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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF CORRESPONDÊNCIA COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão Fone: : (0xx98) 3218-9924 As opiniões publicadas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não comprometendo a CMF. BOLETIM DA CMF Nº 37 DIRETORIA Presidente: Maria Michol P. de Carvalho Vice-presidente: Mundicarmo M. R. Ferretti Secretária: Roza Maria Santos Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira CONSELHO EDITORIAL: Carlos Orlando de Lima Maria Michol Pinho de Carvalho Mundicarmo Maria Rocha Ferretti Roza Maria Santos Sérgio Figueiredo Ferretti Zelinda de Castro de Lima SUMÁRIO EDIÇÃO: Maria Michol P. de Carvalho Mundicarmo M. R. Ferretti Roza Maria Santos REVISÃO DE TEXTO: Antonio Regino de Carvalho Neto VERSÃO PARA A INTERNET: www. cmfolclore.u fma.br ISSN: 1516-1781 JUNHO 2007 CNPJ 00.140.658/0001-07 Editorial ............................................................................................................................................................. 2 Proposta de registro do Bumba-meu-boi ............................................................................................................... 2 Michol Carvalho O entrudo .......................................................................................................................................................... 3 Carlos de Lima As Mutucas ........................................................................................................................................................ 4 José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho) A religião católica e a religiosidade popular .......................................................................................................... 5 Carlos de Lima A Dança de São Gonçalo ....................................................................................................................................................... 7 Raimundo Rocha Tambores e maracás no ambíguo Maranhão Estado-Novista ................................................................................... 9 Antonio Evaldo Almeida Barros Légua Bogi Buá da Trindade, o Rei de Codó ...................................................................................................... 13 Paulo Jeferson Pilar de Araújo Janela do Tempo: Crônica Interna - Semanário Maranhense (Bumba) .............................................................. 14 João Domingos Pereira do Sacramento O Porto dos Urubus ........................................................................................................................................... 16 João Batista Machado Resumos e resenhas ........................................................................................................................................... 16 Notícias ............................................................................................................................................................ 18 Roza Maria Santos Perfil Popular – José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho) ........................................................................................ 20 Zelinda M. de Castro e Lima

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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

CORRESPONDÊNCIACOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE

Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho

Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão

Fone: : (0xx98) 3218-9924

As opiniões publicadas em artigosassinados são de inteira

responsabilidade de seus autores,não comprometendo a CMF.

BOLETIM DA CMF Nº 37

DIRETORIA

Presidente: Maria Michol P. de Carvalho

Vice-presidente: Mundicarmo M. R. Ferretti

Secretária: Roza Maria Santos

Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira

CONSELHO EDITORIAL:

Carlos Orlando de Lima

Maria Michol Pinho de Carvalho

Mundicarmo Maria Rocha Ferretti

Roza Maria Santos

Sérgio Figueiredo Ferretti

Zelinda de Castro de Lima

SU

RIO

EDIÇÃO:Maria Michol P. de CarvalhoMundicarmo M. R. FerrettiRoza Maria Santos

REVISÃO DE TEXTO:Antonio Regino de Carvalho Neto

VERSÃO PARA A INTERNET:www.cmfolclore.ufma.br

ISSN: 1516-1781JUNHO 2007

CNPJ 00.140.658/0001-07

Editorial ............................................................................................................................................................. 2

Proposta de registro do Bumba-meu-boi ............................................................................................................... 2Michol Carvalho

O entrudo .......................................................................................................................................................... 3Carlos de Lima

As Mutucas ........................................................................................................................................................ 4José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho)

A religião católica e a religiosidade popular .......................................................................................................... 5Carlos de Lima

A Dança de São Gonçalo ....................................................................................................................................................... 7Raimundo Rocha

Tambores e maracás no ambíguo Maranhão Estado-Novista ................................................................................... 9Antonio Evaldo Almeida Barros

Légua Bogi Buá da Trindade, o Rei de Codó ......................................................................................................13Paulo Jeferson Pilar de Araújo

Janela do Tempo: Crônica Interna - Semanário Maranhense (Bumba) .............................................................. 14João Domingos Pereira do Sacramento

O Porto dos Urubus ...........................................................................................................................................16João Batista Machado

Resumos e resenhas ........................................................................................................................................... 16

Notícias ............................................................................................................................................................ 18Roza Maria Santos

Perfil Popular – José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho) ........................................................................................20Zelinda M. de Castro e Lima

Boletim 37 / junho 200722

Editorial

Michol Carvalho1O Boletim de Folclore em seu nº

37 dá destaque a manifestaçõesfolclóricas maranhenses que têm maior ex-pressão no primeiro semestre. Carlos deLima, em O Entrudo, relembra o períodocarnavalesco. Várias matérias publicadasnesse número enfocam a brincadeira deBumba-meu-boi: o texto de Michol Car-valho sobre o registro do Boi do Maranhãocomo patrimônio cultural brasileiro; a crô-nica de João Domingos do Sacramento,sobre o Boi no século XIX; o artigo Mutu-ca, de Zé Olhinho, do Boi de Santa Fé(Bairro de Fátima), que é o homenageadoem “Perfil”, por Zelinda Lima. A Festa doDivino teve grande destaque em “Notíci-as”: aparece não só na programação do es-tado, mas também em evento internacio-nal realizado pelo SESC.

Foi também destacada no nº 37 do Bo-letim a devoção popular aos santos, com oartigo de Carlos de Lima A Religião Cató-lica e a Religiosidade Popular, com o tra-balho de Raimundo Rocha A Dança deSão Gonçalo, e com a notícia do TríduoJoanesco, homenageando quatro santos.

Foi ainda enfocada nesse número acrença dos maranhenses em encantados,nos trabalhos de João Machado, O Portodos Urubus, e de Paulo Jéferson, LéguaBogi Buá da Trindade, o Rei de Codó,entidade espiritual do Terecô, da Mina,da Cura e da Umbanda maranhenses quegosta de Boi e que, como o vodum Avere-quete integra várias denominações religi-osas.

Nas páginas centrais do Boletim 37,Antonio Evaldo Barros, apresentando re-sultados de pesquisa documental, cha-mando atenção para ambigüidades cons-tatadas durante o Estado Novo (1937-1945) na forma de tratamento recebidopelo Tambor de Mina, Tambor de Criou-la, Cura/Pajelança e por outras manifes-tações da cultura popular maranhense.

O Boletim 37 divulga mais alguns re-sumos de dissertações e monografias deconclusão de cursos de graduação que tra-tam sobre cultura popular e folclore ma-ranhense. E, em “Notícias”, Roza Santosregistra, com pesar, o falecimento de trêscompositores maranhenses e fala da rea-lização em São Luís de eventos de gran-de importância para a cultura popularmaranhense.

PROPOSTA DE REGISTRO DO BUMBA-MEU-BOI DO

MARANHÃO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL

Em consonância com o ProgramaNacional do Patrimônio Imaterial

/ PNPI, instituído pelo Decreto n° 3.551,de 4 de agosto de 2000, foi formada umaComissão Técnica do Pedido de Registrodo Complexo Cultural do Bumba-meu-Boido Maranhão como Patrimônio Culturaldo Brasil, que vem realizando reuniões,desde o mês de novembro de 2006, paradiscutir os procedimentos necessários,como a atualização do Inventário Nacio-nal de Referências Culturais (INRC) damanifestação feito pelo Centro Nacionaldo Folclore e Cultura Popular, entre 2001e 2002, tendo como pesquisadores os an-tropólogos Luciana Carvalho e GustavoPacheco.

Para viabilizar o citado registro foi as-sinado um Protocolo de Intenções entreos órgãos e entidades integrantes dessa Co-missão Técnica, que se comprometem adisponibilizar recursos humanos e finan-ceiros tendo em vista a solicitação do re-gistro do Bumba-meu-Boi, no Livro deCelebrações, bem como coordenar os tra-balhos para que o pedido seja efetivado. Aassinatura em pauta ocorreu no dia 13 deabril e, nessa oportunidade, a presidenteda Comissão Maranhense de Folclore –Maria Michol Pinho de Carvalho – mem-bro da Comissão Técnica, proferiu o se-guinte pronunciamento, que sintetiza oespírito desse trabalho conjunto:

“Ninguém brinca sozinho... a brinca-deira é do batalhão...” repete o brincantena sabedoria de “quem faz”, de “quem pro-duz”... e, de fato, o bumba-boi é uma brin-cadeira que se faz junto, expressando oquerer, a força, a disposição de uma comu-nidade... É um trabalho longo e árduo quese faz com paixão, devoção e prazer... cadaum traz a sua arte: as bordadeiras; os quefazem a armação do Boi; os que produzemas toadas; o cantador que “arrebanha” aboiada; os tocadores de matracas, pandei-rões, zabumbas e o seu som de Boi; enfim,os boieiros em seus diferentes papéis; asmutucas ou torcedoras que acompanhamo Boi pelos terreiros afora...

Em verdade, é esta uma produção degrupo, de um coletivo, tecendo cultura!...

E quando se “bota a brincadeira narua”, a tradição, mais uma vez, mostra aforça do grupo: o batalhão dos boieiros fazuma roda para cantar e dançar em devo-ção aos Santos do Boi, com destaque parao padroeiro São João... a roda simboliza aenergia da união do batalhão!... e o boi se-gue junto, unido, “noite e lua” afora...

Quando o batuque do Boi faz tremera terra – a nossa terra – a alma maranhen-se desperta e se levanta e nos sentimosparte da brincadeira, sentimos que o Boi énosso, é elemento do “ser maranhense”... énovamente o coletivo irrompendo em nós!

É essa lição do trabalho coletivo, domutirão da partilha, da articulação dossaberes e das artes que o Bumba-Boi mara-nhense nos ensina ao assumirmos a tarefadesafiante de solicitar o seu registro comobem imaterial do Patrimônio Cultural Bra-sileiro.

Temos a convicção que para viabilizaro processo de levantamento, de estudos ede pesquisas para a atualização e amplia-ção do Inventário Nacional de Referênci-as Culturais – INRC – sobre o ComplexoCultural do Bumba-meu-Boi, precisamos,a exemplo dos brincantes, constituir umbatalhão, um “batalhão pesado para fazertremer a terra”... é o batalhão que chama-mos Comissão Técnica, integrada por ór-gãos e instituições que, por “dever de ofí-cio”, estão ligados ao complexo cultural doBumba-Boi: Instituto do Patrimônio His-tórico e Artístico Nacional; Secretaria deEstado da Cultura; Universidade Federaldo Maranhão; Fundação Municipal deCultura; Comissão Maranhense de Folclo-re.

E vamos, então, tecendo a nossa rodano trabalho cotidiano de levantar arqui-vos, de pesquisar, de estudar...

Temos clareza que não podemos nosapropriar da alma do Bumba-Boi – Mara-nhense, sem a efetiva participação dossujeitos que o fazem. E, assim, trouxemosos boieiros como centro de nossa roda anos orientar, a dar pistas, a abrir cami-nhos!...

Entre 26 e 30 de março foram realiza-dos encontros com representantes de gru-pos de Bumba-boi, por sotaques, para pen-sarmos juntos essa proposta de solicita-ção do registro do complexo do Bumba-Boi como patrimônio cultural brasileiro.Nesses encontros foram escolhidos repre-sentantes, por sotaques, para compor estebatalhão da Comissão Técnica.

Hoje, 13 de abril, aqui nos reunimos –boieiros, pesquisadores, técnicos, interes-sados na cultura popular maranhense, co-munidade em geral, para assinar o Proto-colo de Intenções. Essa assinatura coleti-va simboliza o firmar do nosso compro-misso de juntar o Batalhão, de arrebanhara Turma para produzirmos o dossiê de in-ventário para solicitação do registro.

Temos um Livro de Adesões que va-mos assinar... e estamos chamando, paraparticipar conosco, todos aqueles que po-dem contribuir com relatos, com fotos,com vídeos, com textos e imagens de dife-rentes naturezas...

E, fazemos nossa, a voz do brincante:ninguém constrói um dossiê de inventá-rio sozinho... a tarefa é de um batalhão...

E o batalhão segue dias, noites, sol elua afora, aberto a contribuições que ofaçam cada vez mais vivo e forte!

1 Superintendente de Cultura Popular do Estado do Maranhão; Presidente da CMF

3Boletim 37 / junho 2007 3

Entrudo é igual a intróito, iguala introdução. Eram os diverti-

mentos a que se entregava o povo nosdias que antecediam a Quaresma, ouseja, o período do Carnaval.

O carnaval é um profundo utopis-mo popular, quando a forma efetivada vida é sua forma ideal ressuscitada;por um certo tempo esse jogo se trans-forma em vida real, não um espetácu-lo teatral para deleite dos espectado-res e sim uma forma concreta de vida,embora provisória, propositadamenteoposta à imagem do mundo oficial; pa-rarelamente aos cultos e mitos sérios,os cultos cômicos e injuriosos, estesos princípios que deram origem aocarnaval.

“A festa convertia-se na forma de que serevestia a segunda vida do povo, o qualpenetrava temporariamente no reino utó-pico da universalidade, liberdade, igual-dade e abundância”, ensina Da Matta.

Pratica-se assim uma inversão deli-berada da ordem social oficial, efetua-se uma troca do superior pelo inferior,do alto pelo baixo, coloca-se literalmen-te o mundo de pernas para cima, nalógica original das cousas “ao avesso”.

Nessa ordem de idéias, o princípiomaterial e corporal adquire uma im-portância excepcional, o “baixo” re-presentando a terra, os órgãos geni-tais, o ventre; o “alto”, o céu, a cabeça.Então, rebaixar e degradar é comun-gar com a terra, com o ventre que ab-sorve e cria,

“degradar significa entrar em comunhãocom a vida da parte inferior do corpo, a doventre e dos órgãos genitais, e portanto comatos como o coito, a concepção, a gravi-dez, o parto, a absorção de alimentos e asatisfação das necessidades naturais. (...)E por isso não tem somente um valor des-trutivo, negativo, mas também um positi-vo, regenerador: é ambivamente, ao mes-mo tempo negação e afirmação. Precipita-se não apenas para o baixo, para o nada, adestruição absoluta, mas também para obaixo produtivo, no qual se realizam a con-cepção, o nascimento, onde tudo cresceprofusamente. O realismo grotesco nãoconhece outro baixo; o baixo é a terra quedá vida, o seio corporal; o baixo é sempre ocomeço.” (Mikhail Batkhin)

O ENTRUDOCarlos de Lima2

Daí dar-se ênfase, no clima de libe-ralidade do carnaval, às partes do cor-po que se abrem para o mundo exteri-or, onde o mundo nele entra ou delesai, a boca aberta, seios, barriga, nariz,etc., orifícios, excrescências, protube-râncias (as várias expressões de másca-ras, seios e barrigas postiças, etc.) ocomer e o beber, a gravidez, o parto, asatisfação das necessidades naturais, ocorpo revelando sua essência, eterna-mente incompleto, criado e criador, noeterno inacabamento da existência.

É esse o sentido de degradação doentrudo, prática muito antiga de ati-rar excrementos e urina nos transe-untes. No ritual da “festa dos tolos”,na Idade Média, no ofício solene cele-brado pelo bispo, para rir, usava-se naprópria igreja o excremento em lugardo incenso. Depois do ofício, o cleroocupava charretes carregadas de fezese percorria as ruas lançando-as sobreo povo que o acompanhava. Na des-crição do charivari, o Romance deFauvel diz, na linguagem licenciosadaqueles tempos:

“Um lançava merda à cara (...) Outro joga-va sal no poço, o que, segundo a interpre-tação de Bakhtin, representava a reaçãodo “baixo corporal” ao “alto espiritual”. Enão só excrementos; também a urina e osórgãos genitais, as necessidades fisiológi-cas do homem exprimiam o sentido daperenidade da vida, simbolizando o per-pétuo morrer e renascer, o excrementocomo os despojos do corpo que morre paradar começo a uma nova vida, o sal como oprincípio regenerador, o “sal da terra”, deque nos fala Cristo; as lendas e a próprialíngua identificando o “baixo corporal’como símbolo de fecundidade.

No drama satírico de Ésquilo, Osajuntadores de ossos, há uma passa-gem em que se joga um penico malcheiroso na cabeça de Ulisses e noBanquete dos aqueus, Sófocles repe-te a cena, aliás, freqüente e vulgar naliteratura antiga. “Sua significação eraassim compreendida por todos”, con-clui Bakhtin.

