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1 EDUCAÇÃO PRIMÁRIA FEMININA EM SERGIPE DURANTE O BRASIL IMPÉRIO Joseilde de Santana Santos 1 Resumo A sociedade brasileira vivenciou ao longo dos oitocentos, múltiplas tentativas organizacionais nos âmbitos político, econômico, cultural e social, visando à modernização do país. Um dos caminhos trilhados para alcançar esta finalidade foi através da instrução pública, que, paulatinamente vai sendo implantada e organizada conforme possibilidades administrativas da Corte. Em Sergipe a educação acompanhava diretrizes estabelecidas pelo sistema de ensino ainda em formação. Nesta perspectiva, intenta-se neste trabalho apresentar alguns passos da educação primária feminina oitocentista em Sergipe durante o Império brasileiro e seus desdobramentos. Analisando a historiografia educacional desse gênero no período imperial, buscando entender como se configurou a educação para o sexo feminino perante uma sociedade patriarcal que enxergava a mulher como mera reprodutora e dona de casa. Para alcançar este intento foi realizado um levantamento documental e bibliográfico que abordasse a temática em questão, nas quais foi possível compreender Leis e práticas que instituíram a instrução pública feminina em Sergipe, bem como os entraves encontrados durante a consolidação do sistema educacional em Sergipe. Palavras-Chave: Brasil- Império, História da Educação, Sergipe, Educação Feminina. Introdução O sistema educacional brasileiro foi estruturado como palco de disseminação de ideologias religiosas, políticas e morais que regiam os padrões culturais desde o período colonial, pois era na escola que se instigava os alunos a praticar os valores cultivados e difundidos da época. Era através da educação que se pensava em alcançar o patamar de nação civilizada 2 , com novos hábitos, costumes, boas maneiras, enfim, objetivavam transformar a 1 Graduada em História- Licenciatura, especialista em Direito infanto-juvenil no ambiente escolar (a escola que protege), mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História - PROHIS, ambos pela Universidade Federal de Sergipe, pesquisadora do Patrimônio Histórico e Cultural Sergipano e professora da rede estadual pública e privada de Sergipe. E-mail: [email protected] 2 A noção de civilização utilizada na época era inspirada nos estudos de Nobert Elias. Cf. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma História dos Costumes. V.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1994.

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1

EDUCAÇÃO PRIMÁRIA FEMININA EM SERGIPE DURANTE O BRASIL

IMPÉRIO

Joseilde de Santana Santos1

Resumo

A sociedade brasileira vivenciou ao longo dos oitocentos, múltiplas tentativas organizacionais

nos âmbitos político, econômico, cultural e social, visando à modernização do país. Um dos

caminhos trilhados para alcançar esta finalidade foi através da instrução pública, que,

paulatinamente vai sendo implantada e organizada conforme possibilidades administrativas da

Corte. Em Sergipe a educação acompanhava diretrizes estabelecidas pelo sistema de ensino

ainda em formação. Nesta perspectiva, intenta-se neste trabalho apresentar alguns passos da

educação primária feminina oitocentista em Sergipe durante o Império brasileiro e seus

desdobramentos. Analisando a historiografia educacional desse gênero no período imperial,

buscando entender como se configurou a educação para o sexo feminino perante uma

sociedade patriarcal que enxergava a mulher como mera reprodutora e dona de casa. Para

alcançar este intento foi realizado um levantamento documental e bibliográfico que abordasse

a temática em questão, nas quais foi possível compreender Leis e práticas que instituíram a

instrução pública feminina em Sergipe, bem como os entraves encontrados durante a

consolidação do sistema educacional em Sergipe.

Palavras-Chave: Brasil- Império, História da Educação, Sergipe, Educação Feminina.

