economia da natureza ricklefs - 6ªed - cap. 17

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A Evolução das Interações das Espécies L OgO após alguns casais de coelhos europeus terem sido liberados numa fazenda em Vic- toria em 1859, os coelhos se tornaram uma grande praga na Austrália. As populações de coelho aumentaram tão rapidamente que, em poucos anos, os fazendeiros locais estavam levantando cercas e organizando brigadas de coelhos - grupos de caça - em tentativas vãs para controlar suas populações. Por fim, centenas de milhões de coelhos habitavam a maior parte do continente, destruindo pastos de carneiros e ameaçando a produção de lã. O gover- no australiano tentou venenos, predadores e outras medidas de controle, todas sem sucesso. Após muitas investigações, a resposta ao problema do coelho pareceu ser o vírus do mi- xoma (um parente da varíola), descoberto nas populações de um coelho aparentado na América do Sul. O vírus do mixoma produziu um Iibrorno pequeno e localizado (um câncer fibroso da pele) sem efeitos severos nos coelhos da América do Sul, mas os coelhos europeus infectados pelo vírus sem resistência a ele morreram rapidamente. Em 1950, o vírus do mixoma foi introduzido em Victoria. Uma epidemia de mixomatose eclodiu entre os coelhos introduzidos e se espalhou rapidamente. O vírus foi transmitido prin- cipalmente por mosquitos, que picavam áreas infectadas da pele e transportavam o vírus em suas partes bucais. A primeira epidemia de mixomatose matou 99,8% dos coelhos infectados, reduzindo suas populações a níveis muito baixos. Mas, durante o surto seguinte da doença, somente 90% dos coelhos restantes morreram. Durante o terceiro surto da doença, somente 40%-60% dos coelhos infectados sucumbiram, e suas populações começaram a crescer no- vamente. O declínio na letalidade no vírus do mixoma resultou de respostas evolutivas, tanto nas populações de coelhos quanto nas de vírus. Antes da introdução do vírus, poucos coelhos tinham genes que conferiam resistência à doença. Embora nada tivesse previamente promo- vido o aumento da frequência daqueles genes, eles foram fortemente selecionados pela epi- demia de mixomatose, até que a maioria da população de coelhos sobreviventes consistisse em animais resistentes (Fig. 17.1). Em algum momento, linhagens de vírus menos virulentas se tornaram mais prevalecentes porque elas não matavam seus hospedeiros tão rapidamente e foram portanto mais rapidamente dispersadas para novos hospedeiros (os mosquitos picam somente coelhos vivos). 307

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Page 1: Economia da natureza   ricklefs - 6ªed - cap. 17

A Evolução das Interações das Espécies

LOgOapós alguns casais de coelhos europeus terem sido liberados numa fazenda em Vic-toria em 1859, os coelhos se tornaram uma grande praga na Austrália. As populações decoelho aumentaram tão rapidamente que, em poucos anos, os fazendeiros locais estavam

levantando cercas e organizando brigadas de coelhos - grupos de caça - em tentativas vãspara controlar suas populações. Por fim, centenas de milhões de coelhos habitavam a maiorparte do continente, destruindo pastos de carneiros e ameaçando a produção de lã. O gover-no australiano tentou venenos, predadores e outras medidas de controle, todas sem sucesso.

Após muitas investigações, a resposta ao problema do coelho pareceu ser o vírus do mi-xoma (um parente da varíola), descoberto nas populações de um coelho aparentado naAmérica do Sul. O vírus do mixoma produziu um Iibrorno pequeno e localizado (um câncerfibroso da pele) sem efeitos severos nos coelhos da América do Sul, mas os coelhos europeusinfectados pelo vírus sem resistência a ele morreram rapidamente.

Em 1950, o vírus do mixoma foi introduzido em Victoria. Uma epidemia de mixomatoseeclodiu entre os coelhos introduzidos e se espalhou rapidamente. O vírus foi transmitido prin-cipalmente por mosquitos, que picavam áreas infectadas da pele e transportavam o vírus emsuas partes bucais. A primeira epidemia de mixomatose matou 99,8% dos coelhos infectados,reduzindo suas populações a níveis muito baixos. Mas, durante o surto seguinte da doença,somente 90% dos coelhos restantes morreram. Durante o terceiro surto da doença, somente40%-60% dos coelhos infectados sucumbiram, e suas populações começaram a crescer no-vamente.

O declínio na letalidade no vírus do mixoma resultou de respostas evolutivas, tanto naspopulações de coelhos quanto nas de vírus. Antes da introdução do vírus, poucos coelhostinham genes que conferiam resistência à doença. Embora nada tivesse previamente promo-vido o aumento da frequência daqueles genes, eles foram fortemente selecionados pela epi-demia de mixomatose, até que a maioria da população de coelhos sobreviventes consistisseem animais resistentes (Fig. 17.1). Em algum momento, linhagens de vírus menos virulentasse tornaram mais prevalecentes porque elas não matavam seus hospedeiros tão rapidamentee foram portanto mais rapidamente dispersadas para novos hospedeiros (os mosquitos picamsomente coelhos vivos).

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FIG. 17.1 Populações interagindo evoluemuma em resposta à outra. A suscetibilidcdedos coelhos europeus na Austrólia ao vírus domixoma introduzido declinou após a primeiraepidemia. Segundo F.Fennere F.N. Ratcliffe,Myxomotosis, Com bridge UniversityPress,London11981)

308 A Evolução das Interaçõesdas Espécies

A primeira epidemiamatou quase 100% doscoelhos infectados, ...

I

...mas as epidemias posterioresmostram uma proporção muitomenor da população

~.c~ .<.I.g.,"O •~ 40

) 20L- _

01234567Número de epidemias sofridas

pela população

Deixado por si só, o sistema australiano coelho-vírus provavelmente evoluiria para umestado de doença endêmica e benigna, como aconteceu na população dos coelhos da Amé-rica do Sul da qual o vírus foi isolado. Contudo, os especialistas em manejo de pragas man-tiveram o sistema fora de equilíbrio encontrando novas linhagens de vírus às quais os coelhosnão tinham ainda desenvolvido resistência. Desta forma, eles mantinham a eficiência do vírusdo mixoma como um agente de controle da praga.

As linhagens menos virulentas do vírus do mixoma têm uma taxa mais alta de crescimentonas populações de coelhos como um todo, se não para determinados coelhos. Este padrãoé diferente daquele de algumas doenças humanas altamente contagiosas, tais como a influen-za e a cólera, que se espalham diretamente na atmosfera ou na água. Tais patógenos nãodependem da sobrevivência de longo prazo dos hospedeiros para sua dispersão e frequen-temente apresentam altos níveis de virulência, com consequências debilitantes ou mesmofatais para seus hospedeiros. Analogamente, a maioria dos predadores não se fia numaterceira parte para encontrar as presas e, em vez de evoluir em direção a um equilíbriobenigno de restrição e tolerância, predador e presa tendem a ficar presos numa luta evo-lutiva de persistente intensidade. O resultado dessa luta depende de qual população tomaa dianteira evolutiva.

