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EDUCAÇÃO AMBIENTAL PELO DIREITO À CIDADE:A EXPERIÊNCIA DA RESIDÊNCIA PROFISSIONAL
PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM NOVAESPERANÇA – IPITANGA, SALVADOR-BA
Angela Gordilho Souza
PPGAU-UFBA
Igor Alves Borges
AU+E/UFBA
Rafaela Costa Alonso
AU+E/UFBA
INTRODUÇÃO
Um dos grandes problemas enfrentados atualmente na conservação de áreas de
mananciais, próximas às grandes cidades brasileiras, é a tensão permanente entre
ocupação e preservação ambiental. Tal problema está pautado nos impactos do processo de
intensa urbanização ocorrido desde as primeiras décadas do século XX, com o movimento
acelerado de migrações campo–cidade, decorrentes dos processos de modernização urbana
e rural, o que propicia a formação de grandes metrópoles concentradoras da maior parte da
população do país. Atualmente, apenas cerca de 15% de um total de mais de 190,7 milhões
de brasileiros correspondem à população rural, com índice negativo de crescimento,
conforme é apontado pelo Censo 2010 (Brasil, 2011). Ainda que, nas metrópoles, esse índice
também decresça, alcançando uma média próxima a 1% a.a., mantêm-se, entretanto,
altíssimos índices de densidade e informalidade na ocupação urbana dos municípios-
capitais, com intensiva expansão periférica especulativa, baixa capacidade de consumo no
mercado regulado, políticas urbanas ineficazes na distribuição e proteção de bens coletivos,
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insuficiência de infraestrutura, dentre outros fatores que contribuíram para esse
crescimento urbano conflituoso e complexo.
Nas grandes cidades brasileiras, altamente segregadoras da pobreza, a maioria
de seus habitantes estão excluídos dos benefícios urbanos. Estima-se que, nas grandes
cidades-capitais, entre 20% e 60% da população esteja morando em áreas de favelas, vilas,
cortiços e outros tipos de habitação precária e informal, variando conforme a região do país,
com maiores índices nas regiões Nordeste e Norte1 Esse passivo – fruto de um modelo de
crescimento de grande concentração de renda e da propriedade fundiária, da alta
espoliação do trabalho, da especulação imobiliária e da exclusão social para a maioria da
população – se materializa nessas ocupações. Se, por um lado, esse modelo levou o país, em
curto prazo, ao topo das maiores economias do mundo, por outro, o coloca entre os mais
deficitários no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ocupando 85º lugar em uma lista
de 185 países, conforme relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
(PNUD, 2013)
Esse padrão de ocupação do território impacta fortemente as áreas de
mananciais próximas às áreas urbanas, nas quais a ocupação intensiva traz consequências
muitas vezes irreversíveis para a área de influência das bacias e a vegetação de sustentação
hidráulica das represas. Nesse impasse entre o direito à moradia e a proteção ambiental,
nos anos recentes, muito se avançou na definição de instrumentos sociais de controle do
solo e do ambiente no Brasil, embora ainda haja um distanciamento da legislação
urbanística e ambiental brasileira das premissas do direito à cidade, na sua concepção de
função social e sustentabilidade para o coletivo (SARNO, 2011). No avanço a essa direção, a
educação ambiental e a assistência técnica a essas comunidades têm um papel fundamental
para novas conquistas.
Com base nesses pressupostos, o objetivo deste artigo é analisar os primeiros
resultados do projeto de assistência técnica que está sendo desenvolvido com a
comunidade de Nova Esperança, na cidade de Salvador, como atividade de uma das equipes
1 Os dados oficiais divulgados variam tanto por região quanto pela metodologia utilizada para aferição. Conforme ocenso IBGE, em 2010, referindo-se ao índice de aglomerados subnormais, o Brasil tinha 11,4 milhões de pessoasvivendo em 3,2 milhões de domicílios localizados em 6.329 favelas por todo o país. Considerando o total depopulação nas cidades-capitais, onde está a maior parte das favelas, essa indicação representaria 25,6% dos seushabitantes. A concentração dessas ocupações é ainda maior ao se considerarem apenas as grandes metrópoles.Vários autores trabalham essa questão, com metodologias próprias para as cidades brasileiras. Ver, para Salvador,GORDILHO-SOUZA (2008).
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de profissionais2 participantes da 1ª turma da Residência Profissional em Arquitetura,
Urbanismo e Engenharia da Universidade Federal da Bahia3. Por se tratar de uma
comunidade vizinha à Represa do Ipitanga, manancial integrante do sistema de
abastecimento da região metropolitana de Salvador, e área inclusa na poligonal da APA
Joanes-Ipitanga, o processo que vem sendo desenvolvido trabalha questões ambientais que
tensionam diretamente o direito à moradia e à cidade.
OS LIMITES DA LEGISLAÇÃO COMO INSTRUMENTO PELO DIREITO À CIDADE E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
Na conquista de cidades mais adequadas e socialmente justas, a agenda urbana
no Brasil não pode ignorar essa imensa dívida social e as demandas de qualidade do espaço
urbano. Certamente, a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal Nº 10.257/2001, de
iniciativa popular, que veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de
1988, sobre o direito social à moradia e obrigatoriedade de planos diretores urbanos, trouxe
grandes avanços na definição de instrumentos capazes de garantir os direitos sociais
urbanos. Decorrida mais de uma década da sua implementação, impulsionada pela criação
do Ministério das Cidades, em 2003, são muitos ainda os desafios colocados para sua plena
efetivação. As políticas cruciais ainda não foram efetivamente implementadas, a despeito
dos grandes investimentos recentes que privilegiam programas de produção em habitação,
como o Minha Casa Minha Vida, e em detrimento de melhorias urbanas no ambiente
construído, em prol de mudanças urbanas mais estruturadoras e de longo prazo, sobretudo
no que se refere às melhorias de urbanização, inserção e integração urbana4. Maior ainda é
o retardamento na efetivação de instrumentos jurídicos que venham a contribuir para
estabelecer o pacto necessário entre ocupação do solo urbano e preservação ambiental.
