economia e poder em África - … · estado como meio de acumulação de riqueza. problema: é...
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ECONOMIA E PODER EM ÁFRICA Módulo 6. Estado e Poder
© Sérgio Piçarra
Claudia Generoso de Almeida [email protected]
@ Sérgio Piçarra. In: Novo Jornal, 19/08/2016
Sessão 04/11/2016
O Estado
Como pode ser encarado (Jorge Miranda, Manual de Direito
Constitucional, Tomo I, 1997):
Estado-comunidade » comunidade de cidadãos de que fazemos
todos parte e que o poder se exerce para o bem comum.
Estado-poder » poder manifestado através de órgãos, serviços e
relações de autoridade.
ESTADO PÓS-COLONIAL EM ÁFRICA
» 1. Quais as principais abordagens no estudo do Estado em África? » 2. Que características são atribuídas ao Estado pós-colonial em África? » 3. Em especial, em que consiste
• o neopatrimonialismo? •a personalização do poder (big man rule)?
Continente africano: 54 Estados. Mais de 700 milhões de pessoas,
mais de 1.000 línguas
Passado colonial europeu: Etiópia e Libéria como excepções
Quiz: Que Estado falta neste mapa?
Resposta: Sudão do Sul (referendo em 2011), mas continuação do conflito com
o Sudão do norte
Filme
sobre as
crianças
soldados
da guerra
civil da
Libéria
Ellen Johnson Sirleaf
1ª Mulher Presidente
De África
(eleita em 2005)
LIBÉRIA
Leymah
Gbowee
Ativista
e prémio
nobel da
paz
(2011)
A Libéria foi fundada e colonizada
por escravos americanos libertos,
criada a República em 1847,
Guerra civil 1989-2003, acordo de
paz em 1996, eleições em 1997.
Sobre os Estados em África, uma pergunta inicial se
impõe:
podemos generalizar ou cada caso é um caso?
» 1. Quais as principais abordagens no estudo do Estado em África ?
Década dos anos 80 até 1ª metade da década de 1990: Robert H. Jackson e Carl G. Rosberg (Why Africa’s Weak states persists, 1982): Apesar dos mais fracos no mundo, nenhum Estado da África negra se destruiu ou mudou
significativamente. Razão: É a comunidade internacional que, em parte, é responsável pelo
subdesenvolvimento do Estado “empírico” em África, pois ao reforçar a “estadualidade”
(statehood) jurídica, em alguns casos sustenta e perpetua governos corruptos e incompetentes.
Jean-François Bayart, Achille Mbembe e Comi Toulabor, “Le politique par le bas”: estudar a política a partir da sociedade para perceber o Estado em África. Ponto de partida:
apesar dos regimes de partido único em África, existem formas originais de Estados que
partem dos subordinados.
Jean-François Bayart (L'Etat en Afrique. La politique du ventre, 1989): reacção ao
paradigma do desenvolvimento que nega a própria historicidade de África. As categorias de
Estado moderno não são adequadas para captar a realidade do poder do Estado em África. O Estado como meio de acumulação de riqueza. Problema: é apenas um aspecto da política
africana (Chabal 1996), não é algo exclusivo de África (Tshiyembé 2001).
Basil Davidson (The Black Man’s Burden: Africa and the Curse of the Nation-State,
1992): “the black man’s burden” tem a suas raízes no Estado-Nação e no nacionalismo, a
natureza autoritária do poder colonial como legado às nações africanas, sendo que as
instituições próprias do Estado-nação frustaram o desenvolvimento.
- Estado re-colonizado ou neo-colonial (teoria que surge por volta de 1993) John Saul (Recolonization and Resistance: Southern Africa in the 1990s, 1993), Thomas Callaghy (Africa and the World Political Economy: Still caught between a Rock and a Hard Place, 1995), William Pfaff (A New Colonialism?, 1995), George Ayittey (Obstacles of African Development, 1997)
Quiz: Mas o que aconteceu em África em termos de grande fenómeno político na década de 90?
Resposta: uma vaga de democratização Eleições multipartidárias, o fim dos regimes de partido único
Ghana General Elections, December 1992
Photo Credit: Anthony Allison
A partir de meados dos anos 90:
Pessimismo Ideia de “retrogression” do Estado pelo aumento dos conflitos: surge a questão dos Estado falhados, do Estado sombra, Estado criminal, Estado de desordem:
Finais dos anos 90, início da década de 2000
Crawford Young (The End of the Post-Colonial State in Africa?
Reflections on Changing African Political Dynamics, 2004) defende que
quiçá já se tenha passado o momento pós-colonial.
Leonardo Villalon e Phillip Huxtable (The African State at a Critical
Juncture, 1998): a vulnerabilidade dos Estado Africanos, os quais estão
numa conjuntura crítica, apresenta cinco faces, estado cliente, estado
personalizado, estado “prebendal” e estado extractivo.
Dung P. Sha (The African State in Social Science Discourse in the
Twenty-First Century, 2002); emergência do Estado criminal, estado
neo-sultânico, corporativista que resultou do fim da Guerra fria.
-Béatrice Hibou eJean-Franc̜ois Bayart (The Criminalization of the State in
Africa, 1999): o Estado tornou-se, ele próprio, o veículo para a atividade criminal.
-Patrick Chabal e Jean-Pascal Daloz (Power in Africa: An Essay in Political
Interpretation 1999): Os 3 enfoques sobre a natureza do Estado Africano
1) Atributos do Estado moderno (estrutura política centralizada + povo + território).
