educação pela pedra.oficial

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  • 8/3/2019 Educao pela Pedra.oficial

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    Educao pela Pedra

    I O Movimento Literrio representa um retrocesso em relao s conquistas de 22 prope uma volta ao passado, com a revalorizao da rima, da

    mtrica, do vocabulrio erudito e das referncias mitolgicas

    tendncia para o intelectualismo preocupao existencial / universalidade temtica aguda conscincia esttica, explorando as potencialidades da

    linguagem preocupao com a forma e o fazer potico conscincia do carter metalingustico e intertextual da literatura

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    II O Autor Barcelona e Sevilha: contato com a cultura espanhola, que o

    influencia

    Crticos consideram a poesia cabralina como antilrica, pormno se pode considerar seus poemas como apenas descritivos. Atravs da objetividade, so dotados de poesia. Seria mais correto

    afirmar que ele antisentimental e no antilrico. preciso arquitetnica e extrema economia verbal

    linguagem substantiva e concisa a engenharia da palavra linguagem permeada de expresses e musicalidade popular uso de rimas e repeties que no enfraquecem, ao contrrio,

    intensificam a tenso dramtica Uso de aliteraes e assonncias

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    No pensei em fazer literatura engajada ou no engajada. Eu fazia opoema pensando em fazer bem o poema. O que se pode chamarde literatura engajada, na minha poesia, so os temas da seca, damisria do Nordeste. So os temas dos romancistas do Nordeste,temas que esto presentes em toda a literatura nordestina ".

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    III A Obra (1966) O rigor composicional do poemas largamente difundido pela crtica

    nesse livro chega a seu pice .

    So quarenta e oito poemas escritos em duas estrofes que muitose assemelham a quadros pictricos, visualmente considerados. Ao todo cada poema atinge dezesseis ou vinte e quatro versos Todos os poemas do livro esto divididos em duas partes. O universo temtico sempre tendo a ver com o Nordeste/Espanha,

    a condio humana e o fazer potico. Tudo isso numa rede de inter-relaes lucidamente arquitetada. A educao pela pedra, publicado em 1966, aberto com as

    seguintes palavras:A Manuel Bandeira esta antilira para seus oitentanos.

    Com tal dedicatria, Cabral anuncia ao leitor alguns dos aspectosque fundamentam o seu estilo: a secura de expresso, a ausnciade fluidez de seu verso e a predisposio negao, que marcarmuitos dos poemas da obra.

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    Se o lirismo representa, na poesia, a subjetividade, a valorizao dosestados de alma da voz potica, e, como o termo indica, a resoluomusical do verso, Cabral optar pela aniquilao do eu, pelaobservao desapaixonada da realidade e pelo verso de ritmoestrangulado, repleto de pontuao e elipses, em muitascomposies.

    Em nenhum dos 48 poemas da obra surge o pronome eu; clara,portanto, a inteno do autor em fazer com que se sobressaiam, emsua poesia, os objetivos, os temas e as paisagens aos quais ele

    alude. A realidade agreste, com seu solo rido, seus cactos e nos, ser

    matria de poema. E no s como tema ou pano de fundo, pois o estilo de Cabral

    receber o influxo do meio e o firmar, atravs de um verso duro,que no se quer de fcil memorizao nem se preocupa em cederespao ao entendimento imediato do leitor.

    poesia que exige pacincia, estudo e uma reeducao doouvido e do olhar.

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    Um dos traos estilsticos mais evidentes da potica de Cabral asua disciplina, o seu rigor matemtico na construo do poema.

    Deixando de lado a concepo romntica, que v a poesia comofruto de uma inspirao das musas, o poeta pernambucanoconcebe o poema como o resultado medido de um projeto.

    Assim como Euclides da Cunha e Graciliano Ramos, Cabralconstata como o meio fsico modela o ser humano, fazendo dele oespelho do clima, da vegetao e do solo nordestino, da apresena marcante e negativa dos cactos e da caatinga em suapoesia.

    A educao pela pedra dividido em quatro sees, cujos ttulosso:

    Nordeste (a), No Nordeste (b), Nordeste (A) e No Nordeste (B).