2 A equipe é formada por arquitetos e urbanistas, sendo os residentes: Ana Claudia Teixeira Frederico Balani, CleitonAiron Alves Arruda Igor Alves Borges, Rafaela Costa Alonso, e Vagner Damasceno. Os trabalhos vêm sendoorientados pelas tutoras-professoras: Angela Gordilho Souza (coordenadora da Residência AU+E) e Heliana FariaMettig Rocha (coordenadora da disciplina de Planejamento e Projeto da Residência).
3 Constitui-se em experiência pioneira de pós-graduação na área de arquitetura, urbanismo e engenharia, inspirando-se na experiência das residências médicas. Foi proposta pela Faculdade de Arquitetura da UFBA, em parceria com aEscola Politécnica dessa universidade, em 2012, sendo essa 1ª turma, iniciada em 2013.
4 A sistemática de atuação do Ministério das Cidades, desde a sua criação em 2003 até 2008, traz grandes avanços naimplantação de uma política sistemática federativa e descentralizada para o enfrentamento de um contexto urbanotão plural e complexo. A partir de 2009, com o lançamento de Programa Minha Casa Minha Vida (BRASIL, 2009), esseprocesso sofre uma grande inflexão para privilegiar a produção empresarial em massa de novas unidadeshabitacionais. Não obstante a grande oferta de novas habitações, previstas até 2014, fortemente subsidiadas,alcançando desde então, a meta de produção de mais de um milhão de novas unidades em todo o territórionacional, entre 2009/10, em grande parte reproduzem o padrão periférico em cidades médias diante dos altoscustos da terra. Ver nesse sentido Maricato (2011).
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Nesse sentido, o Projeto de Lei federal no. 3057/2000, conhecido como Lei de
Responsabilidade Territorial, ao pretender enfrentar a almejada revisão da legislação federal
de parcelamento do solo estabelecido pela Lei Federal nº6766/79, traz uma importante
contribuição para o controverso debate entre a legislação ambiental e a urbanística. Pela
primeira vez, uma legislação integra os aspectos ambientais, urbanísticos e sociais do
processo de urbanização, buscando romper a falta de diálogo entre a democratização do
acesso à terra, a privatização crescente do espaço urbano e preservação ambiental. Essa
revisão considera a necessária integração entre essas questões, nos aspectos que dizem
respeito à produção de novos parcelamentos e regularização de parcelamentos existentes.
A principal inovação, nessa matéria, é a integração do licenciamento como forma de agilizar
os processos de aprovação. No seu arcabouço, além de introduzir parâmetros ambientais e
revisão da legislação sobre loteamentos, o referido Projeto de Lei propõe-se a regular os
condomínios fechados, introduz a regularização fundiária sustentável em áreas urbanas e
inovações quanto ao registro em cartórios. (GORDILHO-SOUZA, 2017) Contudo, a proposta
tem enfrentado resistência de ambientalistas, por flexibilizar a utilização de Áreas de
Preservação Permanente (APP), inclusive alterando tacitamente dispositivos importantes do
Código Florestal sobre o tema, sem perspectiva de aprovação em curto prazo. (COSTA, H;
PRIETO, 2009)
Dessa forma, a grande maioria dos municípios brasileiros possui capacidade
limitada de gestão plena de licenciamento urbano-ambiental, ainda sem um arcabouço
normativo apropriado para a regulação eficaz da ocupação e da preservação ambiental, o
que se reflete na qualidade dos projetos implementados e na pouca agilidade dos
licenciamentos que, por sua vez, ocorrem de forma dissociada. Portanto, o debate para a
aprovação desse Projeto de Lei é crucial para o avanço dos programas municipais e
estaduais de regularização fundiária e proteção de mananciais, assim como para a
perspectiva do aperfeiçoamento dos processos de urbanização no Brasil.
Passado um século, desde o início desse processo complexo de ocupação
urbana, evidenciam-se os limites do arcabouço jurídico em prol da realização do
planejamento urbano institucional na condução do processo de intervenção de interesse
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coletivo no território, frente às pressões especulativas sobre a terra e aos processos
informais de ocupação e degradação ambiental. Nessa queda de braço, ganham os
processos múltiplos de privatização urbana, seja como mercadorias produzidas pela
ampliação do valor de troca, seja como valor de uso pela sobrevivência, embora com
grandes perdas coletivas, por atingirem áreas de preservação ambiental na sua
continuidade, que vão se tornando praticamente irreversíveis, como é analisado para muitas
situações em Salvador. (GORDILHO-SOUZA, 2008)
Nesse permanente embate de estabelecer e fazer valer o ordenamento
territorial pela força da lei para a ocupação urbana, a cidade vai se fazendo por processos
múltiplos, que tensionam a questão social e ambiental. Destaca-se nas conquistas pelo
direto à cidade e ao ambiente, o papel atribuído a instâncias institucionais públicas, bem
como a representações profissionais e sociais que se impõem pelas práticas em defesa dos
interesses coletivos, que se complementam em seus propósitos. Constituem importantes
avanços, sobretudo em se tratando de processos educativos nos quais estabelecem
processos criativos nas possibilidades de articulação entre teoria e prática.
