ediÇÃo especial revista pzz

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EXPEDIÇÕES CIENTÍFICAS JOÃO MEIRELLES FALA DA RELAÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA, MITO E CONHECIMENTO PRODUZIDOS SOBRE A AMAZÔNIA LITERATURA AMAZON TOWN DE CHARLES WAGLEY POR MÁRIO SANTOS MÚSICA TERRUÁ PARÁ POR ELIELTON AMADOR E BRUNO PELLERIN FILOSOFIA A IDENTIDADE DA METAFÍSICA POR HERBERT EMANUEL TEATRO CARLOS CORREA SANTOS ENSAIO FOTOGRÁFICO TANHA GOMES CRÍTICA DE JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO MODA DA TRIBO CINEMA CHICO CARNEIRO IDENTIDADE COLETIVO CASA PRETA POR VIVI MATTOS

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No Brasil a questão da visualidade amazônica tem sido objeto da Revista PZZ que busca atuar e discutir o conceito no campo das artes visuais, onde a imagem em relação à sociedade, assume um papel fundamental para a compreensão e reflexões sobre a realidade amazônica.

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expedições

científicasJOÃO MEIRELLES FALA DA RELAÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA, MITO E CONHECIMENTO PRODUZIDOS SOBRE A AMAZÔNIA

LITERATURAAMAZON TOwN DE CHARLES wAgLEy POR MáRIO SANTOS

MúSIcATERRUá PARá POR ELIELTOn AMAdOR E BRUnO PELLERIn

FILOSOFIAA IDENTIDADE DA METAFÍSICA POR HERBERT EMAnUEL

TEATROcARLOS cORREA SAnTOS

EnSAIO FOTOgRáFIcOTANHA gOMEScRÍTIcA dE JOÃO dE JESUS PAES LOUREIRO

MOdADA TRIBO

cInEMACHICO CARNEIRO

IdEnTIdAdECOLETIVO CASA PRETAPOR VIVI MATTOS

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Editor ResponsávelCarlos Pará 2165 - DRT/PAEditor de arte/Projeto Gráfico

Rilke Penafort PinheiroProdução Executiva

Carlos Pará, Pedro Vianna e Narjara Oliveira.

Computer to Plate:Hélio Alcântara

Impressão:Gráfica Sagrada Família

Distribuição: Belém, Pará, Brasil.

A Revista é uma publicação BimestralEditora Resistência Ltda

Cnpj : 10.243.776/0001-96Issn: 2176-8528

Assessoria Jurídica:Alfredo de Nazareth Melo Santana

11341 OAB-PAContatos

(91) 3351-5188 - 9616-4992 email:

[email protected]:

@revistapzzFacebook: http://www.facebook.com/

revistapzzcartas

Av. Duque de Caxias, 160 Loja 14 - cep.: 66.093-400

Marco - Belém - Pará - Amazônia - Brasilsite:

revistapzz.comparceiros

O mapa e o território

Desde cedo a Amazônia é objeto de interesse e curiosidade de estrangeiros, es-pecialmente motivados por instintos colonialistas. Durante longos períodos,

até os dias atuais, equipes estrangeiras com todo seu aparato tecno-científico vem mapeando, estudando, catalogando e se apropriando da riqueza vegetal, mineral, energética, biogenética do nosso ecossistema para servir como fonte de seus pro-pósitos. Para eles, primeiramente, viajar pelo interior da exótica região como ver-dadeiros guerreiros armados, além da pólvora e da sífilis, de lápis e pincéis, vieram com a máquina fotográfica, o satélite e o GPS. Ameaçados por doenças tropicais, ataques indígenas e pelo medo, silêncio e vazio da mata, que muitas vezes os leva-vam à loucura, esses viajantes passavam por inúmeras dificuldades, já que as liga-ções com o interior eram praticamente inexistentes. Um isolamento que explica, de certa maneira, o fato de que as terras do continente americano ainda permane-cessem inexploradas e desconhecidas quinhentos anos após sua descoberta, des-pertando a cada dia, o interesse econômico e extrativista pela região por parte das multinacionais e de conhecimento, pesquisa, preservação e desenvolvimento sus-tentável por parte de instutos e ong´s. Contudo, a farta documentação recolhida nas viagens exploratórias realizadas nos séculos XVI ao XXI possui enorme valor histórico e imagético. Essa documentação constitui-se hoje fonte de pesquisa im-portante para as ciências naturais e sociais. João Meirelles, pesquisador e autor do livro Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (1500-1930) vol 1 e vol 2, em seu artigo “Os viajantes” descreve alguns dos principais nomes que vieram à Amazônia por conta própria ou patrocinados pelos países imperialistas. Descreve a relação entre ciência e arte, entre mito e conhecimento produzidos sobre a Amazônia. O devassamento das fronteiras internas, característico de trabalhos como o de Rondon em 1840, foi retomado com a Primeira Comissão Demarcadora de Limites capitaneada por Euclides da Cunha em 1928. Ela contém além do registro paisagístico e geográfico da Amazônia brasileira limítrofe dos países pan-ama-zônicos e registros dos índios que habitavam as cabeceiras do país. Essa dispo-nibilidade ímpar para perder-se nos rincões de nossa região, embrenhar-se nas matas e atravessar, nos mais diferentes meios de transporte, rios, lagos, igarapés, não flagramos apenas nos expedicionários, essa disponibilidade, para os encontros inesperados que acompanham cada viagem, para as intermitências do coração e do acaso, para interromper o fluxo do conhecido e atirar-se às aventuras que re-dundam em “grandes” descobertas, encontramos no trabalho de Chico Carneiro, cineasta documentarista, que na série “Barcos da Amazônia” produz cinco filmes sobre os diferentes tipos de utilização dos barcos que navegam nos rios da Ama-zônia paraense revelando a vida dos homens que trabalham em barcos e o seu meio. Na relação entre mapa e território utilizando o corpo como expressão artística instaurando fronteiras, a fotografia de Tanha Gomes, o ensaio sobre o Terruá Pará por Bruno Pellerin mostrando novos rostos da música brasileira, a moda de Kátia Fagundes renovando com estilo e criatividade a estética tradicional da Moda. No Brasil a questão da visualidade amazônica tem sido objeto da Revista PZZ que busca atuar e discutir o conceito no campo das artes visuais, onde a ima-gem em relação à sociedade, assume um papel fundamental para a compreensão e reflexões sobre a realidade amazônica.

Boa Leitura

Carlos ParáRilke Penafort PinheiroRealizadores daRevista PZZ

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itinerário

Desenho da Capa (detalhe da cabeça de urubu-rei) pertence ao acervo pro-duzido pela expedição capitaneada por Alexandre Rodrigues Ferreira, que na qualidade de naturalista do Reinado de D. Maria I (1777-1816), foi ordena-do para uma Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. A idéia era di-namizar a exploração econômica e a posse das conquistas em áreas de lití-gio. Em 1783 o naturalista deixou o seu cargo no Museu da Ajuda e, em Setem-bro partiu para o Brasil, para descre-ver, recolher, aprontar e remeter para o Real Museu de Lisboa amostras de utensílios empregados pela população local, bem como de minerais, plantas e animais. Ficou também encarregado de tecer comentários filosóficos e polí-ticos sobre o que visse nos lugares por onde passasse. Esse pragmatismo será o que leva a expedição a ser distinta de suas congêneres, mais científicas, co-mandadas por outros naturalistas que vieram explorar a América.Inventariou a natureza, as comunida-des indígenas e seus costumes, avaliou as potencialidades econômicas e o de-sempenho dos núcleos populacionais. Foi a mais importante viagem durante o período colonial.

literatura 10

audiovisual 22

filosofia 30

metafísica: A Metafísica da Identidade Cultural - Hebert Emanuel fala sobre subjetividade, cultura, identidade e suas imbricações no processo de sub-jetivação contemporânea, a partir da perpesctiva de Félix Guattari e Gilles Deleuze.

documentário 66história: Os Viajantes - João Meirelles Filho, descreve a relação entre ciência e arte, entre mito e conhecimento produzidos sobre à Amazônia, através das expedições cien-tíficas. Em seguida as expedições da Comissão Demarcado-ra de Limites na Amazônia.

teatro: um recorte da dramaturgia - Carlos Correia Santos, movimenta-se pelas veredas da Dramaturgia, Romance, Crônica, Roteiro e Poesia.

música 40

moda 48Da Tribu: Tramas, fértil raiz. A Moda produzida pela estilista Kátia Fagundes produzindo peças exclusivas, amalgamadas à poesia, ao conhecimento empírico e as suas memórias familiares. ensaio 56

fotografia: Traduzindo a Intuição Fundadora -João de Jesus Paes Loureiro, fala do trabalho da fotógrafa Tanha Gomes. “Toda foto é uma forma de destino”,

artes plásticas 96

Salão do Humor: Provocar reflexões sobre a relação do homem com o meio ambiente, de uma forma irreve-rente e crítica, fez do Salão Internacional do Humor da Amazônia

identidade 104

resistência: Ser negro é resistir - “essa é a pala-vra que define a existência do Coletivo Casa Preta. Conheça as ideias e as ações desse coletivo midiático. entrevistado por Vivi Mattos.

dramaturgia 36

poesia: o artista multimídia Tchello Barros e sua poesia visual espalha-se pelo Brasill e pelo mundo.

romance: Mário Santos Neto narra o encontro, em 1945, entre o antropólogo

cinema: O cineasta Chico Carneiro, produz uma Série de cinco filmes que mostram as diferentes utilizações dos barcos amazônicos na vida e no cotidiano das pessoas que se contrabalançam no Mar Doce, ramificado de rios, furos

Terruá: retratos musicais - Elielton Amador des-creve o trabalho de Bruno Pellerin, que amplia seu álbum de Retratos com os artistas do Terruá Pará.

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A retrospectiva itinerante de Poemas Visuais da

série ’’Convergências’’ já foi apresentada em vários Estados, como PA, PB, AL, SC, RJ, ES e RS e neste

2012 participam da mostra de arte brasileira no Ano do Brasil em Portugal.A

neve cobria os campos e cidades do pla-nalto catarinense. Frio abaixo de zero. Um adolescente de quinze anos, esquen-tava as mãos no fogo-à-lenha e degustava o chimarrão de erva da serra, enquanto lia as narrativas de Inglês de Souza, em li-vros emprestados de bibliotecas públicas. Surgia ali a semente de um dia conhecer e quem sabe viver na mítica Amazônia. Passadas duas décadas, produzindo obras em diversas linguagens, com ênfase na Literatura e nas Artes Visuais, realiza as primeiras viagens à capital paraense, mas pode-se dizer que a obra foi chegando antes do autor. Um soneto distribuído num casamento, textos publicados no site Ver-O-Poema e em 2009 chega a cidade a exposição itinerante de Poesia Visu-al ’’Convergências’’, abrigada na Galeria Graça Landeira, pelo curador Emanuel Franco. Em seguida, o convite para diri-

gir uma revista e assim a escolha de viver finalmente na Amazônia, tendo como base, a antiga e bela Belém do Pará. Desde logo, buscou aproximar-se das atividades culturais da região, partici-pando com declamações dos saraus do Movimento Cultural Extremo Norte, dos happenings promovidos pelo Cor-redor da Amazônia e dos encontros culturais realizados pelo projeto Zona Cultural, do Sindfisco. Numa cidade considerada um polo de produção fo-tográfica, tratou logo de apresentar um pouco de sua produção nessa área, e assim surgiu uma trilogia de exposições fotográficas, ocorridas no expaço de ex-posições do IFPA, no espaço alternativo do Corredor da Amazônia e na Biblio-teca Arthur Vianna, no Centur. Além disso tem participado de coletivas foto-gráficas, no Sesc Boulevard, Fórum Lan-di e Sindfisco. No segmento do audiovi-sual, tem participado das atividades do NuPA, Núcleo de Produção Audiovisual (UFPA + Sesc Boulevard) e das produ-ções da Muirakitam Filmes, onde assina roteiros e a direção de fotografia.Já na área teatral, teve algumas perfor-mances, encenadas por atores locais, dirigidas por Ronaldo Aparecido e Joyce Bervelly, como Outra Jaula Para Pound, Feminilidades, Poema Ao Pé do Ouvido e a intervenção Fila de Poesia.

literatura poesia

entre o texto e aimagemÉ A PARTIR DE BELÉM, ONDE O ARTISTA MULTIMÍDIA TcHELLO BARROS

RADICOU-SE, qUE SUA POESIA VISUAL ESPALHA-SE PELO BRASIL E PELO MUNDO. PARA ALÉM DAS LIDES COM A PALAVRA, DIVIDE-SE ENTRE A

FOTOgRAFIA E OUTRAS LINgUAgENS.

por André Ferreira Leite

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Tchello d’Barros é um catarinense que gosta de chimarrão e reside atualmen-te em Belém, Amazônia. É um poeta da palavra e da imagem que não mede esforços e nem recusa a possibilidade de utilização da tecnologia disponível. Passeia pela Literatura e pelas Artes

Visuais e gráficas com enorme desen-voltura. Além disso, escreve Literatura de Cordel sem deixar de ser contem-porâneo, escreve Literatura Infantil sem deixar de ser lúdico. Na Poesia Visual deixa sua marca com forte ex-pressividade e criatividade, através de trabalho duro e extensa pesquisa. No Brasil não podemos esquecer os poetas do Concretismo, os irmãos Campos e Décio Pignatari, que mere-cem reverência e respeito.Além deles, citemos ainda Leminski, José Lino Grünewald, Philadelpho Menezes e o Poema-processo de Wla-demir Dias-Pino. Tivemos ainda vá-rias revistas alternativas nas décadas de 70 e 80, que foram difusoras e entu-siastas da Poesia Visual, isso para citar somente algumas fontes e para dizer que esta ainda se faz com entusiasmo

na contemporaneidade, como no caso do trabalho de Tchello d’Barros, fun-damentado na pesquisa e na experi-mentação radical. Se pensarmos na trajetória da Poesia Visual no mundo, podemos perceber sua marca desde tempos idos, passan-do pela revolução explosiva de Mallar-mé e seu Lance de Dados, Apollinaire e seus Caligramas ou mesmo os poetas radicais do Futurismo, Dadaísmo e Surrealismo, sem esquecer os re-des-cobridores de Lautréamont e Rim-baud, poetas fundamentais - e mesmo visuais - por produzirem uma poesia imagética e sensorial.Ao trabalhar com a multilinguagem, Tchello d’Barros vai além e insere-se na produção contemporânea brasilei-ra sem se repetir, ou mesmo se reduzir, mas com uma tendência de se expan-

poesia

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dir sempre e cada vez mais. Poemas como Me dê Cifras ou mesmo A Teia, nos remetem ao humor e ironia tão necessários ao cotidiano e a poesia, os signos falando, transmitindo, comuni-cando, a teia, a rede, o labirinto, o ho-mem e seu próprio labirinto. Somam--se o enigma, o jogo, o som, a imagem, a palavra e a interpretação intersemi-ótica, como propunha Julio Plaza. Al-çar vôo e ir além, inserção em circuito nacional itinerante e repleto de ação, numa obra em progresso. Convergências é uma série consisten-te de pesquisa e contínua construção, que se insere no contexto da produção atual da Poesia Visual, e como não podia deixar de ser, ora surge uma re-ferência a Borges, ora a Brossa, com homenagens sinceras e referenciais, já que são construções produzidas a par-

tir de uma pesquisa prévia e paciente. A proposta de itinerância desta expo-sição é um processo de suma impor-tância para a divulgação e ampliação da Poesia Visual criada por poetas contemporâneos do Brasil, quiçá na América Latina e no mundo. A iti-nerante exposição de poemas visuais Convergências, impressiona não ape-nas pela força imagética, mas princi-palmente pela atualidade, sinceridade e humor. Tchello d’Barros criou um mundo de imagens gráficas, recheadas de simbo-lismo e de palavras que vão além do óbvio, fazendo com que o olhar do ex-pectador se expanda e se surpreenda com detalhes sutis inseridos em sua obra. A circulação e itinerância des-tes trabalhos nos dão a dimensão e a importância da Poesia Visual para o

mundo contemporâneo e acelerado que vivenciamos hoje. Às vezes, é pre-ciso parar e meditar para se perceber o que sempre está lá na nossa frente, na nossa cara.

TCHELLO D’BARROS EM NÚMEROS

315 AÇÕES CULTURAIS05 LIVROS PUBLICADOS42 ANTOLOGIAS25 EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS55 EXPOSIÇÕES COLETIVAS07 CURADORIAS REALIZADAS41 TEXTOS CRÍTICOS SOBRE SUA OBRA04 CURTAS DE FICÇÃO12 ATUAÇÕES EM PEÇAS TEATRAIS01 ATUAÇÃO EM LONGA METRAGEM05 DRAMATURGIAS ENCENADAS20 PAÍSES VISITADOS06 PREMIAÇÕES07 OFICINAS MINISTRADAS

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literatura romance

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em 1945, o antropólogo charles wagley realizou uma viagem para a cidade de gurupá, na ilha do marajó, onde encontrou dalcÍdio jurandir e logo depois escreveu o livro amazon town

por Mário Santos Neto

aMaZOntOWn

Entre junho e setembro de 1948, o antropólogo norte-ame-ricano Charles Walter Wagley (1913-1991) complementou a coleta de dados iniciada em 1942, e ampliada em 1945, que culminaram no livro Amazon town. A study of man in the tropics (1953). Na visita à comunidade amazônica de Gurupá (PA), em 1945, o antropólogo contou com o apoio do escritor Dalcídio Jurandir (1909-1979), que colaborou na pesquisa e inclusive, segundo Moacir Werneck de Cas-

tro, “o ajudou escolher a pequena cidade paraense de Gurupá – onde, aos vinte anos fora secretário do prefeito” (2006: 200). Essa estadia de Dalcídio na comunidade ocorreu em 1929, quando foi nomeado Secretário-Tesoureiro da prefeitura do município por seu amigo, o “Intendente”, Rainero Maroja. Foi nesse curto período que aí ficou (outubro de 1929 a novembro de 1930) que o então jovem escritor esboçou o primeiro romance de seu futuro proje-to literário: a série Extremo Norte, um conjunto romanesco constituído por dez volumes, que narram a trajetória do jovem Alfredo, compondo um vas-to panorama social, cultural e histórico da Amazônia – conjunto mais tarde chamado de Saga do Extremo Norte por Jorge Amado (1996: 17). Essa “saga” acompanha o percurso do personagem desde a infância, por volta dos dez anos, passada no Marajó (Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras), até à matu-ridade, aos vinte. O último romance da série, Ribanceira, narra a experiência de Alfredo como Secretário-Tesoureiro em uma cidade situada à beira do rio Amazonas – repetindo ficcionalmente a biografia do escritor.No auge da Segunda Guerra Mundial ocorria um processo novo de aproxi-mação entre EUA e Brasil. Os norteamericanos estavam interessados em ma-térias primas importantes no Brasil, borracha na Amazônia e mica e quartzo no Vale do Rio Doce. Daí, relata Moacir Werneck, “elaboraram um programa de assistência médica e sobretudo de saenamento básico para marcar presen-ça” (2006: 201). O antropólogo Charles Wagley, após um rápida pesquisa de campo em terras indígenas, em 1942, assumiu a Divisão do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), programa surgido da parceria entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos para “fornecer assistência médica aos produtores de matérias-primas estratégicas”, entre estes, os seringueiros do Vale Ama-