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    O nico termo comum aos quatro ttulos Nordeste, que, mesmoantecedido por um advrbio de negao, faz-se presente.

    como no movimento dialtico em que uma tese s existe porquepressupe a sua prpria negao, ou seja, a existncia do que negado impe-se, justamente, porque ela a condio da negao.

    Cada seo do livro apresenta 12 poemas, sendo que 24 delesprivilegiam a realidade pernambucana e os outros, pertencentes sduas partes intituladas No Nordeste, versam sobre assuntos vriosque vo do galo arquitetura.

    Sobre os aspectos formais da poesia de Joo Cabral, comentaSecchin: Nas sees ou partes minsculas, os poemas tm 16versos; nas maisculas, 24. (...) A rima, nas duas sees iniciais,comparece, toante, nos versos pares, tendo esquema bastantediversificado (mas nunca deixando de existir) nas partes finais.

    Lembramos ao leitor que rima toante aquela que s apresentacorrespondncia sonora entre as slabas tnicas da ltima palavra doverso, por exemplo: a um banco de areia do mar de chegAda;/vegetais; de gua espao e sem tempo/ (sem o cabo porque o tempoa arrAsta) .

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    1 - CATAR FEIJOCatar feijo se limita com escrever:

    joga-se os gros na gua do alguidar

    e as palavras na folha de papel;e depois, joga-se fora o que boiar.Certo, toda palavra boiar no papel,gua congelada, por chumbo seu verbo:

    pois para catar esse feijo, soprar nele,e jogar fora o leve e oco, palha e eco. /////Ora, nesse catar feijo entra um risco:o de que entre os gros pesados entreum gro qualquer, pedra ou indigesto,

    um gro imastigvel, de quebrar dente.Certo no, quando ao catar palavras:a pedra d frase seu gro mais vivo:obstrui a leitura fluviante, flutual,

    aula a ateno, isca-a como o risco.

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    Metalingstico: compara o ato de escrever ao de ato de catar feijes. O ato de escolher feijes consiste em selecionar o que bom e utiliz-

    lo, excluindo assim a parte que no passvel de ser aproveitada. Assim deve ser o poema, conciso, sinttico, no h espaos para as

    adjetivaes inteis, deve-se ir direto essncia do poema, que seroas pedras.

    Entretanto, assim como acontece com o feijo, que muitas vezes entreos gros sadios surge uma pedra, ou um gro indigesto, a poesiatambm apresenta essa pedra.

    Entretanto a pedra no feijo que poder ser prejudicial ao paladarhumano, que no capaz de digeri-la, , na poesia, um risco benfico,pois quando mais o leitor tenta digeri-la, mais fcil ela fica de sercompreendida.

    V-se que para o eu-lrico a poesia deve ser sinttica, no necessrioo excesso de palavras para completar uma idia, mostrando o ladoanaltico da potica cabralina.

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    2 - A Educao pela PedraUma educao pela pedra: por lies;Para aprender da pedra, freqent-la;

    Captar sua voz ineftica, impessoal(pela de dico ela comea as aulas).A lio de moral, sua resistncia friaAo que flui e a fluir, a ser maleada;A de potica, sua carnadura concreta;A de economia, seu adensar-se compacta:Lies da pedra (de fora para dentro,Cartilha muda), para quem soletr-la. ////Outra educao pela pedra: no Serto

    (de dentro para fora, e pr-didtica).No Serto a pedra no sabe lecionar,E se lecionasse, no ensinaria nada;L no se aprende a pedra: l a pedra,

    Uma pedra de nascena, entranha a alma.

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    Nota-se que a lio da pedra a do silncio, da dureza, da concretude, enfim, a antili, que aniquila o pressuposto dialgico de qualquer ensinamento.