CONCEITOS DO CAPíTULO• As adaptações em resposta à predação demonstram a seleção

por agentes biológicos• Os antagonistas evoluem em resposta um ao outro• A coevolução nos sistemas planta-patógeno revela interações

genóti po-genóti po

As plantas e os animais usam diversas estratégias de compor-tamento para obter alimentos e evitar serem comidos ou

parasitados. Muita desta diversidade é o resultado da seleçãonatural agindo sobre as formas pelas quais plantas e animaisprocuram recursos e escapam da predação. Desenhos de asas quese confundem artisticamente com o fundo ajudam as mariposasa escapar da observação dos predadores. As flores, por suas cha-mativas cores e fragrâncias, atraem a atenção dos insetos e avesque transportam o pólen de uma flor para a próxima.

• As populações de consumidores e de recursos podem atingirum estado evolutivo estacionário

• A capacidade competitiva responde à seleção• A coevolução envolve respostas evolutivas mútuas por

populações interagindo

Os agentes cuja influência forma tais adaptações são bioló-gicos: eles são outros organismos vivos. Seus efeitos diferemdaqueles dos fatores físicos no ambiente de duas formas. Primei-ro, os fatores biológicos estimulam respostas evolutivas mútuasnos atributos das populações interagindo. Por exemplo, atravésda seleção natural e da evolução, os predadores moldam as adap-tações de suas presas para escapar, mas suas próprias adaptaçõespara perseguir e capturar também respondem aos atributos desuas presas. Por outro lado, as adaptações dos organismos em

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resposta às mudanças no ambiente físico não têm efeitos recí-procos no ambiente.

Segundo, os agentes biológicos promovem a diversidade dasadaptações e não a similaridade. Em resposta aos fatores bioló-gicos, os organismos tendem a se especializar, perseguindo tiposúnicos de presas, lutando para evitar combinações únicas de pre-dadores e patógenos e engajando-se em arranjos benéficos mú-tuos com outras espécies. Em resposta a estresses físicos seme-lhantes no ambiente, contudo, muitos tipos de organismos de-senvolvem adaptações semelhantes. Vimos este fenômeno, cha-mado de convergência, nas folhas reduzidas ou finamente divi-didas que minimizam o estresse de calor e perda de água emmuitas plantas do deserto (veja o Capítulo 5).

Quando as populações de duas ou mais espécies interagem,cada uma pode desenvolver uma resposta àquelas característicasda outra que afetam o ajustamento individual. Este processo édenominado de coevolução quando as respostas desenvolvidassão recíprocas - isto é, quando as adaptações numa populaçãopromovem a evolução de adaptações na outra. Este seria o casoquando um herbívoro desenvolve uma forma de desintoxicar umquímico nocivo que foi desenvolvido numa planta para protegê-Ia contra aquele mesmo herbívoro. Estas adaptações representamuma sequência de respostas evolutivas resultantes diretamenteda interação entre as duas populações.

Num sentido mais amplo, o termo coevolução se aplica àsrespostas evolutivas de cada espécie a todas as outras com asquais interage (às vezes denominada de coevolução difusa). Con-tudo, muitos biólogos restringem a aplicação do termo mais à

(a)

(b)

A Evolução das Interações das Espécies 309

evolução recíproca de estruturas e funções relacionadas em du-as populações interagindo. Identificar os casos sem ambiguida-de de uma evolução assim restrita pode ser difícil. Por exemplo,as hienas têm mandíbulas e músculos associados que são forteso bastante para quebrar os ossos de suas presas. Estas modifica-ções são claramente adaptações para comer a presa. Contudo, asmandíbulas poderosas da hiena não podem ser consideradas umexemplo de coevolução porque as características dos ossos desuas presas não evoluíram para resistir a serem comidos pelashienas, ou qualquer outro predador. No momento em que a hie-na atingiu aquela parte de sua refeição, a estrutura dos ossos nãotem mais consequência para a sobrevivência da presa. Em con-trapartida, quando um herbívoro desenvolve a capacidade dedesintoxicar os químicos produzidos por uma planta especifica-mente para detê-lo, os requisitos da definição estrita de coevo-lução são provavelmente atendidos.

Neste capítulo, exploraremos algumas das consequências dasrespostas evolutivas às interações entre predadores e suas presas,entre competidores e em associações mutualistas. Quando a re-lação evolutiva entre duas espécies é antagonista, como é entrepredador e presa, ou entre parasita e hospedeiro, as espécies po-dem ficar presas numa luta evolutiva para aumentar seu próprioajustamento, cada uma à custa da outra. Tal luta pode levar a umasinuca evolutiva, na qual ambos os antagonistas continuamentese desenvolvem em resposta um ao outro, mas o resultado líqui-do de sua interação é um estado estacionário. Alternativamente,quando um dos antagonistas não consegue evoluir rápido o bas-tante, ele pode ser levado à extinção. Por outro lado, as relações

(c)

FIG. 17.2 Muitos organismos palatáveis desenvolvem aparênciascrípticas para evitar a detecção pelos predadores. (a) Um catídeose assemelha às folhas; (b) um bicho-pau se assemelha aos gravetos;e (c) uma mosca-lanterna se confunde com a casca de uma árvore.Fotografias de R. E. Ricklefs.

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3 1O A Evolução das Interaçães das Espécies

evolutivas entre as espécies em associações benéficas mútuaspodem levar a arranjos estáveis de adaptações complementaresque promovem sua interação.

As adaptações em resposta àpredação demonstram a seleçãopor agentes biológicosA coloração é um exemplo de atributo que pode evoluir numapresa sob seleção dos predadores. As mudanças na coloraçãofavorecidas pela predação podem então realimentar as adapta-ções dos predadores, capacitando-os ou a encontrar presas cadavez mais bem camufladas, ou evitar presas com colorações quesinalizam qualidades nocivas. A evolução da forma e da colora-ção em muitos animais para evitar a predação nos mostra umlado da equação da coevolução e enfatiza a força da seleção poragentes biológicos.

Coloração críptica versus de advertênciaPara evitar a detecção por predadores, algumas presas adotamuma aparência camuflada e permanecem imóveis. Os predadoresseletivamente favorecem as presas mais capazes de evitá-los,porque as presas que se escondem menos eficientemente sãodescobertas e comidas.

(a)

(b)

2

Muitos organismos atingem a coloração críptica, ou se mis-turam com o ambiente, ao igualar sua coloração à da cor e padrãode cascas de árvores, galhos ou folhas (Fig. 17.2). Vários animaisse assemelham a galhos, folhas, partes de flores ou mesmo fezesde animais. Estes organismos não estão tão bem escondidos,apenas são tomados por objetos incomíveis e deixados para trás.Naturalmente, se um inseto deve imitar um galho ou folha con-vincentemente, ele tem que se comportar como um. Um insetoque imita uma folha em repouso sobre uma árvore ou um bicho-pau se movendo rapidamente sobre um galho não enganaria mui-tos predadores.

