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Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT6- Gênero e Educação Coordenação: Wagner Roberto do Amaral Educação, gênero e etnia: uma análise na perspectiva de gênero das políticas educacionais com o recorte étnico no Brasil. Edilson Marques da Silva Miranda * No presente trabalho de pesquisa apresentamos algumas reflexões teóricas a cerca de gênero, diversidade étnico-racial e educação escolar. Iniciamos com algumas considerações a respeito da interdição escolar ao acesso dos afro-descendentes à educação. Historicamente, houve uma interdição ao acesso de pessoas do sexo masculino e feminino de descendência africana à educação no Brasil. Desde há muitos anos, mulheres e homens afro-descendentes têm buscado o seu lugar no interior da escola. No inicio da colonização portuguesa no Brasil, a educação já apresenta uma gestão e organização educacional discriminatória. A educação jesuítica, em 1549, era dedicada a instruir as populações indígenas com o viés da submissão, até 1759, quando foram expulsos do país (ARAÚJO, SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.67). A educação no sistema escravocrata substituiu o modo de cursos seriados implantada pelos jesuítas. As aulas passaram a ser ministradas de forma avulsa e com docentes improvisados. Em 1808, a Coroa Portuguesa instala-se no Brasil e as disciplinas avulsas são transformadas em cursos “menores” e “maiores”, primário- secundário e superior. As escolas primárias eram diferenciadas por gênero. Os meninos tinham aulas de leitura, de escrita, cálculos, história do Brasil, princípios de moral e doutrina religiosa. Já para as meninas eram lecionadas aulas de leitura, escrita, cálculos elementares e prendas domésticas (ARAÚJO, SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.68). * Professor no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Faac- Universidade Estadual Paulista UNESP- Campus de Bauru-SP. Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo UMESP. Autor do livro Negritude & fé: o resgate da auto- estima. E-mail: [email protected]

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Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011.

GT6- Gênero e Educação – Coordenação: Wagner Roberto do Amaral

Educação, gênero e etnia: uma análise na perspectiva de gênero das políticas

educacionais com o recorte étnico no Brasil.

Edilson Marques da Silva Miranda*

No presente trabalho de pesquisa apresentamos algumas reflexões

teóricas a cerca de gênero, diversidade étnico-racial e educação escolar. Iniciamos com

algumas considerações a respeito da interdição escolar ao acesso dos afro-descendentes

à educação.

Historicamente, houve uma interdição ao acesso de pessoas do sexo

masculino e feminino de descendência africana à educação no Brasil. Desde há muitos

anos, mulheres e homens afro-descendentes têm buscado o seu lugar no interior da

escola. No inicio da colonização portuguesa no Brasil, a educação já apresenta uma

gestão e organização educacional discriminatória. A educação jesuítica, em 1549, era

dedicada a instruir as populações indígenas com o viés da submissão, até 1759, quando

foram expulsos do país (ARAÚJO, SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.67).

A educação no sistema escravocrata substituiu o modo de cursos

seriados implantada pelos jesuítas. As aulas passaram a ser ministradas de forma avulsa

e com docentes improvisados. Em 1808, a Coroa Portuguesa instala-se no Brasil e as

disciplinas avulsas são transformadas em cursos “menores” e “maiores”, primário-

secundário e superior. As escolas primárias eram diferenciadas por gênero. Os meninos

tinham aulas de leitura, de escrita, cálculos, história do Brasil, princípios de moral e

doutrina religiosa. Já para as meninas eram lecionadas aulas de leitura, escrita, cálculos

elementares e prendas domésticas (ARAÚJO, SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.68).

* Professor no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – Faac- Universidade Estadual Paulista – UNESP- Campus de Bauru-SP. Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Autor do livro Negritude & fé: o resgate da auto-estima. E-mail: [email protected]

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A população escrava era impedida de frequentar a escola formal, que

era restrita, por lei, aos cidadãos brasileiros. O artigo 6, item 1 da Constituição de 1824

coibia o ingresso da população negra escrava ao espaço escolar, porque a larga escala

dos negros eram africanos de nascimento.(ARAÚJO, SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.68).