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zônico (Wagley, 1988: 19-20). Nessa ocasião, o antropólogo contou com a ajuda de Dalcídio Jurandir, que com “seu profundo conhecimento da vida da cidade e o grande círculo de amigos” tornou possível que ele, Wagley, aprendesse mais sobre Gurupá “em um mês, do que o teria conse-guido em dois meses” sem o auxílio do escritor (Wagley, 1988: 21). Dessa experiência Charles Wagley acumulou dados que o ajudaram a com-por o livro Amazon town. A study of man in the tropics, “estudo de caso” realizado em Gurupá entre junho e setembro de 1948. A tradução bra-sileira desse livro, Uma comunidade amazônica. Estudo do homem nos trópicos, realizada por Clo-tilde da Silva Costa, foi publicada em 1956 – a 3ª edição, de 1988, conta com um novo prefácio de Charles Wagley e um posfácio escrito por Darrel Miller, aluno do antropólogo.Uma comunidade amazônica apresenta oito capí-tulos. No primeiro, “o problema do homem dos trópicos”, o antropólogo norte-americano tenta responder a questões relativas ao desenvolvimen-to de uma região “atrasada”, analisando vários aspectos, do clima à economia. O segundo capí-tulo, “uma comunidade amazônica”, faz uma des-crição da cultura de Itá (nome fictício de Gurupá no estudo antropológico), encarada como pro-duto da fusão entre as culturas europeia, negra e indígena. O terceiro capítulo, “o meio de vida nos trópicos”, trata da organização econômica da co-munidade de Itá e descreve, por exemplo, a pes-ca e a extração da borracha com seu “sistema do aviamento”. O quarto capítulo, “as relações sociais em uma comunidade amazônica”, tematiza a es-tratificação social em Itá, descrevendo como os habitantes da comunidade se classificam quanto a sua classe social (“gente de primeira”, “gente de segunda”), como ocorre a mobilidade social, etc. O quinto capítulo, “os assuntos de família de uma comunidade amazônica”, aborda a família e as re-lações de compadrio como estratégia para alargar o círculo de relações pessoais. O sexto capítulo, “a gente de Itá também se diverte” descreve as festas religiosas. No sétimo capítulo, “da magia à ciên-cia”, Wagley narra o choque entre as práticas da medicina científica e da medicina popular. E para concluir o livro, o oitavo capítulo, “uma comuni-dade de uma área subdesenvolvida”, reforça as teses contidas em todo o livro comparando a co-munidade de Itá com a pequena cidade de Plain-ville (EUA). Nessa comparação, o pesquisador afirma que Itá é a mais atrasada, na maioria dos aspectos analisados, entre as duas comunidades. Segundo ele, o motivo pelo qual a região amazô-nica é atrasada reside na cultura e na sociedade, e que só com uma reforma cultural e a chegada da técnica é possível desenvolver a região.As “notas de campo” do pesquisador, feitas du-

rante a pesquisa por toda a equipe que ele liderou, nos possibilitou, entre outras coisas, observar a semelhança, em parte, dos processos de levanta-mento de dados realizados tanto pelo escritor no contexto do seu projeto literário quanto pelo an-tropólogo; e nos ajudou também a estabelecer al-gumas convergências entre o romance e o estudo antropológico, abordando aspectos da vida social e histórica da comunidade amazônica de Guru-pá. A partir disso, observamos melhor o diálogo entre as duas obras, e ampliamos assim a reflexão sobre a transposição ficcional feita por Dalcídio, no romance, baseado na própria vivência na comunidade e nos dados coletados por Wagley. Além disso, alguns desses dados dialogam com os dados que levantamos quando realizamos, em fevereiro de 2012, a visita de campo na comuni-dade. A convergência que estabelecemos, nesse primeiro momento, entre as duas obras, se detém especificamente na relação entre alguns aspectos da comunidade referidos pelo romance que são tratados no estudo antropológico, e encontram testemunhos nas “notas de campo” do pesquisa-dor – apesar de algumas dessas “notas” não terem sido utilizadas no livro.Nas fichas de pesquisa de Charles Wagley encon-tramos o nome verdadeiro de alguns comercian-tes importantes da localidade, dentre os quais destacamos os nomes de Liberato Borralho e Samuel Castiel, que provavelmente serviram de base para a criação dos referidos personagens do romance Ribanceira. Tanto a família Borralho quanto a família Castiel (que é judia, assim como a família Bensabá no romance), foram muito re-feridas quando, na visita de campo, em Gurupá, realizamos uma entrevista com Adelino Freitas, historiador e morador antigo da comunidade. A possibilidade de consultar as “notas de cam-po” da pesquisa do antropólogo foi importante para analisar o processo pelo qual o pesquisador protege seus informantes, em seu livro: ele cria nomes fictícios para cada um deles, cujo “efeito simbólico seria o de despertar a confiança dos habitantes e dos informantes na e da comunida-de” (Francisco Rosa, 1993: 50). A característica principal desses nomes é a proximidade sonora com o nome verdadeiro. Em Uma comunidade amazônica, o comerciante Liberato Borralho, por exemplo, é referido como Lobato; a zelado-ra da igreja de Santo Antônio, D. Inacinha, é, no estudo, a D. Branquinha; e assim por diante. Em Ribanceira, essas duas figuras históricas apare-cem, respectivamente, como o Seu Guerreiro, o “Não-me-Meto-em-Política”, e na D. Pequenina, a “Mata-Marido”, viúva várias vezes, assim como D. Inacinha, que declara em uma das fichas de pesquisa do antropólogo que “não é nada agra-dável fazer enterro de marido”.

romance

Segundo Wagley, o motivo pelo qual a região amazônica é atrasada, reside na cultura e na sociedade, e que só com uma reforma cultural e a chega-da da técnica é possível desenvol-ver a região.

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SãO BeNeDiTOé um personagem mítico que despon-ta com poderes sobrenaturais no romance de wagley e de dalcídio .

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Alguns depoimentos colhidos pela equipe de Charles Wagley evocam, de imediato, trechos do romance. Em um ficha consta o depoimento de uma moradora local que expressa o clima de-cadentista da época. Nas palavras de D. Felícia “Gurupá está agora [em 1948] muito decadente, já foi um lugar, tinha luz, telégrafo.” Na caminhada aos cemitérios, no início do romance, o “guia” de Alfredo, Intendente Dr. Januário, também refere o desamparo da comunidade: “O entulho nos en-gole. Venho administrar o outrora, o que já foi. E cidade foi, sim, com hotel, piano, harpa, banda de música, coche fúnebre, jornal, biblioteca, advoga-dos e um Trapiche-cais. Os santos fugiram, alega aquele bêbedo lá da raiz de mangueira. Santo An-tônio e São Benedito são só fantasmas. Desmente o Coletor Federal, o Sede de Justiça: Quem daqui saiu no Lobão, com as imagens num saco de bor-racha, senão o Meritíssimo? Mas me servindo um cálice de Porto, afiança o seu Guerreiro: Não, o Juiz não, foi o ex-Intendente. Fazendo acordo com o Diabo, destelhou a igreja para cobrir com as telhas sagradas a casa do filho no Jocojó. O filho torrou as imagens em Belém, trocou uma a bordo por um pacote de quinino (Ribanceira = R: 35-36).Em um diálogo constante, esse trecho evoca, ain-da, outros dados da pesquisa antropológica. Além do desamparo por conta da situação de declínio econômico experimentado após o auge do “ciclo da borracha”, o personagem romanesco se refere também aos “causos” envolvendo os dois santos da cidade. Na comunidade de Gurupá, ainda hoje, como pudemos observar na visita de campo, San-to Antônio e São Benedito, convivem juntos na igreja de Santo Antônio, [foto]. Charles Wagley, no seu livro, se refere à lenda do edifício da pre-feitura, que, nas palavras do antropólogo, “deveria

ter dois andares e uma escada majestosa descendo do segundo andar até à praça pública, defronte do rio Amazonas”, mas por volta de 1912, não foi aca-bado então porque o prefeito havia desapropriado para a prefeitura o material de construção que vi-nha sendo acumulado para erigir a igreja de São Benedito, de quem a população de Itá se tinha tor-nado profundamente devota. “O santo pôs uma maldição no prédio”, dizem ainda hoje os mora-dores da cidade (Uma comunidade amazônica = UCA: 69).No romance, a mesma lenda aparece, agora den-tro da coerência do enredo, no mesmo trecho em que o Intendente está acompanhando Alfredo na “vistoria aos cemitérios”, destacando também a “escada majestosa”:Aqui, do que seria o Palacete Municipal, só foi ar-mado o esqueleto. Olhe a escada para o segundo andar. A obra parou no mesmo ano em que des-ceram aqueles preços. O ex-Intendente passou no cobre os materiais da construção. Mas entre o povo corre que foi arte de São Benedito. Os ma-teriais pertenciam ao santo para a sua igreja que nunca saiu da pedra fundamental. Foram requi-sitados pelo Intendente para a obra do palacete. Zangou-se o santo. Consta que São Benedito anda farto de morar em casa alheia, a casa é do Santo Antônio. Mas agora não tem remédio. Os dois santos se tolerem secula seculorum debaixo do mesmo telhado (R: 33).A obra antropológica e a obra literária continu-am o diálogo no que se refere às histórias sobre os santos que “corriam” na comunidade na época em que, tanto o escritor quanto o pesquisador, lá esti-veram. Na página 36 de Ribanceira, os dois santos são referidos como “fantasmas”; em Uma comuni-dade amazônica, um trecho relata duas narrativas

romance

alguns trechos dos livros evidenciam o dialogo entre as obras AMAzON TOwN e RiBANCeiRA, e a colaboração de Dalcídio Jurandir na coleta de dados sobre a cultura de gurupá para a pesquisa do antropolgo Charles wagley.

Pactos entre linguagensA pobreza do lugar reside na cultura e na sociede amazônica.

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MáRiO SANTOS NeTO viajou para adentrar no cenário do ro-mance e pesquisar referência da obra, na cidade de gurupá na ilha do marajó.

que aparecem no romance:Cada santo é considerado uma divindade local. Santo Antônio e São Benedito, cujas imagens ocupam o altar--mor da igreja matriz, chegaram mesmo a ser vistos à noite caminhando pelas ruas. O pai de Juca contou-lhe ter avistado os dois santos passeando certa noite sob as mangueiras da rua principal; usavam hábitos de mon-ge e dirigiam-se à igreja, onde os viu entrar [...] Em ou-tra ocasião, um soldado viu dois homens caminhando pela rua, altas horas da noite, e como não atendessem à sua ordem de alto, fez fogo. Ambos continuaram ca-minho e ele os reconheceu como os dois santos, tendo o zelador da igreja no dia seguinte encontrado um ori-fício produzido por bala na imagem de Santo Antônio (UCA: 221). No romance, a lenda do “baleado Santo Antônio”, que por isso está “perdendo sangue” (ao longo do romance essa é a referência principal ao santo), aparece em uma conversa entre Alfredo e Bi, quando estão em busca dos músicos para o baile de D. Benigna: Pisavam no chão de pedras, varre o rei, varre a rainha, lá embaixo o baque dos cedros na praia.Cismo que esta hora é a folga daqueles dois — fala Bi com voz resignada.— Que dois? O rio e a noite?— Santo Antônio e São Benedito saírem juntos para tomar fresco.— Se livrarem um pouco do cheiro da santidade e dos morcegos?— Os dois costumam sair, sim, o branco e o preto. Mas agora, não, ah, nem me lembrava! São Benedito anda em tiração de esmolas. Vem das Ilhas, cobrando óbo-los.— Óbolo ao Papa?— Ao Papa? Sabe que Santo Antônio foi, uma noite, alvejado? Levou uma bala lá nele que até hoje traz a marca. Foi numa das suas saídas de noite.

Os santos que fugiram de Itá: Santo Antônio e São Benedito

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— Por isso perde sangue? (R: 140)Para o autor de Ribanceira, “a ficção é mais verossímil quanto mais inven-tada tendo como base a realidade” (D.Jurandir, 2006: 52), e por isso seu processo de criação envolvia muitas viagens, pesquisas, coleta de material, e uma reflexão constante a respeito da téc-nica composicional do romance – seus grandes mestres neste campo foram Flaubert e Tolstói. Seus colaborado-res mais ativos nessa recolha de dados eram seus irmãos, Ritacínio e Flaviano, a quem pedia coisas como mapa de rios, cidades, dados históricos sobre algumas cidades (Ponta de Pedras e Belém, prin-cipalmente), detalhes sobre determina-das profissões, etc., que o romancista “preenchia [em] vários cadernos com anotações diversas, como ditos e cren-dices populares, citações de autores clás-sicos, lendas, etc.” (B.Nunes et al., 2006: 165). Tudo isso demonstra o grau de consciência e cuidado que Dalcídio Ju-randir tinha com a composição de seus romances, os sacrifícios que lhe exigiam e ainda as dificuldades que enfrentava, como, por exemplo, a distância, o escri-tor longe, no Rio de Janeiro, e os irmãos e amigos em Belém.Nesse ponto, observando o processo de levantamento de dados realizado pelo romancista, percebemos o quanto se as-semelha, em parte, ao levantamento rea-lizado pelo antropólogo. Como compro-vação disso, cabe citar o fato de termos encontrado, em meio às “notas de cam-po” do pesquisador, uma quadra popu-lar do município, coletada em 1948, não utilizada no estudo antropológico, que figura em Ribanceira. A quadra que diz: “Tigre preto, Tigre branco/ Que vem nas ondas do mar/ Tigre preto, Tigre bran-co/ Já tornou sabiá” aparece quando Al-fredo volta de sua experiência frustrada no Rio, e logo em seguida vai visitar sua madrinha, Magá, no ponto de venda de tacacá, e da boca dela ouve parte da qua-dra anotada por Charles Wagley:Com três cuias de tacacá, bem pimen-ta, um camarão e jambu, regalou-se, fazendo render a goma para pedir mais tucupi. Magá servia aos fregueses, can-tarolando:

Tigre pretoTigre brancoQue vem nas ondas do mar

Beiço a tremer da folha do jambu, Al-fredo ouvia e isso era reaver o nome, o conhecer-se de novo, o restituir-se ao chão (R: 12). Esse trecho aponta que Dalcídio Ju-randir e Charles Wagley coletaram cada um por seu turno, a mesma qua-dra popular. A não ser que tenha ha-vido uma colaboração do romancista nessa tarefa, no caso, fazendo parte da equipe de pesquisa do antropólogo (o que certamente não deixaria de ser referido no prefácio do livro deste) é pouco provável que o escritor tenha acessado o material dos antropólogos. Concluímos, então, que era o seu pro-cesso de levantamento de dados para a criação romanesca que se assemelhava ao mesmo processo dos antropólogos.Os pontos de contato entre Uma co-munidade amazônica e Ribanceira se referem a vários outros aspectos da comunidade de Gurupá. A conver-gência que propomos agora se detém sobre o espaço real de Itá/Gurupá e o espaço ficcional da “ribanceira”, além da relação entre alguns informantes do antropólogo e alguns personagens relevantes da trama do romance, como o Seu Guerreiro e o Seu Bensabá, co-merciantes locais que de fato existiram e estão presentes na ficção. A descri-ção da cidade no romance, por exem-plo, vai ao encontro em muitos pontos da descrição feita por Charles Wagley, diferindo apenas a maneira pela qual essa descrição é feita. No estudo antro-pológico a cidade aparece descrita de uma maneira seca, informativa, desti-tuída de efeitos estilísticos, caracterís-tica do texto objetivo, científico:Vista do rio, a cidade é uma pausa repousante na monótona sucessão de matas que cobrem as margens do Amazonas. Destaca-se, nítida e colo-rida, do fundo verde-escuro da vege-tação. A igrejinha, branca e lumino-sa, com o seu telhado cor de barro, é o primeiro edifício que se distingue (UCA: 45; grifo nosso).Itá apresenta ao rio o seu melhor per-fil, mas, vista de perto, até a sua orla fluvial está estragada pelo uso (UCA: 46).Por outro lado, no romance a descri-ção da “ribanceira” aparece transfigu-rada pela linguagem poética, que per-sonifica a cidade fazendo-a assumir

romance

comportamentos humanos (timidez), por não “querer” revelar sua pobreza à primeira vista; no trecho a seguir, o ponto de vista em primeira pessoa fla-gra a cidade “saindo do seu ouriço, se pondo de cócoras”. Vejamos:Mas a cidade? Ainda encaramujada na ribanceira. Reserva-se, quer nos pe-gar de surpresa, tapando nossos olhos com suas mangueiras ou mostrar-se, telha por telha, retraída nas paredes, preguiçosa de se levantar. Do barran-co, que se empinou na várzea, a testa é sabrecada, endurecida, nos coices do rio, agora aqui e ali pendura suas fo-lhagens. Em pedra se assenta o terrei-ro com um sobejo de almas, aí foi um hospício, fortim, uma cidade? Breve estou naquele moquém debaixo deste algodoado azul, o sol esfolando o rio. Onde os abacateiros? Quando a mi-nha febre? Te desencaramuja, cidade, ou que foi, mais não é, suspende teus jiraus, solta teus morcegos, teus galos, teu cancan os teus podres.Agora a igreja com uma penugem de

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garça velha, cidade saindo do seu ouri-ço, se pondo de cócoras (R: 9-10; grifo nosso).Esse trecho denuncia além das carac-terísticas da prosa poética de Dalcídio Jurandir, a estrutura da narrativa com-plexa da obra, particularmente, nesse caso, o jogo entre a descrição física e a descrição psicológica: “Onde os abaca-teiros? Quando a minha febre?” Outra diferença se refere à estrutura frasal nas duas obras: em Uma comunida-de amazônica os períodos são curtos, marcados geralmente por orações coordenadas, e a pontuação, padrão, respeita os preceitos gramaticais. Em Ribanceira as frases são longas, cheias de imagens, metáforas, expressões idiomáticas, as palavras usadas ou são pouco comuns (“sabrecada”) ou são neologismos (“encaramujada”), e a pontuação é livre.Apesar da existência de vários pontos de contato entre o romance e estudo antropológico, o que sugere até uma relação de “influência” de um em re-

Forte de Santo Antônio de Gurupá

lação ao outro, a maneira como cada um representa a mesma comunidade amazônica é diversa. À diferença do gênero textual correspondem, natu-ralmente, duas representações sobre a vida social da comunidade de Gu-rupá: uma “científica”, outra literária; um texto é descritivo-dissertativo, enquanto outro predominantemente narrativo-ficcional. O texto literário diverge, em várias características, do texto científico. Primeiramente por-que, segundo o estudioso da estrutu-ra da linguagem poética, Jean Cohen, “toda linguagem literária é estilizada” (1976: 100). Em se tratando de um romance de Dalcídio Jurandir, as ca-racterísticas mais marcantes são justa-mente sua prosa poética e a estrutura complexa da narrativa.Após a apresentação e comparação das obras de Dalcídio Jurandir e Char-les Wagley, podemos concluir que o romance e o estudo antropológico tratam, obviamente, do mesmo espa-ço urbano-regional (Itá/Gurupá/Ri-

banceira), pelas descrições da cidade e da vida social no interior de cada obra. Como vimos, as representações contidas em cada obra estão ligadas ao estatuto textual. O estatuto cientí-fico do texto do antropólogo prevê a argumentação em defesa de uma tese (o “atraso” da região amazônica) e a proposição de uma solução (reforma cultural); o estatuto literário do texto do romancista, por sua vez, questio-na ao invés de afirmar, e seu discurso metafórico abre, diante do leitor, um horizonte de significações. Os discur-sos científico e literário acabam sen-do duas maneiras de encontrar “res-postas” para os problemas da região. Charles Wagley, como o personagem do romance, acaba desiludido tam-bém, ao ver as mudanças pelas quais a Amazônia passou com a “chegada da técnica” (os “grandes projetos” na Amazônia no período da ditadura mi-litar); Alfredo, apesar de desiludido, “de tudo que lhe cortava o peito fez uma alegria” (R: 11).

