educaÇÃo ambiental pelo direito À cidade: a …6cieta.org/arquivos-anais/eixo4/angela maria...

22
http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 EDUCAÇÃO AMBIENTAL PELO DIREITO À CIDADE: A EXPERIÊNCIA DA RESIDÊNCIA PROFISSIONAL PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM NOVA ESPERANÇA – IPITANGA, SALVADOR-BA Angela Gordilho Souza PPGAU-UFBA [email protected] Igor Alves Borges AU+E/UFBA [email protected] Rafaela Costa Alonso AU+E/UFBA [email protected] INTRODUÇÃO Um dos grandes problemas enfrentados atualmente na conservação de áreas de mananciais, próximas às grandes cidades brasileiras, é a tensão permanente entre ocupação e preservação ambiental. Tal problema está pautado nos impactos do processo de intensa urbanização ocorrido desde as primeiras décadas do século XX, com o movimento acelerado de migrações campo–cidade, decorrentes dos processos de modernização urbana e rural, o que propicia a formação de grandes metrópoles concentradoras da maior parte da população do país. Atualmente, apenas cerca de 15% de um total de mais de 190,7 milhões de brasileiros correspondem à população rural, com índice negativo de crescimento, conforme é apontado pelo Censo 2010 (Brasil, 2011). Ainda que, nas metrópoles, esse índice também decresça, alcançando uma média próxima a 1% a.a., mantêm-se, entretanto, altíssimos índices de densidade e informalidade na ocupação urbana dos municípios- capitais, com intensiva expansão periférica especulativa, baixa capacidade de consumo no mercado regulado, políticas urbanas ineficazes na distribuição e proteção de bens coletivos, 4495

Upload: vudung

Post on 11-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

EDUCAÇÃO AMBIENTAL PELO DIREITO À CIDADE:A EXPERIÊNCIA DA RESIDÊNCIA PROFISSIONAL

PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM NOVAESPERANÇA – IPITANGA, SALVADOR-BA

Angela Gordilho Souza

PPGAU-UFBA

[email protected]

Igor Alves Borges

AU+E/UFBA

[email protected]

Rafaela Costa Alonso

AU+E/UFBA

[email protected]

INTRODUÇÃO

Um dos grandes problemas enfrentados atualmente na conservação de áreas de

mananciais, próximas às grandes cidades brasileiras, é a tensão permanente entre

ocupação e preservação ambiental. Tal problema está pautado nos impactos do processo de

intensa urbanização ocorrido desde as primeiras décadas do século XX, com o movimento

acelerado de migrações campo–cidade, decorrentes dos processos de modernização urbana

e rural, o que propicia a formação de grandes metrópoles concentradoras da maior parte da

população do país. Atualmente, apenas cerca de 15% de um total de mais de 190,7 milhões

de brasileiros correspondem à população rural, com índice negativo de crescimento,

conforme é apontado pelo Censo 2010 (Brasil, 2011). Ainda que, nas metrópoles, esse índice

também decresça, alcançando uma média próxima a 1% a.a., mantêm-se, entretanto,

altíssimos índices de densidade e informalidade na ocupação urbana dos municípios-

capitais, com intensiva expansão periférica especulativa, baixa capacidade de consumo no

mercado regulado, políticas urbanas ineficazes na distribuição e proteção de bens coletivos,

4495

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

insuficiência de infraestrutura, dentre outros fatores que contribuíram para esse

crescimento urbano conflituoso e complexo.

Nas grandes cidades brasileiras, altamente segregadoras da pobreza, a maioria

de seus habitantes estão excluídos dos benefícios urbanos. Estima-se que, nas grandes

cidades-capitais, entre 20% e 60% da população esteja morando em áreas de favelas, vilas,

cortiços e outros tipos de habitação precária e informal, variando conforme a região do país,

com maiores índices nas regiões Nordeste e Norte1 Esse passivo – fruto de um modelo de

crescimento de grande concentração de renda e da propriedade fundiária, da alta

espoliação do trabalho, da especulação imobiliária e da exclusão social para a maioria da

população – se materializa nessas ocupações. Se, por um lado, esse modelo levou o país, em

curto prazo, ao topo das maiores economias do mundo, por outro, o coloca entre os mais

deficitários no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ocupando 85º lugar em uma lista

de 185 países, conforme relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

(PNUD, 2013)

Esse padrão de ocupação do território impacta fortemente as áreas de

mananciais próximas às áreas urbanas, nas quais a ocupação intensiva traz consequências

muitas vezes irreversíveis para a área de influência das bacias e a vegetação de sustentação

hidráulica das represas. Nesse impasse entre o direito à moradia e a proteção ambiental,

nos anos recentes, muito se avançou na definição de instrumentos sociais de controle do

solo e do ambiente no Brasil, embora ainda haja um distanciamento da legislação

urbanística e ambiental brasileira das premissas do direito à cidade, na sua concepção de

função social e sustentabilidade para o coletivo (SARNO, 2011). No avanço a essa direção, a

educação ambiental e a assistência técnica a essas comunidades têm um papel fundamental

para novas conquistas.

Com base nesses pressupostos, o objetivo deste artigo é analisar os primeiros

resultados do projeto de assistência técnica que está sendo desenvolvido com a

comunidade de Nova Esperança, na cidade de Salvador, como atividade de uma das equipes

1 Os dados oficiais divulgados variam tanto por região quanto pela metodologia utilizada para aferição. Conforme ocenso IBGE, em 2010, referindo-se ao índice de aglomerados subnormais, o Brasil tinha 11,4 milhões de pessoasvivendo em 3,2 milhões de domicílios localizados em 6.329 favelas por todo o país. Considerando o total depopulação nas cidades-capitais, onde está a maior parte das favelas, essa indicação representaria 25,6% dos seushabitantes. A concentração dessas ocupações é ainda maior ao se considerarem apenas as grandes metrópoles.Vários autores trabalham essa questão, com metodologias próprias para as cidades brasileiras. Ver, para Salvador,GORDILHO-SOUZA (2008).

4496

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

de profissionais2 participantes da 1ª turma da Residência Profissional em Arquitetura,

Urbanismo e Engenharia da Universidade Federal da Bahia3. Por se tratar de uma

comunidade vizinha à Represa do Ipitanga, manancial integrante do sistema de

abastecimento da região metropolitana de Salvador, e área inclusa na poligonal da APA

Joanes-Ipitanga, o processo que vem sendo desenvolvido trabalha questões ambientais que

tensionam diretamente o direito à moradia e à cidade.

