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METODOLOGIA DE ENSINO E UTILIZAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO: O USO DO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA PELOS PROFESSORES DO COLÉGIO
ESTADUAL “PROFª. MARIA JOSÉ BALZANELO AGUILERA” EM LONDRINA/PR (2007-2008)1
Edilaine Aparecida Silva Afonso (História – UEL) Profª. Drª. Maria de Fátima da Cunha (Orientadora)
Palavras-chave: livro didático; metodologia; ensino de história.
Este texto foi apresentado em uma comunicação do VII SEPECH
(Seminário de pesquisa em Ciências Humanas), realizado nos dias 17, 18 e 19 de
setembro de 2008 na Universidade Estadual de Londrina. Trata-se aqui do resultado
parcial do nosso trabalho, que está atrelado ao Projeto de Pesquisa “A UTILIZAÇÃO
DO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA PELOS PROFESSORES DA REDE
PÚBLICA DE ENSINO DA CIDADE DE LONDRINA E REGIÃO (2008-2009)”.
Nosso trabalho segue a linha de pesquisa em História Social, que é
definida no Programa de Mestrado da UEL, pela variedade de objetos que se propõe a
investigar, e também pela concepção da “cognoscibilidade do fenômeno histórico” em
si, pela incorporação interdisciplinar e articulação das partes com a totalidade. Essas
bases teóricas da História Social estão relacionadas ao surgimento e consolidação deste
campo temático.
Conforme o Programa acima, o termo “História Social” surge quando
historiadores do início do século XX, principalmente franceses da Escola dos Annales,
se opõem ao tipo de história que fazia a Escola Metódica – chamada de “história
positivista”. Essa expressão, “História Social” emergiu, inicialmente, traduzindo mais o
que a história não devia ser – a história dos reis, das batalhas, a narrativa dos grandes
feitos da nação – do que as práticas desejáveis por tais historiadores: o estabelecimento
e resolução de problemas, em vez da narrativa, a articulação de todos os níveis do
social, ou seja, a compreensão da sociedade em suas instâncias sociais, econômicas e
culturais, a contribuição entre as várias ciências humanas, a valorização da história de
outros grupos além das camadas dominantes.
1 Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em História pela Universidade Estadual de Londrina, vinculado à linha de pesquisa História e Ensino, orientado pela Professora do Departamento de História Drª. Maria de Fátima da Cunha.
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Pouco a pouco a História Social constituiu um campo de
conhecimento, com métodos e problemas próprios; o que proporcionou o
aprimoramento dos métodos para análise das fontes históricas, a ênfase no papel das
ações humanas na história e a abertura para estudo de diferentes temporalidades.
Na Inglaterra, o termo “História Social” significou abordagens
centradas na história “vista de baixo”, e mesmo na cultura de classes populares. As
discussões conceituais sobre “classe social” e “cultura” constituíram grande
contribuição para os estudos históricos. Contribuições metodológicas também foram
notáveis, como a utilização de depoimentos orais, da literatura popular, e, novas
problematizações para as fontes jurídicas. 1
Da mesma forma, este trabalho de investigação privilegia as vozes
daqueles atores sociais que encontram na prática cotidiana do seu trabalho, problemas
levantados até hoje pela historiografia: as vozes são dos professores de História.
No Programa de Mestrado acima mencionado, ao apresentar a Linha
de Pesquisa de História e Ensino, a qual seguimos neste trabalho, faz um breve
“histórico” sobre o surgimento da história enquanto disciplina escolar. Como o nosso
trabalho trata das transformações que ocorreram no Ensino de História no Brasil a partir
da década de 1960, esse “histórico” nos dá um pano de fundo para nossa posterior
abordagem. Elza Nadai2 (1997) é citada com um resumo sobre o surgimento da
disciplina:
“[...] a história como disciplina escolar autônoma surgiu nos fins do século XIX, na Europa, imbricada nos movimentos de laicizarão da sociedade e de constituição das nações modernas, sendo marcada por “duas imagens gêmeas” no dizer de François Furet: a genealogia da nação e o estado da mudança, daquilo que é subvertido, transformado, campo privilegiado em relação àquilo que permanece estável”. Para Nadai, a autonomização do objeto histórico unificou duas tradições do século XVIII, a do discurso enciclopédico que vinha elaborando uma doutrina do progresso e outra calcada em um conjunto de técnicas e saberes distintos, cronologia, diplomacia, viagens. “O século XIX, por intermédio do método científico, positivista, remodelou tal pensamento ao adotar a linguagem das ciências naturais, a história em árvore genealógica das nações européias e das civilizações de que são portadoras”. No Brasil, com a adoção da história como disciplina escolar no Colégio Pedro II, este embate vai ocorrer no “interior dos mesmos movimentos de organização do discurso laicizado sobre a história universal, discurso no qual a organização escolar foi um espaço importante das disputas então travadas, entre o poder religioso e o avanço do poder laico, civil”.
