educação intercultural

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  • EDUCAO INTERCULTURAL E SOCIEDADE:

    O projeto intercultural para a filosofia latino-americana

    Adilson Vagner de Oliveira1

    Ana Claudia Tavares

    IFMT Campus Juna

    Resumo:

    Esta pesquisa buscou apresentar um estudo etnogrfico que pudesse colaborar com uma anlise

    terica sobre o projeto intercultural na Amrica Latina como proposta de reflexo didtica e

    filosfica. A Educao Intercultural est baseada na promoo do dilogo e interao no espao

    escolar entre as diferentes comunidades tnicas que compem o territrio brasileiro. Com base em

    textos tericos sobre a Educao Intercultural e nos dados coletados em entrevistas semiestruturadas

    atravs de questionrios aplicados na Escola Estadual Indgena P do Mutum, no municpio de

    Juara-MT, foi possvel identificar quais as principais dificuldades apontadas pelos ndios da etnia

    Rikbaktsa para ingressar na comunidade escolar do Instituto Federal de Mato Grosso.

    Palavras-chave: Projeto Intercultural; Educao; Dilogo; Rikbaktsa.

    Abstract:

    This research has aimed to present an ethnographic study that could collaborate with a theoretical

    analysis of the intercultural project in Latin America as a proposal of teaching and philosophical

    reflection. Intercultural Education is based on promoting dialogue and interaction at school between

    the different ethnic communities that make up the Brazilian territory. Based on theoretical texts on

    Intercultural Education and the data collected in semi-structured interviews using questionnaires at

    Escola Estadual Indgena P do Mutum, in Juara-MT, it was possible to identify the main

    difficulties mentioned by the indigenous students of ethnicity Rikbaktsa in order to join the school

    community of Instituto Federal de Mato Grosso.

    Keywords: Intercultural Project; Education; Dialogue; Rikbaktsa.

    1. Introduo

    Este artigo visa discutir questes relacionadas ao projeto de educao intercultural defendido

    por grandes pesquisadores como Mndez (2009) e Vera Candau (2005), a partir de uma pesquisa

    etnogrfica com fortes marcas de uma sondagem crtica que busca fornecer elementos prticos desta

    grande transformao epistemolgica que a educao brasileira tem passado nas ltimas dcadas.

    O trabalho est dividido em duas partes que se entrelaam e dialogam em todo o transcorrer

    da explanao, de incio, buscou-se definir o projeto intercultural proposto pelo filsofo cubano

    Ral Fornet-Betancourt para se pensar a Amrica Latina, historicamente plural em seus encontros

    culturais e de formao fortemente eurocntrica que desconsiderou as inmeras matrizes culturais

    deste territrio to rico.

    Em seguida, foram lanadas reflexes analticas sobre os desafios da prtica da Educao

    1 Professor do IFMT Campus Juna. Especialista em Educao Profissional pelo IFMT. Mestre em Estudos Literrios

    pela UNEMAT e Doutorando em Cincia Poltica pela UFPE. E-mail: [email protected] Bolsista do Programa Institucional de Iniciao Cientfica PROIC do IFMT Campus Juna

  • Intercultural no espao escolar, a partir de uma interpretao qualitativa de dados coletados em

    entrevistas com estudantes indgenas da etnia Rikbaktsa da Escola Estadual Indgena P de Mutum,

    do municpio de Juara- MT, o exerccio terico instaurado neste trabalho visou promover a

    aproximao conceitual da primeira parte do artigo com a prxis metodolgica difundida ao longo

    do segundo subitem aqui desenvolvido como forma de sustentao dialgica de todo o trabalho.

    Dessa maneira, as interpretaes apresentadas visam mostrar realidades silenciadas pelas

    prticas educacionais e projetos pedaggicos monoculturais que inviabilizam a interao entre as

    comunidades culturais plurais que compem o espao brasileiro, por isso, esta discusso justificou-

    se pela grande relevncia dos resultados discutidos por meio do ideal democrtico de promover uma

    educao justa e inclusiva.

