educaÇÃo matemÁtica em revista – rs

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS - SBEM - RS Ano 10 - 2009 - n.10 - v.1

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICAEM REVISTA – RS

SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS - SBEM - RS

Ano 10 - 2009 - n.10 - v.1

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS – SBEM-RS

ISSN 1518 – 8221

EDITOR: José Carlos Pinto Leivas

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA DO RS É UMA PUBLICAÇÃO SOB A

RESPONSABILIDADE DA SBEM - RS

DIRETORIA SBEM – RS – 2009–2012Diretora – Claudia Lisete Groenwald1ª Secretária – Cátia Maria Nehring2º Secretário – Maurício Rosa1ª Tesoureira – Tânia Elisa Seibert2ª Tesoureira – Carmen Mathias

CONSELHO FISCAL – 2009–2012Maria Cristina KesslerTânia Michel PereiraAnemari Roesler Luersen Vieira Lopes

SUPLENTES – 2009–2012Ednei Luis BecherRoberto Luis Tavares BittencourtLuciana Muller Somavilla Sonia Beatriz Teles DrewsMárcia Jussara Hepp Rehfeldt

CONSELHO EDITORIAL – 2009–2012Dr. José Carlos Pinto Leivas

Dr. Maurício Rosa – edição on-line

E24 Educação matemática em revista / Sociedade Brasileira de Educação Mate-mática do Rio Grande do Sul (SBEM-RS). – vol. 1, n. 1 (1999) – Canoas: Ed. ULBRA, 1999-.

Anual ISSN 1518-8221

1. Educação matemática - periódico. 2. Matemática – ensino - periódico. I. Sociedade Brasileira de Educação Matemática do Rio Grande do Sul

CDU 372.851

CONSELHO CONSULTIVO Dr. Airton Carrião Machado – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Dra. Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)Dra. Arlete de Jesus Brito – UNESP – Rio ClaroDr. Arthur B. Powel – Rutgers University – USADra. Carmen Teresa Kaiber – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Cátia Maria Nehring – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (UNIJUÍ)Dra. Claudia Lisete Oliveira Groenwald – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Eleni Bisognin – Universidade Franciscana (UNIFRA)Dra. Eliana Maria do Sacramento Soares – Universidade de Caxias do Sul (UCS)Dr. Idemar Vizolli – Universidade Federal do Tocantins (UFT)Dra. Irene Mauricio Cazorla – Universidade Federal da Bahia (UFBA)Dra. Helena Noronha Cury – Universidade Franciscana (UNIFRA)Dr. José Carlos Pinto Leivas – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Maria Cecília Bueno Fischer – Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)Dra. Maria Cristina da Cunha Santos Loureiro – Escola Superior de Educação de Lisboa – PortugalDra. Maria Cristina Kessler – Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)Dra. Maria Tereza Carneiro Soares – Universidade Federal do Paraná (UFPR)Dra. Marilena Bittar – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)Dr. Maurício Rosa – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Neiva Ignes Grando – Universidade de Passo Fundo (UPF)Dra. Nilce Scheffer – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (URI)Dr. Pedro Borges – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (UNIJUÍ)Dr. Rômulo Marinho do Rêgo – Universidade Estadual de Campina Grande (UEPB)Dra. Rute Elizabete de Souza Rosa Borba – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)Dra. Silvia Dias Alcântara Machado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)Dra. Tânia Cristina Baptista Cabral – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)Dra. Vanilde Bisognin – Universidade Franciscana (UNIFRA)

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Educação Matemática em Revista – RS é uma publicação semestral da Regional do Rio Grande do Sul da Sociedade Brasileira de Educação Matemática e tem por objetivo divulgar trabalhos científicos constituídos de relatos de experiências de professores e pesquisadores em Educação Matemática da região, do país e do exterior, bem como de pesquisas relativas ao ensino e à aprendizagem na área. As avaliações dos artigos submetidos são feitas por dois membros do Conselho Consultivo e, em caso de discordância, é indicado um terceiro, sem que os autores sejam identificados.

INDEXADOR

Sumarios.org (Sumários de Revistas Brasileiras) – Código 005.085.582

ÚLTIMA TIRAGEM: 1.000 exemplares

Dezembro de 2009

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4 EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1

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SUMÁRIO

EDITORIAL ..........................................................................................................................................7Claudia Lisete Oliveira Groenwald

A ESCRITA COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA COM FORMANDAS DO CURSO DE PEDAGOGIA: ANALISANDO A PRODUÇÃO ESCRITA DE LAURAThe Writing as Pedagogical Strategy in the Mathematics Teaching and Statistic with the Last Year Students of Pedagogy Course: Analysing Laura’s Writing Production .....................................9Willian Beline, Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino

A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ESTUDO DE CASO NA CIDADE DO RECIFE

Mathematics in Children Education: Case Study in Recife City ....................................................19 Juceli Bengert Lima, Aldenize Ferreira de Lima

CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL POR MEIO DA METODOLOGIA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMASConstruction of the Concept of Function in Primary Education through the Methodology of Resolution Problems ............................................................................... 27Alex Sandro Gomes Leão, Vanilde Bisognin

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FUNÇÃOThe Historical Construction of the Function Concept ..................................................... 37Rafael Winicius da Silva Bueno, Lori Viali

O QUE PESQUISAS TÊM EVIDENCIADO SOBRE O USO DA CALCULADORA NA SALA DE AULA DOS ANOS INICIAIS DE ESCOLARIZAÇÃO?What Has Research Shown about the Use of the Calculator in Primary School Classrooms? .49Rute Elizabete de Souza Rosa Borba, Ana Coelho Vieira Selva

TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA: EXEMPLOS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICADidactic Transposition: Examples in Mathematics Education ........................................ 65José Carlos Pinto Leivas, Helena Noronha Cury

A GEOMETRIA QUE EXISTE ALÉM DO OLHAR: LEVANDO A GEOMETRIA DA NATUREZA PARA DENTRO DA ESCOLAGeometry beyond the View: Taking Nature Geometry into the School ........................... 75Karin Ritter Jelinek, Adriana Justin Cerveira Kampff

SESSÃO ESPECIAL

TRABALHO COM PROJETOS NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE ESTATÍSTICA: BENEFÍCIOS, PROBLEMAS, LIMITAÇÕESWorking with Projects in Statistics Teaching and Learning: Benefits, Problems, Limitations... ....................................................................................................................... 83Dione Lucchesi de Carvalho

TRABALHANDO VOLUME DE CILINDROS ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMASWorking on Cylinder Volume Through Problem Solving ...............................................................95Lourdes de la Rosa Onuchic, Norma Suely Gomes Allevato

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ......................................................................................................105

Educação Matemática em Revista – RS é uma publicação da Regional Sul da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, cuja dis-tribuição é feita aos associados do Rio Grande do Sul, de forma gratuita, bem como a outros que manifestarem interesse e a solicitarem. Seu objetivo principal é chegar ao professor em sala de aula, quer com contribuições práticas, por meio de relatos de experiência ou trabalhos que possam ser aplicados, quer por meio de fun-damentação teórica a partir de publicações de pesquisas realizadas no Brasil e no exterior.

A partir da edição 2009, a revista é editada em dois volumes por ano e, também, no formato on-line, sob a responsabilidade do professor Dr. Maurício Rosa, a fim de divulgar os trabalhos nela inseridos de uma forma mais ampla, in-clusive a pesquisadores da área. Ressaltamos, também, que a revista encontra-se indexada.

No último Encontro Gaúcho de Educação Matemática (EGEM), em junho, na UNIJUÍ, em Ijuí, foi eleita uma nova diretoria, que conduzirá a regio-nal no período 2009–2012, sendo mantido o editor da revista, o professor Dr. José Carlos Pinto Leivas, e ampliando-se o corpo de revisores, agora com representantes da maioria dos estados brasileiros.

Constam nesta revista sete artigos oriun-dos de diversas instituições e estados brasileiros. No primeiro artigo, Willian Beline e Márcia Cyri-no analisam as implicações sobre a utilização da escrita discursiva na Matemática e na Estatística em um curso de Licenciatura em Pedagogia. No segundo artigo, um resultado de pesquisa oriun-do da cidade de Recife é apresentado pela pesqui-

EDITORIAL

sadora Juceli Lima, em conjunto com Aldenize Lima, abordando as condições de trabalho que são oferecidas e os materiais didáticos disponibi-lizados como suporte pedagógico ao professores nas escolas e creches, a fim de que atinjam os objetivos apresentados nas Diretrizes Curricula-res Nacionais para a Educação Infantil, dirigida ao ensino e à aprendizagem de Matemática. No terceiro artigo, Alex Sandro e Vanilde Bisognin abordam o assunto função e os resultados de uma pesquisa voltada ao tema no ensino funda-mental, por meio da metodologia de resolução de problema, seguindo a Teoria de Conceito Imagem e Conceito Definição, de Tall e Vinner. O quarto traz uma construção histórica sobre o conceito de função, por Rafael Bueno e Lori Viali, identificando as principais etapas do processo evolutivo desse conceito e diversas formas de representação semiótica em tal evolução. Rute Borba e Ana Selva, no quinto artigo, apresentam resultados de pesquisa com o uso de calculadoras em sala de aula com professores dos anos iniciais da cidade de Recife, com sugestões de atividades realizadas, enquanto que José Carlos Pinto Leivas e Helena Cury fazem considerações a respeito da Transposição Didática de Chevallard, por meio de dois exemplos, o de distância e o do grande seno e grande cosseno, no sexto artigo. Para con-cluir, Karin Jelinek e Adriana Kampff apresentam um relato de experiência em sala de aula da es-cola básica, utilizando o software Imagine, para abordar tópicos de Geometria Fractal.

Também temos dois artigos de autores convidados. No primeiro, Dione Lucchesi de

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Carvalho brinda nossos leitores com o Trabalho com projetos no ensino e na aprendizagem de estatística: benefícios, problemas, limitações..., que faz uma análise de pesquisas de mestrado sobre Educação Estatística, as quais mostram benefícios no tipo de trabalho para o desenvolvi-mento profissional dos professores. No segundo, Lourdes de La Rosa Onuchic e Norma Suely Al-levato presenteiam nossos leitores com o artigo Trabalhando volume de cilindros através da

resolução de problemas, voltado à metodologia de resolução de problema e que pode ser aplica-do diretamente na escola básica, tão carente de inovações curriculares no ensino e na Educação Matemática.

Desejo uma boa leitura a todos!

Claudia Lisete Oliveira GroenwaldDiretora da SBEM/RS

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A ESCRITA COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA COM FORMANDAS DO CURSO DE PEDAGOGIA:

ANALISANDO A PRODUÇÃO ESCRITA DE LAURA

The Writing as Pedagogical Strategy in the Mathematics Teaching and Statistic with the Last Year Students of Pedagogy Course: Analysing Laura’s Writing Production

Willian Beline

Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino

Resumo

O objetivo desta investigação foi analisar as implicações quanto à utilização da escrita discursiva na disciplina de Matemática e Estatística, ministrada para acadêmicas do 4º ano do curso de Licenciatura em Pedagogia diurno, da FECILCAM1, como meio de captar, examinar e reagir ao pensamento matemático (POWELL, 2001) dessas futuras pedagogas. Para isso, utilizamos uma tarefa intitulada Bilhete de fim de aula, que consistiu na resposta, em todas as aulas de 2008, a duas questões: (i) Qual o conceito mais importante desta aula? Comente, justifique; (ii) Qual a minha principal dúvida nesta aula? Por quê?. Baseados em Powell (2001) e Powell e Bairral (2006), analisamos a produção escrita da acadêmica de pseudônimo Laura na busca de identificar em que ponto, em seus textos, houve mudança em sua forma de escrever, partindo de uma escrita mais expressiva (descritiva) para uma escrita mais transacional (argumentativa). Concluímos que a utilização de tarefas escritas nessa turma, especialmente em Laura, possibilitou uma busca da compreensão dos conteúdos da disciplina por parte da estudante e instrumentalização do professor para o (re)planejamento das aulas, na medida em que Laura, aos poucos, apresentou mudança em sua forma de escrever, envolvendo-se cada vez mais com o conteúdo e com as aulas. Diversos foram os momentos em que, além de responder ao que

1 Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. Paraná. Brasil. Site <http://www.fecilcam.br>.

era solicitado na tarefa, ela se sobressaía, sempre questionando o que era apresentado em sala de aula como também sua própria produção escrita.

Palavras-chave: Educação Matemática. Formação inicial de professores em Matemática. Escrita matemática. Escrita expressiva e transacional.

Abstract

The goal of this investigation was to analyze the implications as the use of the discursive writing in the mathematics discipline and Statistics given for the fourth year academics of the Pedagogy course in daily Graduation from FECILCAM2, as the way of capturing, examining and reacting to the mathematical thought (POWELL, 2001) of these future Pedagogy educators. For this we used a task entitled Note of the End of the Class that consisted in the answer, in all the 2008 classes, to two questions: (i) which is the most important concept of this class? Comment on, justify; (II) which is my main doubt in this class? Why? Based on Powell (2001) and Powell and Bairral (2006), we have analyzed the writing production of the academic with pseudonym Laura, trying to identify in what point, in her texts, she presented changes in her way of writing, starting of a more expressive writing (descriptive) to a more transactional (argumentative). We concluded that the use of the tasks written in this group, especially with

2 State College of Science and Letters of Campo Mourão. Paraná. Brazil. Site <http://www.fecilcam.br>.

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Laura, made possible a search of understanding of the contents of the discipline on the student’s part, and the teacher’s instrumentalisation for the classes (re)planning, as Laura, little by little, presented changes in her way of writing, becoming more and more involved with the contents and with the classes. Several were the moments that, besides answering to what were requested in the task, she went beyond, always questioning what was presented in classroom, as well as her writing production.

Keywords: Mathematics education. Pre-service Mathematics teachers. Writing mathematics. Expressive and transactional writing.

Introdução

Processos de escrita em aulas de Matemá-tica têm sido o foco de interesse para diversos pesquisadores, dada a importância desse tema no ensino, assim como na formação de professores em Matemática.

Ao discutir a importância da escrita em aulas de Matemática, Powell (2001) afirma que “além de possibilitar a captação do pensar matemático”, ela também pode “servir como um veículo de aprendi-zagem” (p.73, grifo nosso) em Matemática.

Para esse mesmo autor, quando nossos alunos colocam no papel seus sentimentos e pensamentos sobre ideias matemáticas espe-cíficas, podemos captá-las na medida em que esse processo constitui-se em “um veículo eficaz para que nós e eles possamos examinar, refletir profundamente e reagir ao seu pensamento ma-temático” (p.73).

Interessados em investigar implicações da produção escrita na formação de professores, em 2008, enquanto o primeiro autor deste artigo mi-nistrava a disciplina “Matemática e Estatística”3

para acadêmicas do 4º ano de Pedagogia diurno, da FECILCAM, decidimos introduzir a escrita discursiva como uma das atividades da dis-ciplina. Nosso objetivo foi o de constituir um espaço de comunicação que contribuísse para compreensão e apropriação dos assuntos abor-dados em sala de aula, e para minimizar o medo

3 Nessa disciplina, ministrada nas turmas de 4º ano de Pedagogia na FECILCAM, devem ser tratados os seguintes conteúdos: revisão de matemática elementar e introdução à estatística aplicada à Educação. É uma disciplina anual, com duas horas/aula/semana, totalizando 72h/a ao final.

que as alunas sentiam das tarefas que envolviam representação e pensamento matemático.

Diante disso, preparamos um instrumento que possibilitasse essa escrita discursiva inti-tulado Bilhete de fim de aula (SANTOS, 2005, p.130). Todas as acadêmicas, durante o ano letivo de 2008, deveriam, em todas as aulas, responder às questões: (i) Qual o conceito mais importante desta aula? Comente, justifique; (ii) Qual a minha principal dúvida nesta aula? Por quê?

No final do ano letivo, solicitamos que as acadêmicas respondessem a algumas questões4

relacionadas ao Bilhete de fim de aula, com o objetivo de desencadear nelas uma avaliação reflexiva, bem como avaliar o instrumento uti-lizado.

Neste texto, apresentamos uma análise da produção escrita da acadêmica de pseudônimo Laura. A escolha dessa estudante deve-se ao fato de ela ter revelado, no decorrer do ano, diversas dúvidas e dificuldades quanto ao conteúdo trata-do em sala de aula. Isso nos motivou a investigar sua produção escrita e algumas implicações des-se desenvolvimento para os processos de ensino e de aprendizagem. De partida, descrevemos os fundamentos teóricos que subsidiaram a inves-tigação e o modo como essa tarefa de escrita foi desenvolvida em sala de aula.

A escrita em aulas de Matemática

Não é raro, em diálogos entre professores que atuam na educação básica no Brasil, ouvir as seguintes afirmações:

Professor que ensina Matemática: “Meus alunos não sabem ler e interpretar um problema em Matemática. Isso é culpa do professor de Por-tuguês, que deveria ensiná-los a ler e interpretar textos...”

Professor que ensina Língua Portuguesa: “Como vou ensinar seus alunos a lerem em

4 Questões: (i) Já havia utilizado o recurso de escrita discursiva em aulas de Matemática? O que pensou quando foi solicitada essa atividade?; (ii) Descreva como tem sido escrever nas aulas de Matemática.; (iii) Comparando sua primeira narrativa no início do ano com os textos mais recentes, você considera que o modo de se expressar matematicamente por meio da escrita discursiva mudou?; (iv) A escrita em aulas de Matemática tem contribuído para sua aprendizagem? Como? Cite um episódio que ilustre isso. (v) Você tem tido dificuldades em escrever nas aulas de Matemá-tica? Por quê?; (vi) De que modo essa atividade poderia contribuir ainda mais para o seu aprendizado em matemática?

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Matemática, se não tenho formação específica nessa área?”.

Embora essa discussão traga à tona uma te-mática importante, esse tipo de diálogo, que bus-ca identificar culpados, pouco tem contribuído para um efetivo enfrentamento do problema.

Em geral, nós, os professores que ensinamos Matemática, dizemos “os alunos não sabem interpretar o que o problema pede” e vislumbramos, como alternativa para a solução da dificuldade, pedir ao professor ou professora de Língua Portuguesa que realize e/ou reforce atividades de interpretação de textos com nossos alunos. A sugestão dos professores de Matemática aos colegas professores de Língua Portuguesa, embora possa contribuir para a leitura de uma maneira geral, não ataca a questão fundamental da dificuldade específica com os problemas e com outros textos matemáticos (FONSECA; CARDOSO, 2005, p.64, grifos nossos).

O trabalho com recurso da escrita discur-siva em aulas de Matemática, na formação inicial de professores que irão ensinar Matemática, tem se apresentado como uma alternativa para instrumentalizar o futuro professor a lidar com compreensão de textos matemáticos.

Santos (2005), ao relatar algumas experi-ências com a escrita em suas aulas, afirma que a linguagem escrita em aulas de Matemática “atua como mediadora, integrando as experiências individuais e coletivas na busca da construção e apropriação dos conceitos abstratos estuda-dos”, e

[...] cria oportunidades para o resgate da autoestima para alunos, professores e para as interações de sala de aula. Esse processo favorece a transparência de emoções e afetividade, não só de aspectos negativos, como o medo, a frustração e a tristeza, mas também da coragem, do sucesso, da alegria e do humor. (SANTOS, 2005, p.129, grifos nossos)

Segundo essa autora, os estudantes, “ao converterem para a escrita em prosa a simbologia usual em Matemática, tantas vezes permeada de hieróglifos e abreviações, (...) aprofundam-se

nos procedimentos e significados que permeiam o tema em questão” (p.131). Os estudantes investigados pela autora têm revelado que me-lhoraram seu modo de “traduzir”, compreender informações consideradas, a princípio, como estritamente técnicas e inacessíveis.

Arthur Powell há muito tempo tem trabalha-do com a escrita como veículo de aprendizagem da Matemática. Powell e López (1995), ao relatarem a utilização da escrita em aulas de Matemática, em um curso de Cálculo, combatem um modelo de ensino de Matemática apelidado de “giz e fala”. Segundo esses autores, nesse modelo de ensino

[...] encontram-se poucas, se é que existem, situações em que se pede explicitamente que os estudantes reflitam sobre a matemática que estejam a “fazer”, sobre o que pensam da Matemática ou mesmo sobre eles próprios em relação à disciplina. Pelo contrário, os resultados das reflexões de outras pessoas são narrados aos estudantes a quem se pede simplesmente para memorizá-los. (POWELL; LÓPEZ, 1995, p.9-10)

A Matemática é apresentada de uma forma preconcebida, atomizada, com predomínio de regras, e a sua aprendizagem ocorre pela simples transposição de uma “experiência” para outra, assumindo uma espécie de “cadeia sucessiva de experiências” (POWEL; LÓPEZ, 1995).

Esses mesmos autores defendem que a re-alidade objetiva dos processos de aprendizagem gera a necessidade de “um modelo mais complexo e dinâmico e que tome em consideração as interli-gações entre a experiência e a reflexão” (p.10).

A utilização da escrita nas aulas de Ma-temática configura-se como uma alternativa pedagógica para o ensino de Matemática em sala de aula, uma vez que podemos vislumbrar uma maior participação dos estudantes, de modo que se tornem sujeitos ativos em seu processo de aprendizagem de Matemática. “A escrita é um instrumento poderoso com o qual se reflete sobre a experiência e, tal como a Matemática, é um importante instrumento para o pensamento” (POWELL; LÓPEZ, 1995, p.11). A escrita deve ser “usada principalmente como meio de aprendiza-gem da Matemática e de conhecimento da própria pessoa que escreve e não somente para medir a quantidade de informação adquirida” (p.13).

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Segundo Powell e López (1995), o desen-volvimento do processo de escrita nas aulas pode evoluir de narrativas simples e rotineiras para algo mais elaborado, reflexivo.

Pareteli et al. (2006) consideram que “ape-sar da escrita do aluno ser uma estratégia pouco utilizada nas aulas de Matemática e termos ainda uma bibliografia bastante restrita sobre o assun-to, as nossas experiências iniciais apontam para as potencialidades educativas dessa estratégia” (p.40). “[...] a escrita pode levar o aluno a sentir-se responsável por sua aprendizagem” (p.41).

Consideramos importante que os profes-sores fomentem o trabalho de escrita matemática de seus alunos em todos os níveis de ensino. A valorização dos diferentes modos de expressão, do espírito questionador e crítico pode colaborar para que esses alunos aprendam a se comunicar matematicamente.

A escrita é um instrumento que permite aos alunos expressar suas ideias e pode auxiliar no

[...] resgate da memória, uma vez que muitas discussões orais poderiam ficar perdidas sem o resgate em forma de texto;[ . . . ] (e na) possibi l idade de comunicação a distância no espaço e no tempo e, assim, de troca de informações e descobertas com pessoas que, muitas vezes, nem conhecemos. (CÂNDIDO, 2001, p.23, grifo nosso)

O silêncio predominante nas aulas de Matemática, segundo a autora, é causado pelo excesso de cálculos mecânicos, que prejudica, assim como torna inexistente, o momento de comunicação em tal contexto.

Ao relatar a utilização da escrita em sua prática pedagógica, afirma que:

[...] escrever em matemática ajuda a aprendizagem dos alunos de muitas maneiras, encorajando a reflexão, clareando as ideias e agindo como um catalisador para as discussões em grupo. Também ajuda o aluno a aprender o que está estudando.[...] a escrita permite um contexto natural para envolver os alunos no estabelecimento de conexões entre diferentes noções, entre suas concepções espontâneas e novas aprendizagens [...].

Escrever [...] favorece a compreensão de conceitos e procedimentos matemáticos [...] (CÂNDIDO, 2001, p.24, grifos nossos)

Powell e Bairral (2006), ao tratarem das interações e potencialidades dos processos de escrita no desenvolvimento do pensamento matemático, afirmam que a utilização da escrita favorece a compreensão dos conceitos matemá-ticos tratados em sala de aula, e o estudante tem a oportunidade de enriquecer seu vocabulário mediante os momentos de escrita.

As lentes pelas quais analisamos os registros escritos de Laura

Segundo Powell (2001), o caminhar de uma escrita mais expressiva (descritiva) para outra intitulada transacional (argumentativa) representa um forte indício de considerá-la como um veículo de aprendizagem. Ao relatar uma de suas investigações, o autor argumenta que

Depois de estabelecer um grau de confiança nas ideias de alguém, parece quase natural a mudança da prosa expressiva para a prosa transacional. Essa mudança ocorreu com o aluno enquanto ele lutou com suas ideias de como determinar o MMC de um grupo de inteiros. Ele construiu e reconstruiu o significado. Ele escreveu e revisou suas reflexões, um processo mediado por comentários externos. À medida que ele começou a expressar suas ideias com maior clareza e confiança e selecionar uma linguagem que descrevesse mais precisamente suas ações e percepções, sua escrita mudou de expressiva para transacional. (POWELL, 2001, p.77-8, grifos nossos)

Powell e Bairral (2006) afirmam que “di-ferentes abordagens da escrita requerem que os produtos dos aprendizes assumam funções dis-tintas. Essas variam entre a função transacional e a expressiva” (p.51, grifos dos autores).

Ao definirem esses termos, relatam que a escrita expressiva apresenta-se como algo mais des-critivo. Seria como “pensar alto no papel” (p.51).

Para Britton et al. (1975), a escrita expressiva tem a função de “revelar o falante, verbalizando a

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sua consciência, submetendo-se ao fluir de ideias e sentimentos” (apud POWELL; BAIRRAL, 2006, p.51-2). Esse tipo de escrita proporciona pontos de partida para a aprendizagem dos indivíduos.

Por meio da escrita expressiva os aprendizes articulam suas crenças sobre a natureza do conhecimento matemático, bem como suas respostas afetivas a questões matemáticas em que estejam a debruçar-se. Constroem e negociam significados, bem como monitoram sua aprendizagem e sua afetividade e refletem sobre elas. (POWELL; BAIRRAL, 2006, p.52)

A escrita transacional tem um caráter mais argumentativo de cunho crítico e reflexivo. Powell e Bairral (2006) afirmam que, ao contrário da es-crita expressiva, na escrita transacional traços de feedback e revisão são fundamentais, pois é por meio de um processo contínuo de idas e vindas que os estudantes são capazes de refletir e produ-zir significados para os objetos matemáticos.

Para que isto venha a acontecer, estes auto-res sugerem que ao lermos as escritas de nossos alunos, coloquemos questões que os ajudem a refletir sobre o que escreveram, assim como a transitarem de uma escrita mais descritiva para outra mais argumentativa.

[...] a cognição matemática deve ser inserida num contexto de produção que vá além da expressividade, ou seja, que envolva reflexão crítica e preconize processos colaborativos de diferentes dimensões e de tomada de consciência sobre as experiências individuais ou coletivas. (POWELL; BAIRRAL, 2006, p.53)

Se, enquanto professores, conseguirmos detectar/incentivar/proporcionar esse caminhar da escrita expressiva para escrita transacional, acreditamos que a escrita deverá se apresentar, sim, como um veículo muito importante para a aprendizagem de Matemática.

Descrição e análise da produção escrita de Laura

O trabalho com as futuras pedagogas foi desenvolvido pelo primeiro autor desse artigo enquanto ministrava a disciplina “Matemática

e Estatística”. No início, elas foram informadas de nossas intenções com a tarefa de produção escrita denominada “Bilhete de fim de aula”. Foi combinado que, no decorrer do ano letivo, elas deveriam responder, em seus caderninhos5, às seguintes questões:

(i) Qual o conceito mais importante desta aula? Comente, justifique;

(ii) Qual a minha principal dúvida nesta aula? Por quê?

No decorrer de cada aula, foram recolhidos de dois a quatro caderninhos de modo que o professor pudesse ler os escritos das estudantes, referentes à aula anterior. Em seguida, eram esclarecidos alguns conceitos apresentados por elas de forma incorreta ou incompleta, e trabalhadas as dúvidas suscitadas. Essas leituras colaboravam para o (re)planejar das aulas, no decorrer de todo o ano letivo.

No final de cada bimestre, no dia da prova, todos os caderninhos eram recolhidos para que pudéssemos fazer uma análise mais detalhada e registrar alguns comentários sobre a produção escrita das estudantes.

Apresentamos, a seguir, alguns comen-tários sobre a estudante Laura, sua produção escrita registrada em seu caderninho, bem como alguns de seus relatos quanto à utilização da escrita discursiva nas aulas da disciplina “Ma-temática e Estatística”.

Laura foi uma estudante muito espontânea. Falava de tudo em sala de aula. Quando tinha dúvi-das, não perdia a oportunidade de nos questionar, quer seja pela fala ou por sua expressão facial. Não foram poucas as vezes que fora questionada: “Lau-ra, conheço esta cara... Qual é a sua dúvida?”.

Iniciou de maneira bem tímida suas pri-meiras escritas em sala de aula. Durante o mês de março de 2008, apresentou textos soltos, sem sentido em alguns momentos, que mais pareciam uma relação dos tópicos abordados em sala de aula, naquele dia.

No decorrer do trabalho com o tema Esta-tística, altura em que foram tratados termos como população, amostra, variável qualitativa e quan-titativa, ela fez o seguinte relato ao apresentar o conceito mais importante da aula (Figura 1):

5 Foi solicitado às acadêmicas que adquirissem um caderno pequeno, com 50 folhas, para realizarem a tarefa proposta. No decorrer do ano, o material foi apelidado, pelas acadêmicas, de caderninho.

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Figura 1Fonte: RE-L6, 31/03, p.3

Percebemos nesse trecho registrado por Laura, um texto pouco fluido, pois sua escrita pautou-se na descrição dos tópicos tratados em sala de aula. Esse tipo de escrita foi recorrente durante o mês de março de 2008. Percebemos uma primeira mudança a partir do mês de abril, como pode ser observado na Figura 2.

Figura 2Fonte: RE-L, 07/04, p.4

Caracterizamos as escritas das Figuras 1 e 2 como escritas expressivas (POWELL; BAIRRAL, 2006). No entanto, na segunda quinzena de abril, Laura muda a forma de escrever, construindo um texto um pouco mais argumentativo (Figura 3).

Figura 3Fonte: RE-L, 07/04, p.4

Quanto às respostas para a segunda per-gunta da tarefa (Qual a minha principal dúvida? Por quê?), Laura demora um pouco mais para construir textos mais argumentativos (Figura 4).

Figura 4Fonte: RE-L, 07/04, p.4

6 Com RE-L, queremos dizer Relato Escrito de Laura, que virá acompanhado da data e página do relato no caderninho de Laura (RE-L, 31/03, p.3).

Somente a partir do início do 2º bimestre, enquanto era trabalhado o tema Séries Estatísti-cas7, que suas escritas se apresentaram de forma mais argumentativa (Figura 5).

Figura 5Fonte: RE-L, 12/05, p.9

Nessa altura, as dúvidas de Laura são apresentadas de forma mais explícita. Estas aca-bam por se constituir como um desafio para ela mesma, no momento em que as justifica. Quando ela escreve: “Entender que as tabelas e gráficos nos permite (sic) ter uma visão geral é compreen-sivo [...]”, parece querer dizer: Professor, isso eu entendi... Não estou entendendo aquilo...

Laura, às vezes, vai além de apresentar o que avaliou ser importante. Apresenta-nos, em suas jus-tificativas, elementos que revelam a importância de se trabalhar em grupo, em sala de aula (Figura 6).

Figura 6Fonte: RE-L, 19/05, p.10

Ao enunciar o conceito que considerava mais importante da aula em que foi trabalhado

7 “É chamada de série estatística toda tabela que apresenta um conjunto de dados estatísticos distribuídos em função da época, do local e da espécie” (TIBONI, 2003, p.32). As tabelas podem ser: temporais (o tempo varia), geográficas (o local varia) e específicas (o fato varia).

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o tema proporcionalidade, Laura dá explicações, cita exemplos e, no início de seu texto, contex-tualiza o conteúdo (Figura 7).

Figura 7Fonte: RE-L, 09/06, p.14

Neste mesmo relato, Laura explica o que entendeu por dados relativos e absolutos, assim como a transformação de um valor decimal em porcentagem (Figura 8).

Figura 8Fonte: RE-L, 09/06, p.14-15

Ao analisarmos os dois últimos registros, percebemos que ela compreende o significado de porcentagem, assim como nos explica como e onde o algoritmo da regra de três deve ser utilizado.

Os comentários feitos pelo professor, no decorrer do ano letivo, sempre tiveram a intenção de que as estudantes pudessem caminhar rumo a uma escrita transacional.

Foram muitos os relatos escritos até o final do ano, mas o que apresentaremos a seguir nos mostra uma nova faceta dos textos de Laura. Além de apresentar o que considerou de mais

importante na aula, dando explicações sobre este conteúdo, ela passa, dentro de suas explicações, a elaborar questionamentos sobre o conteúdo.

Laura inicia seu relato revelando o que en-tendeu por Gráfico em Setores (pizza), bem como os cálculos necessários para se obter, em graus, a abertura de cada raio no gráfico. Para isso, utiliza como exemplo o número de mulheres casadas (15) e solteiras (8) da sala de aula (Figura 9).

Figura 9Fonte: RE-L, 01/09, p.22

A seguir, justifica o arredondamento fei-to em seus cálculos, de 234,78 para 235 graus (Figura 10).

Figura 10Fonte: RE-L, 01/09, p.22

Ao final de sua explicação, justificou como construir um gráfico de setores, o significado do raio nesse gráfico e um questionamento sobre o número de raios que ele pode ter (Figura 11).

Figura 11Fonte: RE-L, 01/09, p.22

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Assim, de estudante extremamente in-comodada com as aulas de Matemática, pois sempre argumentava sobre suas dificuldades com essa disciplina e as situações negativas que havia passado no seu processo de formação, Laura passa a ser uma estudante que começa a elaborar seus primeiros questionamentos sobre o que está sendo estudado.

Ao final do ano letivo de 2008, foi pos-sível observar na produção escrita de Laura que ela argumenta sobre o conteúdo, pergunta, questiona-se quanto ao que escreve.

A utilização da escrita discursiva propor-cionou a Laura não apenas um novo pensar sobre a Matemática, mas uma nova postura diante da Matemática e das tarefas propostas nas aulas e em seu dia a dia.

No 4º bimestre de 2008, foram propostas algumas questões sobre a dinâmica utilizada com sua turma no decorrer do ano letivo, nas aulas de “Matemática e Estatística”. Quando foi questiona-da se a escrita teria contribuído para sua aprendi-zagem, e se ela nos poderia citar algum episódio que ilustrasse isso, Laura afirma (Figura 12):

Figura 12: resposta de Laura à questão 4 da tarefa final do curso no 4º bimestre.

Tecendo algumas considerações

Acreditamos que essa tarefa de escrita, nas aulas de “Matemática e Estatística”, tornou-se um veículo para captar, examinar e reagir ao pensa-mento matemático de Laura, na medida em que sua escrita passa de expressiva (descritiva) para outra mais transacional (argumentativa).

Na trajetória escrita de Laura, foi possível observar a riqueza de detalhes que efetivamente

começa a aparecer no segundo semestre de 2008, em seus registros. Diversos foram os momen-tos em que, além de responder ao que as duas questões da tarefa pediam, Laura se sobressaia questionando o que era apresentado em sala de aula e o que ela mesma escrevia.

Foi possível verificar que os conteúdos de Matemática e Estatística presentes nos Bilhetes de fim de aula não refletiam apenas o que a estudante estava aprendendo na escola, mas também refletiam noções de fora da escola, e conceitos que ela estava construindo por meio das interações com as colegas, com o professor e com a sua própria escrita.

Os Bilhetes fomentaram a comunicação es-crita em Matemática e também o desenvolvimen-to de atitudes matemáticas, autoconfiança, habi-lidades para resolver problemas de matemática e estatística e habilidade para argumentação.

O desenvolvimento desse projeto permitiu que o professor conhecesse mais suas estudantes por meio da escrita, pois elas colocaram nos seus registros detalhes que raramente foram enuncia-dos por meio da fala em sala de aula.

Também foi possível ao professor, por meio da escrita, aproximar-se um pouco mais do pen-samento matemático das acadêmicas. Ele pôde contestar e complementar algumas das noções preconcebidas sobre conceitos de matemática e de estatística, bem como sobre processos de ensino e de aprendizagem desses conceitos, explicitados pe-las futuras pedagogas. Os desafios encaminhados pelo professor, a partir dos relatos das estudantes, proporcionaram bons momentos de discussão.

Referências

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CÂNDIDO, Patrícia T. Comunicação em Mate-mática. In: SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001, p.15-28.

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POWELL, Arthur B. Captando, examinando e

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POWELL, Arthur B.; LÓPEZ, José A. A escrita como veículo de aprendizagem da matemática: estudo de um caso. In: Boletim GEPEM, Rio de Janeiro, 1995, n.33, p.9-41.

POWELL, Arthur; BAIRRAL, Marcelo. A escrita e o pensamento matemático: interações e poten-

cialidades. Coleção perspectivas em Educação Matemática. Campinas/SP: Papirus, 2006.

SANTOS, S. A. Explorações da linguagem escrita nas aulas de Matemática. In: NACARATO, A. M; LOPES, C. E. (orgs.). Escrituras e leituras na Educação Mate-mática. Autêntica: Belo Horizonte, 2005, p.127-142.