A coloração críptica é uma estratégia de animais palatáveise comestíveis. Outros animais assumem uma abordagem maisdireta contra o predador: produzem químicos nocivos ou osacumulam do alimento vegetal, e então anunciam o fato compadrões de cores chamativas. Esta estratégia é conhecida comocoloração de advertência, aviso ou aposematismo (Fig. 17.3).Os predadores aprendem rapidamente a evitar marcas como asfaixas pretas e laranja das borboletas monarcas, que têm umgosto tão amargo que uma única experiência não é esquecida.Não é coincidência que muitos animais nocivos adotem padrõessemelhantes. Faixas pretas e vermelhas ou amarelas adornamanimais tão diversos como as vespas e as cobras corais. Estascombinações de cores propagandeiam a nocividade tão consis-tentemente que alguns predadores desenvolveram aversões ina-tas a elas e não precisam aprender a evitar tais presas por ex-periência.

(c)

FIG. 17.3 Muitos organismos impalatáveis desenvolveram colo-ração de advertência. (a) Os predadores aprendem a evitar itensde alimentação de coloração brilhante tais como esta lagarta [b, c)Alguns insetos impalatáveis se agregam para enfatizar a sinalizaçãode advertência. Fotografia (a) de J Burgett, fotografias (b) e (c) de Corl CHansen, cortesia do Smithsonian Tropical Reseorch Institute.

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A Evolução das Interaçõesdas Espécies 31 1

Por que não são todas as espécies de presas potenciais nocivasou impalatáveis? Parte da resposta é que as defesas químicas po-dem consumir uma grande parte da energia ou nutriente do indi-víduo, que de outra forma poderiam ser alocadas para o cresci-mento ou reprodução. Além disso, muitos organismos nocivos se

baseiam em seus alimentos vegetais para suprir os compostos or-gânicos tóxicos que eles mesmos não podem fabricar, e nem todasas plantas têm tais compostos. Quando têm, os consumidores de-vem eles próprios evitar os efeitos tóxicos dos químicos, de ma-neira a usá-los eficientemente contra seus predadores potenciais.

w ~ ~FIG. 17.4 Mímicos batesianos são organismos presas palatáveis que se assemelham aos nocivos. Aqui, um mantídeo palatável e ino-fensivo [b] e uma mariposa [c] evoluíram para se assemelharem a uma vespa (ai. Fotografiasde Larry[on FriesenjSaturdaze.

/'!

Melinaea

H. numata

H. melpomene

0,05

FIG. 17.S Mímicos müllerianos são organismos impalatáveis que compartilham um padrão de coloração de advertência comum. Asduas fileiras superiores ilustram cinco morfos de coloração aposemática em populações locais de He/iconius numota (segunda linho] e for-mas comiméticas das borboletas distantemente aparentadas Me/inaea menophi/us (uma formal, M. /udovica (uma formal e M. marsaeus(três lorrnos] no norte do Peru. As duas fileiras de baixo retratam a variação geográfica na mímica mülleriana aparentada H. me/pomenee H. erato por tada a América do Sul tropical. Fotografias© 2006 Mathieujoron.

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3 12 A Evolução dos Interações das Espécies

MimetismoOs animais e as plantas impalatáveis que apresentam coloraçãode advertência normalmente servem de modelo para alguns pa-latáveis, que desenvolveram semelhanças com eles. Neste caso,os consumidores são os agentes de seleção quando confundembem os mímicos palatáveis com os modelos impalatáveis. Estasrelações são em conjunto denominadas de mimetismo batesia-no, em homenagem ao seu descobridor, o naturalista inglês doséculo 19 Henry Bates. Em suas jornadas à região amazônica naAmérica do Sul, Bates descobriu numerosos casos de insetospalatáveis que abandonaram os padrões crípticos de seus paren-tes próximos e se tornaram semelhantes às espécies brilhante-mente coloridas e impalatáveis (Fig. l7.4).

Estudos experimentais têm demonstrado que o mimetismoconfere de fato uma vantagem aos mímicos. Por exemplo, ossapos que foram alimentados com abelhas vivas, e ferroados nalíngua, daí em diante evitaram as moscas-varejeiras palatáveismímicas das abelhas. Mas quando sapos jovens foram alimen-tados somente com abelhas mortas, das quais os ferrões tinhamsido removidos, eles se deliciaram com as mímicas das varejei-ras (assim como as agora abelhas inofensivas). Dessa forma, ossapos aprenderam a associar os padrões frequentes e notáveisdas abelhas vivas com uma experiência desagradável.

Outro tipo de mimetismo, chamado de mimetismo mülle-riano, em homenagem ao seu descobridor, o zoólogo alemãodo século 19 Fritz Müller, ocorre quando diversas espéciesimpalatáveis adotam um único padrão de coloração de adver-tência. Os predadores aprendem a evitar estes mímicos maiseficientemente porque uma experiência ruim de um predadorcom uma espécie confere proteção a todos os outros membrosdo complexo mimético. Por exemplo, a maioria das mamanga-vas e vespas que ocorrem em pradarias e montanha comparti-lham um padrão de faixas pretas e amarelas. Nos trópicos,dezenas de espécies de borboletas impalatáveis, muitas dasquais distantemente aparentadas, compartilham padrões de "fai-xas tigradas" pretas e laranja, ou padrões de coloração preta,vermelha e amarela (Fig. 17.5).

Os antagonistas evoluem emresposta um ao outroo termo coevolução foi cunhado por Charles Mode, num artigopublicado na revista Evolution em 1958. Mode estava preocu-pado com a relação entre as plantações de agricultura e seuspatógenos fúngicos, especialmente a ferrugem, que causa mi-lhões de dólares de perdas na agricultura todo ano. Ele desen-volveu o modelo de evolução contínua de um patógeno e seuhospedeiro em resposta a mudanças evolutivas um no outro. Omodelo de Mode assumiu que a virulência do patógeno e a re-sistência do hospedeiro eram cada uma controlada por um únicogene dominante (Ve R, respectivamente), e que a virulência e aresistência eram, por elas próprias, de custo alto para o organis-mo. Assim, o ajustamento do hospedeiro e do patógeno era cadaqual uma contingência sobre o genótipo um do outro. Nessascircunstâncias, as frequências dos genes de virulência e resistên-cia deveriam tender a oscilar no tempo num padrão semelhanteao ciclo populacional predador-presa (veja a Fig. 15.2).