OS LIMITES DA LEGISLAÇÃO COMO INSTRUMENTO PELO DIREITO À CIDADE E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

Na conquista de cidades mais adequadas e socialmente justas, a agenda urbana

no Brasil não pode ignorar essa imensa dívida social e as demandas de qualidade do espaço

urbano. Certamente, a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal Nº 10.257/2001, de

iniciativa popular, que veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de

1988, sobre o direito social à moradia e obrigatoriedade de planos diretores urbanos, trouxe

grandes avanços na definição de instrumentos capazes de garantir os direitos sociais

urbanos. Decorrida mais de uma década da sua implementação, impulsionada pela criação

do Ministério das Cidades, em 2003, são muitos ainda os desafios colocados para sua plena

efetivação. As políticas cruciais ainda não foram efetivamente implementadas, a despeito

dos grandes investimentos recentes que privilegiam programas de produção em habitação,

como o Minha Casa Minha Vida, e em detrimento de melhorias urbanas no ambiente

construído, em prol de mudanças urbanas mais estruturadoras e de longo prazo, sobretudo

no que se refere às melhorias de urbanização, inserção e integração urbana4. Maior ainda é

o retardamento na efetivação de instrumentos jurídicos que venham a contribuir para

estabelecer o pacto necessário entre ocupação do solo urbano e preservação ambiental.

2 A equipe é formada por arquitetos e urbanistas, sendo os residentes: Ana Claudia Teixeira Frederico Balani, CleitonAiron Alves Arruda Igor Alves Borges, Rafaela Costa Alonso, e Vagner Damasceno. Os trabalhos vêm sendoorientados pelas tutoras-professoras: Angela Gordilho Souza (coordenadora da Residência AU+E) e Heliana FariaMettig Rocha (coordenadora da disciplina de Planejamento e Projeto da Residência).

3 Constitui-se em experiência pioneira de pós-graduação na área de arquitetura, urbanismo e engenharia, inspirando-se na experiência das residências médicas. Foi proposta pela Faculdade de Arquitetura da UFBA, em parceria com aEscola Politécnica dessa universidade, em 2012, sendo essa 1ª turma, iniciada em 2013.

4 A sistemática de atuação do Ministério das Cidades, desde a sua criação em 2003 até 2008, traz grandes avanços naimplantação de uma política sistemática federativa e descentralizada para o enfrentamento de um contexto urbanotão plural e complexo. A partir de 2009, com o lançamento de Programa Minha Casa Minha Vida (BRASIL, 2009), esseprocesso sofre uma grande inflexão para privilegiar a produção empresarial em massa de novas unidadeshabitacionais. Não obstante a grande oferta de novas habitações, previstas até 2014, fortemente subsidiadas,alcançando desde então, a meta de produção de mais de um milhão de novas unidades em todo o territórionacional, entre 2009/10, em grande parte reproduzem o padrão periférico em cidades médias diante dos altoscustos da terra. Ver nesse sentido Maricato (2011).

4497

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

Nesse sentido, o Projeto de Lei federal no. 3057/2000, conhecido como Lei de

Responsabilidade Territorial, ao pretender enfrentar a almejada revisão da legislação federal

de parcelamento do solo estabelecido pela Lei Federal nº6766/79, traz uma importante

contribuição para o controverso debate entre a legislação ambiental e a urbanística. Pela

primeira vez, uma legislação integra os aspectos ambientais, urbanísticos e sociais do

processo de urbanização, buscando romper a falta de diálogo entre a democratização do

acesso à terra, a privatização crescente do espaço urbano e preservação ambiental. Essa

revisão considera a necessária integração entre essas questões, nos aspectos que dizem

respeito à produção de novos parcelamentos e regularização de parcelamentos existentes.

A principal inovação, nessa matéria, é a integração do licenciamento como forma de agilizar

os processos de aprovação. No seu arcabouço, além de introduzir parâmetros ambientais e

revisão da legislação sobre loteamentos, o referido Projeto de Lei propõe-se a regular os

condomínios fechados, introduz a regularização fundiária sustentável em áreas urbanas e

inovações quanto ao registro em cartórios. (GORDILHO-SOUZA, 2017) Contudo, a proposta

tem enfrentado resistência de ambientalistas, por flexibilizar a utilização de Áreas de

Preservação Permanente (APP), inclusive alterando tacitamente dispositivos importantes do

Código Florestal sobre o tema, sem perspectiva de aprovação em curto prazo. (COSTA, H;

PRIETO, 2009)

Dessa forma, a grande maioria dos municípios brasileiros possui capacidade

limitada de gestão plena de licenciamento urbano-ambiental, ainda sem um arcabouço

normativo apropriado para a regulação eficaz da ocupação e da preservação ambiental, o

que se reflete na qualidade dos projetos implementados e na pouca agilidade dos

licenciamentos que, por sua vez, ocorrem de forma dissociada. Portanto, o debate para a

aprovação desse Projeto de Lei é crucial para o avanço dos programas municipais e

estaduais de regularização fundiária e proteção de mananciais, assim como para a

perspectiva do aperfeiçoamento dos processos de urbanização no Brasil.

Passado um século, desde o início desse processo complexo de ocupação

urbana, evidenciam-se os limites do arcabouço jurídico em prol da realização do

planejamento urbano institucional na condução do processo de intervenção de interesse

4498

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

coletivo no território, frente às pressões especulativas sobre a terra e aos processos

informais de ocupação e degradação ambiental. Nessa queda de braço, ganham os

processos múltiplos de privatização urbana, seja como mercadorias produzidas pela

ampliação do valor de troca, seja como valor de uso pela sobrevivência, embora com

grandes perdas coletivas, por atingirem áreas de preservação ambiental na sua

continuidade, que vão se tornando praticamente irreversíveis, como é analisado para muitas

situações em Salvador. (GORDILHO-SOUZA, 2008)

Nesse permanente embate de estabelecer e fazer valer o ordenamento

territorial pela força da lei para a ocupação urbana, a cidade vai se fazendo por processos

múltiplos, que tensionam a questão social e ambiental. Destaca-se nas conquistas pelo

direto à cidade e ao ambiente, o papel atribuído a instâncias institucionais públicas, bem

como a representações profissionais e sociais que se impõem pelas práticas em defesa dos

interesses coletivos, que se complementam em seus propósitos. Constituem importantes

avanços, sobretudo em se tratando de processos educativos nos quais estabelecem

processos criativos nas possibilidades de articulação entre teoria e prática.