São as grosserias desse carnavalantigo a matéria do entrudo e que dáà brincadeira o sentido de revolta con-tra a verdade estabelecida. Há uma

inversão propositada de posições, o “in-ferior” tomando o lugar do “superior”.Que satisfação íntima a do sujeito sub-misso ao patrão, ao chefe, poder, mes-mo temporariamente, afirmar-se comoigual, podendo sujá-lo, molhá-lo! Écomo se lhe dissesse: você me humilhaporque tem posição, dinheiro, influên-cia, mas hoje estamos no mesmo pla-no, posso aborrecê-lo, humilhá-lo tam-bém em nome de uma liberdade im-posta e aceita por todos. Água, farinha,tinta, etc., piadas e gracejos você é obri-gado a receber com bom humor paranão ser tachado de retrógrado, ranzin-za e mal-educado. E ainda que proce-da de outro modo, sua rebeldia, seudesgosto, sua reação contrária serámotivo de riso e de deboche.

O entrudo, para Câmara Cascudo, é

“tempo de divertimento que compreendeos três dias que precedem a Quarta-Feirade Cinzas, festa e divertimento própriosdesse tempo. O quinhentista Fernão So-ropita falava ser a “honrada festa do en-trudo, onde a gula com a ira e a luxúriatêm particular assistência.”

E Cascudo nos manda consultar overbete Carnaval de seu mesmo Dici-onário do Folclore Brasileiro, no qualdiz que o Carnaval

“foi, até meados do século XIX, o entrudobrutal e alegre que Debret pintou e deque todos os velhos recordam. Água, fari-nha do reino, fuligem, goma, ensopandoos transeuntes. Água molhando famíliasinteiras, em plena batalha. Criados, ou-trora escravos, carregando bilhas, latas,cântaros, para suprimento dos patrões em-penhados na guerra. Henrry Koster mos-trou que o entusiasmo era o mesmo pelointerior de Pernambuco, nas senzalas ecasas-grandes, nivelando amos e servosna alegria igualitária do entrudo. Depoiso entrudo admitiu formas mais doces, comas laranjinhas-de-cheiro e borrachas comágua perfumada. Em 1886, na cidade deMipibu, no Rio Grande do Norte, duran-te o último dia do entrudo, toda gente semolhou, inclusive o vigário e o juiz de di-reito. Ninguém, exceto doentes e crian-ças de peito, escapou enxuto”,

observa. E mais adiante:

2 Folclorista, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da CMF.

Boletim 37 / junho 200744

“Todas as lembranças clássicas de satur-nálias, februálias, florais, festas orgiásti-cas assírias, medo-persas, babilônicas, re-viviam no carnaval. Imperadores e minis-tros jogavam ovos podres e talos de horta-liças, emporcalhando fardões e sujandosedas.”

John Luccock, comerciante inglês,falando do entrudo em São Pedro doSul (RS), em 1809, escreve:

“Por ocasião do entrudo conforme lhe cha-mam, fazem bolas ocas de cera de coresvariadas, mais ou menos do tamanho deuma laranja, enchem-nas d’água e bom-bardeiam-se mutuamente, até que oscombatentes fiquem completamentemolhados (...) Outra brejeirice havia, mui-to apreciada nessa ocasião: (...) Embru-lha-se farinha de trigo em cartuchos depapel e, de surpresa, quando um pobrenegro se encontra distraído, fazem-no todobranco. De tal maneira o povo gosta des-ses e de outros divertimentos, que dizemtodos abertamente: no entrudo ficamostodos bobos.

O sisudo D. Pedro II acabou den-tro de um tanque. O arquiteto Grand-jean de Montigni morreu em 1850 deuma pleuris conseqüente de um en-trudo excepcionalmente animado”,para completar com exagero:

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Renato. Inteligência do Fol-clore, Livros de Portugal, Rio de Janeiro,1957.

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular naIdade Média e no Renascimento, EditoraUniversidade de Brasília, Brasília, 1993.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicioná-rio do Folclore Brasileiro, Edições deOuro, Rio de Janeiro, 1959.

——— Antologia do Folclore Brasileiro,Livraria Martins Editora, São Paulo,1971.

AS MUTUCASJosé de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho)3

Em 1942 chegava a São Luís o maisgostoso dos sotaques do Bumba-

meu-boi do Maranhão – sotaque dematraca da Baixada.

Isto foi possível com a fundação doBumba-meu-boi de Viana, sob a respon-sabilidade do Sr. José Apolônio Martins,infelizmente já falecido.

Tudo começou pelo bairro da VilaBessa, mudando-se depois para o bairrodo Caratatiua.

Entre os integrantes do grupo figura-vam o, já também falecido, João Cânciodos Santos (que mais tarde fundaria oBoi de Pindaré) e Apolônio Melônio,fundador do Boi de São João Batista.

Há tempo as esposas e amantes dosparticipantes das brincadeiras já acom-panhavam os grupos. No entanto, na

CONTINUAÇÃO

“Nenhuma crônica grega superava essaexplosão de vida dionisíaca, arrebatada,furiosa e brutal em sua espontaneidade.Juntem-se os aspectos violentos e bestiaisde pilhérias, denúncias, histórias infaman-tes improvisadas no momento e gritadascomo proclamações radiosas, enfim, ou-tro traço evidente da corredela do entru-do português.”

Como vemos, tal brincadeira re-monta a épocas muito antigas e, umpouco atenuada, chegou até nós. Amãe do autor deste artigo viu-se im-possibilitada de comparecer ao umbaile de carnaval por ter sua basta ca-beleira, à moda da época, literalmen-te emporcalhada com toda sorte desubstâncias de usança do entrudo. Opróprio autor participou não rarasvezes desse divertimento e os sessen-tões de hoje ainda se hão de lembrardos caminhões carregados de tonéis deágua, não muito limpa, das bombasque a esguichavam dos carros do cor-so para as janelas das casas e das jane-las para os carros, nas ruas das Hor-tas, dos Remédios, do Sol... Cidadãosrespeitáveis tiveram suas roupas suja-das e suas caras enfarinhadas com al-

vaiade e tapioca, até maisena, ensopa-dos que foram de água, tinta e outrosmateriais menos nobres.

E tudo era suportado com paciên-cia e bom humor, a alegria perdoandoos excessos, raríssimos os casos quedegeneravam em conflito. O povo an-dava desarmado no mais amplo signi-ficado do termo, fosse desarmado deprevenções e receios, fosse desprovi-do de armas de fogo ou brancas. To-dos se empenhavam na diversão des-ses dias de liberdade em que tudo sefazia para glória de Momo. Como di-zia o saudoso amigo Bernardo Almei-da, “éramos felizes e não sabíamos”.

época dos bois de Viana e Pindaré foique o Sr. João Câncio levou provavelmen-te o maior susto de sua vida, pois, quan-do estava ao lado dos seus companhei-ros viu pela primeira vez no grupo a pre-sença da sua namorada particular, a nos-sa velha conhecida Dona Roxa. JoãoCâncio perguntou: - O que estás fazen-do aqui? Ela respondeu: - Ora, estouandando atrás do boi. Não pode? Após aresposta de Dona Roxa, João Câncio fa-lou: - Tu agora virou mutuca para andaratrás de boi? A partir daí os colegas deJoão Câncio começaram a chamar “mu-tucas” as esposas e namoradas que acom-panhavam o boi.

Hoje, no Boi de Santa Fé (e em to-dos os bois) elas são vistas com muito

carinho por serem úteis e indispensáveispara o grupo.

Em 2004, o boieiro Wagno de Cássiodos Santos (Careca), que outro não é se-não o filho do saudoso João Câncio eDona Roxa, fez uma toada para home-nagear as nossas queridas torcedoras, aqual tem como título As Mutucas Cari-nhosas e foi por nós adotada pelo impor-tantíssimo papel delas dentro do Boi deSanta Fé.

José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho),filho de Filomeno Gomes (dono de Boi)e Joana do Espírito Santo Figueiredo,nasceu no lugar Tabocas, em São Vicen-te de Férrer, em 16 de junho de 1944.Cantador de toadas é, atualmente, oproprietário e cantador do Boi Unidosde Santa Fé.

3 Cantador e proprietário do Boi de Santa Fé (ver Perfil Popular, p.20).

5Boletim 37 / junho 2007 5

A história do Catolicismo no Ma- ranhão tem começo com a che-

gada, na comitiva de Daniel de La Tou-che, dos padres do Convento de SantoHonorato, da Ordem dos Capuchinhosde Paris, Yves d’Evreux, Clauded’Abbeville, Ambroise d’Amiens e Arse-ne de Paris.

Talvez, antes, outros religiosos hou-vessem pisado terras maranhenses, vin-dos na armada de Aires da Cunha, natentativa fracassada de tomar posse dasterras doadas a João de Barros, em 1535;ou, quem sabe? nas diversas incursõesque aventureiros de todos os matizes fi-zeram a estas costas, pois é defeso aohomem procurar acobertar com a cruzmuitas de suas estripulias de ladino.Destes todos, porém, não guardou onome a História.

Plantada a semente, com a solenefundação da França Equinocial, em 12de agosto de 1612, e posterior expulsãodos franceses, novos religiosos vieramregá-la e foram eles os freis Cosme deSão Damião e Manuel da Piedade, ca-pelães da expedição de Jerônimo deAlbuquerque, o campeão da Conquis-ta, dois anos depois. Desde então jesuí-tas, carmelitas, franciscanos e mercedá-rios aqui lutaram para propagar a fé cris-tã, às vezes, é verdade, com pouca cari-dade e muita violência, na pregação docrê ou morre; e mais outros tantos quese embrenharam sertões a dentro, noapostolado da catequese, até perderema própria vida, vítimas inocentes comoas do Massacre de Alto Alegre, de 13 dejaneiro de 1901. E também com um tan-to de ganância, pois não lhe foram muitoindiferentes os tesouros da terra quantoos do céu. Alguns bispos, oriundos de fa-mílias ricas, custearam do próprio bolsoos melhoramentos de igrejas e conventose atenderam generosamente à pobreza;outros, porém, beneficiaram-se do cargo,como o famoso D. Gregório dos Anjosque, presidindo a Junta das Missões, en-carregada do governo dos índios, reservoulogo para si a maior parte deles, de unsdescimentos que mandou fazer, provocan-do o conflito com o Governador, com osJesuítas e com os colonos.

Mas tivemos nessa plêiade de abne-gados apóstolos vultos da estatura de umAntônio Vieira, de um Cláudiod’Abbeville e de um José de Morais, os

A RELIGIÃO CATÓLICA E A RELIGIOSIDADE POPULARCarlos de Lima4

antigos; e mais recentemente, D. Fran-cisco de Paula e Silva, o bispo da mansi-dão, os padres João dos Santos Chaves –o padre Chaves, simplesmente – o amigosempre disponível, e o santo João Moha-na, o conselheiro das horas amargas.

Não cabe aqui, neste rápido artigo,relacionar e analisar a ação de cada or-dem, atuação de cada bispo e arcebis-po, desde o frei Cristóvão de Lisboa,nosso primeiro vigário, até D. PauloAndrade Ponte, nosso recente amigo; opapel singular dos jesuítas e dos merce-dários na educação; de carmelitas e ca-puchinhos, no culto. Nem falar dos mui-tos e graves desentendimentos entre re-ligiosos, colonos e governadores de queresultaram excomunhões, prisões e de-sacatos de toda ordem, mesmo porque oambiente era propício a tais convulsões:brigavam governadores, bispos e capi-tães-mores, priores, carmelitas, merce-dários, jesuítas, ouvidores e provedoresda Fazenda; e o povo, que tomava parti-do e se inflamava, contra ou a favor des-te e daquele contendor. Várias vezes in-terferiu o próprio Rei, como quando re-comendou expressamente ao comissáriodos frades das Mercês que pusesse co-bro ao excesso com que tratavam dopúlpito os seus funcionários, fazendo sá-tiras às autoridades, contra as quais “pro-ferem palavras escandalosas”.

O Centro de Cultura Popular “Do-mingos Vieira Filho” promove freqüen-temente uma exposição de andores po-pulares de nossos santos de todos os dias,reverenciando nosso catolicismo cabocloadaptado à nossa índole, ao nosso jeito;santos que nos são íntimos, deuses-lares,pessoas de casa, membros de nossa fa-mília, com quem não temos cerimôniapara pedir os mais extravagantes mila-gres e a quem até castigamos, se não nosatendem:

Meu Santo Antônio querido,meu santo de carne e osso,se tu não me dás maridonão tiro você do poço.”

Com eles comerciamos os favores:

“São José de Ribamar,se vós me dás a Rosinha,juro por esta luzinha,promessa venho pagar.”

A eles elevamos nossas súplicas e im-precações. Uma senhora muito minhaconhecida, sofrendo de erisipela, já setinha por esquecida dos santos quandochegou a São Luís a devoção a São Ju-das Tadeu. – Vou pegar-me com este san-to novo para curar-me de meu mal. Mas,apesar de todas as rezas e promessas,passavam-se os dias e nada de obter, aomenos, umas poucas melhoras. Então,revoltada, acusava: - Qual, este Tadeunão faz nada mesmo! Decerto foram osoutros que já me intrigaram com ele.

Nosso Divino Espírito Santo é o maispopular e alegre de todos, de uma ino-cente e infantil familiaridade, a quemtomamos no colo como um brinquedoquerido, diante do qual bailamos ao somcadenciado das caixas; e ao qual as cai-xeiras até perece que cantam cantigaspara niná-lo. São João é um menino igualaos nossos filhos e com eles se misturano nosso carinho, e cujo sono até procu-ramos interromper com o barulho dosfogos de artifício:

– Minha mãe, quando é meu dia?- Meu filho, já se passou!- Uma festa tão bonita,Minha mãe, não me acordou?’

Acorda, João!Acorda, João!São João está dormindoE não vai acordar, não!

No “Domingos Vieira Filho” são ex-postos andores singelos das procissões desubúrbio, de devoções particulares, depequenas romarias, procissões e cami-nhadas onde o “andar junto” é às vezesmais valioso do que a chegada, comodizia Todorov, citado por Roberto DaMatta. É a proximidade, a companhiaamiga e santa que nos aquece a fé e nosreconforta na esperança.

Há no povo uma religiosidade, umafé singular e estrangeira, e, por isso mes-mo, epidérmica, talvez em virtude deter sido compulsoriamente imposta aferro e fogo a índios e africanos; há nopovo, dizia, essa religiosidade brasileiraespecial, particular, festiva e dançarina,essa “racionalização do irracional”, doapego grupal ao comprometido, na ex-pressão feliz do padre Joci Rodrigues. Aseriedade desse comprometimento, pela

4 Folclorista, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da CMF.

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CONTINUAÇÃO

camaradagem entre santo e devoto es-tabelece um comércio de trocas, a retri-buição condicionada à obtenção da gra-ça: a festa, o ex-voto - uma parte do cor-po humano, uma trança de menina,muletas de aleijado, véu de noiva, umnovilho de presente – tudo o que pagueo favor concedido e conseguido: o barcoescapo do naufrágio, a casa salva do in-cêndio, o filho safo do acidente terrível.

São os nossos santos de cada dia osnossos amigos, nossos irmãos, que sofre-ram em vida nossas angústias e temorese agora estão sempre prontos a acudirao nosso chamado na hora do aperto eda agonia.

Se se trata de engasgos e males dagarganta, São Brás nos acode como mé-dico certo: Bate-se nas costas do engas-gado, chamando: - São Brás! São Brás! elogo desaparece o incômodo. Santanacorrige, depressinha, as alterações dojuízo e São Roque conjura a peste cani-na além de ser guarda vigilante contraas epidemias; ele e São Lázaro, que curanossas feridas. São Bento é especialistaem cobras:

São Bento, água benta!Jesus Cristo no altar!As cobras deste caminhoAfastem que eu vou passar!

- oração infalível. Não fica uma, ga-rantem as testemunhas do milagre. Sehá queimaduras, invoque-se São Louren-ço e seu poder de curador; e quem sepega com São João Batista nunca maissentirá dor-de-cabeça. Mas, se o caso évertigem e biloura o remédio é com osSantos Três Reis Magos. Santa Luzia tra-ta dos olhos, Santo Amaro dos ossos, San-ta Apolônia dos dentes.

São Gonçalo e Santo Antônio são ca-samenteiros, arretados num fuxico denamoro:

Meu Santo Antônio querido,eu vos peço por quem sois:dai-me o primeiro maridoque outro eu arranjo depois.”

Perde-se algo? Recorra-se a São Lon-guinho e num instante ele nos mostra oobjeto perdido: - Meu São Longuinho,se eu achar o que perdi dou três gritos,três pulos e três assobios”. E quem nãocumpre a promessa vê o objeto desapa-recer outra vez.

Santa Bárbara e São Jerônimo afas-tam tempestades, aguaceiros, relâmpa-gos e trovôes.

“Santa Bárbara, a bendita,que no céu está inscrita,com papel e água bentaaplacai esta tormenta!