O modelo de Mode funcionava da seguinte forma: quando ohospedeiro é suscetível (genótipo rr), a seleção favorece o pa-tógeno virulento (genótipo VV ou Vv). Os patógenos virulentoscausam a seleção para a resistência de hospedeiro (genótipo RR

L

ou Rr), que então aumenta na população de hospedeiros. Quan-do o hospedeiro é resistente, a seleção favorece patógenos nãovirulentos (genótipo vv) porque a virulência tem alto custo. Quan-do o patógeno é não virulento, a seleção favorece os hospedeirossuscetíveis (genótipo rr) porque a resistência tem alto custo. Es-tas respostas mútuas causam um padrão de reciclagem contínua:r (hospedeiro) ---7 V (patógeno) ---7 R (hospedeiro) ---7 v (patóge-no) ---7 r (hospedeiro) e assim por diante.

Em 1964, Paul Ehrlich e Peter Raven, na época professoresassistentes na Universidade de Stanford, publicaram um artigo,também na Evolution, no qual colocaram a coevolução num con-texto mais ecológico e popularizaram bastante o termo. Ehrliche Raven notaram que grupos proximamente aparentados de bor-boletas tendiam a se alimentar de espécies proximamente apa-rentadas de plantas hospedeiras. Por exemplo, as espécies deborboletas no gênero tropical Heliconius se alimentam exclusi-vamente em vinhedos de passiflora do gênero Passiflora (Fig.l7.6). Tais relações estreitas consumidor-recurso sugerem umalonga história evolutiva conectando as borboletas e suas plantashospedeiras, indubitavelmente envolvendo a evolução das bor-boletas para tolerar as defesas específicas de suas hospedeiras,

(a)

(b)

FIG. 17.6 A especificidade taxonômica de algumas relações pre-dador-presa sugere uma longa história evolutiva. As larvas deHeliconius das borboletas (a) se alimentam somente de um vinhedode passiflora (Passiflora) (b) Fotografia (o) © Michael e Patricia Fogden/Corbis; a foto de inserção é uma cortesia de Andy McGregor; Ioloqroho (b)de Ray CoIeman/Photo Researchers.

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e possivelmente a evolução dos vinhedos de passiflora para mi-nimizar a herbivoria pelas larvas da borboleta.

Assim, o estudo da coevolução e as relações evolutivas entreas espécies que interagem de maneira mais genérica inicialmen-te caminharam em duas direções. De um lado, Mode usou a mo-delagem para responder aos mecanismos genéticos e evolutivossubjacentes às relações entre as populações de consumidores ede recursos. Por outro, Ehrlich e Raven observaram padrões derelações na natureza e os interpretaram com resultados de inte-rações evolutivas. Mais recentemente, as duas abordagens seencontraram em um ponto comum nas análises da história evo-lutiva dos atributos diretamente envolvidos nas relações entre asespécies, como veremos na análise da relação coevolutiva entreas plantas e as mariposas da iúca apresentadas mais adiante nes-te capítulo. Contudo, os estudos experimentais iniciais sobreevolução em populações de laboratório tinham já demonstradoo papel poderoso da seleção em uma espécie sobre as adaptaçõesevoluídas em outra.

I ECÓLOGOSEM CAMPO

A evolução em moscas-domésticas e seusparasitoides. Numa série de experimentosconduzida durante a década de 1960, Da-

vid Pimentel e seus colegas da Universidade de Cornell explo-raram a evolução das relações hospedeiro-parasitoide. Elesusaram o estágio pupal da mosca-doméstica (Musca domestica)como seu hospedeiro e uma vespa, Nasonia vitripennis (Fig.17.7), como seu parasitoide. Numa gaiola de população (agaiola controle; Fig. 17.8a), permitiu-se às vespas parasitaruma população de moscas mantida num número constante.Indivíduos de moscas eram adicionados a partir de um estoqueque não tinha sido exposto previamente às vespas. Quaisquermoscas que escapavam do ataque das vespas parasitoideseram removidas da gaiola populacional, tal que as vespaseram providas somente com hospedeiros evolutivos "neófitos".Numa segunda gaiola populacional (a gaiola experimental;Fig. 17.8b), a população de moscas era mantida no mesmonúmero constante, mas permitia-se que as moscas emergindopermanecessem na gaiola, tal que a população de moscaspoderia desenvolver resistência às vespas. As gaiolas popula-

(a) Gaiola de controle

A progênie de parasitoidepermanece na gaiola

Vespa

.---~Suprimentode novoshospedeiros

Pupa

I~

A Evolução das Interaçõesdas Espécies 31 3

cionais foram mantidas por três anos, tempo bastante para queuma mudança evolutiva ocorresse.

Ao longo do curso do experimento, a taxa reprodutiva dasvespas na gaiola experimental que permitiu ~ evolução caiu de135 para 39 progênies por fêmea, e a longevidade caiu de 7para 4 dias. Na gaiola de controle, onde as parasitoides eramprovidas com pupas de moscas neófitas a cada geração, as ves-pas permaneceram fecundas e de longa vida. A população médiade parasitoides na gaiola experimental também diminuiu em re-lação à população da gaiola controle, e o tamanho da populaçãoficou mais constante do que na gaiola de controle sem evolução.Estesresultados sugerem que as moscas desenvolveram resistênciaàs parasitoides quando submetidas a um intenso parasitismo.

Os experimentos foram então montados em novas gaiolas po-pulacionais, nas quais permitia-se que o número de moscas va-riasse livremente. A gaiola controle começou com moscas e vespassem contato prévio umas ~om as outras, e a gaiola experimentalfoi montada com indivíduos da população que evoluíram comodescrito anteriormente. Na gaiola controle, as vespas foram pa-rasitoides eficientes, e o sistema passou por oscilações dramáticas.Na gaiola experimental, contudo, a população de vespas perma-

FIG. 17.7 O estudo de Pimentel sobre a coevolução usou o sis-tema parasitoide-hospedeiro. A vespa Nasonia vitripennis, um pa-rasitoide da mosca-doméstica, é mostrada aqui depositando ovosna pupa de uma mosca. Cortesiade D. Pimentel;de D. Pimentel,Science1591432-1437 (1968)

(b) Gaiola experimental A progênie de parasitoidee a progênie de hospedeiropermanecem na gaiola

Pupasparasitadas

Pupasnão parasitadas

A progênie de hospedeiro permanece na gaiola;a população de hospedeiro pode responder por evolução

FIG. 17.8 O experimento clássico de Pimentel testou uma resposta evolutiva do hospedeiro a um parasitoide. A diferença no tamanhoda população do parasitoide no fim do experimento entre a gaiola de controle na qual a população hospedeiro não poderia evoluir (a) ea gaiola experimental na qual ela poderia evoluir (b) indicou a efetividade da resposta evolutiva do hospedeiro.

