curso de Formao Intercultural de Educadores Indgenas (FIEI) e um curso de Licenciatura em Educao do Campo (LECAMPO), cujo pblico predominantemente dessa regio em foco. Em funo do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI), esses cursos foram institucionalizados e passaram a compor o quadro geral da oferta regular da universidade.

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    A UFVJM de criao recente, 2005, apesar de se constituir a partir de faculdades j existentes, inclusive a tradicional Faculdade Federal de Odontologia de Diamantina, a FAFEOD, dos anos 1960. Dividida em dois campi, Diamantina e Tefilo Otoni, sua oferta de ensino superior e suas pesquisas ainda esto em fase de consolidao, enfrentando principalmente o desafio de abrir-se para a universalidade que o ensino superior requer e atender a demandas de carter estritamente regional, recrutar e manter em seus dois campi o quadro de professores de que necessita, avanar para o ensino de ps-graduao e se consolidar tambm no campo da pesquisa. Sua oferta mais consolidada est nos cursos da rea das cincias da sade e, somente a partir de inovaes recentes, abre-se para a oferta de cursos nas reas de engenharias e de formao de professores. A UNIMONTES uma universidade estadual de forte insero regional, tanto pelo pblico a que atende num raio de aproximadamente 200 km de Montes Claros quanto pela oferta multicampi de muitos de seus cursos nas principais cidades do centro-norte de Minas Gerais. Esses cursos so principalmente aqueles de mais fcil oferta, como os de formao de professores, cuja demanda na regio facilmente reconhecvel pelo alto ndice de professores sem a formao adequada ao exerccio do ensino nos diversos nveis da educao bsica e pela precariedade dos indicadores da educao bsica na comparao com as demais regies do estado. Dentre seus poucos programas de ps-graduao, est o de Desenvolvimento Social, cujo foco proporcionar, como seu nome indica, o conhecimento sobre as condies do desenvolvimento regional. O que este artigo traz a debate, portanto, a relao entre a organizao do conhecimento escolar expressa em currculos de ensino superior e as demandas sociais no apenas por escolarizao, mas por um sentido da escolarizao. Partindo-se do pressuposto de que as instituies, os sujeitos e os artefatos culturais tanto configuram o espao escolar quanto so por ele influenciados e que a educao escolar deve ser lida como resultado das dinmicas interativas entre o extra e o intraescolar, o propsito principal da pesquisa era entender como os currculos dos cursos de graduao dessas universidades com insero regional (UFMG, UNIMONTES, UFVJM) contemplam ou no a questo da sustentabilidade, h tempos pautada como questo central em diversos espaos sociais, como empresas, mdia, ONGs e movimentos sociais. Se se pode dizer que a forma escolar moderna se assenta na sistematizao e organizao do conhecimento cientfico moderno, sobretudo naquilo que ele incorpora o domnio da ratio, parece ser possvel sustentar que urgente uma mudana de paradigma na organizao desse conhecimento escolar de modo que, mais que conhecer para dominar a natureza e extrair dela os recursos que promovam o desenvolvimento, preciso conhecer para garantir melhores condies de existncia da nossa gerao sem comprometer as condies de existncia das geraes futuras.