TIBONI, Conceição Gentil Rebelo. Estatística básica para o curso de Turismo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Willian Beline – Professor do Departamento de Matemática da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM). Coordenador do Grupo de Educação Matemática e as Tecnologias de Informação e Comunicação (GEMTIC). <http://www.gemtic.fecilcam.br>. Doutorando em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]

Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino – Professora do Departamento de Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da UEL. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Professores que Ensinam Matemática (GEPEFOPEM). E-mail: [email protected]

RECEBIDO em: 01/08/2009APROVADO em: 13/9/2009

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A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ESTUDO DE CASO NA CIDADE DO RECIFE1

Mathematics in Children Education: Case Study in Recife City

Juceli Bengert Lima

Aldenize Ferreira de Lima

Resumo

Este estudo, realizado em Recife, propõe-se a verificar que condições de trabalho são oferecidas, que material didático é disponibilizado e como é o suporte pedagógico proporcionado nas escolas e creches para que os professores desenvolvam seu trabalho e atinjam os objetivos apresentados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil para o ensino-aprendizagem de matemática. Além disso, pretende identificar como é a prática docente e quais são as principais dificuldades encontradas pelos professores. Para tanto, foi escolhida uma amostra representativa contemplando creches e escolas da rede municipal onde foram entrevistados os professores dos Centros Municipais de Educação Infantil da rede pública. Percebemos que a matemática ainda é vista como um conjunto de regras e procedimentos desligados, embora haja um esforço das professoras para obter uma relação com o cotidiano. A linguagem foi apresentada como um processo, e a Matemática, como atividades isoladas. As professoras informaram que sentem certa dificuldade em trabalhar com a matemática ou sua preferência em trabalhar com a linguagem. Percebemos que na área da linguagem o tempo destinado para as atividades era maior, assim como a utilização e disponibilidade de recursos didáticos e materiais concretos, em relação à área de matemática. Esses fatos nos levam a concluir que, na maioria dos casos, houve um despreparo das professoras quanto à metodologia de ensino-aprendizagem da matemática, e essa reflexão pode remeter-nos a outra instância, que é a formação

do professor da educação infantil e como são elaboradas as matrizes curriculares dos cursos de formação desse profissional.

Palavras-chave: Educação infantil. Educação Matemática. Prática docente.

Abstract

This study conducted in Recife is supposed to verify working conditions, which courseware is available and pedagogical support provided in schools kindergartens and nurseries for teachers to develop their work and achieve the goals presented in the National Curriculum Guidelines for Early Childhood Education for the teaching and learning of mathematics. It also aims to identify what the teaching practice is and what the main difficulties encountered are by the teachers. Therefore, we have chosen a representative sample comprising public nurseries and schools from the municipality where teachers from the public Municipal Centres of Preschools were interviewed. We realize that mathematics is still seen as a set of unlinked rules and procedures, although there is an effort of the teachers to connect this with everyday life. Language was presented as a process and mathematics as separate activities. The teachers said they feel some difficulty in working with mathematics or they prefer to work with language. We realize that in the language field the time allotted for the activities

1 Este artigo baseia-se numa comunicação oral originalmente apresentada no I Seminário de Grupos de Pesquisa sobre Crianças e Infâncias (GRUPECI), na UFJF, em setembro de 2008.

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was greater than in mathematics, as well as the use and availability of teaching resources and materials. These facts lead us to conclude that in most cases there was a lack of preparation of teachers on the methodology of teaching/learning of mathematics and this thought can lead us to another instance, that is the professional training of teachers for early childhood education and how the master curricula grids are prepared for the courses of teachers training.

Keywords: Early childhood education. Mathematics Education. Educational practice.

Introdução

No Brasil, a partir da década de 70, houve uma maior valorização da educação pré-escolar: aumentaram estudos e pesquisas, novas publi-cações aconteceram, muitas escolas surgiram, congressos e encontros de estudo foram reali-zados, governos começaram a investir verbas, e muitos pais compreenderam que a criança deveria estar na pré-escola não só para eles po-derem ir trabalhar.

Atualmente, a pré-escola deixou de ter um cunho apenas assistencial e recreativo e assumiu um novo papel muito mais importante que o ante-rior: hoje, a pré-escola tem a função de promover o desenvolvimento global do indivíduo nos seus aspectos físico, afetivo, social e cognitivo.

Para cumprir o seu propósito, é funda-mental que a pré-escola tenha um currículo significativo para a criança; para isso, tanto o planejamento como sua execução devem con-siderar os conhecimentos e as condições que ela possui com os objetivos e a metodologia de trabalho focados na criança.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) estabeleceu que a edu-cação infantil é a primeira etapa da educação básica. Em 1998, o Ministério da Educação elabo-rou os Referenciais Curriculares Nacionais para a educação infantil com objetivo de nortear os educadores que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos.

Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil propõem, no que se refere à abordagem da matemática, que esta deve proporcionar oportunidades para que, ao final da educação infantil, as crianças sejam capazes de:

• es tabe lecer aprox imações a algumas noções matemáticas presentes no seu cotidiano, como contagem, relações espaciais etc.• reconhecer e valorizar os números, as operações numéricas , as contagens orais e as noções espaciais como ferramentas necessárias no seu cotidiano;• comunicar idéias matemáticas, hipóteses, processos utilizados e resultados encontrados em situações-problema relativas a quantidades, espaço físico e medida, utilizando a linguagem oral e a linguagem matemática;• ter confiança em suas próprias estratégias e na sua capacidade para lidar com situações matemáticas novas, utilizando seus conhecimentos prévios. (BRASIL/SEF, 1998, p.215)

Os objetivos apresentados para a mate-mática na educação infantil são abrangentes e, quando alcançados, além do desenvolvimento cognitivo da criança, proporcionariam uma base para o ensino fundamental, principalmente se a criança desenvolver sua moral autônoma. Para que isso se dê, é necessário que a criança tenha sido capaz de construir a lógica operatória ao nível do seu desenvolvimento intelectual.

A ciência matemática está presente em nosso dia a dia. Foi criada para atender a nossas necessidades e vem se desenvolvendo a partir das mudanças que ocorrem na sociedade. A Edu-cação Matemática é tão essencial como a leitura e a escrita, mesmo para os que não se querem aprofundar nos estudos dessa ciência. Seus con-ceitos básicos são importantes na vida diária, no trabalho e para outras áreas de estudo.

Entretanto a matemática, ao longo dos anos, vem sendo temida por muitos estudantes. Ela produz insegurança, causa medo e ansieda-de. Existe ainda um mito de que essa matéria é destinada a pessoas com dotes especiais, sendo inata a capacidade para a matemática. O caráter abstrato dessa ciência também justificaria a di-ficuldade para a sua aprendizagem.

Machado (1990) argumenta que a dificulda-de de aprendizagem da matemática está mais para o tipo de abordagem e linguagem formal utilizadas pelos docentes do que por essas características.

Desde muito pequena, a criança elabora noções matemáticas a partir de suas atividades

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cotidianas fora e/ou dentro da escola: nos deslo-camentos, em coleções de objetos, na observação do calendário, em jogos, na manipulação com o dinheiro, observações de gráficos e tabelas em materiais diversos, etc. Entretanto, ainda são ob-servadas práticas docentes muito desvinculadas com a proposta de Educação Matemática que priorize contextos reais, as experiências e lingua-gens da criança, valorize sua curiosidade.

Procedimentos metodológicos

O objetivo deste estudo foi investigar o processo de ensino-aprendizagem da matemática nos Centros de Educação Infantil da Rede Muni-cipal do Recife. Com as questões levantadas nas entrevistas, pretendeu-se:

• conhecer as metodologias que sãoutilizadas pelos professores na sua prática docente, para facilitar a apreensão do conhecimento lógico-matemático;

• conhecercomoéaavaliaçãodoensino-aprendizagem;

• verificarquetipodesuportepedagógicoo profissional da educação infantil recebe dos gestores;

• elencar as dificuldades enfrentadaspara que os objetivos apresentados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Matemática sejam atingidos, na percepção dos profissionais da educação infantil.

As entrevistas foram realizadas em 30 Centros Municipais de Educação Infantil nos meses de setembro, outubro e novembro de 2007. As professoras foram ouvidas individualmente e, quando autorizaram, as conversas foram gravadas. As fitas foram transcritas, e os dados referentes ao perfil do profissional foram tabula-dos com o uso do software estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS).

Para este estudo, foram selecionadas, ale-atoriamente, as entrevistas de 40 docentes cujos resultados estão analisados a seguir.

Análise dos resultados

Quanto ao perfil dos professores, observa-mos que todos eram do sexo feminino. A idade das professoras entrevistadas está entre 25 e 64

anos. A professora com menor experiência tem quatro anos de docência, e a professora com mais experiência havia completado 35 anos de prática. Especificamente na educação infantil, o tempo de docência variou de um ano até 33 anos, sendo o grupo muito heterogêneo quanto à experiência docente.

Em relação à formação no ensino médio, verificamos que 87,5% das entrevistadas cur-saram o Magistério; 20% das entrevistadas cur-saram o Científico, sendo que 10% concluíram simultaneamente o Científico e o Magistério. Uma professora fez o curso técnico. Metade das professoras completou o ensino médio em esco-las públicas; 47,5% em escolas da rede privada e 2,6% parte na rede pública, parte na rede pri-vada. A Tabela 1 ilustra esses resultados.

Tabela 1: formação das professoras no nível médio.Cursos Público Privado Público e privado Total

Científico 01 03 - 04

Magistério 17 13 01 31

Magistério e Científico 01 03 - 04

Técnico 01 - - 01

Total 20 19 01 40

Fonte: Pesquisa, 2007.

Em relação ao ensino superior, 85% das professoras entrevistadas concluíram o curso de Pedagogia, 10% cursaram outra licenciatu-ra e apenas uma professora não possui curso superior. A Tabela 2, a seguir, descreve esses resultados.

Tabela 2: formação das professoras no nível superior.Cursos Público Privado Sem curso superior Total

Pedagogia 18 16 - 34

Licenciatura em Letras - 02 - 02

Educação Física 01 - - 01

Licenciatura em Química 01 - - 01

Ciências Biológicas - 01 - 01

Sem curso superior - - 01 01

Total 20 19 01 40

Fonte: Pesquisa, 2007.

Um percentual de 57% das educadoras en-trevistadas possui especialização e apenas uma fez mestrado. Percebemos que a renda salarial das professoras está menos relacionada ao seu nível de formação do que ao tempo de docência que elas possuem na rede municipal de ensino

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da cidade do Recife, mas esses dados merecem ser analisados com mais cautela.

Os gráficos 1 e 2 sintetizam esses resulta-dos em que 65% dos professores recebem de 2 a 4 salários mínimos e 30% recebem de 4 a 6 salários mínimos. Apenas duas professoras (5%) recebem mais de seis salários mínimos – justamente aque-las que têm maior tempo de docência.

Sim57%

Não43%

Gráfico 1: professoras com especialização.Fonte: Pesquisa, 2007.

26

12

20

5

10

15

20

25

30

De 2 até 4 sm De 4 até 6 sm Acima de 6 sm

Nº de salários mínimos

Núm

ero

de p

rofe

ssor

as

Gráfico 2: renda salarial individual.Fonte: Pesquisa, 2007.

A seguir, serão analisadas as questões re-lativas à prática docente, conteúdos trabalhados, recursos utilizados e dificuldades encontradas. Apesar de serem questionadas separadamente, as professoras já diziam como trabalhavam os conteúdos, quais atividades e, por vezes, quais recursos utilizavam.

Ao serem questionadas sobre os conhe-cimentos matemáticos que devem nortear suas práticas na educação infantil, a ideia de número relacionado à quantificação e à contagem foi o mais presente na fala das professoras.

Particularmente a quantidade, eu quero que eles aprendam quantidade (...). Agora que eles já tão no grupo 4, estou acompanhando essa turma, sei como eles estão, a partir da contagem e recontagem de aluno. Quantos alunos têm, quantos alunos vieram. (p.13)

Trabalho a leitura de histórias, contação de histórias que eles gostam muito, a escrita dos nomes, que eles já estão fazendo, as vogais, os números de 1 a 20 (p.11)O que eu estou trabalhando com eles em matemática é a questão da quantidade, do espaço, direita, esquerda. (p.16)A gente trabalha com jogos, com tampinhas de garrafa pra contagem. Com calendário para ver os dias, não é? Utilizo tampinhas de garrafa para fazer contagens, eu utilizo objetos pra fazer seriação, agrupamentos, com cores, com formas. Utilizo é..., músicas que também falam sobre números (p.4)Eu quero que eles reconheçam agrupamento, maior e menor quantidade, muito, pouco. Eles já têm noção de lateralidade, de espaço, de direção, de quantidade, eles já quantificam e escrevem numeral. Eles já seguem a sequência numérica de 1 a 10, eu já estou puxando para eles irem até 20, fazendo a contagem em sala. Mas, eu estou exigindo até 10. Ainda vou tentar trabalhar daqui pra dezembro conceitos de dezenas e de dúzias. Eu tenho trabalhado numérica na minha sala. Peço pra fazer agrupamento 2 em 2; 3 em 3, igualdade e diferença. Ainda não vou trabalhar com eles gráficos nem curvas aditivas. Eu estou trabalhando com material concreto sem exigências porque eu quero que eles tenham mais domínios assim (p.3)... fazer classificação, classificação de cores, trabalhando as cores a gente pode classificar, que é um dos conteúdos da matemática. A inclusão, a fragmentação... (p.22)

Foi observada uma ênfase em apresentar as atividades pré-numéricas como conteúdos trabalhados. A classificação, correspondência, seriação, comparação, inclusão, conservação devem ser realizadas, mas sem um esforço didá-tico. Essas atividades devem ser inseridas num contexto numérico.

Em relação às formas geométricas, gran-dezas e medidas, constatou-se que esse tema foi pouco trabalhado com as crianças. As operações matemáticas apenas foram comentadas por uma educadora.

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Então, assim soma, subtração, mas de uma forma lúdica, não aquela coisa de conta não, mais essa coisa mais lúdica. (p.35)...a questão da matemática a gente trabalha muito a exploração das características do objeto. A noção de espaço, as noções de tamanho. (p.23)É o raciocínio lógico, o tempo, o estar nele, o tempo, o espaço é, o espaço geográfico deles, localização, objetos. (p.28)Com essas crianças a gente trabalha numerais, formas geométricas (p.7)

Quando explicaram como trabalhavam os conteúdos, a ênfase foi dada ao lúdico, seguido pela tentativa de buscar um contexto valorizando a vivência das crianças. Citaram também o uso do concreto.

Tudo isso sendo aplicado a contextos que eles possam utilizar e situações problemas dentro da faixa etária deles. A gente trabalha as figuras geométricas dentro dos desenhos que são apresentados, eles trazem para realidade uma coisa que é trabalhada de forma concreta e já parte para o abstrato. Com contagem oral, com contagem escrita, com materiais. A gente trabalha assim. (...) Jogos e brincadeiras que permitem o uso da contagem. (p.7)Trabalho músicas que tenham contação, assim que trabalha com números e tudo. As figuras geométricas eles já identificam bem mesmo, porque têm jogos mesmo lúdicos, aqueles jogos, aí fica mais fácil deles assimilarem. (p.21)

A maioria das professoras disse que utiliza jogos de diferentes tipos (memória, dominó, boli-che, jogos corporais, de encaixe, de montagem), utiliza também objetos que estão disponíveis dentro da sala (cadeiras, lápis, pincéis, bone-cas, revistas, emborrachados) e que estão fora da sala ou da escola (baldes e bancos – parque, animais – zoológico), assim como a utilização de sucatas (tampinhas de garrafa, fichas, latas, caixas vazias, canudos).

Sucata, os objetos da sala, e os materiais que a gente dispõe

mesmo, papel, jogo. Às vezes a gente confecciona, mas tem. (...) Mas a gente utiliza tampinhas, boliche de lata. (p.9)

O entrelace da brincadeira com a ma-temática ganha expressividade no argumento das professoras que fortalecem a ideia de que, brincando, a criança aprende.

De fato, enquanto brinca, a criança pode ser incentivada a fazer contagens, comparação de quant idades , ident i f i car algarismos, adicionar pontos que fez durante a brincadeira, perceber intervalos numéricos, isto é, iniciar a aprendizagem de conteúdos relacionados ao desenvolvimento do pensar aritmético. (SMOLE; DINIZ; CÂNDIDO, 2006, p.16)

Da mesma forma, atividades e brincadeiras que envolvam movimentos, equilíbrio, ritmo, interpretação contribuem para a formação da ima-gem mental e para o desenvolvimento de noções de espaço, geometria, proximidade, lateralidade, continuidade, força, velocidade, tempo.

Quando questionadas sobre o procedi-mento de avaliação, foram unânimes ao relatar que faziam avaliação a partir da observação e do registro das atividades cotidianas dos alunos.

Minha avaliação é através da avaliação da Educação Infantil mesmo, através da observação e registro. A gente trabalha com a observação e registro. Acho que avaliação é fundamental. Avaliação não é só você avaliar em um dia, em uma prova, mas sim o processo de ensino aprendizagem como um todo. (p.21)Eu avalio como a linguagem (...). Eu avalio que elas desenvolvem bem. No início do ano até o final do ano a gente consegue atingir os objetivos. Tem sempre aquela criança que não atinge, mas às vezes por questões sociológicas, econômicas, às vezes por traumas, questões psicológicas. Mas a gente tá sempre vendo com as mães pra ver onde está o problema e ver se o menino desenvolve. (p.38)É observação. A gente acompanhando o tempo todo o que tá desenvolvendo, o que precisa melhorar. (p.24)

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Essa forma de avaliação é apropriada, é uma maneira de descobrir e acompanhar o de-senvolvimento da criança e, a partir daí, propor atividades para que a criança avance em seu aprendizado.

Em relação à gestão, todas as educadoras afirmam que as gestoras, mediante suas possibi-lidades, se empenham para disponibilizar o que é necessário para um melhor trabalho docente a partir de uma reflexão coletiva que reflita em um melhor desempenho das crianças, como é percebido a seguir:

Sempre que chega verba ela senta com a gente e pergunta o que estamos precisando, estamos planejando o quê e que vai ser. O que precisa ser adquirido em termos de livros, em termos de material, material didático para que case com o que a gente tá planejando. Então, disso aí não tenho o que dizer, na medida do possível, na medida da verba que tem, ela procura atender às necessidades. Vem, pergunta o que estamos planejando, focado em cima de quê. (p.17)

Essa dinâmica da gestão que escuta as professoras possibilitando a cooperação, diálogo, compartilhamento de atitudes e de modos de agir favorece a convivência, a aceitação de mudanças necessárias e o rompimento com práticas indi-vidualistas. E isso permite a concretização do projeto político pedagógico da escola.

Quando as professoras foram questiona-das sobre as dificuldades para alcançar seus ob-jetivos, diversos obstáculos foram levantados.

Um grupo significativo de professoras apontou que a maior dificuldade está relacionada com a ausência e/ou a inadequação dos materiais com a idade das crianças, como está enunciado na fala abaixo:

Nós temos brinquedos que são doados, jogos que atendem à faixa etária deles são pouquíssimos. Alguns que eu tenho ainda, que são antigos e fui que comprei... Manda os brinquedos para os alunos e muitas vezes não serve para a faixa etária. E fica sem uso. Então, recursos, materiais, poucos, o que se usa mesmo é a criatividade. Colchões, sucatas... valem muito esses recursos

que você utiliza de criatividade, porque financeiramente a coisa complica. (p.6)

Algumas consideram que a quantidade de crianças é muito grande para se dar uma atenção mais individualizada, e o espaço é inadequado para suas necessidades.

M a s é m u i t o c o m p l i c a d o , principalmente por causa do espaço físico. São 20 crianças, mas essa sala não comporta. No máximo 16 crianças é o que comporta, estourando mesmo. (p.16)Um quantitativo grande para um determinado número de pessoas. Para dar um atendimento exclusivo, fica complicado. (p.17)

Outra dificuldade exposta foi em relação ao contexto familiar onde as crianças vivem.

Acho que a falta de apoio dos pais... os pais não trabalham junto com a gente. A gente precisaria ter o apoio deles na aprendizagem, e a gente não tem. A escola é uma continuação do que a família dá. E os pais deixam a responsabilidade muito na mão do professor. Essa é a maior dificuldade que nós temos. (p.21)Essas dificuldades com as famílias. Crianças vivem em uma situação muito crítica, e por isso eu nunca consigo atingir 100% dos meus objetivos com o grupo. Eles passam por situações muito difíceis em casa. É uma história de vida muito triste, e isso repercute na questão do desempenho deles. (p.7)

Algumas educadoras relataram que a di-ficuldade está justamente em como trabalhar a matemática com as crianças.

É porque eu não gosto muito de matemática, mas eu tenho que passar para meus alunos. Eu fui buscar um pouco de subsídios de como trabalhar. Como eu não gosto, eu não queria passar isso para meus alunos (p.13)Eu tenho deixado a matemática um pouco aquém. Acabo trabalhando mais a linguagem porque eu acho

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que é nessa área que as crianças são mais carentes e precisam desenvolver bem. (p.30)Talvez eu tenha a dificuldade de trabalhar a matemática na Educação Infantil justamente porque me falta a fundamentação. Já em linguagem eu tenho. Talvez até minha tendência seja mais em linguagem, aí eu trabalho bem melhor a linguagem. Na matemática eu estou um pouco presa, e também o desenvolvimento dos meus alunos é mais lento. Ainda me faltam capacitações na área de matemática. (p.6)

Percebemos que, na área da linguagem, o tempo destinado para as atividades eram maiores e os recursos didáticos na linguagem também era fornecido pela rede municipal de ensino e da própria escola, mesmo ainda com precariedade. Isso não ficou intrínseco na fala das professoras, entretanto, como aplicamos o questionário do projeto maior, tivemos a oportunidade de esta-belecer essa comparação.

Considerações finais

Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil propõem, no que se refere à abordagem da matemática, que esta deve proporcionar à criança oportunidades de desenvolvimento cognitivo e autonomia moral, construindo uma base para o ensino fundamen-tal. Para que isso se dê, é necessário que a criança seja capaz de construir a lógica operatória ao nível do seu desenvolvimento intelectual.

O professor é o responsável por organizar as situações de maneira a garantir que cada crian-ça avance na construção de seus conhecimentos e que possa acessá-los sempre que lhe for útil.

Nos Centros de Educação Infantil do Mu-nicípio do Recife, as professoras relataram dificul-dades das mais diversas ordens, desde questões relacionadas ao número de crianças na sala de aula para poucos profissionais, pouco espaço físico, falta de material, falta de participação das famílias e falta de embasamento teórico da disciplina.

Quanto ao ensino-aprendizagem, perce-bemos que a Matemática ainda é vista como um conjunto de regras e procedimentos desligados, embora haja um esforço para se obter uma rela-ção com o cotidiano.

A linguagem foi apresentada como um processo, e a matemática, como atividades iso-ladas. As professoras informaram que sentem certa dificuldade em trabalhar com a matemática e sua preferência em trabalhar com a linguagem. Percebemos que na área da linguagem o tempo destinado para as atividades era maior, assim como a utilização e a disponibilidade de recursos didáticos e materiais concretos em relação à área de matemática.

Esses fatos nos levam a concluir que, além das dificuldades inerentes à disciplina, há um despreparo dos professores quanto aos métodos de ensino-aprendizagem da matemática, apesar de 87,5% das professoras que participaram da pesquisa terem concluído o Magistério e 85% de-las serem formadas em Pedagogia. Essa reflexão remete-nos a outra instância, que é a formação do professor da educação infantil e como são elaboradas as matrizes curriculares dos cursos de formação desse profissional.

Referências

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RANGEL, Ana Cristina S. Educação Matemática e a construção do número pela criança: uma expe-riência em diferentes contextos socioeconômicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

SMOLE, Kátia S.; DINIZ, Maria I.; CÂNDIDO, Patrícia. Brincadeiras infantis nas aulas de Matemática: matemática de 0 a 6. Porto Alegre: Artmed, 2006.

ZUNINO, Delia Lerner. A matemática na escola: aqui e agora. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

Juceli Bengert Lima – Pesquisadora assistente da Fundação Joaquim Nabuco. Coordenação Geral de Estudos Educacionais.

Aldenize Ferreira de Lima – Estudante do curso de Pedagogia da UFPE e bolsista de Iniciação Científica CNPq/FUNDAJ.

RECEBIDO em: 02/10/2009CONCLUÍDO em: 31/10/2009

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EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.1 27- pp. 27 a 35

CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL POR MEIO DA METODOLOGIA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Construction of the Concept of Function in Primary Education through the Methodology of Resolution Problems

Alex Sandro Gomes Leão

Vanilde Bisognin

Resumo

Neste trabalho, descrevem-se os resultados de uma pesquisa realizada com alunos da oitava série do ensino fundamental de uma escola pública municipal localizada no Rio Grande do Sul, Brasil, utilizando-se a resolução de problemas como metodologia de ensino. A pesquisa teve como objetivo analisar a contribuição dessa metodologia para o estudo de funções, tendo como referencial teórico a teoria de Conceito Imagem e Conceito Definição de Tall e Vinner (1981). Foram propostas situações-problema relacionadas com as atividades do cotidiano dos alunos e analisadas as estratégias de solução construídas por eles. Os dados da pesquisa foram coletados por meio das observações do trabalho em sala de aula e os documentos produzidos pelos alunos. Da análise dos dados coletados e das avaliações realizadas, foi possível concluir que houve melhorias significativas em relação à aprendizagem do conteúdo proposto por meio da metodologia de resolução de problemas para a realidade da sala de aula dos alunos.

Palavras-chave: Ensino e aprendizagem de matemática. Resolução de problemas. Conceito imagem. Conceito definição.

Abstract

In this work it is described the results of a research accomplished with students of the eighth series of the fundamental teaching of a public municipal school located in Rio Grande do Sul, Brazil, using

Resolution of Problems as teaching methodology. The aim of the research is to analyze the contribution of this methodology for the study of functions, having as theoretical reference the theory of concept image and concept definition of Tall and Vinner (1981). It was proposed situations-problem related with the activities of the daily of the students and analyzed the solution strategies built by the same ones. The data of the research were collected through the observations of the work in the classroom and the documents produced by the students. From analysis of data collected and assessments carried out, it was concluded that there were significant improvements in relation to the learning content proposed and the viability of the use of the methodology of the Resolution of Problems to the reality of the classroom of students.

Keywords: Teaching and learning of mathema-tics. Problem solving. Concept image. Concept definition.

1 Introdução

Neste artigo, descrevemos os resultados de uma pesquisa envolvendo atividades de ensino e aprendizagem de funções, utilizando a resolução de problemas, como metodologia de ensino. A pesquisa foi realizada com alunos de uma turma de oitava série, do ensino fundamental, de uma escola localizada no município de Itaqui, Rio Grande do Sul, Brasil.

Nesse trabalho, adotamos a resolução de problemas em sala de aula, para a introdução

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do conceito de função, o qual, para alunos desse nível de ensino, configura-se como um conteúdo novo.

O conceito de função é de fundamental importância entre os conceitos matemáticos devido a sua aplicabilidade em diferentes áreas de conhecimento, mas, segundo Tinoco (1996), no Brasil, seu ensino está restrito a alunos do terceiro grau, ou seja, alunos do nível superior.

Por outro lado, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Brasil (1995), para o ensino fundamental, estabelecem que se deve dar atenção especial ao desenvolvimento de compe-tências e habilidades nos alunos, entre as quais destacam-se: identificar e resolver um problema, compreender seu enunciado e formular questões; procurar, selecionar e interpretar informações re-lativas ao problema; formular hipóteses e prever resultados; relacionar estratégias de resolução de problemas; interpretar e criticar resultados; fazer conjecturas, discutir ideias e produzir ar-gumentos. Assim, o conceito de função é funda-mental para o desenvolvimento das habilidades e competências estabelecidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Além disso, defendemos o uso da metodologia de resolução de problemas como trabalho de sala de aula, para a introdução do conceito de função, pois acreditamos que, por meio de problemas relacionados com o cotidiano dos alunos, é possível a construção de imagens conceituais que podem favorecer a aprendizagem de novos conceitos, antes de sua formalização em linguagem matemática.

A pesquisa teve como questão central: de que forma a metodologia de resolução de proble-mas contribui para a formação do conceito de função em uma turma de oitava série do ensino fundamental? Para obter respostas para a questão, estabeleceu-se como objetivo a análise das possí-veis contribuições que a resolução de problemas traz para a construção do conceito de função.

Embasamos nosso trabalho na teoria de David Tall e Shlomo Vinner (1981) sobre a construção de Imagem Conceitual e Definição de Conceito. Segundo Meyer (2003, p.17), essa teoria mostra a diferença entre o processo pelo qual um determinado conceito é concebido e quando ele é formalmente definido, estabele-cendo, assim, “uma distinção entre a matemática como atividade mental e a matemática como um instrumento formal”.

Tendo presente a questão de pesquisa; o objetivo; o referencial teórico, com base nas ideias de Tall e Vinner (1981); e a resolução de problemas como metodologia de ensino, tra-balhamos a construção de diferentes imagens conceituais sobre o conteúdo de funções cujos resultados descrevemos a seguir.

2 Imagem de conceito e definição de conceito

A teoria de imagem de conceito e definição de conceito tem como precursores os pesquisado-res David Tall e Shlomo Vinner (TALL; VINNER, 1981), os quais defendem que um determinado conceito não deve ser trabalhado a partir de sua definição formal, ou seja, aquela definição acei-ta, em geral, pela comunidade matemática, em um determinado momento histórico e contida nos livros didáticos. Para que um determinado conceito seja entendido, os autores defendem a necessidade de o aluno ter uma familiaridade anterior a sua formalização.

De acordo com os autores, quando o sujeito é estimulado a pensar sobre um determinado ob-jeto, sua mente começa a trabalhar, e, assim, vão surgindo várias representações mentais, como: imagens de representações visuais, impressões, experiências e propriedades, as quais podem ser elaboradas, pelos sujeitos, por intermédio de processos de pensamentos sobre essas represen-tações mentais, denominadas pelos autores como Conceito Imagem, o qual, segundo eles,

(...) descreve toda estrutura cognitiva que está associada ao conceito, inclui todas as imagens mentais e propriedades a elas associadas e os processos. É desenvolvido ao longo dos anos por meio de experiências de todos os tipos, mudando tanto quando o indivíduo encontra novos estímulos, quanto quando amadurece (TALL; VINNER, 1981, p.152).

O conceito imagem está diretamente liga-do à primeira visão ou impressão que o sujeito tem de um objeto, e essa imagem pode sofrer modificações de acordo com novas experiên-cias adquiridas pelo sujeito com o passar do tempo. Segundo os autores, a aprendizagem de uma definição formal requer, antes de tudo, o

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desenvolvimento de uma imagem conceitual do objeto que seja de elaboração própria, incluindo impressões, visualizações e propriedades.

O Conceito Definição é formado a partir do Conceito Imagem e, de acordo com Tall e Vinner (1981), é toda forma de representar, através de palavras, o conceito imagem. O conceito defini-ção pode ser expresso como sendo:

(...) uma reconstrução pessoal da definição feita pelo estudante. É então o tipo de palavras que o estudante usa para sua própria explanação de seu conceito imagem (evocado). Se os conceitos definição lhes são dados ou construídos por si mesmo, pode variar de tempo em tempo. Dessta maneira um conceito definição pessoal pode ser diferente de um conceito definição formal, este último sendo um conceito definição que é aceito pela comunidade matemática. (TALL; VINNER, 1981, p.2)

Os autores defendem que um determinado conceito matemático não deve ser introduzido a partir de sua definição formal. Sugerem que, para uma definição formal ser entendida pelo aluno, é necessário que ele tenha tido oportunidade de vivenciar diferentes experiências, envolvendo o conceito em questão. As experiências que exer-cem influência sobre a formação da imagem de um determinado conceito podem ser não apenas de natureza matemática, mas também aquelas advindas do cotidiano dos alunos.

De acordo com Giraldo,

(...) A teoria de imagens de conceito sugere que o desenvolvimento c o g n i t i v o d e u m c o n c e i t o matemático se dá através do enriquecimento de uma diversidade de ideias associadas ao conceito, e que a compreensão da própria definição do conceito só é possível quando a gama de ideias associadas é rica o suficiente. A aprendizagem de matemática é favorecida pela multiplicidade de representações presente na abordagem pedagógica [...] (GIRALDO, apud ANDRÉ, 2008, p.7)

É possível que um conceito definição possa não existir e, para isso, ele pode não estar

formado, ou pode ter sido esquecido pelo aluno. Por outro lado, o conceito definição pode também existir e ser inativo, e é esse o caso em que o aluno memoriza uma definição. Nesse fato, essa definição pode fazer parte de uma imagem con-ceitual muito pobre ou pode não ter existido.

A definição de um conceito é pessoal e, muitas vezes, pode não ser compatível com a definição formal encontrada em muitos manuais escolares, mas pode ser rica por incluir diferentes experiências, propriedades e impressões.

De acordo com Tall e Vinner (1981), diferentes representações de um determinado objeto permitem a criação de imagens concei-tuais que podem contribuir para a formalização do conceito. Essas diferentes representações se aplicam ao ensino de funções, que tem sofrido profundas mudanças, nos últimos tempos. Uma das tendências é relativa à utilização de diversos modos de representação de funções com uma forte inclusão dos registros tabulares e gráficos e uma diminuição dos registros algébricos. Neste trabalho, utilizou-se uma multiplicidade de re-gistros, associada com problemas do cotidiano dos alunos, para a criação de imagens conceituais ricas que favoreçam o ensino e a aprendizagem do conceito e das propriedades de função.

3 Metodologia de resolução de problemas

Na literatura, encontramos que as primei-ras pesquisas sobre o ensino de matemática por meio da resolução de problemas iniciaram com George Polya. Em seu livro, o autor descreve a matemática como A arte de resolver problemas (1979), cuja primeira edição surgiu em 1945, tomada como um método para resolver proble-mas, que consiste em: compreender o problema, elaborar um plano, executar o plano, verificar e analisar a solução do problema proposto.

A partir das ideias de Polya (1979), a reso-lução de problemas passou a ganhar espaço entre os pesquisadores, preocupados com o ensino e a aprendizagem da matemática, e ampliaram-se as discussões sobre sua utilização nas práticas de sala de aula.

Sob diferentes olhares, o papel da resolução de problemas, no ensino de ma-temática, de acordo com Schroeder e Lester (1989), passou por várias concepções: ensinar para a resolução de problemas; ensinar sobre

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a resolução de problemas e, mais recente-mente, ensinar via (ou através) resolução de problemas.

Ensinar matemática para resolução de problemas significa que o objetivo final é fazer com que os alunos sejam capazes de resolver certos problemas, ou seja, o conteúdo matemático é ensinado focalizando esse fim. Ensinar sobre resolução de problemas significa que o professor procura ensinar seus alunos a resolver problemas trabalhando com eles o processo de resolução, ou seja, suas fases e estratégias utilizadas para resolução. Ensinar via (ou através de) resolução de problemas implica considerar o problema como um ele-mento formador de um processo de construção do conhecimento matemático, ou seja, essa metodologia vem a contribuir na formação dos conceitos antes mesmo de sua apresentação em linguagem abstrata.

De acordo com Zuffi e Onuchic (2007, p.3),

N o c e n á r i o i n t e r n a c i o n a l , encontramos vários trabalhos sobre essa temática, abordada sob diversos prismas e referenciais teóricos. Acabando a década de 1980, em que a ênfase em resolução de problemas era colocada sobre o uso de modelos e estratégias, novas discussões foram desencadeadas. A resolução de problemas passa, então, a ser pensada como uma metodologia de ensino, ponto de partida e meio de ensinar Matemática. Sob esse enfoque, problemas são propostos de modo a contribuir para a construção de novos conceitos e novos conteúdos, antes mesmo de sua apresentação em linguagem matemática formal. A resolução de problemas, como metodologia de ensino, passa a ser o lema das pesquisas para os anos 90.

Nesse trabalho, seguimos a concepção proposta por Allevato e Onuchic (2006), qual seja: trabalhar o ensino e aprendizagem da Matemática através da resolução de problemas. Onuchic (2009) argumenta que trabalhar a Matemática nessa perspectiva justifica-se pela existência de uma forte atividade de investigação tanto do professor quanto dos alunos. Quando se trabalha essa metodologia, a autora destaca o papel do professor e dos alunos no processo de resolução de problemas. Para ela,

O professor deve escolher ou criar problemas adequados à construção de novo conhecimento sobre um determinado tópico do programa, daquela determinada série; selecionar, entre muitas, as estratégias mais adequadas à resolução daquele problema; planejar as questões chave, para conduzir os alunos na análise dos resultados apresentados e chegar ao consenso sobre os resultados obtidos; preparar a melhor formalização dos novos conceitos e novos conteúdos construídos a partir do problema dado. Os alunos investigam, quando buscam, usando seus conhecimentos já construídos, descobrir caminhos a construir e decidir quais devem tomar para resolver o problema, trabalhando cooperativamente e colaborativamente, relacionando ideias e discutindo o que deve ser feito para chegar à solução. (ONUCHIC, 2009, p.29)

Segundo as autoras, quando se trabalha a resolução de problemas nessa perspectiva, há uma mudança significativa no papel do professor, que passa de um transmissor ou comunicador de conhe-cimentos a um mediador, observador, articulador, organizador, instigador e incentivador da aprendi-zagem. Essa metodologia traz uma nova dinâmica para o trabalho da sala de aula, que afeta profunda-mente o papel dos alunos, os quais passam de uma atitude passiva para uma atitude ativa e, assim, a metodologia pode trazer resultados significativos para o ensino e a aprendizagem da matemática. O trabalho na sala de aula passa a estar centrado no aluno, que participa ativamente da construção do conhecimento, sob a supervisão do professor, e so-mente no final do processo os conceitos trabalhados são formalizados na linguagem matemática.