Introdução

O sistema educacional brasileiro foi estruturado como palco de disseminação de

ideologias religiosas, políticas e morais que regiam os padrões culturais desde o período

colonial, pois era na escola que se instigava os alunos a praticar os valores cultivados e

difundidos da época. Era através da educação que se pensava em alcançar o patamar de nação

civilizada2, com novos hábitos, costumes, boas maneiras, enfim, objetivavam transformar a

1 Graduada em História- Licenciatura, especialista em Direito infanto-juvenil no ambiente escolar (a escola que

protege), mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História - PROHIS, ambos pela

Universidade Federal de Sergipe, pesquisadora do Patrimônio Histórico e Cultural Sergipano e professora da

rede estadual pública e privada de Sergipe. E-mail: [email protected] 2 A noção de civilização utilizada na época era inspirada nos estudos de Nobert Elias. Cf. ELIAS, Norbert. O

processo civilizador: uma História dos Costumes. V.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1994.

2

maneira de pensar, que era arraigada pela herança colonial. Para isso, necessitava investir na

educação, pois, somente através dela poderia atingir este ideário.

Nesta perspectiva, muitas tentativas de implantar a instrução pública foram sendo

testadas, algumas inspiradas em modelos internacionais progressistas e modernistas.

Pensando nisto, em 15 de outubro de 18273 é sancionada o Decreto-Lei que determinou a

criação de Escolas de Primeiras Letras em vilas, cidades, e lugares populosos, além de,

oficializar o método pedagógico lancasteriano4 como modelo a ser seguido pela Corte, tendo

como premissa ensinar a ler, a contar e a escrever. Outro importante passo na consolidação do

sistema educacional foi o Ato Adicional de 1834, que atribuiu as Províncias a

responsabilização do ensino primário e secundário, articulado com as exigências do poder

regencial, estas províncias estavam condicionadas as decisões do governo geral centrado no

município da Corte.

A concretização do projeto modernizador do Brasil através da educação, recebia mais

um importante aliado, Luiz Pereira Couto Ferraz5, em 17 de janeiro de 1854 implanta uma

reforma que culminou na criação da Inspetoria Geral de aula e Reformulação do Colégio

Pedro II. Esta reforma atribuía a Corte, fiscalizar e orientar a instrução pública e particular de

níveis primário e secundário, além de implantar as normas para o exercício dessas escolas.

Na medida em que o tempo ai passando, as preocupações dos brasileiros se

intensificaram e a necessidade de uniformizar a instrução pública era entendida como maneira

de integralizar a nacionalidade e instituir sentimentos de pertença a Pátria, para isso, os

currículos escolares precisavam enxergar a instrução pública com lentes voltadas para os

padrões vigentes no país de uma economia predominantemente agrária. Promovendo uma

educação que desenvolvesse a economia local e que elevasse o Brasil à condição de nação

civilizada. Já que o “Brasil não é lugar de literatura” ou “neste país de analfabetismo, não se

3 Para Nunes “Antes de esta lei estabelecer a criação das Escolas de primeiras Letras, foi criada em 11 de agosto

de 1827 as Academias de Direito de São Paulo e Olinda. Para os alunos ingressarem nestas escolas tinham que

comprovar ter 15 anos completos e aprovação em Gramática Latina, Filosofia Racional, Geometria, Moral e

Língua Francesa.” Cf. NUNES, Maria Thetis. Historia da Educação em Sergipe. 2 ed.São Cristóvão: Editora

UFS, Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2008. 4 Praticado a princípio na Inglaterra para ensinar crianças em curto prazo e com poucos recursos a classe operária

inglesa. Cf. SIQUEIRA, Luis. De La Salle a Lancaster: os métodos de ensino nas Escolas de Primeiras

Letras sergipanas (1825-1875). São Cristóvão: UFS, Aracaju, Fundação Oviêdo Teixeira, 2006. 5O projeto em questão foi elaborado pelo parlamentar Couto Ferraz e Justiniano da Rocha, apresentado e

discutido pelos pares em 1851 com denominação de Regulamento da Instrução Primária e Secundaria do

Município da Corte, vindo a ser implantado três anos depois. Ferraz também cria no Rio de Janeiro em 1856 o

Liceu de Artes e Ofícios, e, oficializou o ensino profissionalizante no país. Idem, NUNES, P.57

3

encontra ninguém que tenha intimidade com a noção de ciências6”, era imprescindível

introduzir diretrizes modernistas para que esta visão descortês a cerca do país recentemente

independente mudasse, e o caminho a seguir era por meio da instrução pública. Neste sentido,

as tentativas de aparelhar o sistema educacional continuavam com as reformas, que em sua

maioria, inspiradas em modelos internacionais.