Almas do Purgatório, mártires e pes-soas caridosas, santos-homens em vida,mereceram, e continuam a merecer, acanonização do povo, como a muito nos-sa “Alminha Milagrosa”, de Rosário, as“Almas Sós”, de Pirapemas, e a “EscravaAnastácia”, cultuada em quase todo oBrasil. A par disso, por influência de ca-boclos índios e negros escravos, estabele-ceram-se cultos e rituais os mais diversos– Minas e Nagôs, Curas e Macumbas,Terecôs e Pajelanças, num sincretismoque compõe esse caleidoscópio, esse subs-trato da religiosidade maranhense e bra-sileira, nesta terra timbira, que SimãoEstácio da Silveira proclamou ser o Bra-sil melhor: “Eu me resolvo, diz ele, queesta é a melhor terra do mundo... do quecorreram os portugueses, o melhor é oBrasil, e o Maranhão é o Brasil melhor.”

Tanto os santos católicos como os vo-dus africanos aqui, no Maranhão, con-fraternizam conosco, sentam ao nossolado solidários com nossas dores e pro-blemas, choram ao nosso ombro nossasmisérias e fados e recebem nas nossasalegrias sua quota da bebida gratulató-ria – Esta é para o santo!

Decerto gregos e romanos exagera-ram quando atribuíram aos seus deusesos mais feios vícios e pecados de pobresmortais como nós: Zeus, apesar de todaa majestade de seu poder, mostra-se fra-co na paixão que dedica a inúmerasmortais; Afrodite, a deusa do amor e dabeleza, trai semcerimoniosamente omarido; Atena incita os heróis gregos àvingança contra Ares; Marte, para osromanos, é um deus cruel e violento, odeus das carnificinas e das guerras; Her-mes, o mensageiro dos deuses, tornou-seo deus dos comerciantes inescrupulosose dos ladrões, ele próprio amigo doalheio; Éris é a personificação da discór-dia e Baco faz do vinho sua arma paraconquistas, prêmios e vinganças. Nossossantos não chegam a tanto, mas tambémnão se deixam ficar distantes nos alta-res, isolados em seus olímpios sagrados;amam nossos festejos e se aprazem ne-les, gozam de nossa intimidade, compar-tilham uma camaradagem acumplician-

te, alegre e chocarreira, permitindo li-berdades do tipo da que tomou Lean-dro de Barros, poeta popular, que, ofe-recendo a São Pedro um gole de cacha-ça, ganhou dele seu ingresso no céu. SãoPedro aí perguntou:

- O mundo lá, como vai?Aí eu disse: - Meu Santo,lá filho rouba de pai;está-se vendo que o mundopor cima do povo cai.

Eu inda levava um poucoda gostosa “Imaculada”.Dei a ele e ele me disse:- Aguardente raciada!E aí me disse: - Vá, entre,que aqui não lhe falta nada!

São Gonçalo, apesar dos sapatos depregos que tanto o maltratavam, nãoperde um baile e São José de Botas é oSão José caminheiro. São Cristóvão aténos leva às costas! São muitas as histó-rias, os casos, as anedotas acerca de san-tos...

- Solha, a maré enche ou vasa? Opeixe repuxou bem a boca pro um lado,debochando da santa, e repetiu: - So-lha, a maré enche ou vasa? Ficou com aboca torta para sempre, por castigo.

De outra feita, São João e Jesus, am-bos meninos, jogavam os dados. São Joãojogou primeiro – pafte! Duas senas!Doze! Jesus recolheu os dados, guardou-os nas duas mãozinhas fechadas, sacu-diu-os bem e lançou-os ao chão ondebrincavam: - Catorze! – Não, mas mila-gre não vale! – atalhou São João.

É assim o relacionamento dos santoscom seu povo, comem e bebem juntos,e nada revela mais e melhor tal intimi-dade; é uma irmanação moral, diriaCascudo. A excomunhão religiosa nadamais é do que a exclusão do condenadode participar das refeições com os orto-doxos. “Companhia, companheiro, nas-cem do ‘cum panis’, o pão repartido aosmesmos comensais”, ensina o mestre.

Estendi-me demais. Prometi a mimmesmo que não abusaria da paciênciado leitor, mas já me torno enfadonho.Façamos ponto final e esperemos quehajam repercutido bem minhas palavrascomo apelo a que não contrafaçamosnossa natureza na macaqueação de ou-tros povos e costumes, mas conservemosnossas próprias maneiras de ser e de sen-tir. Amém.

7Boletim 37 / junho 2007 7

Bendito louvado seja,A luz do sol tão brilhante,Na hora em que nasceuSão Gonçalo do Amarante...

É o início do Bendito em louvor aopatrono da matriz de Amarante, noPiauí. Amarante escolheu padroeiroidêntico ao de sua homônima na Pe-nínsula Ibérica. E, por isto, achamospossível que, entre os seus fundado-res, houvesse a influência do elemen-to português para justificar essa du-pla homenagem à pátria mãe.

Em nossas constantes pesquisasem torno das festas tradicionais piau-ienses - o Tambor, o Reisado, os Ca-retas, o Divino, São Benedito, os Ma-rujos, etc. - sempre ouvimos dizer queo São Gonçalo foi uma festa que apa-receu no Piauí com a chegada de umafamília portuguesa que foi morar emAmarante. Daí a dualidade de cultoao milagroso santo. Um com a apro-vação da Igreja; outro por ela comba-tido. Mas, seja como for, dessa épo-ca, ou de outra mais remota, São Gon-çalo continua recebendo as costumei-ras homenagens do piauiense quehabita o interior, apesar de combati-do e criticado pela Igreja, por ser umafesta de cunho profano e superstici-oso. A sua prática mais se acentua noslugares menos visitados por padres,onde inegavelmente a instrução reli-giosa permanece em nível muito adesejar.

Assis Silva, em interessante artigopublicado em Bando (outubro de1950)7, cujo título é análogo ao destasnotas, assinala divergência entre ver-sões recolhidas por folcloristas doNorte e do Sul do país, referentes àcelebração desse culto exótico. Háaqui também divergências não apenasem versos, porque cada grupo tem osseus, mas no motivo do culto, cujos“devotos” pertencem tanto ao preto eao branco, como ao rico e ao pobre.

A DANÇA DE SÃO GONÇALO5

Não é, pois, uma “festa” só de negros,como encontrou Assis Silva, em Por-talegre, no Rio Grande do Norte. Seu“devoto”, como um católico pratican-te, recorre à intercessão do milagrososanto, prometendo fazer “um SãoGonçalo”, se alcançar a graça da con-cretização do seu desejo, a solução doseu caso, muitas vezes tão curiosoquanto a própria “festa”.

Num andor, a imagem de São Gon-çalo é levada em acompanhamento adeterminada casa de pessoa amiga, naqual se realizará a “festa”. Colocado ovulto do Glorioso Santo sobre umamesa na sala ou no terreiro, rezam-sealgumas orações. Seguindo-se, osGonçalinos em frente à imagem, e àroda, começam as danças, de modomais ou menos idêntico ao descritopelo autor do artigo mencionado.

5 Escrito em Teresina - 20 de janeiro de 1951. Publicado originalmente com o título Ainda a dança de São Gonçalo na revista Bando, Ano V, Vol. III, nº 4, Natal, set. 1953,Natal. Apresenta pequena modificação ao artigo São Gonçalo no Piauí publicado no Almanaque do Cariri (1950-1952) e no plaquete Sobre a Dança de São Gonçalo (1954),organizado por Assis Silva. Esses trabalhos foram citados por Alceu Maynard Araújo em Folclore Nacional, vol. II, p. 36, como estudos criteriosos sobre a dança de SãoGonçalo no Piauí e no Maranhão, assinalando sua presença nos dias de hoje.

6 Comerciante e escritor natural do Rio Grande do Norte radicado em São Luís, onde faleceu em 1969. Membro Fundador da Comissão Piauiense de Folclore.7 Revista publicada em Natal (RN) pela Casa de Euclides da Cunha.

Raimundo Rocha6

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CONTINUAÇÃO

Vítima da sorte nessa estranha “fes-ta”, como o “devoto” Assis Silva, umajovem campo-maiorense, de uma re-tentiva privilegiada, nos oferece asCantigas de São Gonçalo, que trans-crevemos sem nenhuma alteração:

São Gonçalo vai saindo,Saindo de porta a fora,Parece a Estrela d’ AlvaQuando vem rompendo a aurora.

ôôô... que caminhos tão longe,ôôô... que areias tão “quentes”,Os milagres de São GonçaloFez abalar tanta gente.

Minhas alvíssaras, minha gente,São Gonçalo já chegou,Foi chegando e foi dizendo:Minha alvíssaras, eu aqui estou.

Nas horas de Deus amém,Padre, Filho, Espírito Santo,É a primeira cantigaQue eu a São Gonçalo canto

Padre, Filho, Espírito Santo,nas horas de Deus amém.É a primeira cantigaQue eu a vós canto também.

São Gonçalo disse ontem.Hoje tornou a dizerQue “vinhesse” as vossas dançasQue ele queria me ver.

Entre serras e serrotes,Mora três padres galantes:São Francisco e Santo Antonio,São Gonçalo do Amarante.

São Gonçalo diz que é santo,Mas também tem seus amores,Todo dia recebendoOs seus raminhos de flores.

Santo Antonio e São GonçaloSão dois santos “enteresseiros”São Gonçalo pelas dançasSanto Antonio pelo dinheiro.

Os cantadores aproximam-se dostocadores e prosseguem:

Eu vou dar uma despedida,No bico da saracura,A boca de São GonçaloParece um cravo maduro

Eu vou dar uma despedidaNuma caneca de ouro,Meu Senhor São Gonçalo,Essa é em seu louvor.

Eu vou dar uma despedida,No laço da fita roxa,Viva, viva São Gonçalo,Viva, viva o tocador.

Eu vou dar uma despedida,No bico da siricora,Vou-me embora com as nuvensQue é coisa que não demora.

Vou dar uma despedida,No galho do alecrim.Meu Senhor São Gonçalo,Vossas danças estão no fim.

Eu vou dar uma despedida,numa caneca de prata.Meu senhor São Gonçalo,Vós desculpe alguma falta.

Eu vou dar uma despedida,Numa caneca de ouro.Meu Senhor São Gonçalo,Desculpe as faltas que houve.

Eu vou dar uma despedida,No bico da saracura,Adeus, adeus, São Gonçalo,Adeus que eu já vou-me embora.

Estes guias que aqui estão,“Vinheram” do Rio de Janeiro,Vós levais eles para o céu,Para os pés de Deus verdadeiro.

Meu senhor São Gonçalo,Aqui estão os contra-guiasVós levais eles para o céu,Para os pés da Virgem Maria.

Meu Senhor São Gonçalo,Aqui tem duas irmãs.Vós levais elas pro céu,Uma hoje, outra amanhã.

Meu senhor São Gonçalo,Aqui tem duas amigas.Vós levais elas para o céu,Enquanto são bem amigas.

Meu Senhor São Gonçalo,Aqui tem duas açucenas,Cravo branco roxeado,meninas da cor morena.

Meu Senhor São Gonçalo,Vou lhe fazer um pedido:Fortuna e felicidade,Gonçalo pra nossa vida.

Meu Senhor São GonçaloMeu Jesus de NazaréDai-me licença meu santo,Eu beijar em vossos pés.

Passemos, gente passemos,Passemos com pé ligeiro,Depois não saiam dizendoTem barroca no terreiro.

Passemos, gente, passemos,Tornemos a repassar,Dancemos as danças direito,P’ro Santo nos ajudar.

Comumente a dança termina àmeia noite, e a “festa” finaliza com a“arrematação do arco”. Este é previa-mente preparado, do qual pendembelos cachos de banana, de laranja,“rodas” de bolos e mais alguns obje-tos, que são arrematados em leilão.Antes, porém, do leiloeiro falar, can-tam ainda algo que constitui categóri-ca advertência contra infalíveis “mar-reteiros” que esperam a sua oportu-nidade.

Senhores e minhas senhoras,Atenção me queiram prestar,Vai-se arrematar o “arco”De meu Senhor São Gonçalo.Mas vou lhe dizendo algo,Que eu não vendo “fiado”,Pois fiado me dão pena,E pena me dão cuidado,E mesmo assim eu não posso,Pois o Santo fica zangado...

Como vemos os versos são diferen-tes dos citados por Assis Silva. Há en-tretanto, em alguns deles, referênciasà “caneca de ouro”, “caneca de prata”,nossas “faltas” e ao “Rio de Janeiro”.As duas quadras em suma, as últimas,se assemelham às recolhidas por No-nato Mota, em Apodi (RN).

O jornalista Manuel Viana, falan-do-nos sobre a realização do culto aSão Gonçalo no Maranhão, declamouduas quadras que aprendera na infân-cia, com as quais finalizamos:

Ôoo meu São Gonçalo,Fulô de cajá,Matai essas veiasPras moças casá...

E as velhas em frente às moças res-pondiam no mesmo ritmo:

Ôoo meu São Gonçalo,Não faça isso, não,Que as pobres das veiasNão tem culpa não...

9Boletim 37 / junho 2007 9

A relação entre o Estado Novo (1937- 45) e as culturas popular e negra foi

extremamente ambivalente (CATENACCI,2001; MATOS, 1982; OLIVEN, 1984). No casodo Maranhão, essa ambivalência contribuiu,dentre outras coisas, para que pelo menos doismovimentos, aparentemente antagônicos, seefetivassem. Primeiramente, intensificaram-secampanhas de perseguição policial a festas erituais de tambor de mina e pajelança. E, emsegundo lugar, alguns tambores e o imagináriosobre o mundo da pajelança, de modo cada vezmais crescente, passaram a ser ditos e vistosnão enquanto práticas nocivas e fora da lei, mascomo elementos fundamentais para o quadrodas “tradições maranhenses”.10 Esses movimen-tos se processaram em meio a múltiplas, e mes-mo díspares, dinâmicas sociais.

Basta um primeiro olhar sobre os dois prin-cipais jornais de circulação diária no Maranhãoestado-novista, O Globo e Diário do Norte, parase observar que velhas relações perseveraram enovas perspectivas começaram a se abrir no queconcerne ao tratamento dado às manifestaçõesde cultura e religiosidade Popular e negra. Ojornal O Globo, publicado a partir de 1939, au-xilia simbólica e concretamente os membros dapolícia empenhados na sua caça às bruxas. Porseu turno, Diário do Norte, durante seus noveanos de publicação, entre 1937 e 1945, não des-creve os rituais e festas de tambor de mina epajelança de modo preconceituoso, nem pedeação policial para coibi-los e, mais que isso, al-gumas vezes anuncia e convida para o “tambordas pretas” (tambor de crioula) e o tambor demina. Ao contrário de O Globo, nenhuma dasdiversas apreensões de objetos e utensílios uti-

Antonio Evaldo Almeida Barros9

lizados naquelas festas e rituais, ou prisões depais-de-santo e pajés, efetuadas pela polícia, sãodescritas, com mais pormenores, em suas pági-nas. Elas, quando aparecem, são anunciadasna seção Factos e Queixas, e, geralmente, emnão mais de três linhas.

Certamente, um dos elementos que contri-buiu para isso foi a presença de Antonio Lopescomo diretor do Diário do Norte. Lopes, ao ladode Fulgêncio Pinto, era o mais respeitado estu-dioso das tradições populares maranhenses noperíodo. Além disso, ele tinha trânsitos pesso-ais e profissionais com a administração estatal.11

É preciso considerar ainda que aquele intelec-tual faz parte de um cenário mais amplo, decunho nacional, ele é herdeiro da velha guardados estudos do folclore.12

O Estado Novo compreende, por exemplo, asedições da Revista Athenas. Este periódico conti-nuava uma tendência iniciada no século XIX, elevisava ser a confirmação das “gloriosas tradiçõesmaranhenses” que seu nome sugere, tradiçõeseruditas, européias e euro-brasileiras.13 De outrolado, na Revista Athenas uma outra forte tendên-cia se apresenta: tenta-se integrar alguns elemen-tos das culturas Popular e negra ao cabedal dostemas constitutivos de maranhensidade, especi-almente o bumba-meu-boi, o tambor de mina re-presentado pela Casa das Minas, o imagináriosobre o universo da pajelança e as festas de SãoBenedito, “o santo da gente de cor”. Embora nãoseja absolutamente nova, pois intelectuais comoMagalhães (1973) já haviam-na iniciado antes, aidentificação de identidade maranhense com cul-turas popular e negra ganha maior fôlego duranteo Estado Novo e não mais será possível controlara sua crescente imbricação.