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    Desenvolvimento sustentvel: uma questo controversa Nunca se falou tanto em desenvolvimento sustentvel. Nos dias atuais o tema transborda na mdia. Jornais, revistas, televiso e rdio ocupam amplos espaos da sua programao diria para falar do assunto. Empresas de reas diversas j se apropriaram amplamente dele como pea publicitria. Notcias do conta de campanhas educativas para salvar o planeta da catstrofe anunciada. Ao que parece, a velha educao ambiental adotou nova fisionomia e se apresenta ao mundo com a reivindicao de que o futuro estar por um fio se no forem adotadas medidas urgentes em nome da sustentabilidade do planeta.2 Apesar de toda a visibilidade que o tema adquiriu com o bombstico relatrio do Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC) um grupo que rene grande nmero de cientistas de diversas reas do conhecimento, de todas as partes do planeta , amplamente divulgado a partir de fevereiro de 2007, o tema no novo, nem novo o tom de preocupao com que tem ocupado lugar no noticirio. A Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992 a Rio-92 ou Eco-92 no teve apelo miditico nas mesmas propores, mas temas que, at ento, eram vistos como preocupao limitada a militantes de movimentos alternativos passaram a ser levados a srio como poltica de Estado. O encontro de lderes de governos mundiais no Rio de Janeiro naquele ano comeou a apontar na direo de que cabe ao Estado o planejamento de polticas pblicas que efetivamente mudem os paradigmas de desenvolvimento at ento prevalecentes. A Agenda 21, que resultou da conferncia, est voltada para os problemas prementes de hoje e tem o objetivo, ainda, de preparar o mundo para os desafios do prximo sculo.3 Assim como a Rio-92 parece ter cado no esquecimento talvez porque o Protocolo de Kyoto (1997) tenha ocupado seu lugar, ou porque quase 20 anos j se passaram desde ento, ou porque outros itens mais contundentes ocuparam a pauta dos noticirios , nada garante que os debates sobre desenvolvimento sustentvel mantenham a ateno por muito tempo, a menos que fatos efetivamente mais graves ocupem o foco.4 E a 2 Cf. LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. Questo ambiental e educao: contribuies para o debate. Ambiente e Sociedade, Campinas, ano II, n. 5, p. 135-153, 1999. LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. Educao e sustentabilidade: possibilidades e falcias de um discurso. Anais do I Encontro Associao Nacional de Ps Graduao e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, Nov. de 2002, Indaiatuba/SP. SANTOS, Edvalter Souza. Educao e sustentabilidade. Revista da FAEEBA. Salvador, v. 11, n. 18, p. 259 -280, jul./dez. 2002. JACOBI, Pedro. Educao ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 189-205, maro de 2003. 3 BARBIERI, Jos Carlos. Desenvolvimento e meio ambiente: as estratgias de mudana da Agenda 21. 10. ed. Petrpolis: Vozes, 2009. p. 13. 4 Para 2012, est prevista a realizao da Conferncia Rio + 20.

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    grande visibilidade do tema da moda se arrefece, para que outro tema entre em erupo e assim sucessivamente, at que, visto de longe, ele possa ser analisado pelos seus aspectos realmente relevantes e duradouros. Mas se a questo do desenvolvimento sustentvel ou da sustentabilidade ocupa lugar central nas preocupaes atuais, em diversos setores da sociedade, no parece to evidente que ela tenha sido amplamente incorporada ao debate naquele setor de onde mais se espera estar frente dos debates dos grandes e relevantes temas sociais: a escola, sobretudo a de nvel superior. Em outros termos, se a questo da sustentabilidade entrou definitivamente na pauta da educao, no necessariamente nossas escolas se deram conta de que necessrio organizar o conhecimento escolar em conformidade com essas novas demandas, nem mesmo nas Faculdades de Educao ou nos eventos que a tm como foco. Exemplo disso o fato de a Faculdade de Educao onde trabalha o autor deste artigo, uma das mais bem conceituadas do pas, ter adotado o sistema de coleta seletiva de materiais reciclveis um dos mais evidentes e elementares componentes da sustentabilidade somente em passado recente, no por iniciativa prpria, mas por exigncia do Governo Federal para todas as instituies pblicas do pas. Outro exemplo o fato de a ANPED (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao), o maior e mais significativo evento que rene pesquisadores em educao no Brasil, ainda no ter adotado coleta seletiva da enorme quantidade de resduos que gera em cada uma de suas edies anuais e ainda utilizar o plstico na confeco das sacolas que distribui aos seus participantes. Fica cada vez mais claro que estamos diante de uma questo controversa, a comear pelo conceito de desenvolvimento. Se o desenvolvimento era visto, at recentemente, como o conjunto dos componentes que permitem melhorar as condies de vida das diversas populaes do planeta, a ponto de a ONU criar o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), atualmente o prprio conceito que est em xeque, uma vez que ficam cada vez mais claros os limites dos recursos naturais disponveis, a incompatibilidade entre totalidade da populao e acesso ampliado a bens de consumo, a moldagem da concepo de desenvolvimento pelo modo capitalista de organizar a produo e a distribuio de mercadorias, etc. Nessa perspectiva, dizem alguns autores, a prpria noo de desenvolvimento que no se sustenta, sendo irremediavelmente inconciliveis as ideias de desenvolvimento e de sustentabilidade.5 5 Cf. ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang. (Org.). Dicionrio do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Petrpolis: Vozes, 2000. MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentvel: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. 3. ed. Florianpolis: Editora da UFSC, 2008. ROTHMAN, Franklin Daniel. Vidas alagadas: conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. Viosa: Editora Universidade Federal de Viosa, 2008.