A EDUCAÇÃO PELO DIREITO À CIDADE E AO AMBIENTE, COMO FERRAMENTA PARA A CONQUISTA DE CIDADES MELHORES: A EXPERIÊNCIA DA RESIDÊNCIA AU+E/UFBA
No âmbito do movimento pela reforma urbana, que se instala no Brasil desde
meados dos anos 1960, em prol de melhores condições de habitação, entre conquistas e
retrocessos, muito se avançou desde então: temos leis inovadoras, políticas inclusivas,
instrumentos participativos, além de recursos para investimento. Afinal, somos a 7ª maior
economia do mundo e um país preponderantemente emergente, diante de uma profunda
crise econômica mundial. Entretanto, não conseguimos aplicar efetivamente essas
conquistas na construção democrática das cidades, tampouco tirar o melhor proveito dessa
situação vantajosa para investimentos sociais promissores de inclusão e de melhores
cidades (GORDILHO-SOUZA, 2013).
Segundo Maricato (2011), “Não é por falta de leis que a maioria da população
brasileira foi historicamente excluída da propriedade formal da terra, no campo ou na
cidade, no Brasil. Um cipoal de leis, decretos, resoluções, registros e cadastros seguiram-se à
instituição da propriedade privada da terra a partir da Lei de Terra de 1850”. (MARICATO,
2011, p. 95)
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Leis e decretos são importantes instrumentos de luta pelo direito à cidade e
constituem marcos de vitórias de movimentos pela Reforma Urbana. Entretanto, estão
longe de assegurar conquistas reais por moradias dignas e pelo direito à cidade.
A proposta de implantação da Residência em Arquitetura, Urbanismo e
Engenharia (Residência AU+E/UFBA), apresentada à Universidade Federal da Bahia em 2011,
surgiu no contexto de continuidade dessa experiência que a sociedade brasileira vive há três
décadas pela democratização e direitos sociais. Respalda-se na aprovação da Lei Federal de
Assistência Técnica nº 11.888, de dezembro de 2008, voltada para assistência técnica pública
e gratuita na área de Arquitetura, Urbanismo e Engenharia5, por sua vez respaldada no
Estatuto da Cidade, aprovado em 2001.
Dessa forma, de modo semelhante ao que já existe na área médica há décadas,
a experiência da Residência AU+E/UFBA se viabilizou em 2011, com a proposta de
implantação do curso de pós-graduação nessa área temática, voltado para Assistência
Técnica em Habitação e Direito à Cidade6, efetivamente implantado em 2013. Tem como
objetivo viabilizar, de forma sistemática, assistência técnica pública e gratuita em
Arquitetura, Urbanismo e Engenharia, voltada para comunidades carentes e municípios
demandantes, ampliando a inserção social da universidade pública, por meio de atividades
integradas de ensino, pesquisa e extensão na pós-graduação, para capacitação profissional,
implementação e inovação de projetos nessas áreas, contribuindo para uma melhor
qualidade de moradia, desenvolvimento social e ampliação de cidadania. (GORDILHO-
SOUZA, 2011; RESIDÊNCIA AU+E/UFBA, 2013). “Propõe-se, com essa extensão da
universidade, capacitar profissionais e cidadãos para viabilizar projetos inovadores de
inserção urbana e inclusão social, aprendendo com a cidade, em um amplo e permanente
diálogo que defina novos compromissos na construção coletiva dos espaços onde vivemos”.
(GORDILHO-SOUZA, 2013, p. 5)
Visa, assim, à formação de recursos humanos associada à prestação de serviços
de assistência técnica nessa área de atuação, de forma participativa e integrando
Universidade, Comunidade e Gestão Pública. A perspectiva é que profissionais capacitados
pela Residência AU+E sejam instrumentos de viabilização e se constituam como uma ponte
5 Esta Lei assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e aconstrução de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto no art. 6o daConstituição Federal.
6 O direito à cidade é aqui tomado com inspiração na obra de Lefebvre (1968), que considera a cidade uma obra socialcoletiva.
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entre o direito assegurado por lei e a concretização de ações tais como projetos de
autoconstrução, melhorias habitacionais, empoderamento da comunidade, gestão
participativa e desenvolvimento da economia local. Para isso, incorpora-se o conceito de
direito à moradia abrangendo não apenas a unidade habitacional, mas a sua integração ao
ambiente urbano. (GORDILHO-SOUZA, 2011 e 2013)
Nesse contexto, é necessário articular a questão urbana à questão ambiental e
tratar a cidade como meio ambiente urbano. Ao longo do século XX, essa necessidade de
articulação entre ambas as questões começou a ser discutida em debates internacionais,
como na ECO-92, que consideram a qualidade de vida da população e a redução dos níveis
de exclusão. Debates internacionais e nacionais reverberaram no Movimento pela Reforma
Urbana, na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade de 2001, que aproximam a
preocupação ambiental à preocupação com a política urbana.
Dentre os vinte projetos ora em desenvolvimento pela 1ª turma de residentes e
tutores, nessa área de aproximação da abordagem urbano-ambiental, o projeto “Nova
Esperança – Meio Ambiente Urbano”, por constituir-se numa ocupação inserida em uma
APA, traz a educação ambiental como forma de articular direito à moradia e à cidade. Para
isso, busca identificar e reforçar a capacidade de autogestão na conquista da moradia,
perante a necessidade de preservação do manancial do Ipitanga, experiência analisada a
seguir, que se traduz na perspectiva da “resiliência comunitária”, objeto de exploração
conceitual deste artigo.