A EDUCAÇÃO PELO DIREITO À CIDADE E AO AMBIENTE, COMO FERRAMENTA PARA A CONQUISTA DE CIDADES MELHORES: A EXPERIÊNCIA DA RESIDÊNCIA AU+E/UFBA

No âmbito do movimento pela reforma urbana, que se instala no Brasil desde

meados dos anos 1960, em prol de melhores condições de habitação, entre conquistas e

retrocessos, muito se avançou desde então: temos leis inovadoras, políticas inclusivas,

instrumentos participativos, além de recursos para investimento. Afinal, somos a 7ª maior

economia do mundo e um país preponderantemente emergente, diante de uma profunda

crise econômica mundial. Entretanto, não conseguimos aplicar efetivamente essas

conquistas na construção democrática das cidades, tampouco tirar o melhor proveito dessa

situação vantajosa para investimentos sociais promissores de inclusão e de melhores

cidades (GORDILHO-SOUZA, 2013).

Segundo Maricato (2011), “Não é por falta de leis que a maioria da população

brasileira foi historicamente excluída da propriedade formal da terra, no campo ou na

cidade, no Brasil. Um cipoal de leis, decretos, resoluções, registros e cadastros seguiram-se à

instituição da propriedade privada da terra a partir da Lei de Terra de 1850”. (MARICATO,

2011, p. 95)

4499

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

Leis e decretos são importantes instrumentos de luta pelo direito à cidade e

constituem marcos de vitórias de movimentos pela Reforma Urbana. Entretanto, estão

longe de assegurar conquistas reais por moradias dignas e pelo direito à cidade.

A proposta de implantação da Residência em Arquitetura, Urbanismo e

Engenharia (Residência AU+E/UFBA), apresentada à Universidade Federal da Bahia em 2011,

surgiu no contexto de continuidade dessa experiência que a sociedade brasileira vive há três

décadas pela democratização e direitos sociais. Respalda-se na aprovação da Lei Federal de

Assistência Técnica nº 11.888, de dezembro de 2008, voltada para assistência técnica pública

e gratuita na área de Arquitetura, Urbanismo e Engenharia5, por sua vez respaldada no

Estatuto da Cidade, aprovado em 2001.

Dessa forma, de modo semelhante ao que já existe na área médica há décadas,

a experiência da Residência AU+E/UFBA se viabilizou em 2011, com a proposta de

implantação do curso de pós-graduação nessa área temática, voltado para Assistência

Técnica em Habitação e Direito à Cidade6, efetivamente implantado em 2013. Tem como

objetivo viabilizar, de forma sistemática, assistência técnica pública e gratuita em

Arquitetura, Urbanismo e Engenharia, voltada para comunidades carentes e municípios

demandantes, ampliando a inserção social da universidade pública, por meio de atividades

integradas de ensino, pesquisa e extensão na pós-graduação, para capacitação profissional,

implementação e inovação de projetos nessas áreas, contribuindo para uma melhor

qualidade de moradia, desenvolvimento social e ampliação de cidadania. (GORDILHO-

SOUZA, 2011; RESIDÊNCIA AU+E/UFBA, 2013). “Propõe-se, com essa extensão da

universidade, capacitar profissionais e cidadãos para viabilizar projetos inovadores de

inserção urbana e inclusão social, aprendendo com a cidade, em um amplo e permanente

diálogo que defina novos compromissos na construção coletiva dos espaços onde vivemos”.

(GORDILHO-SOUZA, 2013, p. 5)

Visa, assim, à formação de recursos humanos associada à prestação de serviços

de assistência técnica nessa área de atuação, de forma participativa e integrando

Universidade, Comunidade e Gestão Pública. A perspectiva é que profissionais capacitados

pela Residência AU+E sejam instrumentos de viabilização e se constituam como uma ponte

5 Esta Lei assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e aconstrução de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto no art. 6o daConstituição Federal.

6 O direito à cidade é aqui tomado com inspiração na obra de Lefebvre (1968), que considera a cidade uma obra socialcoletiva.

4500

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

entre o direito assegurado por lei e a concretização de ações tais como projetos de

autoconstrução, melhorias habitacionais, empoderamento da comunidade, gestão

participativa e desenvolvimento da economia local. Para isso, incorpora-se o conceito de

direito à moradia abrangendo não apenas a unidade habitacional, mas a sua integração ao

ambiente urbano. (GORDILHO-SOUZA, 2011 e 2013)

Nesse contexto, é necessário articular a questão urbana à questão ambiental e

tratar a cidade como meio ambiente urbano. Ao longo do século XX, essa necessidade de

articulação entre ambas as questões começou a ser discutida em debates internacionais,

como na ECO-92, que consideram a qualidade de vida da população e a redução dos níveis

de exclusão. Debates internacionais e nacionais reverberaram no Movimento pela Reforma

Urbana, na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001, que aproximam a

preocupação ambiental à preocupação com a política urbana.

Dentre os vinte projetos ora em desenvolvimento pela 1ª turma de residentes e

tutores, nessa área de aproximação da abordagem urbano-ambiental, o projeto “Nova

Esperança – Meio Ambiente Urbano”, por constituir-se numa ocupação inserida em uma

APA, traz a educação ambiental como forma de articular direito à moradia e à cidade. Para

isso, busca identificar e reforçar a capacidade de autogestão na conquista da moradia,

perante a necessidade de preservação do manancial do Ipitanga, experiência analisada a

seguir, que se traduz na perspectiva da “resiliência comunitária”, objeto de exploração

conceitual deste artigo.

CARACTERÍSTICAS DA APA JOANES-IPITANGA E CONFLITOS DE USO

A Represa do Ipitanga, foco do trabalho, está localizada na Região Metropolitana

de Salvador (RMS) e faz parte de duas Unidades de Conservação, a APA Joanes Ipitanga7 e o

Parque Metropolitano do Ipitanga8. A APA Joanes-Ipitanga possui cobertura vegetal

característica do bioma da Mata Atlântica, composta por vegetação de restinga,

remanescentes de vegetação ombrófila e manguezais (SOUZA, 2009). O Parque

Metropolitano do Ipitanga, inserido nessa APA, apresenta um expressivo índice de cobertura

vegetal.

7 A APA Joanes-Ipitanga foi instituída com uma área de 600.000ha pelo Decreto Estadual nº 7.596 (BAHIA, 1999).

8 O Parque Metropolitano do Ipitanga I foi instituído com uma área de aproximadamente 667ha pelo Decreto Estadual32.915 (BAHIA, 1986).