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    Mas se se avana da noo de desenvolvimento sustentvel para sustentabilidade, isso tambm no resolve o problema porque, ainda que tenhamos em mente sociedades sustentveis, a equao bsica do seu funcionamento ainda dada pelo lema que consagrou os debates sobre o tema, isto , que a lgica da sustentabilidade deve se assentar em projetos economicamente viveis, socialmente justos e ambientalmente corretos. possvel tornar economicamente viveis empreendimentos capazes de produzir os bens necessrios ao conforto de populaes cada vez mais numerosas sem agredir as condies ambientais de produo? possvel produzir em larga escala produtos ecologicamente corretos? possvel, como propem Manzini e Vezzoli, no apenas aplicar novas possibilidades tecnolgicas ou produtivas especficas, mas promover novos critrios de qualidade que sejam ao mesmo tempo sustentveis para o ambiente, socialmente aceitveis e culturalmente atraentes?6 Mesmo que isso seja possvel, o que adquiriu visibilidade no debate recente o enfrentamento entre membros do IPCC e os chamados cticos em torno dos temas do aquecimento global. Que o aquecimento global fato, no parece haver dvida, mas qual ser efetivamente seu impacto futuro e se ele decorre da ao humana ou dos ciclos prprios da dinmica terrestre questo ainda em aberto. H fortes evidncias cientficas de que seu impacto no apenas ser desastroso de propores cataclsmicas, como advertem alguns mais alarmistas , como tambm decorre diretamente do modo como a explorao dos recursos naturais tem se dado nas ltimas dcadas. Mas no deixa de ser sintomtica a reao dos cticos na tentativa de desqualificar o alarme, como demonstrou amplamente a imprensa nos trs primeiros meses de 2010, a partir de vazamento de informaes confidenciais da alta cpula do IPCC. A despeito dessas controvrsias, no entanto, alguns temas trazidos pelo debate sobre sustentabilidade vieram para ficar definitivamente. Um deles o que diz respeito ao carter limitado dos recursos naturais do planeta, particularmente a gua. Essa uma questo relevante sobretudo em pases como o Brasil, em que so amplas e bem consolidadas as representaes sobre um pas abenoado por Deus e bonito por natureza. Outro o que pe na cena cotidiana a necessidade de termos em mente a poltica dos trs erres: recusar, reutilizar, reciclar. Pode parecer uma ideia simplista, mas no tarefa fcil pr em prtica o entendimento cada vez mais universal de que devemos mudar nossa relao com o planeta que habitamos. Um terceiro tema o que pe em evidncia a necessidade de prever os efeitos deletrios dos empreendimentos e se antecipar a eles no planejamento de qualquer interveno. na confluncia desses trs temas que se situa a epgrafe deste texto, uma frase de autor no identificado, 6MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. So Paulo: Edusp, 2005. p. 22.

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    apenas informada em cartaz de divulgao da I Semana do Meio Ambiente, realizada na Escola de Engenharia da UFMG, em Belo Horizonte, de 17 a 21 de agosto de 2009, como frase vendedora em Congresso sobre vida sustentvel: Todo mundo pensando em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando que pensaro em deixar filhos melhores para o nosso planeta? Essa frase toca fundo no sentido da escolarizao que dever presidir a organizao do conhecimento escolar daqui por diante. O sentido da escolarizao na escola moderna Perguntar pelo sentido da escolarizao na escola moderna perguntar pelos fundamentos histricos e sociolgicos da organizao do conhecimento escolar na modernidade. Em outras palavras, perguntar pelo modo como a escola passou a organizar o conhecimento a partir do sculo XVIII. A resposta a essa pergunta nos aponta para a urgente necessidade de mudana do paradigma que ordena esse conhecimento escolar em decorrncia dos debates atuais sobre sustentabilidade. O que necessrio discutir a prpria lgica que orienta a organizao do conhecimento escolar e, por extenso, a configurao curricular das escolas da educao bsica aos nossos atuais cursos de graduao e de ps-graduao. O que est em jogo a necessidade de mudana de paradigma na organizao dos conhecimentos escolares e o entendimento dos motivos que orientam o ensino em nossas escolas. Como afirma Gregrio Benfica: O desenvolvimento sustentvel exige um novo modelo educacional.7 Uma das expresses desse novo modelo e das exigncias postas para as escolas o fato de a ONU ter estabelecido o perodo 2005-2014 como a Dcada Educao para o Desenvolvimento Sustentvel. Como se sabe, a escola moderna contempornea cincia moderna e o propsito dos sistemas nacionais de ensino, constitudos no contexto dos estados nacionais modernos, difundir o novo conhecimento produzido pela cincia. Em outras palavras, a forma escolar constituda na modernidade totalmente solidria ao conhecimento cientfico moderno, sobretudo naquilo em que ele mais dinmico, isto , na sua transformao em tecnologia. Se esse novo conhecimento consistia em conhecer para dominar o mundo e retirar dos recursos naturais tudo o que eles poderiam oferecer vida humana, uma das principais tarefas atribudas escola foi exatamente a de difundir essa concepo de domnio da natureza. 7 BENFICA, Gregrio. Sustentabilidade e educao. UNEB: Seara - Revista Virtual de Letras e Cultura, v. 3, p. 1, 2008. Disponvel em: http://www.seara.uneb.br/sumario.htm. Acesso em: 20 de maio de 2011.

