M a p a d e v i s i t a ç ã o d a s u a c a s a

edição extraordinária / abril de 2020

uma criação de sorver versostexto por André Gravatáilustrações e projeto gráfico por Serena Labate

ABRIR A PORTA

para todas as pessoas que entram agora nas portas abertas deste mapa, nossas boas-vindas.

Em 2017, publicamos a primeira edição do “Mapa de Visitação da Sua Casa” como um convite para observarmos com espanto o lugar onde moramos.

Agora em 2020, em tempos de pandemia e com a necessidade de isolamento social, a casa se tornou um espaço ainda mais íntimo de muitas pessoas.

Diante do atual contexto, criamos esta “versão extraordinária” e online do mapa, disponível gratuitamente no site www.sorverversos.com

Sabemos que este mapa é incompleto. Sabemos que no Brasil ainda é enorme o número de pessoas SEM casa para morar. Sabemos também que as casas têm

contornos diversos e desiguais - algumas com um cômodo só e seis pessoas, outras com seis cômodos e uma pessoa. Diante de um contexto tão brutal e incerto, nossa intenção com o mapa é modesta: abrir espaço na sua percepção. E a casa é apenas um pretexto para isso.

Acordar nossos sentidos é o ponto de partida deste mapa. Acordar nossos sentidos é um contraponto ao gesto automático. Acordar nossos sentidos é uma afirmação da vida espessa e aguda agora em nós.

Sinta-se à vontade aqui,André Gravatá & Serena Labate@sorverversos

O diárioda janela

Anotedia a diaa vidana janela

Olhe pela janelacomo uma águia olharia pela janela

Olhe pela janelacomo uma árvoreolharia pela janela

Olhe pela janelacomo um marolharia pela janela

Olhe pela janelacomo uma ASAolharia pela janela

Olhe pela janelacomo sua avóolharia pela janela

Olhe pela janela como um sustoolharia pela janela

A planta unha-de-gato é conhecida também pelo nome “ME-espera-que-eu-também-vou”

As caliandrastambém atendem se as chamam de“Me-dá-um-beijo-que-eu-te-conto”

Renomeieobjetosda casacom palavrasque os façamrenascer

Os quadros sãojanelas penduradasTroque essas janelasde lugarpor um tempopara fixar no corpoo relevo das ondasde cada segundo

nunca encontramosa mesma coisano mesmo lugar

toda mesma coisaé coisa diferente

Beba o café da manhãem uma parte da casaonde você nuncaimaginouque seria possívelum café da manhã

“Há o exemplo daquele caraque se dedicou a meio metroquadrado de terra,esperando aprender,antes do fim dos seus dias,tudo que pudesse saber sobreaquele pequeno lote.”

(John Cage, no livro De segunda a um ano)

Dedique-se a meiometro quadrado da casa

Faça uma listade tudo o que o pequenolote ensina

A biografiaao redor

Escrevaa biografiade uma plantaou objetoou gestona casa

InvestigueInventea intimidadeAS origenso que vocênâo sabeporquenuncase interessouem saber

Um voo

Liguepara alguémcom quem você não falahá bastante tempo

Leia um poemade repentepara a pessoade presenteum voo das palavrasdiretoda sua casapara a casa dela

Em algumas casas (é raro,mas possível)

Vivem até 18 mil ácarosnuma colher de sopa de pó

Os ácarosevacuam cerca de vinte vezes

por diae seus excrementos

redondos dançam ao solenquando dobramos

o cobertor

Nunca mais olheda mesma maneirapara a poeiraque dança

* Informações contidas em The

Secret Life of Dust, de Hannah Holmes, citadas no livro

Projeto Octógono Arte Contemporânea, de

Ignasi Aballí

“Estou enxergando agora vocêEnxergando palácio enxergando o mundoEnxergando a casa enxergando mesas cadeirasEnxergando paredes cercando o chão cercando teto (...)”(Stela do Patrocínio, no livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome)

sentenumacadeira OlheFale em vozaltatudoo queenxerga

Na arqueologiada casaidentifiquea marcamais arcaica

sentenumacadeira OlheFale em vozaltatudoo queenxerga

“Na vida e no poemadar menos um passo”(Adília lopes, no livroaqui estão minhas contas)

Caminhelentamentepelos cômodos da memóriacom uma lanterna

Desenhe um mapa dos cômodos

da sua memória

Comoseriaviversemsua casa

Como seriasua casasemvocê

Espreguiceseu corpopela casa

Apresente à casamovimentosque nuncaa casapresenciouno seucorpo

Uma paletade movimentos

O silênciodo tapeteO silênciodo amarelono quenteO silêncioda fotografiana parede

O barulhoda torneirada piaO barulhodos ossosdo pescoçoO barulhoda águasorvidapela terrano canteiro

Como quem procurauma agulhano palheiroProcure umsilêncio nítidodesconhecido

um barulho afiadodemistério

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