As proposituras do legislativo Tavares Bastos nas décadas de 60 e 70 do século XIX a

cerca da organização do ensino, eram baseadas em molde norte-americano, embebida das

teorias e práticas do modelo escolar de Massachusetts comandada por Horace Mann. A

educação segundo este intelectual viabiliza no individuo a oportunidade de acabar com a

pobreza e promove o acesso a melhores condições de vida intelectual e econômica7·.

Assim, na década de setenta as discussões modernistas permanecem evidenciada na

reforma educacional proposta por Carlos Leôncio de Carvalho, impulsionado com o que

acontecia nos Estados Unidos, implantou no Brasil por meio do Decreto-Lei de 20 de abril de

1877, tornando livre a frequências a instituições educacionais e a desobrigatoriedade do

ensino religioso, estabelecendo a liberdade de crença8, sendo estes os pontos culminantes de

sua reforma.

Outra importante reforma lançada no cenário educacional brasileiro foi a de Rui

Barbosa, através de lentes progressistas, o parlamentar recomenda reparos para o ensino

secundário e profissional – ou técnico. Defendendo a inserção do cientificismo na instrução

pública do país, a liberdade cientifica e a reprovação da preferência que o Estado obtinha a

religião oficial, o catolicismo. Para Alves9 “a organização dos estudos por Rui Barbosa para

os cursos ministrados no Liceu Imperial Pedro II é ilustrativa das discussões que se

desenrolaram no período para definir como deveria ser norteado o ensino secundário no país”.

Dessa forma, buscava conformar o ensino profissional para atender a economia vigorante, e,

secundária para preparar o alunado ingressante no ensino superior. No entanto, em meio a

diversas tentativas de modernização, a herança deixada pelo período colonial permaneceu na

6DEL PRIORE, Mary. Condessa de barral: A paixão do imperador. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. P.37. 7Bastos aponta a instrução publica no Brasil como um dos elementos que poderia contribuir para a reforma moral

dos brasileiros. Cf. SOUZA, Josefa Eliana. O programa de instrução pública de Tavares Bastos (1861-1873):

Concepções a partir do modelo norte-americano. São Cristóvão: Editora UFS, 2012. P.117 8NUNES, Maria Thetis. Op. Cit. P.144-145. 9SANTOS, Fabio Alves de. Rui Barbosa: educação e Política – Um discurso pedagógico no Brasil

oitocentista (1880-1885). São Cristóvão: Editora UFS, 2010. P.61.

4

tradição do povo brasileiro dificultando a absorção das Leis que buscavam transformar o

contexto social em que se encontrava.

Primeiros passos da educação feminina em Sergipe.

A educação feminina dissociada do masculino teve inicio na Europa no século XVIII,

devido aos diferentes papéis que cada gênero desempenhava na sociedade, assim, enquanto o

homem educava-se para a vida profissional, a mulher preparava-se para as prendas do lar, sua

função era cuidar da casa, dos filhos e do marido. No século seguinte, discute-se a

necessidade das mulheres frequentarem os acentos escolares para educar-se e melhor instruir

sua prole. Esta prática alastra-se em diversos países e, é inseminada no Brasil através das

relações mantidas com a Inglaterra.

A presença feminina no âmbito educacional brasileiro começou timidamente após

1827, em Sergipe apenas quatro anos depois, em 1831. Implantadas nas cidades mais

desenvolvidas, a exemplo de São Cristóvão, Estância, Laranjeiras e Propriá, pois, eram

consideradas mais apropriadas para comportar as instituições de ensino do sexo feminino, lá

se centravam os cernes culturais e econômicos. A priori, as escolas não possuíam estrutura

adequada para funcionar, nem exigia formação pedagógica suficiente para desenvolver uma

educação qualitativa, além de professores mal remunerados, não dispunha de recursos

didáticos, o que dificultava o desenvolvimento das aulas.