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314 A Evolução das Interaçõesdas Espécies

FIG. 17.9 As mudanças na população nosistema parasitoide-hospedeiro de Pimenteldemonstraram que as populações evoluemuma em resposta à outra. As moscas-domés-ticas e as vespas parasitoides foram colocadasjuntas em gaiolas populacionais de trinta célu-las. Os números de moscas e vespas por célu-la, assim como o padrão do ciclo populacio-nal, diferiram entre a gaiola de controle (a) naqual a população de mosca não tinha expe-riência prévia com a vespa, e a gaiola ex-perimental (bl, na qual a população de moscastinha sido previamente exposta ao parasitismoda vespa. SegundoD. Pimentel,Science 159: 1432-1437 (1968)

j

Na gaiola experimental,a populaçãode vespas permaneceu baixa,enquantoa população de moscas permaneceualta e relativamente constante.

Na gaiola de controle,ambas as populaçõesoscilaram dramaticamente.

I(b) Experimental(a) Contr<?le

Hospedeiro .(mosca- ParasitoidedoméStica)/(vespa~

\ .

600

o

neceu baixa, e as moscas atingiram um nível populacional alto erelativamente constante (Fig. 17.9). Este resultado reforça forte-mente a conclusão, tirada de experimentos anteriores, de que asmoscas hospedeiras tinham desenvolvido resistência às vespasparasitoides. Infelizmente, nenhuma informação foi coletada nes-te experimento sobre a resposta das vespas experimentais aoaumento da resistência em suas moscas hospedeiras .•

A coevolução nos sistemas planta-patógenorevela interações genótipo-genótipoA sugestão de que as populações de consumidores e de recur-sos evoluem umas em resposta às outras pressupõe que cadauma contém uma variação genética para os atributos que in-fluenciam suas interações. No caso da interação vespa-mosca,ficou claro que uma evolução tinha ocorrido, mas a base gené-tica da mudança evolutiva não pode ser determinada. Isto tinhasido menos um problema nos estudos de plantações e seus pa-tógenos. Nestes sistemas, a diferença entre virulência e nãovirulência pode depender de um único gene, como o modelode Mode assumiu, e assim se adapta a uma análise genéticasimples mendeliana.

Os geneticistas de plantas desenvolveram linhagens de espé-cies, como uma de trigo, que são resistentes a linhagens genéti-cas específicas de patógenos, tais como a ferrugem (fungo). Es-tas linhagens de plantações diferem umas das outras pelo fatode serem suscetíveis ou resistentes à infecção por determinadaslinhagens da ferrugem. Ao longo do curso dos programas deaprimoramento de plantações, quando novas linhagens de ferru-gem aparecem na área, os geneticistas de plantas selecionamnovas linhagens resistentes da plantação expondo populaçõesexperimentais ao patógeno. Contudo, novas linhagens de pató-genos continuam a aparecer, seja por migração ou por mutação,criando uma mudança evolutiva contínua no sistema.

As raças genéticas da ferrugem-do-trigo são distinguidas tan-to por suas características fisiológicas quanto por sua virulênciaquando testadas em linhagens de trigo contendo diferentes alelosresistentes. A maioria das linhagens virulentas numa única raçafisiológica de ferrugem difere por apenas um gene. Um levanta-mento da ferrugem-do-trigo (Puccinia graminis) no Canadá re-

20 40 60 80 o 20 40Tempo (semanas)

velou que novos genes virulentos aparecem de tempos em tem-pos e que, quando isso acontece, a nova linhagem de ferrugemdizima as plantas em poucos anos (Fig. 17.10). O sistema ferru-gem-trigo contém o elemento essencial da coevolução visuali-zado por Mode: uma interação entre os ajustamentos dos genó-tipos de hospedeiro e patógeno. O sistema é mantido ativo pelaintrodução de novos genes virulentos pela mutação na ferrugem,e talvez por novos genes resistentes no trigo, embora os últimossejam muito mais controlados pelos geneticistas de plantasatualmente.

As diferenças na expressão (e ajustamento) dos genótiposem uma espécie que dependem dos genótipos de outra são cha-madas de interações genótipo-genótipo. Estas interações têmsido encontradas em muitos sistemas naturais e podem terminarpor ser a regra nas populações de plantas e herbívoros e dehospedeiros e patógenos. A genética da maioria das defesasdas plantas é difícil de estudar em tanto detalhe quanto foi fei-to com os genes de resistência do trigo, mas os efeitos genéti-cos podem, por outro lado, ser detectados. D. N. Alstad eG. F. Edmunds Jr., na Universidade de Minnesota, mostraramque a variação nas defesas contra os herbívoros entre árvoresde pinheiro é acompanhada pela variação nos genótipos dosinsetos cochonilhas que os infestam (Fig. l7.11). As cochoni-lhas são extremamente sedentárias; elas apresentam tão poucomovimento que as populações se desenvolvem independente-mente em cada árvore. Alstad e Edmunds tiraram essa conclu-são do sucesso diferente de cochonilhas experimentais trans-feridas entre as árvores e entre os galhos da mesma árvore. Ataxa de sobrevivência das cochonilhas transferidas entre as ár-vores foi muito mais baixa do que aquela dos controles trans-feridos entre os galhos de uma mesma árvore. As diferençasentre árvores, e entre populações locais de cochonilhas, sãoprovavelmente genéticas, e assim a descoberta provavelmenterepresenta um caso de interação genótipo-genótipo. Ela pode-ria também representar um caso de coevolução estrita se asárvores respondessem geneticamente às infestações das cocho-nilhas. É importante realçar que nem todas as respostas evolu-tivas representam uma coevolução estrita entre duas popula-ções. Contudo, podemos concluir que a evolução da maioriadas espécies é impulsionada em parte por suas interações comseus consumidores, recursos, competidores e mutualistas.

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(a)

FIG. 17.11 Variação genética num hospedeiropode acompanhar a variação genética no pató-geno. A taxa de sobrevivência das cochonilhasdiminui marcantemente quando elas são movidasde uma árvore sobre a qual sua população evo-luiu. SegundoG. F. Edmundse D. N. Alstad, Science199941-945 (1978)

As populações de consumidorese de recursos podem atingir umestado evolutivo estacionário

A Evolução das lnterações dos Espécies 315

Novas linhagens virulentas da ferrugem-da-trigoaparecem de tempos em tempos e dizimam uma população.

(b)

101956

Como as populações de consumidores e de recursos evoluemcontinuamente em resposta à seleção por seus antagonistas, nóspoderíamos pensar sobre o resultado final destas interações: aevolução para algum dia? No caso da interação trigo-ferrugem,que produz coevolução estrita entre virulência e resistência, osistema parece destinado a ciclar interminavelmente através dediferentes genótipos de cada espécie. Por outro lado, quandouma espécie interage com muitas outras simultaneamente, ne-nhum fator de virulência ou resistência único deve provavelmen-te possuir uma vantagem sobre todos os outros. Neste caso, acapacidade de patógenos virulentos trocarem para uma espéciede hospedeiro mais abundante, proporcionando à população re-duzida de hospedeiros uma chance de se recuperar, poderia levarà persistência de um estado de equilíbrio de diversidade genéti-ca. A coevolução estrita pode produzir retardos de tempo, porquecada população responde a somente uma outra população, e asmudanças cíclicas nas frequências de genes podem resultar daí,

1962Ano

FIG. 17.10 A coevolução envolve uma interação entre o ajustamento geneticamente influenciado de um hospedeiro e o de seu pa-rasita ou patógeno. (01 A ferrugem-do-trigo (Puccinia graminisl crescendo sobre o trigo [b] As proporções relativas dos diferentes virulênciasde linhagens nesta ferrugem (indicado por números diferentes no gráficol infectando o trigo canadense têm mudado ao longo do tempo.SegundoG. J Green, Cano I Bot. 53.1377-138611975); fotografiacortesiade Gary Munkvold.