CARACTERÍSTICAS DA APA JOANES-IPITANGA E CONFLITOS DE USO
A Represa do Ipitanga, foco do trabalho, está localizada na Região Metropolitana
de Salvador (RMS) e faz parte de duas Unidades de Conservação, a APA Joanes Ipitanga7 e o
Parque Metropolitano do Ipitanga8. A APA Joanes-Ipitanga possui cobertura vegetal
característica do bioma da Mata Atlântica, composta por vegetação de restinga,
remanescentes de vegetação ombrófila e manguezais (SOUZA, 2009). O Parque
Metropolitano do Ipitanga, inserido nessa APA, apresenta um expressivo índice de cobertura
vegetal.
7 A APA Joanes-Ipitanga foi instituída com uma área de 600.000ha pelo Decreto Estadual nº 7.596 (BAHIA, 1999).
8 O Parque Metropolitano do Ipitanga I foi instituído com uma área de aproximadamente 667ha pelo Decreto Estadual32.915 (BAHIA, 1986).
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O manancial do Ipitanga integra a maior bacia no Município de Salvador, tanto
em volume quanto em superfície, sendo responsável por grande parte do abastecimento de
água da Região Metropolitana de Salvador. Segundo SANTOS et al. (2010, p. 311) essa bacia
possui três barragens, com uso para abastecimento humano.
Sendo essa área uma APA que integra o sistema hídrico de Ipitanga, observa-se
um intenso processo de degradação, tendo em sua área ocupações de usos variados, além
de residenciais, como industriais de produção e extração mineral (empresas do Polo
Petroquímico e Pedreiras Aratu e Carangi), serviços e equipamentos (Aterro Sanitário
Metropolitano e Central de Abastecimento da Bahia, CEASA), além de usos agrícolas e
complementares. A maior parte do uso residencial deve-se a assentamentos informais e
novos conjuntos habitacionais sociais para moradores de baixa renda. A ocupação existente
e a previsão de implantação9 de novos empreendimentos habitacionais de interesse social
levanta a preocupação pelo fato de a área estar inserida numa APA.
Além de sua importância ambiental para o abastecimento de água da RMS, a
área em estudo tem sido tratada como a última fronteira na expansão urbana de Salvador
(SARNO, 2011), por sua localização estratégica e os preços mais baixos no mercado de terras
soteropolitano. O que coloca mais duas questões importantes a serem debatidas: o direito à
moradia diante do déficit habitacional em Salvador, e a lógica mercadológica de terras na
cidade de Salvador, colocando a área como única opção para implantação de HIS, local onde
o acesso à cidade é inviabilizado aos mais pobres pelo custo de transporte e pela
inexistência de amenidades e empregos.
Primeiramente, é importante discutir sobre a demanda por unidades
habitacionais na cidade de Salvador, que, no ano de 2008, era de 81.500 moradias10, com
uma demanda futura prevista para 276.600 unidades habitacionais até o ano de 2025,
totalizando um montante de 358.100 unidades apenas para o município de Salvador. Diante
de números tão expressivos, a pergunta que se faz é: onde assentar toda essa demanda,
inclusive a de interesse social, visto que estamos em uma das cidades mais densas do Brasil,
e quais os impactos dessa demanda habitacional no meio ambiente?
Outro fator importante nessa discussão diz respeito às medidas de regulação do
mercado de solos na cidade e sua vinculação a estratégias de planejamento urbano-
9 O Plano Estratégico de Salvador (SALVADOR, 2012) prevê cerca de 32.500 unidades para serem entregues atédezembro de 2016, sem precisar a localização dos empreendimentos, o que pode indicar um alto interesseimobiliário para a área.
10 Segundo informações obtidas no Plano Municipal de Habitação de Salvador (2008-2025).
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metropolitano, com o objetivo de planejar a demanda habitacional. A preocupação está em
torno da proposta de concentrar toda a habitação de interesse social no limite periférico da
cidade, em um modelo de “new apartheid”, vinculando aos mais pobres o direito à cidade
pelo custo do transporte e reduzindo suas oportunidades, pela justificativa do preço da
terra, além do crescente impacto ambiental.
Figura 1: Localização de Nova Esperança e grandes equipamentos urbanos no entorno, em Salvadore na APA Joanes Ipitanga
Fonte: mapa elaborado pela equipe de residentes do Projeto Nova Esperança - Meio Ambiente Urbano
INSERÇÃO DA COMUNIDADE E OCUPAÇÃO DE NOVA ESPERANÇA
A abrangência territorial estudada consiste na ocupação da comunidade Jardim
Nova Esperança, inserida na área do bairro Nova Esperança, no limite extremo norte da
cidade de Salvador, a 28 km do centro tradicional da cidade, podendo se caracterizar como
área periurbana. O surgimento do bairro ocorreu a partir da ocupação informal, em área da
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Fazenda do Barro Duro, em meados da década 1980, conforme dados do livro “O caminho
das águas em Salvador” (SANTOS et al, 2010). De acordo com informações de moradores
antigos, havia uma promessa de venda de lotes populares pelo dito proprietário, o que, por
não se realizar e pela pressão do crescimento urbano, resultou na ocupação por um grande
grupo de famílias sem moradia. Os dados socioeconômicos, obtidos da pesquisa do IBGE
em 2010, identificam essa população como majoritariamente de baixa renda, sendo que
85,28% da população economicamente ativa têm rendimento de até 1 salário mínimo, e
mais da metade desses não possuem rendimento algum. No entanto, essa população está
inserida em um espaço economicamente dinâmico, com diversas indústrias, centrais
logísticas, produção agrícola e comércio atacadista. Se, por um lado, essas atividades
econômicas indicam um potencial de inserção de mão de obra para a população local, por
outro, é notória a existência de “subempregos” ou ocupações informais relacionadas ao
Centro de Abastecimento de Salvador (CEASA) aí localizado.