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    Em Dialtica do esclarecimento, Adorno e Horkheimer no s destacam essa nova perspectiva de conhecimento, como fazem severa advertncia ao modo como esse domnio da ratio8 efetivamente orientou os empreendimentos modernizadores a partir do incio da era moderna. Dizem eles: No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posio de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginao pelo saber.9

    Citando Francis Bacon, o pai da filosofia experimental, que viveu no sculo XVII, os autores apontam a origem dessa concepo de conhecimento e domnio da natureza: 8 Para entender as diversas concepes de razo e o intricado debate em torno do tema sugiro consultar CHAU, Marilena. Convite Filosofia. 2. ed. So Paulo: tica, 1995. As teorias do conhecimento apontam para uma dupla origem da razo: inata ou adquirida. Ren Descartes um dos postuladores do inatismo, segundo o qual nascemos trazendo em nossa inteligncia no s os princpios racionais, mas tambm algumas ideias verdadeiras, que por isso so idias inatas. Seu contemporneo Francis Bacon, por outro lado, um dos postuladores do empirismo que, ao contrrio do inatismo, afirma que a razo, com seus princpios, seus procedimentos e suas idias, adquirida por ns atravs da experincia. (CHAU. Convite Filosofia, p. 69). A filosofia que se seguiu desdobrou-se em duas escolas principais. Na Inglaterra, o empirismo foi continuado por autores como John Locke, George Berkeley e David Hume. Na Alemanha, o inatismo desdobrou-se no idealismo filosfico alemo que teve em Leibniz, Immanuel Kant e George W. F. Hegel seus principais expoentes. Com Kant, o conceito de razo atinge elaboradssima formulao. Para ele, a razo uma estrutura vazia, uma forma pura sem contedos. Essa estrutura (e no os contedos) que universal, a mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. Essa estrutura inata, isto , no adquirida por meio da experincia. Por ser inata e no depender da experincia para existir, a razo , do ponto de vista do conhecimento, anterior experincia. Ou, como escreve Kant, a estrutura da razo a priori (vem antes da experincia e no depende dela). Porm, os contedos que a razo conhece e nos quais ela pensa, esses sim, dependem da experincia. Sem ela, a razo seria sempre vazia, inoperante, nada conhecendo. Assim, a experincia fornece a matria (os contedos) do conhecimento para a razo e esta, por sua vez, fornece a forma (universal e necessria) do conhecimento. A matria do conhecimento, por ser fornecida pela experincia, vem depois desta e por isso , no dizer de Kant, a posteriori. (CHAU. Convite Filosofia, p 78). H dois sentidos distintos para a palavra razo: um o sentido que vem do latim ratio ou rationis, em que a razo entendida como instrumento do clculo, projeto, mtodo; o outro o sentido que vem do grego logos, que uma proposio relativa ao conhecimento ou ao fundamento de todas as coisas. Cf. SOUZA, Joo Valdir Alves de. Introduo Sociologia da Educao. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2009. p. 135. 9 ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialtica do esclarecimento: fragmentos filosficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 19.