O historiador Mário Meirelles (1980) inter-preta o Estado Novo como um dos períodos maisprofícuos vividos pelo Maranhão na primeirametade do século XX. Se nas tintas de Meire-les, Paulo Ramos, interventor federal no Esta-do, congrega as qualidades de prosperidade,seu oposto é o bacharel, Chefe da Polícia Civil,Flávio Bezerra. É este último quem será res-ponsabilizado pelo que teria havido de pior naadministração estadual. Meireles (1980, p. 378)nota que talvez só se façam precedentes à ad-ministração de Paulo Ramos “pelos excessos deautoridade cometidos, em alguns casos, pelaPolícia Civil, na gestão do seu titular, o BacharelFlávio Bezerra”.

Tal fama do bacharel também está na me-mória de policiais, como o senhor Bráulio Bispoda Cruz.14 Ele afirma que “desde quando eracriança se falava de Flávio Bezerra”, o homem“que só não mexia juiz”. Por ocasião da constru-ção do cais da beira-mar, “se alguém parassepra olhar, ele mandava tirar a camisa pra traba-lhar até o final do expediente. A mulher quepassava pela junta da Chefia de Polícia comum vestido curto, ele mandava emendar o ves-tido com saco de estopa”. E mais, “Flávio Be-zerra tinha muita fama sobre questão de ter-reiro”. (CRUZ, 2005, grifo meu).

Como diziam, na época, diversos articulis-tas: “sempre zeloso e cumpridor dos seus deve-res, o dr. Flávio Bezerra, vem há muito comba-tendo eficazmente os macumbeiros, que infes-tam a cidade” (OG, 30/4/1939, p. 1); “o dr. Flá-vio Bezerra, ilustre chefe de polícia, [...] vemdando tenaz combate à macumba” (OG, 30/7/1941, p. 6).15 Pessoas ligadas às casas de tamborde mina também recordam Flávio Bezerra como

8 Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla em desenvolvimento no Mestrado do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos(PMPGEEA), Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), Universidade Federal da Bahia (UFBA).

9 Licenciado em História. Mestrando do PMPGEEA - CEAO/UFBA. Membro do Grupo de Pesquisa Religião e Cultura Popular - UFMA.10 Pelo menos até início dos anos 1960 as categorias mais usadas para definir “identidade maranhense” eram “tradições maranhenses”, “verdadeiras tradições maranhen-

ses”, “coisas da terra”, “coisas da boa terra”, festas, danças, comidas “puramente regionais”. Atualmente, historiadores, antropólogos e outros estudiosos das relaçõesentre cultura e identidade no Maranhão utilizam o termo “identidade maranhense” ou “maranhensidade”. Confirmando a tese dos contínuos trânsitos entre academia esociedade, a categoria maranhensidade tem sido cada vez mais utilizada por diferentes agentes culturais como referência ao que seria “ser maranhense”. Não à toa o temado carnaval da capital deste ano, 2007, foi “São Luís, o carnaval da maranhensidade”, carnaval este que se pretendia de múltiplos ritmos, tambores e pungadas.

11 Segundo CORRÊA (1993), no Maranhão, a estratégia política do Interventor Federal Paulo Ramos foi “a da produção e consolidação de uma convincente autonomiaadministrativa, que promovesse o distanciamento gradativo dos tradicionais litigantes oligárquicos da máquina do Estado”. E os soldados que foram seus combatentes“outros não foram, senão os intelectuais”. A máquina estatal foi expandida. Houve um crescimento das instituições públicas. Surgiu um mercado de trabalho mais típicodos intelectuais. Estes, antes “reclusos à existência vacilante da boemia, de mestre-escola e do jornalismo provinciano” passaram a “compartilhar das responsabilidadesadministrativas do Estado” (CORRÊA, 1993, p. 208-217). Lembre-se que entre as décadas de 30 e 40, a presença de poetas, romancistas, folcloristas, ensaístas e outrosintelectuais na administração estatal foi um fenômeno nacional.

12 Apesar de pesquisar até os anos 1940, Antonio LOPES (1967) pode ser situado na velha guarda do folclore devido à temática de sua obra, que se encaixa nas agendasde folcloristas que lhe antecedem, como MAGALHÃES (1973). Quando Lopes preparava Presença de Romanceiro, obra concluída em 1948, nacionalmente mudava adireção dos estudos do folclore, que passava da valorização da poesia para o destaque dos folguedos, pois se entendia que nestes últimos (dança e canto) poderiam serencontradas as contribuições de pretos e índios, ao passo que na primeira (poesia) sobressair-se-ia a contribuição portuguesa (VILHENA, 1997).

13 No Maranhão, reatualiza-se, através de festas, comemorações, inauguração de jornais, nomeação de praças e clubes festivos, o estado como Atenas Brasileira e São Luíscomo única capital brasileira fundada por franceses. O maranhense aqui representado reivindica duas descendências diretas. A primeira é encontrada no mundoeuropeu antigo, os atenienses. A segunda é localizada no mundo europeu contemporâneo, os franceses do século XIX. Aqui, maranhensidade pode ser interpretada comoum construto cujos caracteres são transculturais no tempo e no espaço. Sua substância é essencialmente européia. Porém, não se trata de qualquer Europa, mas arepresentação desta vista através da Grécia antiga, em seu momento glorioso, o século de Péricles, e da França contemporânea em seu século máximo, o século XIX. Sobrea reatualização do mito da Atenas Brasileira e a rememoração de São Luís como única capital brasileira fundada por franceses, no Maranhão de meados do século XX,ver BARROS (2005; 2006).

14 Policial Militar atualmente na Reserva, nascido em 1931, residente em São Luís.15 Há registros que apontam grupos de tambor de mina pedindo licença para fazer suas festas já no fim do século XIX (FERRETTI M., 2001, p. 19). No período em foco, uma

vez que os tambores de mina já haviam sido alçados à categoria de “baile”, pais e mães-de-santo, em tese, poderiam tirar licença para realizar suas festas. As licençasfornecidas pelas delegacias municipais entendiam que era possível separar nessas festas o divertimento (baile, tambor) da religiosidade e dos rituais (cura, transe).Diferentemente da classificação policial, para membros da imprensa escrita, o tambor de mina, a pajelança, a macumba, o canjerê, e mesmo a feitiçaria seriam todos amesma prática social. Os termos pajé, pai-de-santo, feiticeiro, macumbeiro, e até bruxo, aparecem como sinônimos em jornais de circulação diária ou semanal. Se osdiscursos da imprensa levam a sugerir que, nas práticas sociais, pajelanças e tambores de mina viviam em constante interação, o discurso policial leva a pensar queessas práticas tinham certas distinções entre si, não formando um todo confuso, um caos absoluto. Ambas proposições, relativizadas, guardam suas validades.

Boletim 37 / junho 20071010

CONTINUAÇÃO

“muito rígido”. De outro lado, relembram PauloRamos, a quem estava submetido político-insti-tucionalmente aquele Chefe de Polícia, comohomem ligado à família, que se tornara inter-ventor sem se envolver com a politicagem.16

Em grande medida, Flávio Bezerra está parao tambor de mina, no Maranhão, como Pedrito(delegado Pedro Azevedo Gordilho) está para ocandomblé, na Bahia.17 Como este, ele não foinem o primeiro nem o último delegado a perse-guir os tambores. Se, quando se fala de Pedrito,“o real e o lendário confundem-se” (LÜHNING,1996, p. 195), o mesmo se pode dizer em relaçãoa Flávio Bezerra.18

É notável o fato de que a memória histórica(oral e escrita) tenha construído um membro daadministração de Paulo Ramos como uma figu-ra perversa, dentre outros motivos, por que se-ria um dos maiores perseguidores de terreiros.19

Indicativo é notar ainda que tal construção éfeita exatamente sobre um momento em queelementos dessas manifestações começam asignificar o Maranhão e o maranhense. Não setrata de analisar tão somente se Flávio Bezerracorresponde ou não à figura que é positivada,mas entender ao menos um porquê da constru-ção dele sob esse prisma, haja vista que, depoisdele, as campanhas de perseguições não para-ram, e algumas serão mesmo classificadas comointensas. É preciso pensar para além dos adjeti-vos individuais que eram dados ao chefe depolícia.

Sob certo aspecto, Flávio Bezerra estava aserviço da linguagem que produzia o Maranhãocomo uma excepcionalidade a partir de suasvelhas linhas de civilidade personificadas naAtenas e na São Luís primeiro portuguesa, enaquele momento francesa. Possivelmente talimagem sobre o bacharel pôde ser ainda maisexacerbada exatamente no contexto histórico emque ele atuava. Nesse período, tornam-se cadavez mais constantes denúncias de envolvimen-to de pessoas de diferentes profissões e estratossociais com os tambores de mina e a pajelança, écrescente a realização pública de festas e rituais,e, além disso, alguns intelectuais e poetas, con-gregados por uma iniciativa política oficial, a dePaulo Ramos, inserem no texto de identidademaranhense elementos da cultura e da religiosi-dade popular e negra. É exatamente nesse con-texto que um chefe de polícia, promotor de umacampanha contra os terreiros, será lido como re-trógrado, perverso, etc.

Ora, o saber sobre o popular é também umaação de poder e de controle sobre o popular.Desse modo, em grande medida, o que estãomudando são as formas de controle. Os velhosmodos de controlar começam a entrar em desu-so. Pouco a pouco não será mais necessário

quebrar os tambores. As velhas formas de con-trole começam a mostrar sinais de enfraqueci-mento diante de um outro poder normalizador,o dos intelectuais. Porém, ainda se está no Esta-do Novo, e antes de entrarem em desuso, osvelhos modos de perseguição terão pelo menosuma década e meia de intensa atuação.

Em 1941, O Globo noticiava que a políciadera “uma batida na Macumba do Cutim Gran-de”, interior da Ilha. A descrição do fato iniciou-se com um louvor à atuação do chefe de polícia:“é, incontestavelmente, digna de aplausos, aatitude do dr. Flávio Bezerra à frente da nossaPolícia Civil”, homem severo e promotor da lim-peza social. “Medidas acertadas, são, diariamen-te, tomadas por aquela autoridade, que nãomede sacrifícios no sentido de bem zelar pelasociedade maranhense”. (OG, 30/7/1941, p. 6)

Chefiada e organizada pessoalmente porBezerra, uma diligência composta por um te-nente e oito investigadores dirigiu-se para Cra-teús, lugarejo de Cutim Grande. Ali, existia umterreiro organizado, conhecido em diversas es-feras sociais. A chefa da casa, pejorativamentedenominada por membros da imprensa de “ma-cumbeira”, Altina de Sousa, esposada com Agos-tinho de Sousa, era famosa na Ilha, seus prodí-gios já haviam se espalhado. (OG, 30/7/1941,p. 6) Mulher poderosa despertara a ira de parteda imprensa. O fechamento desse terreiro se-guramente serviria como um troféu para o che-fe de polícia.

Na noite do dia 29 de julho de 1941 realiza-va-se em sua casa um tambor. Rituais, danças,corpos e espíritos compunham o cenário festivoe religioso. Por volta da meia-noite, a festa forainterrompida quando o chefe de polícia e suadiligência cercaram a casa em que se realiza-vam “os trabalhos de cura” e o “brinquedo”. Cer-ca de vinte pessoas que ali estavam quandochegara a polícia foram detidas, inclusive umpolicial, “que, entusiasmado, assistia os ‘prodí-gios’” realizados pela mãe-de-santo durante o“culto”. (OG, 30/7/1941, p. 6).

Certamente, a mãe-de-santo mantinha con-tatos com o comissário José Gomes Filho. Era aserviço dele que estava o policial encontradona festa pela diligência policial. Daí a crítica doarticulista àquele comissário que “permitia e atémesmo amparava [...] a prática perniciosa” (OG,30/7/1941, p. 6), o que evidencia a existênciade dissensos dentro da polícia no que concerneà perseguição das casas e terreiros de tamborde mina. Nem todos acompanhavam as linhasde Bezerra. O policial encontrado no terreiro foiconsiderado culpado e transferido de posto detrabalho pelo chefe de polícia.

A situação teria se agravado porque partici-pariam da festa menores de 11 a 17 anos de

idade. Além de prender os responsáveis pelotambor, que a imprensa nomeava sucintamen-te de “prática nociva”, Bezerra apreendeu al-guns materiais utilizados durante o ritual, quaissejam:

1 faixa vermelha, com lêtras brancas, conten-do os dizeres: “Salve o Barão de Coré”; 1 faixabranca, com lêtras encarnadas, ostentando afrase: “Salve o Rei São Sebastião”; 1 faixa vêr-de com letras amarélas, com a inscrição: “Sal-ve o Príncipe Oliveira”; 1 manto de setim bran-co, 2 taquaris, 1 chicóte, 1 pandeiro, 3 vio-lões, 1 cavaquinho, 2 maços de velas, 3 garra-fas de cerveja, 4 de cachaça, 1 de vinho degenipapo, 1 maracá, 2 livros de préces, 2 cúi-as, 11 charutos, 1 almofada e tabaco moído.(OG, 30/7/1941, p. 6)

Além da participação de policiais, é precisoque se considere ainda a relação entre políticose a “gente que tem ligação com o pessoal dofundo” (DN, 28/10/ 1937, p. 3), como amiúdeeram denominadas as pessoas envolvidas comos tambores e as pajelanças. As relações entrepolíticos e alguns terreiros certamente eram umaconstante, e se intensificarão no período pós-Estado Novo. Mundicarmo Ferretti (1999, p. 45)sugere que a construção de Codó, cidade dointerior do Estado, como “terra de macumba” eda “feitiçaria” (entendidas como “trabalho domal”) parece ter surgido nos anos 1950, períodoem que a mãe-de-santo Maria Piauí, que che-gou ali em 1936, “passou a ser muito procuradapor políticos”, e teve a sua fama extrapoladapara além das fronteiras do Maranhão.

Durante os anos da atuação de Flávio Be-zerra, as Casas das Minas e de Nagô, localiza-das no centro da cidade de São Luis, forampoupadas. Segundo informa Maria Celeste, Flá-vio Bezerra “era muito rígido, muito áspero, en-tão não adotava no meio da cidade os terreirosde Mina [...] e para que terminasse, pudessesair, ele então proibiu os toques de tamboresnessas casas, que eram no meio da cidade, paraque fossem para o sítio, pra ficar mais distanteda cidade”.

A Casa das Minas foi uma atingida nessa par-te. Ficaram uma temporada sem tocar os tam-bores e tinha toda festa interna, mas não to-cando tambor. Como mãe Andressa foi defamília de escravos, que pertenceram a fazen-da da família de Paulo Ramos – não sei por-que, se era por isso, os nomes das pessoas nes-sa época, pertenciam aos senhores – é que elatinha o sobrenome da família de Paulo Ra-mos, Andressa Maria de Souza Ramos.Ela (Mãe Andressa), conversou com ele, pe-diu uma entrevista, queria falar com ele sobre

16 Este é o caso de dona Maria Celeste Santos, ex-operária, tecelã, zeladora da Casa das Minas. Ver seu depoimento em MARANHÃO (1997), especialmente páginas de 93a 96.

17 No Maranhão, a fama de Flávio Bezerra como perseguidor de terreiros alicerça-se, sobretudo, em São Luís. Outros chefes de polícia também adquiriram fama nesseperíodo. Nessa perspectiva, o caso de Cururupu é exemplar e mereceria um estudo à parte. Naquela cidade a memória oral relembra de “Dô Carvalho” como aquele queprendia os pais-de-santo e os amarrava atrás de sua viatura, arrastando-os pela cidade. A praça central da cidade recebeu o nome Dô Carvalho pelos feitos do memorável.Entretanto, a história não termina aí. Atualmente, a praça Dô Carvalho é igualmente a “Praça do Folclore”, onde freqüentemente são realizados encontros de tambores demina, crioula, e outras danças e rituais populares. Estudos comparativos precisam ser feitos sobre esses personagens e suas relações míticas e históricas com osterreiros, tendo em vista que, ao que tudo indica, para um chefe de polícia ser respeitado e temido entre os anos 1920 e 1940 era fundamental perseguir pais-de-santo.

18 Na Bahia, a atuação de Pedrito se dá entre 1920 e 1940. Naquele Estado, como no Maranhão, a partir de 1936/37, novos olhares começam a descrever as manifestaçõesde religiosidade, conhecimento e cultura afro-brasileiras. Como salienta LÜHNING (1996, p. 206), embora continuassem “aparecendo diversos artigos contra ocandomblé, encontramos notícias favoráveis a ele, ou à cultura afro-baiana, iniciando um lento processo de reconhecimento”.

19 A primeira edição da Revista Athenas traz em suas páginas o conjunto da administração superior do Governo do Maranhão. Seguidas da foto maior de Paulo Ramos, fotosde igual tamanho compartilham outras páginas, entre elas a do Chefe de Polícia Flávio Bezerra. (RA, 1939).