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A História do Brasil, naquele momento, se apresentou como uma das
disciplinas fundamentais no processo de formação de uma identidade comum. O
passado era tratado de maneira que as ações humanas fossem homogeneizadas e
unificadas com intuito de se constituir de uma cultura nacional.
Conforme Selva Guimarães Fonseca3, a História do Brasil foi tratada
por muito tempo como um apêndice da História Universal, possuindo uma perspectiva
europocêntrica, que influenciava os programas de ensino, a pesquisa histórica e os
currículos dos cursos superiores.
Na década de 70 do século XX, tivemos no Brasil a introdução dos
Estudos Sociais, mas isso não desfez a cadeia hierárquica no ensino – na qual o
professor era considerado como “reprodutor/transmissor” dos “saberes” previamente
concebidos na Academia, e, o aluno era considerado um mero “receptor” de tais
saberes. Os programas de ensino e os livros didáticos transmitiam uma imagem da
história que impunha o silêncio ao estudante - não apenas sua voz era silenciada como
sua história era excluída.
No entanto, Fonseca lembra que o trabalho do professor é
interpretativo, e a escolha do conteúdo histórico a ser “transmitido”4 depende do
professor, da sua posição frente ao fazer histórico; o que revela um “espaço de liberdade
onde atuam quotidianamente alunos e docentes”. 5
Ao final da Ditadura Militar no Brasil iniciou-se um debate na
sociedade brasileira acerca dos papéis políticos e sociais no campo educacional, em
geral, e no ensino de história, em particular. Atores sociais e temáticas que até então não
haviam sido privilegiados, passam a ter seu lugar nas discussões em consonância com
os novos debates e abordagens da historiografia, o que se torna um marco de ruptura no
debate sobre ensino de história. Esta ruptura ocorreu, pois o professor e o aluno foram
considerados como sujeitos capazes de produzir um saber histórico em sala de aula no
ensino básico.
Desde então, ocorreu uma abertura aos debates acerca dos novos
suportes, novas fontes e novas abordagens para o ensino de história, incluindo outras
formas de constituição de consciência histórica, fora do ambiente escolar, e as relações
travadas entre estes meios e a sociedade. (...) Saberes docentes, formação de
professores, formação de consciência histórica pelos jovens, metodologias de ensino e
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pesquisa a partir do espaço da sala de aula, currículos e práticas pedagógicas em todos
os níveis, e políticas públicas de ensino de história, além de outros, são exemplos de
linhas investigativas em curso que cada dia mais ocupam espaço nos programas de pós-
graduação, em obras e periódicos científicos da área. 6
Nos últimos anos (última década do século XX e início do XXI) as
discussões em torno do ensino de história colocaram o Livro Didático de História em
destaque, e trabalhos acadêmicos empenharam-se na análise de seus conteúdos. Alguns
autores consideraram que o Livro Didático, por trazer em si posicionamentos políticos e
ideológicos, se revelou como uma espécie de “vilão” do ensino, um instrumento de
manipulação das massas escolares que recebem “de cima” passivamente aquilo que
devem aprender.
No entanto, esta idéia tem sido refutada por aqueles que acreditam
numa escola que não é simplesmente uma reprodutora do conhecimento acadêmico,
mas, produtora de um saber que lhe é próprio.
Compartilhando desta forma de pensar sobre a escola enquanto espaço
democrático, nos propomos neste trabalho a investigar a utilização em sala de aula do
Livro Didático de História, nos anos de 2007-2008, no ensino básico, em uma escola
pública de Londrina, no estado do Paraná: o Colégio Estadual Professora Maria José
Balzanelo Aguilera. Queremos nesta pesquisa, ir além do debate acima mencionado,
pois, há diversos trabalhos acadêmicos focados na análise do conteúdo do Livro
Didático (LD) em si; no entanto, este campo de investigação tem levantado novas
indagações sobre a práxis escolar em relação ao LD, a qual requer uma averiguação de
perto sobre o modo como este material é utilizado por professores e alunos. O que
queremos saber então é: como os professores trabalham o seu conteúdo em sala de aula
– o texto, as imagens, as fontes citadas em geral, os exercícios propostos, etc. Também
queremos saber qual é o posicionamento do professor em relação a este instrumento de
trabalho (se é apenas um recurso didático ou se ele trata o livro como “fonte”).
Nosso objetivo, mais especificamente, é saber se o professor, ainda
hoje, “apenas” transmite o conteúdo (determinado pelo autor/editora) apresentado no
livro, ou se contempla questões relacionadas à “natureza da História” e à sua
interpretação, dando aos alunos a oportunidade de aprenderem em sala de aula o que
não é possível aprender lendo os seus livros sozinhos em suas casas7.