    2. O projeto intercultural

    A partir de uma reflexo terica sobre o projeto filosfico intercultural de Ral Fornet-

    Betancourt, Jos Mrio Mndez Mndez na obra Educao Intercultural e Justia Cultural (2009,

    p.67) prope um tratamento conceitual sobre a proposta pedaggica baseada no tema

    Interculturalidade, uma vez que as discusses acadmicas sobre a interculturalidade so

    relativamente novas para a filosofia da educao. A interculturalidade deve ser tratada como um

    processo, uma transformao, algo que para ser entendido em sua essncia exige-se um

    posicionamento terico de efetiva ateno necessidade sentida pelas comunidades sensibilizadas

    pela transformao paradigmtica. Ela diferenciada de outras formas de aproximao cultural

    como a multiculturalidade e inculturao, conceitos consagrados que buscavam tambm oferecer

    abordagens alternativas s prticas didticas monoculturais que foram historicamente

    predominantes nos processos de socializao na Amrica Latina.

    A prpria definio de inculturao discutida por Mndez fornece uma ideia sobre os

    enfoques didticos baseados nessa concepo, supondo a existncia de um ncleo cultural em que

    se deveriam inserir (in-culturar - cultivar dentro) modelos culturais superiores, portanto, um

    resultado direto da prtica de colonialidade social em que se estabelece a crena numa ausncia de

    elementos culturais vlidos nas comunidades em contato. Por isso, torna-se cada vez mais relevante

    propor discusses conceituais de forma crtica e democrtica, visto que a simples utilizao de um

    conceito pode descrever exatamente a perspectiva de abordagem dominante em uso. Em

    contrapartida, a utilizao do conceito de multiculturalidade pode descrever uma outra realidade

    ideolgica, em outras palavras, deve ser entendida como a constatao de uma realidade cultural

    mltipla, na qual no necessariamente se visibiliza a exigncia de inter-relao entre as culturas,

    portanto, reconhecem-se as multiplicidades de culturas, porm, as comunidades permanecem no

    somente distantes geograficamente, mas tambm culturalmente.

  • Torna-se importante destacar novamente que por detrs de cada um dos conceitos comuns s

    teorias culturais existem formas camufladas de negao da diversidade, como adverte Mndez em

    sua descrio conceitual.

    Jos Luis Garca afirma que o conceito de multiculturalidade mais descritivo ou

    sociolgico, enquanto pretende refletir uma realidade pluricultural inegvel. Por

    sua vez, o conceito da interculturalidade ' mais prescritivo ou pedaggico, quer

    dizer, mais orientado ao que deve existir e no existe'. (MNDEZ, 2009, p. 67).

    A interculturalidade est baseada em antecedentes histricos predominantes na Amrica

    Latina, produto direto das necessidades localizadas que descrevem as condies assimtricas das

    relaes culturais no continente. Assim, enquanto o conceito de multiculturalidade apenas

    reconhece a realidade plural das sociedades latino-americanas, mas acaba compactuando com a

    perpetuao do distanciamento entre as comunidades culturais que esto de alguma forma em

    relao, a interculturalidade promove uma transformao conceitual e pragmtica da ao

    pedaggica nas sociedades multiculturais.

    Mndez (2009, p. 69-70) prope uma leitura mais profunda das colaboraes do filsofo

    cubano Ral Fornet-Betancourt, cujo material intelectual sustentado pela teoria crtica visa

    desconstruir um tipo de racionalidade monocultural que predomina ainda nas epistemologias

    latino-americanas. Pois, a filosofia eurocntrica est marcada internamente pela recusa em

    reconhecer o contexto latino-americano, em seus termos, um complexo entretecido de tradies

    culturais muito diversas, em suma, surge a necessidade de proclamar uma racionalidade plural que

    possa reconhecer a amplitude dos encontros culturais no continente. As prticas de colonialidade

    mantidas nas relaes sociais e pedaggicas demonstram ainda uma persistente hierarquia no

    quadro cultural do contexto latino-americano.

    Para o autor, a partir de seus estudos tericos, pde se afirmar que Fornet-Betancourt entende

    a interculturalidade como uma transformao filosfica, de aprendizado recproco, de forma que a

    palavra do outro no deixe de fazer parte do seu prprio modo de pensar, formando assim um

    intercmbio, onde uma determinada cultura se torne uma troca constate de informaes e no um

    ponto final. Ele tambm nos fala que para podermos discorrer sobre o assunto devemos aprender a

    dialogar com as tradies e pensamento que vm sendo negados desde a colonizao pelo

    pensamento monocultural dos colonizados. Consequentemente tratando-se de uma nova figura que

    nasce dessa relao solidria entres as tradies e culturas do pensamento filosfico.