    O nordestino no capaz de aprender da pedra porque ele prprio seu tutore traz em essncia tal conhecimento, como indicam os dois ltimos versos do

    poema. Texto que ao mesmo tempo metalingstico e crtico social. Pedra uma matria mineral dura e slida , da natureza das rochas. Educar-se pela pedra educar-se de maneira dura, difcil. Com relao a educao textual o substantivo pedra pode ser entendido como

    poesia, ou seja, para apreendermos a poesia, freqent-la, /captar sua vozineftica, impessoal, preciso deix-lo fluir de fora para dentro, precisocaptar sua concretude, preciso prender a forma, ao poema, pois ele quemnos leva poesia, a transpirao que se sobrepe inspirao.

    Poesia no flui dos sentimentos do artista, nem deve ser fruto da inspiraointerior do autor, mas sim fruto do mundo exterior ou do mundo da prpria

    poesia, a metalinguagem. Outra lio: lio humana. A pedra representa na 2 estrofe as dificuldades do

    povo do Serto, que acaba por aprender com o sofrimento. Nesse caso o aprendizado de dentro para fora. A pedra que a aridez, a

    rudez e dureza da vida no Serto, no ensinam nada ao sertanejo, ela apenas

    se coloca em seu caminho levando-o ao aprendizado interno, alma.

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    H alguns recursos estticos utilizados pelo autor que vai aoencontro da estrutura da poesia contempornea, que privilegia aforma lexical coloquial

    O verbo jogar no segundo verso est gramaticalmente incorreto. Segundo as normas da gramtica tradicional o certo seria que o

    verbo estivesse na terceira pessoa do plural, jogam-se e no naterceira pessoa do singular.

    Isso caracteriza dentro do poema a valorizao do falar maispopular, tendncia da poesia modernista que estendeu-se ao textocontemporneo

    No penltimo verso vemos uma licena potica nas palavrasfluviante e flutual.

    O poeta inverte os sufixos. O al de fluvial completa o flut- de

    flutuante. O mesmo acontece com com o ante que completa ofluvi- de fluvial. Dentre os aspectos essa inverso mostra a liberdade de criao do

    poeta da contemporaneidade.

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    3 - FBULA DE UM ARQUITETOA arquitetura como construir portas,

    de abrir; ou como construir o aberto;

    construir, no como ilhar e prender,nem construir como fechar secretos;construir portas abertas, em portas;casas exclusivamente portas e tecto.O arquiteto: o que abre para o homem(tudo se sanearia desde casas abertas)portas por-onde, jamais portas-contra;por onde, livres: ar luz razo certa. /////At que, tantos livres o amedrontando,

    renegou dar a viver no claro e aberto.Onde vos de abrir, ele foi amurandoopacos de fechar; onde vidro, concreto;at fechar o homem: na capela tero, com confortos de matriz, outra

    vez feto.

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    Nesse poema h um deslocamento do tema metalingstico dos anteriorespara um tema de mbito social.

    Crtica urbanizao e ao estado de aprisionamento do homem moderno. Construir casas com portas e janelas, que do ao homem sensao de

    liberdade, era a funo do arquiteto, que sempre privilegiava a claridade edava espao para os ambientes abertos.

    Com o medo que assombra a sociedade moderna o homem abdicou desuas aberturas, teve de abrir mo de sua liberdade, de sua claridade, evoltar a viver no escuro, protegido do mundo exterior.

    Outra leitura possvel desse poema seria a de carter mais existencialista. O mundo torna-se o arquiteto do homem a medida que o molda de acordo

    as necessidades da existncia. Quando criana o ser humano uma casa com portas e janelas abertas

    para o mundo, a por parte do mundo infantil uma manifestao espontnea

    de seus desejos e pensamentos. medida que o homem sente-se amedrontado pelas desiluses da vida,

    fecha-se em si mesmo fechando sua portas e janelas, voltando-se para aintrospeco.

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    4 - O SERTANEJO FALANDOA fala a nvel do sertanejo engana:as palavras dele vm, como rebuadas

    (palavras confeito, plula), na glacede uma entonao lisa, de adocicada.Enquanto que sob ela, dura e endureceo caroo de pedra, a amndoa ptrea,dessa rvore pedrenta (o sertanejo)incapaz de no se expressar em pedra.