Sendo assim, para trabalhar a Matemáti-ca em sala de aula, com vistas à construção de imagens conceituais e definições de conceitos, a partir da resolução de problemas, seguimos os passos propostos por Onuchic (1999):

1º) formação de grupos. Trabalhar em grupos proporciona a criação de um ambiente de colaboração;

2º) registro dos resultados encontrados pelos alunos;

3º) defesa, pelos grupos, de seus pontos de vista a respeito das estratégias seguidas

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pelos alunos. A discussão no grande grupo cria um ambiente de colaboração e troca entre todos os alunos da turma. É o momento em que os alunos argumentam, revisam seus pontos de vista, tomam conhecimento das estratégias seguidas por outros grupos e percebem os erros e acertos cometidos;

4º) análise dos resultados. Nesse estágio, os alunos, com a ajuda do professor e do grande grupo, têm a oportunidade de rever seus caminhos, bem como conhecer outros já construídos pelos demais grupos, e podem refletir sobre os erros e acertos;

5º) consenso. A partir da análise feita com a turma, busca-se um consenso sobre as soluções encontradas para o problema;

6º) formalização do conteúdo. Essa é a fase da consolidação das imagens conceituais e da construção dos conceitos.

4 Construção do conceito de função

O trabalho na sala de aula foi planejado em forma de Unidades de Ensino, contendo diferentes problemas relacionados com o co-tidiano dos alunos, e envolveu as ideias bási-cas para a construção do conceito de função. Muitos problemas propostos seguem algumas ideias extraídas de Palhares (1997 e 2004). O objetivo foi oferecer aos alunos experiências para que pudessem construir uma imagem conceitual de função, antes da formalização do conceito.

Para a realização das atividades, os alunos foram divididos em grupos, e todo o trabalho realizado na sala de aula foi registrado no Diário de Campo do professor responsável pela disci-plina e pela pesquisa. A análise dos resultados da pesquisa teve como base os dados registrados no Diário de Campo do pesquisador e os docu-mentos produzidos pelos alunos.

Para a construção do conceito de função, foram planejadas e aplicadas quatro Unidades de Ensino, com duração de duas horas para cada uma. Em cada unidade, o objetivo foi explorar diferentes situações e representações, envolvendo o conceito de função, qual seja: gráfica, tabular e algébrica. Essa construção foi realizada por meio da proposição de situações-problema que tinham como objetivos explorar a identificação das variá-

veis e sua dependência; a construção de gráficos e tabelas; a análise e interpretação de gráficos.

Como resultado, observou-se que, ao término das atividades, os alunos conseguiram construir diferentes imagens conceituais, e a definição do con-ceito de função foi formalizada de forma natural.

Problema 1

O gráfico abaixo representa as médias de chuvas em cada mês que ocorreram no município de Itaqui , no período de 1990 a 2000.

Gráfico 1: média de chuva no período de 1990 a 2000 no município de Itaqui/RS.

a) O que representam o eixo horizontal e o eixo vertical?

b) Qual é o mês que ocorreu o maior índice de chuva? E o menor?

c) Qual foi a precipitação de chuva nestes meses?

Depois de entregue a atividade e no aten-dimento particular aos grupos, pudemos perceber que os alunos conseguiram distinguir as variáveis envolvidas. Eles conseguiram visualizar que existe uma relação entre a variável independente e depen-dente e, também, que, para localizar um ponto no gráfico, precisavam observar os dois eixos.

O grupo B trouxe ao professor alguns questionamentos.

B1 – Professor, o maior índice de chuva é aquele que tem o ponto mais alto e o menor é o ponto mais baixo?

P – Bem observado. Quais os meses que correspondem a esses índices?

B1 – Mas, no gráfico, observo que exis-tem dois pontos muito próximos, quase com o mesmo valor.

P – Observe com cuidado que há uma pequena diferença.

Com essas análises, a maioria dos grupos respondeu às questões propostas, bem como percebeu que bastava identificar um mês e fazer a correspondência do índice de chuva no eixo vertical. Dessa forma, os alunos conseguiram identificar bem as variáveis dependentes e in-dependentes.

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Uma característica observada em todos os grupos foi a dificuldade de trocas de informações entre os componentes, o que evidenciou que a prática de trabalho em grupo era pequena. Também o mesmo acontecia com a resolução de problemas.

Problema 2

O professor Gustavo costuma ir para a escola de carro e estaciona-o em um parque onde se lê:

Estacione aqui: R$ 0,50 de taxa fixa + R$ 0,50 por hora.

a) Qual o valor pago pelo estacionamento se o carro permanecer no local por 5 horas?

b) O gráfico, abaixo representa a relação entre o custo (c), em reais, do estacionamento e o tempo de permanência (t), em horas.

Gráfico 2: relação entre o custo e o tempo de permanência.

c) Qual é o preço a ser pago pelo estacionamento de 2 horas? E de 3 horas?

d) Justifique que, de fato, o gráfico representa a relação entre o custo do estacionamento e o tempo de permanência.

e) Ao regressar da escola, o professor Gustavo pagou R$ 2,50 pelo estacionamento. Quanto tempo o carro esteve estacionado?

f) É possível escrever uma relação que represente o custo do estacionamento, em função do tempo?1

O problema proposto teve como objetivo explorar a noção de variável dependente e inde-pendente e, ao mesmo tempo, criar uma imagem

1 Modificado de Funções Polinomiais. Matemática: Cursos Profissionais de Nível Secundário, p.11.

conceitual do conceito de função por meio da análise gráfica e da construção algébrica.

No desenvolvimento da atividade, obser-vou-se uma melhor compreensão da análise de gráficos por todos os grupos. As discussões, nos grupos, aconteceram de forma acalorada, pois os alunos estavam motivados pela realização da tare-fa, uma vez que esta foi extraída do seu cotidiano. Nessa atividade, durante a plenária, os alunos foram capazes de estabelecer uma lei de formação, e o professor, por meio de perguntas, fez com que eles construíssem um primeiro conceito de fun-ção, mesmo para esse caso particular. Assim, os alunos conseguiram ter a percepção de imagens conceituais no sentido gráfico e algébrico.

Com o problema 3, a seguir, objetivou-se explorar o conceito de função por meio da cons-trução de tabela.

Problema 3

Certo dia, empolgado com as Olimpíadas, o professor Gustavo tentou introduzir com seus alunos novas modalidades esportivas. Acreditou que atletismo seria uma ótima forma de iniciar essa nova etapa. No dia combinado, compare-ceram para o treino apenas

53 dos alunos que

faziam educação física. a) Sabendo que nesse dia apenas 72 alunos

compareceram ao treino, quantos são os alunos que fazem educação física, regularmente, com o professor Gustavo?

b) Complete a Tabela 1, abaixo, que apresenta a relação entre a quantidade de alunos que compareceram ao treino, no dia marcado para iniciar o atletismo e o número total de alunos que participam da aula de educação física regularmente.

Tabela 1: quantidade de alunos e o número de alu-nos que participam da aula de educação física.Número de alunos que compareceram ao treino, no dia marcado.

66 69 78 84 87 90

Número total de alunos que participam da aula de educação física.

100 135

c) Após completar a tabela, construa um gráfico para representar a situação descrita.

Os grupos não conseguiram compreender a situação de imediato, mas, aos poucos e com

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o incentivo do professor, fizeram a leitura do problema com atenção e foram compreendendo as diferentes estratégias elaboradas. A compre-ensão dos dados fornecidos pelo problema foi uma construção muito lenta, porém proveitosa, pois gerou muitos questionamentos entre os componentes dos grupos, os quais eram res-pondidos pelos próprios colegas. A dinâmica da sala de aula modificou-se totalmente, pois os alunos estavam empolgados com as discussões entre os elementos do grupo e entre os demais grupos.

O contato com os grupos oportunizou ao professor identificar as diferentes formas de interpretação, de planejamento e de aplicação das estratégias propostas. A grande maioria dos grupos usou a regra de três para completar a tabela, porém, um grupo, identificado como E, apresentou uma estratégia de resolução, que é interessante descrevê-la, pois os alunos evoca-ram o conceito definição de fração.

E1: Nós “pegamos” o 72, que é o número de alunos que compareceram à aula de educa-ção física, e dividimos por 3, resultando 24, que corresponde a três partes de um inteiro.

A seguir, representaram, graficamente, a situação do seguinte modo:

24 24 2472

Concluíram, então, que para saber o nú-mero total de alunos que participam da aula de educação física bastava completar o inteiro que resultou em 120 alunos.

24 24 24

120

24 2472

O grupo completou a tabela, usando sempre esse mesmo raciocínio enquanto que os demais grupos trabalharam com a regra de três simples.

A construção do gráfico foi feita; os alu-nos, porém, de modo geral, cometeram um erro de proporcionalidade entre os valores marcados nos eixos e a ligação dos pontos marcados no gráfico.

Os alunos conseguiram perceber a relação entre as variáveis dependente e independente e

que essa relação é unívoca, ou seja, que a cada valor da variável independente corresponde um único valor para a variável dependente.

Problema 4

Com o problema a seguir, objetivou-se ler e interpretar gráficos.

Certo dia, Pedro convidou seu pai para vê-lo jogar. O pai e Pedro foram de carro até a escola. Ao final do jogo, voltaram para casa, fazendo o mesmo percurso de ida e no mesmo intervalo de tempo. Por fim, o pai de Pedro deixou o carro na garagem, exatamente onde estava antes de ir à escola.

Qual dos gráficos abaixo ilustra o trajeto percorrido por Pedro e seu pai, sendo que eles ilustram a relação entre o tempo que durou a saída dos dois e a distância que estiveram de casa?2

a) b)

c) Gráfico 3: trajeto percorrido.

Após uma longa análise, algumas solu-ções foram começando a aparecer, e na plenária os alunos explicitaram algumas das estratégias construídas. Em algumas falas, fica claro o modo como os alunos construíram a solução. As falas referem-se aos alunos dos grupos B e S caracte-rizados como S1, S2,...S5 e B1, B2,... B5.

Aluno S1: É o gráfico b, porque ele sai de casa, vai até a escola, fica parado e, em seguida, volta para o mesmo lugar.

Aluno B2: Por que o gráfico b é o único que fica parado por algum tempo e também volta para o mesmo lugar que saiu.

2 Modificado de Funções Polinomiais. Matemática: Cursos Profissionais de Nível Secundário, p.6.

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Pelas respostas fornecidas, pôde-se cons-tatar que os alunos, autores das tarefas acima apresentadas, realizaram bem a análise da atividade. Verificaram o enunciado e fizeram a análise gráfica percebendo que o percurso de ida e o de vinda foi o mesmo. Além disso, levaram em consideração o tempo que o carro ficou parado. Esses alunos conseguiram evocar as imagens conceituais gráficas, construídas anteriormente.

5 Considerações finais

O conteúdo sobre funções é pouco explo-rado no ensino fundamental, talvez pela dificul-dade que ele oferece aos alunos nesse nível de ensino e também pela forma como o conceito é introduzido pelos livros didáticos, centrado, quase sempre, na teoria de conjuntos, o que requer habilidade de abstração.

Na realização dessa pesquisa, nosso obje-tivo central não foi o de definir uma função, do ponto de vista formal, mas construir diferentes imagens conceituais de modo que os alunos fossem familiarizando-se com o conceito. A formalização do conceito, nesse nível de esco-laridade, é de difícil compreensão, pelos alunos, pois exige muita habilidade de lidar com con-ceitos abstratos de matemática. De acordo com Leal (1990, p.13), “a falta de uma preparação dos alunos para a construção do conceito, ao longo dos primeiros sete anos de escolaridade, é uma das principais responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem desse tópico”.

Nesse sentido, o trabalho de pesquisa cen-trado na resolução de problemas, e tendo como referencial teórico a teoria de conceito imagem e conceito definição, oportunizou aos alunos a construção de diferentes imagens conceituais, e assim eles compreenderam o conceito de função, mesmo sem sua formalização matemática.

Os resultados das avaliações realizadas mostraram que os alunos, de fato, conseguiram trabalhar o conceito de função em diferentes situações-problema, principalmente naquelas relacionadas com o seu cotidiano e também com diferentes representações. Conclui-se, assim, que a metodologia de resolução de problemas, tendo como base teórica a teoria de Tall e Vinner (1981), contribuiu de forma positiva para que os alunos compreendessem o conceito de função.

Ao longo da aplicação dessa pesquisa, foi possível verificar que o trabalho com resolução de problemas favoreceu a comunicação entre os pares, estimulou a troca de informações, o conhe-cimento, a construção de hipóteses e as explora-ções mentais. De acordo com Allevato e Onuchic (2006), no trabalho em equipe, o aluno estimula e sente-se estimulado a escrever suas conclusões, a justificar suas hipóteses e a elaborar estratégias. Dessa forma, essa metodologia mostrou-se eficaz e proporcionou o desenvolvimento de habilidades e competências demonstrando uma maneira de como trabalhar de forma colaborativa, em grupo, o raciocínio lógico, a expressão oral e escrita. O momento da plenária revelou-se um passo muito especial, pois proporcionou aos alunos a compre-ensão do que ainda não havia sido compreendido; permitiu-lhes questionar fatos, debater sobre os assuntos propostos, apresentar suas dúvidas e avaliar os resultados.

Referências

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Alex Sandro Gomes Leão – Mestre em Ensino de Matemática. Curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática – Unifra. E-mail: [email protected]

Vanilde Bisognin – Doutora em Matemática e professora do curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática – Unifra. E-mail: [email protected]

RECEBIDO em: 30/08/2009CONCLUÍDO em: 06/10/2009

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A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FUNÇÃO

The Historical Construction of the Function Concept

Rafael Winicius da Silva Bueno

Lori Viali

Introdução

No estudo dos mais diversos campos da Matemática, há a necessidade de se trabalhar com variadas representações, com vistas a um melhor acesso ao objeto de estudo e, consequentemente, de uma comunicação mais efetiva. Essa característica se faz presente, de maneira muito evidente, ao se trabalhar com funções, uma vez que podemos re-presentar uma função algébrica ou graficamente, bem como através de tabelas e diagramas.

Segundo Duval (2003), diferentemente de outras áreas, na Matemática trabalha-se com objetos abstratos e não há alternativas para se acessar esses objetos a não ser através de repre-sentações. Em outros campos de conhecimento, como botânica, geologia, astronomia e física, as representações são imagens ou descrições de fenômenos do mundo real, aos quais se pode ter acesso perceptual e instrumental. Já em Matemá-tica, esse não é o caso.

De acordo com Elia e Spyrou (2006), ao se trabalhar com funções, a distinção entre estas e as representações utilizadas para descrever suas leis é uma das condições essenciais para a compreensão desse conceito. Os autores tam-bém afirmam que a compreensão do conceito de função não é uma tarefa fácil, dada a diversidade de representações utilizadas e as dificuldades encontradas pelos estudantes em fazer conexões entre elas, seja pela deficiência na utilização de representações distintas, causada muitas vezes

Resumo

Neste artigo, é feita uma investigação acerca da construção histórica do conceito de função rumo a sua definição atual, identificando as principais etapas evolutivas desse processo. O objetivo do trabalho é identificar o papel desempenhado e a contribuição dada pelo desenvolvimento das diferentes formas de representação semiótica na evolução desse conceito matemático para, assim, melhor utilizar as representações no processo de construção do conceito de função em sala de aula.

Palavras-chave : Concei to de função . Desenvolvimento histórico. Representação semiótica.

Abstract

In this paper is made an investigation about the historical concept of function, where are identified the main steps in the development of this basic mathematical content. The major aim of this work was identify the contribution of the different ways of the semiotic representation of the concept in its development. From this identification it is possibly to stress each representation in an appropriate way improving as a consequence the teaching and learning of the concept.

Keywords: Concept of function. Historic development. Semiotic representation.

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pela concentração do trabalho docente na re-presentação algébrica, seja pela inabilidade de coordenação entre representações.

Nesse sentido, fica evidente a importância das representações na construção do conhecimento matemático e, mais especificamente, no processo de construção do conceito de função em sala de aula. Cabe, então, o questionamento: a construção histórica do conceito de função é ligada diretamen-te ao desenvolvimento das representações utiliza-das atualmente para sua comunicação?

Para a construção do conceito de função com o qual se trabalha atualmente nas escolas e universidades, foram necessárias contribuições de vários matemáticos durante séculos de estudos. Nesse período, surgiram conceitos que alicerça-ram seus pensamentos rumo à construção da de-finição atual de função e suas implicações. Nesse artigo, é feita uma pesquisa bibliográfica buscando reconstruir o caminho percorrido para essa cons-trução, fundamentando-se, principalmente, nos trabalhos de Monna (1972), Yuoschkevitch (1976), Ponte (1992), Boyer (1996) e Eves (2004).

Principais períodos de evolução

De acordo com Yuoschkevitch (1976), em seu estudo acerca da evolução da construção do conceito de função ocorrida até a metade do séc. XIX, os principais estágios do desenvolvimento dessa ferramenta são a Antiguidade, a Idade Média e a Modernidade.

Na Antiguidade, o pensamento matemático não criou uma noção geral da ideia de variável ou de função. Apenas casos práticos e particulares, principalmente no campo da Astronomia, foram estudados utilizando-se métodos quantitativos e a construção de tabelas que representavam funções entendidas como relações entre conjuntos discretos de constantes dadas. Na Idade Média, mais especifi-camente, na ciência europeia do séc. XIV, cada caso particular de dependência entre duas quantidades era definido através de uma descrição verbal ou gráfica, em detrimento do uso de fórmulas.

Na Modernidade, no final do séc. XVI e, principalmente, durante o séc. XVII, expressões analíticas de funções começam a surgir. A classe analítica de funções expressas por somas de séries infinitas torna-se a mais usual. Segundo Yuoschkevi-tch (1976), “foi o método analítico de introdução das funções que revolucionou a Matemática e, devido

a sua grande eficiência, conduziu as funções a um papel central na área das ciências exatas.” (p.39).

Entretanto, segundo o autor, em meados do séc. XVIII, a representação de função como uma expressão analítica provou-se insuficiente. Uma nova definição de função, que, posteriormente, acabou tornando-se universalmente aceita em análise matemática, foi introduzida. Já na segunda metade do séc. XIX, essa definição abriu possi-bilidades para o desenvolvimento da teoria de funções, mas acabou, também, ocasionando difi-culdades lógicas, o que, durante o séc. XX, causou o movimento para que a essência desse conceito fosse revista, assim como outros conceitos impor-tantes da análise matemática, chegando-se, então, a uma definição mais geral e abstrata do conceito de função. Esses períodos serão discutidos após o período definido como Modernidade.

A Antiguidade

Por volta do ano 2.000 a.C., de acordo com Eves (2004), a matemática babilônica já havia evo-luído para uma álgebra bem desenvolvida. Tábulas sexagesimais eram amplamente utilizadas para calcular valores de quadrados e cubos dos números naturais de 1 a 30 e também de valores de 32 nn + , relativos a esse intervalo, com o objetivo de estudar o movimento dos planetas na esfera celeste. As funções empiricamente tabuladas acabaram se tor-nando, posteriormente, o suporte para a sequência do desenvolvimento de toda a astronomia.

Novas contribuições para a construção do conceito de função surgiram na Grécia, nos estudos matemáticos e nas ciências naturais. Tentativas, atribuídas aos pitagóricos, de estabe-lecer leis acústicas indicam a busca por relações de interdependência entre quantidades.

Também na Grécia, já como parte do Im-pério Romano, as funções relativas a problemas astronômicos e matemáticos eram objeto de estu-dos similares aos da análise matemática atual. De acordo com os objetivos de estudo, funções eram tabuladas por meio do uso de interpolação linear e, em alguns casos simples, até mesmo por meio de limites de proporções de duas quantidades infinitamente pequenas. Problemas envolvendo valores extremos e tangentes, ou, ainda, o cálculo de áreas, volumes e comprimentos, eram resolvi-dos com a aplicação de métodos semelhantes aos utilizados no Cálculo Integral e Diferencial.

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Entretanto, segundo Yuoschkevitch (1976), o simbolismo grego, até o séc. III d.C. restringiu-se apenas a denotar várias quantidades por diferentes letras do alfabeto. Somente com os trabalhos de Diofanto1 e, possivelmente, de seus predecessores mais próximos, surgem os primeiros sinais, como, por exemplo, um sinal de igualdade. Contudo, com a decadência da sociedade antiga, suas notações acabaram não sendo desenvolvidas.

Apesar da carência de um simbolismo mais sofisticado, os gregos deram importante contribuição para o aumento do número de de-pendências funcionais utilizadas e dos métodos de estudá-las, mas a ideia geral do conceito de função não existia. Yuoschkevitch (1976) afirma que existe uma grande distância entre o instinto de funcionalidade e a sua percepção e que, na antiguidade, além de o termo função não ser uti-lizado, não havia sequer alusões a uma ideia mais geral e abstrata de relações de dependências.

As ideias de variação quantitativa ou de mudança faziam-se presentes no pensamento grego. Problemas de movimento, continuidade e infinito foram considerados. Entretanto, nem o sentido de velocidade como razão entre o espaço percorrido e o tempo, nem, obviamente, a ideia de velocidade instantânea foram introduzidos. Portanto, nenhum desses conceitos foi explorado pelos estudos gregos, de forma a gerar um pen-samento mais complexo e abstrato com relação à noção de variabilidade.

A Idade Média

Com a decadência da cultura antiga, as primeiras ideias relativas à noção de função de uma forma mais geral e abstrata ocorrem no séc. XIV, nas escolas de Filosofia Natural de Oxford e Paris. Conforme Yuoschkevitch (1976), “seguin-do pensadores como Robert Grosseteste e Roger Bacon, essas duas escolas, que floresceram no séc. XIV declararam a Matemática como o prin-cipal instrumento para o estudo de fenômenos naturais.” (p.45).

Nesse período, surgiram muitos concei-tos de grande importância para a evolução das ciências exatas, como, por exemplo, velocidade

1 Diofanto de Alexandria viveu no século III e escreveu Aritmética, obra na qual propõe uma abordagem analítica da teoria algébrica.

instantânea, aceleração, quantidade variável, considerada como um fluxo de qualidade. Todos esses conceitos contribuíram na síntese da cine-mática e do pensamento matemático.

Simultaneamente, conforme Caraça (2005), em face das experiências e observações realizadas, percebeu-se que muitos fenômenos naturais apresentavam certa regularidade que po-deria ser descrita através de leis quantitativas.

O estudo da intensidade das formas e seu aspecto mais importante, a cinemática, eram abordados na Inglaterra em um contexto aritmé-tico, enquanto que, na França, Nicole Oresme2 (1323–1382) desenvolveu esse estudo através de uma abordagem geométrica, introduzindo o conceito de latitude das formas em meados do séc. XIV. As formas ou qualidades são fenômenos como a luz, a distância, a velocidade, que pos-suem vários níveis de intensidade e que mudam continuamente, dentro de limites dados.

Segundo Yuoschkevitch (1976), essa teoria parece ser fundamentada em um uso de ideias ge-rais sobre quantidades variáveis dependentes e, de acordo com Boyer (1996), “os termos latitude e longitude, que Oresme usou, são equivalentes, num sentido amplo, à nossa ordenada e abscissa, e sua representação gráfica assemelha-se com nossa geometria analítica.” (p.181).

Com a teoria da latitude das formas, e o consequente desenvolvimento do registro3 de representação gráfico, o estudo das funções do tempo se desenvolveu. Considerações sobre o infinito na resolução de problemas dessa área eram comuns. Conceitos como velocidade ins-tantânea e aceleração passaram a ser amplamente estudados, e a descoberta mais importante da época, para a mecânica e talvez também para a Matemática, foi a determinação da velocidade média de um movimento uniformemente ace-lerado.

Durante os sécs. XV e XVI, a teoria da lati-tude das formas gozou de enorme prestígio e di-fundiu-se, principalmente, na Inglaterra, França, Itália e Espanha, sendo exposta em universidades e em livros publicados. Analisando, porém, o

2 Nicole Oresme, de acordo com Eves (2004), foi o maior matemático de sua época. 3 Segundo Duval (2003, p.14), “para designar os diferentes tipos de representações semióticas utilizados em mate-mática, falaremos, parodiando Descartes, de ‘registro’ de representação”.

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alcance dessa teoria e suas implicações, pode-se perceber, segundo Ponte (1992), que, apesar da grande evolução em termos de generalização e abstração e de alguns resultados particulares alcançados, o estudo das funções em Matemática como um conceito e objeto individualizado ainda não havia sido alcançado.

A Modernidade

O desenvolvimento do conceito de função foi catalisado, de acordo com Yuoschkevitch (1976), pelo desenvolvimento da álgebra sim-bólica e pela extensão do conceito de número, englobando tanto o conjunto dos números reais quanto o número imaginário i e o conjunto dos números complexos. Esses foram os conceitos matemáticos fundamentais que proporciona-ram a introdução do conceito de função como uma relação entre conjuntos numéricos e como uma expressão analítica das funções através de fórmulas.

O que deve ser enfatizado, também, na concepção do autor,

[...] é a introdução de inúmeros sinais para operações e relações matemáticas (em primeiro lugar, para adição, subtração, potência e igualdade) e, acima de tudo, sinais para quantidades desconhecidas e parâmetros, que Viète em 1591 denotou por vogais A, E, I,... e consoantes B, G, D,... do alfabeto l a t i n o , r e s p e c t i v a m e n t e . A importância dessa notação, que, pela primeira vez, possibilitou colocar no papel a forma simbólica de equações algébricas e expressões contendo quantidades desconhecidas e coeficientes arbitrários (uma palavra também originada por Viète), dificilmente pode ser estimada. (p.51)

Contudo, o simbolismo de François Viète (1540-1603), que não avançou no estudo do conceito de função, e o desenvolvimento do registro de representação algébrico, careciam de progressos significativos, e estes logo vieram por meio das contribuições de inúmeros intelectuais, como René Descartes (1596–1650), Isaac Newton (1642–1727), Gottfried Leibniz (1646–1716) e Leonhard Euler (1707–1793), entre outros.

A emergência do conceito de função como um objeto individualizado da Matemática co-meçou, segundo Ponte (1992), com o início do cálculo infinitesimal. Primeiramente, Descartes estabeleceu claramente que uma equação de duas variáveis, representada geometricamente por uma curva, indica a dependência entre as variáveis. Através dos estudos de Descartes, segundo Yuoschkevitch (1976),

[...] pela primeira vez e de forma clara, é sustentado que uma equação em x e y é um meio para introduzir uma dependência entre quantidades variáveis de uma maneira que é possível calcular a partir do valor de uma delas o valor correspondente da outra. (p.52)

A introdução de funções escritas através de equações iniciou uma verdadeira revolução no estudo de matemática. O uso de expressões analíticas, regidas por operações e relações específicas, introduzido, independentemente, por Pierre Fermat (1601–1665) e René Descartes, originou características específicas do estudo do tema. Proveniente da álgebra aplicada à geome-tria, essa nova forma de representar as funções logo se estendeu a outras áreas da Matemática e, especialmente, ao desenvolvimento do cálculo diferencial e integral. Para Monna (1972), “Des-cartes, com sua aplicação de métodos algébricos à geometria, abriu o caminho para a introdução da noção de função que, gradualmente, se desen-volveu até sua forma moderna” (p.58).

Nesse período histórico, propaga-se, então, a utilização da prática da conversão, caracterizada por Duval (2006) como a transformação de uma re-presentação semiótica em outra, na qual ocorre mu-dança de registro, mas conserva-se o mesmo objeto denotado. Sua importância para o desenvolvimento do conceito de função e do pensamento matemático é enfatizada por D’Amore, que afirma que

A construção do conhecimento matemático depende fortemente da capacidade de utilizar vários registros de representação semiótica dos referidos conceitos: representado-os em um dado registro; tratando tais representações no interior de um mesmo registro; fazendo a conversão de um dado registro para outro. (p.62. Grifos do autor)

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De uma forma inicial, a ideia de que uma expressão infinita era uma função não era re-cente: progressões geométricas decrescentes e infinitas já eram conhecidas há bastante tempo. Entretanto, apenas na segunda metade do séc. XVII, as séries de potência acabaram sendo per-cebidas como instrumento importante para o es-tudo das funções. Devido às séries de potência, o conceito de função passou a ocupar papel central no estudo da análise matemática e foi o cerne das teorias de Newton e de Leibniz no desenvolvi-mento do cálculo diferencial e integral.

Isaac Newton e Gottfried Leibniz

Figura 1 - Leibniz

De acordo com Yuoschkevitch (1976), Newton4, sucessor de Isaac Barrow5 (1630–1677), apresentou em Cambridge, nos anos de 1664 e 1665, uma interpretação cinemática e geométrica clara das concepções básicas da análise matemá-tica, descrevendo concepções de tempo e movi-mento, escolhendo o tempo como um argumento universal e interpretando as variáveis dependen-tes como uma quantidade continuamente fluente que possui uma velocidade de variação.

Os dois problemas principais do cálculo infinitesimal eram expressos em termos mecânicos: dada a lei para a distância, determinar a velocidade do movimento (diferenciação) e, dada a velocidade de um movimento, determinar a distância percorrida (integração). No entanto, as concepções de Newton sobre o tema eram mais abstratas. Em 1669, Newton

4 Segundo Leibniz, “tomando a matemática desde o início do mundo até o tempo de Newton, o que ele fez é de longe a melhor metade” (apud BOYER, 1996, p.269).5 De acordo com Eves (2004), Isaac Barrow foi um homem de grande destaque acadêmico, alcançando projeção em Matemática, Física, Astronomia e Teologia. Ao renunciar à sua cátedra lucasiana em Cambridge, em 1669, indicou para substituí-lo o nome de um jovem e talentoso colega, Isaac Newton.

comunicou a Barrow o seu Método das fluxões6, que, apesar de escrito em 1671, foi publicado somente em 1736. Nesse trabalho, apenas as noções básicas foram introduzidas através da cinemática.

Por outro lado, Leibniz também chegou, a partir das curvas geométricas, às noções básicas de diferenciação e integração. Entre os anos de 1673 e 1676, inventou o seu Cálculo e, em 1675, utilizou, pela primeira vez, o símbolo de inte-gral, um S alongado, vindo da primeira letra da palavra soma7. Pouco tempo depois, já utilizava as notações de diferenciais, derivadas e integrais como se conhece atualmente.

A palavra função, de acordo com Yuoschke-vitch (1976), surgiu em 1673, pela primeira vez, em um manuscrito de Leibniz intitulado O método inverso das tangentes, ou sobre funções. Entre 1692 e 1694, surgiu em seus artigos a definição de função, que foi caracterizada como qualquer parte de uma li-nha reta, ou seja, segmentos obtidos pela construção de infinitas linhas retas correspondentes a um ponto fixo e a pontos de uma determinada curva. A defini-ção de função construída, porém, não corresponde, em nenhum aspecto, ao contexto analítico.

A relação de Leibniz com Johann Ber-noulli (1667–1748) e suas discussões matemáti-cas, principalmente entre 1694 e 1698, levaram à necessidade de um termo geral que representasse quantidades arbitrárias dependendo de uma variável à definição do termo função no sentido de uma expressão analítica.

Johann Bernoulli e Leonhard Euler

Figura 2 - Johann Bernoulli

Bernoulli8 utilizou pela primeira vez a palavra função, segundo Yuoschkevitch (1976),

6 Methodus fluxionum.7 Do latim summa.8 Conforme Eves (2004), Johann Bernoulli foi um dos pri-meiros matemáticos a perceber a importância do cálculo e a aplicá-lo na resolução de problemas.

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em 1698, em um artigo dedicado à resolução de um problema proposto por seu irmão Jakob. Não há, na publicação, referência à definição do que foi chamado de função, mas, segundo o autor, dificilmente poderia referir-se a algo que não fosse uma expressão analítica. Em 1718, de acordo com Ponte (1992), Bernoulli publicou um artigo contendo a definição de função de uma variável como uma quantidade composta, de alguma forma, por uma variável e constantes.

No mesmo período, Leibniz introduziu os termos constante, variável, coordenadas e parâmetros e dividiu as funções e curvas em duas classes: as algébricas, que poderiam ser representadas por uma equação de certa ordem, e as transcendentais, que poderiam também ser objetos de estudos e cálculos de uma natureza diferente, por suas representações por equações de ordem indefinida ou infinita que transcendem as equações algébricas.

A ideia de relação funcional não é men-cionada, porém, até o artigo escrito por Euler, discípulo de Bernoulli, em 1744, e publicado em 1748, no qual a análise matemática é referi-da como uma ciência geral de variáveis e suas funções.

A primeira definição explícita de uma função como uma expressão analítica, confor-me Yuoschkevitch (1976), foi publicada em um artigo de Bernoulli, no qual ele propõe a letra grega ϕ como notação para a representação de uma função, ainda escrevendo sem o auxílio de parênteses, ou seja, ϕ x. Os parênteses, assim como a letra f para designar uma função, são atribuídos a Euler, que os utilizou em uma pu-blicação de 1740.

Euler9 também foi o responsável pelos avanços seguintes mais significativos no desen-volvimento do conceito de função, detalhando o seu estudo de acordo com o padrão da análise matemática da época. Definiu uma constante como uma quantidade definitiva que assume sempre um e o mesmo valor, uma variável como um valor indeterminado ou universal que com-preende todos os valores determinados e uma função de uma variável como uma expressão analítica composta por uma quantidade variável e números ou quantidades constantes.

9 Segundo Anton (2000), Euler foi, provavelmente, o mate-mático mais prolífico que já apareceu, fazendo matemática tão facilmente quanto a maioria dos homens respira.

De fato, a grande maioria das funções estudadas na época de Euler era analítica e enquadrava-se em sua definição, que foi aceita por muitos outros matemáticos do seu tempo. Entretanto, Euler sabia que funções de outros tipos também existiam e, segundo Ponte (1992), de acordo com a terminologia atual, sua defi-nição incluía apenas as funções analíticas, um subconjunto do já pequeno conjunto das funções contínuas. Nas principais correntes matemáticas, entretanto, a relação da definição de função com expressões analíticas permanece estática até o século XVIII.

A controvérsia sobre as cordas vibrantes

A próxima grande discussão envolvendo a construção do conceito de função aconteceu em estudos na área da Física-Matemática, principal-mente por meio dos trabalhos acerca do célebre problema sobre vibrações infinitamente peque-nas em cordas homogêneas, finitas e com suas extremidades fixas. Jean-le-Rond D’Alembert (1717–1783), que, segundo Eves (2004), foi um dos pioneiros no estudo das equações diferen-ciais parciais, representou o problema das cordas vibrantes por uma equação desse tipo.

D’Alembert restringiu a classe de cordas admitidas, pois, sem essas restrições, segundo pensava, não seria possível construir a solução do problema através da análise matemática. En-tre essas restrições, há o fato de assumir que a forma inicial da corda deve ser representada em toda a sua extensão por apenas uma equação, o que, na teoria de Euler, seria determinar que a corda é contínua.

Figura 3 - D’Alembert

A terminologia de Euler, utilizada até meados do século XIX, segundo Yuoschkevitch (1976), determinava que continuidade signifi-cava invariabilidade, imutabilidade da lei de formação da função em todo seu domínio. Já a

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descontinuidade de uma função significava a mudança da lei de formação da função em dois ou mais intervalos do seu domínio. As funções descontínuas, segundo Euler, eram compostas de partes contínuas, sendo chamadas, por essa razão, de curvas mistas ou irregulares.

Começa então uma longa discussão sobre a natureza das funções aceitas nas condições iniciais. A controvérsia continua com o ingres-so de um novo participante: Daniel Bernoulli (1700–1782). Bernoulli argumentou que tanto a forma arbitrária inicial da corda quanto suas vibrações subsequentes podiam ser representa-das por uma série infinita de termos, incluindo senos e cossenos.

A controvérsia, entretanto, não acaba. Se-gundo Monna (1972), essa discussão tornou-se, de certa forma, confusa e não se tem ainda uma concepção clara sobre o problema.

A definição de Euler

Figura 4 - Euler

Como, de acordo com Euler, funções des-contínuas não são, geralmente, analiticamente representáveis, suas definições iniciais de função tornaram-se obsoletas. Nesse sentido, segundo Yuoschkevitch (1976), Euler formula uma nova definição para o conceito de função compreen-dendo todas as classes de relações. Trata-se de uma abordagem utilizando uma noção que esteve sempre presente em seus textos, mesmo que não expressa explicitamente em seus métodos de introduzir função: a noção geral de corres-pondência entre pares de elementos, cada qual pertencendo ao seu próprio conjunto de valores de quantidades variáveis.

A ideia de relação foi, então, dada por Euler (apud YUOSCHKEVITCH, 1976) de uma maneira universal e abstrata em sua definição de função no prefácio de sua Institutiones calculi differentialis:

Se algumas quantidades dependem

de outras quantidades de forma que se essas são alteradas aquelas passam por mudanças, então, as quantidades que sofreram mudanças são chamadas de funções das outras. Essa denominação é de natureza ampla e abrange todos os métodos através dos quais uma quantidade pode ser determinada por outras. Se, portanto, x denotar uma quantidade variável, então todas as quantidades que dependem, em qualquer forma, de x ou são determinadas por x, são chamadas de funções do mesmo. (p.70)

O conceito de função proposto por Euler influenciou positivamente todo o desenvolvi-mento da matemática a partir de então.

Apesar da oposição de D’Alembert, que apontava defeitos na definição de Euler, muitos matemáticos aderiram à sua ideia, como Joseph-Louis Lagrange (1736–1813) e Pierre-Simon Laplace10 (1749–1827).

Era necessária, entretanto, uma separação mais concreta entre as funções contínuas e des-contínuas (no sentido atual das palavras). Segundo Euler, funções determinadas por uma expressão analítica em todo o seu domínio eram chamadas de contínuas, e essas eram as funções genuínas. Já as funções descontínuas ou arbitrárias (no sentido de Euler) não eram funções genuínas.

O século XIX

Figura 5 - Dirichlet

De acordo com Monna (1972), no século XIX houve muito progresso na construção do conceito de função, com contribuições prin-cipalmente dos trabalhos de Augustin-Louis

10 Devido ao lançamento dos cinco volumes do Traité de mé-canique, Laplace ganhou o cognome de “Newton da França” (EVES, 2004).

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Cauchy (1789–1857), Jean Baptiste Joseph Fou-rier (1768–1830) e Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805–1859).

