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1 ECONOMIA SOCIAL: UM PILAR PARA COMBATER A ATUAL CONJUNTURA ECONÓMICA E SOCIAL Ângela Patrícia de Sousa Lima Barbedo Bolseira do CECEJ – Centro de Estudos de Ciências Empresariais e Jurídicas Instituto Politécnico do Porto Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto Ana Maria Bandeira Professora Adjunta Instituto Politécnico do Porto Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto CECEJ – Centro de Estudos de Ciências Empresariais e Jurídicas Área temática : J) Entidades sem fins lucrativos Palavras-chave : Economia Social, União Europeia, Portugal, Crise Atual. 53j

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ECONOMIA SOCIAL: UM PILAR PARA COMBATER A ATUAL CONJUNTURA

ECONÓMICA E SOCIAL

Ângela Patrícia de Sousa Lima Barbedo

Bolseira do CECEJ – Centro de Estudos de Ciências Empresariais e Jurídicas

Instituto Politécnico do Porto

Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto

Ana Maria Bandeira

Professora Adjunta

Instituto Politécnico do Porto

Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto

CECEJ – Centro de Estudos de Ciências Empresariais e Jurídicas

Área temática: J) Entidades sem fins lucrativos

Palavras-chave: Economia Social, União Europeia, Portugal, Crise Atual.

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ECONOMIA SOCIAL: UM PILAR PARA COMBATER A ATUAL CONJUNTURA

ECONÓMICA E SOCIAL

Resumo

Em Portugal, a crise atual fez acentuar diversos fatores, como por exemplo: a geração

de pobreza, aumento do desemprego e os reflexos nos ritmos de crescimento

económico. Assim, fez levantar a necessidade de remodelação do modelo existente

para a afirmação de uma nova realidade, a designada Economia Social. Nessa

conformidade, o objetivo da investigação consiste em demonstrar, através de uma

opção metodológica baseada na revisão de literatura, o papel e o potencial da

Economia Social para combater a atual conjuntura. As principais conclusões assentam

na ideia que esta Economia assume um papel pertinente na superação da crise,

nomeadamente através da promoção da coesão social, na geração de emprego, na

inovação e no desenvolvimento local e regional.

Resumen

En Portugal, la crisis actual hizo acentuar diversos factores, como por ejemplo: la

generación de pobreza, aumento del desempleo y los reflejos en los ritmos de

crecimiento económico. Así, hizo levantar la necesidad de remodelação de la plantilla

existente para la afirmación de una nueva realidad, la designada Economía Social.

Con esta finalidad, el principal objetivo de este estudio mira, através de una opción

metodológica basada en el repaso de literatura, el papel y el potencial de la Economía

Social para combatir la actual coyuntura. Las principales conclusiones asientan en la

idea que esta Economía asume un papel pertinente en la superación de la crisis,

expresamente a través de la promoción de la cohesión social, en la generación de

empleo, en la innovación y en el desarrollo local y regional.

Palabras Clave: Economía Social, Unión Europea, Portugal, Crisis Actual.

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1. Introdução

A conjetura atual veio agravar as fragilidades dos países a nível financeiro, económico

e social, bem como a nível político. Perante esta situação, a sociedade portuguesa

vive um período conturbado, através do aumento da pobreza, do desemprego e os

reflexos nos ritmos de crescimento económico, no qual o Estado está incapacitado de

dar resposta ao número significativo de pedidos de ajuda que chegam dos vários

setores da sociedade.

Assim, fez levantar a necessidade de remodelação do modelo existente para a

afirmação de uma nova realidade. A Economia Social é considerada cada vez mais

emergente e a cada dia que passa torna-se mais necessária face à realização de

respostas adequadas para os novos desafios da sociedade e da economia global.

Este setor através de um conjunto de caraterísticas distintivas e de iniciativas

solidárias procura responder às necessidades para as quais o setor público e privado

não conseguem.