4501

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

O manancial do Ipitanga integra a maior bacia no Município de Salvador, tanto

em volume quanto em superfície, sendo responsável por grande parte do abastecimento de

água da Região Metropolitana de Salvador. Segundo SANTOS et al. (2010, p. 311) essa bacia

possui três barragens, com uso para abastecimento humano.

Sendo essa área uma APA que integra o sistema hídrico de Ipitanga, observa-se

um intenso processo de degradação, tendo em sua área ocupações de usos variados, além

de residenciais, como industriais de produção e extração mineral (empresas do Polo

Petroquímico e Pedreiras Aratu e Carangi), serviços e equipamentos (Aterro Sanitário

Metropolitano e Central de Abastecimento da Bahia, CEASA), além de usos agrícolas e

complementares. A maior parte do uso residencial deve-se a assentamentos informais e

novos conjuntos habitacionais sociais para moradores de baixa renda. A ocupação existente

e a previsão de implantação9 de novos empreendimentos habitacionais de interesse social

levanta a preocupação pelo fato de a área estar inserida numa APA.

Além de sua importância ambiental para o abastecimento de água da RMS, a

área em estudo tem sido tratada como a última fronteira na expansão urbana de Salvador

(SARNO, 2011), por sua localização estratégica e os preços mais baixos no mercado de terras

soteropolitano. O que coloca mais duas questões importantes a serem debatidas: o direito à

moradia diante do déficit habitacional em Salvador, e a lógica mercadológica de terras na

cidade de Salvador, colocando a área como única opção para implantação de HIS, local onde

o acesso à cidade é inviabilizado aos mais pobres pelo custo de transporte e pela

inexistência de amenidades e empregos.

Primeiramente, é importante discutir sobre a demanda por unidades

habitacionais na cidade de Salvador, que, no ano de 2008, era de 81.500 moradias10, com

uma demanda futura prevista para 276.600 unidades habitacionais até o ano de 2025,

totalizando um montante de 358.100 unidades apenas para o município de Salvador. Diante

de números tão expressivos, a pergunta que se faz é: onde assentar toda essa demanda,

inclusive a de interesse social, visto que estamos em uma das cidades mais densas do Brasil,

e quais os impactos dessa demanda habitacional no meio ambiente?

Outro fator importante nessa discussão diz respeito às medidas de regulação do

mercado de solos na cidade e sua vinculação a estratégias de planejamento urbano-

9 O Plano Estratégico de Salvador (SALVADOR, 2012) prevê cerca de 32.500 unidades para serem entregues atédezembro de 2016, sem precisar a localização dos empreendimentos, o que pode indicar um alto interesseimobiliário para a área.

10 Segundo informações obtidas no Plano Municipal de Habitação de Salvador (2008-2025).

4502

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

metropolitano, com o objetivo de planejar a demanda habitacional. A preocupação está em

torno da proposta de concentrar toda a habitação de interesse social no limite periférico da

cidade, em um modelo de “new apartheid”, vinculando aos mais pobres o direito à cidade

pelo custo do transporte e reduzindo suas oportunidades, pela justificativa do preço da

terra, além do crescente impacto ambiental.

Figura 1: Localização de Nova Esperança e grandes equipamentos urbanos no entorno, em Salvadore na APA Joanes Ipitanga

Fonte: mapa elaborado pela equipe de residentes do Projeto Nova Esperança - Meio Ambiente Urbano

INSERÇÃO DA COMUNIDADE E OCUPAÇÃO DE NOVA ESPERANÇA

A abrangência territorial estudada consiste na ocupação da comunidade Jardim

Nova Esperança, inserida na área do bairro Nova Esperança, no limite extremo norte da

cidade de Salvador, a 28 km do centro tradicional da cidade, podendo se caracterizar como

área periurbana. O surgimento do bairro ocorreu a partir da ocupação informal, em área da

4503

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

Fazenda do Barro Duro, em meados da década 1980, conforme dados do livro “O caminho

das águas em Salvador” (SANTOS et al, 2010). De acordo com informações de moradores

antigos, havia uma promessa de venda de lotes populares pelo dito proprietário, o que, por

não se realizar e pela pressão do crescimento urbano, resultou na ocupação por um grande

grupo de famílias sem moradia. Os dados socioeconômicos, obtidos da pesquisa do IBGE

em 2010, identificam essa população como majoritariamente de baixa renda, sendo que

85,28% da população economicamente ativa têm rendimento de até 1 salário mínimo, e

mais da metade desses não possuem rendimento algum. No entanto, essa população está

inserida em um espaço economicamente dinâmico, com diversas indústrias, centrais

logísticas, produção agrícola e comércio atacadista. Se, por um lado, essas atividades

econômicas indicam um potencial de inserção de mão de obra para a população local, por

outro, é notória a existência de “subempregos” ou ocupações informais relacionadas ao

Centro de Abastecimento de Salvador (CEASA) aí localizado.

Segundo dados do IBGE (2010), a área concentra indicadores precários em

infraestrutura, além dos piores resultados em saneamento básico e urbanização de

Salvador, comparando-se com outras áreas da cidade. A área no entorno da Represa III

possui a maior concentração de assentamentos precários do Sistema (DUARTE, 2007), com

ocupações que apresentam condições inadequadas de saneamento11.

O bairro de Nova Esperança possui cerca de 1.998 famílias, sendo que 101 não

possuem banheiro em casa. Dos que possuem banheiro, 86,8% dos domicílios não possuem

ligação à rede geral de esgoto, e, mesmo situados à beira da Represa que abastece a RMS,

30,1% dos domicílios não são abastecidos pela rede geral de água.

Até 2007, a região de Ipitanga era considerada como área rural. A partir do PPDU

(SALVADOR, 2008), passou a ser considerada zona urbana, fato que estimulou o setor

imobiliário a focar a região como vetor de expansão. Sendo assim, a conformação e a

infraestrutura local configuram-se como defasadas em relação aos parâmetros adequados

para uma zona urbana.