Cochonilhas transferidas para diferentes galhosda mesma árvore sobreviveram bem porque elasestão adaptadas ao genótipo daquela árvore, ...

1958 1966 19681960 1964

...mas aquelas transferidas paraoutras árvores apresentaram umabaixa sobrevivência.

Transferidopara árvorediferente

0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0Percentual de cochonilhas sobrevivendo até 9 meses

da mesma forma que os ciclos predador-presa são mais preva-lecentes em sistemas ecológicos mais simples. Quando múltiplaspopulações de consumidores e de recursos afetam umas às outrassimultaneamente, os retardos de tempo são menos importantesdo que aqueles típicos de interações um para um.

A despeito de as relações coevolutivas serem estritas ou di-fusas, não é provável que as populações de consumidores ou asde recursos venham a tomar a dianteira na longa corrida. A maio-ria dos sistemas ecológicos evolui em direção ao estado estacio-nário no qual a evolução continua, mas as taxas de exploraçãodos recursos pelos consumidores permanecem mais ou menosconstantes. À medida que a taxa na qual as populações de recur-so são exploradas aumenta, assim também aumenta a força po-tencial da seleção sobre aquelas populações por novas adaptaçõespara escapar ou evitar os consumidores, pelo menos até os limi-tes estabelecidos pela estabilidade de variação genética. A taxana qual tais novas adaptações evoluem numa população de re-curso poderia variar em proporção direta à taxa na qual é explo-rada (Fig. 17.12). Assim, qualquer vantagem que um consumidordesenvolva sobre a sua população de recurso deveria ser somen-te temporária.

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316 A Evolução dos Interaçõesdos Espécies

$

A seleção sobre as populações de recursopara reduzir a exploração pelos consumidoresaumenta à medida que a exploração aumenta.

+ ,..

FIG. 17.12 A taxa de exploração influenciaa taxa de evolução nas populações de con-sumidores e de recursos. A coevolução consu-midor-recurso atinge um estado estacionárioquando a taxa de mudança na taxa de explo-ração se iguala a zero; isto é, quando as con-sequências populacionais das adaptações deconsumidores e de recursos se equilibram.

A pressão de seleção sobre aspopulações de consumidorespara aumentar o consumo de

"'.----, uma população de recursodiminui nos níveismais altosde exploração.

A pressão de seleçãonegativa pode favorecera troca para populaçõesde recurso alternativas.

o Baixa AltaTaxa de exploração

- Consumidor - Diferença- Recurso

A força da seleção por novas adaptações nos consumidorespara explorar seus recursos deveria variar de um modo oposto.Quando uma determinada população de recurso não é fortemen-te explorada, as adaptações dos consumidores que os capacitama usar aquele recurso são seletivamente favorecidas, e sua ex-ploração daquele recurso aumenta. À medida que a exploraçãoaumenta, contudo, aquela população de recurso é reduzida, eaumentos adicionais na eficiência dos consumidores têm poucovalor seletivo. Taxas muito altas de consumo poderiam conce-bivelmente favorecer os consumidores que mudassem suas die-tas em direção a outras populações de recurso mais abundantes.Assim, a evolução poderia favorecer menos eficiência no uso deuma determinada população de recurso por uma população con-sumidora em consequência das adaptações para explorar umaoutra população de recurso mais abundante.

No modelo simples mostrado na Fig. 17.12, as taxas de adap-tação de consumidores e de recursos podem atingir um estadoestacionário evolutivo no qual a seleção sobre a população derecurso por adaptações para reduzir o consumo equilibra a sele-ção sobre a população consumidora por adaptações para aumen-tá-lo. Quando as adaptações do consumidor são relativamenteeficientes e a população de recurso é explorada em altas taxas,a seleção sobre ela tende a aprimorar seus mecanismos de evi-tação mais rápido do que a seleção sobre a população do consu-midor aumenta sua capacidade de explorar a população de re-curso. Inversamente, quando a taxa de exploração é baixa, apopulação de recurso evolui mais lentamente do que a populaçãoconsumidora. O equilíbrio entre estas influências poderia resul-tar numa taxa relativamente constante de exploração, a despeitodas adaptações específicas de consumidores e recursos. Comoem qualquer estado estacionário, ambos os antagonistas conti-nuamente evoluem para manter o equilíbrio, assim como as na-ções continuamente evoluem novas armas de defesas para man-

A mudança na taxa de exploração é a diferençaentre o resultado das adaptações de consumidorese de recursos.

ter um equilíbrio na corrida de armas. Este modelo é um exem-plo da Hipótese da Rainha Vermelha, que discutimos no contex-to da manutenção evolutiva da reprodução sexuada em popula-ções (veja o Capítulo 8).

Os experimentos de Pimentel sobre as interações parasitoi-de-hospedeiro, discutidos anteriormente, ilustram a dinâmicadeste estado estacionário consumidor-recurso. A mosca-domés-tica (hospedeira) e a vespa Nasonia (parasitoide) indubitavel-mente atingiram um estado estacionário evolutivo em seu am-biente natural. Quando trazidas para o laboratório, as vespasforam capazes de explorar as populações de moscas numa taxamuito alta porque gastavam pouco tempo para procurar as hos-pedeiras no ambiente simplificado das gaiolas populacionais.Montar estas condições experimentais foi equivalente a mudara taxa de exploração das moscas-domésticas pelas vespas muitoacima do estado estacionário na Fig. 17.12. Esta mudança au-mentou a seleção sobre as moscas para escapar do parasitismomuito mais do que aumentaria a seleção sobre as vespas para umaumento adicional em sua exploração das hospedeiras. Conse-quentemente, a capacidade das moscas-domésticas em escapardas parasitoides aumentou, e o nível de exploração pelas vespasdiminuiu em direção a um novo estado estacionário.

A capacidade competitivaresponde à seleçãoOs competidores, como os predadores e as presas, exercem umapressão de seleção um sobre o outro. Sob um certo cenário, oscompetidores são selecionados para divergir um do outro emtermos dos recursos que eles consomem. Um indivíduo que usarecursos não vistos por uma outra espécie pode desfrutar de umamaior disponibilidade de recursos e assim um ajustamento maior.