As escolas provinciais não têm casas apropriadas para o ensino; porquanto a

maior parte celebra suas seções em casas acanhadas, imundas e insalubres

onde moram os professores; porque seus mesquinhos ordenados, ou suas

minguadas gratificações não comportam a despesa com o aluguel de

edifícios asseados, cômodos e espaçosos, onde os meninos possam

desafogadamente entrega-se aos exercícios escolares. Sem serem acometidos

do sono e da languidez produzidos pelo calor abrasador, que os abafa e

amolece nestes acanhados corredores, onde cem ou mais pulmões a

respirarem saturam esta atmosfera dificilmente renovada de hálitos quentes e

insalubre, resultando, além deste inconveniente, o de não poder haver, nestas

impróprias casas, nem regularidade, nem ordem, nem aproveitamento do

tempo, nem por conseguinte método algum de ensino; porque tudo é

desordem e confusão: e outro inconveniente de não menor vulto, qual seja, o

de serem os professores mau grados, mesmo daqueles que sabem e desejam

cumprir religiosamente suas obrigações, constantemente distraídos da

inspeção sobre seus alunos e das necessidades do ensino para acudirem aos

misteres domésticos em que dependem uma boa parte do tempo, que devera

5

ser dedicado inteiro ao cumprimento de suas obrigações magistrais10.

(SANTOS, 2010, p.129)

Esta realidade explicita o contexto em que a instrução pública começou a funcionar,

perdurando ate 1855 como explicita o relatório provincial supracitado e evidenciado por

Glariston Lima em seus estudos sobre A Cultura Material Escolar: desvelando a formatação

da Instrução de Primeiras Letras na Província de Sergipe (1834-1858).

Mantendo traços conservadores do patriarcalismo latifundiário e católico que traziam

nas veias a herança do período colonial, a sociedade brasileira resistia às mudanças e as novas

diretrizes progressistas que defendiam o cientificismo, fundamentando a educação em

princípios religiosos e morais que limitava a figura da mulher a dona de casa, procriadora e

esposa. Até então, a educação que era viabilizada no seio familiar, por preceptoras11, aulas

caseiras com familiares ou por meio de aulas particulares, é estendida aos espaços escolares

no inicio da década de trinta do século XIX em menor proporção que a dos meninos.

Por meio do Ato Adicional de 1834 é inserido em Sergipe em 5 de março de 1835 por

Manuel Ribeiro da Silva Lisboa,12 o então presidente da Província, estabelecendo a

regulamentação da aposentadoria dos professores, exames anuais ao final do ano letivo,

uniformizou o currículo das escolas e denominou o Convento do Carmo como Casa de

Educação13. Esta Carta Lei segundo Nunes “pode ser considerada nossa primeira lei orgânica

de instrução14” e decretava a quantidade de alunos matriculados por classe. Dando

continuidade as iniciativas de organização do ensino público e do projeto modernizador da

nação.

A instrução também estava centrada nos internatos, instituição que mantinha seu

próprio modelo pedagógico caracterizado pelo afastamento do individuo do convívio social

10. Relatório de presidente Manuel da Cunha Galvão em 1860. Cf. LIMA, Glariston Santos dos. A Cultura

Material Escolar: desvelando a formatação da Instrução de Primeiras Letras na Província de Sergipe

(1834-1858). São Cristóvão: Núcleo de Pós-Graduação em Educação; Universidade Federal de Sergipe.

(Dissertação de Mestrado), 2007. P. 129. 11Cf. ALBUQUERQUE, Samuel B. de Medeiros. Marie Lassius, uma preceptora Alemã em Sergipe (1861-

1879). In: Cadernos UFS. São Cristóvão: vol. V. Fascículo I. 2003 12 Em 9 de marco de 1835 sanciona Lei que extinguiu a Associação dos Religiosos Carmelitas em Sergipe,

congregando aos “Próprios Provinciais” as propriedades a ela pertencente. Nunes, Maria Thetis. P. 26 13 Posteriormente intitulado “Gymnazio Geral” e “Escola de Humanidade”, vulgo Lyceu. Esta instituição

suspende as aulas um ano depois, na administração de José Geminiano de Morais Navarro. Cf. ANDRADE, Élia

Barbosa. Nas trilhas da co-educação e do ensino Misto de Sergipe (1842-1889). Dissertação do programa de

Pós-Graduação em Educação. São Cristóvão: UFS, 2007. P. 61 14 NUNES, Maria Thetis. Op. Cit. P. 58

6

durante um determinado tempo, tendo o controle dos horários, das visitas e da entrada e saída

de pessoas15. Em Sergipe durante o século dezenove não ocorreu a presença de grandes

internatos, os que existiam estavam localizados nos centros urbanos desenvolvidos da

Província. A exemplo de Laranjeiras, Maruim, Propriá e Capela.