Segundo dados do IBGE (2010), a área concentra indicadores precários em
infraestrutura, além dos piores resultados em saneamento básico e urbanização de
Salvador, comparando-se com outras áreas da cidade. A área no entorno da Represa III
possui a maior concentração de assentamentos precários do Sistema (DUARTE, 2007), com
ocupações que apresentam condições inadequadas de saneamento11.
O bairro de Nova Esperança possui cerca de 1.998 famílias, sendo que 101 não
possuem banheiro em casa. Dos que possuem banheiro, 86,8% dos domicílios não possuem
ligação à rede geral de esgoto, e, mesmo situados à beira da Represa que abastece a RMS,
30,1% dos domicílios não são abastecidos pela rede geral de água.
Até 2007, a região de Ipitanga era considerada como área rural. A partir do PPDU
(SALVADOR, 2008), passou a ser considerada zona urbana, fato que estimulou o setor
imobiliário a focar a região como vetor de expansão. Sendo assim, a conformação e a
infraestrutura local configuram-se como defasadas em relação aos parâmetros adequados
para uma zona urbana.
As características morfológicas dessa ocupação urbana, conforme é indicado na
Figura 2, indicam uma área de topografia acidentada, de baixa densidade
11 Considera-se saneamento a junção dos elementos abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águaspluviais e drenagem urbana e gerenciamento de resíduos sólidos e coleta de lixo, conforme Política Nacional deSaneamento Básico (Lei 11.445/2007). No entanto, os dados apresentados não contêm informações sobre o manejode águas pluviais e drenagem urbana, visto que foram coletados da tabela Domicílios_13, extraída do CensoDemográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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(6,66.hab./hectare), sendo as vias abertas na direção da represa, com crescimento
progressivo ao longo dessas vias, o que promove um direcionamento de águas servidas e de
esgoto diretamente para a represa. Por manter ainda uma baixa densidade, ao longo das
quase três décadas de ocupação, a vegetação nativa ainda não foi dizimada.
As diversas carências existentes, aliadas à importância de sua atual configuração
(situação geográfica e existência de áreas livres), têm gerado diferentes tipos de
intervenções na região, além dos grandes equipamentos urbanos já referidos. As próprias
comunidades que ali residem interferem no ambiente construído multiplicando edificações
que, em sua maioria, não se inserem nas premissas da cidade legal e nos parâmetros de
preservação do ecossistema.
Em 2007, a área – inicialmente pertencente a diversos proprietários – foi
declarada12 como de interesse público para fins de desapropriação, de acordo com o Projeto
de Regularização Fundiária, desenvolvido pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano
(SEDUR) e pela Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia (CONDER). A proposta
apresentada à comunidade, mas até então não implantada, seria a urbanização da
ocupação existente, com a inserção de equipamentos comunitários. Pelo projeto, foi
flexibilizada uma faixa de 50m, do limite de 100m demarcado pela APP, para funcionar como
zona de transição, já que a ocupação já avançava muito para o limite da represa. Essas
demarcações isolam a questão da urbanização da questão ambiental. Para essa faixa de
50m limítrofe ao rio, foram identificadas famílias ocupantes, que tiveram suas casas
demolidas e passaram a ocupar novas unidades em conjunto próximo do PMCMV.
12 Pelo Decreto nº 10.453 de 13 de setembro de 2007 do Governo do Estado da Bahia.
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Figura 2: Ocupação da localidade Nova Esperança-Ipitanga e equipamentos de entorno, em Salvador
Fonte: mapa elaborado pela equipe de residentes do Projeto Nova Esperança - Meio Ambiente Urbano
Durante visitas iniciais realizadas pela equipe à localidade, que se reconhece
como Jardim Nova Esperança, no início de 2014, percebeu-se ser essa uma comunidade bem
articulada com comunidades vizinhas, entidades civis e com os municípios vizinhos de
Simões Filho e Lauro de Freitas. Constata-se certa organização da comunidade para
implantação de projetos por autogestão, por meio de ações coletivas (mobilização e
autoconstrução) que levaram à construção da igreja local, da sede da associação de bairro e
do edifício onde atualmente funciona o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), a
Associação Beneficente do Bairro Nova Esperança (ABENE) e o campo de futebol. Observou-
se que, nessa ocupação, uma porção significativa de áreas livres foi reservada para uso
coletivo, somando 43ha., o que representa 14,3 % da gleba ocupada pela comunidade, sem
considerar a área de uso público (vias, equipamentos urbanos, área de preservação).
Portanto, constitui uma ocupação de baixa densidade, diferentemente das muitas
ocupações informais mais próximas da malha urbana de Salvador, de altíssimas densidades,
alcançando, em ocupações predominantemente horizontais, densidades líquidas (sem
arruamento) de até 900 hab/ha.
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Em relação à interação da comunidade com o manancial, o que se observou foi
que a maior parte das casas está “de costas” para a represa, e há moradores que relatam
nunca ter caminhado pelas suas margens, não havendo intenções mais profícuas de sua
preservação. Notou-se também um saudosismo da população mais antiga em relação a
anos anteriores (cerca de vinte anos), quando as águas da represa não ofereciam riscos a
saúde, e o espaço era usado amplamente para lazer e subsistência.