As características morfológicas dessa ocupação urbana, conforme é indicado na

Figura 2, indicam uma área de topografia acidentada, de baixa densidade

11 Considera-se saneamento a junção dos elementos abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águaspluviais e drenagem urbana e gerenciamento de resíduos sólidos e coleta de lixo, conforme Política Nacional deSaneamento Básico (Lei 11.445/2007). No entanto, os dados apresentados não contêm informações sobre o manejode águas pluviais e drenagem urbana, visto que foram coletados da tabela Domicílios_13, extraída do CensoDemográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

4504

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

(6,66.hab./hectare), sendo as vias abertas na direção da represa, com crescimento

progressivo ao longo dessas vias, o que promove um direcionamento de águas servidas e de

esgoto diretamente para a represa. Por manter ainda uma baixa densidade, ao longo das

quase três décadas de ocupação, a vegetação nativa ainda não foi dizimada.

As diversas carências existentes, aliadas à importância de sua atual configuração

(situação geográfica e existência de áreas livres), têm gerado diferentes tipos de

intervenções na região, além dos grandes equipamentos urbanos já referidos. As próprias

comunidades que ali residem interferem no ambiente construído multiplicando edificações

que, em sua maioria, não se inserem nas premissas da cidade legal e nos parâmetros de

preservação do ecossistema.

Em 2007, a área – inicialmente pertencente a diversos proprietários – foi

declarada12 como de interesse público para fins de desapropriação, de acordo com o Projeto

de Regularização Fundiária, desenvolvido pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano

(SEDUR) e pela Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia (CONDER). A proposta

apresentada à comunidade, mas até então não implantada, seria a urbanização da

ocupação existente, com a inserção de equipamentos comunitários. Pelo projeto, foi

flexibilizada uma faixa de 50m, do limite de 100m demarcado pela APP, para funcionar como

zona de transição, já que a ocupação já avançava muito para o limite da represa. Essas

demarcações isolam a questão da urbanização da questão ambiental. Para essa faixa de

50m limítrofe ao rio, foram identificadas famílias ocupantes, que tiveram suas casas

demolidas e passaram a ocupar novas unidades em conjunto próximo do PMCMV.

12 Pelo Decreto nº 10.453 de 13 de setembro de 2007 do Governo do Estado da Bahia.

4505

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

Figura 2: Ocupação da localidade Nova Esperança-Ipitanga e equipamentos de entorno, em Salvador

Fonte: mapa elaborado pela equipe de residentes do Projeto Nova Esperança - Meio Ambiente Urbano

Durante visitas iniciais realizadas pela equipe à localidade, que se reconhece

como Jardim Nova Esperança, no início de 2014, percebeu-se ser essa uma comunidade bem

articulada com comunidades vizinhas, entidades civis e com os municípios vizinhos de

Simões Filho e Lauro de Freitas. Constata-se certa organização da comunidade para

implantação de projetos por autogestão, por meio de ações coletivas (mobilização e

autoconstrução) que levaram à construção da igreja local, da sede da associação de bairro e

do edifício onde atualmente funciona o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), a

Associação Beneficente do Bairro Nova Esperança (ABENE) e o campo de futebol. Observou-

se que, nessa ocupação, uma porção significativa de áreas livres foi reservada para uso

coletivo, somando 43ha., o que representa 14,3 % da gleba ocupada pela comunidade, sem

considerar a área de uso público (vias, equipamentos urbanos, área de preservação).

Portanto, constitui uma ocupação de baixa densidade, diferentemente das muitas

ocupações informais mais próximas da malha urbana de Salvador, de altíssimas densidades,

alcançando, em ocupações predominantemente horizontais, densidades líquidas (sem

arruamento) de até 900 hab/ha.

4506

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

Em relação à interação da comunidade com o manancial, o que se observou foi

que a maior parte das casas está “de costas” para a represa, e há moradores que relatam

nunca ter caminhado pelas suas margens, não havendo intenções mais profícuas de sua

preservação. Notou-se também um saudosismo da população mais antiga em relação a

anos anteriores (cerca de vinte anos), quando as águas da represa não ofereciam riscos a

saúde, e o espaço era usado amplamente para lazer e subsistência.

O DESAFIO PARA A ASSISTÊNCIA TÉCNICA NO NECESSÁRIO DIÁLOGO ENTRE URBANIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: O PROJETO NOVA ESPERANÇA

O conceito do projeto de assistência técnica em curso parte do marco de que o

meio ambiente é um importante elemento da questão urbana, valorizando a água como

fator indispensável para toda a sociedade. Com a evolução da urbanização mundial, esse

recurso tem se tornado cada vez mais necessário e tem exigido processos de tratamento

mais complexos, devido à indisponibilidade de recursos hídricos com qualidade, ao

frequente despejo de resíduos, ou ainda pela ocupação indevida próxima aos mananciais,

como no caso analisado. Buscando garantir a qualidade e a disponibilidade desse recurso

natural, sem que a população residente no seu entorno tenha de desocupar a área, este

projeto coloca a água como fator principal para o desenvolvimento do conceito de

“resiliência comunitária”, como será analisado adiante, para o necessário estreitamento da

relação entre a questão urbana e a ambiental, o que leva à leitura do espaço como meio

ambiente urbano.

Assim, o trabalho que está sendo desenvolvido foi divido em duas etapas. A

primeira etapa consiste na realização de um diagnóstico técnico-participativo, orientado

pela equipe de assistência técnica, através de um programa de educação ambiental para o

direito à cidade, para se chegar a um conceito agregador para o projeto. Na segunda etapa,

cada membro da equipe pretende desenvolver projetos específicos das demandas coletivas,

as quais, a princípio, podem ficar sob a responsabilidade da comunidade na sua

continuidade, ou seja, projetos que podem ser executados por meio de mutirões de

autoconstrução ou programas educativos permanentes. Há ainda a possibilidade de que os

projetos indicados venham a ser viabilizados por instâncias governamentais, e, para atender

a essa possibilidade, a conclusão do projeto deve vir acompanhada de um termo de

referência, visando à sua futura execução de acordo com a proposta.

4507

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

O diagnóstico técnico participativo foi desenvolvido através de oito oficinas

realizadas na comunidade. Em parceria com a associação de moradores do bairro,

Associação Beneficente do Bairro Nova Esperança (ABENE), as reuniões puderam acontecer

na sede da associação. Buscou-se a criação conjunta de um ambiente de confiança mútua

através de metodologias integrativas não convencionais, como a elaboração conjunta de

acordos, a roda de diálogo e escuta, práticas facilitadoras da troca de saberes entre técnicos

e moradores13. O objetivo das oficinas de diagnóstico era identificar a visão que os

moradores têm do bairro, com relação a suas necessidades e potencialidades, através da

construção teórica do “bairro que temos”, e, por fim, indicar as principais demandas da

comunidade que podem ser atendidas por projetos de assistência técnica, através da

proposta de visualização do “bairro que queremos”.