Em Laranjeiras, funcionava o renomado internato feminino do Colégio

Santana (1848), o internato feminino do Colégio Inglês (1887), o internato

misto da Escola Americana (1886-1899) e o internato masculino do Colégio

Liceu Laranjeirense do Professor Balthazar Góes. Também existem notícias

de internatos funcionando no Colégio Santa Maria (Maruim), dirigido pela

professora Maria Diniz de Mello, Colégio Amparo de Maria do Vigário

Francisco V.

de Mello (Capela), Internato de Japaratuba do Padre Firmino B.

Rocha,Internato de Própria dirigido por Antonio de S. Camilo de Lelis16.

(CONCEIÇÃO, 2010, P. 221)

Estes internatos desenvolviam suas atividades por membros da família, não eram

contratados empregados ou professores para desempenhas as tarefas de ensino, chegando a

comportar até trinta internos. Eram encontrados principalmente nos lugares que

concentravam produção açucareira, para atender aos anseios instrucionais dos filhos dos

oligarcas que residiam na zona rural e não queriam enviar seus filhos para fora da Província.

As escolas particulares também constituíam as instituições educativas durante o

dezenove, sendo as mais renomadas a funcionar na Capital, a exemplo dos Colégios São

Salvador, Parthenon Sergipense e Nossa Senhora da Conceição.

A partir da segunda metade do século XIX, novos modelos e práticas pedagógicas

influenciaram as tendências educacionais do Brasil, a exemplo, do modelo Francês de

educação, que após a Revolução Francesa passa a influenciar em muitos países. O alvo era o

ensino Primário ou Escola Elementar17, propriamente destinado para a instrução na infância,

fase propicia para o aprendizado do sujeito. Nesse sentido, Tavares Bastos18 alagado das

teorias de Mann propõe reformas educacionais pautadas em modelo norte-americano visando

uma educação democrática que atendesse o cidadão integralmente.

15CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. História dos internatos: caminho para a “zona silenciosa”. In: Revista

do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Nº 40, 2010. 16Idem. P. 221 17Cf. HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. O aparecimento da escola moderna: Uma história ilustrada. Belo

Horizonte: Autentica, 2006. Cap. IV 18 SOUZA, Josefa Eliana. O programa de instrução pública de Tavares Bastos (1861-1873): Concepções a

partir do modelo norte-americano. São Cristóvão: Editora UFS, 2012. 270p.

7

Em 1852 Sergipe congregava 13 escolas de Primeiras Letras frequentadas por 360

alunas, seis anos depois este número já era de 15 escolas das 53 existentes na Província, dois

anos seguintes, este número crescia para 22, o que nos permite perceber que aos poucos a

instrução feminina ia conquistando espaço e se consolidado nos municípios da Corte19.

Paralelo as transformações no campo da educação, a economia sergipana ganhava

destaque no cenário econômico do país, encontrava-se de vento em polpa e a geografia da

Capital não favorecia as novas demandas da economia açucareira, que precisava escoar os

produtos e exportá-los com facilidade. Pensando nisto, em março de 1855, o presidente

provincial Joaquim Barbosa pela Lei 413, transfere a Capital de Sergipe situada em são

Cristóvão para Aracaju, dessa forma, os olhares voltava-se para a nova Capital, que carecia

estrutura-se para corresponder às novas demanda.

Na nova Capital as cadeiras de primeiras letras foram ocupadas em anos distintos por

Josefa Maria trindade em 1855, Ana Saturina de Rezende no ano de 1868 e Francina da

Gloria Muniz Teles20 dois anos seguintes, em 1870. Foram estas as três mulheres a apossar-se

das cadeiras de Primeiras Letras em Aracaju. Ambas pertenciam à elite sergipana.