A ideia de Euler das funções mistas foi criticada e foi provado que funções introduzidas por diferentes expressões analíticas em diferen-tes intervalos do seu domínio também podem ser representadas por apenas uma equação. Cauchy11 faz sua crítica à definição de continuidade pro-posta por Euler e prova como são inadequadas as definições de funções contínuas e descontí-nuas de Euler a partir de um simples exemplo:

2)( xxf = .Na concepção de Monna (1972), a questão

notável é que Cauchy propôs, em seu Résume des leçons à l’école polytechnique sur le calcul infinitésimal, a definição de continuidade de uma função no sentido atual:

Quando uma função f(x) admite um valor único e finito para todos os valores de x compreendidos entre dois limites dados, a diferença f(x + i) – f(x) sendo sempre uma quantidade infinitamente pequena, diz-se então que f(x) é uma função contínua de variável x entre os limites dados. (CAUCHY, 1823, apud MONNA, 1972, p.61)

Fourier também prestou importante con-tribuição para a evolução do conceito de fun-ção. Em seus estudos da teoria da propagação do calor, considerou a temperatura como uma função de duas variáveis: o tempo e o espaço. Nesses trabalhos, de acordo com Eves (2004), refutou a afirmação de Euler de que não era possível representar por uma série de termos contendo senos e cossenos de arcos múltiplos a figura inicial de uma corda definida por duas equações em dois diferentes intervalos do seu domínio. Ascende, então, a teoria geral das séries trigonométricas.

Dirichlet12 posteriormente formulou as restrições necessárias, conhecidas como con-dições de Dirichlet, para que uma função seja

11 Segundo Boyer (1996), Cauchy foi a “estrela” matemática da década de 1820.12 Dirichlet, que tem seu cérebro preservado atualmente na Universidade de Göttingen, foi, conforme Eves (2004), um eminente matemático alemão e participou da fase inicial de deslocamento do centro das atividades matemáticas da França para a Alemanha.

passível de ser representada por uma série de Fourier, provando, portanto, que nem toda fun-ção, mesmo que contínua em um dado intervalo pode ser determinada por sua série trigonométri-ca, pois essa pode divergir em infinitos pontos. Entretanto, as séries de Fourier envolvem uma relação mais geral entre variáveis do que as es-tudadas até então.

Com a intenção de construir uma defini-ção de função que englobasse essa forma de re-lação, Dirichlet, conforme Eves (2004) apresenta a seguinte formulação:

Uma variável é um símbolo que representa qualquer um dos elementos de um conjunto de números; se duas variáveis x e y estão relacionadas de maneira que, sempre que se atribui um valor a x, corresponde automaticamente, por alguma lei ou regra um valor a y, então se diz que y é uma função (unívoca) de x. A variável x, à qual se atribuem valores à vontade, é chamada de variável independente e a variável y, cujos valores dependem dos valores de x, é chamada de variável dependente. Os valores possíveis que x pode assumir constituem o campo de definição da função e os valores assumidos por y constituem o campo de valores da função. (p.661. Grifos do autor)

Uma função torna-se então uma corres-pondência entre duas variáveis: todo valor da variável independente é associado a um e apenas um valor da variável dependente. De acordo com Boyer (1996), essa definição está próxima, do ponto de vista moderno, de uma correspondência entre dois conjuntos de números. Entretanto, os conceitos de conjunto e de número real ainda não haviam sido estabelecidos. Trata-se de uma definição ampla e que não restringe a relação que há entre x e y a uma forma qualquer de expressão analítica, acentuando a ideia de relação entre dois conjuntos de números.

De acordo com Ponte (1992), com o desen-volvimento da teoria dos conjuntos, iniciada por Georg Cantor (1845–1918), a noção de função continua sua evolução. No século XX, o conceito de função é estendido de maneira a incluir todas as correspondências arbitrárias, satisfazendo a condição da unicidade, entre conjuntos numé-ricos e não-numéricos.

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O século XX

Os anos próximos a 1900, conforme Mon-na (1972), são interessantes no que diz respeito à evolução do conceito de função, principalmente porque, mesmo com a definição geral de função dada por Dirichlet, matemáticos como René Baire (1874–1932), Emile Borel (1871–1956) e Henri Leon Lebesgue (1875–1941) continuam a discussão acerca do tema.

Segundo Monna (1972), nos trabalhos desses matemáticos há discussões e polêmicas sobre o conceito de função e resquícios da an-tiga definição como uma expressão analítica. É importante ressaltar também que a teoria dos conjuntos de Cantor penetrava gradualmente na Matemática.

Dedekind já havia trazido à Matemática uma concepção completamente geral do conceito de função. Fugindo das concepções anteriores que se valiam apenas de funções reais, generalizou, de acordo com Dieudonné (1990), da seguinte forma:

[...] sendo dados dois conjuntos quaisquer E e F, uma aplicação f de E em F é uma lei (“Gesetz”) que faz corresponder a qualquer elemento x de E, um elemento bem determinado de F, o seu valor em x é notado de modo geral f(x). Tomamos agora o hábito de escrever x f xa ( ) para notar uma aplicação

f, o que evita muitas vezes ter de introduzir uma nova letra, quando por exemplo se escreve x xa 2 para x R∈ ; utiliza-se também bastante

na atual escrita das matemáticas as noções f E F: → ou para precisar o conjunto E onde está definida a função f e o conjunto F onde esta toma seus “valores”. (p.149. Grifos do autor)

Posteriormente, conforme Dieudonné (1990), Cantor introduz a noção de produto car-tesiano ExF de dois conjuntos quaisquer. Faz-se, então, a conexão da ideia de aplicação como um subconjunto de ExF.

Na concepção de Eves (2004), a teoria dos conjuntos levou à ampliação do conceito de função, abrangendo, nesse sentido, relações entre dois conjuntos de elementos quaisquer, desmistificando a ideia de que esses elementos devem ser necessariamente números.

Segundo Monna (1972), em 1939, no primeiro livro da série de Nicolas Bourbaki, As estruturas fundamentais da análise, teoria dos conjuntos, todas as questões acerca do que seria uma função são encerradas. Bourbaki dá a seguinte definição:

Sejam E e F dois conjuntos distintos ou não. Uma relação entre uma variável x de E e uma variável y de F é dita uma relação funcional em y, ou uma relação funcional de E em F, se, para qualquer que seja x E, existe um, e somente um, elemento y de F que esteja na relação considerada com x.Denomina-se função a operação que associa a todo elemento de x E um elemento y F que se encontra na relação com x; diz-se que y é o valor da função para o elemento x, e que a função é determinada pela relação funcional considerada. Duas relações funcionais são equivalentes se determinam a mesma função. (BOURBAKI, 1939, apud MONNA, 1972, p.82)

O grupo Bourbaki foi criado em 14 de ja-neiro de 1935, em Paris, França, e a composição inicial incluiu sete jovens matemáticos franceses. O grupo teve grande influência na matemática francesa e mundial, mas a sua contribuição para o ensino da matemática é controversa. Os membros fundadores foram Henri Paul Cartan (1904–2008), Claude Chevalley (1909–1984), Jean Frédéric Auguste Delsarte (1903–1968), Jean Alexandre Eugène Dieudonné (1906–1992), Lucien Alexandre Charles René de Possel (1905–1974), André Weil (1906–1998). A pretensão do grupo era modernizar a matemática da época. Isso originou uma coleção de livros que foi denominada “Elementos de Matemática”, com o último volume da coleção sendo publicado em 1998.

Figura 6 - Cartan

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Finalmente, o conceito de função, funda-mental no estudo da Matemática, conforme Eves (2004), passa a ser defendido por matemáticos como Félix Klein (1849–1925), desde as primei-ras décadas do século XX, como princípio central e unificador dos cursos elementares de matemá-tica. O conceito torna-se um guia natural para a construção de textos de matemática.

Considerações finais

Investigando a evolução histórica do conceito de função, fica evidente a importân-cia das representações e o papel central que desempenharam em cada passo dado rumo ao seu conceito atual. Duval (2003) afirma, inclu-sive, que “é suficiente observar a história do desenvolvimento da matemática para ver que o desenvolvimento das representações semióticas foi uma condição essencial para a evolução do pensamento matemático.” (p.13).

Por meio da recapitulação da construção histórica do conceito de função, fica claro que o surgimento dessa ideia foi alicerçado pela introdução, na civilização babilônica, de repre-sentações tabulares de funções elementares para cálculos envolvendo o movimento dos planetas na esfera celeste. A primeira noção evidenciada de função, mesmo que ainda muito rudimentar e distante de um pensamento formal e abstrato, é relacionada, então, à utilização do registro de representação semiótica tabular.

Novos avanços relativos às representações precisaram ocorrer para elevar a matemática a um posto de destaque entre as ciências e também para que a ideia de relação funcional se desenvolvesse. Foram necessárias, então, contribuições como as de Oresme no estudo da intensidade das formas, desenvolvendo o registro de representação gráfico, abordando ideias sobre quantidades variáveis dependentes, para que o conceito de função se de-senvolvesse na direção de uma ideia mais geral.

A construção desse conceito avançou quando houve o desenvolvimento da álgebra simbólica, fundamentada em contribuições como as de Diofanto e Viète no desenvolvimento do registro de representação algébrico. Com essa evolução em mais um registro de representação, ocorreu a introdução do conceito de função como uma relação entre conjuntos numéricos e como uma expressão analítica através de fórmulas.

Com os registros de representação tabular, gráfico e algébrico bem desenvolvidos, há, então, a partir das ideias de Descartes de aplicação da álgebra à geometria, o componente que levou o conceito de função a se desenvolver mais rapida-mente e a alcançar o cerne de toda a Matemática atual. A partir das ideias e inovações de Descar-tes, foi possível desenvolver-se, então, o estudo do cálculo diferencial e integral, da análise ma-temática e de outros campos fundamentais para o desenvolvimento da ciência moderna.

Analisando, cuidadosamente, a grande contribuição de Descartes, que foi fundamental para os estudos de cientistas como Newton e Lei-bniz, entre outros, percebe-se que nasceu, nessa inovação, a rotina de construir transformações de objetos matemáticos entre diferentes registros de representação semiótica. As transformações propostas por Descartes consistiam em conver-ter a representação de objetos matemáticos do registro de representação gráfico para o registro de representação algébrico, assim como no sen-tido inverso. Com a ideia da geometria analítica, surge, então, a prática da transformação denomi-nada atualmente por Duval de conversão.

Duval (2003) afirma, inclusive, que no estudo da Matemática, diferentemente de outras ciências baseadas na experimentação e observação, é essen-cial que o aluno aprenda a reconhecer um objeto de estudo através de múltiplas representações que, por sua vez, podem ser feitas em diferentes registros de representação. Segundo o autor, a utilização de ao menos dois registros de representação simultanea-mente é a única possibilidade para não se confundir o objeto de estudo com o conteúdo de uma repre-sentação. Ressalta, também, que o desenvolvimento dessa habilidade é fundamental para que o aluno possa, de forma independente, transferir ou modi-ficar formulações e representações de informações durante a resolução de um problema.

Nesse sentido, evidenciando-se o papel das representações na construção do conceito de função e a sua importância no processo de construção do conhecimento matemático esco-lar, destaca-se a necessidade de se explorar cada uma dessas representações para se alcançar uma aprendizagem efetiva e para que a construção do conceito de função seja sólida e que, como conse-quência, o pensamento funcional, caracterizado como a capacidade de pensar por intermédio de relações, seja desenvolvido.

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Assim, nessa reconstrução do caminho percorrido para se chegar à ideia atual do con-ceito de função, enfatizando o desenvolvimento dos registros de representação semiótica, fica evi-dente que a história pode ser um auxiliar efetivo para se entender a construção de um conceito e também as dificuldades que devem ser superadas no seu processo de ensino-aprendizagem.

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YOUSCHKEVITCH, A. P. The concept of function up to the middle of the 19th Century. Archive for History of Exact Sciences, v.16, n.1, p.37-85, 1976.

Rafael Winicius da Silva Bueno – Mestre, chefe do departamento de ensino de Matemática e diretor do Instituto Padre Reus. E-mail: [email protected]. – Endereço para correspondência: Rua Ernesto Alves, 1087, 96810-912 – Santa Cruz do Sul/RS. Fone: (51) 3711.4000.

Lori Viali – Doutor, professor titular da Faculdade de Matemática da PUCRS. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. Professor Adjunto do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681, 90619-900, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 3353.7708. E-mail: [email protected]

RECEBIDO em: 25/08/2009CONCLUÍDO em: 31/10/2009

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O QUE PESQUISAS TÊM EVIDENCIADO SOBRE O USO DA CALCULADORA NA SALA DE AULA DOS ANOS INICIAIS DE ESCOLARIZAÇÃO?

What Has Research Shown about the Use of the Calculator in Primary School Classrooms?

Rute Elizabete de Souza Rosa Borba

Ana Coelho Vieira Selva

Resumo

Neste artigo, discutem-se resultados de uma sondagem realizada com professores de anos iniciais de escolarização e, a partir da necessidade evidenciada nesse levantamento, apresentamos sugestões de atividades com a calculadora que podem ser realizadas junto a estudantes nos anos iniciais de escolarização básica. Vinte professores de escolas públicas e vinte da rede particular de ensino do Recife – atuantes no 4º e 5º anos do ensino fundamental – foram sondados quanto às suas concepções e suas propostas de uso da calculadora na escola. De modo geral, os professores das duas redes de ensino reconhecem a importância do trabalho com a calculadora, mas afirmam fazer pouco uso desse recurso por desconhecerem formas adequadas para sua utilização nas aulas de Matemática dos anos inicias do ensino fundamental. São apresentados, então, possíveis usos da calculadora em sala de aula, tais como exploração/manuseio dos teclados e das funções da calculadora, alívio da carga de operacionalização, conferência/comparação/confronto de resultados obtidos por outros procedimentos de cálculo, exploração conceitual e diversão. Dessa forma, por meio das diversas atividades discutidas, espera-se, com este trabalho, contribuir para o uso da calculadora em sala de aula de anos iniciais de escolarização como um meio de promover e ampliar o desenvolvimento conceitual matemático dos estudantes.

Palavras-chave: Calculadora. Formação de professores. Desenvolvimento matemático. Anos iniciais. Ensino fundamental.

Abstract

This paper discusses findings of a survey that involved teachers of initial years of schooling and, based on the results obtained, suggestions of activities in early schooling are presented with the use of the calculator. Twenty teachers of state supported schools and twenty of private schools – of 9 and 10 year-old Primary School students – were surveyed concerning their conceptions and their proposals of usage of the calculator at school. In general, the teachers recognised the importance of the calculator as a teaching device but admitted that rarely they used this resource because they did not know how to do so in Primary School classrooms. Based on these findings, in the paper we discuss possible usages of the calculator, such as exploration/ usage of the calculator’s keyboard and functions, diminishment of operation load, conferring/ comparing/ confronting results obtained by means of other forms of calculation, conceptual exploration and for fun purposes. In this sense, by the presentation and the analysis of the activities proposed, this paper aims to contribute in the possibilities of classroom usage of the calculator in Primary School as a means to promote and widen mathematical conceptual development of the students.

Keywords: Calculator. Classroom usage. Teacher formation. Mathematical development. Early grades. Primary School.

- pp. 49 a 63

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Introdução

Entre os educadores matemáticos – os pesquisadores de processos de ensino e de aprendizagem da Matemática, os propositores de políticas curriculares, os responsáveis pela produção de materiais didáticos e os professo-res que atuam nos diversos níveis de ensino –, tem-se debatido o quanto recursos tecnológicos contemporâneos, tais como computadores e calculadoras, podem ser meios de promoção do desenvolvimento matemático de estudantes. Es-ses recursos se fazem presentes no cotidiano de grande parte da população, são alvo de políticas governamentais para aquisição e distribuição nas redes públicas de ensino. Entretanto, cabe aos educadores analisarem a possibilidade de uso desses recursos em sala de aula.

Documentos públicos (tais como os Pa-râmetros Curriculares Nacionais e propostas curriculares estaduais e municipais) e estudos diversos (RUTHVEN, 1999; BIGODE, 1997; BOR-BA; PENTEADO, 2005; SELVA; BORBA, 2005; entre outros) defendem o uso de computadores e calculadoras como ferramentas auxiliares aos processos de ensino e de aprendizagem ocorridos nas salas de aula de Matemática. Esses documen-tos e estudos têm apontado que a calculadora, em particular, possui potencialidade para contribuir no desenvolvimento conceitual dos estudantes, desde que sejam desenvolvidas atividades apro-priadas em sala de aula com esse recurso.

Discussões amplas da necessidade de uso didático de novos recursos tecnológicos precisam ser acompanhadas de reflexões sobre como se efetivará esse uso em sala de aula. De-fesas do uso de computadores e calculadoras só se materializarão em ações práticas se houver apropriação por parte de professores quanto à importância e viabilidade do uso desses recursos como ferramentas propulsoras de aprendizado, bem como se tiverem conhecimento de possíveis usos didáticos desses meios tecnológicos.

Segundo Borba (1999), a introdução de novas tecnologias na escola deve levar a reflexões sobre mudanças curriculares, novas dinâmicas e novos papéis – de professores e de estudan-tes – dentro da sala de aula. Para esse autor, a inserção de novas tecnologias na escola não deve meramente substituir ou complementar as atividades já desenvolvidas em sala de aula. Com

simples substituições ou complementações de atividades, perde-se o rico potencial que novas tecnologias têm a oferecer. Esas podem promover uma reorganização da atividade em sala de aula, atribuindo novos papéis a professores e estudan-tes, por possibilitarem aos discentes uma maior autonomia sobre o seu próprio aprendizado e novas organizações por parte dos docentes de atividades que estimulem o desenvolvimento conceitual e não meros exercícios de fixação.

Nessa discussão do uso de ferramentas tecnológicas na educação, tem sido mais enfa-tizado o acesso dos estudantes a computadores, Internet, chats, etc. Entretanto, queremos, neste artigo, chamar a atenção para a contribuição que um recurso simples, e até certo ponto já co-nhecido e popularizado – como é a calculadora –, pode trazer para o processo de aprendizagem dos estudantes.

Apesar do estímulo ao uso da calculadora – tanto a partir de discussões teóricas quanto por meio de observações empíricas – parece, ainda, haver resistências ao uso desse recurso em sala de aula, o que pode, em parte, ser justificado devido à escassez de propostas de atividades a serem desenvolvidas junto aos estudantes. O desconhecimento de possibilidades de uso didático da calculadora inibe que esse recurso seja amplamente utilizado para fins de apren-dizado dos estudantes. Além disso, concepções negativas a respeito do uso da calculadora, que preconizavam que o uso desse recurso iria subs-tituir o ensino das operações, ainda não foram completamente superadas.

A pouca vivência de atividades com a calculadora em sala de aula, bem como os tipos de propostas ao seu uso, também pode estar atrelada às proposições efetuadas nos livros didáticos. De forma indireta, os livros didáticos determinam os conteúdos e os recursos que serão utilizados na escola, pois, apesar de ser possível a complementação do que é proposto no livro, em geral, muitos professores vivenciam as atividades apontadas na ordem e forma propostas.

O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma política pública que tem contribuído rica-mente para a melhoria da qualidade do material a ser trabalhado nas salas de aula do ensino básico. Um dos itens avaliados no PNLD é o do uso de ferramentas tecnológicas – incluindo-se a calcu-ladora – como recurso didático para a formação

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de conceitos, habilidades e atitudes. Esperava-se que a melhoria da qualidade das coleções produ-zidas tivesse uma forte influência nas propostas dos livros didáticos quanto ao uso amplo da cal-culadora – nas diversas séries e relacionado aos diferentes conceitos matemáticos. Atualmente, percebe-se um avanço no número de propostas de uso de recursos tecnológicos presentes nos livros didáticos, mas, infelizmente, tem-se, ainda, uma presença muito tímida de proposições de uso da calculadora nas coleções recomendadas, bem como de orientações ao professor sobre as possibilidades de uso desse recurso.

Possivelmente, o principal responsá-vel pelo uso da calculadora em sala de aula é o(a) professor(a), pois mesmo que propostas curriculares, amparadas em pesquisas dentro da Educação Matemática, recomendem o seu uso, cabe ao(à) professor(a) a decisão final de elaborar, selecionar, organizar e propor aos seus estudantes atividades com recursos variados, em particular com a calculadora.

Essa questão de uso, ou não, em sala de aula de recursos tecnológicos da atualidade, pode ser, em parte, consequência da formação que o(a) professor(a) vivenciou em sua graduação ou da qual participa continuadamente. Mesmo que não tenha sido tópico de discussão em cursos de formação inicial, o uso de recursos contemporâ-neos pode ser ponto de reflexão em programas de formação continuada. Além disso, o fato de a tecnologia estar tão presente hoje nos mais diver-sos espaços, torna urgente que a escola discuta o seu uso e se aproprie de suas possibilidades para a aprendizagem dos estudantes.

Este artigo objetiva, dessa forma, subsidiar a discussão sobre o uso de novas tecnologias, em particular a calculadora, a partir da análise de atividades propostas para o ensino de Matemáti-ca nos anos iniciais de escolarização. Espera-se, assim, auxiliar professores e seus formadores no entendimento do valor da utilização da calcula-dora como recurso didático e no conhecimento de possíveis atividades a serem desenvolvidas junto a estudantes do ensino fundamental.

O uso da calculadora no ensino e na aprendizagem de Matemática

Por um lado, a importância da calculadora como ferramenta de cálculo é bastante reconheci-

da, mas, por outro lado, muitos consideram que sua utilização pode inibir o raciocínio dos estu-dantes e gerar “preguiça mental” (MEDEIROS, 2000). Esse preconceito pode ser associado ao desconhecimento de usos da calculadora em sala de aula como representação simbólica alternati-va, como instrumento de exploração conceitual e de resolução de problemas, e não apenas como mera executora de cálculos.

O uso em sala de aula de diferentes formas de representação simbólica tem sido amplamente defendido na Educação Matemática. Vergnaud (1987) aponta que representações distintas podem ser salientes ou opacas para diferentes aspectos de um mesmo conceito, ou seja, uma forma de representação pode evidenciar certas propriedades de um conceito, enquanto outra forma pode salientar outras relações associadas àquele conceito. O uso de formas variadas de representação simbólica, portanto, é recomen-dado para possibilitar que os estudantes entrem em contato e reflitam sobre aspectos variados de um mesmo conceito. Entretanto, em geral, nas escolas algumas formas de representação têm sido enfatizadas, tais como a representação escrita formal ou o uso de material manipulativo, em detrimento de outras, como as representações simbólicas espontâneas das crianças (desenhos e rabiscos) e o uso de representações por meio de recursos tecnológicos, tais como o computa-dor e a calculadora. Dessa forma, um trabalho com múltiplas representações de um mesmo conceito tem sido, ainda, menos enfatizado em sala de aula.

Educadores matemáticos (RUTHVEN, 1999; BIGODE, 1997; BORBA; PENTEADO, 2005; SELVA; BORBA, 2005, entre outros) têm defendido que o uso da calculadora possibilita que os estudantes – libertos da parte enfadonha, repetitiva e pouco criativa dos algoritmos de cál-culos – centrem sua atenção nas relações entre as variáveis dos problemas que têm pela frente. A calculadora possibilita, ainda, que estudantes realizem verificações, levantem e confirmem, ou não, hipóteses, familiarizem-se com certos padrões e fatos, e utilizem generalizações como ponto de referência para o enfrentamento de novas situações (BIGODE, 1997).

Defesas para o uso da calculadora em sala de aula são amparadas por experiências empíricas bem-sucedidas. Groves (1994) relata uma inves-

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tigação na qual comparou um grupo de crianças de 3ª e 4ª séries que tiveram oportunidade de usar a calculadora na resolução de problemas em sala de aula (grupo experimental) com um grupo que não teve essa mesma oportunidade (grupo controle). Os resultados obtidos indicam que o uso da calculadora, a longo prazo, favoreceu sig-nificativamente o desempenho global das crianças no que se refere à escolha de artifícios de cálculo para resolução de problemas e na computação de questões que envolviam o conhecimento de valor de lugar dos números, subtração com respostas negativas, divisão com resto, multiplicação e divisão de dinheiro. Em relação à resolução de operações de divisão, observaram-se resultados significativamente melhores do grupo que usou a calculadora em divisões que resultavam em uma resposta decimal e em outros itens que requeriam a leitura e interpretação de decimais. Na conclu-são desse estudo, ficou evidente que, por meio do uso da calculadora, é possível promoverem-se ge-nuínas discussões matemáticas em sala de aula.

Outro estudo que apresenta resultados que demonstram que a calculadora pode exercer um importante papel na compreensão de conceitos matemáticos foi realizado por Selva e Borba (2005). Esse estudo analisou como crianças comparavam os resultados de um mesmo problema de divisão com resto resolvido por meio de diferentes repre-sentações. Participaram 48 crianças do 4º e 6° anos de uma escola pública que realizaram pré-teste, intervenção e pós-teste. As crianças foram dis-tribuídas em grupos que resolviam os problemas usando dois tipos de representação: G1 – papel e lápis/calculadora; G2 – calculadora/papel e lápis; G3 – manipulativo/papel e lápis. Os grupos G1 e G2 têm em comum o fato de usarem a calculadora para resolver os problemas e discutirem o significado do resto obtido, o que não ocorre com o grupo G3. A diferença entre os grupos G1 e G2, usar a calcula-dora antes ou depois do registro escrito, possibilita um olhar mais didático sobre como trabalhar com a calculadora em sala de aula.

Será que há diferença para a aprendiza-gem dos estudantes se a calculadora, ou seja, a representação decimal do resto, é utilizada antes ou depois da reflexão sobre o registro do resto enquanto inteiro? Desdobrando essa questão: resolver o problema primeiro com o papel e o lápis e discutir o significado do resto poderia contribuir para a reflexão das crianças ao usarem

a calculadora e encontrarem o resultado com decimal? Ou será que o grupo que usasse pri-meiro a calculadora seria menos beneficiado da comparação com o registro do resto em inteiro, pois, ao encontrar o resto em decimal, as crian-ças, por não conhecerem o significado daquele valor, poderiam desprezá-lo? Ou, ainda: será que o fato de ter a possibilidade de comparação do resto como inteiro e como decimal auxiliaria as crianças a compreenderem o significado do resto independente da ordem de resolução dos problemas por parte das crianças?

Essas eram questões que permeavam o es-tudo. Os resultados indicaram que o desempenho no pós-teste foi superior ao pré-teste em todos os grupos, evidenciando avanços na compreensão das crianças quanto à divisão com resto. No 4º ano, o uso da calculadora foi mais efetivo após a resolução no papel, observando-se maior refle-xão das crianças sobre o significado do decimal quando elas já tinham discutido o resto obtido na representação escrita. Parece que, como tinham segurança no resultado encontrado, sabiam que o valor obtido na calculadora deveria ser equivalen-te ao obtido no registro escrito. Assim, buscavam entender as relações entre ambas representações. O grupo que usava a calculadora antes do registro escrito tendeu a confiar no resultado obtido na cal-culadora, desprezando o resultado obtido através do registro escrito. No 6º ano, não se observou di-ferença no pós-teste entre G1 e G2, constatando-se desempenhos mais baixos no grupo G3, que não usou a calculadora. Esses resultados evidenciam a importância do uso de diferentes representações na resolução de problemas e que o uso da calcu-ladora pode auxiliar o professor no processo de gerar maior reflexão por parte das crianças sobre números, em particular decimais resultantes de divisões com resto.

Apesar da defesa ampla de educadores matemáticos quanto ao uso da calculadora como recurso que possibilita o desenvolvimen-to conceitual e de evidências empíricas a esse respeito, muitos professores, pais e estudantes posicionam-se diferentemente quanto à validade do uso da calculadora nas aulas de Matemática, conforme apresentado no estudo de Noronha e Sá (2002), apresentado a seguir. Por desco-nhecimento de possíveis usos desse recurso, muitos resistem à sua introdução em sala de aula, pois julgam que a calculadora fará todo

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o trabalho no lugar do estudante, e este, assim, não desenvolverá sua compreensão de conceitos matemáticos. Parece haver um esquecimento de que a calculadora não funciona por si mesma, mas que é preciso que alguém dê os comandos do que ela efetuará, ou seja, ao resolver uma si-tuação por meio da calculadora, é preciso que o usuário escolha as operações a serem efetuadas, que as execute apropriadamente e que, depois, reflita sobre a validade do valor obtido, pois pode haver erros na escolha dos procedimentos ou no manuseio na hora de efetuar os cálculos.

Num estudo realizado por Noronha e Sá (2002) com professores brasileiros, observou-se que a justificativa mais frequente para a não-recomendação do uso da calculadora em sala de aula foi a de que “o estudante ficará dependente da máquina” (justificativa apresentada por 89% dos docentes desfavoráveis ao uso da calculadora). Outras justificativas frequentes foram: “a máquina de calcular tira o raciocínio do estudante” (dada por 84% dos docentes) e “o estudante não aprenderá as quatro operações fundamentais” (apresentada por 55% dos professores). Os professores que se posicionaram favoravelmente ao uso da calcula-dora em sala de aula, apenas 0,23% a mais que os que afirmaram serem desfavoráveis, apresentaram como justificativa mais frequente (citada por 76% dos professores favoráveis): “a calculadora ajuda a resolver com maior rapidez as operações mais com-plicadas deixando mais tempo para o raciocínio na resolução de problemas matemáticos”. Outras justificativas favoráveis foram que “a calculadora está presente no dia a dia, portanto seria importante aprender a manuseá-la” (68%) e que “as calculado-ras são boas para fazer contas, principalmente as mais longas” (58%). Deve-se, no entanto, ressaltar que esse equilíbrio entre o percentual de professo-res que foram favoráveis ao uso da calculadora e os que não foram demonstra um avanço no sentido de incluir a calculadora na escola. Entretanto, é surpreendente e até certo ponto contraditório que um recurso tão amplamente utilizado na sociedade seja ainda pouco explorado na escola.

A seguir, discutiremos um estudo por nós realizado no qual obtivemos resultados seme-lhantes aos obtidos por Noronha e Sá (2002). Esse estudo buscou observar, além das concep-ções dos professores quanto ao uso didático da calculadora, qual a importância que eles dão a ela e as vantagens percebidas em sua utilização,

as dificuldades e desvantagens de uso, os con-teúdos que julgam mais apropriados para serem desenvolvidos com esse recurso didático, como lidam com as propostas apresentadas nos livros didáticos, as experiências dos docentes utilizan-do a calculadora em sala de aula e o quanto suas formações os haviam preparado para esse uso.

O perfil dos professores entrevistados

Foram efetuadas entrevistas com 40 profes-sores de 4o e 5o anos de escolarização básica de dez escolas públicas e dez particulares. O objetivo foi fazer um levantamento de como se sentem os professores em relação ao uso da calculadora nos anos iniciais do ensino fundamental, se efetiva-mente propõem atividades com esse recurso e como são as propostas por eles elaboradas.

Inicialmente, foram levantados dados sobre professores tanto das escolas públicas quanto das particulares. Observou-se que a experiência de ensino deles era basicamente a mesma, pois o tempo de ensino variou de três a 28 anos nas escolas particulares e de cinco a 26 anos nas escolas públicas, e o tempo médio de ensino dos professores da rede particular era de 17 anos de magistério e de 14 anos na rede públi-ca. Em relação à formação inicial e continuada, observou-se que os professores das duas redes de ensino possuíam, em sua maioria, formação superior, sendo que 20% da rede particular e 30% da rede pública tinham continuado seus estudos cursando pós-graduação e todos haviam, de alguma forma, se envolvido em atividades de formação continuada.

Em seguida, foram realizadas entrevistas individuais com os professores. Algumas das questões colocadas foram:

Que recursos você costuma utilizar nas suas aulas de Matemática?

Você acredita ser importante usar a calculadora em sala de aula? Por quê?

Tem algum(ns) conteúdo(s ) da Matemática no(s) qual( is) você acredita que pode ser indicado o uso da calculadora?

Você realiza as atividades propostas no livro didático com seus estudantes? Você propõe outras atividades? Se sim, quais?

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Você vê alguma vantagem em usar a calculadora em sala de aula? E quais seriam as desvantagens?

Para você, que dificuldade(s) pode encontrar ao usar a calculadora em sala? E o que pode ser feito para superar tal(is) dificuldade(s)?

Você acredita que os professores estão preparados para usar a calculadora em sala de aula?

A sistematização das respostas obtidas será apresentada a seguir.

Os professores não indicam a calculadora como um recurso usual em suas práticas

Ao citarem os recursos utilizados em suas práticas de sala de aula, vários materiais foram elencados, como se pode observar na Tabela 1.

Tabela 1: recursos utilizados por rede de ensino.Recursos citados pelos professores Rede particular Rede pública

Material dourado 11 14

Jogos 10 04

Sucata 04 09

Livro didático 04 07

Ábaco 05 06

Figuras geométricas/tangrama 08 -

Recortes de jornais/revistas 04 03

Régua/fita métrica 02 03

Calculadora 03 -

Quadro valor de lugar - 03

Filmes - 02

Balança 01 01

Tabuada - 01

O recurso mais citado pelos professores das duas redes de ensino foi o material dourado. Essa indicação sugere a ênfase que é dada ao eixo números e operações, uma vez que o Material Dourado é um recurso que possibilita discutir o registro numérico no sistema de numeração decimal (SND), bem como trabalhar as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão – tanto com números naturais quanto com números racionais. O ábaco também foi citado com certa frequência, o que reforça a hipótese da importân-cia que se dá ao ensino de números e operações na sala de aula dos anos iniciais de escolarização básica. Essa grande incidência de citações ao ma-terial dourado também reforça a priorização dada

pelos livros didáticos a esse recurso no tratamento do eixo números e operações. Algumas coleções, inclusive, trazem como recurso auxiliar apenas o material dourado, não se preocupando em apre-sentar outros recursos aos estudantes.

A calculadora foi citada espontaneamente por apenas três professores da rede particular, o que possibilita pensar-se que a maioria dos professores não percebeu que ela também pode ser um recurso de ensino para o aprendizado dos significados e representações do número natural e racional, bem como da operacionalização den-tro desses campos numéricos.

Recursos variados foram citados – tais como jogos, sucata e livro didático –, o que denota um achado positivo, que é o reconheci-mento dos professores quanto à necessidade de utilização de recursos variados em sala de aula, tanto para o ensino de números e operações quanto para o estudo da geometria (quando do uso de figuras geométricas e do tangrama) e das grandezas e medidas (como na indicação de réguas, fitas métricas e balanças).

Apenas três professores da rede particular dos anos iniciais, entretanto, espontaneamente re-conheceram a calculadora como uma ferramenta de exploração dos diferentes eixos matemáticos: números e operações, grandezas e medidas, ge-ometria e tratamento da informação. Esse dado indica que espontaneamente a calculadora ainda não é percebida por grande parte de professores como um recurso a ser utilizado nas aulas de Matemática, principalmente na rede pública.

Quando diretamente questionados sobre a utilização da calculadora em suas salas de aula, to-dos os professores da rede particular, com exceção de um, indicou que faz uso desse recurso em suas práticas. Quanto aos da rede pública, entretanto, apenas cinco professores entrevistados afirmaram terem utilizado a calculadora com os estudantes. Esses professores relataram que utilizam tal re-curso na sala de aula apenas quando é solicitado em atividades do livro didático.

Os professores reconhecem a importância do uso da calculadora em sala de aula

Apesar de não utilizarem frequentemente a calculadora em suas salas de aula, os pro-fessores reconheceram-na como importante e

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apresentaram, como pode ser visto na Tabela 2, aspectos diferentes de sua importância. Eles re-conheceram a calculadora como um recurso que faz parte do cotidiano das pessoas e, portanto, deveria ser discutido o seu uso em sala de aula, pois os estudantes não podem deixar de aprender a manusear um instrumento presente no dia a dia da maioria das pessoas.

Tabela 2: importância do uso da calculadora para o trabalho em Matemática por rede de ensino.

Aspectos considerados pelos professores Rede particular Rede pública

Domínio de um recurso tecnológico pre-sente no dia a dia

15 10

Rapidez na realização de cálculos 09 10

Verificação de resultados 06 08

Desenvolvimento de raciocínio lógico/auxílio no cálculo mental

07 05

Uso após apropriação das estruturas matemáticas

03 09

Utilização como uma estratégia na resolução de problemas

04 04

Exploração de conceitos matemáticos 04 01

Os professores apresentaram vantagens diferenciadas do uso da calculadora no ensino: enquanto possibilidade de realização rápida de cálculos (19 professores), de verificação de resul-tados obtidos por outros meios, como cálculos escritos ou mentais (14 professores), uma forma viável de se resolver problemas (oito professo-res), o desenvolvimento do raciocínio lógico e de conhecimentos matemáticos (12 professores), exploração de conceitos matemáticos (cinco professores).

Os resultados até aqui apresentados in-dicam, portanto, que os professores não citam espontaneamente o uso da calculadora em suas salas de aula, mas reconhecem a importância do uso desse instrumento na escola por ser um recurso tecnológico já usado no cotidiano e conhecem, de alguma forma, a possibilidade de usos desse recurso nas aulas de Matemática, principalmente relacionando a calculadora à rapidez de cálculo e à verificação de resultados. Apenas cinco professores consideram que a cal-culadora pode auxiliar a exploração de conceitos matemáticos. Questionamos, então, em quais áreas os professores consideram ser possível trabalhar com a calculadora.

Os professores consideram adequado trabalhar com a calculadora em conteúdos referentes a números e operações

Como pode ser observado na Tabela 3, o conteúdo mais frequentemente apontado pelos professores no qual é possível trabalhar com a calculadora foi a resolução de problemas aditivos e multiplicativos. Apenas um professor indicou ser possível trabalhar com a calculadora no en-sino da geometria.

Tabela 3: conteúdos que podem ser trabalhados com calculadora por rede de ensino.