Através da análise dos resultados das oficinas que mostraram o “bairro que

temos”, foi possível identificar os principais problemas e qualidades do bairro e a existência

de grupos e representações sociais importantes na configuração da comunidade, suas

conexões e relacionamentos. Também foram localizadas as principais referências sociais,

ambientais, de serviços e equipamentos existentes no bairro através de um biomapa14.

Outra oficina contribuiu para a ampliação da percepção da comunidade sobre o seu bairro

e para identificar, de forma consciente, as causas e responsabilidades sobre os problemas

locais, além da necessidade de gerenciamento dos potenciais e qualidades da comunidade

O processo se deu por meio de percursos coletivos de reconhecimento territorial e

fotográfico pelo bairro e seu relacionamento com o manancial.

Dando continuidade ao processo de diagnóstico, o grupo de residentes obteve,

como resultado das oficinas de construção do “bairro que queremos”, as principais

referências de projetos de arquitetura e urbanismo com boa aceitação pela comunidade,

através de uma análise de referências projetuais e discussão de soluções técnicas para as

necessidades locais. Nessa etapa, também ocorreu a definição participativa de demandas

13 Durante a fase de curso preparatório para ações de assistência técnica, os profissionais-residentes foramapresentados a essas técnicas (GIANELLA; MOURA, 2009), entre outros conhecimentos específicos, nas disciplinas daespecialização Residência AU+E/UFBA (ver http://www.residencia-aue.ufba.br./).

14 A organização sem fins lucrativos, Green Map (biomapa) trabalha colaborativamente desde 1995, com o intuito deexpandir a demanda por comunidades mais saudáveis e vibrantes, através do uso da ferramenta de mapeamentoadaptável com ícones universais, web sites participativos em diversas línguas, workshops e redes regionais. Aferramenta do biomapa ajuda equipes locais a ganhar habilidades em tomadas de decisão colaborativas, gestão deprojetos, organização comunitária e comunicação como parte do processo de construção dos mapas.(http://www.greenmap.org/greenhouse/en/about/mission)

4508

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

por projetos para o bairro, quantificadas por meio de uma matriz de prioridade

participativa, ao invés de processos tradicionais e unilaterais.

Durante a realização das oficinas e visitas, a equipe de residentes enfrentou

algumas barreiras, sendo a mobilização da população para participação a mais desafiadora.

Essa dificuldade levou o grupo a realizar uma reunião com a comunidade para avaliação do

processo que vinha sendo adotado, com o objetivo de identificar erros, acertos e os motivos

da dificuldade de mobilização e de assiduidade das pessoas nas oficinas para discussões

sobre o bairro.

Como resultado dessa oficina, a equipe adotou a estratégia de atuar em parceria

com os agentes locais de saúde e atenção básica às famílias, buscando aproximar as

práticas participativas da área da saúde ao processo de desenvolvimento comunitário.

Buscou-se, ainda, a possibilidade de estabelecer uma parceria com a escola existente, visto

que o processo comunitário requer um esquema constante e estratégico de educação

continuada, no caso da proposta do projeto, que envolve a educação ambiental.

No entanto, as tentativas adotadas, durante os três meses dedicados ao

diagnóstico participativo, mesmo com mobilização dos agentes de atenção básica como

divulgadores e representantes do setor de saúde no grupo de trabalho, não obtiveram o

resultado esperado. Do mesmo modo, a parceria com a escola local também não

apresentou nenhum representante para compor o grupo de trabalho do projeto. Dessa

forma, o resultado do diagnóstico representa as perspectivas de um grupo diversificado e

comprometido, embora com uma pequena quantidade de participantes, ressaltando-se o

papel das lideranças comunitárias.

Dentre as demandas apontadas para assistência técnica na realização de

projetos estão as seguintes: construção de escola de ensino fundamental de 1ª à 5ª série e

de 6ª a 9ª série, escola de educação infantil, construção de centro de esportes,

gerenciamento das áreas verdes e da preservação ambiental, geração de renda, ciclovias,

abrigo para ônibus, além do gerenciamento da coleta de resíduos sólidos. Esses foram os

principais desafios eleitos pelos moradores de Nova Esperança para o grupo de residentes.

O contato inicial com a comunidade e as oficinas foram um processo no qual foi

possível identificar dificuldades específicas do trabalho de assistência técnica. Dentre elas,

pode-se perceber a visão “pessimista” com a qual os moradores veem o local onde vivem, as

políticas públicas e a si próprios como comunidade. A oficina para identificação de

4509

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

qualidades do bairro precisou da intervenção dos técnicos para que os participantes

pudessem perceber os pontos positivos da área.

Por mais que a comunidade tenha demonstrado a conquista de ter construído e

zelar pelo seu centro comunitário, bem articulado com a população local e com a atração de

investimentos, foi identificada uma falta de articulação dos moradores entre si, evidenciada

pelo desconhecimento das atividades realizadas no bairro. Esse ponto foi observado na

desarticulação de agentes das redes locais e na mobilização da comunidade.

A mobilização da comunidade feita pelos líderes comunitários para eventos da

ABENE se mostrou eficaz; já a mobilização para a realização de oficinas para assistência

técnica apresentou dificuldades. Foram identificadas a falta de comunicação dos moradores

e a dificuldade de manter a assiduidade dos participantes e sua permanência durante as

oficinas para atividades mais longas do que uma hora e meia.

Uma das maiores dificuldades da assistência técnica durante o processo das

oficinas foi o de absorver a opinião do grupo como um todo, já que, em sua maioria os

participantes demonstraram falta de valorização da opinião individual frente aos técnicos ou

a membros mais influentes da comunidade. Essa primeira etapa de oficinas previa

encontrar essa dificuldade, já que grande parte dos moradores não estava acostumada a ser

inserida em debates participativos sobre seu bairro. A todo o momento foi estimulada a

valorização de opiniões, visando ao fortalecimento desse grupo para uma participação mais

efetiva na próxima etapa de projeto.

Outra dificuldade observada e possivelmente o maior desafio na fase de

desenvolvimento dos projetos é o apego a padrões de intervenção urbana pré-estabelecidos

na cidade legal. A necessidade de inserção na cidade formal induz os moradores a

desejarem padrões urbanos que demonstram não estar em acordo com particularidades

locais. Na oficina de apresentação de referências projetuais, alguns moradores

demonstraram rejeição a intervenções urbanas ou técnicas construtivas incomuns em

Salvador, como a construção com terra.