    Da porque o sertanejo fala pouco:as palavras de pedra ulceram a bocae no idioma pedra se fala doloroso;o natural desse idioma fala fora.Da tambm porque ele fala devagar:tem de pegar as palavras com cuidado,confeit-la na lngua, rebu-las;pois toma tempo todo esse trabalho.

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    Nesse poema vemos novamente a imagem da pedra que funde-secom a do sertanejo.

    O falar do homem do serto est escondido em doura, doura quetraz sob si a rudez da pedra que lhe difcil esconder.

    O sertanejo passa a falar pouco, pois tem grande dificuldade emconfeitar a lngua.

    O poema faz uma anlise da grande dificuldade que o sertanejo temde expressar por sentir margem.

    Esse poema nos remete ao romance Vidas Secas de GracilianoRamos. Os personagens de Graciliano so retirantes que fogem da seca e

    que praticamente no conseguem dialogar entre si. Fabiano, o chefe da famlia, pensa muito, fica remoendo suas

    angstias, mas no consegue express-las por meio das palavras. Isso porque esse homem sofrido da seca sertaneja no tem voz ,

    ele ignorado por sistema injusto, que s capaz que gerar pedrasna alma sertaneja.

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    5. Os Reinos do AmareloA terra lauta da Mata produz e exibe / um amarelo rico (se no o dos metais):o amarelo do maracuj e os da manga, / o do oiti-da-praia, do caju e do caj;amarelo vegetal, alegre de sol livre, / beirando o estridente, de to alegre,

    e que o sol eleva de vegetal a mineral, / polindo-o, at um aceso metal de pele.S que fere a vista um amarelo outro,e a fere embora bao (sol no o acende):amarelo aqum do vegetal, e se animal,de um animal cobre: pobre, podremente./////S que fere a vista um amarelo outro: / se animal, de homem: de corpo humano;de corpo e vida; de tudo o que segrega(sarro ou suor, bile ntima ou ranho), / ou sofre (o amarelo de sentir triste,de ser analfabeto, de existir aguado):

    amarelo que no homem dali se adicionao que h em ser pntano, ser-se fardo.Embora comum ali, esse amarelo humanoainda d na vista (mais pelo prodgio):pelo que tardam a secar, e ao sol dali,

    tais poas de amarelo, de escarro vivo.

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    A temtica social apresta-se em diversas composies, seja de modoexplicito ou velado.

    No poema Os Reinos do amarelo, que consta da 3 parte do livro, atenso dos contrrios cria uma espcie de gradao cromtica do

    amarelo, que vai do amarelo vivo da 1 estrofe, o amarelo do maracuj eos da manga ,/ o do oiti e do caj / amarelo vegetal,alegre de sol livre, ato amarelo anmico e bao do homem aoitado pelo sol e pelas injustiassociais:

    Embora comum ali, esse amarelo humano / ainda d na vista (mais peloprodgio): / pelo que tardam a secar, e ao sol dali / tais poas de amarelo,

    de escarro vivo. Neste poema, a primeira parte dedicada ao reino vegetal, enfatizando-lhe

    o carter vivificante, que faz do sol a matria de sua exuberncia; E a segunda mostra-nos um amarelo outro, amarelo aqum do vegetal, e

    se animal,/ de um animal cobre: pobre, podremente.

    O amarelo perde ento a vitalidade e serve para caracterizar o homem deser analfabeto, de existir aguado.

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    6. Rios sem DiscursoQuando um rio corta, corta-se de vez / o discurso-rio de gua que ele fazia;cortado, a gua se quebra em pedaos,/ em poos de gua, em gua paraltica.Em situao de poo, a gua equivale / a uma palavra em situao dicionria:isolada, estanque no poo dela mesma, / e porque assim estanque, estancada;e mais: porque assim estancada, muda, / e muda porque com nenhuma comunica,porque cortou-se a sintaxe desse rio, / o fio de gua por que ele discorria./////O curso de um rio, seu discurso-rio,chega raramente a se reatar de vez;um rio precisa de muito fio de guapara refazer o fio antigo que o fez.Salvo a grandiloquncia de uma cheialhe impondo interina outra linguagem,

    um rio precisa de muita gua em fiospara que todos os poos se enfrasem:se reatando, de um para outro poo,em frases curtas, ento frase e frase,at a sentena-rio do discurso nico

    em que se tem voz a seca ele combate

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    Chamamos ateno aqui para o poema Rios Sem Discurso, no spela sua inegvel beleza, mas tambm porque une engajamento emetalinguagem, procedimentos comuns nos poemas de Cabral, comose pode notar no difcil O Hospital Da Caatinga e em Dois P.S. A UmPoema.