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    Hoje, escreve Bacon, citado por Adorno e Horkheimer, apenas presumimos dominar a natureza, mas, de fato, estamos submetidos sua necessidade; se contudo nos deixssemos guiar por ela na inveno, ns a comandaramos na prtica.10 Ora, no h dvida de que os fundamentos histricos e sociolgicos da organizao do conhecimento escolar na modernidade esto assentados na perspectiva do domnio racional do mundo. O exerccio levado a efeito pelos frankfurtianos recuperar o sentido filosfico da razo que vem do grego logos, uma proposio relativa ao conhecimento ou ao fundamento de todas as coisas, com o objetivo de realizar a crtica racional da razo instrumental que presidiu a consolidao do modo de produo capitalista. Este, por sua vez, apropriou-se definitivamente da outra concepo de razo, isto , aquela cujo sentido vem do latim ratio ou rationis, em que a razo entendida como instrumento de clculo, projeto, mtodo. Sustentando-se nessa concepo de razo, no apenas o conhecimento adquiriu novo estatuto o estatuto do conhecimento cientfico, positivo, nomottico , como a escola foi o espao reivindicado para a sua difuso. Basta que nos lembremos que o nome prprio do ensino mdio at recentemente era Cientfico e que essa denominao uma construo do sculo XIX, em contraposio ao Clssico. Se o sentido do ensino Clssico era difundir um saber desinteressado, que no estivesse diretamente voltado para uma atividade prtica, o Cientfico era por excelncia o ensino que deveria proporcionar as bases da difuso cientfica e tecnolgica. Seu sucedneo lgico foi o ensino Tcnico, cuja nfase no saber instrumental nos legou o vocbulo tecnicismo. Como afirma Dermeval Saviani, a partir do pressuposto da neutralidade cientfica e inspirada nos princpios de racionalidade, eficincia e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a reorientao do processo educativo de maneira a torn-lo objetivo e operacional.11 Esse paradigma, no entanto, entrou em colapso na segunda metade do sculo XX. No entanto, a despeito da crtica cultural produzida em meados desse sculo pelos frankfurtianos e sua repercusso na crtica aos sistemas de ensino, sobretudo aquelas inscritas no paradigma da reproduo,12 o sentido da escolarizao continuou assentado 10 ADORNO; HORKHEIMER. Dialtica do esclarecimento, p. 19. 11 SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 25. ed. So Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991. p. 23. 12 O paradigma da reproduo um grande conjunto de teorias sociolgicas elaboradas nos anos 1960 e 1970, que tinham em autores como Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Claude Passeron, Christian Baudelot, Roger Establet, Samuel Bowles e Herbert Gintis seus maiores expoentes. Ao contrrio das expectativas otimistas e positivas que se tinha da escola como espao de reconstruo social, esses autores a denunciam como espao de reforo e reproduo das desigualdades sociais. Trata-se de uma crtica severa s instituies de ensino, o que invertia radicalmente a expectativa que se tinha delas. Em vez de ser um espao de vivncia democrtica, dizem esses autores, a escola um espao de reproduo da ideologia dominante, de reproduo da cultura dominante, de

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    na lgica do conhecer para dominar. Mesmo a Sociologia da Educao escolarizada nos cursos de formao de professores, que assimilou bem as crticas produzidas pelo paradigma da reproduo, parece no ter se dado conta de que a crtica a ser feita aos sistemas de ensino precisaria ser ainda mais radical. Como aponta Moacir Gadotti, aps fazer um amplo mapa dos eventos internacionais que trataram da questo da sustentabilidade, a Declarao de Ahmedabad, ndia, que resultou da IV Conferncia Internacional sobre Educao Ambiental, de novembro de 2007, incisiva na necessidade de um novo paradigma para a educao escolar. Apesar de longa, vale a citao integral.

    Ns no precisamos mais de recomendaes para incrementar mudanas; ns precisamos de recomendaes que ajudem a transformar nosso sistema econmico e produtivo, e apontem para [mudanas nas] maneiras de viver radicalmente. Ns precisamos de uma estrutura educacional que no s siga essas transformaes radicais, mas tambm possa liderar esse processo. Isso demanda uma mudana de paradigma. Em todo o planeta, as razes do nosso atual paradigma educacional remontam poca iluminista, que deu origem cincia tal como a compreendemos hoje e influenciou todas as reas do pensamento humano, bem como suas atividades e instituies. Esse paradigma iluminista est baseado na ideia de que o progresso est fundamentado na cincia e na razo, e que cincia e razo podem revelar os mistrios da natureza. Isto nos encoraja a conhecer a natureza ao invs de utiliz-la, a transformar e consumi-la para nossas necessidades insaciveis.13 esse sentido de urgncia da mudana que nossa escola ainda no captou ou est captando de modo extremamente lento. Ao ler os projetos pedaggicos dos cursos de graduao das universidades citadas, notamos que so poucos os que j se orientam pela perspectiva da sustentabilidade. Mesmo sabendo das dificuldades cada vez maiores para o entendimento do termo a exploso do objeto nos ltimos anos, a ampliao dos usos do conceito tanto por movimentos sociais quanto por grandes empresas nacionais e reproduo das relaes de classe e do modo de produo capitalista. Cf. SOUZA, Joo Valdir Alves de. Educao e desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. 13 GADOTTI, Moacir. Educar para a sustentabilidade. So Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2008. p. 86.