O DESAFIO PARA A ASSISTÊNCIA TÉCNICA NO NECESSÁRIO DIÁLOGO ENTRE URBANIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: O PROJETO NOVA ESPERANÇA
O conceito do projeto de assistência técnica em curso parte do marco de que o
meio ambiente é um importante elemento da questão urbana, valorizando a água como
fator indispensável para toda a sociedade. Com a evolução da urbanização mundial, esse
recurso tem se tornado cada vez mais necessário e tem exigido processos de tratamento
mais complexos, devido à indisponibilidade de recursos hídricos com qualidade, ao
frequente despejo de resíduos, ou ainda pela ocupação indevida próxima aos mananciais,
como no caso analisado. Buscando garantir a qualidade e a disponibilidade desse recurso
natural, sem que a população residente no seu entorno tenha de desocupar a área, este
projeto coloca a água como fator principal para o desenvolvimento do conceito de
“resiliência comunitária”, como será analisado adiante, para o necessário estreitamento da
relação entre a questão urbana e a ambiental, o que leva à leitura do espaço como meio
ambiente urbano.
Assim, o trabalho que está sendo desenvolvido foi divido em duas etapas. A
primeira etapa consiste na realização de um diagnóstico técnico-participativo, orientado
pela equipe de assistência técnica, através de um programa de educação ambiental para o
direito à cidade, para se chegar a um conceito agregador para o projeto. Na segunda etapa,
cada membro da equipe pretende desenvolver projetos específicos das demandas coletivas,
as quais, a princípio, podem ficar sob a responsabilidade da comunidade na sua
continuidade, ou seja, projetos que podem ser executados por meio de mutirões de
autoconstrução ou programas educativos permanentes. Há ainda a possibilidade de que os
projetos indicados venham a ser viabilizados por instâncias governamentais, e, para atender
a essa possibilidade, a conclusão do projeto deve vir acompanhada de um termo de
referência, visando à sua futura execução de acordo com a proposta.
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O diagnóstico técnico participativo foi desenvolvido através de oito oficinas
realizadas na comunidade. Em parceria com a associação de moradores do bairro,
Associação Beneficente do Bairro Nova Esperança (ABENE), as reuniões puderam acontecer
na sede da associação. Buscou-se a criação conjunta de um ambiente de confiança mútua
através de metodologias integrativas não convencionais, como a elaboração conjunta de
acordos, a roda de diálogo e escuta, práticas facilitadoras da troca de saberes entre técnicos
e moradores13. O objetivo das oficinas de diagnóstico era identificar a visão que os
moradores têm do bairro, com relação a suas necessidades e potencialidades, através da
construção teórica do “bairro que temos”, e, por fim, indicar as principais demandas da
comunidade que podem ser atendidas por projetos de assistência técnica, através da
proposta de visualização do “bairro que queremos”.
Através da análise dos resultados das oficinas que mostraram o “bairro que
temos”, foi possível identificar os principais problemas e qualidades do bairro e a existência
de grupos e representações sociais importantes na configuração da comunidade, suas
conexões e relacionamentos. Também foram localizadas as principais referências sociais,
ambientais, de serviços e equipamentos existentes no bairro através de um biomapa14.
Outra oficina contribuiu para a ampliação da percepção da comunidade sobre o seu bairro
e para identificar, de forma consciente, as causas e responsabilidades sobre os problemas
locais, além da necessidade de gerenciamento dos potenciais e qualidades da comunidade
O processo se deu por meio de percursos coletivos de reconhecimento territorial e
fotográfico pelo bairro e seu relacionamento com o manancial.
Dando continuidade ao processo de diagnóstico, o grupo de residentes obteve,
como resultado das oficinas de construção do “bairro que queremos”, as principais
referências de projetos de arquitetura e urbanismo com boa aceitação pela comunidade,
através de uma análise de referências projetuais e discussão de soluções técnicas para as
necessidades locais. Nessa etapa, também ocorreu a definição participativa de demandas
13 Durante a fase de curso preparatório para ações de assistência técnica, os profissionais-residentes foramapresentados a essas técnicas (GIANELLA; MOURA, 2009), entre outros conhecimentos específicos, nas disciplinas daespecialização Residência AU+E/UFBA (ver http://www.residencia-aue.ufba.br./).
14 A organização sem fins lucrativos, Green Map (biomapa) trabalha colaborativamente desde 1995, com o intuito deexpandir a demanda por comunidades mais saudáveis e vibrantes, através do uso da ferramenta de mapeamentoadaptável com ícones universais, web sites participativos em diversas línguas, workshops e redes regionais. Aferramenta do biomapa ajuda equipes locais a ganhar habilidades em tomadas de decisão colaborativas, gestão deprojetos, organização comunitária e comunicação como parte do processo de construção dos mapas.(http://www.greenmap.org/greenhouse/en/about/mission)
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por projetos para o bairro, quantificadas por meio de uma matriz de prioridade
participativa, ao invés de processos tradicionais e unilaterais.
Durante a realização das oficinas e visitas, a equipe de residentes enfrentou
algumas barreiras, sendo a mobilização da população para participação a mais desafiadora.
Essa dificuldade levou o grupo a realizar uma reunião com a comunidade para avaliação do
processo que vinha sendo adotado, com o objetivo de identificar erros, acertos e os motivos
da dificuldade de mobilização e de assiduidade das pessoas nas oficinas para discussões
sobre o bairro.
Como resultado dessa oficina, a equipe adotou a estratégia de atuar em parceria
com os agentes locais de saúde e atenção básica às famílias, buscando aproximar as
práticas participativas da área da saúde ao processo de desenvolvimento comunitário.