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CONTINUAÇÃO

a Casa das Minas. Foi como deliberou paratocar o Tambor e nem tão pouco mudar domeio da cidade [...] nessa época todos os terrei-ros que eram mais próximos, que não tiveramuma boa comunicação com o Governador, nãoficaram. Porque ela (Mãe Andressa) falou pelaCasa das Minas, e também influenciou logo aCasa de Nagô, porque era uma Casa ligadacom a outra, então ficaram estas colocadas nacidade. (MARANHÃO, 1997, p. 93-96).

O não alcance da proibição às Casas dasMinas e de Nagô durante o Estado Novo resul-tou de uma negociação em que se podem notarmúltiplas dinâmicas sociais, envolvendo diver-sos atores sociais. De um lado, este é o momen-to em que o Maranhão e o maranhense come-çam a ser percebidos a partir de motivos dareligião e da cultura popular. Agentes intelectu-ais e políticos iniciam um processo de apropria-ção de elementos do popular para compor otexto da identidade regional. A Casa de Nagô ea Casa das Minas, em particular, serão uma desuas linhas. Em segundo lugar, existia um trân-sito contínuo de idéias, imagens e valores entrediversos membros da sociedade de então. Eramconstantes as relações entre políticos e terrei-ros. Tanto políticos em nível local, municipal,quanto aqueles em nível estadual, como PauloRamos, influenciavam a permanência dos ter-reiros. No caso em específico, pode-se supormesmo o laço familiar que unia o líder políticoestadual à mãe-de-santo. De outro lado, deve-se considerar as estratégias e resistências dospopulares diante das perseguições, proibiçõese preconceitos. No caso em específico, foramfundamentais os trânsitos interpessoais, o po-der de barganha e a capacidade de mobiliza-ção de Mãe Andressa, chefa da Casa das Mi-nas. Ela reagiu e conseguiu a permanência dasua casa, bem como da Casa de Nagô, no cen-tro da cidade. Lembre-se que a filha de Polibogifoi provavelmente uma das principais respon-sáveis pela abertura da Casa das Minas aospesquisadores. Mãe Andressa era personagemconhecida e respeitada na cidade. Seguramen-te, sua história é uma página importante nasculturas do Atlântico Negro e nos processosatravés dos quais indivíduos e grupos subalter-nos enfrentaram obstáculos para viver segundoseus conhecimentos, convicções e tradições.20

De fato, manifestações de cultura popular enegra não são algo dado, pronto, mas sim espa-ços de luta, de transformação, em que movimen-tos de apropriação, dominação, resistência e cir-cularidade cultural se fazem presentes. E, nocaso do Maranhão, dentre outras implicações,esses múltiplos processos incidirão diretamentesobre a definição da identidade regional.

Este é um período em que a ação da polícia,com o intuito de coibir a pajelança, ocorria dia enoite, pois a clientela que procurava os pajésera significativa, tanto numericamente quantono que concerne à heterogeneidade das posi-ções sociais de seus indivíduos. Eram muitos osque buscavam a cura através da “gente do fun-do”. E, pelo que se pode observar, o numerário

policial era ínfimo para coibir as festas e rituaisque se espalhavam por diferentes lugares doestado. Além disso, os policiais não formavamum grupo homogêneo, eles não compartilhavamdas mesmas idéias e práticas no que concerneao tratamento que deveria ser dado a essas di-nâmicas culturais e tradições religiosas.

Alguns dias depois daquela batida no Cu-tim Grande, a serviço de Flávio Bezerra, visan-do combater “essa praga social”, “o investigadorLemos, acompanhado por dois outros policiais,meteu-se pelos caminhos do Sacavém procu-rando os curandeiros”. Enquanto os policiaisembrenhavam-se pelas ruas e caminhos subur-banos, João Pereira da Silva conduzia um ritualde cura no lugar chamado Floresta. Diversospopulares, alguns doentes, o assistiam e acom-panhavam (OG, 12/8/1941).

Percebendo a chegada da polícia, o senhorJoão Silva, vestido “em trajes de rei”, tentara es-capar, entretanto, não obteve êxito. Para alguns,em alguns momentos, João Silva era, de fato,um rei taumaturgo, uma majestade que, dentreoutras coisas, tinha o poder de curar. Para ou-tros, sua prática era tão somente “um abusivo‘metier’” na capital brasileira francesa. Ele, vis-to como “sensivelmente embriagado”, e seus ins-trumentos de culto, uma garrafa de cachaça,dois maços de velas e um maracá, foram apre-endidos e levados para a central da polícia (OG,12/8/1941).

Em 1939, “no silêncio da noite, dentro damatta escura, Demetrio Santos foi surprehen-dido pela polícia quando ‘curava’ um doente”.Demetrio vestia “uma blusa de gorgurão verde,casquêtte da mesma fazenda, um cordão bran-co e encarnado sobre os ombros” e tinha “ummaracá nas mãos, cujos ‘balangandans’” foramapreendidos pela polícia. Segundo afirma o ar-ticulista, ele estava acompanhado por “três acó-litos”. A polícia o teria flagrado “quando estava‘benzendo’ o ‘cliente’ batendo-lhe com o mara-cá na cabeça’”. Quando chegou a diligênciapolicial “houve correrias e atropelos” (OG, 30/4/1939, p. 1).

“Cerca de cem pessoas assistiam à ‘sessão’”.Entre elas, “‘gente boa’, algumas de responsa-bilidade”. Na capital que se diz fundada peloSenhor de La Ravardière, os repórteres foraminformados de que essas pessoas “são ‘habi-tuées’ dessas reuniões” com “Paes de Santos”,“apezar dellas se realizarem dentro do matto, aquinhentos metros de distancia da estrada”.Todos em busca de cura, e para diversos males.Um dos habituées teria dito que “os médicosnão valem nada! Não ‘deram volta’ com minhadoença! E agora, com ‘mestre’ Demetrio é quejá estou quase bom...” (OG, 30/4/1939, p. 1)

“Verdadeira multidão de pessôas de desta-que, em nosso meio” foi à chefatura de políciapedir pela soltura de mestre Demétrio. “Todasaffirmam estar em divida para com o macum-beiro, que já as curou desta ou daquella doença[...] Os pedidos chovem”. “O chefe de Policia,está deveras escandalizado” – afirmava o repór-ter (OG, 30/4/1939, p. 1).

O fato é que os padrões do imaginário e asformas de sensibilidade sociais eram profunda-mente marcados pela idéia de poder dos pajése pais-de-santo, poder este que teria relação di-reta com África ou com os povos indígenas na-tivos. Certamente, isso tem relação, de um lado,com a atuação dos populares e, de outro, com aparticipação da imprensa que, para além dapromoção do preconceito, acabou contribuin-do para a divulgação, entre os letrados, de ele-mentos da mentalidade e das práticas presen-tes nos terreiros de mina e casas de pajelança.Aqui, a categoria “carnaval”, como pensada porBakhtin (1987), pode ajudar a entender essesprocessos de circularidade cultural. O carna-val, enquanto categoria analítica, funcionacomo uma metáfora da transformação culturale simbólica, que vai para além da simples inver-são, questionando precisamente a pureza daoposição binária alto-baixo, transgredindo-a.Nele, ofusca-se a imposição da ordem hierár-quica, o baixo invade o alto. Desse modo, aqui-lo que é socialmente periférico pode ser simbo-licamente central. Embora sejam festas, cele-brações e convicções socialmente posicionadasna periferia, manifestações de cultura e religio-sidade popular e negra, através de uma lingua-gem que perpassa e se comunica com os diver-sos estratos sociais, não raro definem valores,normas e comportamentos daquela sociedade,tornando-se elemento simbolicamente centralnaquela engrenagem sócio-histórica.

Se, de um lado, diversos indivíduos letradosdenunciam o fanatismo e a superstição dos po-pulares, de outro, as perseguições policiais oscombatem, embora seus resultados sejam mui-to aquém dos seus objetivos. O Estado Novo éum tempo de prisões de pajés e pais-de-santo.Em 1937, foram presos dois homens “da genteque tem ligação com o pessoal do fundo [...]quando praticavam a macumba por meio decobras embalsamadas e santas amarradas” (DN,28/10/1937, p. 3) e um outro que “a segundadelegacia auxiliar mandou recolher ao xadrez”(DN, 29/10/1937, p. 4). Nesse mesmo ano, tam-bém foi presa “uma mulher que se dizia actua-da de espírito que, em vida, dava gorjeios quesó rouxinol”. A caminho da prisão, a mulher imi-tava ainda “o bentivi, o xexéu e a rolinha ‘fogo-apagou’” (DN, 30/11/1937, p. 4).

Em 1940, uma senhora que fazia cura emcasa de uma outra também foi presa. Na cura,eram usadas “vellas accesas, fitas e penas en-feitando o ambiente” (DN, 30/4/1940, p. 5).Nesse mesmo ano, um homem, quando estavana “mesa de cura”, foi surpreendido por solda-dos da força policial, sendo levado ao xadrez(DN, 4/5/1940, p. 5) e outros quatro foram pre-sos no bairro do Vinhais praticando pajelança(OG, 30/7/1940, p. 3). Prisões que continua-ram, como ocorreu em 1943, quando a políciacivil, “numa feliz diligência, efetuou a prisão doindivíduo João da Cruz, residente no sitio Ga-para, que tem por costume efetuar ‘mesa decura’, naquele sitio, conforme ficou apurado porautoridade competente” (DN, 23/5/1943, p. 5).

20 Processo similar também ocorreu com terreiros de candomblé na Bahia, onde nem o Gantois, nem o Engenho Velho (a Casa Branca) ou o São Gonçalo (o Afonjá) foramincomodados por Pedrito ou outro delegado a partir dos anos 1920. São outros os terreiros que aparecem nas páginas da imprensa baiana sendo perseguidos pela polícia.“O prestígio do qual gozavam – e gozam até hoje – era grande demais, devido ao carisma das mães-de-santo, para que alguém se atravesse a não respeitá-los” (LÜHNING,1996, p. 203).

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CONTINUAÇÃO

Em 1942, a Revista Athenas dava um “cli-chê”, com “vários aspectos de objectos apreen-didos em uma sala de pagelança, pela polícialocal. Vêem-se, ahi, toalhas bordadas com sig-nos de Salomão, flôres sagradas de tajás, arcose flechas, maracás, e garrafas de vegetais e ca-chaça” (RA, 6/1942, p. 34).

De fato, este é também período em que, noMaranhão, é crescente a influência do moder-nismo.21 Nesse contexto, a pajelança serve dereferencial estético para a produção poéticaapresentada na terra de Gonçalves Dias. Em1941, a poesia “pagelança”, de Moreaux (1941,p. 4), publicada em Diário do Norte, poetizavao “pucuntum” dos tambores e o “xiquiti” dosmaracás, do “pagé Pai de Santo”, capazes devencer “quebrante no corpo”.

Mesmo quando a polícia resolvia suspen-der, ainda que “provisoriamente os tambores demina ou de crioulas”, como ocorrera em 1938(DN, 13/5/1938, p. 4), as medidas não surtiamtanto efeito. Nesse ano, Diário do Norte, prova-velmente na pessoa de seu diretor, em convite,anunciava que “D. Andressa Maria de SouzaRamos” estava realizando, entre maio (mês cor-rente) e junho, em sua casa, os festejos do DivinoEspírito Santo (DN, 1/6/1938). E, também, que“no vasto terreiro da Noemia, no Cutim Grande,vem se comemorando com bailes, tambores efestejos ao ar livre o veneradissimo S. Benedicto”(DN, 10/8/1938, p. 2).22 Esta última, ao que tudoindica, foi uma festa de sucesso.

A festa de S. Benedicto, no Cutim, vemobtendo desusado successo.Todas as noites tem havido bailes e festasao ar livre.Amanhan, além do tradiccional tambordas pretas [tambor de crioula], como é ge-ralmente conhecido, haverá o tambor demina.Domingo durante o dia, Noemia, dona doterreiro fará farta distribuição de comidasa todos os que participarem da festa. (DN,13/8/1938, p. 3).

O fato é que já em 1940 uma foto da “dançasagrada das minas” foi publicada na RevistaAthenas, periódico das incontestáveis “tradiçõesmaranhenses”. A legenda sob a foto informava:

Ha em S. Luiz, ainda religiosamente man-tido pelos devotos de Xangó, o culto tra-dicional das minas. A nossa objectiva apa-nhou esses dois aspectos da solemnidadedas minas, vendo-se ahi, no alto, os ataba-ques sagrados, os adoradores do deus oc-culto; e, em baixo, um instantaneo dasdansas caracteristicas das minas, na suaperfeita cadencia com os rythmos do cul-to afro, em plena funcção, no tradicional“terreiro”. (RA, 12/7/1940).

Excetuando-se a legenda, a foto não é acom-panhada de nenhum texto escrito a comen-tando com mais pormenores. A foto está só, oque pode sugerir um certo desconhecimentodaquela prática pelos autores da revista.23 En-tretanto, não se pode esquecer que, muitosgrupos sociais e suas práticas, sobretudo quan-do racializados, são colocados em cena atra-vés da apresentação de imagens, pois, muitasvezes, é menos difícil mostrar que falar sobreeles (BOËTSCH; SAVARESE, 1999, p. 124).O fato é que seja por imagens, seja por textos,sobretudo a partir do Estado Novo, elementos

da cultura e da religiosidade popular e negracomeçam a ser impressos, de modo cada vezmais constante e intenso, na identidade regio-nal. Como se sabe, definir a região significapensá-la como “um grupo de enunciados e ima-gens que se repetem, com certa regularidade,em diferentes discursos, em diferentes estilos”(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1994, p. 6). E,no caso do Maranhão, isso se dá concomitan-temente ao início de um lento e descontínuo,porém crescente, processo de reconhecimen-to social daquelas manifestações de cultura econhecimento.

21 O modernismo foi um projeto comprometido com a tradição, que buscava nas classes populares os motivos da cultura nacional. Os intelectuais modernistas ocupavam-se com questões em que se imbricavam modernidade, brasilidade, tradição e origens populares (MORAES, 1988).

22 Esse é o primeiro convite e anúncio público de festas de tambor de mina de que tenho notícia. Processo similar acontecia na Bahia. “No [...] ano de 1937, encontramospela primeira vez convites para festas de candomblé, fato inédito até então, provavelmente de autoria de Edison Carneiro, ou escritos a pedido dele” (LÜHNING, 1996,p. 206).

23 Contudo, isso não é uma regra. Na mesma revista, a discussão sobre cultura popular está presente também em longos textos que tratam, por exemplo, da lenda de DomSebastião (RA, 1942) e do bumba-meu-boi (PINTO, 1941).

REFERÊNCIAS

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“Se macumbeiro fosse muçulma-no e tivesse que ir à Meca, ele iria praCodó?” Gracejo feito por um estu-dante de Ciências Sociais ao ouvir co-mentários do livro Codó: capital damagia negra?, de Mundicarmo Ferret-ti (2003), no qual a autora tambémfala da cidade que é chamada de Mecada magia negra. Gracejos à parte, ve-nho aqui aproveitar o espaço parafalar, não da cidade em si, como umbom codoense fico devendo essa, masde um ilustre encantado dela, melhordizendo: o Rei do Codó, como é co-nhecido o Seu Légua Bogi Buá daTrindade.

Com a fama que a cidade ganhougraças a antigos mestres, pajés e pais-de-santo, dentre eles o Bita do Barão,não é difícil se ouvir em qualquer ci-dade do estado a alcunha dada a Codó,a “terra da Macumba”. O que, entre-tanto, mais me chama a atenção é afamília mais ilustre da cidade, a de SeuLégua Bogi, ou simplesmente SeuLégua. Desde criança ouvia falar dele,principalmente aos cochichos. Fala-vam que ele bebia demais, e era termi-nantemente proibido falar o nomedele às 18h. Quando criança, eu per-guntava sobre quem ele era e simples-mente respondiam: “é o tronco velhodos encantados de Codó”. “Como eleapareceu?” “Pingaram um pingo decachaça num cupim, daí saiu Seu Lé-gua, e do jeito que cupim tem muitofilho, assim é Seu Légua, tem filhodemais”. Com respostas simples comoessas eu saciava um pouco a curiosi-dade até que anos mais tardes dei decara com o “Tronco Velho”, num sa-lão de umbanda bem humilde, lá mes-mo em Codó, daí comecei a encon-trar Seu Légua em outros terreiros dacidade, sempre brincalhão e solícitoem ajudar as pessoas.