A reformulação Couto Ferraz é baixada em território sergipano em 12 de junho de

1858 pelo então administrador João Dobney D’Avelar Botero, deliberando a quem competiria

à direção, inspeção e governo da educação provincial, estabelecendo calendário único,

separando por sexo as escolas como era de costume e uniformizando a instrução pública nas

escolas de Primeiras Letras e atribuindo às disciplinas que constituiria o currículo21.

Art. 3º As matérias do ensino das escolas de primárias do sexo masculino

são:

§ 1. Leitura e Caligrafia.

§2. Gramatica da Lingua Nacional.

§ 3. Theoria e Pratica d’Arithimetica ate regra de três.

§ 4. Noções gerais de Geometria Plana.

§ 5. Moral e Doutrina Cristã

§ 6.Systema de pesos e medidas do império.

Art. As escolas Primárias para o sexo feminino compreendem as mesmas

matérias do artigo antecedente, excepto as noções de Giometria e limitando

o ensino de d’arithimetica às quatro operações por números inteiros

19 Élia Andrade p. Op Cit. P. 65 20

FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. Pesquisando a Educação Feminina em Sergipe na Passagem do

Século XIX para o Século XX. In: Revista do Mestrado em Educação. Janeiro/Junho. São Cristovão. UFS. Vol.

4. 2002. P.45.

21 FRANCO, Cândido Augusto Pereira. Compilação das Leis Provinciais de Sergipe de 1835 a 1880. V. II, 1880.

1979. p. 144

8

completando o plano do respectivo ensino os trabalhos de agulhas.

(FRANCO, 1979, p.144)

O currículo mostra as limitações que as mulheres tinham ao serem escolarizadas,

através da exclusão do ensino de Geometria e a restrição do ensino de Aritmética. Indício que

explicita a concepção que a sociedade portava sobre a função da mulher perante a sociedade,

que era de esposa, dona de casa e mãe. O trabalho com agulhas era indispensável a uma boa

dona de casa, para isso a prática do bordado, da culinária, do corte e costura era presente no

processo educacional da época, conforme moldes sociais exigidos para um bom matrimônio.

A economia sergipana açucareira estava estruturada pela agricultura com

características arcaicas, usava a instrução para difundir os conceitos defendidos pela classe

dominante, antagônica a práticas educativas que incentivasse a liberdade do sujeito, deixando

a mercê da elite latifundiária e das concepções por ela protegidas. Mesmo combatendo e

criticando, as elites sergipanas tinham que sucumbir suas vontades as determinações dos

administradores, pois estes reproduziam as ordens delegadas pelo Governo Geral e não

contrariava as determinações da corte em prol da vontade popular.

No ano de 1835, a Província de Sergipe contava com quatro escolas para meninas,

enquanto, possuíam vinte e cinco para meninos, o que demonstra a vagarosidade no avançar

das escolas para o sexo feminino. Eliana Souza22chama-nos a atenção ao testificar os motivos

pelos quais a instrução pública não progredia no país, visto que os males atribuídos ao atraso

do Brasil eram as péssimas condições para a manutenção material do ensino gratuito, má

formação do professorado, pequeno número de escolas, baixa remuneração do profissional e

baixo rendimento dos alunos, além da centralização político administrativa.

No ano de 1870, Francisco José Cardoso Junior institui a Escola Normal para o sexo

feminino, com a finalidade de habilitar professores com princípios modernos, que entra em

vigor sete anos depois. A priori a instituição funcionava no Asilo Nossa Senhora da Pureza na

cidade de Aracaju.

Três anos depois, Manoel dos Passos Miranda conjuntamente com Manuel Luis

Azevedo d’Araujo através da resolução 969 de 21 de abril, autoriza a co-educação nas

primeiras escolas da Província sergipana, essa medida libera o ensino sem fazer distinção de

gênero. Em setembro do mesmo ano, Galvão define em seu artigo 78 a implantação da co-

22 SOUZA, Op.Cit. P 57-58.

9

educação nas escolas primárias. Em abril de 1874 outras modificações são efetuadas tendo em

vista a modernização do ensino, o novo currículo compreendia:

Art. 8. O ensino primário público será na província apenas de um grau,

sendo seu programa:

Instrução moral e religiosa, comprehendido o resumo de história sagrada.