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O cineasta Chico Carneiro, produz uma Série de cinco filmes que mostram as diferentes utilizações dos bar-cos amazônicos na vida e no cotidiano das pessoas que se contrabalançam no Mar Doce, ramificado de rios, furos e igarapés. Os documentários relatam, junto com a beleza da região, o extrativismo vegetal, a degrada-

ção ambiental, nos transportes de madeira, pessoas, cerâmica, gado e peixe.

por Carlos Paráfotos Chico Carneiro e Amilcar Carneiro

barcOsamazônicos

audiovisual cinema

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No primeiro filme da série BARCOS DA AMAZÔ-NIA, “Seu Didico - Ve-lho Macho”, o documen-tarista Chico Carneiro,

registrou ao longo de 2 semanas em 2 viagens feitas no barco “Samaria”, o cotidiano e o processo de quem vive na Amazônia do transporte da madeira. O fluvimovie começa pela cidade de Inhangapi, pequena cidade à beira de um bonito rio do mesmo nome, a 17 km de Castanhal (PA), cidade a 70 kms da capital paraense, na rodovia que liga Belém a Brasília. Em Inhangapi existe um porto de descarregar madeira, tijolos e telhas, que vêm de diferentes zonas do Pará, para abastecer o co-mércio de Castanhal e outras cidades do interior. Ali foi o porto/ponto de partida e de chegada. Chico Carneiro e seu irmão, o fotó-grafo e produtor cultural, Amilcar Carneiro, zarparam em condições pouco confortáveis debaixo de chuva e pequena acomodação dentro do barco. Comiam o mesmo rango da tripu-lação: peixe, caça, carne com arroz e feijão e claro, como não poderia faltar, o alimento básico da região, o açaí. Dormiam no barco ancorados em algum lugar da região sob as nuvens, as estrelas e aos sons místicos da mata. Parando nas cidades de Bujarú, Belém, Igarapé-Miri, passaram pelos Rio Mojú, Rio Acará, Rio Igarapé Miri, Rio Caji, Rio Meruú l, Rio Guamá, furos, igarapés, veias abertas de florestas, todos com a paisagem típica do inte-rior da Amazônia: floresta, palafitas, açaizais, um ou outro barco a motor e a população em pequenas canoas, rabetas. “Popopôs” seria o verdadeiro nome da série devido a onomatopeia dos sons produzidos pelos barcos da região. Em seu diário de bordo retrata com detalhes as viagens.Seu Didico o protagonista do filme, com uma larga experiência de nave-gação, tinha a tranquilidade de quem conhece o seu métier, e sabia que a atenção permanente é a garantia de uma viagem segura. Nenhum detalhe relacionado com a segurança escapa-va ao seu permanente e atento olhar. Nesse trajeto foram feitas as entrevistas com ele pegando o depoimento de quem trabalha no barco viajando pelos

rios comercializando a madeira em forma de ripas, ripão e pernamancas, de madeiras comuns na região como a Cupiúba e Anani. A madeira carregada em seu barco perfaz-se em 9 toneladas que é a capacidade do barco. O “Sama-ria” tem uma capacidade de carga de 18 toneladas. Esse total só é consegui-do acondicionando madeira também fora do porão, no convés, prática ilegal, mas comum aos barcos que transpor-tam madeira na região. A viagem do filme revela o percur-so que a madeira atravessa até ser processada para a venda. Desde a sua retirada, o transporte em jangadas, o empilhamento em toras na beira dos rios, corte e laminação, até serem car-regadas para o barco e desembarcadas nos portos. Cenas do filme mostram a madeira sendo carregada pelos trabalhadores rolando os troncos do rio para a serraria e, nesta, procedendo ao corte das toras, transformando-as em tábuas. Tudo manualmente. No igarapé Felipequara (estreito e cheio de curvas, mas de águas limpíssimas), cenas oníricas do transporte de toras pelo igarapé, indo das matas para as serrarias. Levadas por jangadas, toras de madeiras flutuando para seu desti-no final, inusitado meio de transportar a madeira em que o documentarista ia registrando e fazendo malabaris-mos para pegar diferentes ângulos do cortejo vegetal. Mesmo com chuva, o carregamento do barco não para. As filmagens eram rodadas mesmo em baixo de chuva e depoimentos como o do Sr. Zé Mel-quides nos mostram o conhecimento sobre a vida e as condições sociais e econômicas que vivem os povos da amazônia, verdadeira filosofia de um povo que sobrevive sem as amarras do Estado e que sabem e pensam perfeita-mente sobre a condição existencial que lhes foram submetidas. E nos relatos de seu diário de bordo, Chico Carneiro que são trechos de fimes, a descrição subjetiva da viagem:“Subimos o igarapé durante 1 hora e meia e era impressionante ver o quanto suas águas eram limpíssimas, e o quanto a mata, em muitos pontos, era cerrada, com o igarapé espraiando--se em várias direções de tal modo que muitas vezes perdíamos a noção

“A escolha do seu Didico foi meramente casual – mas foi uma escolha das mais felizes, acertadíssima, tamanha é a dimensão do personagem que ele inter-preta, ou seja, ele mesmo: típico caboclo paraoara, sagaz, experiente, divertido, simples, um “velho boto dos rios”, e com um vigor que não transparecia nos 74 anos de vida que ele carrega viajando, desde os 24, por rios da Amazônia paraense e o meu papel foi simplesmente de deixar a câmera ir registrando o que fluía nos rios da filmagem”.

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de onde estávamos (onde a inevitável pergunta: como aqueles homens conse-guiam transportar a madeira por aquele caminho que, muitas vezes, parecia não ter espaço suficiente para as toras passarem?). Foi uma visão impressio-nante: várias canoas com diversas toras amarradas de ambos os lado, com um ou dois homens em pé sobre as toras utilizando varas para movimentá-las e controlá-las, desciam o curso de água ao lento sabor da correnteza e em meio a uma permanente troca de palavrões que funcionava como uma brincadeira entre eles e quebra da monotonia. Depois de filmá-las a partir da nossa canoa passei para uma das canoas-jangada e, dela, para as outras, para poder ter outros ângulos de filmagem. Algumas canoas são pilotadas por apenas um homem, a maioria dos casos; outras, por dois. No início as canoas-jangada vêm juntas, quase que coladas umas às outras. Mas aos poucos, e dependendo do ritmo e da perícia de cada condutor (ou conduto-res), elas vão distanciando-se entre si. Chico Carneiro, tem larga experiência como cineasta e documentarista. O seu primeiro trabalho profissional em cinema, como assistente de câmera, foi no antológico “Iracema” (Bodanzky--Senna, 1974), clássico filme que narra a história do impacto provocado pela rodovia Transamazônica (BR-230), projetada durante o governo militar, do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974), considerada uma “obra faraônica”, cortando sete estados brasi-leiros: Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas. No Pará e no Amazonas, a rodovia não é pavimentada e o que foi a grande rota do progresso e justificativa para a ocupação territorial na Amazônia é um grande descaso público e uma grande ferida na selva amazônica, um entra-ve para o desenvolvimento regional onde a grilagem impera, a degradação humana com a prostituição, a malária e o trabalho escravo e da natureza com as paisagens do desmatamento, queimadas e devastação. A relação do social e do ambiental abor-dado pelo cinema foi o inicio da forma-ção deste cineasta que procura revelar a realidade da Amazônia em que vivencia em seus filmes e que revive nela. A estética que percorre é construída

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cinema

num caminhar cinematográfico pro-fissional – totalmente empírico - cedo envereredou pela trilha de querer fazer um Cinema de cunho mais social, ou político. Isso deveu-se não somente ao tipo de Cinema no qual esteve en-volvido mas certamente, e sobretudo, pela sua visão social do mundo. Que o Cinema só fortaleceu.

Balsa Boieira

Nesses labirintos líquidos, além de canoas, barcos, balsas que transportam mercadorias pelo

rio, o filme mostra embarcações muito comuns no Estado que é o segundo maior produtor de rebanho bovino do país recortado com a geografia

hidrográfica que o delimita. Essas balsas são conhecidas como “boieiras”, que a pronúncia cabocla transforma em “buieiras”. As Balsas Boieiras fazem o típico transporte de gado por rios da Amazônia Paraense. O filme, em 65 minutos, documenta os 9 dias de viagem de uma dessas balsas - a Santa Clara – que saindo de Belém com mer-cadoria seca, sobe os rios Amazonas e Xingu, até Belo Monte, na Transama-zônica, de onde retorna trazendo bois para abate. O documentário revela o cotidiano de sua tripulação, a paisa-gem amazônica, as dificuldades da navegação, os problemas da população ribeirinha e o sofrimento dos animais – registrando pelo caminho a degrada-ção da floresta amazônica favorecida

Chuva BrabaNem com chuva braba sobre mim

Mesmo longe a casa,o meu amor ,

eu vou...encurralando o gadoa mesma dor em mima chuva engole o rosto

me leva pelo rioencurralando o choroo mesmo boi em mim

a chuva lava a alma e o rio.

(Allan Carvalho – Cincinatto jr.)

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pelo fogo que desmata para fazer os campos de pastagens. As filmagens foram realizadas em abril e maio de 2007, e reuniram 30 horas de filmagem no total com produção de baixo custo. O lançamento ocorreu na cidade de castanhal, berço do cineasta, na Fun-dação Cultural de Castanhal (Funcast). Após o lançamento, os músicos Allan Carvalho, Lívia Rodrigues e Veudo, encerraram o evento com chave-de--ouro com as canções que fazem parte da trilha sonora do filme. Em 2009, o filme ganhou o troféu AMAZÔNIA PRATA como melhor média-metra-gem no Festival Amazônia Doc.

Nos Caminhos do Rei Salomão

Na Amazônia, rios são veias aber-tas desaguando em oceanos do planeta, rios são estradas, ver-

dadeiros caminhos líquidos que unem cidades, regiões, por onde movimentam mercadorias, matérias-primas, os barcos são o principal meio de transporte da população ribeirinha. Mais de 50.000 barcos compõem a malha de transporte fluvial, grande parte deles dedicando--se ao transporte de passageiros. Este filme documenta a viagem de 36 horas do Navio-Motor “Rei Salomão”, que transporta passageiros e carga, entre as cidades de Belém (capital do Estado do Pará) e Anajás (no centro geográfico da Ilha do Marajó – a maior ilha fluvial do mundo, na foz do Rio Amazonas). O documentário retrata a movimentação do porto no dia da partida do barco;

Mais de 50.000 barcos compõem a malha de transporte fluvial, grande parte deles dedicando-se ao transporte de passageiros.

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cinema

Nas Barrancas do Rio Cariá

A idéia inicial do tema no quarto filme da série é focar sobre o transporte da Cerâmica. Foi

escolhida a região de Abaetetuba sendo um lugar conhecido como produ-tor oleiro-cerâmico. O produtor dos filmes, o seu irmão Amilcar Carneiro dirigiu-se à procura de revendedores de cerâmica. O Rio Cariá fica no baixo Tocantins, ele sempre foi um local de olarias (entre outros rios da região). A partir da cidade de Abaetetuba (uma das cidades onde o seu pai durante algum anos explorou a atividade de exibição cinematográfica) vai-se de ra-bêta numa viagem de cerca de 1 hora. É um rio pequeno que deságua no rio Maracapucú, um dos rios afluente do rio Campopema que banha a cidade de Abaeté. A produção de cerâmica nessa região não é uma atividade preponde-rante, mas seu exercício nos faz refletir sobre uma atividade cultural que está em extinção pela precariedade das con-dições de trabalho, pela falta de investi-mento do setor público, uma atividade praticamente familiar, que exige muito esforço e conhecimento específico sobre o processo. É trabalho de domin-go a domingo, desde às 5 da manhã, enfrentando a saúde e as intempéries. Na figura do seu Badu, personagem principal do filme, podemos entender como funciona esse ofício, verdadeira arte e sabedoria transmitida de pai para filho. Como observamos no primeiro

filme da série SEU DIDICO VElhO MAChO, a questão do trabalho e do trabalhador, da realidade social, eco-nômica e ambiental é alinhavado pelo documentarista como forma processual que tange a linha dos filmes. “À medida que vamos conhecendo melhor o processo de trabalho, e quem faz o quê, então as peças do quebra-cabeça vão encaixando--se, de modo a que tenha-se o registro completo de todas as fazes do processo produtivo. O impacto visual da olaria do Seu Badu, me fez mudar de ideia e centrar o filme na produção de potes e telhas - que eram os produtos alí fabrica-dos - o que poderia fazer o gancho para a extração do barro e da madeira - para alimentar os fornos que “queimam” os produtos - e por extensão tocar na ques-tão ambiental da destruição da floresta. relata Chico Carneiro.O quinto filme é sobre pescas, que ainda está sendo filmado. Foi filmado uma parte ano passado na cidade de Óbidos e será concluído as filmagens em feve-reiro/março vindouros. O documentá-rio focará a pesca no Rio Amazonas, a pesca nos lagos e a pesca em alto mar, a partir de Vigia. Música

Quanto a escolha da música, foi uma feliz parceria com o Grupo Quaderna que desde o primeiro

filme desta Pentalogia vem engrande-cendo a série com sua música, compos-tas pelo Allan Carvalho (voz, violão e banjo) e Cincinato Jr (voz e violão). Só para este filme NAS BARRANCAS DO RIO CARIá compuseram 9 músicas, incluindo a participação especial do Ro-naldo Silva! Outros músicos colaboram com o projeto. Estou falando de feras como o Adamor do bandolim, o Nego Nelson, o Birantan Porto, Rubens Sta-nislaw no contrabaixo, o Bruno Mendes e Edgar Chagas na percussão.Lívia Rodrigues com sua voz lindíssima, participou de 2 dos 4 filmes. E a figura incansável e sempre bem disposta do técnico de gravação do técnico de gra-vação Márcio Góes e do estúdio Midas.

Acesse o link: http://grupoquaderna.blogspot.com.br/2009/03/cenas-boiei-ras.html

“Como o filme não tem roteiro, deixo o rio me levar

mas sempre atento pros inúmeros acontecimentos que, se bobear, passam batido e a gente acaba perdendo um

bom assunto”.

a viagem e o cotidiano da tripulação e dos passageiros; a paisagem amazô-nica; as dificuldades da navegação; os problemas da população ribeirinha; a incessante destruição da floresta ama-zônica e aspectos da cidade de Anajás –que vive da extração da madeira, do palmito e do açaí, além de deter o maior índice brasileiro de pessoas afetadas pela malária. Chico Carneiro mora há 30 anos em Moçambique na África, trabalhando com audiovisual, indo e vindo a Amazônia, e nesse tras-lado observa que a realidade de lá, em termos de degradação social e ambien-tal são muito semelhantes ao norte do Brasil.

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a metafísica da identidade cultural

VONTADE DE IDENTIDADE = von-tade de origem = vontade de verdade. De onde vem essa vontade? É fruto, tal-vez, do espírito do peso, que a vingança do homem contra o tempo inventou? Nietzscheanamente falando. Afinal, são séculos e séculos de tradição filosófi-ca, de banho metafísico! Não é fácil se enxugar, acreditem, ainda estamos ten-tando. Quem sabe uma toalha grande,

SUBjETIVIDADE, CULTURA E IDENTIDADE, E SUAS IMBRICAÇõES NO PRO-CESSO DE SUBjETIVAÇÃO CONTEMPORâNEA,A PARTIR DA PERSPECTIVA

DE FÉLIx gUATTARI E gILLES DELEUZE.

bastante felpuda, fabricada no século 21, venha nos secar. Ou não. Kant tam-bém acreditou que tinha despertado do “sono dogmática”, com os seus Prole-gômenos a Qualquer Metafísica Futura que Possa Vir a Ser Considerada como Ciência. E aqui estamos nós ainda a chocar esse velho ovo metafísico! Des-de Platão – esse “signo excessivo e pai claudicante”, como disse Deleuze - ele

sobrevive e nos persegue. Mas não va-mos ficar aqui nos lamentando, como velhas e/ou velhos solteirões amargu-rados, órfãos desse “pai claudicante”. Convém agora retornarmos à pergunta inicial: de onde vem essa vontade de identidade?Para início de conversa, não dá para pensar a questão da identidade sem re-lacioná-la a algumas outras palavrinhas

por Herbert Emanuel

filosofia metafísica

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a metafísica da identidade cultural

também de peso metafísico, inclusive: cultura e subjetividade. Neste texto, explicitaremos, a partir da perspectiva de Félix Guattari e Gilles Deleuze, dois expoentes do pensamento filosófico contemporâneo, os conceitos de sub-jetividade, cultura e identidade, suas imbricações no processo de subjetiva-ção contemporânea, através do qual se fabricam sujeitos, estabelecem-se prá-

Féliz Guattari, filosofo e re-volucionário francês, atuou junto com Gilles Deleuze. Juntos escreveram Anti--Étipo, Capitalismo e Esquizo-frenia e O que é Filosofia?.Foi muito longe nesta dester-ritorialização e criou uma obra na qual o ploblema do desejo singular é inseparável do político, da industria, dainformática, das ijnstitui-ções.Incociente institucional, para além, aquém, junto com o inconciente indivi-dual. Coloca o problema da subjetividade - em um sentido diferente da tradição filosofica - no centro das questões políticas e sociais contemporâneas. Teorizou também sobre a questão da transdisciplinaridade.