Em 1837 foi sancionada a lei que regulamentava os direitos à

instrução primária no Brasil. O artigo 3 versava sobre a quem era proibido freqüentar

escolas públicas. O parágrafo segundo era explícito, em vetar o direito a educação aos

escravos e pretos africanos, ainda que estes estivessem na condição de livres ou libertos

(CUNHA, 1999, p.87).

Em 1854 houve uma reordenação na gestão do sistema educacional no

Brasil. A reforma de Couto Ferraz, instituído pelo decreto 1.331 A de 17 de fevereiro de

1854 instituía a obrigatoriedade da escola primária para crianças maiores de 07 anos e a

gratuidade das escolas primárias e secundárias da Corte. No entanto, por esta lei, não

seriam admitidos nas escolas públicas crianças escravas e não havia previsão de

instrução para adultos (ARAÚJO, SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.68).

Após a abolição da escravatura em 1888, houve várias tentativas de

regulamentação do ensino público brasileiro. A reforma de Benjamim Constant com o

Decreto Nacional número 981/1890, introduziu a disciplina Moral e Cívica. A reforma

de Epitácio Pessoa, sob o Decreto de número 3.890 de 1901 iniciou o processo de

descentralização do poder do Estado na educação pública, e aprovação de instituições

de ensino superior fundadas pelos governos estaduais e iniciativas particulares. Houve a

reforma de Rivadávia Corrêa, através do Decreto número 8.659, de 1911, que concedeu

autonomia aos diretores, que passavam a ser eleitos pela congregação de professores. A

reforma de Carlos Maximiliano, com o Decreto de número 11.530 de 1915, que

estabelece o controle do governo federal através do Conselho Superior de Ensino,

continuando e ensino primário a cargo dos estados. A reforma de João Luís Alves,

conhecida como Lei Rocha Vaz foi regulamentada pelo Decreto número 16.782-A, de

1925, que estabelecia restrições quanto ao número de vagas nas escolas oficiais

secundárias e superiores. As reformas educacionais dos séculos XIX e XX negaram

sistematicamente a presença de homens e mulheres negras à escola. A universalização

ao acesso e a gratuidade escolar legitimaram uma aparente democratização da educação.

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Na realidade negaram condições objetivas e materiais que facultassem às negras e

negros, recém egressos do cativeiro e seus descendentes um projeto educacional, seja

este universal ou específico (ARAÚJO, SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.70-71).

Na sociedade escravocrata, era muito difícil para esta população,

formada por mulheres e homens negros, adquirir algum tipo de instrução, mesmo que

esta se referisse apenas às técnicas elementares da escrita e da leitura (ARAÚJO,

SILVA, IN ROMÃO, 2005, p.68).

Quando da abolição em 1888, levas de imigrantes europeus foram trazidos

para o Brasil para ocupar o lugar dos negros no cultivo das lavouras. O

decreto de 25 de novembro de 1808 permitiu o acesso à propriedade fundiária

a estrangeiros, que antes era apenas reservada aos naturais da Colônia ou do

Reino. Desde o período de D. João VI, o Brasil passou a disputar parcelas das correntes de emigrantes europeus a fim de estabelecê-los em áreas

desabitadas como pequenos proprietários policultores. Vastas áreas do Rio

Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo foram ocupados pelos

imigrantes europeus. [...] Ao mesmo tempo era impedido, por lei, o acesso do

negro à posse da terra e à educação escolar. (SILVA, 1998, p.129)

Silva e Araujo (in ROMÃO, 2005, p. 66) dizem que sobre os

processos de escolarização do segmento negro no período pós-abolição, têm-se poucas

informações. O autor do livro “A Educação dos Negros: uma nova face do processo de

abolição da escravidão no Brasil” destaca que havia divergências entre a abordagem

histórica oficial e as formas de resistência dos africanos no Brasil (FONSECA, 2000).

No âmbito educacional, para Santos (2001), a nossa história da escolarização tem

historicamente silenciado sobre a trajetória dos grupos afro-brasileiros.