Buscou-se, ainda, a possibilidade de estabelecer uma parceria com a escola existente, visto
que o processo comunitário requer um esquema constante e estratégico de educação
continuada, no caso da proposta do projeto, que envolve a educação ambiental.
No entanto, as tentativas adotadas, durante os três meses dedicados ao
diagnóstico participativo, mesmo com mobilização dos agentes de atenção básica como
divulgadores e representantes do setor de saúde no grupo de trabalho, não obtiveram o
resultado esperado. Do mesmo modo, a parceria com a escola local também não
apresentou nenhum representante para compor o grupo de trabalho do projeto. Dessa
forma, o resultado do diagnóstico representa as perspectivas de um grupo diversificado e
comprometido, embora com uma pequena quantidade de participantes, ressaltando-se o
papel das lideranças comunitárias.
Dentre as demandas apontadas para assistência técnica na realização de
projetos estão as seguintes: construção de escola de ensino fundamental de 1ª à 5ª série e
de 6ª a 9ª série, escola de educação infantil, construção de centro de esportes,
gerenciamento das áreas verdes e da preservação ambiental, geração de renda, ciclovias,
abrigo para ônibus, além do gerenciamento da coleta de resíduos sólidos. Esses foram os
principais desafios eleitos pelos moradores de Nova Esperança para o grupo de residentes.
O contato inicial com a comunidade e as oficinas foram um processo no qual foi
possível identificar dificuldades específicas do trabalho de assistência técnica. Dentre elas,
pode-se perceber a visão “pessimista” com a qual os moradores veem o local onde vivem, as
políticas públicas e a si próprios como comunidade. A oficina para identificação de
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qualidades do bairro precisou da intervenção dos técnicos para que os participantes
pudessem perceber os pontos positivos da área.
Por mais que a comunidade tenha demonstrado a conquista de ter construído e
zelar pelo seu centro comunitário, bem articulado com a população local e com a atração de
investimentos, foi identificada uma falta de articulação dos moradores entre si, evidenciada
pelo desconhecimento das atividades realizadas no bairro. Esse ponto foi observado na
desarticulação de agentes das redes locais e na mobilização da comunidade.
A mobilização da comunidade feita pelos líderes comunitários para eventos da
ABENE se mostrou eficaz; já a mobilização para a realização de oficinas para assistência
técnica apresentou dificuldades. Foram identificadas a falta de comunicação dos moradores
e a dificuldade de manter a assiduidade dos participantes e sua permanência durante as
oficinas para atividades mais longas do que uma hora e meia.
Uma das maiores dificuldades da assistência técnica durante o processo das
oficinas foi o de absorver a opinião do grupo como um todo, já que, em sua maioria os
participantes demonstraram falta de valorização da opinião individual frente aos técnicos ou
a membros mais influentes da comunidade. Essa primeira etapa de oficinas previa
encontrar essa dificuldade, já que grande parte dos moradores não estava acostumada a ser
inserida em debates participativos sobre seu bairro. A todo o momento foi estimulada a
valorização de opiniões, visando ao fortalecimento desse grupo para uma participação mais
efetiva na próxima etapa de projeto.
Outra dificuldade observada e possivelmente o maior desafio na fase de
desenvolvimento dos projetos é o apego a padrões de intervenção urbana pré-estabelecidos
na cidade legal. A necessidade de inserção na cidade formal induz os moradores a
desejarem padrões urbanos que demonstram não estar em acordo com particularidades
locais. Na oficina de apresentação de referências projetuais, alguns moradores
demonstraram rejeição a intervenções urbanas ou técnicas construtivas incomuns em
Salvador, como a construção com terra.
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O CONCEITO DE “RESILIÊNCIA COMUNITÁRIA” APLICADO À URBANIZAÇÃO E À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
A partir do conceito de resiliência aplicado à física15, ampliado para resiliência
urbana –capacidade de uma cidade de suportar impactos e crises externas, sem
perturbação significativa, readaptando-se ambientalmente (ROCHA, 2013) –, adota-se, nessa
proposta, o conceito de “resiliência comunitária” como a capacidade de um grupo
convivente superar ou se recuperar de adversidades, através de formas efetivas de lidar
com os desafios que se apresentam no espaço urbano, aplicada ao conteúdo mais amplo
do direito à moradia e à cidade.
Considerando as características ambientais e urbanísticas percebidas nas
oficinas desenvolvidas com a comunidade de Nova Esperança, associadas à forma histórica
de autogestão como ocorreu o processo de ocupação e construção das suas moradias e
equipamentos comunitários, fica evidenciado como a educação ambiental coletiva pode
potencializar essa capacidade de lidar com a conjugação de superação das necessidades
materiais com a preservação ambiental.
Por um lado, a capacidade de superação das adversidades urbanísticas se
evidencia, nessa comunidade, através de formas efetivas de lidar com os desafios que se
apresentam: sua história de organização autogestionária para ocupação imediata da área;
mobilização em prol de objetivos coletivos como a preservação da área da escola até que
fosse construída; resistência perante a cobrança indevida de pagamento de impostos;
resolução de problemas através de recursos próprios; e mutirão de autoconstrução para a
primeira sede da associação de bairro, dentre outros.
Entretanto, no que se refere à sua capacidade de convivência sustentável com o
manancial de Ipitanga, essa aproximação ainda é muito tênue e desvinculada das formas
criativas de potencialização dessa comunidade na sua inserção urbana e da sua
responsabilidade ambiental. No processo de ocupação da terra pelas necessidades básicas
da moradia, o manancial está muito próximo e, ao mesmo tempo, ainda distante dessa
comunidade. A sua inserção no direito à cidade, no seu sentido mais amplo, ou seja, um
bem de todos, ainda não é percebida plenamente pela comunidade de Nova Esperança.