O principal objetivo do estudo consiste em demonstrar e correlacionar através de uma

metodologia baseada na revisão de literatura, o papel e o potencial da Economia

Social para combater a atual conjuntura económica e social. A escassez de estudos

realizados e o forte interesse por esta temática constituíram as principais razões

motivacionais para a sua realização.

O presente estudo encontra-se estruturado em cinco secções. Na primeira secção de

introdução, é proporcionada uma visão do trabalho, evidenciando o seu âmbito,

objetivo e justificação. Na segunda secção, aborda-se o conceito de Economia Social,

elabora-se um breve enquadramento sobre a sua evolução histórica, analisa-se os

diferentes tipos de caraterísticas que as distinguem do setor público e do setor privado

e identifica-se as principais entidades portuguesas que são abrangidas pela definição.

Na terceira secção, identifica-se de forma breve a origem da crise mundial e o seu

impacto em Portugal. Na quarta secção pretende demonstrar a relevância da

Economia Social como um pilar para combater a crise, focando as suas formas de

atuação e as suas limitações. Por último, na quinta secção encontra-se a síntese das

principais conclusões, sem deixar de referir as limitações do presente estudo e

eventuais sugestões para investigações futuras.

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2. Economia Social

Nesta secção apresenta-se o conceito de Economia Social e um breve

desenvolvimento histórico do termo. Seguidamente pretende-se identificar as suas

principais caraterísticas em relação ao setor público e privado. Por último, descreve-se

os grupos das entidades que integram o conceito e que são abrangidas pelo

ordenamento jurídico português.

2.1. Conceito de Economia Social

A estrutura económica e social de Portugal encontra-se pressuposta no artigo n.º 82

da Constituição da República Portuguesa, disponível no site da Assembleia da

República delimitando a coexistência de três setores: o público, o privado e o

cooperativo e social. Este último é equiparado ao da Economia Social pelo grupo de

entidades tão diversas que abrange (Instituto Nacional de Estatística, 2013).

O conceito de Economia social tem vindo a ganhar grande relevância na Europa,

tendo sido estudadas diferentes definições e/ou tentativas de definições no sentido de

procurar um fio condutor suficientemente forte para permitir de forma consistente

entender o que se pretende esclarecer (Caeiro, 2008; Oliveira, 2012). A problemática

do conceito e a delimitação das fronteiras surge como o principal tema de debate,

onde geralmente a sua noção passa pelas instituições que a constituem, pelas suas

funções, pela identificação dos seus limites e pela sua finalidade (Soares, Fialho,

Chau, Gageiro, & Pestana, 2013).

Apesar da ausência de uma definição única, em Portugal foi utilizado na Conta Satélite

da Economia Social1 uma definição operacional proposta pelo relatório “A Economia

Social na União Europeia2” (Oliveira, 2012). Esta definição é considerada como a que

melhor se adapta ao sistema de contabilidade nacional, aos princípios e aos valores

da economia social. Por conseguinte, é um termo que expõe um amplo consenso

científico e permite quantificar alguns grupos das entidades referentes à economia

social (Instituto Nacional de Estatística, 2013).                                                            1 A Conta Satélite da Economia Social foi elaborada no âmbito do Protocolo de cooperação assinado em 2011, entre o Instituto Nacional de Estatística, I.P. e a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, CIPRL, decorrente da necessidade de avaliar de forma exaustiva a dimensão económica e as principais caraterísticas da Economia Social em Portugal. 2  Relatório elaborado pelo CIRIEC (Centro Internacional de Pesquisa e Informação sobre Economia Pública, Social e Cooperativa), em 2012, para o Comité Económico e Social Europeu.

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O conceito de Economia Social citada no presente relatório foi o seguinte: “um

conjunto de empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão

e liberdade de filiação, criadas para servir as necessidades dos seus associados

através do mercado, fornecendo bens e serviços, incluindo seguros e financiamentos e

em que a distribuição pelos sócios de eventuais lucros ou excedentes realizados,

assim como a tomada de decisões, não estão diretamente ligadas ao capital ou às

cotizações dos associados, adequando um voto a cada um deles” (Instituto Nacional

de Estatística, 2013).