    O ttulo do poema insere o leitor, mais uma vez, no universo danegao e da ausncia.

    Se o discurso caracterizado pela continuidade, por ter um curso,Cabral far com que a imagem desse rio seja a daqueles riosintermitentes, que no apresentam curso certo, que s vezes sereduzem a uma simples poa, que no se faz comunicar com nenhumaoutra.

    Rio sem discurso caracteriza muito bem a antilira do poeta, a suanegao ao fluir do verso, a sua averso grandiloqncia.

    Ele assimila, em seu processo de construo do poema, o desenhodesses rios que no recebem chuva e faz com que seu verso osreproduza.

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    7. Num monumento aspirinaClaramente: o mais prtico dos sis,o sol de um comprimido de aspirina:de emprego fcil, porttil e barato,compacto de sol na lpide sucinta.Principalmente porque, sol artificial,que nada limita a funcionar de dia,que a noite no expulsa, cada noite,sol imune s leis de meteorologia,a toda hora em que se necessita delelevanta e vem (sempre num claro dia):acende, para secar a aniagem da alma,quar-la, em linhos de um meio-dia.(...)

    Diferente de Guimares Rosa, que v o serto como um espao depossibilidades e de transcendncias, o autor enfatiza a capacidade que oserto tem de mineralizar o homem, de assimil-lo, de assassin-lo.

    No poema O Sol Em Pernambuco, o astro glorioso comparado a um fuzil,evidenciando assim o carter predatrio e inclemente do sol.

    O carter inslito do poema acima consiste no fato do autor fundir a imagem da

    aspirina do sol; no caso,um sol bem vindo.

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    8. Sobre o sentar / estar no mundoOnde quer que certos homens se sentemsentam poltrona, qualquer o assento.Sentam poltrona: ou tbua-de-latrina,

    assento alm de anatmico, ecumnico,exemplo nico de concepo universal,onde cabe qualquer homem e a contento.

    Onde quer que certos homens se sentemsentam bancos ferrenhos de colgio;por afetuoso e diplomata o estofado,os ferem ns debaixo, seno pregos,e mesmo a tbua-de-latrina lhes nega

    o abaulado amigo, as curvas de afeto.A vida toda, se sentam mal sentadose mesmo de p algum assento os fere:eles levam em si os ns-seno-pregos,nas ndegas da alma, em efes e erres.

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    No poema Sobre o Sentar-/Estar No Mundo, a troa evidenciada pelottulo, que ironiza a filosofia ontolgica, que se debrua sobre aproblemtica do ser humano, de sua essncia e existncia.

    Cabral coloca o verbo sentar onde, normalmente, figuraria o verbo ser,

    indicando a banalizao do tema filosfico. Na primeira parte do poema, o poeta demonstra como a tbua da latrina

    universaliza o homem; segundo o eu-lrico, ela o exemplo nico deconcepo universal, / onde cabe qualquer homem e a contento.

    A segunda parte funciona como contraposio da primeira; nela o carterecumnico da tampa da latrina desaparece.

    O poeta salienta o eterno desconforto do homem sentado: e mesmo atbua de latrina lhes nega / o abaulado amigo, as curvas de afeto.

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    9. Nas covas de BazaO cigano desliza por encima da terrano podendo acima dela, sobrepairado;jamais a toca, sequer caladamente,

    seno supercalado: de cavalo, carro.O cigano foge da terra, de afag-la,dela carne nua ou viva, no esfolado;lhe repugna, ele que pouco a cultiva,o hlito sexual da terra sob o arado.