Para Deleuze, “a filosofia é criação de conceitos”, coisa da qual nunca privou--se (máquinas-desejantes, corpo-sem-órgãos, des-territorialização, rizoma, ritornelo etc.)

ticas discursivas de controle, vigilân-cia, criam-se identidades postiças, de acordo com as exigências do mercado globalizado, do capitalismo mundial. Para Félix Guattari, a palavra cultu-ra teve vários sentidos no decorrer da história: o seu sentido mais antigo, se-gundo ele, é o que aparece na expressão “cultivar o espírito”. É a “cultura-valor”, pois revela um julgamento de valor que determina quem tem cultura e quem não tem. Possui um sentido bastante elitista, aristocrático, na verdade: há os que pertencem a meios cultos e os que pertencem a meios incultos. Há um segundo sentido da palavra cul-tura: “cultura-alma coletiva”, sinônimo de civilização. Surge com a modernida-de, com o Romantismo e a revolução burguesa. É o sentido que vai mais nos interessar aqui, pois possui uma relação direta com a noção de identidade, que veremos mais adiante. É um sentido muito democrático, pois não se trata mais de ter ou não ter cultura. Todos têm, todos podem reivindicar sua iden-tidade cultural. É a partir desse sentido que se pode falar em cultura negra, cul-tura indígena, cultura técnica, etc. Se-gundo Félix Guattari, esse conceito de cultura se prestou a toda espécie de am-biguidade: serve tanto para as reivin-dicações nazi-fascistas, cultura ariana, superior, pura, quanto para os nume-rosos movimentos de emancipação que querem se reapropriar de sua cultura, de sua “identidade cultural”. Há ainda um terceiro sentido da palavra cultura, que corresponde à cultura de massa, a cultura-mercadoria. Neste sentido, não há nem julgamento de valor nem ter-ritórios coletivos da cultura. A cultura são todos os bens produzidos: equipa-mentos culturais, as casas de cultura, as pessoas que trabalham nesse tipo de equipamento, produtores culturais, todas as referências teóricas relativas a esse funcionamento, produção de fil-mes, cds, livros, etc... Produz-se cultura da mesma forma que se produz cigar-ros, coca-cola, sabonete.O interessante disso tudo, é que esses três conceitos de cultura estão intrin-

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secamente relacionados, existe uma espécie de complementaridade entre eles. A cultura de massa produz cada vez mais objetos com pretensão à uni-versalidade e, ao mesmo tempo, pro-duz identidades prêt-à-porter, figuras glamourizadas, sedutoras, que são con-sumidas como prótese de identidades, “sob todas as formas e para todos os gostos”, como diz Suely Rolnik: “são as miragens de personagens globalizados, vencedores e invencíveis, envoltos por uma aura de incansável glamour, que habitam as etéreas ondas sonoras e vi-suais da mídia; personagens que pare-cem pairar acima das turbulências do vivo e da finitude de suas figuras.” As xuxas, as mulheres-frutas, só para ficar nas personagens brasileiras, são exem-plo disso. Por outro lado, o conceito de cultura como “alma coletiva” cria uma esfera autônoma da cultura, completa-mente separada de outros níveis cultu-rais, como os da política, da economia, etc. É esse conceito que permite falar-se em departamentos de cultura, políticas culturais e identidades culturais. É esse conceito que permite isolar-se a cultura - que é processo vivo, heterogêneo, que se dá em todos os níveis de atividades semióticas - reificando-a, tornando-a um produto, uma coisa estática, morta, que permite manipulá-la, padronizá-la, capitalizá-la, transformá-la em mer-cadoria. Um exemplo disso: quando compramos cesto ou uma flecha, ou qualquer objeto de origem indígena, a maioria de nós acredita que dessa for-ma está contribuindo para a valoriza-ção e preservação da cultura indígena, quando na verdade só estamos legiti-mando esse processo de reificação, pois esse objeto já perdeu sua vibração cul-tural, já foi ressemiotizado pela socieda-de capitalista. Comprar um cesto ou um sabonete dá no mesmo.Na verdade, o que se quer mostrar aqui, a partir de um enfoque guattariniano, é o caráter problemático e reacionário des-ses conceitos: eles fecham mais do que abrem possibilidades de se pensar a cul-tura, o seu devir. E que precisamos forjar novos referenciais teóricos, e mais do que

isso, precisamos também fazer funcionar, como diz Félix Guattari, “práticas efetivas de experimentação tanto nos níveis mi-crossociais, quanto em escalas institucio-nais maiores”.Esses novos referenciais teóricos não po-dem estar subsumidos aos campos creti-nizantes do saber acadêmico ou tecnocrá-tico. Eles devem atravessar todo o social, transversalmente, com suas categorias mutantes, seus devires: devir-música, de-vir-planta, devir-animal, devir-mineral, devir-multidão, devir-cosmos, devir-mu-lher, devir-criança, devir-homem, devir--amazônia, devir-sonhos, etc..., com sua “densa nuvem não histórica”, nietzsche-anamente falando: “L’âge de la pierre, du don, n’est pas seulemant un temps histo-rique sur l’échelle évolutive de l’humanité. C’est un rapport au minéral, un défi au temps, le rapport amoureux de l’homme à la matière qui perdure.” O que eu quero dizer, em outras pala-vras, que esses referenciais teóricos de-vem ser forjados do mesmo modo que o artista forja a sua obra: singularmen-te, inventivamente. Diz Rimbaud, que o poeta é ladrão de fogo. O novo teórico deve ser uma espécie de poeta, ladrão de pensamento.Séculos de metafísica sempre entende-ram a subjetividade como uma coisa em si, às vezes confundida com indi-vidualidade, centrada no indivíduo, numa instância egóica, do eu. Isso é uma herança cartesiana, a idéia de um sujeito pré-existente, um être-là, uma espécie de suposta natureza humana. Essa herança cartesiana continua con-taminando a filosofia e as ciências hu-manas de um modo geral. O próprio marxismo não escapou disso, pois rela-cionou a subjetividade à superestrutura ideológica. A idéia de subjetividade aqui é a idéia concebida por Gilles Deleuze e Félix Guattari, “(...) de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente produzida, fabricada, modelada, recebida, consumida.” Para Guattari, a subjetividade é produzida da mesma forma que se produz um bem de consumo industrial: “Esquematica-

mente falando, eu diria, assim como se fabrica leite em forma de leite condensa-do, com todas as moléculas que lhes são acrescentadas, injeta-se representações nas mães, nas crianças – como parte do processo de produção subjetiva.” A subjetividade, portanto, não se situa apenas no campo individual – aliás, nesta perspectiva, indivíduo ou indi-vidualidade é simplesmente um modo de subjetividade – mas está inserida em todos os processos de produção social e material.Essa idéia de subjetividade, a meu ver, é muito mais potente, mais poderosa. Se entendermos a subjetividade como es-sencialmente produzida, o conceito de identidade também não escapa desse processo de produção. “Mesmo porque a identidade é também uma invenção imaginada e, como tal, social. Nesse contexto, a identidade pode ser repensada, desconstruída.”

Na verdade, o que se quer mostrar aqui, a partir de um enfoque guattariniano, é o caráter problemático e reacionário desses conceitos:

eles fecham mais do que abrem possibilidades de se pensar a

cultura, o seu devir.

O conceito de cultura como “alma co-letiva”, advindo do romantismo ale-mão, fabricou um outro conceito, o de “identidade cultural”, como sendo a na-tureza essencial de algo, pré-existente, portanto, imutável. Prestou-se, como se disse, aos mais ambíguos fins: desde a necessidade de unificação da Alema-nha, no século XVIII*, passando pelas reivindicações nazi-fascistas, até os vá-rios movimentos emancipatórios e/ou nacionalitários do final século passado e início deste. É um conceito que ainda resiste, influenciando uma infinidade de ideias e posturas, principalmente so-

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bre as questões ditas culturais ou, mais a fundo, sobre todo o processo de pro-dução da subjetividade nas sociedades contemporâneas globalizadas. Por este motivo, é que se faz necessário repensá--lo, ou melhor, desconstruí-lo.Como operar esta desconstrução? Em primeiro lugar, é preciso pensar para além de uma filosofia e de uma ciência régia, crítica, cartesiana e cognitiva da subjetividade, instaurando outra via de produção da realidade, mais nôma-de, mais gaiata, mais rizomática, mais para o delírio, para a experiência ético--estética que para uma razão imperial e dominadora, cujo propósito é aplacar nosso desassossego. Só a partir dessa recusa é que podemos traçar novas li-nhas de fuga, outras possibilidades de intervenção conceitual sobre essa ques-tão. Eleger novos e criativos intervento-res convém. Transitar por outros sabe-res – como o da arte, por exemplo – é fundamental. Deixar-se afetar por ela. Só assim podemos criar um pensamen-to filosófico mais ao rés do chão.Caetano Veloso, na música “Língua” nos diz que só é possível filosofar em alemão. Na verdade, esta frase é do fi-lósofo Heidegger que afirmara que, depois do grego antigo, a língua mais adequada para a filosofia era a alemã. Exageros e preconceitos a parte, acho que ele tinha razão, - pelo menos no que diz respeito a certo tipo de filo-sofia: a filosofia das alturas, vertical, ascendente-transcendente, do ser de Parmênides e das verdades robustas de Platão. Esta, sem dúvida, tem muito pouco a ver com a gente – “a gente” en-tenda-se: nós, brasileiros, mestiçosmu-latosmalandros, orientupis, como disse o poeta Arnaldo Antunes. Mas, para um jeitinho assim, um cantinho assim e um violão, outra filosofia convém (ou não?): uma filosofia ao rés do chão, ho-rizontal, em profuso e profundo atrito com a superfície imanente das coisas. Portanto, mais quente, caliente, dos trópicos onde ruídos e silêncio trope-çam abaixo da linha do equador. Uma filosofia litorânea, do surf, do skeite, dos esportes radicais; mas também ur-

bana, do rap, do rock, do funk, do sam-ba; mas também cabocla da Amazônia, pororoqueira, mutante como um Boto Tucuxi. Uma filosofia do devir. Que quer ser ruptura com toda a tradição do pensamento metafísico ocidental que – como disse Nietzsche -, a vingan-ça do homem contra o tempo inventou. Que quer ser um diálogo com outro oci-dente, mais ao oriente do oriente e que não possui o peso da palavra ser, para quem angústia não é um reles concei-to abstrato, mas o coração em cinzas. E ensinar é lançar palavras no rio. Uma filosofia pop (Deleuze), não no sentido de popular, mas para um além do que foi a pop art: subversão, transgressão de uma certa idéia de profundidade, de se-riedade. Molecagem filosófica. Para uma filosofia assim convém o chão e não as nuvens. “Mergulhando na Terra, como faria um Pré-Socrático, com suas sandá-lias de bronze (Empédocles), ou vagan-do como um nômade pelos territórios, assim como um estóico, se apresentam enquanto alternativa para a imagem do filósofo ascencional e nirvânico, pronto a almejar o céu do saber”. (Vasconcellos, 1997). Ciência sim, mas gaiata, como a dos troubadores. Gaia Ciência. Geofilo-sofia. Rizomaticamente fincada na ter-ra, penetrando-a, fertilizando-a. Ato de criação, de invenção, portanto. Há um quadro de René Magritte, cujo título é “A Ponte de Heráclito”; neste quadro, há uma ponte que parece in-terrompida ou inacabada por causa das nuvens que a encobrem; no entanto, seu reflexo no rio indica que ela está completa. Esta filosofia começa quan-do se ousa atravessar sobre os reflexos da ponte no rio, que também é o de Heráclito, sem mapas, sem pistas, sem orientação; ao saber e ao sabor do próprio acontecimento. Qualquer desconstrução teria que passar por isso.A questão fundamental, a meu ver, que se coloca hoje, é que, com o processo de globalização que, ine-vitavelmente, vem pulverizando as identidades locais e criando outras, identidades postiças, globais, “(...) o

que se coloca para as subjetividades hoje não é a defesa de identidades lo-cais contra identidades globais, nem tampouco a identidade geral contra a pulverização; é a própria referên-cia identitária que deve ser comba-tida, não em nome da pulverização (o fascínio pelo caos), mas para dar lugar aos processos de singularização, de criação existencial, movidos pelo vento dos acontecimentos. Recoloca-do o problema nesses termos, reivin-dicar identidade pode ter o sentido conservador de resistência a embar-car em tais processos.”Dar lugar aos processos de singulari-zação, de criação existencial, movidos pelo vento dos acontecimentos, o que significa isso? Afirmar a plenitude dos devires que nos atravessam: nun-ca somos completamente homens, mulheres, crianças, negros, nordesti-nos, judeus, guianenses, amapaenses; há sempre um componente esquizo, de devir: animal, humano, vegetal, mineral... “Sou eu um homem? Sou eu uma mulher? Sou eu uma pedra? Só a Esfinge responderá e a palavra revelada atingirá meu rosto – como um murro.”

A idéia de subjetividade aqui é a idéia concebida por Gilles Deleuze e Félix Guattari, “(...)

de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica,

ou seja, essencialmente produzida, fabricada, modelada,

recebida, consumida.”

Esse componente do devir está muito bem ilustrado numa bela passagem de um livro de Deleuze em que ele fala de sua parceria com Felix Guat-tari: “Nós somos desertos, mas po-voados de tribos, de faunas e floras. Passamos nosso tempo a arrumar es-sas tribos, a dispô-las de outro modo,

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A identidade – enquanto represen-tação dada a priori da subjetividade, isto é, enquanto referência identitária, metafísica - nos impede de sonhar o outro. E mais do que sonhar o outro, nos impede também de devorá-lo, no sentido da antropofagia de Osvald de Andrade**, deglutindo suas melhores partes, “de forma que partículas do universo desse outro se misturem às que já povoam a subjetividade do an-tropófago e, na invisível química dessa mistura, se produza uma verdadeira transmutação.”A desconstrução de toda referência identitária da cultura passa, no meu modo de ver, pelo desejo de afirmar plenamente essa trasmutação, a fim de que possamos, por meio dela, rever-lar-mo-nus.

se expresse, sejam identidades locais ou globais, possui um propósito não muito nobre: domesticar as forças, as multiplicidades, conter os devires, negar as possibilidades de sermos, às vezes, inteiramente outros.“Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que nunca se defi-nem, e são, um e outro, ninguéns.Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem que sonha em cada homem que age, se tantas ve-zes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que sonha no Outro.”

a eliminar algumas delas, a fazer pros-perar outras. E todos esses povoados, todas essas multidões não impedem o deserto, que é nossa própria ascese; ao contrário, elas o habitam, passam por ele, sobre ele. (...) O deserto, a ex-perimentação sobre si mesmo é nossa única identidade, nossa única chance para todas as combinações que nos habitam.”Fruir dessa paisagem – o deserto - usu-fruir de todas as suas riquezas, existen-tes e não existentes, con-fundir-se com elas, pensar o impensável, inventar novas possibilidades de vida – a isso chamo singularidade ou processo de singularização. É uma idéia mais rica e mais potente - de um ponto-de-vista ético e estético, inclusive - do que a de identidade. A vontade de identidade, independente das formas em que ela

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recorte da dramaturgia: carlOs cOrreia santOs

O escritor paraense Carlos Correia Santos, que não gosta de rótulos, por vezes tem dificuldade em ser definido como referência em alguma modalidade literária, já que se movimenta pelas vere-das da Dramaturgia, Romance, Conto, Crônica, Roteiro, Poesia e Letras Musicais, entre outras. Au-tor plural e prolífico, abre genero-samente espaço na movimentada agenda para contar um pouco aos leitores da PZZ sobre um aspecto bastante específico de sua vasta produção: sua obra dramatúrgica, em especial as produções em que o autor faz um mergulho profundo na vida e obra de grandes vultos da história e da cultura do Pará.

Revista PZZ: Entre as diversas mo-dalidades literárias (ou subgêneros da Prosa e da Poesia) em que você se expressa, alguma delas é predominan-te ou tudo depende do momento e do projeto em que está empenhado?

Carlos Correia Santos: Tudo depende de tudo (risos). Sou alguém viciado no todo, dependente de tudo. Às vezes, tenho que me forçar a desconectar. Minha vontade, minha ânsia de criar é subversiva na medida em que faz mo-tins contra a minha quietude. Só estou bem se estou inquieto. Nesse sentido, então, interessa-me sempre todas as formas de expressões possíveis. Meu prazer é exercitar. Quando o twitter surgiu, logo reclamei: cento e quaren-ta caracteres? Isso é o fim da falta de contendas para a palavra. Mas daqui a pouco lá estava eu no twitter exerci-tando o microconto, o micropoema, a microcrônica. Entrementes, uma coisa para mim é clara hoje: qual gênero lite-rário vai melhor suportar essa ou aque-la ideia narrativa que me ocorra. Já sei que tal enredo rende melhor num conto. Já entendo que aquela trama precisa da extensão de um romance. Já me é claro que aquele caso que quero levar a alguém cabe melhor numa peça de teatro. Tenho aparentemente escrito mais peças de teatro porque o contato com a arte do palco é devora-dor e sequestrante. O teatro nos abduz. É incrível. Isso porque a resposta do público é muito imediata. Se a escrita não funciona, a plateia não responde. Esse feed back é raro para um escritor

em outros segmentos. Mas, enfim, eu quero tudo, eu me reparto em escrita no todo que eu puder.

Revista PZZ: Que dramaturgos - ou peças teatrais - estão entre suas leituras referenciais? Poderia revelar um pouco sobre suas preferências em Dramaturgia?

“Um autor de teatro precisa estar atento a criar um texto que faça com que o público mova suas emoções com a trama, com os atores, com a encenação.”

Carlos Correia Santos: Eu sou apaixo-nado, fissurado mesmo por Nelson Rodrigues. O universo e o sistema dramatúrgico dele são de revelações e achados preciosos para quem quer escrever para o teatro. A dramatur-gia é a arte que quer sempre como-ver uma plateia. E o que seria esse comover? Significa mover com. Um autor de teatro precisa estar atento a criar um texto que faça com que o público mova suas emoções com a trama, com os atores, com a encena-ção. Se a dramaturgia não surte esse efeito tenha ela qual proposta for, há um problema. O Nelson foi um mestre nesses artifícios. Um dos mais interessantes era a chamada traição ao espectador. Seus enredos tinham

por Tchello d'Barros

cênicas teatro

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Nu Nery - espe-táculo inspirado em Ismael Nery

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muito de bofetões na sociedade hipócrita e chauvinista de seu tempo (só do tempo dele? Risos). As tramas rodrigueanas propõem mergulhos e inquietações aos quais ninguém, em sã consciência, quer ser submetido. Imagina! Pagar um ingresso para ter minhas bizarrias íntimas reviradas? Nunca. Então, ele traía o espectador. Isso é pura técnica. O espectador senta-se e começa a assistir um espe-táculo aparentemente cheio de banali-dades, trivialidades, até com certa picardia e leve comicidade. Quando esse espectador já está seduzido, o Nelson começa a jogar em sua cara situações, questionamentos e afirma-ções psicológicas bem indigestas. Não haverá mais como fugir, tudo terá que ser visto até o fim. Isso muito me inspira, muito me cerca. Interesso-me por fazer isso no teatro.

Revista PZZ: Considerando-se que são raros os dramaturgos brasileiros

que se dedicam a escrever peças de cunho histórico, como surgiu essa série e quais seus objetivos?

“Um trabalho artístico é, antes de qualquer coisa, provocação. Não é elucidação. O que ficou sem ser dito ou mostrado terá que ser desco-berto pelo espectador.”