Leitura e escripta – comprehendida a declamação de versos.

Gramática da língua nacional.

Arithmetica em suas diferentes operações por números inteiros, fracionários

e decimais.

Systema métrico.

Elementos de geographia universal e história do Brasil.

Elementos, de geometria e desenhos linear.

Nas escolas do sexo feminino o ensino comprehenderá demais – trabalhos de

agulhas e outros análogos ao sexo23. (FRANCO, 1979, P. 156-157)

O currículo apresentado explicita as preocupações com o ensino da geografia e com as

questões voltadas para o cultivo da terra, persistindo os afazeres domésticos no programa de

ensino para o sexo feminino.

Os regulamentos vigentes funcionavam até que outros surgissem, anulando ou

complementado os já existentes. Destarte, em 19 de abril de 1879, novo reparo as Leis e

Decretos educacionais no Brasil, desta vez, sob a mira de Carlos Leôncio de Carvalho

retirando a obrigatoriedade do ensino religioso, tornando-o facultativo e oficializou a co-

educação para o ensino primário, o que provocou diversas críticas e debates nas esferas

sociais. Leôncio de Carvalho sancionou “em seu artigo 4º, parágrafo 3º, que as escolas

femininas de 1º grau deveriam receber alunos ate a idade de 10 anos 24”. O incentivo a co-

educação começava a aparecer nos discursos dos legisladores, intensificando-se nas décadas

de 70 e 80. Porém, não era bem aceito pela população que apoiava o ensino separado por

sexo.

De acordo com Almeida “o ato co-educativo no qual, ambos os sexos aprendem na

mesmo escola, na mesma classe, nas mesmas horas e utilizando os mesmos métodos, as

mesmas disciplinas e com os mesmos professores, todos sob uma direção comum” 25. Dessa

forma, o ensino co-educativo era temido pela promiscuidade que os meninos passariam para

as meninas, colocando em risco a masculinidade do homem e a fragilidade da mulher.

23FRANCO, Cândido A. P. Op. cit. p. 156 – 157. 24ANDRADE, Op. Cit. p. 111-120. 25ALMEIDA Apud ANDRADE, 2007.

10

Em Sergipe não foi diferente, quando o progressista Inglês de Souza baixou26 este

Decreto-Lei na Província em 10 de setembro de 1881 , foi criticado e hostilizado pela

população, que não aceitava as mudanças impostas pelo presidente provincial. “Ele

tencionava enquadrar a educação sergipana aos ideais progressistas que já irradiava seus

“raios de luz” sobre o cenário sergipano 27”. Para concretizar seus anseios, cria uma escola

para ambos os sexos administrada por Tito Augusto, este acontecimento aflorou o

patriarcalismo na Província.

No ano seguinte, o administrador José Joaquim Ribeiro Campos tenta reordenar a

instrução pública, atribuindo a Escola Normal, o retorno do ensino separado por sexo,

propagando a co-educação como ato imoral para a sociedade. No mesmo ano, em 1882, José

Aires Brito defendia o ensino misto como forma de cortar gastos dos cofres públicos28.

Ao longo dos anos que antecedem a republica, o número de instituições educacionais

para meninas tinha aumentado consideravelmente, alcançando quase o mesmo patamar que as

do sexo masculino.

Escolas de primeiras Letras femininas em Sergipe29

ANO QUANTIDADE

1882 62

1883 96

1884 61

1888 56

1889 20

Além destas escolas para o sexo feminino, existia um número significativo de escolas

mistas, o que comprova a frequência assídua da mulher nos bancos escolares sergipano.

O ensino feminino no Brasil e em Sergipe teve grande contribuição com a implantação

das escolas norte-americanas, que apontava a mulher como o ser mais indicado para instruir

26 Por ter implantado a Reforma Leôncio de Carvalho criando uma Escola Mista e retirando o Ensino Religioso

do currículo, foi criticado por meio da imprensa local, estando no poder de 18/05/1881 a 22/02/1882. Cf.