    Fornet-Betancourt (apud Mndez, 2009, p.72) ainda nos diz que para que exista uma

    transformao intercultural da filosofia devemos deixar de v-la com olhos monoculturais e

    comear a perceb-la de um ngulo em que ela fosse consciente das particularidades do contexto

    latino-americano e deixando-se de lado a sua pretenso de achar que ela a nica forma de se

  • racionalizar. Essa transformao filosfica s ser possvel se deixarmos de lado o pensamento de

    superioridade e hierarquia. Neste contexto, temos bases para essa reconstruo filosfica, pois,

    podemos pensar que na Amrica Latina temos uma filosofia intercultural, porque estamos em um

    continente que possui caractersticas interculturais, uma continente onde h uma relao tensa entre

    as culturas existentes e s vezes conflitiva entre expresses de culturas e diversas tradies de

    pensamentos.

    A Filosofia denominada latino-americana implica numa prtica de pensamento que

    elaborada pela relao entre a racionalidade filosfica e a contextualidade histrica que caracteriza

    todas as formas de contato exercitadas aqui, essa filosofia merece mrito por ser uma filosofia em

    favor das populaes transformadas em minorias tnicas ao longo dos sculos, dos marginalizados e

    dos excludos. Mas Mndez (2009, p.72) afirma que essa filosofia tem sido de natureza

    parcialmente intercultural, pois privilegiou ser veculo de vozes mestias e europeias ao preferir

    interlocutores e destinatrios profissionais, ou seja, a intermediao do discurso filosfico latino-

    americano tem promovido um silenciamento de vozes minoritrias. A Amrica Latina no

    somente uma terra de mestiagens culturais, mas tambm um territrio de snteses e redues das

    culturas nativas e essa reduo exige uma interpretao intercultural do continente, na qual as

    mltiplas culturas tambm possam construir seu mundo a partir de uma razo intercultural.

    Para discutirmos sobre essa filosofia intercultural latino-americana preciso no s estudar a

    histria da filosofia, mas tambm a histria das ideias da Amrica Latina, para que possamos

    question-las como uma tradio regionalista e no como uma tradio de fonte nica, unvoca e

    universalista como proclama a filosofia eurocntrica.

    A partir desta perspectiva, Vera Candau (2013) fornece contribuies indispensveis para o

    projeto intercultural discutido at aqui, por meio da proclamao de justia cultural para promover o

    reconhecimento das caractersticas particulares do paradigma filosfico latino americano, e assim, a

    autora oferece alguns elementos que ajudam na compreenso das relaes entre educao e culturas.

    Segundo Candau (2013, p.15) busca-se, portanto, uma nova leitura dessas relaes para que se

    possa conceber a escola como um espao de cruzamento de culturas, ainda que marcado por

    conflitos e tenses que tentam romper o status quo predominante em discusses curriculares.

    A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferena. Tende a

    silenci-las e neutraliz-las. Sente-se mais confortvel com a homogeneizao e a

    padronizao. No entanto, abrir espaos para a diversidade, a diferena e para o

    cruzamento de culturas constitui o grande desafio que est chamada a enfrentar.

    (MOREIRA; CANDAU, 2003, p.161).

    Os autores compreendem as condies predominantes do espao escolar brasileiro, e por isso

    propagam o convite reflexo sobre a pluralidade cultural nacional. E, novamente, os estudos

    culturais propem o reconhecimento de racionalidades interculturais que forneam outras

  • perspectivas de ler os fenmenos culturais na Amrica Latina a partir de projetos filosficos e

    educacionais no eurocntricos. Dessa maneira, a educao intercultural mostra-se como a principal

    ferramenta de transformao nesta busca pela justia social que exigem as inmeras vozes

    silenciadas pelo processo escolar monocultural.

    Para Candau (2013, p.23) a perspectiva intercultural [...] quer promover uma educao para

    o reconhecimento do outro, para dilogo entre os diferentes grupos sociais e culturais, assim, a

    racionalidade intercultural defende o respeito e a simetria axiolgica, dito de outra forma, a

    produo de conhecimentos e prticas culturais legtimas devem fazer parte das inter-relaes

    sociais e tambm educacionais, em que a negociao igualitria se fortalea a partir das

    transformaes proclamadas pelo pensamento plural da interculturalidade.