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Este cenário, ao qual retomaremos na seção seguinte, difere dacoevolução em relações antagonistas e mutualistas porque a evo-lução de uma espécie não é uma resposta a uma determinadamudança adaptativa em seu competidor. Em vez disso, ela é umefeito indireto aplicado através dos recursos (ou através dos con-sumidores no caso de competição aparente) que dirige a evoluçãodos competidores.

Em última instância, contudo, a força impulsionadora maisimportante de aprimoramentos na capacidade competitiva é aseleção por aumento de eficiência do uso de recurso. A evoluçãoda eficiência do uso de recurso é diferente da coevolução nosentido de que ela aconteceria na ausência de uma espécie com-petidora apenas devido à competição em sua própria população.Contudo, espécies em competição influenciam o modo exatopelo qual a eficiência pode ser aprimorada por causa de seusefeitos sobre a disponibilidade dos recursos.

Demonstrando a variação genéticana capacidade competitivaÀs vezes mudanças genéticas que influenciam a capacidade com-petitiva se expressam no fenótipo tão sutilmente que não pode-mos detectá-Ias por exame direto dos atributos dos indivíduos.Em vez disso, elas devem ser inferi das das mudanças no resul-tado da competição em resposta às mudanças no ambiente com-petitivo. Diversos experimentos usaram esta abordagem parademonstrar a variação genética da capacidade competitiva, e as-sim o potencial para a capacidade competitiva evoluir.

Num experimento pioneiro, o geneticista de população Fran-cisco Ayala estabeleceu duas espécies de moscas-de-fruta, Dro-sophila serrata e D. nebulosa, em gaiolas populacionais no la-boratório. As populações rapidamente atingiram um padrão decoexistência estável, com 20%-30% de D. serrata e 70%-80%de D. nebulosa em cada gaiola. Numa gaiola, contudo, a frequên-cia de D. serrata começou a aumentar após a 20ª semana e atin-giu cerca de 80% na 30ª semana, revertendo a predominânciainicial de D. nebulosa.

No segundo experimento, Ayala removeu indivíduos de am-bas as espécies das populações competidoras após a 30ª semanae as testou contra estoques de moscas que não tinham sido man-tidas em culturas de espécies únicas. Ele descobriu que a capa-cidade competitiva de cada espécie aumentou após a exposiçãoà outra no primeiro experimento de competição. Quando a ca-pacidade competitiva dos indivíduos de D. serrata de uma gaio-la na qual a espécie predominou foi testada contra aquela dosestoques não selecionados de D. nebulosa, D. serrata novamen-te mostrou uma capacidade competitiva superior. As adaptaçõesespecíficas responsáveis pelas mudanças da capacidade compe-titiva não foram determinadas. Elas poderiam concebivelmenteincluir um aumento na eficiência do uso de um recurso alimen-tar, o número de filhotes produzidos por unidade de alimentoconsumido, a resistência a um patógeno comum (competiçãoaparente) ou maior sobrevivência em qualquer estágio do ciclode vida.

Uma generalização que surge disso e de experimentos seme-lhantes é que as populações esparsas podem desenvolver umacapacidade de competir contra outras espécies mais rapidamen-te do que as populações densas. Por quê? Uma possibilidade éque as adaptações necessárias para competir bem contra indi-víduos da mesma espécie conflitam com aquelas necessáriaspara competir bem com outra espécie. As populações esparsastêm menos necessidade de adaptações para competição intraes-

A Evolução das Interaçõesdas Espécies 317

pecífica, e, assim, quanto mais raras as experiências de doiscompetidores, mais forte a seleção para uma capacidade com-petitiva interespecífica aumentada. Retomaremos ao trabalhode David Pimentel para evidências de que um competidor raropode desenvolver uma capacidade competitiva (julgada peladensidade populacional relativa) sobre um adversário anterior-mente superior.

ECÓLOGOSEM CAMPO

Devolta da beira da extinção. David Pimentele seus colegas conduziram experimentos delaboratório com moscas para determinar se

a espécie apresenta mudanças evolutivas dependentes da frequên-cia em sua capacidade competitiva. Em outras palavras, podeuma espécie, à medida que é excluída por uma outra e se tornarara, desenvolver uma capacidade competitiva interespecíficamaior rápido o bastante para tomar a dianteira? Para seus expe-rimentos, os investigadores escolheram a mosca-doméstica (Mus-ca domestica) e a mosca-varejeira (Phaenicia sericata) (Fig.17.13), que têm requisitos ecológicos semelhantes e comparáveisciclos de vida (cerca de 2 semanas). Ambos as espécies se ali-mentam de fezes e carcaças na natureza e são encontradas fre-quentemente juntas dos mesmos recursos alimentares. As moscasforam criadas em pequenas gaiolas populacionais, com uma mis-tura de ágar e fígado provido como alimento para as larvas eaçúcar para os adultos.

Os resultados dos quatro experimentos de competição iniciaisusando indivíduos de populações de moscas-domésticas selvagense moscas-varejeiras terminaram divididos, com cada uma dasespécies vencendo duas vezes. O tempo de extinção médio paraa mosca-varejeira, quando a mosca-doméstica venceu, foi de 92dias; e foi de 86 dias para a mosca-doméstica quando a mosca-varejeira venceu. Os investigadores concluíram que as duas es-pécies têm capacidade competitiva semelhante, mas que as pe-quenas gaiolas não permitiam que decorresse tempo suficientepara uma mudança evolutiva antes que uma dessas espécies fos-se excluída.

Para prolongar a interação mosca-doméstico-varejeira, Pimen-tel e colaboradores iniciaram uma população mista numa gaiolapopulacional de 16 células, cada uma consistindo em gaiolassimples de quatro fileiras com conexões entre elas (Fig. 17.14).Sob estas circunstâncias, as populações de moscas-domésticas e

FIG. 17.13 Duas espécies de mosca foram usadas nos estudosde competição de Pimentel. A mosca-varejeira (mostrada aqui) e amosca-doméstica são frequentemente encontradas sobre os mesmosrecursos alimentares na natureza. Cortesia de L. Higley, UniversityofNebraska, lincoln.

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31 8 A Evolução das Interaçõesdas Espécies

FIG. 17.14 Pimentel usou uma gaiola populacional de 16 célulaspara estudar a competição entre as espécies de mosca. Note osfrascos com alimento larval em cada gaiola e as passagens conec-tando as células. Os objetos escuros concentrados nas células supe-riores à direita são pupas de mosca. Cortesia de D. Pimentel;deD. Pimentelet aI., Am. Nat. 9997-109(19651

varejeiras coexistiram por quase 70 semanas. As moscas-domés-ticas eram mais numerosas inicialmente, mas as duas espéciesmostraram uma notável reversão de números em cerca de 50 se-manas, e as varejeiras tinham excluído as domésticas no fim doexperimento (Fig. 17.15).