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    multinacionais, a avalanche miditica em torno do tema , no h dvida de que a referncia ao assunto nesses projetos pedaggicos j significa pelo menos a possibilidade de no t-lo ignorado. Sustentabilidade e escolarizao no semirido mineiro Como j foi dito, o que orientou a realizao da pesquisa foi a necessidade de se conhecer a complexa relao entre currculo e cultura, entendida como a dinmica produzida pelo conhecimento que a escola organiza e difunde por meio do currculo e o que ele expressa como conjunto de demandas postas pela sociedade na qual esto inseridas as instituies de ensino. Tomando por referncia as dinmicas interativas entre o extra e o intraescolar e o entendimento de que as instituies, os sujeitos e os artefatos culturais tanto configuram o espao escolar quanto so por ele influenciados, tentou-se responder a duas questes: 1) como tem sido abordada a questo do desenvolvimento sustentvel numa regio especfica do estado de Minas que, bem longe dos holofotes da mdia, j construiu significativa histria de lutas? 2) como essa questo, que j alcanou largo debate em diversos espaos sociais, aparece ou no nas matrizes curriculares dos cursos que formam profissionais de nvel superior, inclusive os futuros professores da educao bsica, cujo destino ocupacional exatamente esse ambiente que demanda desenvolvimento sustentvel? Ao tentar responder primeira dessas questes, emerge um cenrio bem diferente do que tem adquirido visibilidade na mdia. A despeito da viso ainda generalizada do semirido como um lugar sem vida, marcado pela escassez de recursos naturais e assolado pela seca, h no apenas pulsantes movimentos que pem em curso novas prticas e tecnologias sociais, como uma enorme quantidade de material cujo tempo disponvel para a pesquisa foi insuficiente para analis-lo. Relativamente s concepes de desenvolvimento regional sustentvel debatidas nos fruns de ONGs e movimentos sociais, que se renem regularmente nos ltimos anos, podem ser apontados os seguintes elementos:

    1. H uma rica experincia construda ao longo das duas ltimas dcadas que, efetivamente, desafiam uma anlise crtica tanto do seu significado quanto do seu alcance. Essa experincia agrega, em torno do Frum do Norte de Minas e do Frum do Vale do Jequitinhonha, grande quantidade de organizaes no governamentais e movimentos sociais muito diversificados em relao ao foco de atuao, aos objetivos propostos e ao entendimento do que seja a questo da sustentabilidade. Se a ASA Brasil rene no Nordeste brasileiro em torno de 700 entidades da sociedade civil, no Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha esse nmero passa de uma centena. Alm disso, esse entendimento varia no tempo, em decorrncia dos novos debates e da ampla difuso deles na mdia. Mesmo que haja um elemento norteador para esses movimentos, que a articulao em

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    torno dos problemas do semirido, sua diversidade traz grande complexidade anlise, o que exige tempo mais longo para uma reflexo mais sistemtica, sem correr o risco de concluses apressadas. 2. H regularidade na realizao dos fruns (regionais e nacionais) e significativa participao de representantes das diversas entidades que os constituem. No entanto, notou-se dificuldade na organizao da memria do movimento, o que implica dificuldade no encaminhamento de significativas questes debatidas. Tanto a documentao est dispersa quanto a participao efetiva dificultada em decorrncia da rotatividade dos participantes. No havendo uma memria compartilhada dos eventos anteriores, a cada encontro ou se ocupa muito tempo retomando questes debatidas anteriormente ou se realiza o debate sem a segurana exigida quando se trata de deliberar sustentando-se em informaes consistentes. 3. Os dois fruns (Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha), que compem a ASA/Minas, se sustentam numa dupla dimenso: uma tcnica e outra poltica. A