Já na capital, em São Luís, fiqueisabendo que ele era tocador de Bum-ba-Meu-Boi, gostava de brincar Boi ebeber a noite toda até a brincadeiraacabar. No Mercado Central da cida-de fiquei sabendo de um comercianteque Seu Légua era engraxate, e quese perdeu na bebida. Era homem

LÉGUA BOGI BUÁ DA TRINDADE, O REI DO CODÓPaulo Jeferson Pilar Araújo24

24 Mestrado em Lingüística - USP; membro do GP-Mina da UFMA

bom, só tinha de mal a cachaçada. Deum jovem de vinte anos, filho-de-san-to, Seu Légua foi um príncipe que nãopode casar com sua amada e por issobebe até hoje.

Assim é Seu Légua Bogi Buá, che-fe do Terecô, multifacetado. Para mui-tos pais-de-santo da cidade de Codóele já está muito velho e por isso nãodesce mais (nos filhos-de-santo), maspelo jeito Seu Légua ainda tem fôlegopra dar e vender, prova disso é que nãoé difícil você ir a Codó e não encontrarcom ele em algum terreiro, e como ditoantes, terecozeiro que se preze temsempre algum Légua que o acompa-nha, dentre as centenas de filhos e afi-lhados de Seu Bogi Buá temos: Aleixode Légua, Codoense Bogi Buá, Cristi-na Légua, Joãozinho Buá da Trindade,Lauro Bogi Buá, Leguinha, Maria deLégua, Mariinha Légua, Oscar de Lé-gua, Pedro Légua, Raimundo Légua eetc. etc. etc.... só pra ficar com algunscitados por Mundicarmo Ferretti(2000) em Desceu na Guma.

Alcunhado também de PríncipeGuerreiro, o que fortalece a históriado jovem filho-de-santo, Seu Léguadescia no terreiro do falecido SeuFrancisco Sousa, umbandista deCodó, cantando:

Por cima do morro eu venhoPor cima do morro euá. (bis)Por cima do morro eu sou Bogi,Ê, por cima do morro eu sou Buá. (bis)

Logo depois saudando os presen-tes. Sempre que era mencionado empreces pelo médium, saía logo em se-guida o título: “o Rei do Codó”.

Seu Légua, além do respeito dos te-recozeiros, é também bastante temi-do. Todo mundo sabe da banda bran-ca e da banda preta de Seu Légua, al-guns pais-de-santo de São Luís che-gam a compará-lo com Exu, outros oconsideram um preto-velho, ou mes-mo os dois. Mas todo mundo sabe queSeu Légua é assim, pra quem mereceo bem, ele faz o bem, mas quem me-rece o mal ele dá o mal, e bem dado...

Só para demonstrar, há um caso queaconteceu comigo, o difícil é alguém queconhece Seu Légua não ter nenhumcaso pra contar relacionado a ele.

Um ano mais ou menos antes devir pra São Luís, o falecido Seu Fran-cisco me deu um relógio de pulso porsugestão de Seu Légua, como provade que sempre estaria comigo praonde quer que eu fosse. Recebi-o e useipor dois anos mais ou menos até queum dia acordei e apareceu uma man-cha no visor do relógio, talvez oxida-ção. Para não parecer que andava comrelógio quebrado eu o coloquei nobolso da calça para só olhar as horasquando necessário. Nesse mesmo diaeu e um amigo estávamos visitandoumas missionárias canadenses no Se-minário Cristão do Norte e Nordestepróximo à Forquilha, quando fomosa uma parada de ônibus. Era por vol-ta das 23h30min quando fomos abor-dados por dois jovens munidos de di-versas facas na cintura e duas nasmãos. Levaram todo o nosso dinheiroe celular, revistaram todos os bolsos eforam embora com as nossas cartei-ras. Coisa de segundos. Enquantomeu amigo ligava para a Polícia pus amão no bolso e percebi que os ladrõeshaviam levado tudo menos o relógioque Seu Légua havia me dado. Nomomento achei muito estranho, atéque lembrei da promessa de Seu Lé-gua. Só depois me perguntei que, seSeu Légua estava comigo, não deveriater deixado o assalto acontecer, masconhecendo Seu Légua, como conhe-ço, era justamente dessa forma que elemostraria que estava comigo, deixan-do os ladrões levarem tudo menos oseu presente que ele me dera.

Depois do falecimento de Seu Fran-cisco tenho guardado o relógio comouma lembrança, mas não duvido maisda palavra do Rei do Codó.

REFERÊNCIAS

FERRETTI, Mundicarmo. Des-ceu na guma: o caboclo do Tamborde Mina em um terreiro de SãoLuís. São Luís: EDUFMA, 2003.

Boletim 37 / junho 20071414

JANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPO

Crônica Interna (Bumba) - Semanário Maranhense25

João Domingos Pereira do Sacramento

Nesta última quinzena, que écontada de 12 de junho até o

dia 1º do corrente mez o chronista to-mou nota de mais uma sabia resoluçãoda autoridade policial e do renascimen-to de uma antiga usança que já pareciaprescrita pelos nossos costumes, para ofim de louvar ambas as coisas. Hurrahpelo acto da policia e viva o – Bumba!Se o não tivéssemos como passariam in-solsas, mornas e silenciosas as festivas eestrepitosas noites dos três sanctos fogue-teiros do mez de junho!

Nos tristes dias que atualmente vãocorrendo, perdida toda a lembrança doraivoso busca pé, e como que extincta agloriosa geração do rapazio, denodado ecruel, que se derramava por essas ruas asoltar fogo de limagem clara e de roncoassustador; afferrolhada a criançada,que era tão alegue na chuva incandes-cepte das rodinhas e no giro caprichosodas bichinhas corribeiras; banidas as pis-tolas de balas tão azues e lindas comonos havíamos de divertir, sem a clássicaberraria do – bumba?

Como já estou ouvindo algum faná-tico da civilização moderna dizer-me: eas sortes, e os livros do destino, a o na-moro folgado entre u ma bala de estaloe uma quadra prophética, e a tranqüili-dade do salão sem risco, nem desastrealgum, e o bolo de São João comido en-tre sorrisos e gracejos, e a canjica demilho verde? Tudo isto não compensa desobra o banimento dos bárbaros brinque-dos de outrora?

Tem o chronista o mau gosto de di-zer que não. Tudo isso pode-se fazer emqualquer dia, até mesmo o namoro fol-gado, mas o bumba, o buscapé, a loucu-ra, só podem ter lugar nos dias memorá-veis do milagroso Antônio, do decapita-do João e do barbado chaveiro Pedro.Ora, vão lá brincar o entrudo na sema-na sancta, ou comer amêndoas e confei-tes em domingo gordo!

Jura a fé do chronista, que acerca decostumes populares sou antiquário. Ha-verá prazer que iguale ao salto de umafogueira com a menina, que nos enfeiti-ça e que ao saltar nos beija dizendo

25 Typ. de R. de Mattos, Imp. por M. F. Pires, rua da Paz, 7. Edição fac-similar, Sioge, S.Luís, 1979. Nessa edição do Boletim da CMF foi também respeitada a ortografiaoriginal.

crédula que ficará sendo d´ahi em dian-te nossa comadre? Haverá sinceridadeque emitte a que nos dá a esperança dever na clara do ovo, que adormeceu aorelento dentro de um copo d‘agua, dese-nhada a imagem dos nossos destinos, nasformas bellíssimas, que a imaginação in-terpreta e crea? Haverá festa mais inti-mamente agradável do que o legendáriobanho da madrugada de São João, ba-nho de parmecada (sic.) e alegria, que é,ao menos na crença popular, uma espé-cie de baptismo sem sal, sem azeite, quese recebe secularmente por amor da be-néfica e salutar influência do Baptista?

O chronista entende que não é porisso pede licença aos espíritos civilisa-dos, que tão grande medo teem do re-nascimento dos nossos velhos costumes,para gritar – hurrah, pelo Sr. Dr. Mora-to e viva o – bumba!

Verdade é que o chronista ficou esteano meio desappontado com o atraso queobservou na folgança do boi, e não pódeattribuir senão à falta de uso, por isso quehá sete longos annos tinha o folguedo de-sapparecido. Se o chronista não commet-te algum engano de memória, a últimavez que o vimos foi em 1861 na gloriosachefatura de polícia do Dr. Manoel Ma-ria. Oh Manuel dos meus peccados, quesaudades que eu tenho de ti!

Se essa razão do atrazo não é convin-cente, presumo que se pode inventar ado progresso, que tem feito a imagina-ção popular, e verdadeiro progresso àmoderna, vai isto dicto sem intenção quecaminha para o peior.

Effectivamente as legendárias figurasdo – bumba d´este anno, não deram es-pecimens d´aquelle antigo sainete do boidos tempos em que eu e vós leitores mo-ços éramos ainda crianças. Só na extra-vagância do vestuário eram exactas e pa-recidas às de outr´ora; as mesmas casacasvelhas com enfeites de pedaços de papelcom excepção porém do caboclo guer-reiro, que com certeza não tinha o brilhonas pennas, o garboso cocar, o leve e li-geiro do enduape do caboclo antigo, queera em tudo semelhante aos heróis indí-genas do nosso poeta Gonçalves Dias.

Introduziram na folgança deste anoum repinicado de matracas com acom-panhamento de uns gritos estólidos edissonantes, que me arripiavam as car-nes ao ouvil-os, sem a mínima lembran-ça de que outr´ora uzassem de taes cou-sas as figuras do boi. No canto notei sen-sível diffença e sempre para o peior enão encontrei a graça antiga na tagare-llice desconchavada do doutor pisa ma-cio, nem os requebos da mãe Cathari-na, nem no aparvalhado ridículo do cé-lebre pai Franciso, barriga de mala ve-lha. O caboclo guerreiro, que outr´oravinha lá do Lengal, entoava com ligeirae cadenciada voz o estribilho incom-prehensível do – chô, chô, chô, gerima-no, pareceo-me chegado de algum quar-tinho de alfaiate ali do Ribeirão ou dobairro do Mercado mas desejoso de darviva ao marques de Caxias e morras aoLopes do Paraguay do que de entoargalhardamente o - chô, chô, chô, geri-mano. Na berraria sim, eram todos gran-des e fortes abusando ob e sub-repticia-mente da licença da autoridade polici-al. A multidão, que acompanhava o –bumba, vozeava de seu lado muito abo-riginalmente; parecia possante estrondo-sa erguida no fervor do (...) no largo ter-reiro das tabas (...) dos primitivos ínco-las desta terra. Mas que importa que aberraria fosse horrível, que os cidadãosnão vissem em suas casas o asylo invio-lável e sagrado, que a Constituição lhegarante? Que importa que as melhoreshoras do somno e do socego as paredesdos aposentos estrondeassem com os gri-tos do boi, se todos nós tivéssemos a in-commensurável fortuna de ver renasci-do o folguedo com que tanto se diverti-ram nossos pais e nossos avós?

No meio de toda esta felicidade o chro-nista lamentou deveras o progresso da ima-ginação popular. Se ouviu cantos novos,sem graça, nem belleza alguma, deixoude ouvir aquellas lindíssimas toadas do

“Cachorrinho quando lateNo buraco do tatu.”

E do soberbo coro do

15Boletim 37 / junho 2007 15

“Rei, rei, rei embaixador,ora viva a mulata que tem seu amor!”

O esquecimento d´este último côrodeu que pensar ao chronista. E, pondo-se elle a reflectir maduramente sobretão incrível falta de lembrança achou porfim que já se não canta o – ora viva amulata que tem seu amor, - pela pode-rosa razão de que a antiga mulata é umtypo que desappareceu d´entre nós.

Não tomem os sábios e naturalistaspor imaginoso e chimerico. O chronistaestriba-se na grande opinião do sábio dou-tor Carlos Muller, que explica a theoriada creação alternante, entre outros como efficaz argumento da desapparição decertas raças, como em curtos períodos setem observado nas ilhas do mar do sul.

Ah! Nos prodromos de receio de de-sapparecer totalmente da superfície ter-rena d´esta cidade o bello e elegante typoda mulata, o chronista vai desde já re-petindo em voz sentida: filhos de S. Luiz,chorai por ella!

E é assim o typo da antiga mulata jánão existe. A saia curta a mostrar os péspequenos na chinelinha seritada demarroquim finíssimo, e a camisa luxuo-samente rendada, que ver deixava o co-llo e as obras com que amor mata deamores, tudo desappareceu na substitui-ção do vestido afogado, e da botina, quenos vem de França. Horror! e hoje entãocom o talhe enesgado e o balão exprimi-do, verdadeiros sudários de máo gosto ede pés collados à graciosa elegância (...)das copias de typo que por (...) andamfazendo vontades de (...) tercetto dan-tesco da segunda (...):

“..... magiore doloreque recordarsi del viso galanteem questo semblante!”

E o alto pente de tartaruga ornadode rutilante, larga e lavrada tala de ourofino e os atracadores de tala estreita, eas flores de canutilho e malacacheta,adornos estes que enfeitavam de modoelegantíssimo as carapinhas revoltas da-quellas formosas cabeças que o mais quetrescalavam era o grato aroma do demo-crático sebo de Hollanda, que foi depoisà sorrelfa substituído pelas aristocráticaspérolas do cheiroso macassar!

E as grossas contas do quebra cogo-te, que formavam a base de operaçõesluxuosas daqueles cronetados collos, nosquaes se collocavam symetricamente os

CONTINUAÇÃO

fios mais finos de conta de alto preçoaté fechar a taboleta surífera dos enfei-tes a intestar com o queixo arredondadoe soberano, que em graciosos meneiosse volvia por cima d´aquelle mundoimenso que era amarello claro por dian-te e por baixo amarello escuro!

E os monumentaes bentinhos de más-sica chapeleta d´ouro em relevo e os gran-des botões de ouro também, dos punhose das aberturas das camisas de renda, eas pulseiras e voltas, que por aquellesbraços se enroscavam, braços que a seuturno se enroscavam também com asheras pelas columnas do desejo.

Hoje toda essa beleza do typo festi-val da antiga mulata desapareceu sob aação da esponja destruidora que a civi-lisação continuamente manuseia. Ascarapinhas revoltas andam metidas nosapertos dos penteados modernos de co-que atraz e trumpha petulante na fren-te, e aromatizam-se de pomadas e óleosfiníssimos, que a perfumaria francezanos envia. Até o cheiroso trevo dos ves-tuários singelos já se não vê, já se nãosente. Foi trocado pelo óleo de babosaou quando muito por umas flores natu-raes sem aroma e sem graça. E até porcúmulo de horrores, já se tem visto gri-naldas de flores artificiaes, de caméliasou myosotis, por cima e por dentro dasafanosas carapinhas do typo degenera-do, que hoje tão lampreiramente se nosapresenta em toda parte!

Este século dá cabo de tudo e extin-gue as melhores coisas do passado. Erapara admirar que o gaz, o vapor, o im-posto pessoal e por último os bouffesparisienses não se dessem garrote ao ex-plêndido typo da mulata antiga. Sobretudo as actrizes francesas; com umas seiscompanhias iguaes à do Sr. Noury amulata fica inteiramente banida. Quan-do a virdes fora da república, chorae porella filhos de S.Luiz!

Não sabe o chronista onde foi o bum-ba enterrado; antigamente a baixa doApicum era o logar escolhido para a se-pultura gloriosa do – boi. É de crer queaté este costume haja sido oblitteradoda lembrança popular, indo-se talvezinhumar o respeitável boi careta lá parao Cutim ou caminho da Maioba.

Fora de dúvida, porem, fica sendoque ainda na madrugada do dia 1° domez o – bumba tinha vida e berrava seetrondosamente. D´antes no dia 30 dejunho, commemorativo de S. Marçal, oboi era irremissivelmente sepultado, bem

que a carcaça já lhe estivesse arrebenta-da de cacete e fogo.

O chronista sente não poder ser in-terminável n´este assumpto, que é tantode seu gosto e tão gratas recordações lhesuggere: mas não o larga da penna semque esta escreva pela última vez – hur-rah, pelo Sr. Dr. Morato!

Alem d´estes grandes acontecimen-tos, o chronista só se recorda das repre-sentações, que o distincto senhor Césarde Lacerda, actor-autor, acompanhadoda senhora Falco, está dando no theatroS.Luiz. O chronista não teve por em-quanto o prazer de os ver o de os ouvir aambos, mas pelo que se lhe tem dicto eassegurado as noites de representaçãoescolhida do senhor César de Lacerdasão realmente agradáveis, e mais aindapela barateza dos preços, que tanto ha-viam subido nos expectaculos dos senho-res Hermann e Noury. Fazer elogios aosenhor César de Lacerda já não produzbom effeito; o distincto actor-autor temreputação firmada e incontestável me-recimento.