Conteúdos mencionados pelos professores

Rede particular Rede pública

Situações-problemas envolvendo estruturas aditivas e multiplicativas

04 11

Números decimais 04 08

Cálculos com números altos 07 02

Expressões numéricas 07 -

Porcentagem 02 01

Números fracionários - 02

Noções básicas do instrumento 02 -

Cálculo de áreas de figuras geométricas 01 -

Considerando as duas redes de ensino, os professores julgam que as situações aditivas e multiplicativas são adequadas para trabalhar com a calculadora. Observando-se os professores de escolas da rede particular, há uma ênfase na utilidade da calculadora para tratar números altos e expressões numéricas, ou seja, situações que exijam vários cálculos ou que tragam ope-rações entre números que envolvam maiores dificuldades em seus procedimentos ou na carga da memória. Na rede pública, além das situações-problemas, os números decimais foram citados por oito professores como sendo adequados ao trabalho com a calculadora. De fato, esse recurso pode ser um importante instrumento para que os estudantes compreendam em quais situações números decimais se fazem presentes, de como estes surgem por meio da subdivisão de números inteiros e como há regularidade no sistema de numeração decimal, de tal modo que as regras e os princípios aplicados a números naturais estendem-se aos números racionais.

Evidencia-se, assim, que os professores possuem conhecimento sobre conteúdos viá-veis de se trabalhar com a calculadora em sala de aula, mas restringem, em geral, esse uso ao

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trabalho com números e operações e não eviden-ciam reconhecer que conteúdos de outros eixos matemáticos também possam ser trabalhados com esse recurso.

Os professores usam a calculadora quando recomendado pelo livro didático, mas não planejam outras atividades além das recomendadas

Constatou-se, conforme pode ser observado na Tabela 4, que quase todos os professores da rede particular afirmaram usar a calculadora em suas salas de aula quando a atividade proposta pelo livro didático adotado envolvia esse recurso. Cinco dos 20 professores da escola pública afirma-ram realizar as atividades propostas pelos livros didáticos com a calculadora. Essas atividades, além de provavelmente serem em pequena quan-tidade, aliam-se a outras dificuldades específicas dessa rede de ensino para justificar o muito baixo uso desse recurso nas salas de aula públicas.

Tabela 4: uso da calculadora quando solicitado no livro didático ou em atividades extras por rede de ensino.

Questões colocadas aos professores Rede particular Rede pública

Quantos real izam as at ividades propostas no livro?

19 05

Quantos promovem novas atividades? 09 03

Nove professores da rede particular e três da pública afirmaram promover outras atividades com a calculadora, além das propostas pelo livro didático. As atividades extras mais frequente-mente listadas eram de compra e venda, em que se exploravam situações aditivas e multiplicati-vas. Pouca evidência há de que os professores conhecem atividades específicas de uso da cal-culadora para o aprendizado matemático.

Acredita-se que o uso da calculadora em sala de aula será incrementado se os livros didáticos propuserem atividades diversificadas com esse re-curso e orientarem os professores sobre o propósito do uso da calculadora nessas atividades. Assim, os manuais de professores que acompanham livros didáticos poderiam trazer uma discussão maior sobre como a calculadora pode ser utilizada em sala de aula, apresentando sugestões de atividades a serem desenvolvidas de forma complementar às atividades propostas no livro didático.

As dificuldades apontadas pelos professores no uso da calculadora

Pode-se observar, na Tabela 5, que as dificul-dades apontadas pelos professores da rede particu-lar eram de natureza diferente das apontadas pelos professores da rede pública. Apesar de calculadoras simples serem oferecidas no mercado a preços bem reduzidos, os professores da rede pública aponta-ram como maior dificuldade o acesso ao recurso, ou seja, consideraram que os estudantes não têm condição de adquirir esse instrumento. Mesmo que seja verdadeira essa pressuposição, pode-se ques-tionar se não é possível as redes públicas de ensino equiparem as escolas públicas com calculadoras em quantidades suficientes para um trabalho em suas salas de aula. Nesse caso, não há necessidade de se considerar o número total de estudantes da escola, mas sim a quantidade de turmas e a distri-buição do horário de uso das calculadoras pelas diferentes turmas.

Tabela 5: dificuldades encontradas com o uso de calculadoras em sala de aula por rede de ensino.Dificuldades apontadas pelos professores Rede particular Rede pública

Os estudantes não têm acesso ao recurso 01 18

Os pais resistem ao uso da calculadora 07 01

Há uma diversidade de máquinas possuídas pelos estudantes e diferentes manuseios destas

05 -

Nem todos os estudantes trazem a calculadora quando esta é solicitada

03 01

Os estudantes querem utilizar sempre a calculadora na realização de operações

02 -

Os estudantes querem brincar com a calculadora

02 -

O(a) professor(a) não tem orientação pedagógica para o uso da calculadora em sala de aula

- 01

Nenhuma dificuldade encontrada 02 -

De modo diferente, os professores da rede particular apontaram a resistência dos pais e a diversidade de máquinas de calcular, seus manu-seios diversificados e o não trazer o instrumento quando solicitado, como os fatores que mais dificultam o uso da calculadora em sala de aula. Nesse sentido, ações tornam-se necessárias para superar essas dificuldades, tais como reuniões com pais para discutir usos pedagógicos das máquinas de calcular, a solicitação de aquisição – pelos pais ou pela escola – de modelos simila-res de calculadoras para facilitar a realização de trabalhos em sala de aula e viabilizar a presença

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do recurso (seja informando aos pais os dias de uso da calculadora, seja providenciando-se um espaço de armazenamento das máquinas).

Os professores acreditam que o uso da calculadora em sala de aula pode levar à preguiça mental, à dependência e à acomodação dos estudantes

Os professores das redes particular e pública de ensino concordam no que diz respeito à princi-pal desvantagem do uso da calculadora em sala de aula, como se pode observar na Tabela 6. Os docen-tes apontam que esse uso pode levar o estudante a depender da máquina e não se esforçar em realizar corretamente cálculos necessários à resolução de problemas. Os professores também apontaram como desvantagem que o uso da calculadora pode enfatizar apenas a resposta de problemas (três pro-fessores da rede particular e quatro da pública) e não seu processo de resolução (apontado por mais um professor da rede particular).

Tabela 6: desvantagens de usar a calculadora em sala de aula por rede de ensino.

Desvantagens apontadas pelos professores

Rede particular Rede pública

Leva o estudante à preguiça mental, dependência e acomodação

13 15

Há ênfase nos resultados obtidos 03 04

O estudante não aprende outros processos de resolução

01 06

Não são definidos critérios de uso 02 01

Não dá para analisar o processo de raciocínio utilizado pelo estudante

01 -

Não há desvantagens 01 -

Evidencia-se, assim, que os professores não se sentem, ainda, seguros sobre formas de trabalhar com a calculadora, pois se revelam receosos de que se inviabilize a aprendizagem de procedimentos de cálculo por parte dos estu-dantes. Também não se sentem seguros quanto a formas de acompanhar os procedimentos dos es-tudantes no uso da calculadora. Essas inseguran-ças são confirmadas através de depoimentos de professores quando mencionam suas formações – sejam iniciais, sejam continuadas – nas quais o uso da calculadora não foi suficientemente abordado (por exemplo: “...não trabalho com a calculadora porque nunca tive orientação sobre como fazer”; “...os livros trazem a calculadora, mas nunca foi abordado em formação”).

Os professores não se consideram preparados para o uso da calculadora em sala de aula

As respostas dadas pelos professores quanto a seu preparo para o uso da calculadora podem ser observadas na Tabela 7, a seguir.

A maioria dos professores das duas redes de ensino afirmou que não se sente segura em utilizar a calculadora em sala de aula, e apenas dois professores se posicionaram afirmando que sua formação os havia preparado suficientemente bem para esse trabalho. Alguns poucos afirmaram que o preparo havia sido mínimo ou que a escola na qual atuavam os havia preparado para essa prá-tica. Dois professores julgaram que o livro didático adotado estava preparando-os para esse uso.

Tabela 7: preparação para o uso de calculadoras em sala de aula por rede de ensino.

Como os professores se sentem Rede particular Rede pública

Não se sentem seguros para usar a calculadora

15 18

Sentem-se seguros - 02

Em sua formação, foram um pouco preparados

02 -

Sentem-se preparados pela escola onde atuam

01 -

Orientam-se pelo livro didático 02 -

Pode-se inferir, dessa forma, que o pou-co uso da calculadora em sala de aula deve-se primordialmente à falta de segurança do(a) professor(a) sobre essa utilização, uma vez que, em seus processos de formação, a calculadora tem sido uma questão pouco abordada ou ausente.

Com o objetivo de contribuir para a for-mação de professores, apresentaremos, a seguir, propostas de atividades com a calculadora que podem ser vivenciadas junto a estudantes nos anos iniciais de escolarização básica.

Atividades que podem ser desenvolvidas com a calculadora em sala de aula dos anos iniciais de escolarização

As atividades com o uso da calculadora que serão apresentadas a seguir visam:• àexploração/manuseiodo tecladoedas

funções da calculadora;• aoalíviodecargaoperacionalpormeiodo

uso da calculadora;

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• à conferência/comparação/confrontode resultados obtidos por outros procedimentos de cálculo;

• àexploraçãodeconceitos;• àdiversão.

Exploração/ manuseio do teclado e das funções da calculadora

Sugere-se que, inicialmente, os estudantes manuseiem a calculadora livremente e discutam, em pares ou pequenos grupos, quais as funções presentes no teclado. Pode-se, a seguir, explorar essas funções por meio de questionamentos, tais como:

você sabe para que servem todos os teclados de sua calculadora?

como se liga e se desliga a calculadora?

para que serve a tecla CE? como podemos checar se a calculadora

está funcionando corretamente? como se realizam as quatro operações

usando a calculadora? se desejar-se repetir uma mesma operação

por diversas vezes, como se pode fazer isso com o mínimo uso do teclado?

como se usam as teclas de memória? você fez alguma outra descoberta ao

explorar o teclado de sua calculadora?

Alguns livros didáticos – em seus ma-nuais do professor – sugerem qual deve ser a primeira atividade com a calculadora a ser desenvolvida com os estudantes. A figura que segue é um exemplo dessa possibilidade de exploração inicial do teclado e das funções da calculadora.

Figura 1: exemplo de sugestão de atividade introdutória, extraído do Manual do Professor da Coleção Colibri, de autoria de Áurea Darin. Editora IBEP, 2001, v.1, p.71.

A partir dessa atividade, os estudantes descobrirão, ou relembrarão, que a tecla ON liga a calculadora e a tecla OFF – quando ela houver – desliga. Os estudantes também poderão perceber a diferenciação do uso das teclas C e CE, sendo que a primeira limpa o visor quando a calculadora está em uso e a última apaga apenas a última entrada. Dessa forma, poderá ser discutida a utilidade da tecla CE, que possibilita que, na

operacionalização, não seja necessário iniciar-se novamente um cálculo se houve erro na digitação apenas da última entrada.

Os estudantes podem, então, discutir formas de verificar que a calculadora está funcio-nando adequadamente. Uma maneira é realizar as operações 789 - 456 e 456 - 123, ou seja, sub-trair do número formado pela primeira carreira horizontal o segundo número, e do segundo

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número, o terceiro número. Nos dois casos, o resultado obtido – se a calculadora estiver fun-cionando corretamente – é 333. Operações cujos resultados são conhecidos pelo aluno e pelo professor também podem ser realizadas como forma de verificar o correto funcionamento da máquina.

A Figura 2 é um exemplo de como os estudantes podem explorar a realização das ope-rações aritméticas por meio da calculadora.

Figura 2: exemplo de atividade de exploração de teclado, extraído da Coleção Colibri, de autoria de Áurea Darin. Editora IBEP, v.1, 2001, p.227.

Os estudantes podem, em pequenos gru-pos, perceber que se uma mesma operação deve ser efetuada diversas vezes, basta apertar a tecla da igualdade seguidamente e esta operacionali-zação repetida será efetuada. Se, por exemplo, for teclado 3 X 2 = = = , será obtido 54, que é o resultado da operacionalização repetida (X 3), ou seja, 3 X 2 = 6, e esse resultado multiplicado mais duas vezes por 3 resulta em 54 (6 X 3 = 18 e 18 X 3 = 54).

Em anos de escolarização mais avançados, os estudantes podem explorar o uso das teclas de percentual e de raiz quadrada, para verificar os resultados obtidos por meio de seus usos.

As teclas de memória são bastante úteis e, a partir da sua exploração, os estudantes podem descobrir que a tecla M+ serve para adicionar números à memória da calculadora, com a te-cla M- subtraem-se números da memória, e a partir do uso da tecla MRC é mostrado no visor

o número resultante de adições e subtrações à memória.

Essa exploração inicial do teclado e das funções da calculadora se faz necessária também para que outros possíveis usos da calculadora em sala de aula sejam viabilizados.

O alívio de carga operacional por meio do uso da calculadora

Quando se deseja que a realização de operações aritméticas não seja um empecilho à compreensão de outros conteúdos matemáti-cos, a calculadora mostra-se um recurso muito útil. Assim, pode-se garantir que os estudantes efetuem corretamente operações por meio da calculadora e a discussão concentre-se nos re-sultados obtidos.

Uma possibilidade de alívio de carga operacional é o de exploração de tabelas e gráfi-cos – conteúdo incluído no eixo tratamento da informação. Na Tabela 8, por exemplo, pode-se utilizar a máquina para calcular os crescimentos em termos absolutos de cada um dos estados do Nordeste brasileiro e comparar esses cres-cimentos – absolutos ou relativos (em termos percentuais) dos estados entre si.

Tabela 8: população do Nordeste de 2001 a 2004, segundo as Unidades da Federação (Dados do IBGE).

Unidades da Federação

2001 2002 2003 2004

Maranhão 5.777.948 5.858.618 5.940.079 6.021.504

Piauí 2.889.071 2.918.280 2.947.776 2.977.259

Ceará 7.617.246 7.736.257 7.856.436 7.976.563

RG Norte 2.840.124 2.880.527 2.921.326 2.962.107

Paraíba 3.486.387 3.513.534 3.540.948 3.568.350

Pernambuco 8.056.963 8.145.381 8.234.666 8.323.911

Alagoas 2.876.723 2.911.232 2.946.079 2.980.910

Sergipe 1.835.785 1.868.513 1.901.561 1.934.596

Bahia 13.275.193 13.409.108 13.544.336 13.682.074

O uso da calculadora, nesse caso, aliviará a carga de operacionalização, ou seja, não se terá preocupação com a realização das operações, mas concentrar-se-á a discussão em função dos resultados obtidos, garantindo que os estudantes poderão efetuar a leitura e interpretação correta dos dados mostrados na tabela.

Um outro exemplo de possibilidade de uso de calculadora para alívio de carga de opera-cionalização é apresentado a seguir. A atividade

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busca uma articulação entre os eixos números e operações, grandezas e medidas e tratamento da informação. Os estudantes de duas turmas – denominadas A e B – ou uma turma única sub-dividida em dois grupos – também denominados de A e B – efetuarão o levantamento das alturas das meninas e dos meninos que fazem parte da(s) turma(s). Ao serem efetuadas as medições, os resultados serão registrados numa tabela, como a Tabela 9. Em seguida, serão efetuados os cál-culos – com uso da máquina de calcular – das alturas médias das meninas e dos meninos – de cada turma e dos gêneros como um todo.

Tabela 9: exemplo de atividade de uso da calcu-ladora para alívio de carga de operacionalização que articula números e operações, grandezas e medidas e tratamento da informação.

Alturas das meninas Alturas dos meninos

Turma A Turma B Turma A Turma B

... ... ... ...

Altura média das meninas da

Turma A =

Altura média das meninas da

Turma B =

Altura média dos meninos da

Turma A =

Altura média dos meninos da

Turma B =

Altura média das meninas = Altura média dos meninos =

A partir dos resultados alcançados, os estu-

dantes poderão discutir os significados dos números obtidos, ou seja, o que representa a altura média das meninas e dos meninos da Turma A e da Turma B, bem como a altura média de todas as meninas e todos os meninos. Esse é mais um exemplo de atividade na qual o uso da calculadora garante a obtenção correta de resultados e alivia a realização de operações por parte dos estudantes para que estes concentrem suas atenções nos resultados obtidos e

seus significados. Se a calculadora não for utilizada, os estudantes poderão gastar muito tempo na rea-lização das operações e perderão de vista os focos centrais dessa atividade: levantamento e registro de dados e cálculo da média aritmética de alturas.

A conferência/comparação/confronto de resultados obtidos por outros procedimentos de cálculo

Educadores matemáticos (por exemplo, VERGNAUD, 1987; NUNES; BRYANT, 1997) têm defendido que o uso de formas variadas de representação simbólica (oral, desenhos, algoritmos, entre outras formas) pode auxiliar os estudantes em seus desenvolvimentos mate-máticos, uma vez que as diferentes formas de representação evidenciam aspectos distintos dos conceitos. Dessa maneira, a calculadora pode ser utilizada para que os estudantes rea-lizem cálculos por meio de uma representação simbólica e que confrontem os resultados por eles obtidos com os resultados mostrados na calculadora, conferindo se os mesmos resulta-dos foram obtidos e discutindo diferenças que possam vir a aparecer.

Um exemplo de atividade dessa natureza mostra-se na Figura 3, a seguir. Nela, solicita-se que os estudantes realizem as operações na calculadora, mas nós sugerimos uma adaptação à atividade, ou seja, que os estudantes façam inicialmente uma estimativa dos valores que serão obtidos em cada um dos itens da questão e que, após o registro dessas estimativas, rea-lizem as operações na calculadora e observem o quanto suas estimativas se aproximaram dos valores exatos.

Figura 3: exemplo de atividade de verificação de resultados extraída da Coleção Pensar e Viver, de autoria de Ana Maria Bueno. Editora Ática, v.3, 2003, p.140.

Atividades de estimativa também podem ser feitas no estudo de grandezas geométricas, ou seja, dadas algumas medidas lineares, estimam-se os valores de áreas e de volumes e, por meio

do uso da calculadora, podem-se comparar as estimativas realizadas com os valores exatos obtidos na máquina.

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A exploração de conceitos

Este é um dos usos mais importantes da cal-culadora como ferramenta de ensino. A exploração de padrões em operações realizadas na calculadora pode auxiliar os estudantes na compreensão do sistema de numeração decimal (SND) e das opera-ções aritméticas. Pode-se, por exemplo, pedir aos estudantes que registrem os resultados obtidos na calculadora para as operações que seguem:

1003 + 1 1003 + 10 1003 + 100 1003 + 1000

2341 + 1 2341 + 10 2341 + 100 2341 + 1000

999 + 1 999 + 10 999 + 100 999 + 1000

A partir da observação dos padrões obti-dos nos resultados das operações realizadas na calculadora, os estudantes poderão refletir sobre o valor posicional dos números no nosso sistema de numeração. A realização das operações na cal-culadora terá, nessa atividade, a função de garan-tir que os resultados obtidos são corretos (senão fica impossibilitada a observação de padrões) e aliviará a carga da operacionalização, pois o que se deseja focar são os resultados obtidos ao se adi-cionar uma unidade, uma dezena, uma centena e um milhar, e não, propriamente, nesse caso, se os estudantes são capazes de realizar corretamente os procedimentos de cálculo.

Semelhantemente, a observação de pa-drões das seguintes sequências de operações poderá auxiliar os estudantes na compreensão da extensão da regularidade do SND, quando se extrapola o campo dos números naturais e se trabalha com números racionais:

35,25 + 10 35,25 + 1 35,25 + 0,1 35,25 + 0,01

70,00 + 10 70,00 + 1 70,00 + 0,1 70,00 + 0,01

Essas explorações podem ser efetuadas tanto utilizando-se números isolados, como descritos acima, quanto usando-se números in-seridos em contextos de medidas de grandezas, como, por exemplo, 35,25 metros – nos quais se pode explorar, junto aos estudantes, o significado de 0,25 metro, ou seja, um quarto de metro, ou, ainda, 25 centímetros.

Outro exemplo de exploração conceitual pode ser o de atividades envolvendo a divisão com resto. Borba e Selva (2007) e Selva e Borba (2005) analisaram a compreensão de crianças de 3ª e 5ª séries, atuais 4º e 6º anos de escolariza-

ção, sobre o tratamento a ser dado ao resto em problemas de divisão e propuseram intervenções no sentido de superar dificuldades evidenciadas. A proposta consistia basicamente em solicitar que os estudantes comparassem os resultados obtidos em operações, como as que seguem, a serem realizadas com o uso de lápis e papel e por meio da calculadora.

24:2 24:4 37:2 37:4 45:2 45:4

Dessa forma, os estudantes podiam per-ceber como os resultados variavam em função de serem pares ou ímpares ou de se estar divi-dindo por 2 ou por 4, observando como restos de divisões poderiam ainda ser subdivididos, resultando em números decimais.

Mais um exemplo de exploração concei-tual no eixo números e operações, que pode ser realizada com o uso da calculadora, são os casos de ‘teclas quebradas’ nas quais se solicita que os estudantes realizem operações sem usar algumas das teclas da máquina. Pode-se, por exemplo, afirmar que os estudantes devem imaginar que a tecla ‘6’ da calculadora está quebrada e solicitar que realizem as operações que seguem:

36 X 298 = 5062 – 978 = 5387 + 2666 =

Diferentes formas de superar o não-uso de

determinada tecla, nesse caso a tecla ‘6’, fazem surgir diferentes procedimentos que eviden-ciam conhecimentos do sistema de numeração decimal (quanto à composição e decomposição de valores, entre outros) e das propriedades das operações aritméticas.

Outras explorações conceituais podem envolver outros eixos matemáticos, tais como a observação do valor obtido a partir da adição dos valores dos ângulos internos de figuras geomé-tricas; a manutenção ou variação em valores de perímetros e áreas de figuras; o cálculo de proba-bilidades em distintos espaços amostrais, etc.

Diversão

Como o ambiente escolar pode ser também um local no qual as brincadeiras e jogos se fazem presentes, a calculadora pode ser um recurso a partir do qual os estudantes se divertem e apren-dem por meio de atividades lúdicas.

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Uma das brincadeiras pode ser a de escre-ver palavras colocando a calculadora de cabeça para baixo e utilizando os algarismos invertidos como letras. Ao posicionar a calculadora de ca-beça para baixo, os estudantes poderão perceber semelhanças dos algarismos com letras, como as que seguem:

1 = I 3 = E 5 = S 7 = L 8 = B 9 = G 0 = O

A partir dessas semelhanças, podem ser escritas palavras como:

BELO OLHE BOLSO OI SEI HEHEHEHE

BOLO LOBO SEBO SELO GOL BOBO

BLOG GLOBO

Outra brincadeira é a de desafiar os es-tudantes para verem quem consegue realizar as atividades a seguir no menor tempo possível.

Apenas com as teclas AC, X, +, =, 2 e 3, vejam quantos minutos vocês levam para encontrar os seguintes números: 6, 7, 8, 10, 12, 15, 20, 50.

Alguns desafios específicos podem surgir, tais como:

Qual o mínimo de teclas a serem utilizadas para se chegar a 50 apenas usando as teclas acima?

Outro exemplo de desafio pode ser observado a seguir, que envolve números maiores e também negativos:

Apenas com as teclas M-, MRC, AC, X, –, =, 2 e 5, vejam quantos minutos vocês levam para encontrar os seguintes números: -3, -10, 1, 3, 10, 24, 32, 100 e 625.

Os desafios podem ser encarados como momentos de lazer e divertimento, mas também proporcionam momentos de reflexão sobre como organizar operações por meio de um número res-trito de algarismos e de funções da calculadora.

Essas atividades sugeridas podem ser adaptadas para a realidade de salas de aula de professores(as) do 1º ao 5º ano dos anos iniciais de escolarização, de acordo com o nível dos es-tudantes de cada ano e dos objetivos de ensino que se desejam alcançar.

Considerações finais

O levantamento realizado, apresentado e discutido neste artigo, reforça resultados de estudos anteriores (como os de NORONHA; SÁ, 2002), no sentido de que há um sentimento conflituoso dos professores em relação ao uso da calculadora. Os professores afirmam reco-nhecer a necessidade do uso dessa ferramenta e apontam vantagens e desvantagens de seu uso, mas não têm feito uso sistemático desse recurso em suas salas de aula. Dificuldades relativas ao custo, à aceitação por parte dos familiares, ao desestímulo ao raciocínio ainda aparecem nas respostas, mas não se sustentam ao se analisarem as possibilidades de uso que podem ser feitas a partir do uso da calculadora.

O que se evidencia no conjunto de análises realizadas é que os professores reconhecem que a calculadora não pode ser deixada de lado no pro-cesso de aprendizagem matemática e estão cientes de que as atividades de uso da calculadora devem ser bem pensadas, com objetivos claros, de modo a auxiliarem nos avanços dos estudantes e não os prejudicarem de alguma forma em seus desen-volvimentos. Entretanto, os estudantes sentem-se inseguros para lidar com esse recurso em sala de aula, alegando pouco conhecimento sobre como planejar atividades envolvendo a calculadora.

Faz-se necessário que os cursos de forma-ção inicial e continuada abordem os usos diversi-ficados da calculadora, levando os professores a refletirem sobre as possibilidades didáticas dessa ferramenta e que os levem à experimentação de diferentes atividades de ensino envolvendo a calculadora. Essas atividades podem ser viven-ciadas em propostas de ensino de diferentes eixos e conteúdos matemáticos, aproveitando-se proposições dos livros didáticos adotados e ampliando-se o uso para outras atividades planejadas pelos professores – seja em propostas a serem vivenciadas em uma sala de aula, num conjunto de salas da mesma série ou até mesmo envolvendo-se a escola como um todo.

A segurança que a formação proporcio-nará aos professores fará com que busquem me-canismos de viabilização do uso da calculadora em sala de aula. Sentir-se-ão, então, seguros na argumentação junto aos pais dos estudantes quanto à importância da calculadora e na defesa da aquisição e uso dessa ferramenta. Planejarão,

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assim, atividades que auxiliem os estudantes em seus desenvolvimentos matemáticos e que utilizem a calculadora, que é um recurso já conhecido e presente na atualidade. Ao mesmo tempo, considera-se que, na medida em que o uso de tecnologias se torne mais frequente nas propostas de atividades dos livros didáticos, isso também reforçará para o professor a necessidade de conhecer e se apropriar de tais ferramentas, impulsionando a discussão sobre essa temática no meio acadêmico e escolar.

Também devemos salientar que há algum tempo havia uma escassa quantidade de inves-tigações envolvendo o uso da calculadora em sala de aula, que poderiam servir como subsí-dios para os professores e educadores de forma geral. Assim, a pouca produção e discussão no meio científico sobre as possibilidades de uso da calculadora e sua contribuição para a com-preensão dos conceitos matemáticos também podem ter contribuído para que essa insegu-rança de professores não tenha sido superada. Contudo, pode-se afirmar que o cenário atual vem modificando-se. Além de educadores, de modo geral, reconhecerem a importância das relações entre o que se ensina na escola com as experiências de vida e necessidades impostas pela sociedade, encontra-se, hoje, no centro das discussões de pesquisadores da área de Educação Matemática (ver, entre outros, BRASIL, 1997; RUTHVEN, 1999; BIGODE, 1997; BORBA; PEN-TEADO, 2005; SELVA; BORBA, 2005; BORBA; SELVA 2007), a importância de inclusão do uso de recursos tecnológicos na escola, ampliando o universo escolar e garantindo uma aprendizagem conectada às demandas do mundo atual.

Referências

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tinuada: “Aprofundando a Língua Portuguesa e Matemática”. RSSSB, dez. 1997.

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BORBA, Marcelo; PENTEADO, Miriam. Infor-mática e Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. Coleção Tendências em Educação Matemática.

BORBA, Rute; SELVA, Ana. Children’s difficulties in dealing with remainders in division problems. In: XII Conferencia Interamericana de Educación Matemática. Anais da XII Conferencia Interameri-cana de Educación Matemática, Querétaro. 2007.

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NUNES, Terezinha; BRYANT, Peter. Learning and teaching mathematics: an international perspec-tive. London: Psychology Press, 1997.

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VERGNAUD, Gérard. Conclusions. In: JANVIER, C. (ed.). Problems of representation in the teach-ing and learning of mathematics. Hillsdale, N. J.: Lawrence Erlbaum, 1987.

Rute Elizabete de Souza Rosa Borba – Professora adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino e da Pós-Graduação em Educação Matemática e Tecnológica, Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco.

Ana Coelho Vieira Selva – Professora adjunta do Departamento de Psicologia e Orientação Educacional e da Pós-Graduação em Educação Matemática e Tecnológica, Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco.

RECEBIDO em: 03/09/2009CONCLUÍDO em: 27/10/2009

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TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA: EXEMPLOS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Didactic Transposition: Examples in Mathematics Education

José Carlos Pinto Leivas

Helena Noronha Cury

Resumo

Neste trabalho, apresentamos alguns conceitos oriundos da Didática Francesa como um campo do saber e como uma área em que o principal objetivo é o ensinar. Trataremos mais diretamente da transposição didática definida por Chevallard, considerando que um dos problemas do ensino está no distanciamento entre os conteúdos abordados, a realidade em que vive o aluno e a origem do conhecimento a ensinar. Na transformação de um objeto de saber a ensinar em objeto de ensino, surgem as criações didáticas, as quais são geradas pelas necessidades do ensino, e este nosso trabalho consiste em detalhar dois exemplos citados por Chevallard sobre tais criações. No primeiro, temos o “grande cosseno” e o “grande seno”, os quais foram utilizados na escola básica francesa e que, entretanto, não têm paralelo no ensino brasileiro, mas cuja origem do conhecimento bruto pode trazer contribuição para a formação do professor de Matemática. No segundo exemplo, detalhamos uma segunda criação didática citada por Chevallard que é o conceito de distância entre dois pontos, e para tal utilizamos a métrica euclidiana e uma não euclidiana.

Palavras-chave: Transposição didática. Criação didática. Grande cosseno e grande seno. Distâncias.

Abstract

This paper presents some concepts from the French Didactic, more specifically the didactic transposition, defined by Chevallard, considering

that one of the problems of education is the distance between the discussed topics, the reality in which the student lives and the source of knowledge to teach. In the transformation of an object of knowledge in a teaching object, emerge didactic creations, which are generated by the needs of education. In this paper, we detail two examples of such creations, quoted by Chevallard. At first, we have the “great cosine” and “great sine”, terms that were used in Elementary French School and, however, have no parallel in Brazilian education, but whose origin can bring a contribution to the mathematics teacher education. In the second example, we detail another didactic creation, also mentioned by Chevallard, which is the concept of distance between two points, and for this we use the Euclidean metric and a non euclidean one.

Keywords: Didactic transposition. Didactical creations. Great cosine and great sine. Distance.

Introdução

A Matemática, ao longo dos séculos, tem se defrontado com algumas tentativas de ino-vação em seu ensino, algumas das quais foram bem aceitas e produziram resultados positivos para a aprendizagem, outras, nem tanto; algumas foram rejeitadas momentaneamente, e outras, definitivamente.

Schubring (1999), ao tratar sobre reformas curriculares, por exemplo, afirma que elas não são recentes e destaca o papel desempenhado na Alemanha por Félix Klein (1849–1925), tendo esse matemático idealizado reformas a partir das

- pp. 65 a 74

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universidades, seguidas por renovações no nível médio em escolas técnicas.

Sendo a Matemática considerada uma área “dura” do conhecimento, as tentativas de mudan-ça no seu ensino esbarram, algumas vezes, em oponentes às propostas, como, por exemplo, o que ocorreu a partir da década de 50 nos Estados Unidos com o grupo School Mathematics Study Group (SMSG), empenhado, em particular, na renovação do ensino de Geometria. Nessa épo-ca, foi editado um texto denominado Geometry, escrito por Edwin E. Moise e Floyd L. Downs Jr, utilizando recomendações de comissões sobre Matemática e seu ensino, o que era um dos obje-tivos do grupo SMSG. Essa obra, de certa forma resultado do movimento Matemática Moderna, teve seus reflexos no Brasil, na década de 70 do século XX.

A partir dos resultados negativos oriundos do movimento da Matemática Moderna surgiram nos Estados Unidos alguns movimentos buscan-do um retorno ao ensino tradicional, e outros buscando métodos de ensino e de conteúdos alternativos. Entre as publicações americanas que têm influenciado as mudanças curriculares brasileiras, estão o Curriculum and Evaluation Standards, lançado originalmente em 1989. Kil-patrick, membro atuante do National Council of Teachers of Mathematics americano (NCTM), em palestra realizada em um evento realizado em Portugal, em 2008, questiona se os Standards ou normas para a Matemática escolar nos Estados Unidos constituíram uma reforma ou uma nova reforma, pois as pretendidas mudanças não ocorreram naquele país ou, pelo menos, ocor-reram de forma diferente do que previam seus promotores. Ele justifica que apenas 10% dos professores foram envolvidos em tais reformas e que sempre houve muitas reações a mudanças em seu país.

Nos anos seguintes à introdução da Mate-mática Moderna na França, alguns matemáticos, psicólogos e educadores matemáticos criaram os Instituts de Recherche sur l´Enseignement des Mathématiques (IREM), ou seja, Institutos de Pesquisa sobre o Ensino de Matemática. En-tre os mais conceituados pesquisadores desses institutos está Yves Chevallard, do IREM de Aix-Marseille, e muitas de suas ideias e con-ceituações são mencionadas em livros da área de Educação Matemática sem que saibamos,

efetivamente, o significado das expressões por ele criadas.

Neste texto, vamos explorar a noção de “transposição didática” e trazer alguns exemplos propostos por Chevallard, detalhando os passos de transformação do saber matemático.

Transposição didática

Para falar de conceitos oriundos da chama-da Didática Francesa, é necessário, primeiramen-te, conceituar esse campo do saber. De maneira geral, a Didática tem sido entendida como a ciência e a arte de ensinar. No entanto, alguns autores especificam esse conceito amplo, como, por exemplo, Martins (1988), que considera ser a Didática “a direção da aprendizagem numa perspectiva multidimensional onde se articu-lam harmoniosamente as dimensões humana, técnica e político-social.” (p.63). Diferencia-se da Metodologia do Ensino, que é “o conjunto de métodos e técnicas que são utilizados a fim de que o processo ensino-aprendizagem se realize com êxito.” (p.184).

Já D’Amore (2007) discute várias defini-ções de Didática, para em seguida fixar-se na Didática da Matemática, afirmando, inicialmen-te, que essa é uma disciplina autônoma, “nem Didática geral, nem Matemática” (p.29). O autor considera que hoje a Didática da Matemática pode ser vista de duas maneiras: “como divul-gação de ideias, fixando a atenção na fase do ensino”, que ele chama de Didática A, e “como pesquisa empírica, fixando a atenção na fase de aprendizagem”, a Didática B. (Ibid., p.37).

Pais (2001) preocupa-se em distinguir entre as expressões “Educação Matemática” e “Didática da Matemática”. Segundo ele, no con-texto brasileiro, pode-se dizer que

A didática da matemática é uma das tendências da grande área de educação matemática, cujo objeto de estudo é a elaboração de conceitos e teorias que sejam compatíveis com a especificidade do saber escolar matemático, procurando manter fortes vínculos com a formação de conceitos matemáticos, tanto em nível experimental da prática pedagógica, como no território teórico da pesquisa acadêmica. (p.11)

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Entretanto, apresentando o objetivo de seu livro, o autor afirma que vai analisar a “linha francesa da didática da matemática, procurando destacar uma de suas características principais: a formalização conceitual de suas constatações práticas e teóricas.” (PAIS, 2001, p.9). É nesse contexto que se situa o conceito de “transposição didática” que vamos apresentar nesse texto.

Um dos problemas do ensino de conteú-dos matemáticos é o distanciamento entre o con-teúdo abordado, a realidade do aluno e as origens do conhecimento em questão. A apresentação axiomática parece simplificar o ensino, pois os conteúdos são articulados em uma sequência rígida, em que toda nova definição depende das anteriores, todo teorema exige que já esteja aceito certo número de axiomas e demonstradas as proposições das quais ele depende.

De certa forma, talvez por ser a axiomática euclidiana o modelo para o ensino de Matemática por tantos séculos, esse tipo de apresentação é considerado pelo professor como o mais fácil, pois lhe dá a sensação do “dever cumprido”, tendo mostrado a construção de um determina-do saber sábio. No entanto, muitas vezes esse professor esquece que Euclides organizou os ensinamentos de sua época, cientificamente, e que apresentações desse tipo sempre são feitas a posteriori, depois que um determinado conhe-cimento já foi trabalhado sob vários enfoques e transformou-se em um saber a ensinar.

Brousseau (1986) critica a apresentação axiomática, comentando que “ela esconde com-pletamente a história desses saberes, isto é, a sucessão de dificuldades e questões que provoca-ram a aparição dos conceitos fundamentais, seu uso para colocar novos problemas, a usurpação de técnicas e de questões nascidas do progresso de outros setores.” (p.36). Esses procedimentos não são exclusivos da Matemática, pois, para qualquer saber a ser ensinado, há uma transfor-mação que procura adequá-lo à compreensão daqueles aos quais vai ser apresentado. Esse processo tem sido denominado “transposição didática”, e Chevallard (1985) traz várias con-ceituações para explicar suas ideias.

Um dos principais conceitos apontados por Chevallard (1985) é o de “noosfera”, a que ele chega a partir de considerações sobre o sis-tema de ensino e sobre o ambiente mais amplo,

que engloba esse sistema e do qual fazem parte os pais, os matemáticos e os representantes das instâncias políticas e administrativas, debatendo propostas. Assim, resumindo, diz o autor que

[...] estamos aqui na esfera onde se pensa – segundo modalidades ta lvez muito diferentes – o funcionamento didático. [...] Na noosfera, pois, os representantes do sistema de ensino, com ou sem mandato (desde o diretor até o professor militante), se encontram, direta ou indiretamente [...] com os representantes da sociedade. (CHEVALLARD, 1985, p.23-24. Grifos do autor)

Chevallard (1985) representa o conceito de noosfera por meio de um esquema, adaptado na Figura 1, a seguir:

Figura 1: representação da noosfera1.