    Em Educao Intercultural: desafios e possibilidades, Mylene Santiago et al (2013, p.110)

    defendem que a abordagem intercultural est circunscrita a reconfiguraes de prticas

    educacionais que promovam o reconhecimento do direito diferena, eliminando barreiras que se

    manifestam sob a forma de discriminao e desigualdades nos espaos escolares e sociais,

    portanto, o projeto filosfico intercultural torna-se o veculo de justia fundamental para se

    estabelecerem relaes sociais e culturais horizontais em que o respeito s diferenas pode

    promover uma reforma educacionais estruturante no novo sculo. Reconhecidos os desvios ticos

    promulgados na histria cultural da Amrica Latina, deve-se propor novos meios de fortalecer o

    dilogo entre as comunidades culturais em relao, isso quer dizer, uma reforma profunda na

    maneira de racionalizar os fenmenos sociais e culturais brasileiros, visto que a coexistncia de

    grupos culturais diferentes no mesmo territrio geogrfico e escolar ainda reflete uma profunda

    assimetria de tratamento e ateno pela sociedade como um todo.

    O/a educador/a tem um papel de mediador na construo de relaes interculturais

    positivas, o que no elimina a existncia de conflitos. O desafio est em promover

    situaes em que seja possvel o reconhecimento entre os diferentes, exerccios em

    que promovamos o colocar-se no ponto de vista, no lugar sociocultural do outro,

    nem que seja minimamente, descentrar nossas vises e estilos de afrontar as

    situaes como os melhores, os verdadeiros, os autnticos, os nicos vlidos.

    (CANDAU, 2013, p.30-1).

    Como apontado pela autora, a interao entre as diferentes culturas deve ser o prximo passo

    para a reforma epistmica e pragmtica da educao brasileira, dado o contexto de pluralidade

    tnica e cultural das comunidades que compartilham do mesmo espao nacional. Uma vez que as

    polticas educacionais no pas, ao longo das ltimas dcadas, reconheceram a necessidade de

    fornecer mtodos e prticas especficas direcionadas s comunidades indgenas e quilombolas, por

    exemplo, contudo, o distanciamento desses grupos sociais acaba por construir um novo cenrio de

    intolerncia e verticalizao axiolgica do qual a escola possui uma parcela de responsabilidade.

    Por isso, estas discusses, aqui propostas, visam chamar reflexo sobre as possibilidades

  • educacionais de promover mudanas e dilogos entre as comunidades culturais prximas, a fim de

    construir uma sociedade justa e igualitria, no atravs do processo de guetificao imposto pelas

    polticas educacionais e sociais em voga, mas pelo incentivo interao horizontal que fortalea o

    dilogo e a descentralizao das prticas sociais.

    3. Educao Intercultural: os desafios da prtica no espao escolar

    Conceber a prtica pedaggica como um processo de negociao cultural tornou-se um dos

    maiores desafio para a concretizao do projeto intercultural na educao brasileira, talvez pelo

    carter reformador da proposta, ou mesmo pela dificuldade de promover o dilogo entre as culturas

    que convivem no espao geogrfico prximo, e a partir deste cenrio que este trabalho buscou

    realizar uma sondagem com um grupo de 18 estudantes indgenas da etnia Rikbaktsa que

    frequentam a Escola Estadual Indgena P de Mutum, no municpio de Juara- MT, no noroeste do

    estado de Mato Grosso.

    Este trabalho caracteriza-se por sua abordagem qualitativa, desde um enfoque etnogrfico, em

    que os questionrios foram conduzidos escola P de Mutum por intermdio de um professor

    efetivo da turma, uma vez que se trata apenas de uma sondagem terica com o objetivo de obter

    informaes iniciais, para futuros trabalhos especficos sobre a prtica intercultural com os ndios

    da nao Rikbaktsa na regio, em consonncia a esta iniciativa investigativa, foram realizadas

    perguntas referentes s dificuldades e interesses desses alunos em participar dos cursos de formao

    tcnica do Instituto Federal de Mato Grosso, com campus sediado na cidade de Juna.