As autoras de Escola de Negros, Santos e Madeira (2010) abordam

sobre a experiência da Escola Central, criada em Maceió pela Sociedade Libertadora

Alagoana em 1887, para abrigar crianças negras do sexo masculino beneficiadas pela

Lei do Ventre Livre, promulgada em setembro de 1871. A escola foi extinta seis anos

depois da sua fundação, em 1893. Este tipo de instituição tendia a sobreviver por pouco

tempo, em razão da escassez de recursos. Outras instituições dessa natureza foram

criadas no século XIX em Maceió, além da Escola Central. O Colégio de Educandos

Artífices, fundado por volta de 1854, foi a primeira experiência de ensino de ofícios em

Maceió, e foi extinto em 1861. Outra instituição com a mesma vocação foi o Liceu de

Artes e Ofícios, criado em 1884, que permaneceu aberto por volta de seis anos e foi

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fechado para reabrir em 1892. Ambas as instituições seguiam o modelo de internato e

externato, ofertavam o ensino de primeiras letras e de ofícios, além de sofrerem com a

falta de recursos humanos e financeiros. Assim como a Escola Central, tais instituições

tiveram curta duração ou pelo menos sofreram profundas modificações em seu modelo

original para não desaparecer. O impasse de ordem financeira também se observa no

ordenamento da Colônia Cristina, criada em Fortaleza, por volta de 1880, com o

propósito de abrigar crianças órfãs negras e brancas, de ambos os sexos.

Santos e Madeira (2010, p.7) relata que a natureza não-oficial e o

abrigo exclusivo de crianças negras do sexo masculino já antecipavam as peculiaridades

da Escola Central em relação às demais instituições educacionais fundadas no Brasil na

segunda metade do século XIX com o propósito de acolher crianças pobres. Engajados

nos ideais abolicionistas, seus gestores tornaram a instituição um lugar de propaganda

para a libertação dos escravos em Alagoas. Os alunos freqüentavam aulas de primeiras

letras, música, desenho aplicado às artes e ensino de ofícios, dado nas oficinas de

sapataria, tipografia, tornearia, alfaiataria, marcenaria, além dos ofícios de tamanqueiro

e bauleiro (fabricante de baú). Em 1890, além das aulas de primeiras letras, a instituição

ensinava noções de física, química, astronomia e ciências naturais, as quais,

supostamente, seriam exclusivas apenas dos colégios de rapazes ricos, ainda que o

propósito das escolas para meninos pobres fosse instruí-los em ensinamentos práticos.

A infância pobre masculina era acolhida em instituições educacionais

no Brasil do século XIX. Em geral recebiam rudimentos de primeiras letras,

acompanhados do propósito principal, que era habilitá-la em algum ofício. Estes eram

sapateiro, marceneiro, carpinteiro, alfaiate, tipógrafo ou mesmo no trabalho em colônias

agrícolas. As instituições criadas tendiam a sobreviver por pouco tempo, em razão da

escassez de recursos (SANTOS, MADEIRA, 2010, p.2).

O historiador Lima Junior (1975) identifica que a questão de gênero

está presente na realidade vivida por mulheres e homens negros no estado de Alagoas.

O autor retrata a difícil realidade imposta para pessoas negras de ambos os sexos no

período da abolição da escravatura. Na visão do autor, o poder público se absteve de

responsabilidades com esta população. No texto fica patente a ausência de uma política

que priorizasse a escolarização desta imensa massa de pessoas.

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... que fizeram os governos imperial, provincial e municipal por esses pobres

pretos e pardos? Nada, infelizmente não abriram escola e nem oficinas onde

eles aprendessem a ler e a trabalhar. E os senhores dos pais deles? Menos

ainda. Os genitores desses rapazes, cativos, sem recursos sem tempo, sem

orientação, sem capacidade para ajudar os filhos que desejassem estudar eram forçados a mandá-los “aprender o seu oficio” trabalhando como burro

de lavrador pobre, sem remuneração, debaixo de pauladas e de palmatoadas,

nas oficinas de ferreiro, marceneiro, sapateiro, alfaiate, torneiro, sofrendo o

diabo; e a trabalhar como empregado doméstico ou como serventes em

armazéns de açúcar, casas comerciais e construções de prédios e em obras

públicas. As meninas e mocinhas iam para as cozinhas; ou então “bater

roupa” nos fundos dos quintais; (...) outras com gamela ou tabuleiro na

cabeça, percorriam as ruas vendendo peixe, sururu, frutas. As mais jeitosas

tiravam bilhete grande: iam trabalhar como copeiras; outras aprendiam a

costurar e a bordar, servindo diretamente às sinhás-moças, como mucamas.