ANDRADE. Op. Cit. P. 35 27ANDRADE, Op. Cit. P.104 28ANDRADE, Op. Cit. p. 51-52 29ANDRADE. Op. Cit. ANDRADE. P.

11

conforme os princípios da fé e da moral. “Neste mister, que envolvia ideias igualitárias e não

diferenciadas ao sexo, eram elas as educadoras da infância, as conhecedoras do método, aos

principais defensores da co-educação dos sexos, procurando oferecer igual ensino para os dois

sexo30”.

No ano de 1889, ultimo ano do império, o número de meninas matriculadas em

instituições de ensino era 2.550 enquanto o de alunos era de 2.569, totalizando 5.119, o que

nos permite perceber que a mulher estava conquistando espaços significativos no âmbito

escolar de Sergipe. E, é neste vai e vem de implantações e reformulações legislativas que a

instrução publica se organizou e consolidou-se no século XIX, apesar da resistência as novas

proposituras educacionais firmadas no cientificismo. A sociedade conservadora do Brasil

resistiu o quanto pode as leis que visavam “civilizar” o individuo e levar o país a alcançar o

progresso. Neste contexto, a mulher inibidamente foi inserida no campo educacional e nele

permaneceu conquistando outros espaços patrocinados pela educação.

Considerações finais

A educação brasileira em seu processo de constituição perpassou por inúmeras

tentativas de organização, a cada Lei implantada uma possibilidade de modernização era

lançada no campo social, os Decretos - Leis importados e implantados não condiziam com a

realidade nacional, daí, o fato de muitas destas Cartas Leis não terem alcançado o resultado

esperado. Depois do grito de independência em 1822 as margens do riacho Ipiranga, o Brasil

precisava moderniza-se e adquirir ares de país civilizado e independente, e seria através da

educação que o país alcançaria o patamar de nação civilizada, e uma das possibilidades era a

educação, que a priori estava voltada para a educação masculina, posteriormente, é estendida

as mulheres, mas com diversas restrições, uma vez que a cultura patriarcal e religiosa.

Desta maneira, em 1827 a primeira Lei para a educação, da o passo inicial a esta

trajetória, esta determinava a criação de Primeiras Letras em vilas, povoados, cidades e

lugares populosos. Quatro anos depois é que este direito contempla a instrução feminina em

Sergipe, que deste os primórdios era instruída no seio familiar, estendendo-se aos bancos

escolares no inicio da década de trinta do século dezenove, em 1831, com um número

pequeno de instituições, muitas das vezes era na casa dos professores que a instrução

30ALMEIDA apud ANDRADE, 2007, p.35.

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acontecia, sem condições estruturais para favorecer o ensino e a aprendizagem do aluno. Esta

inserção feminina ao sistema escolarizado ocorreu lenta e gradualmente, adaptando-se as

múltiplas reformas organizacionais que o Brasil implantou buscando civilizar a nação.

Pode-se perceber que dentre os entraves que impossibilitava o sucesso da instrução

pública, a falta de formação pedagógica, a má remuneração dos professores, a ausência da

estrutura pedagógica, contribuíram para o fracasso das Leis que nortearam a educação na

Província. Outro fator determinante era a herança cultural do período colonial que regia as

tradições sociais e que impedia a penetração do cientificismo nas camadas populares. O ato

educativo baseando-se no catolicismo visualiza a mulher como dona de casa, mãe e esposa,

restringindo suas funções aos afazeres domésticos.

No entanto, as compilações dos modelos educacionais internacionais renderam ao país

a inseminação das práticas co-educativas e o ensino misto, o que contribuiu para a instrução

do sexo feminino em terras brasileiras.

Nas províncias cada presidente buscava implantar medidas politicas conforme ordens

do Governo Geral, os quais muitas das vezes esqueciam-se das diferenças regionais e sociais

que cada região possuía, além de modelos importados de outros países, a prática das leis não

visualizava as especificidades de cada província, este foi outro fator que contribuiu para o

insucesso das medidas civilizatórias. Desta forma, o ensino foi sistematizado no Brasil, e, em

Sergipe.

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