4510

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

O CONCEITO DE “RESILIÊNCIA COMUNITÁRIA” APLICADO À URBANIZAÇÃO E À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

A partir do conceito de resiliência aplicado à física15, ampliado para resiliência

urbana –capacidade de uma cidade de suportar impactos e crises externas, sem

perturbação significativa, readaptando-se ambientalmente (ROCHA, 2013) –, adota-se, nessa

proposta, o conceito de “resiliência comunitária” como a capacidade de um grupo

convivente superar ou se recuperar de adversidades, através de formas efetivas de lidar

com os desafios que se apresentam no espaço urbano, aplicada ao conteúdo mais amplo

do direito à moradia e à cidade.

Considerando as características ambientais e urbanísticas percebidas nas

oficinas desenvolvidas com a comunidade de Nova Esperança, associadas à forma histórica

de autogestão como ocorreu o processo de ocupação e construção das suas moradias e

equipamentos comunitários, fica evidenciado como a educação ambiental coletiva pode

potencializar essa capacidade de lidar com a conjugação de superação das necessidades

materiais com a preservação ambiental.

Por um lado, a capacidade de superação das adversidades urbanísticas se

evidencia, nessa comunidade, através de formas efetivas de lidar com os desafios que se

apresentam: sua história de organização autogestionária para ocupação imediata da área;

mobilização em prol de objetivos coletivos como a preservação da área da escola até que

fosse construída; resistência perante a cobrança indevida de pagamento de impostos;

resolução de problemas através de recursos próprios; e mutirão de autoconstrução para a

primeira sede da associação de bairro, dentre outros.

Entretanto, no que se refere à sua capacidade de convivência sustentável com o

manancial de Ipitanga, essa aproximação ainda é muito tênue e desvinculada das formas

criativas de potencialização dessa comunidade na sua inserção urbana e da sua

responsabilidade ambiental. No processo de ocupação da terra pelas necessidades básicas

da moradia, o manancial está muito próximo e, ao mesmo tempo, ainda distante dessa

comunidade. A sua inserção no direito à cidade, no seu sentido mais amplo, ou seja, um

bem de todos, ainda não é percebida plenamente pela comunidade de Nova Esperança.

15 O conceito de resiliência tem origem no campo da Física como propriedade de um corpo de recuperar a sua formaoriginal após sofrer choque ou deformação. (WALKER, B. et al., 2004) Esse conceito, aplicado à resiliência urbana,vem sendo relacionado a iniciativas de transição emergentes, conforme tratado por ROCHA (2013).

4511

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

O desafio da proposta de assistência técnica junto à comunidade de Nova

Esperança, no próximo passo de definição conjunta dos projetos, revela-se, portanto, nessa

troca de saberes e em buscar integrar na prática duas perspectivas: a) projetos capazes de

mobilizar a comunidade pelas melhorias do lugar, fazendo valer o direito à moradia; b)

valorização da inserção urbana pela preservação do manacial, como o direto à cidade,

fortalecendo o processo de educação ambiental coletiva. Esquemáticamente, se traduz no

diagrama apresentado na Figura 3.

Figura 3 - Proposta metodológica de educação ambiental

Fonte: Elaborado pela equipe de residentes do Projeto Nova Esperança - Meio Ambiente Urbano

Essa percepção prévia conceitual certamente ajuda a orientar a próxima etapa

de elaboração de propostas, de forma a contemplar o diálogo intrínseco necessário entre

questões urbanisticas e ambientais. Entende-se que essa prática de assistência técnica

comporta processos educativos que, estimulando a toca de saberes, viabilizam, ao mesmo

tempo, capacitação técnica e fortalecimento comunitário, para melhores condições de

habitação, de ambiente e de cidade. Antecipam-se, assim, definições tardias de legislações

urbanas de interesse social e proteção ambiental, pelo bem coletivo e direito a cidades

melhores e mais justas.

Enfim, é importante reconhecer que a proposta de Residência Profissional posta

em prática pela UFBA, por meio da especialização em Assistência Técnica para Habitação e

Direito à Cidade, atinge, assim, o seu papel de articulação entre universidade, gestão pública

4512

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

e sociedade civil, promovendo as possibilidades de práticas necessárias para essa

realização.

REFERÊNCIAS

BAHIA. Decreto Estadual 32.915. Institui o ParqueMetropolitano Ipitanga. 06 de fevereiro de1986.

BAHIA. Decreto Estadual 7.596. Cria a Área deProteção Ambiental - APA de Joanes-Ipitanga edá outras providências. 05 de junho 1999.

BORGES, I. A., ALONSO, R. C., ROCHA, H. F. M. Odireito à cidade pela experiência do projeto“Nova Esperança – Meio Ambiente Urbano”. IIIENANPARQ, Anais, São Paulo, 2014.

BRASIL. (2007). Lei 11.445. Política Nacional deSaneamento Básico .

BRASIL. Lei 10.257. Estatudo das Cidades. 2001

BRASIL. Lei 11.445. Política Nacional deSaneamento Básico. 2007

BRASIL. Lei 11.888, de 24 de dezembro de 2008.Assegura às famílias de baixa renda assistênciatécnica pública e gratuita para o projeto e aconstrução de habitação de interesse social Leida Assistência Técnica Pública e Gratuita, 2008.

COSTA, H; PRIETO, E. Revisão da Lei Federal deParcelamento do Solo: um debate sobre oSubstitutivo ao PL 3.057/2000. Porto Alegre:Revista Magister de Direito Ambiental eUrbanístico, volume 21, dez/jan. 2009.

DUARTE, A. J. Requalificação Urbana do JardimNova Esperança - Reabilitação de Mata Ciliar -Manancial Ipitanga III. EMBASA - EmpresaBaiana de Águas e Saneamento, 2007.

GIANELLA, V., MOURA, S. Gestão em rede emetodologias não convencionais para a gestãoSocial. Salvador: Editora CIAGS, 2009.

GORDILHO-SOUZA, A. Limites do Habitar;segregação e exclusão na configuração urbanacontemporânea de Salvador e perspectivas no

final do século XX, Salvador: EDUFBA, 2008(Posfácio, 2ª. edição; 1ª. edição, em 2000,).

GORDILHO-SOUZA, A. A lei de responsabilidadeterritorial urbana e a construção da cidadedemocrática. IN: FELDMAN, S.; FERNANDES, A.O Urbano e o Regional no BrasilContemporâneo. Mutações, Tensões, Desafios,Salvador: EDUFBA, 2007.