A Economia Social também “inclui empresas privadas organizadas formalmente, com

autonomia de decisão e liberdade de filiação, que prestam serviços de “não mercado”

a agregados familiares e cujos eventuais excedentes realizados não podem ser

apropriados pelos agentes económicos que as criam, verificam ou financiam” (Instituto

Nacional de Estatística, 2013).

2.2. Breve evolução histórica

A Economia Social é uma definição com raiz europeia, mais especificamente de

origem francófona. Surgiu na Europa no século XIX, mais concretamente em 1830,

num tratado publicado por Charles Dunoyer que remonta às práticas de solidariedade

interclassista como reação às alterações económicas e sociais da revolução francesa

e do capitalismo industrial (Caeiro, 2008). Nesta época, os trabalhadores mais

desfavorecidos tentaram encontrar ferramentas para reagir ao mercado criando uma

economia de entreajuda e de cooperação criando as cooperativas, as mutualidades e

as associações (Amaro, 2005).

A paternidade do conceito de Economia Social é geralmente atribuída a Charles Gide,

que perspetiva a economia social como um ramo da ciência económica, distinto da

economia política normalmente protagonizado por Adam Smith (Oliveira, 2012). É ele

quem marca um período áureo da Economia Social francesa, e concretiza o espírito

de solidariedade pelo qual seria possível a eliminação do capitalismo. O auxílio mútuo

e a educação económica através da cooperação podem por si só promover a

transformação do homem (Caeiro, 2008).

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Posteriormente, na década de 90 do século XX surge uma nova fase da Economia

Social surge através das grandes transformações no contexto da globalização e no

aumento dos problemas sociais (Amaro, 2005). Esta mudança proporcionou uma

consciência global perante o aumento das diferenças sociais, desfazendo a noção de

que o desenvolvimento económico tem necessariamente resultados diretos na

melhoria das condições de vida das pessoas. Assim, a conjuntura não podia ser mais

propícia ao fomento de reflexões e debates sobre uma visão alternativa à economia

neoliberal, lançando o renascimento da Economia Social (RIIBES, 2013).

2.3. Principais caraterísticas da Economia Social

O conceito de Economia Social identifica sete caraterísticas no relatório “A Economia

Social na União Europeia” publicado pelo Comité Económico e Social Europeu:

1) Privadas: devem ser institucionalmente separadas do setor público, isto é, não

fazem parte nem são controladas pelo mesmo, embora possam receber apoio

financeiro do Estado;

2) Organizadas formalmente: em regra, são dotadas de personalidade jurídica;

3) Autonomia de decisão: têm plena capacidade para eleger e destituir os seus

órgãos dirigentes e para controlar e organizar todas as suas atividades;

4) Liberdade de filiação: não há obrigatoriedade de adesão. Estas organizações

são caraterizadas por uma posição significativa de recursos humanos em regime

de voluntariado;

5) Distribuição de eventuais lucros entre os usuários: não é feita proporcionalmente

ao capital ou às cotizações dos membros, mas sim em função da sua atividade

ou participação no seio da organização;

6) Realização de um trabalho económico: com o objetivo de satisfazer as carências

dos seus filiados, nomeadamente pessoas individuais ou famílias. Por este

motivo, diz-se que as organizações de economia social são instituições de

pessoas e não de capital. Trabalham com o capital e outros recursos não

monetários, mas não para o capital.

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7) São organizações democráticas, exceto algumas organizações de voluntariado

que produzem serviços de "não mercado": as organizações da economia social

de primeira linha aplicam o princípio de “uma pessoa, um voto”,

independentemente do capital ou das cotizações dos seus membros.