Carlos Correia Santos: Essa série de peças minhas de cunho histórico e to-dos os meus outros trabalhos literários com esse viés, a exemplo da minha série de romances, que chamo de Sagas da Amazônia, são resultado de uma busca pela minha identidade como ser amazônico. Sou o único paraense de uma família ferrenhamente pernam-bucana. Meus familiares vieram para Belém e nasci na cidade. O que acon-

tecia era que dentro de casa minhas referências eram todas nordestinas. Eu não tinha um repertório memorialís-tico nortista. Mas quando eu saia de casa, esbarrava num cotidiano em que tudo me pedia esse repertório. Todo meu entorno social era paraense. Para entender a minha terra, eu comecei a estudá-la com afinco. E escolhi dois caminhos de estudos que são sempre colossais: a História e a Literatura. Logo percebi que muito da História nortista foi construída por grandes artistas da palavra. E também logo vi que os movimentos artísticos sempre envolvem ou mesmo moldam episó-dios históricos. Então, naturalmente, sem que eu forçasse ou mesmo perce-besse, meus enredos foram namoran-do personagens histórico-culturais. Descobri a relevância de Ismael Nery e pensei: isso pode ir para o teatro. Bestifiquei-me com o surreal capítulo que foi o projeto Fordlândia e concluí: isso é potencialmente interessante para

teatro

Theodoro - es-petáculo sobre

Theodoro Braga

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um romance. De repente, eu tinha um manancial grande de textos que versa-vam sobre História. Houve um momento em que pensei: vou parar com isso. Não quero rótulos para mim. Mesmo porque a escrita histórico-investigativa é um dos meus caminhos. Como já disse aqui, eu me interesso por tudo e pelo todo. Mas, como bem diz Harold Bloom, o artista precisa perder o medo das referências. Elas existem, são cabais e inevitáveis. Decidi me sentir confortável nesse segmento e apostar vivamente nele.

Revista PZZ: Por ser uma modalidade tão específica, poderia contar um pou-co como é seu processo de criação e pesquisa para essas peças teatrais onde a História também é protagonista?

Carlos Correia Santos: É um proces-so extenso. Começa sempre com a pesquisa. Quando decido escrever sobre um determinado personagem

ou episódio histórico, meu primei-ro passo é o que chamo de fase do “farto engravidamento”. Preciso me emprenhar com todas as informações possíveis a respeito daquilo. Então, eu leio vorazmente, consulto as mais diversas fontes, busco material digital, impresso, fotos. Vou montando um dossiê de dados. Depois vem a fase da entrevista. Procuro pessoas que sejam referências naquele assunto e as entre-visto. Nessa fase, não uso gravadores nem faço anotações. Ouço apenas. Quando volto para casa, escrevo o que a mente registrou da entrevista. Isso é o que se chama de seleção memoria-lística. O que fica na memória é o que vai servir à criação. A união do que foi obtido na pesquisa e na entrevista forma o que chamo de “Teia Criativa”. Um grande e pulsante emaranhado de informações. Então, preciso me afastar um tempo de tudo isso. Para que fique tudo orgânico, latente. Quando sinto que as coisas estão

domadas, começo a traçar a trama. Procuro os aspectos que cercam o episódio ou personagem histórico que me pareçam mais eivados de dramati-cidade. Pinço momentos com relevân-cia, com apelo narrativo e estabeleço uma trajetória. Preciso fazer escolhas e elas terão que ser arbitrárias. É impossível abarcar a plenitude nesse tipo de trabalho. Cumprida essa etapa, começo a urdir uma trama ficcional para emoldurar a narrativa, afinal jamais será interessante se o resultado parecer uma aula de História. Crio, assim, uma circunstância ficcional. Um enredo com personagens parale-los. E trago os traços biográficos que filtrei. Deste modo, nasce a narrativa ficcional sobre um personagem ou episódio histórico.______________________________TWITTER: @cacopoetaBLOGS: nadasantostudoalma.blogspot.com - mesmoquenaoqueiraseutecontos.blogspot.com - poeticaos.blogspot.com

Duelo do Poeta com Sua Alma de Belo - Espetáculo inspirado em Antônio Tavernard

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QUATRO DIAS ininterruptos de apresentações da nova temporada do Terruá Pará, no

Theatro da Paz, em Belém, e a excitação é enorme nos bastidores. O fotógrafo francês Bruno Pellerin, que há quase três anos mora na cidade e retrata os artistas da terra, vê nesse movimento a oportunidade de acrescentar ótimos retratos ao seu trabalho que já contém quase uma centena de artistas e deve vai virar livro em breve. Foi assim que ele teve a ideia de levar seu estúdio portátil para a varanda do Theatro (Pellerin mora há cerca de 100 metros do local do evento). Trata-se apenas de um painel de fundo, onde os artistas ficam a vontade para se expressar diante do fotógrafo de 56 anos que se formou na escola técnica francesa e trabalhou nos desfiles de grandes estilistas como Yves Saint-Laurent, John Galliano, Christian Dior e Jean Paul Gaultier, entre outros. Toni Soares traz a sua banjola, instru-mento que ele mesmo inventou e que toca com um arco de rabeca. Enfeitado com as roupas do show, ele é capturado na ambiência do artista por Pellerin. Mestre Laurentino, com seus 84 anos, fica a vontade para tirar chapéu e os tradicionais óculos escuros de roqueiro. Posa como uma criança, segurando sua gaita cromática de 12 semitons, com a qual logo mais vai animar o público

música terruá

Bruno pellerin, fotógrafo francês que mora em Belém, registra artistas da terra durante evento organizado

pela rede cultura de comunicação e amplia seu álBum de retratos

por Elielton Amadorfotos Bruno Pellerin

tocando “Loirinha Americana”. Usando apenas a luz natural ou um ponto de luz artificial, Pellerin con-seguiu captar a espontaneidade e a emoção latentes no semblante de cada artista, no calor da hora da correria do evento que ocorreu entre os dias primeiro e 4 de agosto de 2012. Mestre Vieira, por exemplo, ele registrou tocando guitarra nas costas como Jimi Hendrix. “Ele [Vieira] disse que não podia fazer todas as peripécias que ele faz no show solo durante a participação no Terruá, mas ele costuma fazer isso [tocar com o instrumento nas cos-tas] nos shows dele e fazendo outros movimentos. Ele queria ser fotografado assim”, contou o fotógrfo.É assim que Pellerin registra os artistas, como eles se mostram, apesar de esta-rem diante de um estúdio. “A fotografia é deles, não é minha. Eu registro o que eles querem. Em geral, é por isso que eles gostam tanto do meu trabalho”, explica. Dona Onete estava fotografando quan-do Vieira chegou. Ele ganhou um beijo na cabeça, o fotógrafo ganhou o registro exclusivo. Pipira do Trombone, Mane-zinho e Pantoja do Sax: as Metaleiras da Amazônia se mostram em separa-do. Paturi, Nazaco e Marcio Jardim, o Trio Manari posa junto, mas também separado. Edilson Moreno faz cara de

superstar; Pio Lobato, de intelectual curioso. E corre, e vai, procura mais alguém que esteja de “bobeira” pelos corredores do Theatro da Paz. Quem aparece: Gang do Eletro.Pellerin nunca fez fotos de uma banda ou artista de tecnobrega. No próprio Terruá, Gaby Amarantos estava de saí-da, ia entrar no palco e no dia seguinte sairia para um show fora do estado. Mas topou fazer depois no estúdio. Os multicoloridos uniformes da Gang fica-ram cheios de contraste e profundidade na foto do francês. DJ Waldo Squash, Maderito e William Love carregaram Keila Gentil para fazer a foto, é claro. Mas quem fez charminho mesmo foi Luê Soares, uma das revelações do Ter-ruá, com sua rabeca em punho. Ficou belíssima no contraste.Mas ela não foi a única a fazer pose de superstar. Mestre Solano, com camisa brilhosa, chapéu, óculos escuros e sua guitarra Les Paul em punho faria a sua “Americana” paid’égua cheia de orgulho. Orgulho paraense, compartilhado com Almirzinho Gabriel, que também apa-receu e deu uma canja com Toni Soares no palco. Esdras de Souza, o mago dos metais, também foi retratado. Imagens magníficas. Cada uma dessas (todas em preto e branco) tem um contraste que dá aos artistas paraenses a aura dos desfiles de moda, o élan que ajuda a criar os

terruá Pará:retratos da música brasileira

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Toni Soares traz a sua banjola,

instrumento que ele mesmo inventou e que toca com um

arco de rabeca. Enfeitado com as roupas do show.

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mitos. Economicamente falando (falando das economias simbólicas, é claro), Pelle-rin agrega à música paraense o valor dos mercados mais sofisticados, sem a “transformar”, pois não interfere no som. Simbolicamente falando (falando em cul-tura, é claro) Pellerin cria um outro bem simbólico que não é apenas registro é abstração, é instigante, provocativo, como deve ser a arte. “Eu também sou um artista”, afirma, num dos raros momentos em que deixa a modéstia de lado. Na prática, Pellerin agrega parceiros para transformar seu projeto e seus registros em um livro. Convidou-me para escrever os textos sobre os artistas da cena musical de Belém. Senti-me satisfeito e provocado pela proposta. A música paraense merece a qualidade técnica e a sensibilidade de Pellerin. _______________________________*Elielton Amador é músico, produtor e jornalista, mestrando do Programa Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará.

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Músicos que participaram do Terruá Pará, fografados por Bruno Pellerin

01 - Manelzinho do Sax02 - Mestre Laurentino03 - Trio Manari04 - edilson Moreno05 - Manoel e Felipe Cordeiro06 - Mestre Vieira07 - Pantoja do Sax08 - Dona Onete e Mestre Vieira09 - Pio Lobato10 - Gangue do eletro11 - Luê Soares12 - Mestre da Curica13 - Mestre Solano14 - Almirzinho Gabriel15 - edras de Souza16 - Pipira do Trombone

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ASSIM TAMBÉM O SONHO DA TRIBU qUE PLANTEI NO CHÃO DA MINHA CASA, NO CORAÇÃO DOS MEUS FILHOS. ELES, MINHAS CRIA(ÇõE)S MAIS PLENAS DE PERFEIÇÃO

AMOROSA, FILHOS-MEUS-jARDINEIROS-FIÉIS, NO CULTIVO PERMANENTE E ZELOSO DE UM MIúDO BROTO.

tramas, fértil raiz

por Kátia Fagundes

moda da tribu

A Da Tribu é um empreendimento familiar que atua no setor da moda, especificamente na produção de acessórios. Os fios, tecidos e produtos reutilizáveis con-stituem a matéria prima com a qual criamos e produ-zimos peças exclusivas, amalgamadas à poesia, ao con-hecimento empírico e as minhas memórias familiares.

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Modelos Tati Braun e Ana Luisa Fagundes

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ana miranda da tribu

Modelo: Camila Honda.

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Há três anos atuando na Moda em Belém/Pa, a Da Tribu vem sendo divulgada e apreciada em outras paragens, porque neste mundo global interconectado pela tecno-logia e suas virtualidades as idéias circulam muito mais rápido, dissolvendo espaços fronteiriços, num tempo também repro-gramado pelas contingências da Modernidade. Buscando se afinar conceitual-mente aos chamados do Planeta, num processo de equalização com a Natureza e entendendo a partir dela que da Cultura nada se perde, tudo se ressignifica, utili-zamos antigos saberes (a costura tradicional, o papel machê, o crochê e o bordado), conjugados a vários tipos de resíduos: sobras de tecido, vinis antigos, embalagens longa vida, entre outros. Este é o movimento que realizamos: aliar as técnicas manuais e elaboradas aos materiais contemporâneos na produção de uma Eco Moda, o que significa também realizar uma Moda Ética. Em tempos de Fast Fashion, propomos a valori-

zação do trabalho artesanal na produção de peças únicas. As fotos que ilustram nosso trabalho nesta edição da Re-vista PZZ foram selecionadas das coleções “Alquimia” e “O que vejo da minha janela”. A primeira coleção foi inspirada nos precei-tos da ciência alquímica Por esta razão, investimos no brilho do ouro e da prata e na monocromia do preto e suas nuances, à procura de um elixir que conferisse às peças desta coleção refinamento e elegância para pessoas que se vestem com sofisticação. “O que

vejo da minha janela” é nossa última coleção, na qual buscamos integrar a natureza aos elementos da cultura urbana. Da janela do nosso atelier capturamos imagens e sons e os materializamos em colares, brincos, pulseiras, anéis e arranjos confeccionados através de muitas experimentações. Dentre elas, o aprimoramento de técnicas do trabalho com o papel machê, da pintura à mão livre, além da pirografia e da modelagem. Sen-tidos apurados geram acessórios únicos, carregados de história e autenticidade.

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da tribu

Modelo: Ana Luisa Fagundes

da Silva.

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design participativo,economiacriativa

Para participar do Movimento HotS-pot, a Da Tribu produziu um Vídeo Arte no qual não pretendeu mostrar um projeto específico, mas traduzir as forças motrizes do nosso processo criativo e de produção: ancestralida-de, modernidade e sustentabilidade. Este vídeo foi pensado e produzido por meio de trocas de conhecimentos, de bens e serviços, pois a gestão com-partilhada constitui-se uma estratégia do nosso trabalho diário do fazer e pensar, onde o núcleo familiar, os colaboradores e parceiros têm parti-cipação ativa. Acreditamos e exerci-

tamos este tipo de gestão na busca e realização de projetos comuns entre uma rede de atores, aliando produção cultural e econômica.Recentemente, a Da Tribu foi con-templada com o Prêmio da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, por meio do Edital de Fomento a Iniciativas Empreendedo-ras e Inovadoras. Este prêmio, para nós, representa uma grande conquista que ultrapassa a maravilha de um investimento financeiro extra que oxi-genará bastante nossa produção. Ele significa, antes de tudo, o reconheci-

mento nacional de nosso trabalho, dos esforços dedicados a um sonho familiar, indicando-nos que estamos no caminho certo. Percebendo a Moda enquanto instância simbólica que condensa e representa o espírito do tempo (LIPO-VETSKY, G. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas, 1998) e a polifonia da cultura brasileira, sejamos sementes de um novo tempo, farto em criativi-dade e produção cultural, um mundo alicerçado num modelo de desen-volvimento efetivamente sustentável.

Modelo Michele Campos.

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Traduzindo a intuição fundadora

por João de Jesus Paes Loureiro

TODA FOTO É UMA FORMA DE DESTINO. NO ENTANTO, O qUE SALTA COMO UNIVERSAL, NA

FOTOgRAFIA DE TANHA gOMES NESSA MOSTRA, É qUE TUDO SE TRANSFORMA EM COR PIgMEN-TADA POR UM RAIO DE LUZ. COM ISSO, TANHA

INSTAURA A COR NO REINO DAS SOMBRAS. Dá--NOS A IMPRESSÃO qUE, DE CâMERA NA ALMA E MAO NA OBjETIVA DA LENTE, DIZ “FAÇA-SE A

COR” E CLIC!- A COR SE FAZ.

ensaio fotografia

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TODA FOTO é UMA FORMA DE DESTINO

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HÁ UM GESTO TEMÁTICO nas obras selecionadas para esta exposição. São dois grupos definidos em varia-ções lírico-conceituais do corpo femi-nino: o corpo da mulher tatuado pelos destinos do mundo; e o corpo da mu-lher invisibilizado pelos panos cultu-rais do mundo. Se, no primeiro, temos o corpo da mulher que é invisibilizado pela visibilidade cartográfica que não reconhece as diferenças; no segundo, observa-se o corpo feminino a se visi-bilizar sob a invisibilização dos mantos com que os preconceitos o recobrem.

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O QUE MARCA A FOTOGRA-FIA DE TANHA GOMES é que ela instaura uma percepção plás-tica do mundo factual e conceitu-al, na forma de uma sensibilidade convertida em imagem simbólica. Cada foto é um signo e um símbolo. Revela iminência estética de sua sig-nificação. E transcende a essa signi-ficação , mostrando também, como quem olha por cima do ombro da imagem, sua transcendência, sua re-flexão sobre o ser e o mundo. Che-ga à essência por via da aparência. A imagem fotográfica contém em si sua legitimidade. Há uma voz que soa da imagem e toca no silencio, arreba-ta a indiferença. São pedaços de cor-po cobertos de pele de transparente frescor. Imagens ora com inscrições, ora entalhadas em blocos de cor, como fragmentos de pedras lascadas da alma. Ainda que estreante a artista já domi-na a imagem fotográfica e objetivos ar-tísticos da objetiva de sua câmera. Es-treante, mas não improvisadora. Suas fotos nascem do livre jogo entre refle-xão e sensibilidade, percepção preg-nante e fina delicadeza de expressão.Há um gesto temático nas obras se-lecionadas para esta exposição, São dois grupos definidos em variações lírico-conceituais do corpo feminino: o corpo da mulher tatuado pelos des-tinos do mundo; e o corpo da mulher invisibilizado pelos panos culturais do mundo. Se, no primeiro, temos o corpo da mulher que é invisibilizado pela visibilidade cartográfica que não reconhece as diferenças; no segundo, observa-se o corpo feminino a se visi-bilizar sob a invisibilização dos mantos com que os preconceitos o recobrem.Ambos são corpos sufocados na perdição das identidades destroça-das. Uma poética da presença em um mundo alargado de ausências. Toda foto é uma forma de destino.No entanto, o que salta como uni-versal, na fotografia de Tanha Gomes nessa mostra, é que tudo se trans-forma em cor pigmentada por um raio de luz. Com isso, Tanha instau-ra a cor no reino das sombras. Dá--nos a impressão que, de câmera na alma e Mao na objetiva da lente, diz “faça-se a cor” e Clic!- a cor se faz.

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documentário história

os ViajantesjOÃO MEIRELLES FILHO, AUTOR DO LIVRO “ gRANDES ExPEDIÇõES à AMAZÔNIA

BRASILEIRA, VOL. I VOL. II, DESCREVE NESTE ARTIgO A RELAÇÃO ENTRE HISTóRIA E DOCUMENTO, PINTURA E FOTOgRAFIA, ARTE E CIÊNCIA, CONHECIMENTO E MITO,

PRODIZIDOS SOBRE A REALIDADE AMAZÔNICA.

por João Meirelles Filho*

Desenho de Orbigny - Belém - 1834

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Qu’il est glorieux d’ouvrir une nouvellecarrière, et de paraître tout à coup dans le monde savant, un livre de découvertes à la main, comme une comète inattendue étincelle dans l’espace ! (Xavier de Maistres, Voyage Autour

de ma Chambre)*

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À esquerda, o príncipe e seus companheiros de viagem Lith. von Wildt, 1847 - litografia a partir de desenho de A. Schimidt GTZ. Druck Deskonigl, 14,8 X 19,9 cm, à direita, ilustração para livros do século XIX.