Para Chevallard (1985, p.39), “Todo projeto social de ensino e de aprendizagem se constitui dialeticamente com a identificação e a desig-nação de conteúdos de saberes como conteúdos a ensinar.” (Grifos do autor). E, em seguida, o autor acrescenta:

O s c o n t e ú d o s d e s a b e r e s designados como aqueles a ensinar (explicitamente: nos programas; implicitamente: pelo representante d a t r a d i ç ã o , e v o l u t i v a , d a interpretação dos programas), em geral pré-existem ao movimento que os designa como tais. Entretanto, algumas vezes (e pelo menos mais frequentemente do que se poderia acreditar) são verdadeiras criações didáticas, suscitadas pela ‘necessidades de ensino’. (Assim ocorreu, por exemplo, no ensino secundário francês, com ´grande cosseno` e ´grande seno`) . (CHEVALLARD, 1985, p.39. Grifos do autor)

1 Adaptado de Chevallard (1985, p.23).

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Esses preâmbulos permitem, então, que Chevallard (1985, p.39), construa sua definição de “transposição didática”:

Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre desde então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar o seu lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado transposição didática. (p.39. Grifos do autor)

Pensando especificamente no trabalho do

professor, Perrenoud (1993) considera que:

Ensinar é, antes de mais, fabricar artesanalmente os saberes, tornando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de um horário, de um sistema de comunicação e trabalho. É o que Chevallard [...] designa por transposição didáctica. (p.25. Grifos do autor)

No entanto, ao sofrer tais adaptações, o saber sábio, aquele que é produzido originalmen-te pelo cientista, é “exilado” de suas origens; a história de sua produção é escamoteada para os estudantes, e ele se apresenta como um saber neutro, sem ligação com quaisquer necessidades humanas ou jogos de poder.

Chevallard (1985) menciona as criações didáticas, geradas pelas necessidades do ensino, exemplificando com as expressões “grande cos-seno” e “grande seno”, que não têm paralelo no ensino brasileiro. Mas o que são essas expressões, efetivamente?

No boletim Excursus, da Universidade de Provence, campus de Aix-Marseille, sob responsabilidade de Chevallard, respondendo a perguntas de leitores (possivelmente alunos da instituição) esse autor explica que foi em torno de 1970 (no auge da influência da Matemática Moderna) que eram usadas as notações Cos e Sen (com letra maiúscula, de onde, então, as expressões “grande cosseno” e “grande seno”), para as funções trigonométricas de um ângulo, e as notações em letra minúscula, cos e sen, para as funções trigonométricas de valores re-

ais. Segundo o autor, a passagem de uma para outra notação era estabelecida formalmente da seguinte maneira: se t é um número real que “mede” o ângulo θ , então cos t = Cos θ e sent = Senθ . (CHEVALLARD, 2004).

Ora, evidentemente essa criação didática mais atrapalha do que auxilia a aprendizagem! Consideramos que há, efetivamente, transposi-ções didáticas que são necessárias e que têm sido usadas ao longo dos anos, em qualquer nível de ensino. No entanto, é necessário entender de onde vem o saber a ensinar, qual o saber sábio que lhe deu origem, para que os conteúdos não fiquem “picoteados” e apenas fórmulas mágicas sejam oferecidas aos estudantes.

Chevallard (1985) discute em profundi-dade se a transposição didática é boa ou má, se todo objeto de saber a ensinar pode ser um objeto de ensino, se há ou não resistência aos conceitos apresentados em sua visão da Didática da Mate-mática. No entanto, parece-nos que há ainda um outro ponto a mencionar: ao empregar criações didáticas que, supostamente, auxiliam o ensino de um determinado conteúdo, as dificuldades do professor são minimizadas. E as dos alunos?

Talvez por trás dessa questão esteja outra de caráter mais polêmico: por que os alunos (e também o professor!) se acomodam com aquele objeto de ensino? Por não saber que houve uma transposição? Por não ter informações anteriores sobre o saber sábio? Essas são questões que poderiam ser melhor aprofundadas em pesquisas sobre o tema.

Pais (2001) comenta que os conteúdos escolares são, muitas vezes, escolhidos pelos pro-fessores a partir dos programas ou dos livros didá-ticos. Em alguns casos, esses conteúdos são meras criações didáticas, adequadas aos propósitos do processo de ensino, mas, conforme o autor,

[...] o problema surge quando sua utilização acontece de forma desvinculada de sua finalidade principal. É o caso dos produtos notáveis que, quando ensinados sem um contexto significativo, passam a figurar apenas como o objeto de ensino em si mesmo. (PAIS, 2001, p.20)

Não poderíamos pensar, talvez, em mos-trar ao professor o saber em “estado bruto” e solicitar que ele faça a transposição de acordo com as necessidades e possibilidades de seus

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alunos? Em um primeiro momento, essa pro-posta pode parecer complicada, pois há saberes sábios que, se não forem transpostos para uma linguagem mais acessível, ficam restritos a uma minoria de especialistas, em geral, professores universitários. No entanto, talvez possamos fazer com que o professor se envolva também no processo de transformar o saber científico no saber a ser ensinado, ainda que o objeto de ensino, no fim das contas, apresente-se um pouco diferente do que os autores dos livros-texto apresentam.

Exemplos de criações e transposições didáticas

Chevallard (1985) considera que

Os conteúdos de saber designados como estando a ensinar [...] em geral pré-existem ao movimento que os indica como tais. Algumas vezes, entretanto [...] são verdadeiras criações didáticas, suscitadas pelas ´necessidades de ensino`. (Foi o caso, por exemplo, no ensino secundário francês, do ´grande cosseno` e do ́ grande seno`). (p.39. Grifos do autor)

O que seriam, então, essas criações didáti-cas? Significariam “monstros cossenos” e “mons-tros senos”? A seguir, tentamos explicitar nossa compreensão do tema, a partir da explicação encontrada em Chevallard (2004), já citada.

Originalmente, podem-se interpretar se-nos e cossenos como relações ligadas ao triângulo retângulo, definindo-se:

Figura 2: triângulo retângulo.

Ao falar em definir, há um questionamen-to sobre a diferença entre as palavras “definir” e “conceituar”. Segundo Ferreira (1999), um dos significados de “definir” é: “Enunciar os atributos essenciais e específicos de (uma coisa), de modo

que a torne inconfundível de outra.” (p.614). Bueno (1981) considera que uma definição é uma distinção, uma enunciação de qualidades e de características do que se está a definir.

Já “conceituar”, segundo Ferreira (1999), significa: “Formar conceito acerca de; julgar, ava-liar.” (p.518). Assim, aqui estamos, efetivamente, tratando de definições, e a de cosseno é baseada na propriedade geométrica da proporcionalidade tratada por Tales de Mileto (LEIVAS, 2006).

Por argumentações geométricas, Tales de-duziu, considerando-se triângulos como os repre-

sentados abaixo, que: ,

ou seja, a relação é uma constante que independe do triângulo considerado. Depende, isto sim, do ângulo. A relação constante é denominada cosse-no do ângulo em questão.

Figura 3: triângulos retângulos com lados pro-porcionais.

Há uma discussão sobre a denominação e propriedades na definição de funções trigo-nométricas. A trigonometria do triângulo retân-gulo tem uma deficiência que é não poder ser definida para ângulos obtusos. É preciso, assim, ampliar as ideias de seno e cosseno para ângulos quaisquer e não apenas agudos, e a partir do triângulo retângulo. Para tal, buscam-se as pro-porções associadas ao círculo e circunferência. Considere duas circunferências concêntricas de raios r e r’, conforme figura 4, e nelas dois raios formando um ângulo θ, limitado pelos arcos s e s’, respectivamente, das circunferências de raios r e r’.

A razão ''

rs

rs

= , da mesma forma que nas

relações anteriores, é um invariante que depende exclusivamente do ângulo θ. Este invariante é o que se denomina de “medida do ângulo” e, como é uma relação entre duas grandezas de mesma dimensão, é um número adimensional. Assim, a medida de um ângulo é um número real e recebe o nome de radiano.

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

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Figura 4: radiano.

Em lugar de s e s’, na relação anterior, usando, respectivamente, o comprimento da

circunferência menor C e da maior C’, obtém-se:

kr

Cr

CrC

rC

==⇔='2'

2''

, em que a constante k passa

aseronúmeroirracionalπ.A discussão ou dificuldade didática de

obtenção das funções trigonométricas para ân-gulos obtusos precisa ser enfrentada. Para tal, estendem-se as definições ao círculo trigono-métrico, e uma maneira de fazer isso é utilizar coordenadas cartesianas no plano, primeira-mente reinterpretando-se o caso já conhecido e posteriormente generalizando-se.

Para a reinterpretação, constrói-se um tri-ângulo retângulo da seguinte forma: um dos cate-tos é colocado sobre o eixo horizontal, tendo uma extremidade na origem do sistema cartesiano, e correspondendo a um dos vértices associado a um dos ângulos agudos, e a outra extremidade correspondendo ao vértice associado ao ângulo reto. O terceiro vértice corresponde a um ponto da circunferência trigonométrica determinado pela extremidade do segundo cateto.

Considera-se a unidade no sistema como sendo o raio da circunferência construída. O vértice, na circunferência, é associado ao par ordenado P=(a,b), e, usando a definição anterior, escreve-se, para a Figura 5:

Figura 5: triângulo acutângulo.

Figura 6: triângulo obtusângulo.

Para a Figura 6, tem-se:

0>r'b

=sene0<r'a

=cos θθ

Na sequência elaborada, há de se discutir a questão epistemológica envolvida, que é útil e interessante ao professor e que, no entanto, deve ser analisada quanto a sua adequação para levá-la ao ambiente da escola dessa forma.

Outra interessante relação pode ser estabele-cida, a partir de então, sobre cosseno de um ângulo e cosseno de um número real. Nessa situação, é necessário tratar das funções trigonométricas cujas imagens são esses números. Falar na função cosseno e na função seno só tem sentido se o valor corres-pondente no domínio for um número real e não um valor dado em unidades ‘graus’. Não faz sentido, nessa situação, utilizar cos1800,esimcosπ.

Observe-se ainda que, antes do advento das calculadoras e dos computadores, para o cálculo de valores trigonométricos, que consti-tuíam as tabelas trigonométricas, havia interesse no desenvolvimento em séries das funções trigo-

nométricas. Assim,

cos x = ...!6!4!2

1642

+−+−xxx

Por ser definida como f: R→R, tem-se x ∈ R, isto é, x é dado em radianos e não em graus.

Resumindo, define-se cosseno e seno de ângulos agudos explorando o triângulo retân-gulo, passa-se a outros ângulos obtusos e, pos-teriormente, ao tratado com números reais. Os matemáticos querem ir além, e por isso definem também essas funções no campo dos números complexos RXR = {(a,b) z=a+bi, em que

a,b∈ R e i= 1− }. Note-se que, para b=0, tem-se

z=a ∈ R, isto é, um número real pode ser pensado com um par (a,0).

Uma outra abordagem ou conexão que pode ser estabelecida é a denominada fórmu-

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la de Euler, que expressa cosseno e seno em termos de números complexos, fazendo uma reinterpretação que necessita da construção básica inicial.

Reescrevendo-se as duas igualdades acima da seguinte maneira

podem-se reduzir termos semelhantes e obter a expressão ,e=isen+cos iθθθ em que, subs-tituindo valores para θ, obtém-se a igualdade que produz números que são essenciais para a matemática, a saber:

O que foi mostrado antes é um exemplo do que se considera uma criação didática, e o trabalho de Chevallard (1985) é interessante por apresentar exemplos, ainda que pouco explo-rados. Outro exemplo abordado por ele é o das distâncias, detalhado a seguir.

O autor considera que a transposição didática lato sensu pode ser representada pelo esquema “ob-jeto de saber objeto a ensinar objeto de ensi-no”. Para exemplificar esse movimento representado pelo esquema, Chevallard (1985) considera:

- a noção de distância (entre dois pontos) é utilizada espontaneamente ‘desde sempre’;- o conceito matemático de distância é in t roduzido em 1906 por Maurice Fréchet (objeto de saber matemático);- no primeiro ciclo do ensino secundário francês, a noção matemática de distância, surgida a partir da definição de Fréchet, aparece em 1971 no programa da classe do quarto ano2 (objeto a ensinar). - seu tratamento didático varia com os anos a partir de sua designação

2 “[...] classe de quatrième”.

como objeto a ensinar: continua o ‘trabalho` de transposição. (p.40)

No que segue, esclarecemos um pouco mais a respeito do conceito matemático de dis-tância e a exemplificação da relação estabelecida por Chevallard (1985):

(1) objeto a ensinar (2) objeto de ensino (3)

(1) noção de distância entre dois pontos é um conceito utilizado empiricamente desde cedo nas atividades humanas quotidianas. Ela correspon-de a um número real não negativo, simbolizado por d = d(P,Q), em que P e Q são os dois pontos quaisquer de um espaço3, ou na forma geomé-trica e, segundo Chevallard (1985, p.46) “seu tratamento didático varia com os anos a partir de sua designação como objeto a ensinar: continua o trabalho de transposição.”

Figura 7: representação geométrica da distân-cia entre dois pontos em espaços euclidianos

com a métrica usual.

(2) o objeto a ensinar, metaforicamente é “a sopa em receita”. A noção empírica de distância traz alguns itens que devem ser selecionados. Define-se métrica como sendo a função que associa a cada dois pontos P e Q um número real, não negativo, denotado por d(P,Q), denominado de distância entre os pontos P e Q, satisfazendo às seguintes condições:

i)d(P,Q)≥0ed(P,Q)=0seesomenteseP=Q;

ii) d(P,Q) = d(Q,P);

iii)d(P,Q)≤d(P,R)+d(R,Q);∀P, Q, R.

Na Figura 8, pode-se visualizar a condição iii no caso da métrica4 euclidiana.

3 Que pode ser R, R2, R3 ou espaços discretos, por exemplo.4 No que segue, definiremos duas métricas equivalentes no plano, que têm uma interpretação geométrica que nos inte-ressa, embora exista uma terceira, que não serve aos nossos

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Figura 8: a desigualdade triangular na métrica euclidiana.

No trocadilho feito acima, está aí a ‘receita da sopa’.

(3) O objeto de ensino é a ‘sopa pronta’. Voltemos ao empírico.

Os objetos matemáticos são abstratos, e por isso esses objetos admitem reinterpretações, o que dá riqueza ao seu conceito. As reinterpre-tações tornam-se concretas e vão ser ensinadas, tornando-se o objeto de ensino.

Retornando a Fréchet e à reinterpretação que originará as criações didáticas, temos

Sendo P = (x1,y1) e Q = (x2,y2) dois pontos quaisquer, dados por suas coordenadas no plano cartesiano, definem-se as distância abaixo:

d(P,Q) = 221

221 )()( yyxx −+− , denominada dis-

tância euclididana;

d(P,Q) = x1-x2 + y1-y2 , denominada distância dos catetos.

A primeira é a usualmente utilizada e des-creve a ‘linha reta’, dada pelo segmento de reta entre os dois pontos considerados, conforme a primeira figura abaixo. A segunda, embora não seja a usualmente utilizada no percurso acadêmico, é a que se usa ao descrever trajetórias numa cidade perfeitamente organizada em quadras retangulares, dando inclusive origem à denominada Geometria do Taxista. A figura 9, a seguir, ilustra as distâncias entre os pontos P e Q nas duas formas.

propósitos no momento.

Figura 9: distância nas duas métricas – eucli-diana e dos catetos.

Pode-se dizer que se volta ao concreto de diversas formas. Na escola, muitas vezes, fica-se apenas com o concreto e não se estabelecem correlações entre os conceitos matemáticos. Exemplificando esse fato, temos, associado aos conceitos de funções distâncias (métricas), o de circunferência. Lembrando o conceito de cir-cunferência, lugar geométrico dos pontos P que estão a uma mesma distância de um ponto fixo Q , tem-se o objeto geométrico nas duas métricas acima, respectivamente, da seguinte forma:

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Figura 10: circunferência nas duas métricas – euclidiana e dos catetos.

Há também que se observar que essas não são as únicas duas maneiras de definir distâncias, mas são as que escolhemos para ilustrar a repre-sentação geométrica. Daí se pode concluir que a circunferência é um conceito matemático que se concretiza de diversas maneiras – objetos. Em Leivas (2009), encontram-se os detalhes da constru-ção de uma bola quadrada a partir da métrica dos catetos, o que pode ser desenvolvido num curso de Geometria Analítica do Plano no ensino médio.

Outra questão a observar é que outros obje-tos da Geometria oriundos da noção de distância, como elipses e hipérboles, têm representações distintas. Por fim, outro exemplo para discutir se é conceitoouobjetoéonúmeroπ.Comoelerepre-senta o quociente entre as medidas da circunferên-cia e do diâmetro, obtém-se 3,1415..., sendo assim um valor circunstancial – um conceito. De outra forma, ao obter a relação utilizando-se a segunda métrica, tem-se o valor quatro – um objeto.

Conclusão

Modernismos e inovações no ensino são co-nhecidos ao longo da história, e alguns deles acabam caindo no esquecimento ou simplesmente rejeita-dos. As expressões “grande seno” e “grande cosseno” são ideias que foram esquecidas no ensino francês de Matemática. No entanto, a partir dessas ideias, e aproveitando a menção feita a elas por Chevallard

(1985), exploramos as definições de seno e cosseno e mostramos como se pode passar de um objeto de saber a um objeto de ensino, à luz da transposição didática conceituada por esse autor.

Com isso, foi possível discutir conceitos matemáticos que nem sempre são estudados pelos professores da educação básica, mas que são necessários para aqueles que lidam com o ensino de Trigonometria. Esperamos, assim, ter contribuído com o professor e o futuro professor de Matemática, especialmente no esclarecimento de pressupostos históricos e teóricos do conheci-mento matemático.

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José Carlos Pinto Leivas – Doutor em Educação (Matemática), professor titular aposentado da FURG e professor adjunto da ULBRA. [email protected]

Helena Noronha Cury – Doutora em Educação, professora do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática da UNIFRA. [email protected]

RECEBIDO em: 01/08/2009CONCLUÍDO em: 06/10/2009

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A GEOMETRIA QUE EXISTE ALÉM DO OLHAR: LEVANDO A GEOMETRIA DA NATUREZA PARA DENTRO DA ESCOLA

Geometry beyond the View: Taking Nature Geometry into the School

Karin Ritter Jelinek

Adriana Justin Cerveira Kampff

Resumo

Este artigo relata a experiência de um grupo de professores com o desenvolvimento do projeto interdisciplinar Além do Olhar: por um mundo melhor. O projeto foi realizado com alunos de sétima série do ensino fundamental, buscando fomentar nos alunos a construção de um novo olhar sobre o cotidiano e o mundo que os cerca. A disciplina de Matemática utilizou-se da Geometria Fractal para enriquecer as discussões e apresentar visões sobre o mundo em que estamos inseridos e que, muitas vezes, não percebemos. Diferentes conceitos da Matemática foram explorados, como o de variável, simetria, proporcionalidade, semelhança, entre outros. A associação da disciplina de Matemática com as novas tecnologias deu-se pela inegável contribuição que essa área apresenta para o estudo da Geometria, com destaque, neste relato, para a utilização do software Imagine, ambiente de programação Logo.

Palavras-chave : Educação Matemática. Geometria Fractal. Informática na Educação. Software Imagine.

Abstract

This paper describes an interdisciplinary project called “Beyond the Eyes: for a best world”. The project involved students of the 7th grade of elementary school. The proposal was developing in the students the ability to see, in a different way, the world around them. In Mathematics, the chosen topic was Fractal Geometry. This topic

provided new approaches on the world. Different concepts of Mathematics were explored, such as variables, symmetry, proportionality and similarity. The new technologies offer an important contribution to the studies in Geometry. In this work, we used the software Imagine. We present a theoretical basis that guides our practices, including the selection of contents and the activities done.

Keywords: Mathematics Education. Fractal Geometry. Computers in Education. Software Imagine.

Contexto: Projeto Além do Olhar

O projeto interdisciplinar a ser relatado neste artigo foi batizado de Além do Olhar: por um mundo melhor. O objetivo geral do projeto foi desenvolver nos alunos da sétima série do ensino fundamental a capacidade de conhecer um novo olhar do cotidiano e do mundo que o cerca, através da percepção, da sensibilidade, do autoconhecimento e da experiência.

Os professores envolvidos tinham cons-ciência de que um novo olhar das realidades precisava ser apontado, bem como que os alunos precisavam ter uma visão criteriosa e crítica so-bre o mundo que os cercava. Preocupados com a influência das mídias no desenvolvimento de seus alunos, os professores buscaram proporcio-nar aos seus alunos que pudessem participar de experimentações diversificadas, que transcen-dessem aquelas disponíveis no seu cotidiano.

- pp. 75 a 81

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Segundo Fischer (2002, p.141), quando se ana-lisam as influências das mídias na educação, é fundamental que os professores proporcionem momentos de reflexão com seus alunos:

[...] o mundo representado pela família e pela escola, que da mesma forma está mergulhado nas imagens veiculadas pela mídia, mas que teria o difícil papel de propor outros sentidos, de afirmar outras “verdades”, de convidar os jovens para outras interpretações da chamada “realidade”.

O início do projeto, em 2006, contou com a participação de professores dos componentes curriculares de Língua Portuguesa, Educação Artística, Língua Inglesa, Educação para o Pen-sar, Educação Física e Educação Religiosa. No decorrer do próprio ano, outros componentes curriculares foram sendo integrandos ao projeto, trazendo suas contribuições.

Em 2007, o projeto teve sua arrancada com a participação quase unânime dos professores da sétima série, momento em que a Matemática entrou com a proposta de apresentar uma ma-temática “além do olhar”. O objetivo, então, foi apresentar um campo ainda pouco explorado no ensino fundamental, embora plenamente rico de conceitos e de uma beleza contagiante: a Geome-tria Fractal. O presente artigo discute aspectos importantes sobre o trabalho desenvolvido.

O projeto desenvolveu-se ao longo de todo o ano letivo, e as atividades das diferentes disciplinas foram acontecendo ora concomitantemente, ora de forma mais esparsa. O fechamento do projeto deu-se com uma atividade de caráter prático-reflexivo, em um ambiente de vivência, possibilitando aos alunos a realização de atividades de autoconhecimento e experimentações a partir dos cinco sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar), buscando compre-ender o mundo e as formas de vê-lo.

Considerações iniciais sobre o estudo da Geometria

A Geometria, área significativa da Mate-mática, esteve colocada em segundo plano nos currículos escolares, o que, de acordo com Pereira (2001), foi uma consequência do movimento da Matemática Moderna no Brasil, sendo possível,

ainda hoje, perceber uma resistência por parte dos professores em trabalhar com esse assunto. Em contrapartida, existe uma tendência, por parte de educadores e de pesquisadores, como por exemplo Smole (2003) e Serrazina (1999), em estabelecer uma cultura de valorização do ensino e da aprendizagem da Geometria, visto que estu-dos a destacam como um campo conceitual de fundamental importância a ser desenvolvido na escola. Esse novo posicionamento também está presente nos Standards (1998, p.21), uma vez que colocam que “além de um certo conjunto de conceitos numéricos e operações, o currículo deve incluir genuína exploração da geometria, medida, estatística, probabilidades, álgebra e funções”.

É por meio da Geometria que se desen-volvem algumas das habilidades básicas com o educando. Entre elas, é possível destacar a capa-cidade de comunicação, de percepção espacial, de análise e reflexão, bem como de abstração e generalização. Sobre isso, Fainguelernt (1995 apud MURARI, 2004, p.200) coloca que:

A Geometria oferece um vasto campo de ideias e métodos de muito valor quando se trata do desenvolvimento intelectual do aluno, do seu raciocínio lógico e da passagem da intuição e de dados concretos e experimentais para os processos de abstração e generalização.A Geometria também ativa as estruturas mentais possibilitando a passagem do estágio das operações concretas para o das operações abs t ra tas . É por tanto tema integrador entre as diversas áreas da Matemática, bem como campo fértil para o exercício de aprender a fazer, e aprender a pensar.

A Geometria pode ser vista como uma habilidade básica, uma vez que ela tem impor-tantes entrelaçamentos com outros campos da Matemática. É um tema unificador para todo o currículo de Matemática e, como tal, é uma rica fonte de visualização para conceitos aritméticos, algébricos e estatísticos. (JELINEK, 2005).

Tendo consciência da importância de uma sequência didática adequada para a construção do pensamento geométrico, buscamos estruturar e reformular diferentes atividades que contemplem esses aspectos. Acreditamos, como defende Dienes

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(1970), que o estudo da Geometria precisa iniciar pela exploração dos objetos tridimensionais, uma vez que são esses sólidos que estão presentes na na-tureza e, consequentemente, com eles as crianças estão familiarizadas. Ressalta-se ainda, nessa fase inicial, a importância da Geometria na percepção das crianças sobre os movimentos e no desen-volvimento da capacidade de experimentação e estruturação de relações com objetos sólidos.

Castelnuovo (1975 apud JELINEK, 2005, p.29) esclarece a importância dessa Geometria in-tuitiva e sua diferença da Geometria racional:

[...] a geometria intuitiva dará as bases para que o aluno possa construir a geometria racional. Sendo os entes geométricos formados na mente humana através de abstrações, a partir de observações de objetos reais e de experiências sobre eles. Então, antes de racionalizar, de formalizar, é preciso fazer experiências, é preciso manipular os objetos, pois aí os axiomas encontrarão suas raízes naturais.

Dando sequência a essa geometria intui-

tiva que é explorada por nós nas séries iniciais, procuramos estruturar um conjunto de ativida-des que promovam uma passagem dos alunos do campo das operações concretas para o campo das operações formais, atentando para que a abstração e o rigor se façam presentes num nível crescente de dificuldade. Buscamos, dessa forma, focar o trabalho na construção dos conceitos e não na aplicação de fórmulas.

Diante dessa realidade, o construcionismo defendido por Papert vem ao encontro da nossa compreensão de ensino da Geometria, pois sus-tenta que os indivíduos terão maior êxito desco-brindo por si mesmos o conhecimento específico, a partir da ideia de aprender fazendo. O autor também destaca a necessidade de um ambiente realmente interessante para os educandos, que mobilize seus interesses e desperte o desejo de interagir, e, consequentemente, de aprender algo. Refletindo sobre essas ideias de Papert, Fain-guelernt (1999, p.34) complementa destacando a possibilidade do uso de computadores para o estudo da Geometria:

[...] a melhor maneira de construir o conhecimento é construir algo palpável externamente; isso tem um significado pessoal muito forte. Por

exemplo, quando as crianças estão trabalhando no computador, estão criando alguma coisa numa tela e, pelo fato de elas estarem fazendo algo, mobiliza toda sua pessoa no sentido de realizar seus projetos.

Percebemos em nossas práticas que o uso de softwares educativos, por envolverem os alunos na criação e na solução de desafios propostos, tem apresentado excelentes resulta-dos no ensino e na aprendizagem da Geometria: os alunos levantam suas hipóteses, descrevem suas soluções (por meio de comandos dados ao computador), executam seus programas (ou interagem com os objetos que criam na tela da máquina), podendo verificar se suas hipóteses ou descrições estavam corretas, refazendo o processo sempre que necessário. Todo o processo pode ser acompanhado pelo professor, que deve realizar intervenções junto aos alunos quanto estas forem necessárias.

Dessa forma, investimos na utilização de softwares como o Imagine e o Cabri Geómètre II nas séries finais do ensino fundamental. Na 5ª série, desenvolvemos um trabalho com o Imagine buscando explorar alguns conceitos fundamentais da Geometria Plana, e na 6ª e 7ª séries utilizamos o Cabri Geómètre II em atividades que exploram as propriedades dos polígonos e seus elementos.

Cabe destacar que o foco deste trabalho é a exploração de alguns aspectos da Geometria Fractal. Para os educandos envolvidos nesse projeto, foi fantástico descobrir que a matemática também é bela! A partir de alguns estudos da Geometria Fractal, podemos apresentar outros aspectos Matemática, ou seja, o da simetria es-tética, da beleza singular dos objetos, os quais até mesmo demonstram caráter e expressão. Tais estudos ainda são ricos por permitirem que se explorem conceitos diversos, como por exemplo: de simetria, proporcionalidade, congruência, semelhança, padrão, rotação e generalização.

A Geometria Fractal

Os fractais atualmente se destacam como um promissor ramo da Geometria, pois suas aplicações e beleza têm sido cada vez mais ex-ploradas. Inicialmente, nas décadas de 60 e 70, quando Benoit Mandelbrot começou a explorar esse campo da Matemática, não encontrou

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muitos entusiastas, assim como não houve uma acolhida imediata dessas entidades geométricas, as quais chamaram de “monstros”.

O nome fractal deriva do latim, do adje-tivo fractus, cujo verbo frangere corresponde a quebrar, fragmentar. E quando nos referimos à Geometria Fractal, estamos falando do estudo dos fractais. Cabe destacar que essas formas possuem características especiais, sendo a principal delas a autossimilaridade, uma vez que constituem uma imagem de si próprias em cada uma das partes. Segundo Freitas e Santos (2005, p.2756), algumas outras características também são fun-damentais:

Um fractal é gerado a partir de uma fórmula matemática, muitas vezes simples, mas que, aplicada de forma iterativa, produz resultados fascinantes e impressionantes, tendo como caracter ís t ica a autossimilaridade, a simplicidade em sua lei de formação e a construção por processos recorrentes.

Essa similaridade é observada através da repetição de um dado padrão, a partir de uma certa ordem e regularidade. No que se refere a essa repetição de um certo padrão ao longo da figura, podemos também notar a existência de conceitos fundamentais para diversos campos da Matemática, que são ordem, regularidade e pa-drão. O desenvolvimento do estudo da Geometria Fractal contribuiu muito com a teoria do Caos, visto que apontou para formas de encontrarmos ordem em situações nas quais antes só encontrá-vamos desordem. De acordo com Barbosa (2005, p.10), diferentes áreas foram enriquecidas com esse estudo:

[...] nota-se que o Caos colocou elos entre temas não relacionados, j u s t a m e n t e p e l a s s u a s irregularidades. Seus cientistas, de áreas diversas, tiveram dificuldades e desânimo até mesmo para publicar, para colocar suas ideias e resultados de forma publicável. Temas como desordem na atmosfera, turbulência nos fluidos, variação populacional de espécies, oscilações do coração e cérebro, interligação microscópica de vasos sanguíneos, ramificações alveolares, cotações da bolsa, forma das nuvens, relâmpagos,

aglomerações estrelares etc. eram estudados buscando-se então ligações entre diferentes tipos de irregularidades; e surpreendentes ordens no caos foram descobertas.

A Geometria Fractal também passou a ser conhecida como Geometria da natureza, uma vez que formas até então desconhecidas puderam ser identificadas como um fractal. Cabe colocar que a Geometria Euclidiana pode ser associada às construções realizadas pelo homem. Entretanto, as formas mais comuns na natureza nunca se associaram com as formas até então definidas. Com a evolução do estudo da Geometria Fractal, é comum encontrarmos registros não apenas no campo matemático, mas também na Geografia, Geologia, Economia, Física, História e Linguísti-ca (BARBOSA, 2005). Ressalta-se a contribuição das novas tecnologias para o desenvolvimento desse campo.

Imagine

O software Imagine é uma versão avança-da do Logo. Logo que é uma linguagem de pro-gramação resultante de um trabalho em equipe orientado por Seymour Papert, no Massachusetts Institute of Technology (MIT) entre as décadas de 60 e 70. A origem da palavra Logo deriva do grego Logos, que significa razão, argumento. O Logo destacou-se desde o princípio por designar, ao mesmo tempo, uma teoria de aprendizagem, uma linguagem e um conjunto de unidades materiais que permite demonstrar os processos mentais empregados por um indivíduo para resolver um problema, pois ele registra todos os passos do desenvolvimento da atividade, permitindo um acompanhamento do processo realizado pelos educandos.

Kampff (2004, p.10) coloca ainda bene-fícios que a utilização do Logo na escola pode proporcionar:

O Logo é um recurso flexível que permite a construção, o teste de hipóteses, a manipulação de variáveis e a reflexão sobre o s p r ó p r i o s p r o c e s s o s d e aprendizagem, centrados no aluno, no desenvolvimento de estratégias de raciocínio, na conscientização do próprio processo de aprendizagem,

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na pedagogia de projetos – leva o sujeito a perceber a diferença entre “saber alguma coisa” (ler) “e ser capaz de fazer (criar) alguma coisa” (escrever) – e na aprendizagem cooperativa.

Assim, sendo o educando o condutor de suas aprendizagens, quando realiza a atividade proposta e não encontra os resultados esperados, ele tem a oportunidade de rever suas hipóteses, ações e processo, buscando compreender quais as implicações de cada ação na construção do desafio proposto. Ou seja, o educando é um agente do início ao fim, desde a construção das primeiras hipóteses até sua construção final. Já os educadores podem fazer uso dessa ferramenta não só na construção de conceitos geométricos como também na avaliação dessas construções e no entendimento do raciocínio do educando. Ou seja, nesse contexto, o professor deixa de ser o transmissor principal do conhecimento para assumir uma postura de colaborador no processo, fazendo intervenções e sistematizando as descobertas sempre que necessário.

Diante de tantos benefícios é que esco-lhemos o software Imagine para desenvolver o projeto que tínhamos em mente, desenvolvendo nos alunos de 7ª série uma autonomia bastante desejada pelos seus professores.

Em busca dos fractais

A sequência das atividades desenvolvi-das pela disciplina de Matemática, no contexto do Projeto “Além do olhar”, com o estudo da Geometria Fractal, aconteceu em três módulos, descritos a seguir.

O primeiro módulo buscou discutir com os alunos as formas da natureza, questionando-os se conseguíamos representá-las a partir das formas da Geometria Euclidiana. A partir das reflexões realizadas, apresentaram-se aos edu-candos a Geometria Fractal, suas características e exemplos representativos em nosso dia a dia. Na sequência, solicitou-se aos alunos que pro-curassem observar o ambiente em que viviam e identificar cinco objetos que poderiam ser modelados pela Geometria Euclidiana e outros cinco que apresentassem as características de um fractal. Os alunos deveriam apresentar suas observações por meio de fotografias, vídeos,

desenhos ou outros. Registros bastante interes-santes foram executados, grande parte em meio fotográfico, conforme podemos observar nas Figuras 1 e 2.

Figura 1: exemplos de objetos da Geometria Euclidiana.

Figura 2: exemplos de fractais.

De forma concomitante, tivemos o cuida-do de explorar, a partir de algumas situações-problema, a diferença entre incógnita e variável, visto que nas aulas seguintes esses conceitos seriam utilizados.

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O segundo módulo foi estruturado como exploração dos recursos do Imagine, uma vez que os alunos já haviam trabalhado com esse software na 5ª série. Iniciamos relembrando os principais comandos da linguagem Logo e propondo alguns desafios, fazendo com que os diversos recursos fossem utilizados. Nas aulas seguintes, foram explorados os concei-tos de programação, utilizando o comando aprender, e a inclusão de variáveis nos parâ-metros de medida de lado e giro realizados para o desenho. Por fim, apresentamos aos alunos a possibilidade de criarmos programas recursivos e, observando as experimentações realizadas por eles, nós os orientamos a criarem uma condição de parada para o programa. Esse módulo foi trabalhado ao longo de seis sema-nas, com um período semanal em laboratório de informática.

Uma vez que os educandos já dominavam os recursos de programação, iniciamos o tercei-ro módulo, que se constituía na construção de um fractal a partir de alguns exemplos famosos, como a Curva de Koch e o Triângulo de Sier-pinski. Os alunos foram incentivados a alterar os parâmetros de programação, bem como os valores, buscando sempre observar as alterações desencadeadas. Cabe destacar que foram muitas as tentativas e experimentações na busca de um fractal de fato, como nos mostram as Figuras 3 e 4. Contudo, todas as tentativas renderam exclamações de surpresa e beleza!

aprender bibiana :nse :n < 5 [parar]repetir 8 [bibiana :n/4 pf :n gd 45] fim

Figura 3: experimentação realizada por uma aluna.

aprender frac :nse :n < 5 [parar]repetir 5[frac :n/2 pf :n gd 72] fim

Figura 4: experimentação realizada por um aluno.

Considerações finais

Grandes foram os desafios superados no de-senvolvimento desse projeto, bem como grande foi nossa satisfação ao tê-lo concluído com êxito. Tra-balhar interdisciplinarmente acabou construindo um vínculo entre todas as disciplinas envolvidas, de forma que tal integração pode ser percebida pelos alunos e pela Escola como um todo.

A disciplina de Matemática, em especial, conseguiu cumprir sua meta dentro desse proje-to, que era de valorizar o estudo da Geometria no ensino fundamental. Outro fator de destaque no desenvolver deste trabalho foi a possibilidade de verificar os benefícios que as novas tecnologias da informação podem proporcionar ao ensino da Matemática.

No que se refere aos educandos, sentimos que o projeto proporcionou experiências nem sempre possíveis no cotidiano da sala de aula. Eles foram incentivados a pesquisar, analisar os resultados, reestruturar suas hipóteses, até al-cançarem o objetivo final da disciplina, que era a construção de um fractal. Essa dinâmica também os conduziu à construção de conhecimentos de forma mais autônoma, postura um tanto desejada por todos os educadores.