Vae o chronista concluir, fazendo umadeclaração que vem a ser: que em faltade homem até o abaixo assignado, como seu nome inteiramente nacional e an-tiquado, já serviu para desempenhar oencargo da chronica interna. O Sr. Cas-tellamare, que era o dono da casa, foi-setalvez para nunca mais voltar; o Sr. Rei-mar anda presentemente com umasphantasias que só elle as entende; o Sr.César Marques metteu-se em vida nosconventos, a maneira de Carlos V, e pa-rece que tão cedo não sairá d´elles: o Sr.Sabbas tomou passagem no chaveco deSimão Oceano e não põe pé em terra; oSr. José Ascenso está longe e não se dig-na de tractar de outra couza que nãoseja a complicada sciencia da economiapolítica; o Sr. Ricardo Ernesto de Car-valho acha um prazer immenso em ir àstrezenas de Sancto Antonio e em nãomandar couza alguma para este jornal;o Sr. Andrade escreve ydillios mentaessob as frescas sombras do seu retiro dosRemédios e nada nos envia para estascolumnas; os poetas do Semanário, esesolham no ceo o caminho traçado à hu-manidade pelas mãos de Deus, comodizia Chatterton ao toleirão do lord Be-ckfor, e arripiam-se de olhar para a terrae muito mais para a chronica. Estou portanto justificado e perdoem os leitores aouzadia com que fiz a minha estréia degostos e costumes populares.

Boletim 37 / junho 20071616

O Rio Itapicuru, o maismaranhense dos rios

do Maranhão é misterioso vivei-ro de estórias e encantarias.Chegam ao limite do mundo daslendas. Quantas pessoas desapa-receram na profundidade de seuleito cheio de peraus, onde ocorpo se afoga.

O primeiro registro de afo-gamento coube ao gaulês Kodoc,naufragado com a sua embarca-ção defronte da Igreja da Matriz,Paróquia de Codó.

Pescadores, canoeiros, lava-deiras e jovens afoitos confian-tes em suas braçadas de bonsnadadores desapareceram parasempre nas profundezas daságuas do rio.

Na margem esquerda do Ita-picuru, ao lado do curtume deDomingos Fulgêncio há o Por-to dos Urubus, onde se situa um

O PORTO DOS URUBUSJo’ão Batista Machado26

26 Pesquisador codoense, autor do livro Codó, Histórias do Fundo do Baú.27 Organizados pelo Profº. Sergio Ferretti – CMF com a colaboração de bolsistas de Iniciação Científica do GP-MINA/UFMA.

grande lajedo que avança rioadentro. Forma, neste caso, re-demoinhos perigosos, puxandocanoas de remadores descuida-dos para baixo da grande laje.

Os urubus, quando a caní-cula está insuportável, baixam osseus vôos e pousam sobre o enor-me lajedo. Refrescam-se. Mo-lham-se, agitando as suas negrasasas. É um banho festivo, dignode ser apreciado.

Ao pé da ribanceira do rio,onde começa o lajedo, há umingazeiro descomunal que cau-sa admiração aos banhistas queo conhecem.

Os moradores mais velhos dolugar, os cabeças brancas, con-tam que nas raízes da arvoremoram duas serpentes encanta-das. Nas noites de escuridão obrilho de seus olhos reflete naságuas do rio, uma luminosidade

multicor, aponta ao pescadorsolitário os cardumes suficien-tes para lotar a sua canoa. Hajarede vigorosa para sustentar asrabanadas dos peixes!

Jovens namorados, encautosatraídos e enfeitiçados pelos cân-ticos e a beleza da Mãe D’águaforam levados a residir em seupalácio sob o grande lajedo.

Acontece um fato fantasio-so em noite de lua cheia. Osmoradores próximos às margensdo rio, ouvem belas canções en-toadas por uma voz maviosa edoce. Os peixes saltam na super-fície das águas. Dançam coreo-grafias sincronizadas como amúsica suave, quase divina. Oscanoeiros param de remar assuas canoas e botes, recolhem assuas redes e tarrafas, ficam exta-siados na apreciação do encan-tador espetáculo. O momento

mais fantástico, o clímax da fun-ção é quando um grande lajedo,magicamente se abre ao meiosem produzir ruídos, somente oburburinho das águas revoltas seouve e um silvo cortante como apedir silêncio. A música misteri-osa para, a voz deliciosa, angeli-cal emudece. È quando apare-cem duas volumosas e bem nu-tridas serpentes de olhos fume-gantes iluminando a estrada flu-ídica do Itapicuru. Enroscadasem posição vertical, beijam-se.

A nossa velha Mãe Rosa, des-cendente de escravos originári-os de Mina, não acreditava emserpentes encantadas, entretan-to, numa noite de lua cheia foilevada pelo seu filho, o pecadorMiguel para vê-las. Morreu MãeRosa tomada de emoção o seudebilitado coração não resistiu àgrandiosidade do espetáculo.

RESUMOS E RESENHAS:Monografias e dissertações sobre cultura popular do Maranhão27

MONOGRAFIA2004DIAS, Cristiane Soares. O

léxico no município de Raposa.Monografia (Graduação em Le-tras - UFMA). São Luís, 2004.

RESUMO: Um estudo dofalar dos pescadores do municí-pio de Raposa, no Maranhão,com ênfase no léxico. Tendo aterminologia como suporte teó-rico para o estudo, esta pesquisabusca examinar o vínculo que seestabelece entre esse domínio dalíngua e a realidade, a cultura e aatividade profissional do ho-mem raposense. O levantamen-to e a coleta do léxico da pescano município possibilitam a ela-boração de um glossário quecontempla os seguintes campossemânticos: instrumentos – denavegação, de orientação dospescadores, de pesca -; o pesca-dor e suas funções; as pessoasenvolvidas com a atividade dapesca – a comercialização.

DIAS, Wilson de OliveiraCosta. Chargistas do séculoXX no Maranhão. Monogra-fia (Graduação em Educação

Artística – UFMA). São Luís,2004.

RESUMO: O presente tra-balho monográfico dirige seufoco para a charge como expres-são artística e documento his-tórico. Destacando os autoresmais significativos que atuamna mídia maranhense, principal-mente, durante o século XX.Conceitua e relata a origem dacharge e sua difusão no meioartístico e de comunicação,aborda a sua ocorrência nosprincipais veículos de comuni-cação do Maranhão do séculoXIX ao XX. Apresenta resumobiográfico dos principais char-gistas do Maranhão, bem comouma amostra de suas obras.

RIBEIRO, Josélia de Lour-des Gomes. Carnaval de Ruade São Luís: encantos e desen-cantos. Monografia (Bachare-lado em História - UFMA).São Luís, 2004. Orientadora:Helidacy Maria Muniz Correa.

RESUMO: A partir de anali-se teórica e de entrevistas, bus-ca-se compreender a revitaliza-ção do carnaval de rua de São

Luís, através de um levanta-mento histórico do carnaval nascidades do Rio de Janeiro, Sal-vador e Recife. Enfatizando ascausas que levaram a retomadado carnaval de rua de São Luísno final de século XX e iníciodo século XXI, apontando aidentidade cultural como ele-mento fundamental para carac-terização dessa manifestação dacultura maranhense.

SILVA, Domingos EliasSousa. Em busca de um Tea-tro Popular: um breve estudoda obra de Nonato Pudim.Monografia (Graduação emEducação Artística – UFMA).São Luís, 2004.

RESUMO: Breve estudo daobra de Nonato Pudim, a partirde uma investigação sobre o Gru-po Teatro Experimental Anilen-se, sua criação e desempenho nosanos 70 e 80. Trata-se de uma re-flexão teórico-prática do proces-so de criação do teatro populardo Brasil daquela época contur-bada por um regime autoritário.A pesquisa realizada se propõe a

conhecer os caminhos para a cons-trução da obra de um teatro po-pular, a partir de uma dramatur-gia construída para esse fim.

2005NICÁCIO, Alberto de Je-

sus Nascimento. A carruagemencantada de Ana Jansen: umalenda, uma parte da história doMaranhão contada através dosquadrinhos para utilização noensino de Arte. Monografia(Graduação em Educação Ar-tística – UFMA). São Luís,2005.

RESUMO: Estudo sobre ocontexto político e social doMaranhão do século XIX, épo-ca que viveu Ana Jansen. Utili-za-se a lenda da carruagem en-cantada de Ana Jansen comoproposta para possibilitar o co-nhecimento sobre aspectos par-ticulares da cultura e da históriado Maranhão. Emprega-se a his-tória em quadrinhos como recur-so didático, estímulo à leitura eà criatividade, cujo uso em salade aula é recomendado pelos Pa-râmetros Curriculares Nacio-nais.

17Boletim 37 / junho 2007 17

MACEDO, Luanna Candeira. Entrea encantaria e a academia: Quando antro-pólogos e pais-de-santo disputam a ´inven-ção´ de tradições. Monografia (Graduaçãoem História – UFMA). São Luís, 2005.Orientadora: (?) Santos de Melo.

RESUMO: Este trabalho tem como ob-jeto de estudo e reflexão a disputa de poderinstitucional existente entre a figura do pai-de-santo Euclides Menezes da Casa Fanti-Ashanti e a Academia. Tenta-se analisar aforma como cada um dos espaços instituci-onais acima citados articula seus discursossobre a religiosidade “afro-maranhense” fir-mando a sua legitimidade, e o modo comoocorrem as disputas pela hegemonia.

MORAES, Elizangela Viana. Bumba-meu-boi: uma relação entre o tradicionale o moderno. (Licenciatura em História -UFMA). São Luís, 2005. Orientador: Pau-lo Sérgio.

RESUMO: Este trabalho desenvolve umareflexão sobre a relação tradição/modernida-de a partir da investigação de modificaçõesocorridas no Bumba-meu-boi do Maranhão.Problematiza-se aqui, a presença do elemen-to religioso enquanto “elo” que perpassa asesferas da tradição e da modernidade e queconfere identidade ao Bumba-meu-boi.

SILVA, Isis Lucas Braga Machado e.Bumba-meu-boi e a figura feminina em umuniverso androcêntrico: absorção ou inclu-são?. Monografia (Licenciatura em His-tória - UFMA). São Luís, 2005. Orienta-dor: Helen de Sousa.

RESUMO: Estudo monográfico sobreo bumba-meu-boi, tendo como eixo temáti-co os aspectos relacionados à mulher e suainserção na “brincadeira” e os diversos as-pectos de sua participação dentro da mes-ma. Destacando a construção de identidadepopular dentro do bumba-meu-boi, a indús-tria cultural que o consome e a figura femi-nina dentro desse contexto.

2006MORAES, Renato Araújo. A Casa do

Maranhão: uma análise de sua utilizaçãocomo valorização do Patrimônio Cultural.Monografia (Graduação em Turismo –UFMA). São Luís, 2006. Orientadora: Profª.Ms. Kláutenys Dellene Guedes Cutrim.

RESUMO: Este trabalho busca caracte-rizar a Casa do Maranhão como uma possi-bilidade de preservação do Patrimônio Cul-tural, através do uso pedagógico dos espaçosmuseográficos dentro da nova visão de mu-seologia, que tem o museu como agente soci-al, servindo de fonte de memória e identida-de para a comunidade de São Luís e do Mara-nhão. Busca integrar a atividade turística àcultural, de forma a divulgar o que o Estadotem de melhor em destinação turística, naprestação de informação aos visitantes.

RIBEIRO, Aldeci Jansen. Sincretismoreligioso nos terreiros de umbanda de SãoLuís. Monografia (Bacharelado em Ciên-cias Religiosas – IESMA). São Luís, 2006.Orientador: Sergio F. Ferretti.

RESUMO: O presente trabalho é fun-damentado nas diversidades religiosas (afri-cana e cristã) que é responsável pela forma-ção da cultura afro-brasileira. Dentro destaestá em destaque aqui o sincretismo na Um-banda de São Luís, a sua importância para acontinuidade dos cultos dos escravos longede pátria e a sua contribuição para a alta afir-mação dos terreiros com a presença de San-tos Católicos em seus altares. A Umbanda foiaqui pesquisada através dos terreiros – Eirado Sagrado Coração de Jesus e Centro deUmbanda Nossa Senhora da Piedade Xangô,que junto com tantos outros se auto deno-minam de Religião Afro-brasileira.

2007LINDOSO, Gerson Carlos Pereira. A

vodunsi e doceira Genoveva Pia na obra ́ OsTambores de São Luís´, de Josué Monte-llo. Monografia (Licenciatura em Letras –UFMA). São Luís, 2007. Orientador: ProfºMS Marcos Vinício Magalhães Catunda.

RESUMO: O trabalho monográfico éum estudo de cunho literário onde discuti-mos e analisamos as representações femini-nas da mulher negra na obra “Os Tamboresde São Luís”, especialmente da vodunsi daCasa das Minas Genoveva Pia, destacando asua trajetória afro-religiosa e o seu discursopolítico no combate as injúrias do escravis-mo brasileiro, ao longo da narrativa monte-lliana. Genoveva Pia era uma negra forra jáde idade, que comprou sua própria liberda-de com a venda de doces de tabuleiro emSão Luís do Maranhão, que damos desta-que devido seu discurso forte de caráter po-lítico ideológico contra o sistema escravo-crata ainda vigente no Brasil naquela época(2ª metade do século XIX). Esse romancehistórico de Josué Montello, constituinteintrínseco da Literatura Maranhense e Bra-sileira, aborda a caminhada (histórica) do ex-escravo Damião e sua inserção na ´precon-ceituosa´ sociedade maranhense, dando va-zão para a questão da luta contra os martíri-os da escravidão, preconceito, racismo, alémde apresentar aspectos sociais, culturais,políticos e turísticos da cidade de São Luís.Temos ainda como é construído o universosimbólico e afro-religioso na narrativa.

DISSERTAÇÃO2007LINDOSO, Gerson Carlos Pereira. Plu-

ralismo e diversidade afro-religiosa em ter-reiros de mina no Maranhão: um estudoetnográfico do modelo ritual do Ilê AshéOgum Sogbô. Dissertação de Mestrado emCiências Sociais - UFMA. São Luís, 2007.Orientador: Sergio Ferretti.

RESUMO: Esse trabalho é um estudoetnográfico sobre o modelo ritual de um ter-reiro de Tambor de Mina em São Luís do

Maranhão, Brasil intitulado Ilê Ashé OgumSogbô (Casa de Força de Ogum e Sogbô),chefiado pelo babalorixá-vodunon AirtonGouveia no bairro da Liberdade. Tambor deMina é a religião de matriz africana estabe-lecida em São Luís do Maranhão, em mea-dos do séc. XIX, com a fundação de algunstemplos religiosos importantes. Temos comoobjetivo focalizar a diversidade afro-religio-sa presente nos terreiros de Mina do Mara-nhão, a partir de nossas análises etnográfi-cas sobre o modelo de rituais praticados atu-almente no Ilê Ashé Ogum Sogbô, destacan-do no contexto plural desse terreiro algumasespecificidades como as ressignificações dosritos iniciáticos e a prática da paramenta-ção, com as saídas-de-santo, muito identifi-cadas como sendo próprias de uma outramatriz afro-religiosa, o Candomblé.

MOTA, Christiane de Fátima Silva.Doenças e Aflições: sobre o processo tera-pêutico na pajelança. Dissertação de Mes-trado em Ciências Sociais - UFMA. SãoLuís, 2007. Orientador: Sergio Ferretti.

RESUMO: Esta dissertação faz uma aná-lise das experiências de doença, saúde e curavivenciadas pelos pajés e consulentes que re-correm aos tratamentos na pajelança. Paje-lança, Cura, Brianga e Cutiúba são denomi-nações pelas quais se conhece, em Bequimão,localidade onde foi realizado o trabalho decampo, uma prática religiosa que coaduna as-pectos e elementos do catolicismo, das cultu-ras indígenas e africanas, em especial, do tam-bor de mina e da chamada “medicina popu-lar”. Verifica-se que a noção de doença impõeum universo que abrange várias categorias esubcategorias. Nessa direção, buscou-se ana-lisar as relações estabelecidas entre religiosi-dade e saúde a partir da noção de “doença”.Para a análise, utilizo as discussões inicialmen-te elencadas por Monteiro (1985), Laplanti-ne (1991) e Maués (1995); 2004). Nesse con-texto, a doença se torna elemento significan-te ao ser associada à idéia de uma negativida-de genérica, cuja noção de desordem trans-cende o corpo individual, abrange as rela-ções sociais e a própria organização do uni-verso religioso e cultural.

VASCONCELOS, Gisele Soares de. Ocômico no Bumba-meu-boi. Dissertação deMestrado em Ciências Sociais - UFMA. SãoLuís, 2007. Orientador: Alexandre Corrêa.