    dimenso tcnica diz respeito s inovaes produzidas no enfrentamento dos problemas do semirido. Essa dimenso traduzida em termos de novas tecnologias sociais, a exemplo do Programa um milho de cisternas (P1MC), que consiste em construir sistemas de captao e armazenamento da gua da chuva que cai em telhados; o projeto barraginhas, que consiste na construo de bacias de conteno de enxurradas e represamento das guas da chuva; projetos de recuperao de nascentes, que consistem na tentativa de reter a gua da chuva nas reas de recarga; sistemas agroflorestais, que consistem na tentativa de promover a revegetao de reas devastadas, e o projeto Escola Famlia Agrcola, que consiste na tentativa de organizar e difundir o conhecimento escolar por meio da pedagogia da alternncia. Esses fruns se sustentam, tambm, numa dimenso poltica. Nesse caso, nota-se uma efervescente mobilizao para o enfrentamento de empreendimentos diversos, vistos como imprprios regio, agressivos ao ambiente, inconsequentes quanto aos resultados etc. Esses empreendimentos vo desde a construo de barragens (como as de Irap e Itapebi, no Rio Jequitinhonha), a monocultura do eucalipto, em todo o Norte e Nordeste de Minas, Norte do Esprito Santo e extremo sul da Bahia, e a minerao predatria, tanto a minerao tradicional realizada por grandes dragas no Alto Jequitinhonha, quanto a nova minerao de grafite, ltio e granito realizada no circuito Araua, Pedra Azul, Medina.

    Ao tentar responder segunda questo, que consiste em analisar matrizes curriculares de cursos de graduao que formam profissionais com atuao potencial na regio,

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    visando obter informaes sobre a relao entre essas matrizes e os debates contemporneos sobre desenvolvimento sustentvel, tambm se pode dizer que muito mais h que ser pesquisado, escrito e publicado. No se sabe, por exemplo, em que medida o currculo real se distingue do currculo formal por iniciativa de professores sensveis questo da sustentabilidade, ou dos prprios alunos, muitos deles militantes desses movimentos sociais que reivindicam prticas sustentveis. No se sabe, tambm, (a no ser, claro, os prprios professores que os utilizam) como os livros didticos, sobretudo os de Geografia e Biologia, duas disciplinas da educao bsica especialmente dedicadas a questes ambientais, tm tratado do tema da sustentabilidade. Essas matrizes curriculares foram agrupadas da seguinte forma: cursos cujo objeto est focado no ambiente (Geografia, Cincias Biolgicas); cursos cujo objeto est focado no empreendedorismo (Economia, Administrao); cursos cujo foco a transformao de conhecimento em tecnologias (Arquitetura e engenharias); cursos que formam professores (todas as licenciaturas). A questo central que norteia essa anlise : que lgica orienta a configurao curricular dos cursos de graduao de trs universidades (UFMG, UFVJM, UNIMONTES) que formam profissionais com atuao potencial na regio em foco? Essa questo relevante porque o entendimento preponderante que o senso comum tem sobre o papel que as instituies escolares deveriam exercer o de transformar o mundo. No entanto, a esse propsito explcito e bem-intencionado contrape-se uma realidade bem menos perceptvel: dependendo de como se organiza o sistema de ensino, a escola responde, mais rpida ou lentamente mas, de modo geral, apenas responde a determinadas demandas j presentes na sociedade como um todo. No caso especfico da questo da sustentabilidade, pode-se dizer que a escola bsica tentou responder aos problemas ambientais com a educao ambiental. No constituindo, no entanto, uma disciplina regular do currculo, a educao ambiental entrou na escola como um daqueles temas transversais que deveriam perpassar todas as disciplinas. Como se sabe, o que de todas as disciplinas pode acabar ficando em lugar nenhum, e o destino da educao ambiental pode ser o mesmo de tantos outros temas que reivindicam um lugar na matriz curricular das nossas escolas: educao financeira, educao para o trnsito, educao moral, educao sexual. No sob a perspectiva da educao ambiental, no entanto, que essa pesquisa se constituiu. Ainda que seja uma questo relevante, ela no pretendeu analisar modos particulares como a educao ambiental trabalhada na escola ou o que resulta da ao pedaggica de educadores preocupados com o ambiente, independentemente de essa temtica constituir ou no o currculo formal. A pesquisa pretendeu analisar o currculo escolar formal, constitudo a partir de uma intencionalidade explcita, como expresso da necessidade de ordenar os conhecimentos necessrios formao de profissionais