O VIAJANTE É SEMPRE um intruso, um incômodo, um enxerido. Como uma criança, que não se fia por peias, ele (ou ela) nos faz perguntas incômo-das, mordas vezes, representa um soco no estômago de quem vive a região. E isto é bom, muito bom, por que ele (ela) nos obriga, e à sociedade como um todo, a mover para diante. O Amazônida, aquele que vive na Amazônia, brasileira ou conti-nental, sofre há cinco séculos esta in-vasão e suas enormes consequências. A Amazônia de hoje ferida, pilhada e ameaçada, é a demonstração cabal de como nós, Pobres Brasis, tratamos nossos povos originais e o próprio Pla-neta. E, se antes escondíamos as

zônia demandava meses, ou mesmo anos, somas consideráveis, preparati-vos detalhados, sob pena de fracasso absoluto, imensas incertezas e gran-des esforços e sacrifícios, na atualida-de não há local na região que não se alcance em um par de horas, a partir de uma cidade com pequena que seja a infra‐estrutura para apoiar esta visita. Se no momento conta ‐se, fortuita-mente, com uma imprensa profissiona-lizada em múltiplos meios de comuni-cação, ainda que pululem os beletristas e co pistas, organizações da sociedade civil atuantes e articuladas, movimen-tos sociais e ambientais de forte reco-nhecimento público, uma academia algo atenta, até mui recentemente as notícias que se teria da Amazônia de-penderiam, ora da carta de um religio-so, do diário de um militar, de pedidos de comerciantes e, ora, eventualmente, de um ou outro viajante, naturalista ou de outro cunho científico, capaz de escrever algo minimamente coerente e interessante. Lembremo ‐nos, ainda, censura auto ‐imposta pelas ordens religiosas, militares e aos diplomatas, subordinados a rígidas hierarquias e visões de mundo muitas vezes sob a égide do delírio e esquizofrenia.Surpreendentemente, mesmo em ple-no século XX, adentrando este XXI em que nos situamos, serão estes via-jantes, ainda, importantes fontes a nos darem notícia da Amazônia real, ou pelo menos, de alguma Amazônia que ousaram captar, e assim o fazem

barbaridades cometidas sob as grossas paredes da Colônia, as cortinas esgar-çadas da Belle Époche ou os mirabo-lantes planos governamentais ao longo do século XX, hoje os desrespeitos aos direitos fundamentais do Homem po-dem ser presenciadas por milhões de telespectadores, em transmissões ao vivo a partir de aparelhos de telefonia celular. Se esperávamos que estas esca-brosidades se arrefecessem ou fossem se esconder nos grotões dos Pobres Brasis, enganamo- nos, pois a conquis-ta se reforça, célere e perversa, num afã pelo máximo de recursos e terras, antes que se façam cumprir as leis (que já aí estão) ou o vexame público o im-peçam de expor a hipocrisia em paz. Em tempo, se viajar pela Ama-

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como uma outra colônia, agora não mais lusitana, mas do Brasil. O curioso é perceber que a Amazônia reage insu-ficientemente, e pouco convence com seu discurso que seu território é maior do que o restante do Brasil talvez, in-clusive, pela falta de representantes ou intelectuais preocupados com o suce-dido. E as renovadas descobertas da importância da Amazônia em relação a seus povos nativos, a sua cultura, ao clima do Planeta, a conservação da biodiversidade, a reserva de água doce, terras e outros quesitos, que deveriam, esperar- se ‐ia, reforçar a tese que o Bra-sil sem a Amazônia seria apenas mais um país com limitados atributos so-cioculturais, parecem não encontrar o eco que merecem, como nos assevera, entre outros, o jornalista Dal Marcon-des: o diferencial do Brasil é a Amazô-nia. [Depoimento ao autor, 2011]E Pensar a Amazônia precisa ser va-lorizado como uma linha de pensa-mento, um campo de preocupações, que, abranja, inclusive, com suas lia-nas, musgos, perfumes e xerimbabos, as fronteiras nacionais; afinal, há uma Pan‐Amazônia cobrindo o borrão ver-

Onça luta com taman-duá bandeira,

Ilustração para o livro O Naturalista no Rio Amazonas

de Henry Bates de 1863; Acampamento no Rio

Madeira, Franz Keller-Leuzinger; á direitra, em cima, Pescador com a pesca,

Keller-Leuzinger, 1867;

como jornalistas, escritores, cientistas ou aventureiros esfaimados por con-quistas. Em boa medida, a visão que se tem da Amazônia vem dos viajantes, até mais do que a da academia, desde o nome que a região recebe, a lendas relacionadas a tesouros, guerreiras, povos exóticos, animais impressiona-dores.No entanto, no processo geral de Pen-sar o Brasil, os viajantes ainda são considerados na academia como algo menor, e sua leitura pela sociedade em geral pouco se observa. Não se quer defender aqui a sua qualidade literária, muitas vezes sofrível, e sim a oportu-nidade que nos oferecem, a partir suas perspectivas, de sua maneira, muitas vezes atabalhoada, de descrevê-la e analisá-la. Sua contribuição é ainda mais importante quando são pioneiros no contato com grupos indígenas iso-lados, ou mesmo moradores, quilom-bolas, caboclos ou outros, de regiões afastadas dos grandes centros e pouco visitadas.E este Pensar o Brasil, mesmo no século XX, quase sempre relevou a Amazônia. Ainda se pensa a Amazônia da mesma maneira que Portugal fazia

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de e úmido desta parte do planeta, e que encerra nove países, onde o Brasil posiciona‐se, novamente, como aben-çoado, na feita que detém, como sem-pre, o maior quinhão. Retornemos, en-tretanto, às viseiras que o pensamento brasileiro (o do Pobres Brasis) vem conduzindo a nossa carroça. Mesmo no século XX, Pensar o Brasil é pensar o Nordeste, o Sudeste, o Sul e até al-gum Centro‐Oeste, e não a Amazônia. A Amazônia não faz parte da geografia brasílica senão como terra incógnita, o espaço selvagem, a floresta, o exótico. Explica ‐se? Talvez o Pensar o Brasil reproduza a aguçada observação de Frei Vicente Salvador no início do sé-culo XVII. Os portugueses andavam como caranguejos, arranhando o lito-ral. Talvez este Brasil deleite- se mais nas areias que se copacabanam diante do cenário montanhoso e tropical, ou fascine- se com as confusas metrópoles que surgem, em reiteradas tentativas de se diferenciar das reverberações européias, ou mesmo, quando ousa no regionalismo, não passe além de autores- cometas, isolados das conste-lações, que se encerram em suas pró-prias fórmulas, qual Guimarães Rosa, ainda que produzam altíssima litera-tura. E o Século XX como se expressa Rondon em uma de suas conferências, será servil à crença paternalista, que o litoral poderia ajudar, civilizar o inte-rior. “Nós, os descendentes dos con-quistadores destas terras, podemos re-almente fazer muito em beneficio dos habitantes dos sertões”. [RONDON, C.M. 1922, p. 81]No início do século XX alguns viajan-tes passaram do Brasil para a Amazô-nia, mas o fizeram rapidamente, como em fuga ou laivo de curiosidade, entre eles, exímios pensadores do Brasil, como Euclides da Cunha e Mário de Andrade, visitados no livro Gran-des Expedições à Amazônia Brasileira 1500- 1930, do qual este é uma suíte. Suas obras amazônicas e de outros em igual situação, mesmo que prestidigi-tadoras, não provocaram suficiente reflexão necessária ao país, não com-

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põem o Pensar o Brasil. E isto mesmo considerando as palavras de Florestan Fernandes, de que a realidade cultural do Brasil é e será ainda durante alguns anos a descrita por Euclides da Cunha em Os Sertões. [Fernandes, 1979]

Guerreiro Ramos comenta, no entanto, lembra- nos como a visão de Euclides da Cunha devassa o Brasil do interior à opinião pública. A visão euclidiana do Brasil é algo a restaurar, e implica uma altura do espírito que se devem esfor-çar por atingir os novos sociólogos. Ela

Nosso primeiro encon-tro com os Caripunas, Rio Madeira Franz Keller-

Leuzinger, c. 1874 (xilogravura, 22,5 x 14,1 cm)

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tornou dramaticamente perceptível a alienação da cultura brasileira. (in In-trodução Critica à Sociologia, 1995). [LIMA, N., 1999, p. 17]Euclides da Cunha, em Os Sertões, no terceiro capítulo, a Luta, pergunta:

Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo em que pelejam reflexos da vida civilizada, tivemos, de improviso, como herança inesperada, a República. Acendemos de chofre, arrebatados no caudal dos ideais modernos, deixando

na penumbra secular em que jazem no âmago de nosso pais, um terço de nossa gente. Iludidos por uma civilização de empréstimo, respingando em faina cega de copistas, tudo o que de melhor exis-te no código orgânico de outras nações, tornamos, revolucionariamente, fugin-do ao transigir mais ligeiro com as exi-gências de nossa própria nacionalidade, mais fundo o contraste entre o nosso modo de viver e o daqueles rudes patrí-cios mais estrangeiros nessa terra que os imigrantes da Europa. Porque não no‐los separa um mar, separam- no- lo três séculos. [CUNHA, E. 1913, 3a edição]

Pensar a Amazônia

E se perguntados quem pensa a Ama-zônia? A grande maioria, mesmo entre os intelectuais, terá dificuldade em ci-tar, de pronto, nomes e obras respei-táveis e suficientemente abrangentes e mais, minimamente influentes.Talvez um cruel sintoma de que o Bra-sil não pensa a Amazônia. No livro Grandes Expedições à Amazônia Bra-sileira 1500- 1930, procuro contribuir a este desafio, ainda que estejam de fora importantes nomes que pensam a re-gião, mas não o fazem na perspectiva do viajante, e sim do ficcionista como Antônio Cândido, Dalcídio Jurandir, Giovanni Gallo, Milton Hatoum ou Márcio Souza, ou de outras áreas do conhecimento que não pude, pelas li-mitações físicas, considerar, como a obra de Aziz Ab’Saber, Darcy Ribeiro, Manuela Carneiro da Cunha, Pau-lo Vanzolini Warren Dean, Charles Wagley, Protasio Frikel ou Tastevin, e tantos outros que figuram, assegura-damente, como pensadores do Brasil e da região. Sucede que neste meu ro-teiro percorrendo o século XX e além, encontro três pensadores, que ora me-recem capítulos: um poeta e verdadei-ro pan‐amazônico, Thiago de Mello, um artista plástico em fúria ebolutiva permanente, Frans Krajcberg, e os pa-cifistas em prol da causa indígena, os irmãos Villas Bôas.

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À esquerda, Navegando entre árvores, ilustração de relacionada à viagem de Alexander Von Humbolt, 1802.

À direitra, em baixo, ilus-tração para obra de Robert

Schömburgk

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Pode- se, mesmo, falar da Amazô-nia Antes da Motosserra – AM e da Amazônia Pós- Motosserra – PM. A motosserra emite um som--mensagem: sou a destruição em moto -contínuo (perpetuo mobile). A motosserra, como símbolo, subs-titui qualquer outra linguagem e

banaliza a violência.

E se pressionado fosse, para destes es-colher um, eu não teria dúvidas que Orlando e Cláudio Villas Bôas são aqueles que souberam Pensar a Ama-zônia a partir do Pensar o Brasil. E de uma maneira inédita, pois, não vio-lenta, benevolente, paciente, onde a voz do outro, dos outros, tem vez. Mas a nossa leitura sobre os Villas Bôas é muitas vezes, folclórica, como a procu-rar classificá- la rápida e, assim, super-ficialmente, como so e acontecer com o pensamento fácil. Pois foi o pensamento dos Villas Bôas, ou quiçá, a sua imensa capacidade de viver este pensamento, e com alegria, e de exercitá‐lo a cada dia, que interrom-peu algo que era (e ainda é) o desastre do Brasil - as investidas rasgando o sertão sem qualquer escrúpulo, expan-dindo a fronteira pioneira, o espaço que a sociedade nacional reclama aos povos originais. A própria denomina-ção de sertão é prepotente e belicosa, na medida em que pretende reconhe-cer que ali não há gente, não há dono, não há história, é mato virgem! Os irmãos Villas Bôas transformaram uma expedição para ocupar um vazio territorial (aos olhos do Pensamento

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Índio Jamachi, em-pregado no trnsporte decarga da comissão demarcadora na Ven-ezuela. Rio Catrimâni.

tal qual o Brasil usou o Brasil. As problemáticas contemporâneas, como a das mudanças climáticas, da crescente escassez de terras agricultá-veis e de água potável no planeta, das ameaças à biodiversidade, da concen-tração populacional em metrópoles, a clara finitude de recursos antes con-siderados abundantes e facilmente renováveis, como a madeira, os re-cursos pesqueiros, e a do reiterado

Brasil), em uma longa viagem em prol de reconhecimento da causa dos povos originais que ali habitam há séculos. Os Villas Bôas escancaram a urgência em se repensar o Brasil, baseado nos direitos dos povos originais, segundo outros preceitos, uma vez que ainda haveria algum tempo, não muito, mes-mo depois de quatro séculos e meio de conquista. E Interromper o avanço da fronteira pioneira é um tema que o Brasil discute molemente, ou seja, não está na pauta do Pensar o Brasil, pois este considera esta ocupação como necessária, como a alimentar a caldeira da locomotiva, a partir da derrubada de sua floresta. Deveras, o maior desafio do Brasil no século XXI é eliminar a palavra fron-teira pioneira do vocabulário, tal qual sertão. E interromper este avanço é algo bastante complexo, mas possível. E primeiro depende de desmascarar os ardis pelo qual este ocorre, principal-mente sob a égide das políticas oficiais. Pois, entre os milhares que se dizem representar o povo, a imensa maioria vê nesta ocasião o enriquecimento rá-pido e o uso da coisa pública para fins privados. Sucede que a dimensão da fronteira pioneira é de tal monta que não há precedente na história da hu-manidade. O Pensamento Brasil entende a Ama-zônia como uma reserva de espaço físico a ser ocupado. O Pensamento Amazônico exige moratória, reflexão, para reconhecer o que as diferentes vo-zes locais tem a dizer, e não apenas os índios, caboclos e quilombolas, como as mulheres, os jovens, os moradores das vilas, das cidades, dos assentamen-tos.....E os viajantes, de certa maneira, fa-zem uma ponte entre um pensamento e outro porque transitam, sem muita dificuldade, entre este e aquele, ofere-cendo‐nos tanto registros dramáticos e relevantes, como alguns fulgores do que poderia ser a Amazônia se esta fosse minimamente respeitada e não dilapidada. Porque para o Pensamento Brasil, o Brasil deve usar a Amazônia,

desrespeito a populações locais, cada vez mais excluídas, empurram- nos a uma nova agenda amazônica. Agenda que propiciaria fortalecer algo que se-ria o Pensamento Amazônico, que não existe enquanto tal, com a sensação de pertencimento que este exige para sua auto‐alimentação e auto ‐compreensão e apropriação, e apenas se encontra rascunhado e proposto de maneira in-completa e em algumas especialidades.

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Índio Jamachi, em-pregado no trnsporte decarga da comissão demarcadora na Ven-ezuela. Rio Catrimâni.

E há ainda o desafio do Pensar Pan- Amazônico, do Pensar Amazônias. Agora, considerar o Pensar Amazônia em compasso como Pensar o Brasil pouco se cogita. Difícil é encontrar aquele que deixa a posição de espectador em prol de um papel crítico. Mesmo entre os Amazô-nidas não serão muitos, mesmo diante da possibilidade oferecida pelos meios de transporte e de comunicação de

Uma cozinha no Rio Amazonas, James Orton, 1873(gravura, 7,5 x 11,5 cm)

conhecer a região em sua amplitude. As fronteiras estaduais são barreiras imensas e as nacionais representam abismos. Curiosamente a metropoliza-ção polariza a atenção da maioria, sem que se busque compreender e viven-ciar as outras amazônias. Como lem-bra Mário de Andrade, “O brasileiro vive o Brasil e não o descobre”.Entre os viajantes, muitos se utilizaram da Amazônia para brilhar, completar o seus currículos de maravilhosos, bus-cando o seu exotismo para ganhar di-nheiro, vender livros, filmes, provar a sua tese, levar a fé de seu credo a povos que viviam muito bem, obrigado, sem os seus teísmos e doenças, para finan-ciar seus projetos, ou seja, viram numa região aparentemente desprotegida a oportunidade de exercer o seu domí-nio e tirar partido para sua glória. Na contramão, mesmo em breves jor-nadas, gente como o paisagista e ar-tista plástico Roberto Burle Marx nos abre os olhos para a beleza da flora amazônica, e a possibilidade de seu emprego melhorar a nossa qualidade de vida urbana. No entanto, por reco-mendação do fotógrafo Luiz Claudio Marigo, ele também um viajante, en-contrei o relatório da Expedição Burle Marx dormindo no esquecimento de uma gaveta do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas - CNPq por mais de vinte anos. Provavelmente desta saibam e, eventualmente, refiram ‐se, alguns poucos que dela participaram. Diversos são os que seguirão em busca de grupos indígenas não contatados, alguns para realizarem estudos inédi-tos e se projetarem com tal fato, como o antropólogo Frances Claude Lévi‐Strauss, outros, efetivamente, para protegê- los, como Curt Nimuendajú e Cláudia Andujar. A sensação maior é que o encontro do viajante e um gru-po indígena isolado se não registrado adequadamente jamais haverá outro momento para fazê‐lo, que, por exem-plo, levou Claude Lévi‐Strauss, um bom escritor ainda que viajante sofrí-vel, a formular: Dentro de alguns centos de anos, outro viajante, tão desesperado

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O Pirarucu (The-pirá-rucu), ilustração de Franz Keller-Leuz-inger, utilizada por James Orton, 1873 (gravura, 10,8 x 6,9 cm)

história

como eu, neste mesmo lugar, chorará o desaparecimento daquilo que eu teria podido ver e que não aprendi. [LEVI STRAUSS, 1981,s/n].Outros se dedicarão a esta tarefa imen-sa e exigente que é a de classificar os seres vivos e buscar maneiras de pro-tegê‐los, como o botânico e entomolo-gista Adolphe Ducke ou Marcio Ayres. Este último foi além, contribuindo para criar uma nova maneira de pro-teger ambientes e as populações ribei-rinhas que dele vivem, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável - RDS. A arrogância também estará presente, mesmo quando demonstram heroís-mo, em viajantes como o francês Hen-ry Codreau, o inglês Percy Fawcett e norte ‐americano Hamilton Rice, quiçá estes estejam entre os últimos expe-dicionários desta estirpe colonialista, preconceituosa e que parte da premis-sa de sua superioridade diante dos lo-cais.