(...) Velhas solteironas ou viúvas sem filhos tomavam, por caridade, “para criar”, um negrinho ou uma pretinha. Esses, em geral, aprendiam a ler, a

escrever, a contar, ingressando depois no comércio, como auxiliares nas

repartições públicas e na instrução provincial, alcançando, quando tinham

boa estrela, folgada situação econômico-financeira e, às vezes, invejável

situação social (LIMA JUNIOR, 1975, 09).

As primeiras oportunidades concretas de educação escolar e ascensão

da população negra surgem ainda no Estado Republicano, quando o desenvolvimento

industrial no final do século XIX impulsiona o ensino popular e o ensino

profissionalizante. Com o ensino popular veio as instalações dos grupos escolares

urbanos, oferecendo ensino primário, e as escolas isoladas com cursos diurnos e

noturnos, com instalações em bairros operários e fazendas. No estado de São Paulo, em

1909 começaram a surgir escolas profissionalizantes, atendendo o Decreto de número

7.556 do Presidente Nilo Peçanha. O objetivo era instruir os filhos dos trabalhadores

para a formação de um mercado interno de mão de obra qualificada. No ano de 1911

iniciou as atividades da Escola Profissional Masculina, para ensinar artes industriais. Ao

mesmo tempo foi criada a Escola Profissional Feminina, com o objetivo de ensinar

economia doméstica e prendas manuais. (SILVA, ARAÚJO, IN ROMÃO, 2005, p.72).

O acesso dos afro-descendentes ao espaço da escola se tornou uma

realidade. Os indicadores educacionais têm mostrado o contínuo aumento dos níveis de

escolaridade média de todos os brasileiros. No entanto, ainda se percebe a discrepância

estatística de presença na escola, quando tomado por referencia a questão étno-racial e a

questão de gênero.

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A expansão da escola pública expandiu o acesso à formação escolar,

sem, no entanto levar em consideração a dinâmica da realidade social. A educação

como uma prática metodológica, vem sendo desenvolvida ao longo da história, a partir

de diversas acepções filosóficas e ideológicas, diferenciando-se nos diversos contextos

políticos, sociais, econômicos e culturais. A educação se estrutura com a função de

reproduzir as relações ideológicas, ou seja, se mantém intimamente ligada às mudanças

da política, da sociedade, do processo histórico e cultural (ALMEIDA, 2011).

Essas construções teóricas direcionam e remetem para a discussão do

campo do currículo. Costa (1999, p. 37-38) define currículo “como um campo em que

estão em jogo múltiplos elementos, implicados em relação de poder, sendo a escola e o

currículo territórios de produção, circulação e consolidação de significados”.

O tema das políticas curriculares está correlacionado com o tema da

gestão educacional. Suárez (1995, p. 110), ao tratar das relações entre políticas públicas

e reforma educacional, afirma que:

[...] a formulação e implementação de políticas curriculares não são neutras, nem muito menos são um asséptico processo de elaboração e instrumentação

técnicas. No fundamental, são o resultado sintético de um (muitas vezes

silenciado e oculto) processo de debate ou de luta entre posicionamentos,

interesses e projetos sociais, políticos, culturais e pedagógicos opostos e,

sobretudo, antagônicos. O processo de determinação dessas políticas não é,

de forma alguma, unívoco, nem tampouco está isento de contradições e de

tensões.

Vários autores, entre eles Silva (1998) identificaram o papel da escola

como um importante espaço para a construção da auto-estima dos estudantes negros. O

conteúdo presente nos matérias didáticos das escolas, geralmente, desqualifica o

continente africano e inferioriza as mulheres e homens negros (SANTOS p. 22. in

SECAD, 2005). A escola passou a ser visto como um importante espaço de luta contra o

racismo e conscientização das mentes. Passou a figurar na agenda pública a inclusão

no currículo escolar, de temas que valorizassem a história da África e a contribuição

positiva das mulheres e dos homens negros na efetiva construção social e cultural do

país.

