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115 EDitoRiAL Desde há muitos anos que a taxa de cesarianas é in- ternacionalmente considerada como um indicador de qualidade dos cuidados obstétricos e, ao contrário de outros indicadores perinatais em que Portugal se en- contra entre os melhores do mundo, neste caso temos estado continuadamente na cauda da Europa. Os últimos dados oiciais sobre a taxa de cesaria- nas em Portugal datam de 2007, altura em que atingiu os 34,8% 1 . Dados referentes apenas aos hospitais pú- blicos nacionais, apontam para uma tendência cres- cente desta taxa entre 2007 e 2009 2 , o que, juntamen- te com o aumento do número de partos em hospitais privados, onde a percentagem de cesarianas em 2005 atingiu os 65,9% 3 , leva a crer que a taxa global de ce- sarianas em 2009 ronde os 36%. É de referir que seis hospitais públicos nacionais apresentaram em 2009 uma taxa de cesarianas acima dos 40%, e que apenas em doze esta foi abaixo dos 30%. Portugal é um dos países europeus com maior taxa de cesarianas (Quadro I), sendo ultrapassado apenas São necessárias medidas urgentes para baixar a taxa nacional de cesarianas Acta obstet Ginecol Port 2010;4(3):115-117 Quadro I. Taxas de cesarianas, mortalidade materna e mortalidade perinatal em diversos países, de acordo com os dados oiciais mais recentes. Países ordenados por ordem decrescente da taxa de cesarianas.

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Page 1: EDitoRiAL São necessárias medidas urgentes para baixar a ... · 116 lógica portuguesa tome medidas para reduzir a taxa nacional de cesarianas, indicador que actualmente nos envergonha

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EDitoRiAL

Desde há muitos anos que a taxa de cesarianas é in-ternacionalmente considerada como um indicador de qualidade dos cuidados obstétricos e, ao contrário de outros indicadores perinatais em que Portugal se en-contra entre os melhores do mundo, neste caso temos estado continuadamente na cauda da Europa.

Os últimos dados oiciais sobre a taxa de cesaria-nas em Portugal datam de 2007, altura em que atingiu os 34,8% 1. Dados referentes apenas aos hospitais pú-blicos nacionais, apontam para uma tendência cres-

cente desta taxa entre 2007 e 20092, o que, juntamen-te com o aumento do número de partos em hospitais privados, onde a percentagem de cesarianas em 2005 atingiu os 65,9%3, leva a crer que a taxa global de ce-sarianas em 2009 ronde os 36%. É de referir que seis hospitais públicos nacionais apresentaram em 2009 uma taxa de cesarianas acima dos 40%, e que apenas em doze esta foi abaixo dos 30%.

Portugal é um dos países europeus com maior taxa de cesarianas (Quadro I), sendo ultrapassado apenas

São necessárias medidas urgentes

para baixar a taxa nacional de cesarianas

Acta obstet Ginecol Port 2010;4(3):115-117

Quadro I. Taxas de cesarianas, mortalidade materna e mortalidade perinatal em diversos países, de acordo com os dados oiciais mais recentes. Países ordenados por ordem decrescente da taxa de cesarianas.

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lógica portuguesa tome medidas para reduzir a taxa nacional de cesarianas, indicador que actualmente nos envergonha dentro da comunidade europeia e que consome desnecessariamente recursos a um país com diiculdades económicas. Embora a meta de 15%, estabelecida em 1985 pela Organização Mundial de Saúde, nos pareça actualmente desactualizada, a aná-lise das taxas de cesariana noutros países europeus sugere que não são justiicáveis valores nacionais su-periores a 25%.

Diogo Ayres de Campos

Editor-Chefe AOGP

1. Alto Comissariado da Saúde. Indicadores actuais do PNS. Outubro 2008. http://www.acs.min-saude.pt/iles/2008/10/mcm-curia-out2008.pdf (acedido em 27 Abril 2010).