Diante de um quadro de imediatismo em que nossos educandos estão inseridos no mundo de hoje, foi interessante percebermos a importân-cia de oportunizar a eles momentos de reflexão, vivências e construção de conhecimento em que

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possam perceber aquilo que não está evidente aos olhos, mas que precisa ser visto com os olhos do coração e da mente. Acreditamos que aliar os co-nhecimentos historicamente construídos a uma percepção de mundo elaborada pelo aluno, a partir de experiências e situações proporcionadas no âmbito escolar, pôde auxiliar esse educando a perceber a necessidade que temos de qualificar nossa visão sobre o mundo, sobre os outros e, enfim, sobre nós mesmos.

Por fim, cabe colocar que o projeto continua sendo desenvolvido na Escola, com o objetivo principal de promover no aluno a capacidade de conhecer um novo olhar do cotidiano e do mundo que o cerca, a partir da percepção, da sensibilida-de, do autoconhecimento e da experiência.

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Adriana Justin Cerveira Kampff – Doutoranda em Informática na Educação – PGIE/UFRGS, professora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e do Colégio Marista Nossa Senhora do Rosário.

RECEBIDO em: 05/09/2009CONCLUÍDO em: 30/10/2009

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TRABALHO COM PROJETOS NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM DE ESTATÍSTICA: BENEFÍCIOS, PROBLEMAS, LIMITAÇÕES...1

Working With Projects in Statistics Teaching and Learning: Benefits, Problems, Limitations...

Dione Lucchesi de Carvalho

Resumo

O artigo faz a análise de três pesquisas de mestrado sobre Educação Estatística que dedicam a maior parte dos seus trabalhos de campo ao desenvolvimento de projetos de ensino. Pudemos perceber que há consenso, nas duas dissertações defendidas, sobre os benefícios desse tipo de trabalho para o desenvolvimento profissional dos professores que o assumem como prática de sala de aula. As reflexões realizadas nos levaram a concluir também que muitos dos problemas e das limitações levantados em cada uma das pesquisas foram sendo superados nas seguintes. Essa superação pode ser atribuída às reflexões de cada professor/mestrando sobre sua prática,considerando que foram feitas em diálogo com a bibliografia sobre Educação Matemática e Educação Estatística. Entretanto, temos presente que as táticas – no sentido de Certeau – que buscaram o enfrentamento dos tempos escolares não se configuraram como possíveis estratégias, ou seja, cada uma não pôde dispor de base na qual capitalizasse seus proveitos, preparasse suas expansões e assegurasse uma independência em face das circunstâncias.

Palavras-chave: Educação Estatística. Trabalho com Projetos. Educação Matemática. Pesquisa em Sala de Aula.

1 Este artigo é baseado na intervenção na mesa-redonda “Educação Estatística na Sala de Aula”, ocorrida no ix Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM), dia 19 de julho de 2007. O título dessa intervenção é importante, pois o artigo refere-se a três projetos referentes ao ensino e à aprendizagem de Estatística.

Abstract

This article has an analysis of three master degree studies on Statistics Education. Most of the time spent on field work in these studies was dedicated to developing teaching projects. We could notice that, in both defended dissertations, there is a consensus on the benefits of this kind of work for the professional development of the teachers who take it as a regular classroom practice. Also, the reflections that were carried out helped us conclude that many of the problems and limitations perceived in each study were gradually overcome in the following studies. This overcoming may be due to each teacher/master student’s reflections on his/her own practice, considering that these reflections happened in a relationship with the bibliography on Mathematics and Statistics education. We are aware, however, that the tactics – in Certeau’s sense – that sought the facing of school times did not come out to be possible strategies, as none of them could have a basis on which to estimate benefits, prepare for expansion and assure some independence in face of the circumstances.

Keywords: Statistics education. Project work. Mathematics education. classroom research.

- pp. 83 a 93

SESSÃO ESPECIAL

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Introdução

Este artigo é fruto de reflexões sobre a uti-lização do trabalho com projetos no ensino e na aprendizagem da Estatística, que têm como pano de fundo nossa experiência como professora de Matemática da escola básica2. Entretanto, foi a produção, por orientandos nossos, de três pes-quisas de mestrado, sendo duas já concluídas, que possibilitou uma sistematização das vanta-gens, dos problemas, das limitações desse tipo de proposta de ensino. Além da possibilidade de análise crítica, essas três pesquisas nos indicam pistas para a atuação em sala de aula no ensino fundamental e no ensino superior. E podemos afirmar que, em uma delas, o fato de os sujeitos não terem tido aulas de Estatística antes da gradu-ação também nos fornece dicas pedagógicas para o ensino médio. Talvez possamos dizer que um é pouco; dois é bom; com três, aprendemos!?!?

Os trabalhos referidos têm em comum serem pesquisas sobre a própria prática:

· o de Maria Auxiliadora B. A. Megid, intitulado “Professores e alunos construindo sa-beres e significados em um projeto de Estatística para a 6a série: estudo de duas experiências em escolas pública e particular”, defendido dia 10 de dezembro de 2002 (MEGID, 2002);

· o de Jefferson Biajone, intitulado “Tra-balhos de projetos: possibilidades e desafios na formação estatística do pedagogo”, defendido dia 15 de março de 2006 (BIAJONE, 2006);

· o de Keli Cristina Conti, cujo projeto intitula-se “Projetos colaborativos entre estagiá-rios licenciandos em Matemática e professores da Escola Básica: a Estatística na Educação de Jovens e Adultos”, em andamento desde 2006 e financiado pela Fapesp3 (CONTI, 2006).

Devido à polissemia do termo “projeto” nas diversas áreas de atividade humana, cabe situar a que tipo de trabalho estamos nos referindo. Abor-daremos projetos no âmbito da Educação, mais especificamente refletiremos sobre projetos de ensi-no. Temos consciência de que os projetos de escola têm interação dialética com os de ensino e de que a cultura escolar, naqueles explicitamente manifesta,

2 A autora trabalhou como professora de Matemática das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio desde a conclusão da Licenciatura em Matemática até 1998.3 Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo nº 06/59154-3.

pode limitar ou até impedir a realização dos projetos de ensino. Para auxiliar-nos nessa delimitação temá-tica, trouxemos, como interlocutores, Cortesão et al. (2002), que ressaltam a importância de a atividade fazer sentido para todos, alunos e professores, e de o problema tratado ser comum a toda a comunidade na qual e com a qual eles interagem.

O conceito de projecto está ainda associado ao reconhecimento de que a qualidade do ensino e a capacidade de corresponder aos problemas do dia a dia passa pelo envolvimento das escolas e dos seus agentes em planos que trabalhem esses problemas e que, por isso, criem condições para uma formação, com sentido, para todos. [...] está associado a concepções de formação que não se coadunam com a uniformização e que não se esgotam na instrução e acumulação de conhecimentos (p.23).Um projecto é um estudo em profundidade, um plano de ação sobre uma situação, sobre um problema ou um tema. [...] envolve uma articulação entre intenções e acções, entre teoria e prática, organizada num plano que estrutura essas acções (p.24)

O trabalho em pequenos grupos, usual no desenvolvimento de projetos, como os próprios autores portugueses ressaltam, implica adesão individual e empenho coletivo em cada uma das fases. Constitui-se em um espaço e um tempo curriculares em que alunos e professores criam oportunidades para que a escola esteja refletindo sobre problemas sociais, econômicos, tecnológicos, científicos, artísticos, ambientais de forma integra-da. Como afirma Lopes (2003, p.25-26), esse tipo de abordagem baseia-se em uma concepção de que Educação é “um processo de vida e não uma preparação para a vida futura”. Essa autora é uma importante interlocutora para nós neste texto, pois sua dissertação de mestrado4 e sua tese de douto-rado5 são na área da Educação Estatística.

4 LOPES, Celi Aparecida E. A probabilidade e a estatística no ensino fundamental: uma análise curricular. Dissertação de Mestrado. Campinas/SP. Faculdade de Educação, Universi-dade Estadual de Campinas – FE/Unicamp, 1998.5 LOPES, Celi Aparecida E. O conhecimento profissional dos professores e suas relações com estatística e probabilidade na educação infantil. Tese de Doutorado. Campinas/SP. Faculda-de de Educação, Universidade Estadual de Campinas – FE/Unicamp, 2003.

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Vale esclarecer também a forma como con-cebemos a relação da Estatística com a Matemáti-ca, numa perspectiva de ensino e aprendizagem, trazendo uma sistematização de um texto ante-rior produzido com um orientando de doutorado (PAMPLONA; CARVALHO, 2006, p.7):

Na Matemática são ocultados os problemas primeiros, os propósitos, as escolhas, restando um modelo que é reduzido e distante da realidade ou distante das práticas sociais a partir do qual ele foi gerado ou ressignificado. A Estatística, apesar de utilizar-se de uma linguagem matemática, não abandona o contexto a partir do qual foi criada. Desse modo, Matemática e Estatística tornam-se saberes complementares, auxiliando o educando a lidar com a abstração e a contextualizar os fenômenos originários das questões em estudos.

Parece que essa característica da Estatísti-ca de não “abandonar” os problemas primeiros vai ao encontro do trabalho com projetos e na perspectiva com a qual temos trabalhado, pois tais problemas são definidos conjuntamente por alunos e professor.

Os benefícios do trabalho com projetos no âmbito da Educação Matemática têm sido destacados por diversos autores, desde Lou-renço Filho (por exemplo, 1978), defendendo a “Escola Nova”. Não vamos nos ater a todas as vantagens, vamos nos apoiar na síntese de Biajone (idem,) que destaca que trabalhar com projetos:

1º) permite vivenciar um processo de investigação que integra conteúdos, métodos e fins (p.46);2º) permite t irar partido do envolvimento afetivo do aluno, bem como torná-lo sujeito de sua aprendizagem (p.49);3º) possibilita ao aluno aprender cooperativamente, l idar com imprevistos e se tornar consciente daquilo que o rodeia (p.51);4º) propicia uma postura e práticas docentes diferenciadas (p.53)

Podemos constatar que o quarto benefício diz respeito ao desenvolvimento profissional do

professor, presente com maior ou menor explici-tação nas considerações de final de dissertação das duas pesquisas tomadas como referência (MEGID, ibidem; BIAJONE, ibidem). Esse as-pecto será pouco abordado no presente artigo, pois tanto Megid como Biajone concordam que o trabalho de campo que desenvolveram em seus mestrados foi fundamental para que eles transformassem suas práticas docentes. Ou seja, nesse aspecto, só apresentou vantagens; não há problemas nem limitações.

Com a investigação foi possível perceber que [...] [é] importante que sejam utilizados, juntamente com os conhecimentos prévios dos alunos, os conhecimentos e as experiências pedagógicas dos professores. Nesta perspectiva, possibilita-se a interação dos conhecimentos dos alunos com as experiências pedagógicas e os conhecimentos dos professores. (MEGID, ibidem, p.178)[...] o trabalho proporcionou avanços na constituição da professora e da pesquisadora. (MEGID, ibidem, p.179)Ter adquir ido e igualmente proporcionado a consciência deste fato [da importância da cultura escolar estabelecida] aos seus próprios alunos da Pedagogia foi, sem dúvida, o ganho mais significativo que estas mesmas decepções, percalços e quebras de expectativas puderam contemplar. (BIAJONE, ibidem, p.210)Esse crescimento profissional, p o r é m , n ã o s e r e d u z a o conhecimento estatístico. [.. .] [O professor] desenvolveu um trabalho de projetos que assumiu uma perspectiva de protagonismo por parte dos alunos. (BIAJONE, ibidem, p.212)

Ainda não temos o registro escrito do possível desenvolvimento profissional de Conti, pois seu trabalho de campo ainda está em an-damento, mas em nossas conversas informais temos percebido benefícios ainda não siste-matizados, no que se refere tanto a sua prática docente como àquela dos dois licenciandos em Matemática, atuando com ela como estagiários e auxiliares de pesquisa.

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Além dessa unanimidade no que se refere ao crescimento profissional dos professores de Matemática quando desenvolvem um trabalho de projetos, poderíamos nos perguntar o que os leva a optar por essa abordagem quando decidem ensinar Estatística. Uma comparação das fases do método estatístico com as de um projeto (Quadro 1) ajuda-nos a compreender por que eles têm recorrido a essa dinâmica.

Fases do método estatístico(TOLEDO; OVALLE, 1985)

Fases de um projeto(PONTE, 1990)

1) Definição do problema 1) Definição do tema

2) Planejamento 2) Planejamento das ações

3) Coleta de dados

3) Realização das ações4) Apuração e organização dos dados

5) Apresentação dos dados

6) Análise e interpretação dos dados

4) Elaboração das análises e con-clusões

5) Divulgação e comunicação dos resultados

Quadro 1.Fonte: Biajone, ibidem; p.48.

Essa comparação leva-nos a inferir que os benefícios do método estatístico são garantidos com o trabalho de projetos, o que, no mínimo, garante a produção de algum conhecimento que, de certa forma, acontece. Mesmo considerando o cientificismo, apontado por Fiorentini e Lo-renzato (2006), que norteia a sequência de fases tanto em uma como em outra coluna, é inegável a importância desse conhecimento para alunos de todos os níveis de ensino (LOPES, 2004). Além disso, temos sido levados a defender que, se o problema a ser tratado estatisticamente ou o tema do projeto não forem realmente do alu-no, ele estará desenvolvendo uma tarefa cujo sentido é exclusivamente escolar, sem relação com o desejável aguçamento de olhar que o es-tatisticar6 pode proporcionar-lhe (PAMPLONA; CARVALHO, 2006). Ou seja, de acordo com nossa concepção de ensino e de aprendizagem, o aluno deve participar do projeto desde a definição do problema e/ou do tema para que compreenda realmente o que é utilizar o método estatístico. Se construir tabelas e elaborar gráficos são habi-lidades importantes, sua leitura é condicionada

6 Tivemos contato com o termo “estatisticar” na palestra de Régnier (2006) no Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEMAT) ocorrido em Recife, em julho de 2006. Vamos desenvolver um pouco mais em que sentido nós o estamos utilizando neste artigo um pouco mais adiante.

pela questão que motivou tal produção. De “outra forma, as ferramentas usadas para responder questões artificiais podem parecer artificiais também” (MEGID, ibidem, p.154). Além disso,

não há como negar que o desejo de conhecer mais sobre a realidade da inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais [tema do projeto] tenha sido a mola propulsora de todo o trabalho realizado e, por conseguinte, do aprendizado que eles adquiriram com relação ao papel, as potencialidades e as possibilidades da Estatística no âmbito do exercício de sua profissão. (BIAJONE, ibidem, p.178)

Norteados por essas hipótese e concepções, planejamos conjuntamente com os mestrandos seu trabalho de campo e temos acompanhado de perto o desenvolvimento de suas pesquisas, tanto na elaboração de atividades das diversas fases do projeto quanto na busca de subsídios teórico-metodológicos para a temática em si e para a análise das informações produzidas. Os trabalhos de mestrado serão apresentados na se-quência cronológica, para explicitar nossa busca de resolução dos problemas que foram apare-cendo e de superação de algumas das limitações impostas pela prática em cada caso.

Um é pouco...

Nas sessões de orientação com Megid, foi-se evidenciando que desejávamos um trabalho de sala de aula que promovesse a aprendizagem da Estatística, ou seja, que destacasse o aspecto da incerteza, do aleatório, do não-determinismo des-sa área de conhecimento humano... Não encon-tramos, em manuais didáticos, propostas que nos satisfizessem, pois nós nos fomos convencendo da necessidade de o estudo ser genuinamente do aluno, referir-se a uma temática que ele desejasse investigar, que se lhe constituísse em um problema. Desenvolver um projeto com a participação dos alunos desde a primeira fase – definição do tema – pareceu-nos uma alternativa que contemplaria nossas inquietações e lançamo-nos a ela. E parece que os alunos aderiram à nossa empreitada, pois o “fato de os alunos escolherem o tema da pes-quisa foi um dos principais fatores motivadores do trabalho” (MEGID, ibidem, p.154).

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Inicialmente, Megid iria trabalhar somente com uma classe de 6a série de uma escola pública sob responsabilidade de uma outra professora de Matemática, sua amiga pessoal. Durante a elaboração do projeto, ela foi se entusiasmando e resolveu levá-lo às aulas de Matemática sob sua responsabilidade na 6a série da escola particular na qual lecionava7.

Além daqueles benefícios relativos ao seu desenvolvimento profissional já mencionados, Megid (ibidem) destaca sete vantagens para a formação dos alunos. Um benefício, ocorrido nas duas escolas, foi terem os alunos – mesmo os que afirmaram nunca terem ouvido falar antes sobre essa área de conhecimento – constituído e ampliado concepções sobre a Estatística e sobre os instrumentos de organização de informações. Outra vantagem foi essa aprendizagem ter-se es-tendido a todos os alunos: aos “que nunca haviam tido contato com essa linguagem [a estatística], abria-se um caminho; aos outros, ampliavam-se as possibilidades de compreensão” (MEGID, ibidem, p.152). Também no que se refere à cons-tituição dos conteúdos matemáticos, os alunos apresentaram avanços. Para citar só três temas, temos a contagem de grandes quantidades; os cálculos para completar tabelas e para produzir gráficos; e o tratamento de porcentagem que “levava a vantagem de estar conectado com algo que apresentava sentido para os alunos naquele momento” (MEGID, ibidem, p.156); sem falar na manipulação dos instrumentos de desenho.

Uma quarta vantagem foi o aprendizado do trabalho em grupo: os alunos manifestaram ter percebido que dependia de cada um, de sua for-ma de participação em cada fase, o desenrolar das aulas e da aprendizagem. Saber trabalhar dessa maneira é um conhecimento importante, que não se restringe ao âmbito da instituição escola, pois envolve a constituição do saber participar de atividades coletivas, ouvir o outro, expor e acatar opiniões, produzindo assim novos conhe-cimentos. A mesma amplitude tem o registro de discussões e conclusões, seja via apresentações orais, seja via relatórios escritos: sua ação excede os limites dos bancos escolares.

Mas temos problemas e limitações... Uma delas foi que alguns temas estatísticos foram

7 Na escola pública, os alunos escolheram pesquisar “O que os alunos desta escola pensam do futuro?”, e, na escola par-ticular, “Racionamento de energia” (MEGID, 2002).

mencionados muito superficialmente, como a ideia de amostra; seria “necessário um trabalho mais detalhado para se alcançar a aprendizagem de todos os aspectos da Estatística” (MEGID, ibi-dem, p.153). Um segundo problema, relativo à relação entre o conteúdo matemático e as ideias estatísticas, é o trabalho com porcentagem. A ex-periência anterior dos alunos da escola particular com o tema mostrou-se importante, mas não os impediu de ter dificuldades; parece que “o cem por cento, que seria o todo teórico, não se consti-tuía ainda um instrumento internalizado” (ME-GID, ibidem, p.156, grifos da autora). Ou seja, os conhecimentos prévios dos alunos, matemáticos ou estatísticos, têm que ser mobilizados de forma adequada pelo professor; o trabalho de projetos, por si só, não garante essa mobilização.

Uma outra dificuldade com o trabalho de projetos foi que, apesar do envolvimento dos alunos, nem sempre as tarefas foram concluídas a contento, como nos relata a própria Megid (ibidem, p.155).

A contagem das respostas foi difícil nas duas escolas, sendo que na Escola A [pública] não conseguimos terminar de forma satisfatória, ou seja, as quantidades de respostas contadas não coincidiam com o total de questionários. Embora tivéssemos ficado com os totais relatados pelos alunos na classe, na confecção das tabelas apontei a eles que a discordância entre estas somas seria prejudicial numa pesquisa estatística. Mas chegamos a um acordo de que, para uma tarefa escolar, e por se tratar de uma primeira vez que estavam realizando um trabalho como aquele, poderíamos aceitar estas diferenças.

Além disso, se todos os alunos foram, de

alguma forma, beneficiados em sua formação estatística, três dos sete grupos da escola públi-ca não conseguiram registrar suas opiniões em momentos do trabalho. Provavelmente, esse fato deve-se a sua pouca– ou inexistente – experiência anterior em trabalhar em grupo.

Dois é bom...

Apesar de termos consciência das quatro limitações – ou seriam problemas? – que emer-giram no trabalho com projetos desenvolvido

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por Megid (ibidem), na pesquisa de Biajone resolvemos correr o risco novamente. Avaliamos que, se não fosse possível tratar adequadamente todos os temas estatísticos previstos na discipli-na “Estatística Aplicada à Educação”, os alunos compensariam esse fato com a constituição de um conhecimento mais significativo. Essa signi-ficação maior, de certa forma, favoreceria a mobi-lização de conhecimentos prévios escolares, ou não, tanto os matemáticos como os estatísticos. Supúnhamos também que, em se tratando do ensino superior, o envolvimento dos estudantes com as tarefas seria mais eficiente em relação ao sucesso destas. Além disso, por ser um curso de Pedagogia, fomos levados a supor que o trabalho em grupo fosse mais familiar àqueles alunos.

Biajone era recém-licenciado quando ini-ciou o mestrado. Tinha pouca experiência como professor de Matemática; podemos considerá-lo um professor iniciante (HUBERMAN, 1997). Em suas reflexões, ao cursar a disciplina “Prática de Ensino de Matemática e Estágio Supervisiona-do”, havia expressado – por escrito, nas mono-grafias e resenhas, e oralmente, nos seminários apresentados8 – sua insatisfação com as aulas ditas “tradicionais” e seu encantamento por di-nâmicas alternativas. Nas reuniões de orientação, fomos percebendo que desejávamos abandonar o que Alrø e Skovsmose (2006, p.25) chamam de absolutismo burocrático, advindo do absolutismo filosófico e que “vem à tona [em sala de aula] quando os erros (dos alunos) são tratados como absolutos. [...] Os alunos não são apresentados a uma argumentação, mas a uma autoridade apa-rentemente uniforme e consistente [o professor], muito embora os reais motivos para as correções possam ser bem outros”.

Além disso, sua experiência, embora pe-quena, como professor de “Estatística Aplicada à Educação”, em cursos de Pedagogia, indicava-lhe que a atitude negativa dos alunos com relação à Matemática, transferida para a Estatística, não era revertida com a abordagem tradicional com a qual vinha trabalhando. Desejávamos estabe-lecer uma dinâmica de cooperação investigativa (ALRØ; SKOVSMOSE, ibidem)9. Esperávamos,

8 Esses comentários estão registrados no caderno de anota-ções da autora deste texto, que era a professora responsável pela disciplina.9 Para aprofundamento desta ideia, vide Alrø e Skovsmose (2006), que indicam as características do diálogo para que se

como defende o próprio Skovsmose (2001), ins-pirado em Paulo Freire, que a adesão ao trabalho de projetos fosse uma alternativa para a consti-tuição de um conhecimento matemático crítico, opondo-se à “ideologia da certeza em Matemáti-ca”. Imaginamos que esse trabalho possibilitaria aos futuros pedagogos aquela aprendizagem da Estatística na qual está presente o aspecto da incerteza, do aleatório, do não-determinismo.

Quanto à atitude negativa com relação à Estatística, originada na aversão à Matemática, parece que houve um avanço importante, como menciona Biajone (ibidem, p.151), que destaca “o nível de (re)significação da postura dos alunos da Pedagogia em relação ao saber estatístico como uma resultante do prazer e da necessidade de aprender Estatística que o trabalho de projetos realizado possibilitou despertar nestes alunos”.

Uma outra vantagem, a de aprender a traba-lhar em grupos, que avaliamos não haveria naquele curso, foi revelada nas entrevistas dos participan-tes. Os alunos perceberam a importância de seu protagonismo nas aulas de Estatística no que se refere, tanto à produção de saberes quanto ao seu envolvimento com essa área de conhecimento.

Um primeiro destes benefícios residiu no fato de que ao se trabalhar em grupo, os alunos participantes são estimulados a discutirem diferentes soluções e estratégias para um problema, bem como aprender a debater, ponderar e acatar opiniões e contribuições alheias. Pelos relatos obtidos, percebe-se que este benefício foi vivenciado com a realização do projeto estatístico (BIAJONE, ibidem, p.155)

Alguns benefícios ocorridos no trabalho de Megid (ibidem) foram usufruídos também pe-los alunos de Biajone (ibidem), como: constituir e ampliar concepções sobre a Estatística e sobre os instrumentos de organização e tratamento de informações, destacando-se a produção e a leitura de tabelas e gráficos – nesse aspecto o uso do computador foi também um aprendizado importante –, além do cálculo de porcentagens. Além disso, o “zero” foi (re)significado, pois não era considerado como número e, tampouco, como frequência, pelos estudantes.

estabeleça uma dinâmica de cooperação investigativa em aulas de Matemática.

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Provavelmente devido à maior escola-rização, os alunos de Biajone (ibidem, p.182) perceberam quanto eles se aprofundaram no tema que resolveram investigar10 previamente à saída a campo: “nota-se pelo posterior registro em seus cadernos que aquela importância havia sido, de fato, reconhecida por eles, o que impli-cou, inclusive, a ampliação e consolidação do entendimento que os grupos passaram a ter do tema do projeto”.

Um quinto benefício do qual os alunos tomaram consciência e registraram em suas avalia-ções do curso foi a produção de novas informações a partir da leitura e da interpretação dos dados. Especificamente na formação do pedagogo, temos outras duas vantagens destacadas por Biajone (ibidem): “ser capaz de formular boas questões” (p.182); e elaborar “um instrumento de levanta-mento de dados” (p.183). Cada grupo “teve a chan-ce de contribuir para a construção do questionário a partir das questões que formulou, percebendo, neste processo, as demandas que um instrumento de levantamento de dados estatísticos poderia exigir antes de sair a campo” (p.183-184).

Mas...Apesar de, realmente, o envolvimento dos

alunos ter garantido maior eficiência das tarefas relativas ao projeto, Biajone (ibidem) destaca o problema do necessário enfrentamento do que denominamos a cultura escolar estabelecida, o que ocorreu sob dois aspectos: um deles foi o sis-tema de avaliação da aprendizagem com o qual os estudantes e o professor estavam acostumados e tinham táticas para enfrentar. Referimo-nos à tática, como concebido por Certeau (1994, p.46), ou seja, esta é:

um cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um “ambiente”. A tática só tem por lugar o do outro. Ela se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capitalizar os seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência em face das circunstâncias.

A cultura escolar estabelecida constitui-

10 Crianças com necessidades educacionais especiais.

se como o outro a que Certeau (idem) se refere. Tanto alunos como professor concordavam que a avaliação baseada em provas não reflete a aprendizagem ocorrida e nem o ensino minis-trado. Entretanto, as providências para prevenir o fracasso com relação a elas são conhecidas, já tinham se constituído em táticas:

- aos alunos cabe “mecanizar/decorar” os procedimentos de resolução de exercícios; e

- ao professor, elaborar provas com exercícios bem semelhantes aos resolvidos em aula e considerar, na correção, qualquer traço de resolução apresentado.

A avaliação de um tipo de trabalho no qual a presença e as reflexões de aula são insubstituí-veis e não há como “copiar” a matéria do colega, parecia àqueles estudantes impossível de ser realizada sem “grandes injustiças”. As outras dis-ciplinas que avaliavam através de provas foram ocupando os espaços da Estatística Aplicada à Educação e as tarefas foram delegadas aos colegas de grupo presentes às aulas e/ou ao professor, que precisava que o projeto terminasse e seus resultados fossem divulgados e comunicados. A nota requerida pela secretaria da escola seria fatalmente “injusta”, pois não havia como orde-nar as produções que vinham realizando. Biajone teve que recorrer a um sistema de “atribuição de pontos” que lhe custou o aderir a um aspecto da cultura escolar estabelecida que esperava combater.

Outra decorrência do enfrentamento da cultura escolar estabelecida que se constituiu como uma limitação do trabalho com projetos foi o desempenho dos grupos: somente quatro dos sete grupos terminaram o curso com algu-ma coesão. Os componentes mais frequentes às aulas dos outros três grupos manifestaram, seis meses depois do final do curso, seu des-conforto em ter de assumir as tarefas sozinhos. Há dois pontos que, de certa forma, nos pare-cem paradoxais: nenhum aluno participante da pesquisa manifestou discordância quanto à importância daquele tipo de trabalho em aulas de Estatística, e durante o desenvolvi-mento do projeto nenhum aluno manifestou esse desconforto, mesmo tendo um caderno no qual poderia fazer observações desse tipo. Esse último ponto, provavelmente, deve-se a

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uma concepção de coleguismo equivocada, segundo a qual não é importante a produção de conhecimento, e sim a nota do colega, que pode ser prejudicada.

Outra fonte de expectativa foi o (re)signi-ficar dos saberes estatísticos por aqueles alunos, o que parece não ter ocorrido a ponto de tais saberes serem transformados em instrumentos explícitos de produção de novos conhecimentos. Não houve “um trabalho mais apurado de análise e interpretação [...] respaldado com o tratamento das medidas estatísticas descritivas previstas pela disciplina” (BIAJONE, ibidem, p.187). Con-sideramos, portanto, que essa falha permaneceu na formação daquelas pessoas como pedagogos, como administradores escolares.

Com três, aprendemos!?!?

Enfrentar problemas emergentes da prática pedagógica e superar limitações impostas pelas circunstâncias do cotidiano escolar constituem, na concepção com a qual temos trabalhado, objetivos principais da pesquisa em Educação Matemática. Sendo assim, avaliamos que, no desenvolvimento da pesquisa de mestrado de Conti, poderíamos fazer um trabalho de projetos na Educação Estatística que enfrentasse os desa-fios que nos tinham sido apontados por Megid (ibidem) e por Biajone (ibidem). A enunciação das soluções propostas às questões decorrentes dos projetos desenvolvidos nas duas 6as séries e na disciplina Estatística Aplicada à Educação se-rão inseridas na narrativa do trabalho de campo da mestranda, ainda em andamento.

No projeto apresentado por Conti para se-leção do mestrado já se manifestava seu desejo de trabalhar com aulas exploratório-investigativas que podemos, sem perda de conteúdo pedagó-gico, indicar como um modelo de cooperação investigativa. Como explicita Fiorentini, (2006, p.29, grifo do autor):

As aulas exploratório-investigativas são aquelas que mobilizam e desencadeiam, em sala de aula, tarefas e atividades abertas, exploratórias e não-diretivas do pensamento do aluno e que apresentam múltiplas possibilidades de alternativa de tratamento e significação.

O objetivo desse projeto é investigar o en-sino e a aprendizagem de Estatística em classes do segundo segmento do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nos encon-tros de orientação destinados a aprimorar o projeto para submetê-lo à Fapesp (CONTI, ibidem, p.11), consideramos que o trabalho com projetos aten-deria aos objetivos da pesquisa que desejávamos desenvolver e propiciaria a produção de material de análise para abordar a questão: “Quais as possibilidades e os limites das aulas exploratório-investigativas no ensino da Estatística, em aulas de Matemática, no segundo segmento do ensino fundamental da EJA?”. Esse trabalho vem sendo desenvolvido, desde março de 2007, em uma 7a sé-rie do ensino fundamental da EJA11 de uma escola pública paulista. A pesquisadora foi auxiliada por dois estagiários, licenciandos em Matemática, que a acompanharam no trabalho de campo.

Consideramos que o diálogo com Rég-nier (2006) deveria dar-nos pistas para incluir a habilidade de estatisticar entre aquelas a serem desenvolvidas na escola básica, assim como as de ler, escrever e contar. Assumir o estatisticar como básico para o letramento do aluno tem-nos indica-do uma perspectiva de ensino que visa superar as limitações que tínhamos enfrentado no trabalho de campo de Megid (ibidem) e Biajone (ibidem). Aproximamos o estatisticar da literacia estatística explicitada por Lopes (2004, p.188) como:

A aquisição de habilidades relativas à literacia estatística requer o desenvolvimento do pensamento estatístico, o qual permite que a pessoa seja capaz de utilizar ideias estatísticas e atribuir um significado à informação estatística. Por outras palavras, ser capaz de fazer interpretações a partir de um conjunto de dados, de representações de dados ou de um resumo de dados. O pensamento estatístico consiste em uma combinação de ideias sobre dados e incerteza, que conduzem uma pessoa a fazer inferências para interpretá-los e, ao mesmo tempo, apropriar-se de conceitos e ideias estatísticas como a distribuição de frequências, medidas de posição e dispersão, incerteza, acaso e amostra.

11 As quatro últimas séries do ensino fundamental de cursos presenciais destinados à EJA das escolas públicas estaduais paulistas desenvolvem-se em dois anos, cada uma delas correspondendo a um semestre letivo.

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Os alunos das duas 6as séries e os do curso de Pedagogia haviam feito as inferências mais simples, mas tínhamos dúvidas sobre a consti-tuição de um conhecimento estatístico que se transformasse em instrumento de análise, que aguçasse o olhar dos alunos para a produção de informação possível a partir dessa aprendiza-gem. Ou seja, parecia-nos fundamental superar a limitação do trabalho com projetos referente à aprendizagem da Estatística: tínhamos que estabelecer ideias que seriam abordadas de forma a poder constar em um rol programático de temas que os alunos tivessem consciência de ter estudado conosco. Sendo assim, incluímos, no apertado cronograma de Conti, a elaboração de uma síntese das ideias estatísticas – registra-da pelos alunos nos portfolios individuais que produziram.

No que se refere à contagem das respostas dadas às questões dos questionários, não apa-receram às questões que Megid (ibidem) relata. Podemos supor que o ocorrido deva-se ao fato de Conti ter elaborado instrumentos de confe-rência mais eficientes. Entretanto, levantamos outras duas hipóteses sobre esse sucesso dos alunos de EJA, confirmadas por passagens nos diários de campo dos licenciandos e por remi-niscências da autora12. Uma primeira suposição é que esses estudantes valorizam mais essa tarefa mecânica de contagem, pois têm mais consciên-cia da importância das tabelas que estão sendo construídas como instrumento de, pelo menos, organização dos dados. Podemos supor, também, que eles têm mais paciência com as limitações humanas em tarefas desse tipo, talvez com base em experiências não-escolares. Resta-nos a ques-tão: este trabalho necessitaria de alunos mais velhos? Perguntamo-nos também se os recursos de informática não resolveriam esse problema sem aprisionar os adolescentes.

Outro problema encontrado por Biajone (ibidem) que procuramos superar diz respeito à úl-tima fase do projeto: a divulgação e comunicação dos resultados. Desejávamos que ela fosse a sexta fase do método estatístico: a análise e interpreta-ção dos dados baseadas nas tabelas e nos gráficos construídos. Conti então avaliou que um pôster, que privilegia mais os aspectos de ilustração,

12 Durante nove anos de trabalho como professora de Mate-mática de EJA, a autora teve oportunidade de desenvolver vários projetos com seus alunos.

contemplaria mais os instrumentos estatísticos, o que realmente ocorreu. Um dos grupos, inclusive, considerou que, por haver uma grande concentra-ção de alunos na primeira faixa etária13, a tabela de idades dos alunos informaria mais que o gráfico. Assim, colocaram-na em seu pôster.

Quanto ao trabalho em grupo, parece que a hipótese levantada em texto anterior (LIBE-RATO; CARVALHO, 2006, p.5) confirmou-se no desenvolvimento do projeto de Conti: “os alunos [de EJA] consideram que existe uma cooperação entre colegas de diferentes faixas etárias”. Sendo assim, os grupos vêm trabalhando colaborativa-mente e apresentando até aqui uma produção que pode ser considerada de boa qualidade para uma 7a série do ensino fundamental: as sínteses elaboradas foram anotadas nos portfolios indi-viduais, e as conclusões de cada grupo estão presentes nos pôsteres.

Quanto ao enfrentamento da cultura escolar estabelecida, a “autonomia” que os professores paulistas têm tido na avaliação da aprendizagem de seus alunos e a valorização do projeto pela direção da escola, permitindo a divulgação à comunidade, têm mantido os alu-nos envolvidos, mesmo considerando não serem mais alunos de Conti14 e já estarem cursando a 8a série no semestre em que este artigo está sendo escrito.

O tempo para a superação

Durante o desenvolvimento dos projetos de ensino de Estatística, nossa sensação é de que estamos elaborando estratégias para enfrentar a cultura escolar, mas temos receio que estejamos criando apenas táticas com relação ao tempo, pois, como postula Certeau (ibidem, p.47), como sujeitos de querer e poder, não somos isoláveis de um ambiente a ponto de o nosso próprio tempo vencer o “tempo escolar”; além disso, “pelo fato do seu não-lugar, a tática depende do tempo, vigiando para ‘captar no voo’ possibilidades de ganho”. Temos constantemente que jogar com os

13 Os alunos que responderam aos questionários eram, em sua maioria, de classes regulares, e não da EJA, daí a concentração na faixa etária de 14 a 18 anos.14 Por determinação de seu contrato com a agência financia-dora, Conti teve de se exonerar de seu cargo de professora efetiva do Estado de São Paulo para receber a bolsa. A pessoa que a substituiu aceitou que ela continuasse a desenvolver seu trabalho de campo na classe na qual já havia começado.

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tempos escolares e transformar os acontecimen-tos em ocasiões, e nossa “síntese intelectual tem por forma não um discurso, mas a própria deci-são, ato e maneira de aproveitar a ‘ocasião’”.

Assim, para Megid (ibidem), as restri-ções relativas ao tempo ocorreram na escola pública e, na sua opinião, quase não compro-meteram o trabalho: uma faixa e um painel destinados à divulgação dos resultados não foram expostos em uma feira ocorrida na es-cola, conforme estava programado. Podemos perceber que ela aproveitou a ocasião de uma colega, com a qual mantinha relações pessoais de amizade, dar-lhe espaço para o trabalho de campo de sua pesquisa e desenvolveu junto com os alunos o projeto “O que os jovens desta escola pensam do futuro?”. Não temos notícias sobre o quanto seu mestrado transformou o projeto daquelas escolas – inclusive da escola particular – e, além disso, temos poucas razões para ser otimistas...