2.4. Grupos das entidades da Economia Social

As instituições/Organizações assumem um papel preponderante no desenvolvimento

da Economia Social. Os intervenientes apresentados seguidamente são os

impulsionadores da Economia Social, uns como maior importância do que outros, mas

em tempo de crise o espírito cooperativo faz toda a diferença entre o êxito e o fracasso

(Coutinho, 2003). Seguidamente irá ser abordado as principais tipologias das

instituições sociais presentes em Portugal, conforme o exposto no artigo n.º 4 da Lei

n.º 30/2013.

Cooperativas

As cooperativas na sua constituição e funcionamento são pessoas coletivas

autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da

cooperação e entreajuda dos seus membros, obedecem aos seguintes princípios

cooperativos: adesão voluntária e livre, administração democrática pelos associados,

participação económica dos membros, autonomia e independência, intercooperação,

educação e informação e interesse pela sociedade. Estas visam, sem fins lucrativos,

satisfazer as necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais dos sócios

(Lei nº 51/96, 7 de Setembro).

Associações Mutualistas

As mutualistas encontram-se reguladas pelo Código das Associações Mutualistas,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, definindo a sua natureza como sendo instituições

particulares de solidariedade social com um número ilimitado de associados, capital

indefinido e duração indeterminada, no qual o objetivo primordial é o auxílio recíproco

dos seus associados e familiares.

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Misericórdias

As irmandades da misericórdia ou as santas casas da misericórdia são associações

constituídas de acordo com o direito canónico com o objetivo primordial de satisfazer

necessidades sociais e de efetuar atos de culto católico (Instituto Nacional de

Estatística, 2013).

Fundações

Uma fundação é uma pessoa coletiva, sem fins lucrativos, atribuída de um património

razoável e irrevogavelmente destinado à prossecução de um fim de interesse social.

São considerados como fins de interesse social aqueles que se traduzem num

benefício para a sociedade e não em favor do seu fundador ou pessoas das suas

relações (Instituto Nacional de Estatística, 2013).

Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)

As IPSS estão reguladas pelo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade

Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83. Este define-as como sendo fundadas

por iniciativa de particulares, sem qualquer finalidade lucrativa, uma administração

própria e com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de

solidariedade e de justiça entre os indivíduos.

Associações e outras organizações da Economia Social

As associações são pessoas coletivas sem fins lucrativos, cujos associados se

agrupam em torno de objetivos e necessidades comuns. Neste conjunto são

consideradas todas as organizações que não são contempladas nos grupos

anteriores: as associações com fins altruísticos que atuem no âmbito cultural,

recreativo, do desporto e do desenvolvimento local; as instituições abrangidas pelo

subsetor comunitário e autogestionário, integrados nos termos da Constituição no

setor cooperativo e social e outras entidades dotadas de caráter jurídico, que

respeitem os princípios da Economia Social (Lei n.º 30/2013).

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3. O contexto da crise económica e social

A terceira secção tem por objetivo principal explicar de forma sucinta a origem da crise

mundial e o seu impacto negativo no progresso português, particularmente a nível

social e económico.

3.1. A origem da crise mundial (2008-2013)

Alguns autores referem a ideia de que as principais crises financeiras do capitalismo

são aquelas vivenciadas pela Grande Depressão (crise de 1929) e a recente crise

financeira, no entanto, não são comparáveis devido a um conjunto de fatores (Braga &

Vincelette, 2011; Jansem & Uexkull, 2010)

Os Estados Unidos da América (EUA) estiveram no epicentro desta crise financeira

por efeito de gestões pouco claras e ambiciosas que podem ser explicadas através de

fatores macroeconómicos e microeconómicos (Silva, 2010; Mackenzie, 2011). A união

destes fatores originou a crise do Subprime, que consiste numa crise financeira

desencadeada a partir do crédito hipotecário de alto risco a um tomador que não dá

garantias suficientes para beneficiar de taxas de juro mais baixas e vantajosas,

conduzindo diversos bancos a uma posição de insolvência (Mackenzie, 2011). Esta

situação originou que os governos tivessem que injetar dinheiro nas instituições

bancárias em dificuldade de sobrevivência (Silva, 2010).