15 O conceito de resiliência tem origem no campo da Física como propriedade de um corpo de recuperar a sua formaoriginal após sofrer choque ou deformação. (WALKER, B. et al., 2004) Esse conceito, aplicado à resiliência urbana,vem sendo relacionado a iniciativas de transição emergentes, conforme tratado por ROCHA (2013).
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O desafio da proposta de assistência técnica junto à comunidade de Nova
Esperança, no próximo passo de definição conjunta dos projetos, revela-se, portanto, nessa
troca de saberes e em buscar integrar na prática duas perspectivas: a) projetos capazes de
mobilizar a comunidade pelas melhorias do lugar, fazendo valer o direito à moradia; b)
valorização da inserção urbana pela preservação do manacial, como o direto à cidade,
fortalecendo o processo de educação ambiental coletiva. Esquemáticamente, se traduz no
diagrama apresentado na Figura 3.
Figura 3 - Proposta metodológica de educação ambiental
Fonte: Elaborado pela equipe de residentes do Projeto Nova Esperança - Meio Ambiente Urbano
Essa percepção prévia conceitual certamente ajuda a orientar a próxima etapa
de elaboração de propostas, de forma a contemplar o diálogo intrínseco necessário entre
questões urbanisticas e ambientais. Entende-se que essa prática de assistência técnica
comporta processos educativos que, estimulando a toca de saberes, viabilizam, ao mesmo
tempo, capacitação técnica e fortalecimento comunitário, para melhores condições de
habitação, de ambiente e de cidade. Antecipam-se, assim, definições tardias de legislações
urbanas de interesse social e proteção ambiental, pelo bem coletivo e direito a cidades
melhores e mais justas.
Enfim, é importante reconhecer que a proposta de Residência Profissional posta
em prática pela UFBA, por meio da especialização em Assistência Técnica para Habitação e
Direito à Cidade, atinge, assim, o seu papel de articulação entre universidade, gestão pública
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e sociedade civil, promovendo as possibilidades de práticas necessárias para essa
realização.
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL PELO DIREITO À CIDADE: A EXPERIÊNCIA DA RESIDÊNCIA PROFISSIONAL PARA ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM NOVA ESPERANÇA – IPITANGA, SALVADOR-BA
EIXO 5 – Meio ambiente, recursos e ordenamento territorial
RESUMO
Este projeto alinha-se às grandes demandas urbano-ambientais atualmente colocadas para
profissionais com atuação pluridisciplinar na reflexão propositiva para áreas de ocupação
habitacional impactantes na degradação ambiental. Considera-se, para isso, o contexto urbano
brasileiro de amplos territórios construídos pela intensa especulação do solo urbano, conjugando-
se à frequente informalidade de ocupação, que atingem áreas de preservação ambiental. A
continuidade desses processos torna-se cada vez mais irreversível, diante da ineficácia das
legislações urbanas e ambientais. O objetivo do artigo é apresentar os primeiros resultados da
experiência de assistência técnica que está sendo desenvolvida com a comunidade de Nova
Esperança, em Salvador, como atividade de uma das equipes da 1ª turma da Residência
Profissional em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia da Universidade Federal da Bahia. Por se
tratar de uma comunidade vizinha à Represa do Ipitanga, manancial integrante do sistema de
abastecimento da região metropolitana de Salvador, e inclusa na poligonal da APA Joanes-
Ipitanga, a proposta trabalha questões ambientais que tensionam diretamente o direito à moradia
e à cidade. Observa-se, crescentemente, o processo de degradação do manancial, com ocupação
de suas margens tanto por habitação precária quanto por outros usos impactantes. Dentre os
alcances desse trabalho, está a realização de um diagnóstico participativo com moradores da
área, identificando as necessidades de melhorias urbanas associadas à consciência da presença
do manancial e à perspectiva de sua preservação ambiental. Para isso, foram desenvolvidas
oficinas de educação ambiental pelo direito à cidade, analisando-se as diversas situações locais e
referenciais análogos. Foram utilizadas ferramentas e técnicas para o fortalecimento comunitário,
como a construção coletiva da imagem atual do bairro – “O Bairro que temos”-, reconhecimento
das redes comunitárias e de grupos locais, elaboração do biomapa (Greenmap), estudos de casos
de degradação e reabilitação em áreas semelhantes e elaboração coletiva da visão de futuro para
o bairro – “O Bairro que queremos”. Para a elaboração conjunta de projetos de melhorias, em
andamento, busca-se relacionar a questão ambiental à questão urbana, considerando o conceito
de resiliência comunitária, entendido como a capacidade de suportar choques e tensões sem
perturbações significativas, mas renovando-se nas diversas dimensões que envolvem a
autogestão nos processos de ocupação urbana e a preservação sustentável de águas. Neste
artigo, ao analisar essa experiência, são ressaltados os avanços e as dificuldades colocados até
então, utilizando-se de uma metodologia pluridisciplinar integrativa, receptiva e agregadora de
inovações autogestionárias, diante dos desafios encontrados nesse mútuo reconhecimento. São
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também apresentadas as estratégias adotadas nesse processo de relação entre teoria e prática
de educação ambiental pelo direito à cidade, considerando-se a baixa efetividade das legislações
em vigor.
Palavras-chave: Assistência técnica, educação ambiental, resiliência comunitária.
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