    Esta sondagem configura-se como um diagnstico fundante para se pensar a educao

    intercultural dentro da instituio federal instalada no municpio de Juna desde 2010, a partir dos

    escritos em defesa da interao e do dilogo intercultural entre as comunidades indgenas e as

    unidades de ensino da regio, com o objetivo de pensar este projeto como possvel e necessrio ao

    campus. Pois, discusses tericas so sustentadas por propostas de mudana e quebras de

    paradigmas conservadores, por isso, o trabalho justifica-se pelo seu papel inaugurador na efetivao

    da educao intercultural propriamente dita.

    A aproximao das comunidades indgenas da regio com o Instituto Federal de Mato Grosso

    torna-se um imperativo diante do cenrio privilegiado do campus, h prximo ao municpio de

    Juna vrias etnias indgenas espalhadas por diferentes aldeias no noroeste do estado. Alm disso, a

    expanso do ensino bsico estadual tem proporcionado grandes mudanas nas comunidades

    atendidas pela educao regular, porque os estudantes esto atingindo os nveis de formao

    suficientes para dar continuidades aos estudos superiores, porm, o distanciamento cultural se

    mostra mais desafiador que a geografia da regio.

  • A intermediao do sistema educacional pelo governo estadual pode fornecer polticas de

    respeito s particularidades das comunidades indgenas, porm, podem transmitir interesses

    confusos que talvez no representem os reais desejos individuais, contudo, esta uma condio que

    exige estudos qualitativos e quantitativos mais profundos que ultrapassam os objetivos desta

    reflexo. Mas, mesmo tratando-se de especulaes e inferncias, o projeto intercultural deve ser

    considerado pelos setores responsveis, devido aos resultados obtidos ao longo dos anos de

    efetivao da educao bsica indgena nas prprias aldeias da regio, a interao e o dilogo entre

    as etnias indgenas e as instituies de ensino pblico da cidade tem se mostrado significativamente

    frgeis, considerando todas as possibilidades oferecidas no municpio.

    Por tratar-se apenas de uma sondagem terica baseada em entrevistas semiestruturadas a um

    grupo etnogrfico especfico da regio, as reflexes obtidas durante a interpretao dos dados no

    buscam oferecer generalizaes empricas, mas disponibilizar um panorama singelo sobre as

    principais dificuldades que os alunos indgenas encontram ao serem propostos cursos de formao

    tcnica nutridos por prticas interculturais que visem a aproximao das comunidades indgenas da

    regio da instituio federal de ensino, colaborando, assim, com a proposio futura de projetos

    especficos eficientes e inclusivos.

    Inicialmente, aps a identificao dos entrevistados, foi oferecida uma pergunta que pudesse

    mensurar o conhecimento de lngua portuguesa que os alunos do 1 Ano do Ensino Mdio da Escola

    Estadual P de Mutum, portanto, configurou-se como uma autoavaliao que estabeleciam quatro

    alternativas. Dentro desta perspectiva lingustica, o objetivo da questo era obter informaes

    elementares para que as propostas didticas oferecidas pelo Instituto Federal levassem em

    considerao as peculiaridades do pblico indgena, visto que a lngua portuguesa, em muitos casos

    tem sido uma segunda lngua de aprendizagem. E como hiptese inicial em que a proficincia em

    lngua portuguesa pudesse ser um desafio para o oferecimento de cursos pelo IFMT se mostrou

    significativa, 5 dos 18 alunos afirmaram ter pouco conhecimento de lngua portuguesa e 6 deles

    disseram ter conhecimento suficiente para as prticas escolares, 3 declaram possuir conhecimento

    similar ou igual lngua materna e 4 falavam apenas lngua portuguesa, por isso, so nmeros

    considerveis que podem descrever um contexto mais amplo, se a pesquisa for aplicada em outras

    comunidades.

    Quando perguntados se haviam sido alfabetizados em lngua indgena, 10 entrevistados

    responderam afirmativamente a esta questo e 8 disseram que no, o que significa dizer que 55%

    deles iniciaram o processo de escolarizao utilizando apenas a lngua indgena. Este quadro

    especfico diz muito sobre como histrico escolar destes ndios havia sido preenchido por

    experincias significativas de contato somente com a lngua portuguesa em momentos posteriores

    alfabetizao, ou seja, o portugus sempre foi uma lngua estrangeira em sua aprendizagem.