Por efeito da globalização e do livre acesso ao mercado, a Europa foi contaminada por

fenómenos como a crise do Subprime e a dívida soberana na Europa, que

conjuntamente agravaram o impacto da crise e causaram maiores obstáculos quanto à

retoma financeira (Lane, 2012).

3.2. O impacto da crise em Portugal

Portugal, por pertencer à União Europeia encontrava no mercado soberano uma ótima

forma de se financiar em condições favoráveis, através de taxas baixas e de um prazo

alargado. Tal parecia ser uma medida inteligente, se o capital obtido fosse aplicado

para investimentos em projetos reprodutivos e geradores de rendimento (Condesso,

2011).

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A conjetura financeira atual veio agravar as fragilidades da economia portuguesa que

enfrenta hoje um dos maiores desafios da sua história, devido à mudança de

paradigma no financiamento soberano, fazendo com que as condições de acesso aos

mercados de financiamento internacionais se deteriorassem de forma acentuada,

dando lugar a sérias preocupações relativas à solvabilidade das instituições

(Condesso, 2011; Gomes, 2012).

Nesse sentido, Portugal enfrenta graves problemas porque tem de recorrer novamente

ao mercado, pois não possui ativos nem rendimentos para pagar os financiamentos.

Assim, o governo executou medidas de austeridade, no entanto, sem sucesso

(Gomes, 2012).

Face à fragilidade financeira, à exigência do mercado e à pressão da União Europeia,

o Governo Português cedeu às exigências acabando por pedir ajuda externa, assim

como os pacotes de austeridade, assente nos cortes e reduções de verbas por

diferentes setores da economia (Gomes, 2012).

Assim, a presente crise teve um impacto negativo tanto a nível financeiro, económico e

social, bem como a nível político. Em Portugal, o contexto atual fez acentuar inúmeros

fatores, como por exemplo: a geração de pobreza, aumento do desemprego, redução

de salários e os reflexos nos ritmos de crescimento económico, nas transferências

sociais e na extensão e na qualidade dos serviços públicos (Silva, 2010).

Perante esta situação, os portugueses vivem um período conturbado no qual o Estado

está incapacitado de estruturas e de dar resposta aos pedidos de ajuda que chegam

dos vários setores da sociedade (Caminal, 2011). Este espaço vazio deixado pelo

Estado é preenchido por estruturas da sociedade civil que tentam colmatar algumas

das carências de emprego e inclusão social trabalhando para a erradicação da

pobreza, promovendo o desenvolvimento local e regional. Este tipo de iniciativas tem

vindo a assumir os limites de uma economia paralela, muitas vezes designada de

Economia Social (Neves, 2010).

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4. Economia Social: um pilar para o desenvolvimento socioeconómico

Esta secção tem por objetivo primordial demonstrar a importância da Economia Social

como um pilar para combater a crise, principalmente na promoção da coesão social,

do emprego, da inovação e do desenvolvimento local e regional. Contudo, o seu

contributo poderá ser colocado em causa devido aos limites de sustentabilidade.

4.1. A importância da Economia Social

Presentemente, a designada nova Economia Social está a transformar-se num setor

cada vez mais emergente e que a cada dia que passa se torna cada vez mais

indispensável se se quiser dar uma resposta adequada para os novos desafios da

sociedade e da economia global (CIRIEC, 2007).

Apesar de não serem exclusivas de hoje, a sua consolidação e ampliação tornam-se

mais urgentes face ao contexto atual de crise económica mundial e das

consequências sociais que provocou (Neves, 2010). Assim, através de um conjunto de

caraterísticas distintivas e de iniciativas de caráter solidário procuram responder às

diversas necessidades para as quais o setor público e o privado não conseguem, ou

não desejam, encontrar respostas (Caeiro, 2008; Couto, Santos & Guerra, 2012).