RESUMO: O cômico nas apresentaçõesdo Bumba-meu-boi do Maranhão, numa re-lação teatro-antropológica, constitui um dosobjetos desta dissertação. Espaços, Tempo eExperiência são anunciados como fatorespara pensar a ausência e presença das apre-sentações cômicas na cidade e no interior.Tomando como observação empírica, as apre-sentações da comédia em Santa Helena e,como fundamentação teórica, os estudos so-bre mito e rito e sobre festa e riso, essa disser-tação busca analisar a comunicação cômicano Bumba-meu-boi “Capricho de União”.

CONTINUAÇÃO

Boletim 37 / junho 20071818

NOTÍCIASNOTÍCIASNOTÍCIASNOTÍCIASNOTÍCIASRoza Maria Santos28

O Maranhão perde três compo-sitores por morte neste primeiro se-mestre de 2007:

Escrete – José Henrique Pinhei-ro - compositor de vários sucessos damúsica maranhense, nasceu em1950. Fez samba para a extinta Es-cola de Samba da Camboa, na dé-cada de 70; sambas de enredo paraa Águia do Samba, Favela do Sam-ba e Túnel do Sacavém; compôsvários afoxés para o Bloco Afro Ako-mabu do Centro de Cultura Negra,como as músicas Gaiola e Sereia, asmais conhecidas, e toadas de bum-ba-meu-boi para o Boi de Palha eBoi Pirilampo. Morreu aos 56 anosde idade, dia 25 de janeiro, devidocomplicações pelo diabetes;

Gerô - Jeremias Pereira da Silva– compositor, poeta e repentista, nas-cido em 1966, morreu aos 41 anos deidade, dia 22 de março vítima de es-pancamento policial ao ser confun-dido com marginal de alta pericu-losidade. A ação dos policiais causouindignação à sociedade ludovicense,principalmente entre os artistas, pro-dutores culturais e integrantes de mo-vimentos sociais: do Centro de Cul-tura Negra, da Secretaria de Igual-dade Racial do Estado, do ConselhoEstadual de Defesa dos Direitos Hu-manos, do Centro Marcos Passerine,da Comissão de Direitos Humanos eMinorias da Câmara dos Deputadosque solicitaram reavaliação do pro-cesso por considerarem que Gerô foivitima de crime de racismo.

Padre Jocy Neves Rodrigues, ma-ranhense de Tutóia, nasceu em 1917.Foi professor, escritor, compositor earranjador. Pioneiro na celebraçãode missas cantadas no Brasil mes-clando o canto religioso com as ca-racterísticas da música popular, a suamúsica religiosa ganhou o mundo.Pesquisou o Bumba-meu-boi e aDança do Caroço de Tutóia. Na áreade canto coral foi o primeiro mara-nhense a arranjar músicas do bum-ba-meu-boi para quatro vozes parao Coral da UFMA. Padre Jocy mor-reu aos 89 anos, no dia 6 de maio,em decorrência de complicações deuma pneumonia.

Entre o final do mês de abril e todo o mês de maio desenvolveu-se o ProjetoDivino Maranhão 2007 – Um Império Popular, com uma diversificada pro-gramação de atividades, envolvendo 150 (cento e cinqüenta) Festas do DivinoEspírito Santo de 23 (vinte e três) municípios maranhenses: São Luís, Al-cântara, Anajatuba, Bacurituba, Bequimão, Cajari, Caxias, Cedral, Codó, Hum-berto de Campos, Icatu, Itapecuru-Mirim, Matinha, Mirinzal, Paço do Lumiar,Palmeirândia, Penalva, Pinheiro, Rosário, Santa Helena, São Bento, São José deRibamar e Viana. Essas festas acham-se cadastradas no Centro de Cultura Po-pular Domingos Vieira Filho e fazem jus a um apoio financeiro, um kit de mate-riais de divulgação (cartazes, ventarolas, bandeirinhas, cartões-postais e banners,)além do acompanhamento da sua dinâmica de funcionamento.

O Projeto vem se constituindo há vários anos no veículo de apoio e incenti-vo do Governo do Maranhão, através da Secretaria de Estado da Cultura /Superintendência de Cultura Popular, a esses festejos, elementos de desta-que no calendário da cultura popular maranhense, em parceria com a Comis-são Maranhense de Folclore, e este ano, também, com a Fundação Municipalde Cultura e o Serviço Social do Comércio.

Tomando por base o saber tradicional da nossa Festa do Divino a Progra-mação de Atividades do Projeto contemplou a realização de Missa, Procissão,Cortejos, Visitas, Mastro, Tribunas, Impérios, Apresentações de Caixeiras (comtoque de caixas, cantos e dança), Participação de Grupos do Interior, Oficinas,Exposições, Baile, Bandas de Música, Projeção de DVDs...

Integrada em 2007 à Semana Nacional de Museus do Ministério da Cultu-ra, a programação foi ampliada com o envolvimento de órgãos da Secretaria deEstado da Cultura situados no centro histórico de São Luís – da Rua do Sol àPraia Grande – Museu Histórico e Artístico do Maranhão, Teatro Arthur Aze-vedo, Arquivo Público do Estado do Maranhão, Centro de Pesquisa, HistóriaNatural e Arqueologia do Maranhão, sede da SECMA, Teatro João do Vale,Centro de Criatividade Odylo Costa, filho e Casa do Maranhão -, bem comocom o Projeto Sabença: Museu – Escola, que explorou o tema O Museu Viveo Divino junto a estudantes de escolas públicas municipais e estaduais e oapoio ao Encontro Internacional O Divino Ontem, Hoje e Amanhã: dos Aço-res ao Maranhão, promovido pelo SESC – Maranhão.

O MARANHÃO FESTEJA O DIVINO MARANHÃO PERDECOMPOSITORES

28 Roza Maria Santos – Comunicóloga; Secretária da CMF.

Com o tema “O Santo, o Largo, a Festa!!!” o já tradicional Tríduo tem asua oitava edição nos dias 13, 14 e 15 de junho de 2007, prestando uma

homenagem a Santo Antonio, São João, São Pedro e São Marçal, que coman-dam os festejos juninos maranhenses.

O evento é uma promoção da Secretaria de Estado da Cultura, através daSuperintendência de Cultura Popular e movimenta os três espaços ligados aeste órgão – Casa da Festa/ Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho,Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão, contando com a parceria da ComissãoMaranhense de Folclore.

A programação de atividades apresenta duas exposições, duas oficinas, doisespetáculos teatrais e seis grupos folclóricos: um de São Luís – Boi de Costa deMão e cinco do interior do estado: rezadeiras (Santa Rosa dos Pretos/Itapecu-ru-Mirim), Baião (Caxias), Cordão de Bichos (Rosário), Tamborinho (Entre-Rios/Cururupu), Pela Porco (Centro Grande/Axixá) e Forró (Barreirinhas).

8º Tríduo Joanesco

19Boletim 37 / junho 2007 19

OInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico-IPHAN, a Funda-ção Municipal de Cultura (Func) e o Conselho Cultural Tam-

bor de Crioula do Maranhão lançaram dia 25 de maio, na Fábrica dasArtes de São Luís, no Bairro da Madre Deus, o livro Tambores da Ilha e ovídeo-documentário sobre o Tambor de Crioula, trabalhos coordenadospelo antropólogo do Iphan Rodrigo Martins Ramasote. O lançamentoreuniu os principais representantes dos grupos de Tambor de Crioula doMaranhão, ocasião em que foi discutido o pedido de registro da manifes-tação como Patrimônio Cultural Brasileiro. O vídeo faz parte do dossiêreferente ao processo de inscrição da referida manifestação cultural noLivro das Formas de Expressão do Patrimônio Imaterial do País, que de-verá tornar o tambor de crioula a primeira manifestação cultural do Esta-do a ser registrada como patrimônio imaterial pelo Iphan.

DIVINA COMEMORAÇÃO DO SESC-MARANHÃO 60 ANOS

Contribuindo com o resgate daancestralidade da Festa do Divino,como expressão cultural-religiosa nocenário da religiosidade popular doMaranhão, o SESC-Maranhão rea-lizou o Primeiro Encontro Interna-cional “O Divino ontem, hoje e ama-nhã: dos Açores ao Maranhão”. AsConferências e Debates tiveram aparticipação de estudiosos mara-nhenses como: Zelinda Lima, Ana-nias Martins, Carlos de Lima, Ma-ria Michol Carvalho, Sérgio Ferret-ti, Benedito Araújo, Sebastião Car-doso Junior e Maria de Fátima So-pas Rocha; da organizadora da Fes-ta do Divino na Casa da Minas, Ce-leste Santos e do turismólogo, baba-

lorixá e organizador da festa do Divi-no do terreiro de mina Pedra de En-cantaria, Itaparandi Amorim. A trocade conhecimentos com estudiososportugueses: Conceição Lopes, daUniversidade de Aveiro-Portugal, e Pa-dre Elder Fonseca, professor doutore pesquisador do Divino - Angra/Por-tugal, pesquisadora da Festa do Divi-no na Califórnia, Ana Paula Reditt, edo produtor da Festa do Divino emToronto no Canadá, mostrou aos par-ticipantes do Encontro que existemmais semelhanças entre as festas doDivino dos Açores e do Maranhão doque diferenças.

O Encontro Internacional acon-teceu de 16 a 19 de maio, com aber-

tura quarta- feira (16) às oito e meiada manhã com cortejo solene doImpério do Divino; entrega da co-menda do Divino, pelos portugue-ses, a uma das mais antigas organi-zadoras da Festa do Divino no Ma-ranhão, Dona Celeste Santos. Pa-ralela às conferências e debatesaconteceram Oficinas de Toque deCaixa, de Decoração e Lembrançasdo Divino, e de Iguarias da Festa;Visitas às Casa de Nagô e das Mi-nas; Mostra Audiovisual “Olhar Di-vino”; Mostra Intercultural “DivinaFesta: Diálogos Brasil-Açores; e pas-seio à Cidade de Alcântara com vi-sita à Casa do Divino.

LANÇAMENTO DOPROJETO SABENÇA

A Superintendência de Cultura Popular lança a versão 2007 do ProjetoSabença-Museu Escola com o tema “O Museu Vive o Divino” para alunos deescola públicas. Nesta versão o Projeto elege o tema de acordo com o períododa festividade da cultura popular maranhense e uma Cartilha norteará as dis-cussões dentro e fora da sala de aula. Nos dias 15 e 17 de maio, das 8h às 12h,alunos, professores e diretores das escolas convidadas tiveram contato maisdireto com o patrimônio material e imaterial da cultura maranhense.

PRADO, Regina Paula dos Santos.Todo Ano Tem. As Festas na EstruturaSocial Camponesa. São Luís: PPGCS/GERUR/EDUFMA, 2007.

Trinta anos após ser defendido comodissertação de mestrado no Programa dePós-Graduação em Antropologia Socialdo Museu Nacional do Rio de Janeiro,sob orientação do professor Roberto daMatta, este importante trabalho de Re-gina Prado foi finamente publicado emlivro. A publicação tornou-se possível poruma feliz iniciativa da professora Maris-tela de Paula Andrade, através do Grupode Estudos Rurais e Urbanos e do Mes-trado em Ciências Sociais da Universida-de Federal do Maranhão (GERUR/PPG-CS/UFMA). Trata-se de trabalho de con-sulta obrigatório para todos os estudiososinteressados em bumba-meu-boi, festas,cultura popular e campesinato no Mara-nhão. Utilizando referências bibliográfi-cas clássicas e modernas, e realizando tra-balho de campo minucioso e bem feito,segundo as normas da Antropologia Soci-al é exemplo de pesquisa acadêmica queserve de modelo para todos os estudiososdeste campo.

TAMBORES DA ILHA – TAMBORDE CRIOULA EM LIVRO E VÍDEO-

DOCUMENTÁRIO

BUMBA-MEU BOI -LANÇAMENTO DELIVRO NA UFMA

Boletim 37 / junho 20072020

Perfil Popular

Zelinda Machado de Castro Lima29

José de Jesus Figueiredo é o famo-so Zé Olhinho, cantador e proprietá-rio do Boi de Santa Fé, no bairro deFátima.

Nasceu em 16 de junho de 1944,no lugar Tabocas, do município de SãoJoão Batista, filho de Filomeno Gomes(dono do boi “Dois Unidos”, rezador epuxador de ladainha) e Joana do Espí-rito Santo Figueiredo, mas, segundoJosé, nunca moraram juntos. “Ele ti-nha a família dele” – diz.

Trabalhador de roça e fazedor defarinha em sua terra natal, aos 12 anosveio para São Luís, empregando-secomo jardineiro, “mexer com negóciode horta” etc. para enfim empregar-seno bazar Valentim Maia, ocasião emque estudava à noite no Instituto SãoLázaro e, depois, no Colégio Concei-ção de Maria, nos Remédios, para fi-nalmente cursar até o 3º. ano a EscolaModelo “Benedito Leite”.

Menino, Zé Olhinho era “uma ferapara driblar bonde: pulava de bonde andan-do, tomava o bonde andando” – recorda fe-liz.

Há tempos longe de casa, uma noite ouviuum batuque de boi. “Ih, rapaz, quase fico doi-do. Era o boi de Viana, do finado José Apolô-nio, do qual João Câncio fazia parte, justa-mente o mesmo sotaque do boi da minha ter-ra!” Encontrou antigos conhecidos, como Ju-venal Ferreira... Quantas lembranças!...

Em 1961, indo levar o avô doente paraSão Vicente, lá deu umas brincadas no Boide “Camundinho” (Raimundo Nonato Co-elho) para matar saudades.

De volta a São Luís, trabalhou de pedrei-ro, camelô e garção no baixo meretrício. Masum dia, apresentado a João Câncio, e numamorte de boi, foi pelo mesmo incentivado atirar uma toada. “Até hoje tenho vergonhado que fiz: cantei como minha uma toadaalheia. Mas aí criei capricho: no ano seguin-

José de Jesus Figueiredo ( Zé Olhinho)

te brinquei no cordão, arrastando toada.Estava novo, com a memória nos trinques,recebendo a aprovação de João Câncio:Oh! preto! Oh! preto! Tu vai continuarcom a gente!” Houve até disputa entreCâncio e Coxinho, os dois querendo mever em seus bois.

Afinal veio ter ao boi de Pindaré, e tematé o topete de contestar: “Foi João Cân-cio quem criou esse sotaque de Pindaré.Mas, na verdade, esse não é o autênticosotaque de Pindaré: Aqui em São Luís elesusam tarol batido com baqueta mais fir-me, um timbre mais pesado. Quando umabrincadeira é lançada o sotaque foge umpouquinho do original. Embora procure asemelhança, cada aprendiz tem uma ma-neira de bater.”

Desfaz-se em puro prazer, e orgulhosodeclara: “Não é querer puxar brasa para mi-nha sardinha, mas esse sotaque de Pinda-

ré é o mais gostoso de ouvir e o maislegal de brincar”, para concluir: “Esteaqui, em que a gente bate com a mão efaz o que quer da voz o do pandeiro –quatro, cinco tipos que às vezes se cru-zam – fica muito bonito!”

Assim é Olhinho, sócio de Coxi-nho no boi de Pindaré e por fim, em1987 tendo de assumir a direção coma doença, e posterior morte, daquele.

Por causa de um chapéu desenten-deu-se no Boi e passou a brincar naTurma de São Vicente. Mas acaboumesmo no boi de Pindaré, o PindaréII.

“Em 1991 chegamos à igreja de SãoPedro com 30 índios, uma frente mui-to bem organizada com 12 chapéus bo-nitos, muito legal, porque nesse tipode coisa eu capricho.” Todavia, essamarcha tão bela degenerou em confli-to com outro grupo.

Por fim o Pindaré II virou o atualboi Unidos de Santa Fé. E apesar de

achar que “esse negócio de bumba-meu-boi émuito chegado a mesquinharias por parte dequem entende as coisas distorcidas (Quemquiser ter um inimigo gratuito que faça umboi), o nosso Olhinho continua com todo oânimo, cheio de entusiasmo, mesmo sentin-do, ultimamente, a garganta ruim: “Sei o po-tencial da minha voz, sei até onde chego e,agora, não estou podendo chegar nem à meta-de. Mesmo assim nunca paro de cantar. Can-to nem que seja duas toadas.”

Um sério e devotado cultor do auto com-pleto do Bumba-meu-boi, José de Jesus Figuei-redo empenha-se com todas as suas forças paraque o auto seja sempre exibido em toda a suaplenitude pelo que representa de crítica soci-al, inventiva popular e beleza plástica.

Só por isto, pelo seu compromisso com oBoi tradicional, Zé Olhinho merece, comtodas as honras, este perfil.

29 Pesquisadora; membro da Comissão Maranhense de Folclore

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