  • Este cenrio apresentado pode prover uma problemtica mais profunda no que se referem s

    discusses sobre currculo e didtica, como ressaltou Candau (2005, p.19), as formas de percepo,

    por exemplo, dos grupos indgenas diante da oferta de vagas a cursos oferecidos na cidade pode

    tornar-se o primeiro desafio a esses estudantes que aspiram pela possibilidade de inserir-se numa

    proposta de educao intercultural dentro do campus da instituio, em suas palavras a questo da

    alteridade perpassa todas elas [questes interculturais]. As relaes entre ns e os outros esto

    carregadas de dramaticidade e ambiguidade, alm disso, somente uma proposta democrtica pode

    produzir bons resultados, em outros termos, h de considerar a questo da lngua como o primeiro

    passo para o oferecimento de cursos interculturais, pois, como refora a autora ao discutir a

    efetivao da educao intercultural, trata-se de um processo permanente, sempre inacabado,

    marcado por uma deliberada inteno de promover uma relao democrtica entre os grupos

    involucrados, e no unicamente uma coexistncia pacfica num territrio. Essa seria a condio

    fundamental para qualquer processo ser qualificado como intercultural (idem, p.32).

    Questionar a percepo do indgena diante da possibilidade de estudar com outros grupos

    sociais na cidade fornece uma ampla viso sobre a situao do ensino bsico indgena e no-

    indgena atualmente, pois, possvel afirmar que no h o dilogo efetivo nas relaes culturais de

    aproximao entre os povos indgenas e a populao da cidade, a intermediao dos processos

    educacionais pelo governo estatal produz a oferta do ensino regular nas prprias comunidades

    indgenas, descartando, assim, qualquer outra possibilidade de integrao entre estas culturas.

    Em seguida, foram feitas questes acerca dos desejos dos indgenas sobre a possvel ida para

    a cidade para dar continuidade aos seus estudos, como as idades dos alunos variavam de 15 a 38

    anos, uma mdia de 24,6 anos, a hiptese que motivou o prximo tpico da entrevista baseava-se no

    interesse dos alunos de estudarem na cidade. Em resumo, as respostam no nos surpreenderam, pois

    16 dos 18 alunos desejavam vir cidade para realizar os estudos que pudessem dar continuidade

    escolarizao realizada nas aldeias, e no somente desejavam fazer cursos superiores como o

    retorno aldeia aps a concluso do curso foi unanimidade, 17 dos 18 alunos pretendiam fazer

    faculdade e retornar a suas comunidades para repassar a aprendizagem obtida na cidade.

    E outro dado importante, que a grande maioria deles sabia sobre a presena do Instituto

    Federal de Mato Grosso na cidade de Juna, e at por isso, desejavam participar de alguns dos

    cursos tcnicos oferecidos pela instituio, com especial destaque ao curso de Meio Ambiente (10

    respostas) e Comrcio (7 respostas) e o curso de Agropecuria recebeu apenas (1 resposta), estas

    escolham representam uma diferenciao muito significativa em relao aos estudantes

    provenientes da cidade que tendem a preferir o curso de agropecuria, novamente, destaca-se a

    importncia desta sondagem, uma vez que projetos criados unilateralmente, seguindo as

    preferncias da cidade, podem resultar em enfraquecimento do projeto intercultural proposto ao

  • longo desta explanao.

    O curso de Meio Ambiente segue uma tendncia normal, visto que em algumas comunidades

    o curso de Agroecologia j ocorre concomitantemente com o ensino mdio, por isso, o nmero de

    preferncias corresponde a uma previso especulativa. Contudo, o interesse em estudarem as

    disciplinas voltadas ao Comrcio nos causa certa surpresa, talvez por tendermos a pensar em

    questes ligadas empregabilidade do curso, o que pode no ser o interesse real dos ndios,

    conhecer o funcionamento do comrcio da cidade pode trazer mais benefcios futuros para os povos

    das aldeias, e no necessariamente, a busca por emprego ao trmino do curso.