Outros cumprirão missões oficiais, como a de demarcar fronteiras, como Brás de Aguiar, e o capítulo que se lhe dedica visa, de certa maneira, apre-sentar um pouco deste Brasil pouco conhecido, igualmente pouco revelado pela diplomacia brasileira e bem pre-servado na 1a Comissão Brasileira De-marcadora de Limites, do Ministério de Relações Exteriores, em Belém. De qualquer maneira, entre os via-jantes aqui tratados, nenhum visava o lucro fácil, para depois usufruir o seu butim em sua terra natal, contrastan-do, naturalmente com os outros mer-cenários empreendedores que encon-tram no caminho. Pelo contrário, a maioria sofrerá enormemente com a fome, as doenças que abreviarão suas vidas, os desconfortos e os perigos das viagens, sem contar as dificuldades no relacionamento com autoridades e as comunidades locais. Então, o que desejam estes personagens? Certa-

mente, um ponto comum seria, o que na expressão popular se diz colocar a Amazônia no mapa, ou seja, demons-trar que ali não é uma terra incognita, como sucede com Fawcett, Rice, Brás de Aguiar, Villas Bôas e outros. Outro em comum seria a certeza de que os resultados de suas viagens cau-saria forte impacto no público dos centros urbanos aos quais estão liga-dos. Assim, livros, mapas, fotografias, filmes, reportagens, exposições, pales-tras e outros documentos seriam tão importantes quanto a viagem em si. E estão aí os Cousteau, os Coudreau e outros a provar. Poucos irão à região, despretensiosamente, sem um plano pré- traçado, como Mário Palmério, e sem a obrigação de realizar esta tal

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Caça de Jacarés, ilustração de Keller-Leuzinger, Utilizada por James Orton, 1883

grande obra resultado de uma grande expedição, ou repetidas jornadas. E por que selecionei estes personagens e não outros? Há simpatia? Identifi-cação? São modelos para algo? Inspi-ração? Há um pouco de tudo e, tam-bém, é preciso dizer que o século XX não busca modelos, ícones, e sim estes que representam personagens que nos auxiliam a discutir esta complexidade, formular o Pensar a Amazônia. O que se pode facilmente depreender é o desprendimento, a generosidade, de muitos destes biografados, iluminada no caso dos Villas Bôas, recatados em cientistas como Helmut Sick e Adul-phe Ducke, e mesmo em Frans Kra-jcberg, aparentemente de uma dureza inflexível, doa ‐se a cada escultura ou fotografia, inclusive deixado ao Brasil (sob guarda do Governo da Bahia) as suas obras e sítio ‐escultura.E diante das denúncias de Andu-jar, Krajcberg, o casal Moss e outros,

pergunta- se: há um projeto possível para a Amazônia para o século XXI? Um projeto de construção de um Pen-samento Amazônida, capaz de reverter o determinismo catastrofista do Pen-samento Brasil? Uma conclusão possí-vel da leitura da presente obra é que o século XX seria o enorme fracasso do processo de ocupação que não mere-ceria o nome de processo civilizatório. O resultado é a pobreza que se multi-plica e as injustiças que se fortalecem, a destruição pela destruição, para de-terminar quem é dono do que, a pros-peridade dos que se servem da polí-tica, o pacto pela mediocridade, pelo corporativismo estulto, estão a vencer quase todas as batalhas e a nos levar à bancarrota como Nação.

Utilitaristas x conservacionistas

Os visitantes, bem como os habitantes,

da Amazônia poderiam, num primei-ro crivo, ser divididos em dois grupos: o dos utilitaristas e o dos conservacio-nistas. Os primeiros se caracterizariam por cifrar tudo, em forma de riquezas presentes e possíveis, domando a natu-reza para lhe tirar proveitos. Os segun-dos são os que se pasmam de admira-ção com a diversidade, sorriem diante do espetáculo da convivência do índio com a floresta, respeitam o viver do homem local e a beleza da natureza, preferindo o contemplar a desman-char, o cuidar e o respeitar, ocultivar e reproduzir.Os utilitaristas são ainda, ufanistas, prometem mundos maravilhosos à re-gião com a chegada do progresso. Os conservacionistas são céticos e, tam-bém, românticos.

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Ilustração de Hercule Florence para a Expedição Langsdorff em 1828. O naturalista alemão, o

Barão Georg Heinrich von Langsdorff, pretendia empreender uma expedição científica por várias províncias do país, incluindo a Amazônia, e ne-cessitava de um desenhista. Florence conseguiu ser admitido no cargo pelo seu talento artístico

e pelos seus conhecimentos de cartografia. Juntamente com Aimé-Adrien Taunay completou a dupla de desenhistas incumbida de realizar a documentação iconográfica ao longo do extenso

trajeto da expedição. Deve-se a Florence o relato completo dessa aventura, percorrida ao longo de 13.000 quilômetros entre os anos de

1825 a 1829, assim como a maior parte da documentação iconográfica. Nela se percebe sua

preocupação em registrar com rigor científico a natureza e os índios das regiões visitadas.

Essa coleção de imagens é de valor inestimável para os estudos antropológicos e etnográficos,

conforme é atestado por cientistas brasileiros e estrangeiros.

história

O fato é que ambos tratam de des-mistificar, desvelar, como este texto do geógrafo francês Paul Le Cointe, que merece um capítulo adiante: Para quem imaginou as florestas tropicaes como são descriptas nas historias ro-manescas de viagens imaginarias em paizes desconhecidos, a primeira im-pressão recebida ao percorrer alguma parte da floresta amazônica, seja via-jando, seja explorando qualquer dos seus numerosos productos naturaes, ou simplesmente, seguindo a pista de algu-ma caça, será antes, de surpresa, mis-turada talvez de uma certa decepção: si Ella nã tem nada de precisamente se-ductor, nada tem tão pouco de terrível. Não corresponde nem ás descripções pomposas que della fizeram, sem lê ‐la jamais visto, alguns poetas de imagina-ção fértil, nem os qualificativos pouco amáveis com que a gratificam alguns pseudo- exploradores que, do convez de um confortavel paquete, terão divizado apenas as mattas pantanosas da embo-cadura do Rio, ou mesmos das margens do seu curso medio, alagadas periodi-camente pelas enchentes annuaes, e que julgaram descrevela perfeitamente declarando- a horrivel, fetida, absolut-mente impenetravel, verdadeiro covil

de cobras e de insectos peçonhentos. [LE COINTE, 1945,p.184]Pois é, não houve outra maneira, este livro está sobejado de utilitaristas ‐ pois poucos são os conservacionistas que sobrevivem ao descaso e ao de-suso e são capazes de criar algo que seja defensável. Há os que lutam por toda uma vida e não se cansam. Frans Krajcberg, com quem convivi inten-samente entre 1984 e 1987, e que teve influencia determinadora em minha vida, é um destes cavaleiros da espe-rança. Quando me sentei na amurada do Museu Rodin, em Salvador, Bahia, neste maio de 2011, para comemorar seus noventa anos, depois de um hia-to de duas décadas sem nos vermos, reconheci o mesmo fulgor em seus olhos, a mesma perspicácia no manu-seio das palavras, a mesma vontade de

busca por algo autêntico, transforma-dor, algo que comunicasse ao Homem o que está a destruir, enfim, alguém que fulguraria na academia do Pensa-mento Amazônico. Mas o tempo presente, vive a sinfonia das motosserras e tratores de esteira, os alto- falantes das igrejas e das mú-sicas estridentes, impossibilitando o espaço para o meditar e silenciar. E isto reforça ainda mais o ser utilitá-rio, na medida que altera a escala e a dimensão da destruição. Pode- se, mesmo, falar da Amazônia Antes da Motosserra – AM e da Amazônia Pós- Motosserra – PM. A motosserra emite um som‐mensagem: sou a destruição em moto ‐contínuo (perpetuo mobile). A motosserra, como símbolo, substitui qualquer outra linguagem e banaliza a violência.

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de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico de consequencias. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e tei-mando manter tudo isso em ambien-te muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. [HOLLANDA, S.B., 1990, p.31]E deveremos cuidar para não reprodu-zir, dois séculos depois, o pensamento do francês Alexis de Tocqueville em visita aos Estados Unidos, registrado em A democracia na América, comen-tando sobre os viajantes muito esclare-cidos, muito sábios, muito poderosos por sua inteligência, e uma multidão muito ignorante e fortemente limitada [TOCQUEVILLE, A. Livro 2, p 17]Em outro momento, Tocqueville com-parando as duas Américas escreve: A America do Norte apareceu sob outro aspecto: ali, tudo era grave e sério, so-lene; disse‐se que fora criada para se tornar província da inteligência, en-quanto a outra era a morada dos sen-tidos [TOCQUEVILLE, A. Livro 2, p 26] Se a Amazônia no século XVI ao XVIII é ibérica, no século XIX apre-senta‐se na múltipla europeidade; no século XX sofrerá forte influência da supremacia norte- americana, sem falar no próprio avanço dos estados nacionais sobre seus territórios ama-zônicos. A questão é perguntar: como será a Amazônia do século XXI? Ou melhor, como é a Amazônia que que-remos? Que forjaremos?Continuaremos de bubuia na histó-ria, açoitados pelo interesse alheio, ou nos imporemos como uma Amazônia plenamente latino ‐americana, a Pan- Amazônia?

fato de mais da metade das citações referirem ‐se ao século XX. Está certo que o século XIX, especialmente após a independência do Brasil (e os movi-mentos de independência em outros países sul ‐americanos), verá elevado substancialmente o número de viajan-tes (cerca de 250 verbetes deste total de 700). No entanto, nada se compa-ra ao período pós- 2a Grande Guerra, em que estamos. A presente relação, para este período encontra- se bastante incompleta e será muitas vezes maior que esta ora apresentada.

A questão é perguntar: como será a Amazônia do século XXI? Ou melhor, como é a

Amazônia que queremos? Que forjaremos?Continuaremos de bubuia na história, açoitados pelo interesse alheio, ou nos

imporemos como uma Amazônia plenamente latino-americano, a

Pan-Amazônia?

Afinal, serão centenas de esforços das diferentes áreas da ciência, bem como as iniciativas religiosas, empresariais e militares aqui ainda não transcritas.A Amazônia do século XXI Quem será o viajante do século XXI? Em primeiro lugar há que se esperar que sejam capazes de levar adiante o Pen-sar a Amazônia, a Pan- Amazônia, principalmente. Em segundo lugar, augura‐se sejam estes iluminados e capazes de gestos de enorme generosi-dade, que não levem apenas belas fotos e histórias, e sejam capazes de ouvir e compreender, e sejam suficientemente provocadores e não meros deslum-brados e ilusionistas. E isto porque não há tempo para diletantismo, para o turismo pelo turismo, para a aven-tura hedonista, porque o avanço da fronteira pioneira precisa encontrar seu capítulo final. Senão repetiremos a análise arguta de Sérgio Buarque de Hollanda, no clássico Raízes do Brasil: A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado

A relação de de viagens

Uma leitura demorada dos quase 700 verbetes da Relação de Viajantes, ra-pidamente evidenciará a ausência de Amazônidas entre estes. Por que os Amazônidas não viajam na própria Amazônia? Como querer alcançar um pensamento amazônida se não um conhecimento acerca do território. Da mesma maneira, o intercâmbio intra ‐regional é bastante limitado, este ocorre, ainda, entre as metrópoles e as colônias, entre os grandes centros do Sudeste principalmente e as diferentes regiões da Amazônia. E se extrapolar-mos para a Amazônia continental o intercâmbio e o conhecimento acerca do outro é limitadíssimo. Outra questão que se revela é o

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COM O OBjETIVO DE ALCANÇAR AS REgIõES APENAS INDICADAS PELOS MAPAS qUE A PARTIR DE 1928, OS TRABALHOS DE DEMARCAÇÃO TORNARAM-SE SISTEMáTICOS, A CARgO DAS COMISSõES

DEMARCADORAS DE LIMITES DO MINISTÉRIO DAS RELAÇõES ExTERIORES. COMO MOSTRAM AS FOTOS SELECIONADAS PARA ESTE ENSAIO, O ITINERáRIO PERCORRIDO PELOS DEMARCADORES

ESTAVA LONgE DE SER UM IDÍLICO RETORNO AO MÍTICO PARAÍSO PERDIDO.

expedições fronteira norte

caminhos sem voltaFRONTEIRA NORTE:

por Antonio José Ferreira Simões*

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caminhos sem voltaFRONTEIRA NORTE:

Transporte das embar-cações na Cachoeira a jusante da confluência Marari - Venezuela

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EM 1904, EUCLIDES DA CUNHA parte para o Acre. Recém nomeado pelo Barão do Rio Branco para a Co-missão Mista de Fronteiras do Rio Pu-rus, Euclides tinha uma árdua função: em parceria com os representantes pe-ruanos da Comissão, deveria conferir o traçado do Rio Purus e assinar um relatório a respeito com o país vizinho. Passados oito anos desde que testemu-nhara, na Bahia, os desmandos da luta contra Antonio Conselheiro, Euclides queria seguir os passos de outros des-bravadores. Antes dele, e desde pelo menos o século XVII, Alexander Hum-boldt, Von Martius, Henry Bates e Al-fred Russell Wallace tinham percorrido a Amazônia. Impregnados da estupe-fação ao vislumbrar as densas florestas da região, seus depoimentos em muito transcendiam o meramente científico. Seguindo suas pegadas, Euclides tam-bém deixou vários textos, emociona-dos, sobre o que vira no Alto Purus,

À esquerda, índios Tarianos e Tucanos dançam em volta do marco brasileiro,

1933 - Colômbia; à direita, Monte Roraima e a Cachoeira de Arabopô – Venezuela,

à esquerda, Serra de Tapirapecó vista do acampamento do Mararí – Venezuela

reunidos no livro póstumo “A Margem da História”.Em pleno ciclo da borracha, o Acre tornou-se o último bastião do processo de negociação das fronteiras brasileiras. Os 100 mil nordestinos contratados pelos seringalistas para trabalhar no vale dos Rios Purus, Juruá e Madeira encontraram-se com os caucheros, que desciam os mesmos Rios, vindos da Bolívia, Peru, Venezuela e Colômbia. Euclides chegou a comentar que, não fosse a índole pacífica das nações sul--americanas, teria sido deflagrada uma “Guerra Mundial da Borracha”.De fato, venceu o diálogo e a diploma-cia. Para retomar as palavras de Mário Quintana, Euclides logrou riscar no mapa a fronteira entre Brasil e Peru, pacificamente, sem incidentes de maior monta.Essa é apenas uma das muitas histórias envolvendo a delimitação dos cerca de 10 mil quilômetros da fronteira Norte

As fronteiras foram riscadas no mapa, a Terra não sabe

disso: são para ela tão inexistentes como esses meridianos com que os velhos sábios

a recortavam como se fosse um melão (Mário Quintana)

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Á esquerda, lancha Cuiarí, navegando com reboques no Rio Padauirí - Venezuela; à direita, em cima, Cachoeira da Anta, Rio Pacú – Venezuela; em baixo, lancha Brasil descarregando material no acampamento de Porteira. Rio Trombetas – Guiana

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do Brasil. Concluída a negociação dos tratados que definiram as fronteiras brasileiras com seus vizinhos, restava executar, no terreno, as suas disposi ções.Foi com o objetivo de alcançar as re-giões apenas indicadas pelos mapas que, a partir de 1928, os trabalhos de demarcação tornaram-se sistemáticos, a cargo das Comissões Demarcadoras de Limites do Ministério das Relações Exteriores. Como mostram as fotos selecionadas para este ensaio, o itine-rário percorrido pelos demarcadores estava longe de ser um idílico retorno ao mítico paraíso perdido.Os percursos podiam durar um ano sob chuvas épicas e um calor reniten-te. Durante a travessia, as equipes do Brasil e dos países vizinhos se desdo-bravam para montar acampamentos em regiões inóspitas, para realizar ob-servações astronômicas em clareiras abertas com dificuldade sob o dossel da mata, para atravessar rios a pé con-tra a correnteza, carregando todos os equipamentos nas costas. Mas tam-bém permitiam encontrar populações

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Em cima, passagem de um batelão por terra, alto Jaquirana – Peru; à esquerda, em baixo, Rio Cauaburi – Venezuela; à direita, em baixo, Cachoeira de Camanaus, Rio Negro – Venezuela.

“o homem (...) é ainda um intruso impertinente”.

(Euclides da Cunha)

tradicionais ainda isoladas, levar-lhes vacinas, realizar registros das 41 famí-lias lingüísticas da Amazônia, elaborar estudos topográficos, recolher amos-tras de espécimes de regiões nas quais, nas palavras de Euclides, “o homem (...) é ainda um intruso impertinente”.É precisamente na dimensão humana do trabalho demarcatório que se re-vela todo o potencial das fronteiras. Superados os paradigmas que viam as fronteiras, seja como uma conquista militar, seja como uma oportunidade de cruzada espiritual junto a povos bárbaros, as expedições demarcatórias conjuntas com os vizinhos acabaram por constituir também oportunidade para congraçamento, como um pre-núncio da integração que hoje se cons-trói na América do Sul.Integração essa cujos grandes atores são, como não poderia deixar de ser, as próprias populações que vivem ou transitam por essas regiões fronteiri-ças. Mais além do registro, é também uma homenagem que este ensaio pre-tende prestar – homenagem aos pri-meiros demarcadores das nossas fron-teiras. Graças a eles foi possível realizar as campanhas em uma Amazônia até então amplamente desconhecida. Fo-ram os carregadores, os intérpretes, os mateiros, os guias, os cozinheiros, os marinheiros, os timoneiros - muitos dos quais nem mesmo chegavam a ser registrados nos relatórios de viagem - os que levaram as equipes até as linhas riscadas nos mapas imaginários.Desde o ilustre Euclides da Cunha, até os desconhecidos trabalhadores - contratados, muitas vezes às pressas na própria floresta, sem ter deixado nenhum registro, todos contribuíram para iniciar essa epopéia que foi o desbravamento pacífico e fraterno da Amazônia que, ainda hoje, continua-mos a integrar e desenvolver.______________________________

*ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES Embai-xador/Sub-Secretário Geral da América do Sul, Centrale do Caribe /Ministério das Relações Exteriores

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Trecho onde o Rio Catri-mâni se estrangula em

caneletes de cerca de 8m de largura média, próximo

à Cachoeira da Garganta – Venezuela

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Todos os trabalhos topográficos estão

apoiados sobre cuidadosas operações astronômicas, o que confere um grau de precisão bastante grande as cartas geográficas or-ganizadas pela Comissão.