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Será que o ensino dos conteúdos da História (Revolução Industrial,
Primeira Guerra Mundial, etc.) apresentados pelo LD é acompanhado de uma
exploração de questões teóricas, como noções de “temporalidade”, noções sobre
“rupturas” e “permanências”, sobre o processo de “construção do conhecimento” e
sobre a “provisoriedade do conhecimento em História”? E as “fontes” são trabalhadas
adequadamente? Quais os métodos que mais têm dado certo na experiência com os
alunos do ensino fundamental, quais são as principais dificuldades encontradas?
Estas questões são bastante debatidas nos círculos acadêmicos da área
de História, e tem sido cada vez mais fácil encontrar textos com discussões sobre tais
temáticas, principalmente através da internet. Partindo do pressuposto da acessibilidade
a informação gratuita e abundante, acreditamos que os professores têm a possibilidade
de acompanhar as pesquisas acadêmicas, e, portanto, refletir no ensino em sala de aula
algumas discussões historiográficas recentes (ainda que paulatinamente), isto é, fazer
uma “transposição didática”8 das teorias da História. Para saber se nosso pressuposto
faz sentido, vamos perguntar de forma direta aos professores, através do questionário
que será aplicado, se eles têm acompanhado os estudos acadêmicos e se fazem a
transposição das discussões acadêmicas ao cotidiano da sala de aula.
Nosso trabalho terá três estágios. No primeiro abordamos o
fundamento teórico no qual nos pautamos quando escolhemos o tema deste trabalho; no
segundo faremos uma revisão sobre a história da disciplina de História no Brasil e
focaremos nossa atenção nos debates a respeito do Livro Didático; e, no terceiro,
faremos uma análise dos questionários que serão respondidos pelos professores.
Acreditamos que esta pesquisa poderá nos ajudar a compreender
melhor o papel do professor de História, bem como, colaborar com a formação dos
alunos/cidadãos. Haja vista que estes fazem parte de uma geração com acesso fácil à
informação, mas, revelam uma grande dificuldade de assimilação e interpretação da
mesma. Sabendo que através da história os estudantes têm a possibilidade de aprender
sobre os diferentes aspectos da vida cotidiana, parece-nos conveniente analisar a
atuação em sala de aula do professor desta disciplina - investigando suas concepções
sobre a história e como ele faz uso do instrumento de trabalho que às vezes é o único: o
livro didático.
Para obtermos as informações necessárias para a análise proposta,
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aplicaremos um questionário, onde serão contempladas questões sobre o
acompanhamento dos professores quanto às discussões teóricas e metodológicas mais
recentes a respeito do livro didático; o nível de participação dele na pesquisa e/ou na
produção acadêmica; qual a sua avaliação sobre o livro didático utilizado; e quais são as
principais dificuldades na utilização do livro, bem como os métodos que têm dado certo
na experiência em sala de aula.
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NOTAS:
1 As informações apresentadas estão na introdução do Programa de Mestrado da UEL.
2 NADAI, Elza. O ensino de história e a “Pedagogia do Cidadão”. In: PINSK, Jaime (org.). O
Ensino de História e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 1997. (Páginas 23-24)
3 FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. 3ed. Campinas: Papirus, 1995.
4 Não queremos aqui sugerir uma transmissão mecânica do conteúdo, mas a escolha da
abordagem ou o ponto de partida do professor para a construção do conhecimento histórico com os alunos.
5 Idem.
6 Estas informações estão no texto do Programa de Mestrado da UEL, no contexto de BARCA,
Isabel. O pensamento histórico dos jovens. Idéias dos adolescentes acerca da provisoriedade da explicação histórica. Braga: Universidade do Minho, 2000; e LEE, Peter; DICKINSON, Alaric; ASHBY, Rosalyn. Las ideas de los niños sobre la história. In: CARRETERO, Mario; VOSS, James (orgs.). Aprender y pensar la história. Buenos Aires: Amorrotu Editores, 2004.
7 LEE, Peter. Progressão da compreensão dos alunos em História. In: BARCA, Isabel (org.).
Perspectivas em Educação Histórica. (Actas das Primeiras jornadas internacionais de educação histórica). Centro de Educação e Psicologia: Universidade do Minho, 2001.
8 Iremos utilizar com certo cuidado as idéias de Chevallard e discutir a possibilidade aplicação
do seu conceito de transposição didática para o ensino de história. Cf. CHEVALLARD, Yves. La Transposición didáctica. Del saber Sabio al saber Enseñado. Buenos Aires: AIQUE, s/d.
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BIBLIOGRAFIA:
CHEVALLARD, Yves. La Transposición didáctica. Del saber Sabio al saber Enseñado. Buenos Aires: AIQUE, s/d.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. 3ed. Campinas: Papirus, 1995.
NADAI, Elza. O ensino de história e a “Pedagogia do Cidadão”. In: PINSK, Jaime (org.). O Ensino de História e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 1997.