A Economia Social apresenta uma série de atributos essenciais, como a competência

de oferecer novas respostas às carências sociais conjugando rentabilidade e

solidariedade, associando a produção, o desenvolvimento sustentável e potenciando o

exercício da cidadania ativa e da responsabilidade social empresarial (Liz, 2010). Pela

sua natureza, também procura dar resposta às carências de bens e serviços da

sociedade, aproveitando os recursos disponíveis na criação de emprego e na

aplicação de uma responsabilidade partilhada e inspirada por valores humanos e

cívicos (Silva, 2010).

Assim, tem vindo a construir-se uma visão de que este conceito pode desempenhar

um papel importante nas economias através da criação de valor acrescentado e

equilibrando o crescimento económico (Neves, 2010). Nesse contexto, adquire maior

visibilidade a projeção de estratégias e políticas de desenvolvimento que venham a ser

tomadas para enfrentar esta crise e prevenir e erradicar a pobreza (Silva, 2010).

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Na União Europeia o termo tem vindo a ser reconhecido e a assumir um papel cada

vez mais relevante, declarando através de uma publicação que “a Economia Social ao

aliar rentabilidade e solidariedade, desempenha um papel essencial na economia

europeia, criando empregos de elevada qualidade, reforçando a coesão social,

económica e regional, gerando capital social, promovendo a cidadania ativa, a

solidariedade e um tipo de economia com valores democráticos que põe as pessoas

em primeiro lugar, para além de apoiar o desenvolvimento sustentável e a inovação

social, ambiental e tecnológica” (Instituto Nacional de Estatística, 2013).

O nosso país também não ficou indiferente ao setor reforçando ainda mais a

relevância como um mediador entre a população e o Estado, através de serviços

prestados a um valor baixo e com resultados a curto prazo (Silva, 2010).

Estes desafios demonstram a origem do interesse no papel que a nova Economia

Social pode desempenhar no bem-estar sociedade, o papel relevante na gestão e a

superação da presente crise, evidenciando o alcance forte e extensivo a vários

domínios da atividade humana e a barreira para enfrentar as lacunas deixadas pelo

setor público e privado (Liz, 2010; CIRIEC, 2007).

4.2. A Economia Social como um instrumento de interesse público

A principal tendência que pode ser observada recentemente no progresso da

economia social é a sua consolidação na comunidade europeia enquanto “pólo de

utilidade social” multidimensional proporcionando a coesão social, o desenvolvimento

local e regional, a inovação e o emprego (CIRIEC, 2007).

a) Coesão social

O conceito de economia social está intimamente ligado ao progresso e coesão social.

A coesão social possui uma componente cultural, no sentido de influenciar a

sociedade a querer ser coesa. Todo o movimento desenvolve-se na conjuntura cultural

que é ou não favorável á coesão da comunidade. Essa componente cultural deve ser

das pessoas em geral (CIRIEC, 2007).

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No nosso país e na Europa, diversas instituições têm um contributo decisivo no

combate à pobreza, à desigualdade social, ao desemprego e à insegurança, sendo

estes os maiores problemas por resolver (Silva, 2010).

Por exemplo, a EAPN é uma rede de organizações e indivíduos empenhadas no

combate à pobreza e exclusão social que está representada nos outros Estados-

Membros e em Portugal pela EAPN Portugal à semelhança de em outros Estados-

Membros. Esta organização tem como principal missão “defender os direitos humanos

fundamentais e garantir que todos tenham as condições necessárias ao exercício da

cidadania e a uma vida digna, promovendo a luta contra a pobreza e a exclusão social,

o trabalho em rede e o envolvimento de toda a sociedade civil” (EAPN Portugal).