2. Fonte: ARS Norte.3. Entidade Reguladora da Saúde. Relatório sobre o estudo técnico de

caracterização dos prestadores não públicos de cuidados de saúde com centros de nascimento. Junho 2007. http://www.ers.pt/actividades/pareceres-e-recomendacoes/824999.pdf (acedido em 27 Abril 2010).

4. Betrán, AP, Merialdi M, Lauer JA, Bing-Shun W, Thomas J, van Look P, Wagner M. Rates of cesarean section: analysis of global, regional and national estimates. Paed Perinat Epidemiol 2007;21:98-113.

5. Lumbiganon P, Laopaiboon M, Gülmezoglu AM, Souza JP,

pela Itália. Todos os restantes países europeus em que este dado se encontra disponível, têm uma taxa de ce-sarianas que não ultrapassa os 30%, e vários têm uma taxa inferior a 20%. Os países europeus com taxas de cesarianas mais baixas são, de forma geral, também aqueles que apresentam valores de mortalidade ma-terna ou mortalidade perinatal mais baixos.

A cesariana está associada a riscos de saúde supe-riores aos do parto vaginal, mesmo quando realizada electivamente (Quadro II). Entre estes destacam-se as lesões uretral e vesical, os riscos de histerectomia, trombo-embolismo, complicações infecciosas, re-internamentos hospitalares e morbilidade respiratória do recém-nascido, bem como a maior incidência de placenta prévia, rotura uterina e morte fetal nas ges-tações subsequentes 14. A cesariana electiva reduz li-geiramente a incidência de incontinência urinária nos três meses subsequentes ao parto, bem como o pro-lapso útero-vaginal. Os custos associados à cesariana são claramente superiores aos do parto vaginal, não só pelos materiais gastos e tempo de bloco operatório, como também pela maior morbilidade que acarreta.

É urgente que a comunidade obstétrica e gineco-

Quadro II. Incidência de complicações nas cesarianas electivas e nos partos vaginais 14.

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Taneepanichskul S, Ruyan P, Attygalle DE, Shrestha N, Mori R, Nguyen Dh, hoang TB, Rathavy T, Chuyun K, Cheang K, Festin M, udomprasertgul V, Germar MJ, Yanqiu G, Roy M, Carroli G, Ba-Thike K, Filatova E, Villar J; World health Organization Global Survey on Maternal and Perinatal health Research Group. Method of delivery and pregnancy outcomes in Asia: the WhO global survey on maternal and perinatal health 2007-08. Lancet 2010;375(9713):490-9.

6. Gyarmati B, Vásárhelyi B, Treszl A. Obstetricians’ professional experience and risk of cesarean section in uncomplicated pregnancy. Acta Obstet Gynecol Scand 2010;89(1):156-7.

7. NTC Watch. NhS Maternity Statistics England 2008/09. October 2009. http://nctwatch.wordpres.com/2009/10/30/nhs-maternity-statistics-england-200809 (acedido em 12 Abril 2010).

8. National Vital Statistics Reports 2009;57(12):3.9. OECD Indicators - health at a Glance 2009. OCDE Press 2009:105.10. Ministério da Saúde, Brasil. Parto humanizado e seguro. Saúde Brasil

2006;117;4-5. 11. hogan MC, Foreman KJ, Naghavi M, Ahn SY, Wang M, Makela

SM, Lopez AD, Lozano R Murray CJL. Maternal mortality for 181 countries, 1980–2008: a systematic analysis of progress towards Millennium Development Goal 5. Lancet 2010;375:1609-23.

12. World health Organisation. Neonatal and Perinatal Mortality: country, regional and global estimates. WhO Press, 2006. http://whqlibdoc.who.int/publications/2006/9241563206_eng.pdf (acedido a 27 Abril 2010).

13. Alto Comissariado da Saúde. Indicadores e metas do PNS, 2008. http://www.acs.min-saude.pt/pns/nascer-com-saude/mortalidade-perinatal/ (acedido a 27 Abril 2010).

14. National Collaborating Centre for Women’s and Children’s health. Clinical Guideline: caesarean section. April 2004. http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/10940/29334/29334.pdf (acedido em 2 Setembro 2010).