    Aos serem questionados sobre as reas do conhecimento que gostariam de se aprofundar se

    viessem fazer cursos tcnicos ou mesmo superiores no Instituto Federal, as respostas foram as mais

    diferentes, uma vez que foi dado espao para que escrevessem livremente, contudo, nos chama a

    ateno a incidncia em desejar melhorar seus conhecimentos em lngua materna (lngua portuguesa

    e lngua indgena), surgindo respostas como linguagem, interpretao de texto, meu idioma

    lngua materna e lngua portuguesa, e outras reas tais como cincias, matemtica,

    direito, qumica, fsica, meio ambiente e educao.

    Contudo, ao responderem sobre qual seria a principal dificuldade em vir estudar na cidade, as

    respostas foram unnimes, o fator financeiro foi apontado como o maior problema para poderem

    participar dos estudos oferecidos pelo Instituto Federal de Mato Grosso, questes ligadas moradia

    e alimentao, por no terem lugar onde ficarem em Juna demonstrou-se como obstculos para o

    projeto de educao intercultural. Portanto, bolsas de estudo e alojamento nos parecem ser algumas

    das primeiras etapas para a efetivao das relaes interculturais, o dilogo e as trocas culturais

    esto subjugados s limitaes financeiras, por assim dizer, a concretizao de propostas de cursos

    especficos para os povos indgenas da regio estaro condicionadas a estes fatores mencionados

    por todos os entrevistados.

    O curso de Licenciatura Intercultural oferecido pela Universidade do Estado de Mato Grosso

    na cidade de Barra do Bugres MT era conhecido por 11 dos 18 alunos, o curso oferecido pela

    Unemat desde o ano de 2001 em convnio de cooperao com a Fundao Nacional do ndio, com

    cursos de licenciatura para a formao de professores indgenas que permitem habilitaes em

    lnguas, artes e literaturas; matemtica; cincias da natureza e cincias sociais (UNEMAT, 2014).

    Podem surgir, a partir desses projetos inovadores, outras propostas interculturais que culminem

    numa efetivao de polticas afirmativas especficas para a concretizao da educao intercultural

    na instituio de ensino, visto que atender s populaes indgenas da regio deve fazer parte dos

    projetos de expanso de atividades pedaggicas.

    A interao entre os grupos culturais da regio do noroeste do Mato Grosso torna-se um

    imperativo tico para os prximos anos de atuao de uma instituio de ensino superior pblico

  • como o Instituto Federal de Mato Grosso, pois o negligenciamento de projetos pedaggicos que

    incluam as comunidades indgenas pode converter-se em prticas discriminatrias que colaboram

    com a situao de segregao em que se encontram os povos indgenas do estado.

    4. Consideraes finais

    As proposies tericas lanadas por Mndez (2009) inspiradas no fortalecimento do projeto

    de Educao Intercultural e de justia cultural como forma de correo histrica das prticas sociais

    e educacionais na Amrica Latina forneceram um esboo significativo para a propagao da ideia

    de superao de paradigmas filosficos e pedaggicos monoculturais consagrados ao longo dos

    sculos no territrio latino-americano de maneira geral. Portanto, trata-se de uma reforma no

    pensamento visando o tratamento horizontal das relaes humanas interculturais no continente,

    atingindo diretamente a racionalidade local, j que os modelos filosficos eurocntricos no

    conseguiram dar conta da complexidade dos encontros de culturas nos inmeros pases de passado

    colonial neste territrio. Assim, pensar a educao intercultural pode significar a desconstruo das

    ideias filosficas existentes e estabelecer uma racionalidade latino-americana.

    Desta maneira, o dilogo intercultural e o respeito s diferenas formam a base do projeto

    intercultural para a educao e para a sociedade como um todo, o complexo quadro excludente em

    que se converteram as prticas educacionais brasileiras deve ser tomado como um reflexo da

    racionalidade adotada por aqui, ou seja, a maneira de pensar a educao no Brasil ainda est presa

    aos modelos monoculturais de ensino defendidos pelas elites polticas do pas. a partir deste

    cenrio que as mediaes necessrias para a efetivao de projetos de educao intercultural so

    justificadas neste trabalho de cunho terico, mas com objetivos bem pragmticos.

    5. Referncias

    CANDAU, Vera M. Cultura(s) e educao: entre o crtico e o ps-crtico. Rio de Janeiro: DP&A,

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