No ano de 2003, o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da

Silva, alterou a LDB, Lei de Diretrizes e Base da educação brasileira, sancionando a Lei

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número 10.639, de 9 de janeiro de 2003. O ato presidencial altera a Lei no 9.394, de 20

de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para

incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e

Cultura Afro-Brasileira".

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos

seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da

História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro

nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no

âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de

Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)"

"Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia Nacional da

Consciência Negra‟."

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

(D.O.U., 2003)

O debate sobre as relações raciais e de gênero na sociedade tem se

intensificado e vem ganhando cada vez mais espaço na esfera pública, juntamente com

o processo de inclusão de temas relacionados com a valorização das questões de gênero

e de etnia no currículo das escolas. As políticas curriculares é uma arena, onde estão

presentes múltiplos atores sociais, com diferentes interesses. O movimento negro,

enquanto ator social tem um importante papel dentro desta arena.

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Faz-se necessário lançar um olhar para as iniciativas e resultados das

políticas educacionais que fazem gestão do processo de formação de educadores na

perspectiva etno- racial na rede de ensino. Junto com esta temática, está presente o

processo de produção de materiais didático-pedagógico que possa contribuir

positivamente com a implementação da política pública educacional.

A questão da mulher negra é um tema que necessita ser incluído nos

nossos currículos escolares. A revisão da literatura nacional, que omitiu o papel da

mulher negra na construção da nossa herança cultural e social. O movimento de

mulheres negras tem importante papel dentro desta arena, que reúnem diferentes

interesses. Lideranças femininas do movimento negro, do Geledés Instituto da Mulher

Negra, do Conselho Estadual da Condição Feminina em São Paulo são fundamentais na

reflexão do recorte de gênero, dentro da questão étnica a ser introduzido nos currículos

escolares e na produção dos materiais didáticos.

Em seu ensaio escrito para a Revista Palmares, Conceição Evaristo

(2005, p.52-54) propõe uma revisão na literatura escolar, a respeito da imagem

transmitida pelos autores a respeito da mulher negra. A autora é enfática ao afirmar a

necessidade de se rever, a maneira que a mulher negra é apresentada aos estudantes e

para a sociedade como um todo. Na visão da ensaísta a literatura brasileira, desde a sua

formação até a contemporaneidade, apresenta um discurso que insiste em proclamar, em

instituir uma diferença negativa para a mulher negra. A representação literária da

mulher negra ainda surge ancorada nas imagens de seu passado escravo, de corpo-

procriação e/ou corpo-objeto de prazer do macho senhor. Este estereótipo da mulher

negra vem sendo veiculado no discurso literário brasileiro desde o período da literatura

colonial.

Uma leitura mais profunda da literatura brasileira, em suas diversas

épocas e gêneros, nos revelam uma imagem deturpada da mulher negra. Um aspecto a

observar é a ausência de representação da mulher negra como mãe, matriz de uma

família negra. Este é um perfil delineado para as mulheres brancas em geral. Mata-se no

discurso literário a prole da mulher negra. Na literatura, a mãe-preta é aquela que cuida

dos filhos dos brancos em detrimento dos seus. Na ficção, quase sempre, as mulheres

negras surgem como infecundas e por tanto perigosas. A literatura constrói as

personagens femininas negras sempre desgarradas de seu núcleo de parentesco. É

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preciso observar que a família representou para a mulher negra uma das maiores formas

de resistência e de sobrevivência. Indiscutivelmente, foram as mulheres negras, que

muitas vezes sozinhas, as grandes responsáveis não só pela subsistência do grupo

familiar, assim como pela manutenção da memória cultural dos afro-descendentes

(EVARISTO, 2005).

Toda escola pode ser cidadã, quando realiza uma concepção de

educação orientada para a formação da cidadania ativa e para a educação

conscientizadora que contribui com o desenvolvimento social dos indivíduos

(ALMEIDA, 2011).

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Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011.

GT6- Gênero e Educação – Coordenação: Wagner Roberto do Amaral