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Este ensaio faz parte do Livro: FRON-TEIRA NORTE: DEMARCANDO E APROXIMANDO A AMAZÔNIA - PRIMEIRA COMISSÃO DEMAR-CADORA DE LIMITES (8 DÉCA-DAS) no qual apresenta uma fração representativa do arquivo fotográfico da Primeira Comissão Brasileira Demar-cadora de Limites, ou seja, uma seleção (entre outras possíveis) das “melhores fotografias” produzidas e preservadas pela PCDL ao longo da sua história. A obra não tem a pretensão de espelhar a história da Comissão ou de cobrir todos os aspectos das expedições demarca-tórias que estão documentados nas centenas de fotografias do arquivo. O critério que orientou a concepção desta obra e determinou a seleção das foto-grafias, e que o projeto gráfico procurou valorizar, é o critério da qualidade em termos de arte e linguagem fotográficas, que permite situar estas imagens como produção no campo das artes visuais.O período de realização destas fotogra-fias começa em 1920-26 com as ima-gens referentes à campanha do Peru (que antecede a fundação da PCDL como órgão permanente, em 1928), e se estende até o início da década de 1970, quando termina a fase histórica

considerações Gerais sobre a Obra

de demarcação da Fronteira Norte e inicia-se a fase atual, de inspeção e manutenção dos marcos. O auge das campanhas demarcatórias e da produ-ção fotográfica da Comissão de Limites corresponde às décadas de 1930 e 1940 e à gestão do Almirante Braz Dias de Aguiar (1928-1947).A maioria destas fotografias deve ser creditada a Raimundo Fernandes de Araújo, fotógrafo da PCDL no perí-odo de 1934 a 1957. Outro fotógrafo contratado pela Comissão, o russo Dimitry Agafonoff, trabalhou num curto período anterior, nas campanhas de 1932 e 1933. Sabemos que alguns profissionais que participaram das campanhas na qualidade de “cinema-tografistas” (como Henrique Medeiros e José Louro) podem ter atuado oca-sionalmente como fotógrafos, a exem-plo do “cinetelegrafista” Oscar Araújo, que alternava as funções. As fotografias referentes à região do rio Oiapoque (fronteira França) constituem uma exceção, pois apresentam – em álbum separado – um registro explícito de autoria: a do Major Thomaz Reis.As fotografias da PCDL se apresentam aqui com todas as marcas dos danos que sofreram ao longo do tempo.De cada foto selecionada, optou-se por digitalizar, prioritariamente, o negati-vo; na ausência deste, digitalizou-se a melhor cópia disponível. O tratamento da imagem limitou-se à correção de brilho e contraste, sem tentativas de retoque ou restauro.As pesquisas destinadas a verificar/corrigir, completar e contextualizar as informações originais, bem como as ações visando higienizar/estabilizar as

por Patrick Pardini (fotografo/Museu dauFPa)

cópias e matrizes fotográficas e even tualmente restaurar as imagens danifi-cadas, dizem respeito a um projeto de outra natureza, no campo da preserva-ção de patrimônio documental e acer-vos culturais, absolutamente relevante e necessário, previsto no plano de metas da PCDL.As legendas que acompanham as fotografias reproduzem as anotações originais, manuscritas ou datilo-grafadas, feitas no verso das cópias arquivadas na PCDL ou nos envelopes acondicionando os negativos, às quais se acrescentou a referência ao país fronteiriço correspondente. A grafia foi atualizada. Essas anotações geralmente não têm indicação de data nem de autoria. Em alguns casos, a ausência de anotações foi suprida com informações obtidas de outras fontes.O código alfanumérico incorporado às legendas corresponde ao sistema de registro do arquivo da PCDL, adotado na organização por álbuns implemen-tada em 1947. Exemplo: 2 39 A = nº do álbum (2) + nº da página (39) + posição da foto na página (A). Em alguns casos, a letra foi substituída por um número. As fotografias sem código identificador não foram incorporadas ao sistema dos álbuns.Compondo as páginas de abertura de cada capítulo, foram realizadas mon-tagens com mapas históricos da região amazônica e fragmentos fac-símile de relatos de viagem alusivos ao tema do capítulo. A imagem em marca d’água nas páginas de texto refere-se a uma das pinturas que ornamentam a sede da Comissão de Limites em Belém, construída em 1912.

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DA ESQUERDA PARA A DIREITA

Medidas antropomé-trica de caboclos do

alto Rio

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O período de realização destas fotografias começa

em 1920-26 com as imagens referentes à campanha do Peru (que antecede a fundação da PCDL como

órgão permanente, em 1928), e se estende até o início

da década de 1970, quando termina a fase histórica de demarcação da Fronteira

Norte e inicia-se a fase atu-al, de inspeção e manutenção

dos marcos.

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Provocar reflexões sobre a relação do homem com o meio ambien-te, de uma forma irreverente e crítica, fez do Salão Internacional do Humor da Amazônia um grande sucesso de público e de opi-niões. Apesar de ser novo em comparação a outros salões nacio-nais, o Salão Internacional do Humor já recebeu milhares de visi-tações, trouxe grandes nomes do humor nacional e internacional e consagrou Belém como a capital do humor ecológico em 2010,

quando ganhou o troféu HQMIX de melhor Salão de Humor da Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB) e do Instituto Memorial de Artes Gráficas (IMAG). “Não dava pra ter outra temática que não a relação do homem com a natureza, seria um contra-censo se nós não sublinhássemos esse tema. O Salão de Humor traz um debate através de uma linguagem artística que de cara provoca o riso, mas esse riso vem junto com uma reflexão. Acho que toca mais do que dizer: não maltrate o meio ambiente”. Com o patrocínio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), o Salão Internacional de Humor deste ano trouxe como tema “Ecologia no Traço”, em um projeto realizado pelo artista e produtor cultural Biratan Porto. Participam da mostra, 172 trabalhos de 37 países. Esses traba-lhos foram selecionados por uma equipe de profissionais do Estado, incluindo o cartunista, chargista e desenhista J. Bosco. Do total de obras inscritas, foram selecionados 70 trabalhos da mostra de cartuns ecológicos, 50 trabalhos para a mostra de cartuns livre, 40 para a mostra de caricaturas e 12 para a mostra em homenagem ao filósofo paraense Benedito Nunes. Essas obras ficaram expos-tas de 22 a 30 setembro, durante a Feira Pan-Amazônica do Livro, no Hangar.

ecologia notraÇO

qUARTO SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR DA AMAZÔNIA

por Márcia MacedoCoordenadora execultiva

1º Lugar, Cartum Livre, LA, CONDICIÓN HUMANA,autor - Lucho, Peru

artes plástica salão de humor

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Em cima, 2º Lugar, caricatura,

Kadafi, autor - Mechain, México

A direita, 2º Lu-gar, cartum livre,

autor - Leslie, Espanha

artes plástica salão de humor

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artes plástica salão de humor

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2° lugar, Cinza Ecologia, autor - Erasmo, São Paulo, Brasil.

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artes plástica salão de humor

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1° lugar, Ecologia, autor - Seri, São Paulo, Brasil.

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resistÊncianeGra

identidade coletivo casa preta

“Ser Negro é resistir. Essa é a palavra que define nossa existência depois de séculos desse sequestro da África para as Américas”. Assim pensa o coordena-dor mais jovem do Coletivo Casa Preta, Anderson de Sousa, mais conhecido como Don Perna. A instituição é um braço da Rede Mocambos no Pará. A Mocambos é formada por negras e negros de âmbito nacional que se

conectam por meio das tecnologias da informação com comunidades quilom-bolas rurais e urbanas.O objetivo, tanto do Coletivo Casa Preta, quanto da Rede Mocambos, é buscar parcerias para que de forma colaborativa e coletiva, possam ser reunidos diferentes programas, projetos e ações voltados para o desenvolvimen-to humano, social, econômico, cultural

e ambiental. Preservando sempre o patrimônio histórico-memória das comunidades afrodescendentes.O Coletivo Casa Preta fica localizado em uma residência no bairro do Canu-dos, na capital do Pará. É com muita luta que os coordenadores desenvolvem diversos projetos para conseguir patro-cínio e assim pagar o aluguel do espaço no qual produtores, músicos, arte-edu-

por Vivi Mattos

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Integrantes do Coletivo Casas Preta, Guine, Don Perna, Negro Lamar e ao lado, página à direita, os membro do grupo Afro Bloco Firme

FoToS ArquiVo CASA PrETA

cadores, entre outros, se reúnem com um aglomerado de crianças e jovens, em sua maioria negros e negras, que formam um grupo em movimento que trabalha com diversas áreas envolvendo a tecnologia e a ancestralidade. Sempre desenvolvendo a identidade negra e a auto-estima, o coordenador explica um dos conceitos que norteiam o coletivo. “Nós queremos propagar

os segmentos do afro-universo, uma celebração que lida com ‘afrofuturismo’ e aborda a música e a comunicação. Estabelecendo dessa forma um contato direto com espaços fechados e a rua”. Guiné Ribeiro e Lamartine Silva tam-bém são coordenadores do Casa Preta.Um dos focos do coletivo é aliar a tecnologia e a ancestralidade. Por isso, os colaboradores da entidade traba-

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lham com a empresa-projeto Negoocio Soluções em Tecnologia da Informação. Cujo trabalho é fornecer recursos para que as pessoas usem a internet, pro-duzindo resultados com praticidade e consistência. “Por meio da internet você pode comunicar, trocar informações, registrar as suas manifestações culturais; pode ter visibilidade na sua comunida-de. Pode fazer um documentário com uma pessoa que não teve acesso a esco-la, que não sabe escrever, mas domina a cultura oral”, exemplifica Don Perna.  O Casa Preta atua em parceria com outros projetos e coletivos como o Terra Vibra, Cosp Tinta Crew, Traumas Ví-deo, Veg Casa, Dudu do Skate, Núcleo de Resistência Periférica (NRP), Crew UBI-Zulu Bambaataa, entre outros. Esses movimentos promoveram diver-sas atividades à comunidade belenense com programação cultural que valoriza e fomenta a cultura afro. Oficinas como as de Dança e Tranças -afro, Tambores e festas “Bambas Dicanudos - Samba de Rua”, “Rap Life - Festa da Cultura Hip-Hop” e o 3º Mutirão de Graffiti com direito a Batalha de Mcs são exem-plos dessas ações culturais.Acompanhe a entrevista com o coor-denador do Coletivo Casa Preta, Don Perna ( Anderson de Sousa) realizada pela jornalista Vivi Mattos:

PZZ - Como é ser negro no Brasil em pleno século XXI?

Don Perna - Ser Negro é resistir. Essa é a palavra que define nossa existência depois de séculos desse sequestro da África para as Américas. Do ponto de vista do combate ao racismo, ser negro é acima de tudo saber de onde veio, como veio e pra onde se quer ir. Eu não carrego a escravidão como minha única condição de memória, diferente de uma conduta que tenta ‘embraquecer’ nossas referencias, eu encaro o fato de ser ne-gro como uma busca fundamental por uma identidade étnica que me reconec-ta com essa Africa que me foi negada, é um reconexão física e espiritual. Ser negro é pele e é espirito. Eu acredito na

Africa como mãe do mundo, ela me traduz tudo que preciso saber pra viver essa humanidade que me cabe. Acredito que o homem ser-humano original é Africano, é um ser negro. E não acre-dito nisso como forma de hierarquia ou vantagem ou como uma forma de supremacia, pelo contrário, acredito nisso como respeito e reconhecimento de uma humanidade de origem afri-cana. Esse fato é tão determinante que não explica, nem traduz como a Africa de hoje é uma Africa extremamente explorada, negada, usurpada. Como deixamos nossa semente original ficar

assim??? Como temos uma cultura tão rica e tão transformadora que influen-ciou e influência as Américas a mais de 5 séculos e ainda temos problemas em se assumir como negro ou negra. Como aprendemos a odiar nossa origem? Na pura calma faço minhas reflexões e vejo tudo isso como um grande plano de dominação, eu não me engano, existe sim um plano de ódio traçado contra a raça negra. meu dever como Africano nascido no Brasil é ir pro front e des-pertar mais irmãos e irmãs. PZZ - Embora a maior parte dos bra-

coletivo casa preta

FoToS ArquiVo CASA PrETA

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sileiros neguem, mas na sua opinião, o Brasil ainda é um país racista?

Don Perna - É como eu disse na outra pergunta, existiu e existe um plano de supremacia racial, uma acomodação do tipo” deixe as coisas como estão, pra que falar disso hoje em dia, vivemos num país hibrido”! Hibrido pra quem, cara pálida? Esse plano é engenhoso é estratégico, nega-se a existência do Racismo, nega-se a necessidade de uma devida reparação de um erro cometido na história da humanidade. Esse erro não interessa somente a nós

negros, interessa sim aos brancos e ou-tras raças e etnias. Racismo é Racismo não é apenas uma questão de negro reclamando dos brancos. Racismo esta relacionado a relação de poder de uma raça sobre a outra, e a construção de um país sem racismo não se faz so-mente com negros, é necessário que os brancos desse tempo tenham interesse em corrigir e ampliar seus privilégios de raça para contribuir na construção desse novo mundo. Se existe um país feito de 3 raças então devemos muito a raça negra e indígena. Ainda hoje, mesmo depois de 5 séculos de seques-

tro e massacre dessas duas culturas, ainda são brancos que ocupam os melhores cargos, cargos de decisão, referencias e imagens nos meios de comunicação. Se moro nesse país miscigenado, porque sei tanto e pratico tanto a cultura deixada pelos brancos e ironizo, duvido e tenho vergonha das outras duas raças...infelizmente a televisão, as revistas, as referencias que temos de sucesso e inteligencia não carregam essa parcela negra-indígena no país. Somos a maioria e não nos vimos além do nosso cotidiano diário, invejamos, idolatramos as personagens

Graffiti: arte de rua, POesia

e PrOtestO

“Toda a cultura hip-hop, incluindo o graffiti, é ato resistente numa cidade que sonega direito, sonega a voz. Ela ocupa, traz visibilidade, dá voz. Além disso, o graffiti tem um papel de revitalização – dá vida ao que não tem cor”, diz

Paulo Carrano, professor da Facul-dade Educação da Universidade

Federal Fluminense (UFF) e coorde-nador do Observatório Jovem do

Rio de Janeiro.Nesse sentido, o graffiti humaniza e transforma o espaço urbano.

Embeleza, ao mesmo tempo em que defronta a cidade e suas contradi-ções, obrigando-a a contemplar sua própria miséria. Projeta imagens dialéticas. Reflete outro lado da organização social da metrópole. Em cada mensagem, a denúncia pelo direito à cidade – o direito fundamental à dignidade dentro

desse mosaico social.

Por Carolina Gutierrez

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da TV, não conseguimos valorizar nossa cultura sem o estimagtismo do poder que nos marca com a chibata da falta de conhecimento e auto-estima.

PZZ - A cultura negra ainda não é valorizada como deveria. O que você acha que deve ser feito para que esse reconhecimento e respeito à cultura afrodescendente ocorra?

Don Perna - Existe as ações afirmativas que já são um começo dessa valorização. Politicas públicas e organizações de mo-vimentos sociais também devem fazer parte desse projeto. Eu acredito em tec-nologia e ancestralidade, acredito nessas duas ferramentas de transformação para se chegar nessa valorização da cultura negra. Não acredito que a solução venha e aconteça da noite pro dia, como eu disse, são mais de 5 séculos de resistência contra um sistema que nos impede de cohabitar igualmente com outra raças e etnias, cohabitar no sentido de empode-ramento simultâneo de oportunidades, desde a educação, escola, moradia, saúde, trabalho e etc. Oportunidades e referên-cias é isso que esta sociedade precisa no momento. Compreender o seu papel no mundo.

PZZ - Enquanto a mídia, brasileira ou norte-americana (uma das mais críti-cadas quando ‘tenta retratar o negro’) o que você acha que deve ser mudado ao representar os negros e negras?

Don Perna - Pra começar, deixemos nós negros e nós negras nos representar de fato. Como pode um poder não ne-gro como a mídia geral retratar alguma coisa ou retratar nosso povo sem que o povo opine sobre si mesmo. Quem escreveu nossa história?? Quan-tos negros escreveram nossa história? É o suficiente??? Confesso que não espero nenhuma mudança por parte da grande mídia, hoje sou adepto a seguinte regra: “sejamos nós a mídia que precisamos”.

PZZ - A luta pela consciência negra vai ser sempre eterna, ou, na sua opinião,

haverá um dia em que as pessoas não mais se importaram com a cor e outras características das pessoas?

Don Perna - Um irmão, o falecido Pre-to Ghoez, maranhense, negro, militante, nordestino e rapper tem a seguinte fra-se: “ enquanto não houver justiça para os pobres, não vai haver paz para os ricos”. Esse dia é utópico por enquanto. Temos muito que caminhar ainda. PZZ - Qual é a função do Coletivo Casa Preta na sociedade paraense?

Don Perna - Não só nessa socieda-

de, mas no mundo, nossa função é trabalhar nesse despertar, é trabalhar na criação dessas referencias, nossa função através da cultura negra é construir esse futuro com equidade. Meu Mestre Lumumba me diz que através dos tambores ele entendeu que trabalha na cura do mundo. Acho que nosso papel é esse também.

PZZ - Para quê vocês lutam e quais são as maiores dificuldades?

Don Perna - Lutamos por tudo que eu já disse, primeiro individualmente e depois coletivamente temos afinidades

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com dinheiro e viver sem dinheiro, não transformá-lo no deus que todos que-rem e fazem tudo para tê-lo. Depois de 17 anos vivendo nesse meio, vejo que a falta de compreensão é maior dificulda-de que temos. A falta de compreensão e fé na gente mesmo é o que te impede de realizar sonhos em plena luz do dia, já dizia meu outro mestre, o velho TC. PZZ - Como você se sente sabendo que é parte integrante de um movimento que luta pela valorização da cultura afro?

Don Perna - Diferente de muitos, eu não sobrevivo, eu vivo! Eu sou o que faço e faço o que sou e ser quem deseja ser é tudo que me basta pra continuar vivendo. PZZ - Você é à favor da criação de cotas para negros nas universidades?

Don Perna - Totalmente a favor, o esta-do nos deve isso, a classe dominante nos deve isso, é necessário aliar o conheci-mento acadêmico ao conhecimento da rua na liberação dos negros e negras no Brasil. Quando mais jovem achava que universidade era coisa de branco, de rico, de Playboy. Hoje em dia não, hoje eu estudei, hoje eu tenho conhecimento sobre o assunto e sobre um decreto de 1854 que proibia a admissão de escravos e condicionava o estudo a disponibili-dade dos professores. Ou seja é natural que somos a minoria na universidade e a maioria nas favelas e presídidos, tudo parte do grande plano de exploração de uma raça sobre a outra. Esse crime não será resolvido apenas com as cotas, mas será o começo de uma nova condição educacional, o começo de uma nova referência na sociedade. A sabedoria não poder ser um privilégio, nem tão pouco uma propriedade, eles já fazem isso a mais de 5 séculos, está na hora de corrigirmos esse erro. PZZ - O que o movimento está fazendo para exigir o ensinamento da história afro nas escolas públicas e

ideológicas, somos tribais, carregamos esse legado, o legado da mudança, o le-gado do pensar e agir diante desse mo-mento que vivemos e relacionar tudo isso dentro um sistema capitalista não é nossa maior dificuldade. O problema deixou de ser como sobreviver, o pro-blema é como administra isso ou aqui-lo, quem podemos chamar pra ajudar, colaborar, antes eu achava que isso era maior dificuldade, achava que grana era um problema, e hoje já não acho mais isso. O dinheiro se torna consequência de trabalho, isso é um fato pra mim hoje em dia. Porém não basta achar isso e pronto, é necessário aprender a viver

Quem desejar conhecer me-lhor o  “coletivo“, pode entrar em contato com os seus coor-denadores no endereço: Roso Danin, 780, no bairro do Canu-dos ou ligar para os fones: (91) 3274-1014/ 8107-3715 / 8141-2491 / 8310-4591.Rede Mocambos.....Articulação Norte Coletivo Casa Preta- Tecnologia e AncestralidadeBloco Terra Firme - Tambores da TFNegoocio Soluções em Tecnolo-gia da Informaçãohttp://www.negoocio.com.br/http://amazonafrica.wordpress.com/http://twitter.com/donpernahttp://www.mocambos.net/http://coletivocasapreta.word-press.comhttp://twitter.com/agocasapreta

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particulares do Brasil?  Don Perna - Dialogando, esse é o 1º passo. Organizar os movimentos e exigir essa transformação. Existe grupos no Brasil todo construindo esse dialogo e nosso papel é apoiar e gerar conteúdos.

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