Biajone (ibidem), em diversos pontos da sua dissertação, destaca o quanto os tempos escolares eram do outro, no sentido de Certeau (ibidem). Destacamos alguns trechos que con-cretizam nossa afirmação:

[...] mas a exiguidade do número de encontros disponíveis impossibilitou com que o trabalho mais apurado de análise e interpretação dos enfoques pudesse ser realizado e respaldado com o tratamento aprofundado das medidas estatísticas das medidas estatísticas descritivas previstas pela disciplina.Em função da necessidade de concluir o projeto a tempo, o prof. Jefferson teve de agir na urgência e decidir na incerteza, pois só seria possível fazer uso de uma destas medidas15 se o intuito era o de fornecer aos alunos uma ferramenta a mais na execução de suas análises. (p.187, grifos nossos)

O único porém é que es ta contribuição [ser protagonista da sua aprendizagem] não foi forte o bastante para suportar o impacto das dificuldades concretas da vida dos alunos da turma, dos imprevistos, das aulas suspensas,

15 Ele optou por abordar média de freqüência, e a moda foi abordada implicitamente.

das faltas generalizadas e, sobretudo, do desengajamento por parte de alguns deles que ocorreu ao longo do semestre. Consequentemente, se não fosse pelo comprometimento dos demais grupos e a minha participação nas próprias atividades para assegurar a realização do projeto, acredito que este não teria sido concluído a tempo. (p.167, grifo nosso)[...] há circunstâncias operacionais inerentes tanto da instituição na qual este trabalho está se desenvolvendo, como do currículo no qual ele se encontra inserido que podem comprometer o seu sucesso.A q u e s t ã o d a p r e s e n ç a e participação discentes, bem como dos procedimentos de avaliação foram os exemplos mais marcantes destas circunstâncias, além do que a complexidade do próprio trabalho de projeto demonstrou necessitar de mais encontros para garantir a sistematização dos conceitos e conteúdos estatísticos previstos naquela disciplina, ou seja, de um calendário escolar mais flexível. (p.203, grifos nossos)

À questão da cultura escolar, soma-se o fato de que os imprevistos e problemas gerados pela própria instituição contribuíram da sua maneira, reduzindo o número de encontros disponíveis e quebrando a continuidade do projeto (p.206, grifo nosso)

Parece que criar estratégias no ensino superior enfrenta maiores resistências. Cada tática elaborada parece não dispor de base na qual capitalize seus proveitos, prepare suas ex-pansões e assegure uma independência em face das circunstâncias; não se liberta dos tempos, principalmente os escolares. E, por mais que busquemos estratégias, acabamos recorrendo a táticas – é ao que temos acesso. Parece que a organização do tempo na escola é um algoz do qual não conseguimos nos desvencilhar.

Não desistimos!!! Um dos estagiários que trabalharam com Conti no primeiro semestre de 2007, Gilberto da Silva Liberato, resolveu – en-frentando a questão do tempo – desenvolver o trabalho de campo da sua iniciação científica16,

16 Financiado pela Fapesp, processo nº 05/50265-4.

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dando continuidade ao projeto de ensino de Estatística. Quais avanços conseguiremos no trabalho de Conti e de Liberato?

Referências

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BIAJONE, Jefferson. Trabalhos de projetos: pos-sibilidades e desafios na formação estatística do pedagogo. Campinas/SP. Dissertação de Mestrado em Educação, FE/Unicamp, 2006.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim F. Alves. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994 (publicado em francês em 1990).

CONTI, Keli Cristina. Projetos colaborativos entre estagiários licenciandos em Matemática e profes-sores da escola básica: a Estatística na Educação de Jovens e Adultos. Submetido à Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) em 2006, aprovado em 2007, processo nº 06/59154-3.

CORTESÃO, Luiza; LEITE, Carlinda; PACHECO José Augusto. Trabalhar com projetos em Edu-cação. Uma inovação interessante? Porto: Porto Editora, 2002.

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profis-sional dos professores. In: NÓVOA, A. ( o r g . ) . Vi d a s d e p r o f e s s o r e s . Po r -to: Porto Editora, Coleção Ciências da Educação, n.4, 1997.

LIBERATO, Gilberto S.; CARVALHO, Dione L. de. A relação entre adolescentes e adultos nas aulas de Ma-temática de EJA (Educação de Jovens e Adultos). In: Anais... VIII EPEM – Encontro Paulista de Educação Matemática, São Paulo, 24 a 26 ago. 2006, CD-ROM.

LOPES, Celi Aparecida E. (org.). Matemática em projetos: uma possibilidade! Campinas/SP: FE/Unicamp; Cempem, 2003.

LOPES, Celi Aparecida E. Literacia estatística e o INAF 2002. In: FONSECA, Maria da Conceição F. R. (org.). Letramento no Brasil: habilidades ma-temáticas: reflexões a partir do INAF 2002 – São Paulo: Global: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação. Instituto Paulo Montenegro, 2004, p.187-197.

MEGID, Maria Auxiliadora B. A. Professores e alunos construindo saberes e significados em um projeto de Estatística para a 6a série: estudo de duas experiências em escolas pública e parti-cular. Campinas/SP. Dissertação de Mestrado em Educação, FE/Unicamp, 2002.

PAMPLONA, Admur Severino; CARVALHO, Dione L. de. Ensino de Estatística e práticas pe-dagógicas. In: Anais... SIPEMAT – Simpósio In-ternacional de Pesquisa em Educação Matemática, Recife, 10 a 14 jul. 2006, CD-ROM.

RÉGNIER, Jean-Claude. Formação do espírito estatístico e cidadania: instrumentos matemáticos para a leitura do mundo. In: Anais ... SIPEMAT, Recife, 10 a 14 jul. 2006, CD-ROM.

SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática crítica: a questão da democracia. Tradução de Abgail Lins e Jussara de Loiola Araújo. Campinas/SP: Papirus, 2001.

Dione Lucchesi de Carvalho – Prapem – Prática Pedagógica em Matemática – FE/Unicamp – [email protected]

Artigo encomendado.

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TRABALHANDO VOLUME DE CILINDROS ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Working on Cylinder Volume Through Problem Solving

Lourdes de la Rosa Onuchic

Norma Suely Gomes Allevato

Resumo

O objetivo do presente artigo é apresentar a metodologia de ensino-aprendizagem-avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas, como metodologia para o trabalho em sala de aula. Analisamos uma experiência realizada com professores em formação inicial e em exercício, em que o tópico matemático era a Geometria, especificamente o cálculo do volume de cilindros. Um minicurso foi ministrado aos professores, que realizaram atividades do mesmo modo que consideramos que a metodologia de ensino deveria ser implementada por eles, com seus alunos, em aulas de Matemática. A ideia era a de resolver um problema que foi proposto aos participantes pelas autoras deste artigo, partindo da constatação, a partir da manipulação de uma experiência concreta, para, em seguida, promover uma discussão e reflexões sobre o conteúdo e, somente ao final do trabalho, chegar à formalização da nova matemática construída. Os professores participantes puderam vivenciar essa forma de trabalho docente, em que os problemas são ponto de partida para a introdução de novos conceitos e novos conteúdos matemáticos em aula.

Palavras-chave: Ensino médio. Resolução de problemas. Metodologia de ensino. Geometria.

Abstract

The objective of this article is to present the “Teaching-Learning-Assessment Methodology of Mathematics through Solving Problems” as a work methodology proposed for the classroom.

In it we analyzed an experience done with pre-service and in-service teachers, where the worked topic was Geometry, and specifically the cylinder’s volume calculation. A course was furnished to the teachers who did activities in the same way it would be treated in that learning methodology which would be implemented by them, with their learners during the math lessons. The idea was to solve a problem proposed to the participants under the guide of the authors of this article, going from the confirmation acquired from a concrete experienced manipulation, promoting reflections and a real discussion about new contents. Only at the work end, the authors could go to a correct mathematical formalization of the constructed new math. Then, we believe, the participant teachers could live that kind of teaching work, where the problems are the start point for the introduction of new concepts and new mathematical contents in their classrooms.

Keywords: High School. Problem Solving. Teaching-Learning-Assessment Methodology. Geometry.

Introdução

Este artigo relata o sucedido durante um minicurso oferecido para professores e futuros professores que buscavam recursos para uma nova forma de trabalhar matemática em suas salas de aula. Fazendo uso da metodologia de ensino-aprendizagem-avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas, um problema envolvendo o cálculo do volume de cilindros

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permitiu rever e construir novos conhecimentos de Matemática com compreensão e significado.

A resolução de problemas como metodologia de ensino

Para Van de Walle (2001), muitas vezes se fala em trabalhar com problemas para ensinar matemática sem se ter uma ideia clara do que é um problema. Há muitas diferentes concepções de problema. Para nós, é tudo aquilo que não sabe-mos fazer, mas que estamos interessados em fazer. Para ele, um problema é definido como qualquer tarefa ou atividade para a qual os estudantes não têm métodos ou regras prescritas ou memorizadas e nem a percepção de que haja um método espe-cífico para chegar à solução correta.

Assim é importante reconhecer que a ma-temática deve ser trabalhada através da resolução de problemas, ou seja, que tarefas envolvendo problemas ou atividades sejam um veículo pelo qual um currículo pode ser desenvolvido. A aprendizagem será uma consequência do pro-cesso de resolução de problemas.

Vale relembrar que, em 1989, a publicação Curriculum and Evaluation Standards1 (NCTM, 1989) dizia que a resolução de problemas deveria ser o objetivo principal de todo o ensino de mate-mática e uma parte integrante de toda a atividade matemática, e que os alunos deveriam fazer uso de abordagens em resolução de problemas para investigar e compreender os conteúdos matemá-ticos. Durante dez anos permaneceu evidente a ideia de que resolução de problemas era um veículo forte e eficiente para a aprendizagem ma-temática. Os Standards2 (NCTM, 2000) afirmam, de uma maneira convincente, que resolução de problemas não é só um objetivo da aprendizagem matemática, mas, também, um meio importante para se fazer matemática. Essa visão, mesmo hoje, está longe de ser alcançada. Entretanto, na sala de aula, onde os professores têm adotado essa abordagem, o entusiasmo de professor e alunos é alto e ninguém quer voltar a trabalhar com a forma de ensino tradicional.

1 Curriculum and Evaluation Standards for School Mathema-tics – Padrões Curriculares e de Avaliação para a Matemática Escolar (EUA).2 Standards 2000 – Principles and Standards for School Ma-thematics – Princípios e Padrões para a Matemática Escolar (EUA).

Para Van de Walle (2001), a resolução de pro-blemas deve ser vista como a principal estratégia de ensino, e ele chama a atenção para que o trabalho de ensinar comece sempre onde estão os alunos, ao contrário da forma usual em que o ensino começa onde estão os professores, ignorando-se o que os alunos trazem consigo para a sala de aula. Diz ainda que o valor de se ensinar com problemas é muito grande e que, apesar de ser difícil, há boas razões para empreender esse esforço.

O ensino-aprendizagem de um tópico matemático deve sempre começar com uma situação-problema que expressa aspectos-chave desse tópico, e técnicas matemáticas devem ser desenvolvidas na busca de respostas razoáveis à situação-problema dada. O aprendizado, des-se modo, pode ser visto como um movimento do concreto (um problema do mundo real que serve como exemplo do conceito ou da técnica operatória) para o abstrato (uma representação simbólica de uma classe de problemas e técnicas para operar com esses símbolos).

Sem dúvida, ensinar matemática através da resolução de problemas é uma abordagem consistente com as recomendações do NCTM3 e dos PCN4 (BRASIL, 1997, 1998, 1999), pois conceitos e habilidades matemáticos são apren-didos no contexto da resolução de problemas. O desenvolvimento de processos de pensamento de alto nível deve ser promovido através de experi-ências em resolução de problemas, e o trabalho de ensino de matemática deve acontecer num ambiente de investigação orientada em resolução de problemas.

Em nossa visão, a compreensão de mate-mática, por parte dos alunos, envolve a ideia de que compreender é essencialmente relacionar. Essa posição baseia-se na observação de que a compreensão aumenta quando o aluno é capaz de: relacionar uma determinada ideia matemá-tica a um grande número ou a uma variedade de contextos, relacionar um dado problema às mui-tas ideias matemáticas implícitas nele e construir relações entre essas várias ideias matemáticas. Ressalte-se que as indicações de que um estudan-te entende, interpreta mal ou não entende ideias matemáticas específicas surgem, com frequência, quando ele resolve um problema.

3 National Council of Teachers of Mathematics – Conselho Nacional de Professores de Matemática (EUA).4 Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil).

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Acreditamos que, ao trabalhar com re-solução de problemas, deveríamos fazer da compreensão seu foco central e seu objetivo. O papel da resolução de problemas no currículo passaria, desse modo, de uma atividade limitada para engajar os alunos, depois da aquisição de certos conceitos e determinadas técnicas, para ser tanto um meio de adquirir novo conhecimen-to como um processo no qual pode ser aplicado aquilo que previamente havia sido construído (ONUCHIC, 1999).

Van de Walle (2001) sugere que uma aula, através da resolução de um problema, deve ser estruturada em três partes: antes, durante e depois. Para a primeira parte, o professor deve garantir que os alunos estejam mentalmente prontos para receber a tarefa, isto é, o professor deve saber que um conhecimento prévio deve ser do domínio do aluno para a construção dessa nova matemática que ele quer construir. Na fase “durante”, os alunos trabalham e o professor observa e avalia esse trabalho. Nessa fase, o professor deve fornecer pistas, mas não soluções; estimular os estudantes a explicarem e testarem suas próprias ideias; ouvir atentamente enquanto, em grupos, os alunos estão em busca da solução do problema. Na terceira, “depois”, o professor aceita as soluções dos alunos sem avaliá-las e coloca a classe toda em discussão, numa plenária, enquanto os alunos justificam e avaliam seus resultados e métodos. Então, o professor formaliza os novos conceitos e novos conteúdos construídos.

A metodologia de ensino-aprendizagem-avaliação de Matemática através da resolução de problemas

A opção de utilizar a palavra composta ensino-aprendizagem-avaliação tem o objetivo de expressar uma concepção em que ensino e aprendizagem devem ocorrer simultaneamente durante a construção do conhecimento, tendo o professor como guia e os alunos como co-cons-trutores desse conhecimento. Além disso, essa metodologia integra uma concepção mais atual sobre avaliação. Ela é construída durante a reso-lução do problema, integrando-se ao ensino com vistas a acompanhar o crescimento dos alunos, aumentando a aprendizagem e reorientando as práticas de sala de aula, quando necessário.

O ensino-aprendizagem-avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas é diferente daquele trabalho em que regras de “como fazer” são privilegiadas. Trata-se de um trabalho onde um problema é ponto de partida e orientação para a aprendizagem, e a construção do conhecimento far-se-á através de sua reso-lução. Professor e alunos, juntos, desenvolvem esse trabalho, e a aprendizagem realiza-se de modo cooperativo e colaborativo em sala de aula (ALLEVATO; ONUCHIC, 2007; ONUCHIC; ALLEVATO, 2005, 2009).

Não há formas rígidas para colocar em prática essa metodologia. Uma nossa proposta consiste em organizar as atividades seguindo as seguintes etapas a seguir.

1) Preparação do problema – Selecionar um problema visando à construção de um novo conceito, princípio ou procedimento. Esse problema será chamado problema gerador. É bom ressaltar que o conteúdo matemático necessário para a resolução do problema não tenha ainda sido trabalhado em sala de aula2) Leitura individual – Entregar uma cópia do problema para cada aluno e solicitar que seja feita sua leitura.3) Leitura em conjunto – Formar grupos e solicitar nova leitura do problema, agora nos grupos. Se houver dificuldade na leitura do texto, o próprio professor pode auxiliar os alunos, lendo-lhes o problema. Se houver, no texto do problema, palavras desconhecidas para os alunos, surge um problema secundário. Busca-se uma forma de poder esclarecer as dúvidas e, se necessário, pode-se, com os alunos, consultar um dicionário.4) Resolução do problema – De posse do problema, sem dúvidas quanto ao enunciado, os alunos, em seus grupos, num trabalho cooperativo e colaborativo, buscam resolvê-lo. Considerando os alunos como co-construtores da “matemática nova” que se quer abordar, o problema gerador é aquele que, ao longo de sua resolução, conduzirá os alunos para a construção do conteúdo planejado pelo professor para aquela aula.5) Observar e incentivar – Enquanto os alunos, em grupo, buscam resolver o

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problema, o professor observa, analisa o comportamento dos alunos e estimula o trabalho colaborativo. Ainda, o professor, não mais como transmissor do conhecimento, mas como mediador, leva os alunos a pensar, dando-lhes tempo e incentivando a troca de ideias entre eles. O professor incentiva os alunos a utilizar seus conhecimentos prévios e técnicas operatórias já conhecidas necessárias à resolução do problema proposto. Estimula-os a escolher diferentes caminhos (métodos) a partir dos próprios recursos de que dispõem. Entretanto, é necessário que o professor atenda os alunos em suas dificuldades, colocando-se como interventor e questionador. Acompanha suas explorações e ajuda-os, quando necessário, a resolver problemas secundários, que podem surgir no decurso da resolução e que lhes poderão dificultar a continuação do trabalho: notação, passagem da linguagem vernácula para a linguagem matemática, conceitos relacionados, técnicas operatórias e outros.6) Registro das resoluções na lousa – Representantes dos grupos são convidados a registrar, na lousa, suas resoluções. Resoluções certas, erradas ou feitas por diferentes processos devem ser apresentadas para que todos os alunos as analisem e discutam.7) Plenária – Para esta etapa são convidados todos os alunos para discutirem as diferentes resoluções registradas na lousa pelos colegas, para defenderem seus pontos de vista e esclarecerem suas dúvidas. O professor coloca-se como guia e mediador das discussões, incentivando a participação ativa e efetiva de todos os alunos. Esse é um momento bastante rico para a aprendizagem.8) Busca do consenso – Após serem sanadas as dúvidas e analisadas as resoluções e soluções obtidas para o problema, o professor tenta, com toda a classe, chegar a um consenso sobre o resultado correto.9) Formalização do conteúdo – Nesse momento, denominado “formalização”, o professor registra na lousa uma apresentação “formal” – organizada e estruturada em linguagem matemática – padronizando os conceitos, os princípios e os procedimentos construídos através da resolução do problema, destacando as diferentes técnicas

operatórias e as demonstrações das propriedades qualificadas sobre o assunto.

Reitere-se que, nessa metodologia, os pro-blemas são propostos aos alunos antes de lhes ter sido apresentado formalmente o conteúdo matemático necessário ou mais apropriado à sua resolução que, de acordo com o programa da dis-ciplina para a série atendida, é pretendido pelo professor. Dessa forma, o ensino-aprendizagem de um tópico matemático começa com um pro-blema que expressa aspectos-chave desse tópico e técnicas matemáticas devem ser desenvolvidas na busca de respostas razoáveis ao problema dado. A avaliação do crescimento dos alunos é feita, continuamente, durante a resolução do problema.

O trabalho com geometria no ensino médio

Depois de algum tempo de abandono, parece que o ensino de geometria está sendo revitalizado. Apesar disso, os professores se preocupam com esse tipo trabalho, pois eles o veem, relacionado com espaço e forma, ainda fortemente ligado às demonstrações de teoremas que garantam a construção e a validação de fór-mulas. Entretanto, atualmente a geometria está sendo vista como um ramo da matemática pre-sente em quase todos os currículos e, na maioria das vezes, trabalhado, tanto a geometria plana quanto a espacial, no ensino médio.

É preciso considerar os objetivos da geo-metria, em termos de duas estruturas bastante diferentes, mas relacionadas: o raciocínio espa-cial e seu conteúdo específico. A primeira dessas estruturas refere-se ao modo como os estudantes pensam e raciocinam sobre forma e espaço; há uma base teórica, bem pesquisada, para organizar o desenvolvimento do pensamento geométrico que guia essa estrutura. A segunda estrutura é o conteúdo em seu sentido mais tradicional – ter conhecimento sobre simetria, triângulos, linhas paralelas, etc.

Outro fato a considerar é que a relação entre medida e geometria é mais evidente no desenvolvimento de fórmulas para medidas de figuras geométricas. As fórmulas nos ajudam a usar medidas mais fáceis para determinar indiretamente alguma outra medida que não é tão facilmente encontrada. Por exemplo, é fácil medir as três dimensões de uma caixa com uma

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régua, mas não é tão fácil medir o volume da mesma caixa. Usando uma fórmula, o volume pode ser determinado a partir das medidas dos comprimentos.

Embora as fórmulas se apresentem como caminhos eficientes para determinar medidas, infelizmente elas podem mascarar o que está sendo medido. Por exemplo: quando a fórmula do volume refere-se às medidas dos lados de um objeto tridimensional, os estudantes se con-fundem quanto à forma de unidades lineares transformarem-se em unidades cúbicas.

Uma das descobertas mais interessantes que as crianças podem fazer é a de buscar a rela-ção entre o comprimento C da circunferência de um círculo (a distância que circunda o círculo ou o perímetro) e o comprimento D do diâmetro (uma reta que passa pelo centro ligando dois pontos da circunferência). O comprimento da circunferência de um círculo é cerca de 3,14 vezes o comprimento do diâmetro. A razão exata entre C e D é um número irracional próximo de 3,14eérepresentadopelaletragregaπ.Assim,π= C/D, o comprimento da circunferênciadividido pelo seu diâmetro. Ou, de uma forma diferente,C=πD.Comometadedodiâmetroé o raio r, então a mesma equação pode ser escritaC=2πr.

A busca de uma fórmula para o cálculo da área A de um círculo pode ser feita de várias maneiras. Uma delas, utilizando um trabalho manual com os alunos, poderia ser realizado tomando-se um círculo e dividindo-o em 8 se-tores, todos tendo a mesma área:

Figura 1: Círculo dividido em 8 setores

Os 8 setores podem ser arranjados numa figura “próxima de um paralelogramo”, assim:

Figura 2: Figura formada por 8 setores

Se, ao invés de 8, construíssemos 24 seto-res, essa figura ficaria “muito mais próxima de um paralelogramo”:

Figura 3: Figura formada por 24 setores

Como o número de setores pode se tornar bem maior, a figura então se tornará “mais e mais próxima de um retângulo”, que é um particular paralelogramo:

Figura 4: Área do retângulo

cujaáreaédadaporA=(πrxr)=πr2.Observamos que essa abordagem, para

desenvolver a fórmula da área de um círculo, deveria ser trabalhada pelos próprios alunos, individualmente ou em grupos, fazendo com que os alunos descobrissem como arranjar 8, 12 ou 24 setores de um círculo numa figura cada vez mais parecida com um paralelogramo.

No ensino médio, os alunos já terão traba-lhado as ideias de área e perímetro. A maioria deles pode encontrar a área e o perímetro de determinadas figuras, e esses alunos podem até estabelecer as fór-mulas para achar o perímetro e a área de um retân-gulo. Entretanto, eles ainda, com frequência, ficam confusos quanto à fórmula que devem utilizar.

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Uma pergunta que o professor deve fazer, nessa situação, aos alunos seria: O que se entende por perímetro? Como se mede o perímetro? Depois de chegar a essas definições, pode-se enfatizar que as unidades usadas para medir o perímetro são unidimensionais ou lineares, e que o perí-metro é exatamente a medida do comprimento da linha que circunda o objeto.

De modo análogo, deve-se perguntar: O que se entende por área? Como se mede a área? Aqui é preciso tornar explícito que as unidades usadas para medir a área são bidimensionais e que, portanto, cobrem a região.

As relações entre as fórmulas para medir o volume são completamente análogas àquelas usa-das para a área. Note-se que há semelhanças entre retângulos e prismas retos, entre paralelogramos e prismas oblíquos e entre triângulos e pirâmides. Não somente as fórmulas estão relacionadas, mas também o processo para o desenvolvimento das fórmulas é semelhante. As unidades usadas para medir o volume são tridimensionais e preenchem todo o espaço ocupado pelo sólido.

Uma aplicação da metodologia a um problema de geometria

Os fatos que serão relatados nesta seção ocor-reram durante um minicurso do qual participaram professores em formação inicial, alunos de licencia-tura em Matemática e professores em exercício nos níveis fundamental, médio e superior de ensino.

O problema5 a seguir foi proposto aos participantes.

A professora Norma entregou a

cada um de seus alunos uma fo-

lha de papel, de 20 cm por 30 cm,

e fita adesiva. Ela lhes pediu para

enrolar o papel e fazer um cilindro. Os alunos seguiram as

instruções, mas seus cilindros se mostraram de dois tama-

nhos diferentes. A professora pediu, então, que determinas-

sem qual desses dois cilindros tinha o maior volume.

Jorge disse: – No meu cabe mais, porque é mais alto.

Ema disse: – No meu cabe mais, porque é mais largo.

Laura disse: – Eles devem conter a mesma quanti-

dade, porque foram feitos a partir de folhas de papel de

mesmo tamanho.

Quem está certo? Como você sabe?

5 Adaptado de Krulik e Rudnick (2005).

Dado um certo tempo, cada participante começou a mostrar o seu cilindro, construído a partir da folha recebida, medindo 20cmx30cm. Uns tinham por base um círculo menor (maior) e uma altura maior (menor), assim:

Figura 5: Cilindros de dois tamanhos constru-ídos com folhas com mesmas dimensões

(20cm x 30cm)

Ao ouvir os alunos, pudemos sentir várias respostas concordando com Jorge, outras com Ema e outras com Laura.

Pedindo que as diferentes respostas fos-sem justificadas, pudemos registrar algumas delas: uns diziam que o volume V1 de C1 é maior do que o volume V2 de C2, visto que a altura h1 é bem maior que h2; outros, por sua vez, defendiam que V2 é maior que V1, pois que o círculo da base B2 de C2 era maior que B1; mas a que com mais frequência se ouviu foi que V1 é igual a V2, já que os cilindros foram construídos a partir da mesma folha de papel A.

Haveria alguma forma concreta para justificar isso?

Chamamos alguns participantes à frente e, numa mesa, pedimos que pusessem de pé o cilin-dro mais alto dentro do cilindro mais largo:

Cilindro C1

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Figura 6: Cilindro mais alto dentro de cilindro mais largo

Demos-lhes um pacote com feijões e dis-semos:−Preenchamocilindromaisaltocomfeijões, com cuidado e completamente.

Figura 7: Cilindro mais alto cheio de feijões

Depoisdissemos:−Retirem,comcuidado,o cilindro mais alto deixando os feijões caírem no cilindro mais largo. Surpreendentemente, para a maioria deles, o feijão lá dentro deixou uma parte vazia no cilindro mais largo.

Figura 8: O cilindro mais largo com uma parte vazia

Assim, concretamente, foi possível cons-tatar que V2 > V1.

Como a matemática poderia mostrar isso?

Diante das diferentes posições manifesta-das, pedimos que, agora matematicamente, mos-trassem de uma forma rigorosa o que já haviam constatado concretamente.

Como todos os participantes já haviam feito, pelo menos o terceiro ano do ensino médio, já conheciam a fórmula para o cálculo do volume docilindroV=πr2h, onde r é o raio da base e h a altura do cilindro.

Fazendo uso dessa fórmula, e efetuando o cálculo das medidas necessárias, sabendo que o comprimento da circunferência da base do cilindro é dada por r2C π= equeπ≅ 3,14, escreveram:

12

11 hrV π=A = 20 cm x 30 cmr1 = 3,18 cmh1 = 30 cm

211 rB π= =

= 3,14 . (3,18 cm)2 = = 31,75 cm2

111 hBV = = = 31,75 cm2 . 30 cm = = 952,5 cm3

2222 hrV π=

A = 20 cm x 30 cmr2 = 4,78 cmh2 = 20 cm

222 rB π= =

= 3,14 . (4,78 cm)2 = = 71,74 cm2

222 hBV = = = 71,74 cm2 . 20 cm = = 1434,8 cm3

Logo, V2 > V1 e V2 - V1 = 482,3 cm3

Após esses cálculos realizados pelos par-ticipantes, nova pergunta surgiu:

- Qual o motivo dessa diferença nos volumes dos cilindros construídos a partir de uma

mesma folha de papel? Quem é o responsável direto por essa diferença?

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Houve várias colocações dos alunos, mas alguns não conseguiam perceber que, na fórmula do volume, a presença do quadrado do raio na área da base era a responsável. No entanto, uma das alunas, quase que prontamente, disse que o responsável era o quadrado do raio, que fazia com que a área da base crescesse mais rapida-mente e, consequentemente, apesar da altura me-nor que aparece multiplicativamente na fórmula do volume, fazia com que ele aumentasse.

A generalização feita por uma das participantes

Entusiasmada com o resultado, enquanto os colegas do minicurso calculavam o volume dos cilindros com os dados numéricos, uma par-ticipante6 resolveu o problema de forma genérica, fazendo uso do seguinte raciocínio, reproduzido por nós, abaixo.

Considerando a folha com lados medindo a e b, com 0 < a < b, construímos dois cilindros: um enrolando a folha ao longo de a com altura b, chamado cilindro CA e o outro, enrolando ao longo de b com altura a, chamado cilindro CB. Sendo a o perímetro da base de CA, tem-se

π=

2aR A como raio de sua base e, portanto, seu

volume será π

=4

baV2

A . De modo análogo, o vo-

lume do cilindro CB será . A razão entre

os volumes será, então,

, pois 0 < a < b.

Assim VA < VB e a razão entre os volumes é a mesma razão existente entre os lados da folha, ou seja, o volume do cilindro construído com maior altura será inferior ao volume do cilindro com menor altura.

Em um contato posterior que essa parti-cipante fez conosco, por escrito, ela registrou: “Apresentei este resultado aos outros partici-pantes e foi uma experiência interessante, pois o resultado não era o esperado”.

6 Agradecemos à professora Sabrina Zancan Peripolli, CES-NORS da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que desenvolveu esta resolução.

Estendendo o problema

Muitos livros-texto definem cilindros estritamente como cilindros circulares. Esses livros não têm nomes especiais para outros tipos de cilindro. Sob essa definição, o prisma não é um caso especial de cilindro. Isso aponta para o fato de que as definições são convenções, e nem todas as convenções são universalmente aceitas.

Se olharmos para o desenvolvimento das fórmulas do volume, é possível ver que a definição mais inclusiva de cilindros e cones permite uma fórmula para qualquer tipo de cilindro – portanto prismas – com uma afirmação semelhante que é verdadeira para cones e pirâmides. Um cilindro é um sólido com duas bases paralelas congruentes e lados com elementos paralelos que ligam pontos correspondentes das bases. Desse modo, o raciocínio desenvolvido pela professora, mostrado anteriormente, aplica-se a outras classes especiais de cilindros, como os prismas retos, prismas retangulares e cubos. Prismas estão para os cilindros assim como pirâmides estão para cones. Conhecer essas relações ajuda na aprendizagem das fórmulas de volume.

O volume V de um cilindro é dado por V = área da base x altura. Mas, quando a base do cilindro é um círculo, cuja área é dada por A = πr2 e a altura é h, então o volume V do cilindro édadoporV=πr2h .

Estendendo esse problema poder-se-ia, ainda, trabalhar a relação funcional do volume do cilindro em relação às suas variáveis, raio da base e altura do cilindro. Assim V =V(r, h), uma função de duas variáveis. Conforme o nível das turmas, vários problemas novos poderiam ser explorados: a construção do gráfico; a expressão analítica para V em função de suas variáveis r e h; e, até, ir em busca, matematicamente, do cilindro de maior volume construído com a folha dada.

Considerações finais

Ao apresentar essa metodologia de ensino-aprendizagem-avaliação de Matemática através da resolução de problemas a professores do ensi-no médio, estamos convencidas de que ela pode ser assumida como um caminho capaz de fazer os alunos se entusiasmarem com o aprendizado da matemática, realizando-o com compreensão e significado. Também estamos convencidas de

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que, quando um aluno entende o que está fa-zendo ao resolver um problema, ele se vê como alguém capaz de raciocinar por si mesmo e de buscar descobrir caminhos para a sua resolução. Entretanto, é necessário, para isso, que o pro-fessor, como guia e orientador, esteja preparado para ser o veículo que conduz os alunos nesse empreendimento.

Referências

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BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacio-nais: Matemática – 1o e 2o ciclos (1997). Brasília, DF.

______. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática – 3o e 4o ciclos (1998). Brasília, DF.

______. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática – Ensino médio (1999). Brasília, DF.

KRULIK, S.; RUDNICK, J. A. Problem-Driven Math: Applying the Mathematics Beyond Solu-tions. Chicago, IL: Wright Group/McGrawHill, 2005.

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______. Principles and Standards for School Mathematics. Reston, V. A.: National Council of Teachers of Mathematics, 2000.

ONUCHIC, L. R. Ensino-aprendizagem de Ma-temática através da resolução de problemas. In: BICUDO, M. A. V. Pesquisa em Educação Mate-mática. São Paulo: Editora UNESP, 1999. cap.12, p.199-220.

ONUCHIC, L. R.; ALLEVATO, N. S. G. Novas reflexões sobre o ensino-aprendizagem de ma-temática através da resolução de problemas. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (orgs). Educação Matemática – pesquisa em movimento. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2005. p.213-231.

ONUCHIC, L. R.; ALLEVATO, N. S. G. Formação de Professores – Mudanças urgentes na licencia-tura em Matemática. In: FROTA, M. C. R.; NASSE, L. (orgs). Educação Matemática no Ensino Su-perior: pesquisas e debates. Recife: SBEM, 2009. p.169-187.

VAN DE WALLE, J. A. Elementary and Middle School Mathematics. New York: Longman, ed.4, 2001. 478p.

VAN DE WALLE, J. A.; LOVIN, H. L. Teaching Student-Centered Mathematics. Grades 5–8. New York: Pearson, 2006.

Lourdes de la Rosa Onuchic – Professora aposentada pelo ICMC – USP – São Carlos/SP. Docente voluntária, orientadora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – UNESP – Rio Claro/SP.

Norma Suely Gomes Allevato – Doutora em Educação Matemática pela UNESP – Rio Claro/SP. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul – São Paulo/SP.

Artigo encomendado.

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MODALIDADES DE PUBLICAÇÃOTrabalhos científicos na área de Educação Matemática e suas tendências, constituídos de pes-

quisas ou relatos de experiências em sala de aula.

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do texto indicando sua(s) função(ões) e instituição a que pertence;f) um espaço abaixo, escreva “Resumo”, em negrito, alinhado à esquerda; g) um espaço abaixo, o texto do resumo (até 250 palavras);h) um espaço abaixo, escreva “Palavras-chave:” e em seguida indique de três a cinco palavras-

chave, separadas por ponto; i) um espaço abaixo, escreva “Abstract”, em negrito, alinhado à esquerda;j) um espaço abaixo, o texto do abstract;k) um espaço abaixo, escreva “Keywords:” e em seguida indique as mesmas palavras-chave, agora

em inglês;l) um espaço abaixo, inicie o texto do artigo;m) os subtítulos devem ser alinhados à esquerda, destacados em negrito, separados do texto que

os precede por um espaço; n) a identificação das ilustrações (desenhos, esquemas, gráficos, quadros e outros) deve aparecer

na parte inferior das mesmas, precedida da palavra designativa, seguida de seu número de ocorrência no texto, em algarismos arábicos, do respectivo título ou legenda explicativa. A ilustração deve ser centralizada e inserida o mais próximo possível do trecho a que se refere;

o) as tabelas têm normas específicas: sua identificação deve aparecer na parte superior, precedida da palavra designativa, seguida de seu número de ocorrência no texto, em algarismos arábicos, do respectivo título ou legenda explicativa;

p) as notas de rodapé devem ser numeradas sequencialmente, em algarismos arábicos, fonte 10, espaço simples;

q) as referências, ao final do trabalho, devem estar em espaço simples, fonte 12, separadas entre si por dois espaços simples e seguindo a Norma 6023 da ABNT, disponível, por exemplo, em http://biblioteca.fop.unicamp.br/ManualSimplificado1.pdf;

r) recomenda-se que o texto não ultrapasse 20 laudas.

PUBLICAÇÃOOs trabalhos remetidos para publicação serão submetidos à apreciação de membros do Conselho

Consultivo, de acordo com as especificidades do tema, ou a consultor ad hoc, sendo o(s) autor(es)

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comunicado(s), por meio de correspondência, da aceitação ou recusa dos artigos. O artigo pode ser encaminhado por meio eletrônico acompanhado de uma declaração de que o texto terá exclusivida-de para a revista. Havendo necessidade de alterações de conteúdo do texto, será sugerido ao autor que as faça e devolva no prazo estabelecido. O conteúdo e a correção gramatical dos originais são de inteira responsabilidade dos autores. O Conselho Consultivo não se responsabiliza pela devolução dos originais remetidos.

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( ) professor do Ensino Fundamental/Médio R$ 30,00

( ) professor do Ensino Superior R$ 50,00

( ) pessoa jurídica ou outra atividade R$ 100,00

........./ ........./ ......... ............................................................................. Data Assinatura

* Prenchimento obrigatório

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EVENTOS

V Encontro Estadual de Educação Matemática do Rio de Janeiro – ENEM3 a 6 de fevereiro de 2010

Rio de Janeiro – www.sbemrj.com.br/eema

III Jornada Nacional de Educação Matemática e XVI Jornada Regional de Educação Matemática4 a 7 de maio de 2010

UPF – Passo Fundo – RS – Brasil – Home page: http://www.upf.br/jemE-mail: [email protected] – Telefones: (54) 316 8345 ou (54) 316 8353

X Encontro Nacional de Educação Matemática – ENEM7 a 9 de julho de 2010

Salvador – Bahia – Home page: www.sbem.com.br

V Congresso Internacional de Ensino da Matemática20, 21, 22 e 23 de outubro de 2010

ULBRA Canoas/RS – Brasil – Home page: www.ulbra.br/ciem2010E-mail: [email protected]

XVI Encontro Regional de Estudantes de Matemática do Sul – EREMATSUL3 a 6 de junho de 2010 – PUCRS – Porto Alegre

http://www.pucrs.br/eventos/erematsul/?p=apresentacao