A Economia Social tem demonstrado a sua capacidade no aumento dos níveis de

coesão social sob duas formas. Em primeiro contribuiu para a integração social e

laboral de pessoas e regiões desfavorecidas e em segundo lugar, a sociedade

reforçou a sua cultura democrática (CIRIEC, 2007). A sua orientação para a

capacitação individual através da responsabilidade social tem proporcionado um bom

nível de integração para os jovens, as mulheres, os imigrantes e as minorias étnicas

(Liz, 2010)

b) Desenvolvimento local e regional

A Economia Social é um instrumento para o desenvolvimento local e regional. De

facto, demonstra um grande potencial na iniciação de processos de desenvolvimento

endógeno em áreas rurais, na reativação de regiões industriais em declínio e na

reabilitação e revitalização de áreas urbanas degradadas (CIRIEC, 2007).

No contexto de globalização em que vivemos a transferência de processos de

produção é um desafio constante para as regiões. Dessa maneira, a economia social

com base em princípios democráticos e na participação dos cidadãos, pretende

manter a gestão do processo económico nas mãos da sociedade da zona em questão,

munindo as empresas de maior proteção no contexto local e oferecendo maior

autonomia ao poder local na definição do respetivo modelo de desenvolvimento

(CIRIEC, 2007).

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c) Inovação

O contributo da Economia Social para as várias dimensões da inovação é

particularmente importante no contexto da sociedade (CIRIEC, 2007). Os recursos que

o Estado dispõe para distribuir são cada vez mais reduzidos e, por isso, é necessário

trabalhar atendendo à inovação (Soares et al, 2013).

O contato direto entre o setor social e a sociedade dá-lhe a competência de detetar

novas necessidades, de as direcionar para o setor público e privado e, sempre que

adequado de dar respostas inovadoras. Este cariz fica evidente nas medidas

precursoras de segurança social das sociedades mútuas e de caridade do século XIX,

mas também na conceção e disseminação de novas ideias de governação institucional

(CIRIEC, 2007). Através da aposta na inovação social também se pretende descobrir

novas áreas de intervenção com programas de apoio ao desenvolvimento social,

criando novos empregos (Soares et al, 2013).

Contudo, a inovação social não tem recebido um financiamento equilibrado por parte

do setor público e do setor privado, dando-se preferência ao financiamento de

inovações tecnológicas em prejuízo de inovações onde a Economia Social assume

maior liderança (CIRIEC, 2007).

d) Emprego

É na regulação dos numerosos desequilíbrios do mercado de trabalho que a mais-

valia da Economia Social transparece de forma mais visível e explícita (CIRIEC, 2007).

O setor social cumpre um papel particular na integração social e profissional de

indivíduos que se encontram à margem do mercado do trabalho através da criação de

emprego, na conservação de postos de trabalho em setores ou empresas em crise, na

transferência de empregos da economia paralela para a oficial (CIRIEC, 2007; Liz,

2010; Neves, 2010).

Em Portugal, nas últimas décadas os dados estatísticos têm demonstrado que o

volume de emprego criado pela Economia Social assume menor preponderância

relativamente a outros países da Europa, no entanto não deixa de ser significativo

particularmente na era atual e porque gera mais emprego do que outros setores da

economia (CIRIEC, 2007)

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O emprego pode ser criado pela Economia Social através da forma direta e indireta. A

criação de emprego de forma indireta, com caraterísticas do chamado emprego

clássico, já que não constitui uma finalidade destas organizações, mas um meio

necessário para as edificar e possibilitar uma atividade produtiva, sendo recrutados

trabalhadores com vínculo de trabalhadores efetivos. Por outro lado, o emprego pode

surgir de forma direta como finalidade para criar emprego (Gomes, 2012).

4.3. As limitações da Economia Social

A atual crise traça um papel relevante para a Economia Social. Esta terá de dar

resposta a um maior número de pessoas com menos fundos, mas mantendo a mesma

qualidade nos seus serviços e projetos (Santos, 2012; Azevedo, Franco & Meneses,

2010).