Problema o Estado não é simplesmente o resultado inevitável da evolução do sistema de
regulação do poder dentro de uma dada ordem social
2) Marxista e neomarxista: o Estado é um instrumento de acumulação e de violência ao
serviço da classe dominante. Problema: a ideia de uma existência de classes sociais em
África que promoveu e coordenou o crescimento económico para benefício de dada
classe social.
3) Origens das sociedades africanas: a noção de que todos os estados pós-coloniais
foram constituídos formalmente segundo o modelo do Estado moderno ocidental
Problema: não é uma evidência do seu grau de institucionalização e não nos ajuda a
compreender o exercício do poder.
Proposta: compreensão da informalização da política
» 2. Características atribuídas ao Estado pós-colonial em África? - Poder limitado: Jeffrey Herbst (States and Power in Africa: Comparative
Lessons in Authority and Control, 2000): poder que não chega a todos os
pontos do território. Não é um sistema independente de poder que opera de
forma previsível e guia a sociedade.
- Falhado e ou colapsado: porque as três funções do Estado (autoridade
soberana, o Estado como instituição e Estado como garante da segurança)
não são desempenhadas.
-Estado rendeiro: pais que recebe regularmente quantidades substanciais
de rendas económicas de fontes externa. Conceito utilizado primeiro por Hossein Madhavy (1970) para o caso do Irão e depois aplicado para o caso
de África, sobretudo nos anos 90, para explicar o fracasso do
desenvolvimento económico no continente.
- Incidência de conflitos armados (guerras civis)
- Pobreza e fome: 40 % da população vive com menos de 1 dólar por dia.
Em 2010, 22 dos 25 países mais pobres do mundo localizavam-se no África
subsariana.
- Corrupção: níveis elevados
Fonte: Fragile States Index, 2016
Pobreza e desigualdade (GINI index, World Bank, 2014)
Níveis de Corrupção
Fonte: “How to stop the fighting, sometimes.” The Economist (2013)
Fonte: Freedom House 2016, In https://freedomhouse.org/report-types/freedom-
world
Democracia e Liberdades políticas
» 3. Neopatrimonialismo e personalização do poder (big man rule) Informalização do poder e das instituições Chabal e Daloz (1999): o obstáculo para o desenvolvimento do Estado, tal como se entende no ocidente, em África é o resultado da dinâmica da instrumentalização da política da desordem (caos organizado)
Remonta para o Patrimonialismo: sociólogo alemão Max Weber (séc. XIX)
Emancipação do Estado (estabelecimento de uma burocracia verdadeiramente independente – a formalização e a autonomia das instituições- assenta no estabelecimento e no funcionamento de um serviço público não constrangido pelas dinâmicas das pressões sociais – ou seja, o fim do patrimonialismo (Max Weber)
O conceito de neopatrimonialismo surge com Shmuel N. Eisenstadt,
(Traditional Patrimonialism and Modern Neopatrimonialism,1993): forma
moderna de patrimonialismo.
Na sequência, e sobretudo dos países da África ocidental, a noção foi
explorada. Aparelho de Estado formal + Sistema informal. Ou seja, a esfera
pública e privada estão misturadas. Consequências: o serviço público
mantém-se personalizado por via do clientelismo e do nepotismo
(favorecimento de pessoas próximas) + o acesso às instituições do Estado é
o meio principal para enriquecimento pessoal.
Neopatrimonialismo
Nicholas Van de Walle (Neopatrimonialism and Democracy in Africa, with
an Illustration from Cameroon,1994): o traço institucional distintivo dos
regimes africanos é o neopatrimonialismo, isto é, o chefe executivo
mantem a autoridade a partir de patronagem pessoal.
Mas há quem se distancia do conceito:
Por exemplo, Crawford Young (The Third Wave of Democratization in
Africa: Ambiguities and Contradictions,1999) usa antes o conceito de
Estado patrimonial autocrático.
MwayilaTshiyembé (État multinational et démocratie Africaine: Sociologie
de la renaissance politique, 2001), por sua vez, afirma que existe uma
tendência no que respeito ao neopatrimonialismo, mas os Estados em
África não podem ser analisados exclusivamente a partir dessa teoria.
Economia de afeição (Göran Hydén)
O estatuto e a riqueza nas sociedades africanas sempre dependeram da
capacidade de acumular dependentes e seguidores (Hydén 2012, 76)
As instituições informais entram na vida social e política.
Lógica subjacente a esta economia: quem conhecemos é mais importante
do o que o sabemos, a partilha da riqueza pessoal é mais compensadora
que o empreendorismo económico e dar uma mão hoje gera retorno mais
tarde (Hydén 1980).
O dinheiro não é o fim em si mesmo nem o Estado é o mecanismo de
redistribuição de riqueza primário, mas é o aperto de mão, a relação pessoal
que permite alocar os recursos e tal pode coexistir com os modelos
capitalistas ou socialistas.
Big man rule
Poder personalizado.
O big man não consegue estar em contacto com todos, então estabelece
relações clientelares. Efeito: necessita de acumular muitos recursos para dar
à sua rede clientelar e demonstrar a sua riqueza pessoal para ser credível aos
seus clientes (Daloz 2002, Hydén 2012).
Ou seja, a acumulação pessoal de recursos é necessário para que
governante consiga sustentar a suas relações clientelares e manter o poder.
O Problema de não sair do Poder
Os mandatos sem termo dos presidentes:
http://www.africanvault.com/longest-serving-african-presidents/
Reflexão final:
No que diz respeito ao estudo do Estado em África, existe um
movimento para sair da visão eurocêntrica e que, ao mesmo tempo,
procura formular conceitos válidos para analisar a realidade da política africana.