    De onde, quem sabe, o cigano das covasdormir na entranha da terra, enfiado;dentro dela, e nela de corpo inteiro,

    dentros mais de ventre que de abrao.Contudo, dorme na terra uterinamente,dormir de feto, no o dormir de falo;escavando a cova sempre, para dormirmais longe da porta, sexo inevitvel.

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    No que diz respeito ao erotismo, o que vemos na obra o aproveitamento deimagens flicas presentes na natureza e a converso delas em imagenspoticas.

    Como exemplo, temos o poema Nas Covas De Baza, em que a primeira parte

    apresenta-nos o cigano que, vivo, foge da terra e da sua nsia devoradora, mascomo indica o ttulo, em verdade, o cigano foge para a sua prpria cova, ocigano foge da terra, de afag-la,/ dela carne nua ou viva, no estofado;/ lherepugna, ele que pouco a cultiva,/ o hlito sexual da terra sobre o arado.

    A terra da qual foge o cigano, na segunda parte do poema ganha o estatuto decova e alcana a dimenso ertica e feminina.

    Octavio Paz, intelectual mexicano, salienta que a fenda a representao dosexo feminino, j que a mulher quem tem a anatomia aberta.

    A cova, a fenda, se prepara ento para receber o morto como uma mulher parareceber o falo ou guardar o feto, contudo, dorme na terra uterinamente,/ dormirde feto, no dormir de falo;/ escavando a cova sempre, para dormir/ mais longe

    da porta, sexo inevitvel. Em outro poema de tonalidade ertica, Duas Bananas & A Bananeira, as

    imagens da banana e do mangar elevam-se do pnis e da prostituta: da abananeira dobrar, como impotente, / a ereo do mangar, de crua macheza;/ eda conceber as bananas sem caroo,/ fceis de despir, com carne de rameira.

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    10. Fazer o seco, fazer o midoA gente de uma capital entre mangues,gente de pavio e de alma encharcada,se acolhe sob uma msica to resseca

    que vai ao timbre de punhal, navalha.Talvez o metal sem hmus dessa msica,cido e eltrico, pedernal de isqueiro,lhe d uma chispa capaz de tocar fogoNa molhada alma pavio, molhada mesmo.

    A gente de uma Caatinga entre secas,Entre datas de seca e seca entre datas,se acolhe sob uma msica to lquida

    que bem poderia executar-se com gua.Talvez as gotas midas dessa msicaQue a gente dali faz chover de violas,Umedeam, e seno coma gua da gua,Com a convivncia da gua, langorosa.

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    O poema vale-se da contradio em dois nveis distintos e complementares: oda linguagem e o do bioma.

    A 1 estrofe apresenta-nos o mangue como o lugar do mido, do barro, de

    gente encharcada, molhada; porm o homem situado numa capital entremangues intui o seco. A existncia da seca, da paisagem de galhos tortuosos da Caatinga, faz com

    que o homem do Mangue viva sob ameaa. J a Segunda estrofe evidencia o contrrio. O homem da Caatinga sonha com a possibilidade do mido, da chuva,

    fazendo dela o motivo musical de seus anseios. Na primeira estrofe, as palavras que caracterizam a msica que representa o

    temor do homem do mangue so punhal, navalha e cido, diferente do queocorre na segunda estrofe, em que o elemento frreo, da dureza, nocomparece.

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    11. Tecendo a ManhUm galo sozinho no tece uma manh:ele precisar sempre de outros galos.De um que apanhe esse grito que ele

    e o lance a outro; de um outro galoque apanhe o grito de um galo antese o lance a outro; e de outros galosque com muitos outros galos se cruzemos fios de sol de seus gritos de galo,para que a manh, desde uma teia tnue,se v tecendo, entre todos os galos.

    E se encorpando em tela, entre todos,

    se erguendo tenda, onde entrem todos,se entretendendo para todos, no toldo(a manh) que plana livre de armao.A manh, toldo de um tecido to areoque, tecido, se eleva por si: luz balo.