No entanto, as organizações da Economia Social lidam diariamente com o conceito de

sustentabilidade, que atingiu efeitos maiores através do agravamento da atual

conjuntura económica e social que proporcionou efeitos de dimensão extraordinária.

Esta situação de alarme torna-se cada vez mais visível, uma vez que os recursos que

já eram escassos em épocas mais favoráveis tornaram-se inexistentes, devido ao

aumento da procura por parte das famílias com menos autonomia financeira (Santos,

2012; Azevedo, Franco & Meneses, 2010).

Dada a importância do setor e a sua dependência de fundos externos às

organizações, a Economia Social não pode estar sujeita à incerteza de financiamento.

A dependência económica revela-se um fator crítico de sucesso a médio e longo prazo

(Santos, 2012). Conforme o observado na Figura 1, o peso das receitas era o

seguinte:

Figura 1: Peso das Receitas no terceiro setor

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Fonte: Elaboração própria

17

De modo geral, o setor da Economia Social em Portugal apresenta grandes

fragilidades a nível de recursos técnicos, a rigidez do sistema de segurança social, a

enorme presença das organizações de caráter religioso, a falta de formação dos

cargos de direção, o fraco envolvimento da sociedade civil e a elevada dependência

de financiamento por parte de fundos públicos (Neves, 2010; Silva, 2010).

O grande desafio por parte destas organizações é melhorar a sua eficácia e eficiência,

ou seja, melhorar a aplicação de recursos e conseguir atingir os objetivos a que se

propõem, uma vez que têm um certo grau de dependência do Estado. Este tem vindo

a verificar uma diminuição no financiamento, devido às restrições orçamentais

crescentes, o que pode pôr em causa a sobrevivência de várias organizações (Gomes,

2012).

A consciencialização desta necessidade é o primeiro passo para fazer face a este

desafio. Uma utilização eficiente dos recursos, sobretudo os financeiros, poderá ter um

impacto considerável no seu desempenho e na sua sustentabilidade económica

(Santos, 2012; Azevedo et al, 2010).

5. Considerações Finais

O estudo pretendeu analisar o papel e o potencial da Economia Social para combater

a atual conjuntura económica e social, no âmbito nacional e internacional.

Face ao atual contexto da sociedade e conjuntura económica e social a Economia

Social adquiriu uma importância essencial. Presentemente é considerada um pólo de

utilidade social proporcionando a coesão social, o desenvolvimento local e regional, a

inovação e o emprego. O termo acentua a sua importância quando face ao atual

contexto se assume como um grande aliado à incapacidade do setor público e

desinteresse do setor privado, na resolução dos problemas e necessidades sociais.

No entanto, as organizações da Economia Social apresentam fragilidades ao nível da

sustentabilidade, que atingiu efeitos maiores através do agravamento da atual

conjuntura que proporcionou efeitos de dimensão extraordinária. Esta posição torna-se

visível, uma vez que este setor tem uma forte dependência de fundos externos.

Neste enquadramento a Economia Social deverá obter uma melhor gestão sobre os

seus recursos e identificar outras opções. Uma utilização eficiente dos recursos

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poderá ter um impacto considerável no seu desempenho e na sua sustentabilidade

económica.

5.1. Limitações do estudo

A escassez de estudos e o número reduzido de investigadores sobre a Economia

Social limitou a presente investigação, uma vez que não permitiu compreender um

conjunto de opiniões diversas sobre a temática, bem como obter uma visão crítica e

consistente.

5.2. Sugestões para investigações futuras

Para futuras investigações propõe-se que se amplie o estudo demonstrando outras

formas pelas quais a Economia Social assume grande relevância, nomeadamente, na

manutenção e geração do tecido económico, reforço da democracia e no

desenvolvimento científico devido à escassez de pesquisas académicas realizadas na

área. Por outro lado, a situação da Economia Social também pode ser abordada

juntamente com a teoria da dependência dos recursos e a teoria institucional.

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