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    para o trabalho nos diversos campos da atuao humana. Mais particularmente, ainda, a pesquisa consistiu em analisar currculos de cursos de ensino superior e o modo como esto respondendo ou no aos amplos e intensos debates sobre sustentabilidade. Dentre os agrupamentos apontados anteriormente, apenas os cursos de licenciatura tiveram seus projetos pedaggicos submetidos a anlise mais rigorosa. Por isso mesmo, essa anlise recaiu, nessa etapa da pesquisa, sobre os cursos da UFMG, ficando os projetos dos cursos das outras duas universidades alm dos outros cursos da prpria UFMG para uma etapa posterior da pesquisa. E o que salta vista na anlise desses projetos que os cursos convencionais de licenciatura da UFMG, uma das mais conceituadas universidades brasileiras, elaborados em 15 colegiados diferentes, em contexto de reforma curricular balizada pelas Resolues 1/2002 e 2/2002, do Conselho Nacional de Educao, sequer tocam na questo da sustentabilidade. Nem mesmo o projeto do curso de Geografia, cuja unidade ofertante tem uma linha de pesquisa intitulada Meio ambiente, paisagem e desenvolvimento sustentvel, explicita qualquer propsito relativamente questo. O que esperar das futuras geraes se os seus formadores, de quem se espera decisiva atuao na formao de novas sensibilidades relativas aos modos de interveno no ambiente, no esto sendo formados com essa intencionalidade explcita? Talvez as inovaes curriculares e um novo sentido para a escolarizao sejam provocados pelos cursos criados recentemente, justamente os cursos que emergiram como demandas dos mesmos movimentos sociais que reivindicam sustentabilidade. Essas inovaes podem ser lidas nos projetos dos cursos de Licenciatura em Educao do Campo e de Formao Intercultural de Educadores Indgenas, ambos criados com o propsito de realizar uma oferta pontual, mas que, como foi dito, foram institucionalizados em decorrncia do REUNI. Alm desses, o projeto pedaggico do curso de Licenciatura em Cincias Biolgicas, na modalidade a distncia, tambm evoca de modo explcito e relevante a questo da sustentabilidade. Algo semelhante pode ser lido nos projetos dos cursos oferecidos no Instituto de Cincias Agrrias (ICA/UFMG), em Montes Claros, cuja insero no semirido parece responder mais prontamente s demandas pautadas pelos movimentos sociais locais. E essa resposta to mais clara quanto mais recente a verso curricular dos cursos mais antigos. Concluso O propsito deste artigo foi analisar a relao entre educao escolar e desenvolvimento sustentvel. Um estudo mais metdico dessa relao precisa se constituir com base em anlises empricas dos modos concretos como a escola no apenas organiza o conhecimento no currculo formal, mas, sobretudo, o modo concreto como os professores agem no cotidiano das prticas pedaggicas. Estudos dessa natureza ainda

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    esto por serem feitos e de se esperar que haja muito pesquisador interessado na questo. O que este artigo tentou evidenciar que as instituies pblicas que oferecem ensino superior na regio do semirido mineiro esto apenas iniciando uma resposta s demandas por desenvolvimento sustentvel. Tentou mostrar, tambm, que essa resposta uma tentativa de atender a determinadas lutas dos movimentos sociais que, muito tempo antes de a questo ser evidenciada na mdia, j batalhavam na prtica diria pela busca da sustentabilidade. Que fique claro, no entanto, que este texto no passa de apontamentos sobre uma relevante questo. Esses apontamentos so apenas indicaes de um percurso mais rigoroso ainda a ser feito, uma vez que no foi possvel deter-me na totalidade de projetos pedaggicos dos cursos de graduao dessas trs universidades. Alm disso, destaca-se que essa leitura dever ser ampliada para outras universidades do Nordeste do Brasil, a fim de captar o que seus currculos pretendem ensinar aos futuros profissionais a quem caber a tarefa de tornar o semirido no um local do qual se quer sair, mas um local no qual perfeitamente possvel viver dignamente de modo efetivamente sustentvel, como reivindicam, em coro, srios movimentos sociais que atuam na regio.

    Joo Valdir Alves de Souza bacharel e licenciado em Cincias Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Educao pela mesma instituio, doutor em Educao pela PUC-SP e professor de Sociologia da Educao na Faculdade de Educao da UFMG.