GORDILHO-SOUZA, A. Proposta de Curso deEspecialização em Assistência Técnica,Habitação e Direito à Cidade – Implantação deResidência Profissional em Arquitetura,Urbanismo e Engenharia; apresentada aoPPGAU-FAUFBA, em março de 2011

GORDILHO-SOUZA, A. Assistência Técnica emArquitetura, Urbanismo e Engenharia: AvançosInstitucionais. In: 6º. PROJETAR, Anais,Salvador. 2013

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatisitica.Censo Demográfico Brasileiro. 2010

LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade. São Paulo: EditoraMoraes LTDA. 1991

MARICATO, E. O Impasse da Política Urbana noBrasil. São Paulo: Editora Vozes. 2011

NOGUEIRA, T. B., GONSALES, C. H., & DURANTE, J.habitabilidade urbana: o cidadão e suaapropriação do espaço público. 2007.Disponivel em:<www.ufpel.tche.br/cic/2007/cd/pdf/SA/SA_01806.pdf>. Acesso em julho de 2014.

ONU, Organização das Nações Unidas. DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos. 10 dedezembro de 1948. Disponível em:<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 30 demarço de 2014

4513

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

RESIDÊNCIA AU+E/UFBA. Residência Profissionalem Arquitetura, Urbanismo e Engenharia daUniversidade Federal da Bahia. Disponível em:http://www.residencia-aue.ufba.br./ Acesso em30 de junho de 2014

ROCHA, H. F. Cidades em transição e outrosideários urbanos: novas utopias urbanísticas?In: SEMINÁRIO URBANISMO NA BAHIA –URBA13. Salvador: Anais. Disponível em:http://urbba13.blogspot.com.br/p/trabalhos-completos.html Acesso em: <30 de março de2014>. 2013

SALVADOR. Plano Municipal de Habitação deSalvador 2008-2025. Salvador: SecretariaMunicipal da Habitação SEHAB, 2008.

SALVADOR. Plano Estratégico da PrefeituraMunicipal de Salvador 2012-2016. 2012

SANTOS, E., PINHO, J. A., MORAES, L. R., & FISCHER,T. O Caminho das Águas em Salvador: Bacias

Hidrográficas, Bairros e Fontes. Salvador:Secretaria de Meio Ambiente do Governo doEstado da Bahia, 2010.

SARNO, C. M. Manancial do Ipitanga, últimafronteira na expansão urbana de Salvador: ourbano e o ambiental na perspectiva do direitoà moradia. Dissertação apresentada aoPPGAU-UFBA, Salvador. 2011

SOUZA, G. B. Diagnóstico socioambientalparticipativo em mananciais de abastecimentoda região metropolitana de Salvador: O olhardo conselho gestor da área de proteçãoambiental Joanes-Ipitanga, 2009.

WALKER, B., HOLLING, C., CARPENTER, S. e KINZIG,A. Resilience, adaptability and transformabilityin social–ecological systems. Ecology andSociety, 9 (2), 5, 2004. Disponível em : <http://www.ecologyandsociety.org/vol9/iss2/art5/>. Acesso em julho de 2014.

4514

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

EDUCAÇÃO AMBIENTAL PELO DIREITO À CIDADE: A EXPERIÊNCIA DA RESIDÊNCIA PROFISSIONAL PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM NOVA ESPERANÇA – IPITANGA, SALVADOR-BA

EIXO 5 – Meio ambiente, recursos e ordenamento territorial

RESUMO

Este projeto alinha-se às grandes demandas urbano-ambientais atualmente colocadas para

profissionais com atuação pluridisciplinar na reflexão propositiva para áreas de ocupação

habitacional impactantes na degradação ambiental. Considera-se, para isso, o contexto urbano

brasileiro de amplos territórios construídos pela intensa especulação do solo urbano, conjugando-

se à frequente informalidade de ocupação, que atingem áreas de preservação ambiental. A

continuidade desses processos torna-se cada vez mais irreversível, diante da ineficácia das

legislações urbanas e ambientais. O objetivo do artigo é apresentar os primeiros resultados da

experiência de assistência técnica que está sendo desenvolvida com a comunidade de Nova

Esperança, em Salvador, como atividade de uma das equipes da 1ª turma da Residência

Profissional em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia da Universidade Federal da Bahia. Por se

tratar de uma comunidade vizinha à Represa do Ipitanga, manancial integrante do sistema de

abastecimento da região metropolitana de Salvador, e inclusa na poligonal da APA Joanes-

Ipitanga, a proposta trabalha questões ambientais que tensionam diretamente o direito à moradia

e à cidade. Observa-se, crescentemente, o processo de degradação do manancial, com ocupação

de suas margens tanto por habitação precária quanto por outros usos impactantes. Dentre os

alcances desse trabalho, está a realização de um diagnóstico participativo com moradores da

área, identificando as necessidades de melhorias urbanas associadas à consciência da presença

do manancial e à perspectiva de sua preservação ambiental. Para isso, foram desenvolvidas

oficinas de educação ambiental pelo direito à cidade, analisando-se as diversas situações locais e

referenciais análogos. Foram utilizadas ferramentas e técnicas para o fortalecimento comunitário,

como a construção coletiva da imagem atual do bairro – “O Bairro que temos”-, reconhecimento

das redes comunitárias e de grupos locais, elaboração do biomapa (Greenmap), estudos de casos

de degradação e reabilitação em áreas semelhantes e elaboração coletiva da visão de futuro para

o bairro – “O Bairro que queremos”. Para a elaboração conjunta de projetos de melhorias, em

andamento, busca-se relacionar a questão ambiental à questão urbana, considerando o conceito

de resiliência comunitária, entendido como a capacidade de suportar choques e tensões sem

perturbações significativas, mas renovando-se nas diversas dimensões que envolvem a

autogestão nos processos de ocupação urbana e a preservação sustentável de águas. Neste

artigo, ao analisar essa experiência, são ressaltados os avanços e as dificuldades colocados até

então, utilizando-se de uma metodologia pluridisciplinar integrativa, receptiva e agregadora de

inovações autogestionárias, diante dos desafios encontrados nesse mútuo reconhecimento. São

4515

http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6

também apresentadas as estratégias adotadas nesse processo de relação entre teoria e prática

de educação ambiental pelo direito à cidade, considerando-se a baixa efetividade das legislações

em vigor.

Palavras-chave: Assistência técnica, educação ambiental, resiliência comunitária.

4516