Após 38 semanas, quando a população de varejeiras aindaera baixa, e apenas algumas poucas semanas antes de seu súbi-to aumento, os indivíduos de ambas as espécies foram removidosda gaiola populacional e testados em competição um com o outroe com linhagens selvagens de domésticas e varejeiras. Varejeirasselvagens capturadas mostraram ser competidoras inferiores con-tra ambos as domésticas selvagens e experimentais da gaiola depopulação. Mas as varejeiras que foram removidas da gaiola depopulação em 38 semanas consistentemente excluíram ambas aspopulações selvagens e experimentais da doméstica em experi-mentos de competição. Aparentemente, a população de varejeirasexperimentais desenvolveu uma capacidade competitiva superiorenquanto ela era rara e à beira da exterminação.1

Estudos de laboratório subsequentes de organismos modelos,como as moscas-de-fruta (Drosophila), os besouros-da-farinha(Tribolium) e o agrião orelha-de-rato (Arabidopsis), têm consis-tentemente demonstrado respostas evolutivas, e assim variaçãogenética na capacidade competitiva. Contudo, os atributos espe-cíficos envolvidos na maioria destes casos não são bem compre-endidos. Como o resultado da competição depende de quão efi-cientemente cada espécie explora os recursos compartilhados,muitos atributos têm potencial de influenciar a capacidade com-petitiva.

Estudos de evolução de capacidade competitiva têm aplica-ções práticas para as ciências da agricultura, nas quais a repro-dução de bons competidores é uma meta importante. Cultivarlinhagens de plantações com capacidades competitivas superio-res pode reduzir as perdas das plantações para ervas competido-ras enquanto reduz a necessidade de herbicidas e outras inter-venções caras, não amigáveis e ambientalmente ruins. Por exem-plo, a planta do arroz compete com outras espécies de plantasexsudando compostos alelopáticos secundários de suas raízes nosubsolo. As linhagens de arroz variam em sua capacidade deinibir o crescimento de outras plantas dessa forma, e esta varia-ção tem uma base genética. Assim, poderia ser possível selecio-nar uma linhagem de arroz que suprime as ervas através de com-petição direta enquanto ainda retendo um alto nível de produçãode sementes.

Deslocamento de caractereComo vimos, a teoria sugere que se os recursos são suficiente-mente variados, os competidores poderiam divergir para se es-pecializar em fontes diferentes. A especialização poderia reduziro grau no qual cada espécie usa o mesmo recurso que seu com-petidor. Assim, a especialização reduz a competição e promovea coexistência. Se a competição exerce uma pressão de seleçãona natureza, então devemos encontrar evidências de que os com-petidores forçam as adaptações um do outro em direção à diver-gência.

Embora as espécies aparentadas que vivem juntas tendam adiferir na forma como usam o ambiente (usando diferentes re-cursos alimentares, por exemplo), não podemos assumir queessas diferenças evoluíram em consequência de sua história an-terior de interação. Uma explicação alternativa é que cada uma

As moscas-varejeiras removidasem 38 semanas eram competidoressuperiores quando testadas contraas moscas-domésticas selvagens.

As proporções de moscas-domésticase varejeiras maduram dramaticamenteem cerca de 50 semanas, após asvarejeiras se tornarem raras.

FIG. 17.15 Um competidor raropode desenvolver uma capacidadecompetitiva superior. Quando Pimen-tel criou populações de moscas-do-mésticas e varejeiras numa gaiolapopulacional de 16 células, as mos-cas-varejeiras estiveram à beira doextermínio em 38 semanas, mas so-brepujaram as moscas-domésticas nofim do experimento. SegundoD. Pimen-tel et 01., Am. Not. 99:97-109(19651.

Mosca-doméstica

\

100··

10 20 30 40 50Tempo (semanas)

60

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--Os atributos de caractere de duas espécies proximamenteaparentadas diferem mais quando elas são simpátricas doque quando elas são alopátricas.

____Á Espécie 2

Região dealopatria

FIG. 17.16 O deslocamento de caractere é a divergência evolu-tiva de populações competidoras.

Espécie 1

Região dealopatria

Região desimpatria

FIG. 17.17 Os tamanhosdos bicos dos tentilhões-do-solo de Galápagos ilustramo deslocamento de caractere.A variação da profundidadedo bico de cada espécie detentilhôo-desolo (Geospiza) va-ria com o número das outrasespécies com as quais ela co-existe numa ilha. Segundo D.Lack, Oarwin's Finches, Cambrid-ge University Press, Cambridge(1947)

A Evolução das Interações das Espécies 319

4020 .

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das espécies se tomou adaptada a recursos diferentes em dife-rentes lugares na ausência de competição entre elas, e quandosuas populações subsequentemente se sobrepuseram em resul-tado de extensões de abrangência, aquelas diferenças ecológicaspermaneceram.

Podemos evitar esta objeção comparando a ecologia de umaespécie onde ela ocorre com um competidor com sua ecologiaonde aquele competidor está ausente. Quando duas espécies co-existem na mesma área geográfica, elas são chamadas de sim-pátricas; onde suas abrangências não se sobrepõem, de alopá-tricas. Suponha que a espécie 1 ocorra nas áreas A e B, e a es-pécie 2 ocorra nas áreas B e C (Fig. 17.16). As populações dasduas espécies na área B são simpátricas; a população da espécie1 na área A é alopátrica em relação à população da espécie 2 naárea C. Se as áreas A, B e C todas têm condições ambientais ehabitats semelhantes também, e se a competição causou a diver-gência, esperaríamos que as populações simpátricas das espécies1 e 2 na área B diferissem mais entre si do que cada uma daspopulações alopátricas nas áreas A e C uma em relação à outra.Este padrão é chamado de deslocamento de caracteres.

Os ecólogos discordam sobre a prevalência do deslocamentode caractere na natureza. Alguns exemplos parecem se ajustarno padrão, contudo. Um desses envolve o tentilhão-do-solo

Arquipélago Galápagos

Gi fortis G. magnirostris

Dhas Pinta e Marchena

Dhas Floreana e San Cristóbal

Onde mais de umaespécie de tentilhãoocorre, as profundidadesdos bicos não sesobrepõem, ...40

20 .

O U=LLLC:Lt!1IiIIllIIi1lillll!

40 .20

0'-------""""'"

DhaDaphne

...mas nas ilhas comsomente uma espécie,seus bicos têm umaprofundidadeintermediária.

Dha de Los Hermanos

8 10 12 14 16 18Profundidade do bico (mm)

2220

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320 A Evolução das Interaçõesdas Espécies

(Geospiza) do arquipélago Galápagos (veja o Capítulo 6). Nasilhas com mais de uma espécie de tentilhão, os bicos das espé-cies normalmente diferem em tamanho, indicando diferentesintervalos de tamanho do alimento preferido. Por exemplo, naIlha Marchena e na Ilha Pinta, os intervalos de variação do ta-manho do bico das três espécies residentes de tentilhão-do-solonão se sobrepõem (Fig. 17.17). Em Floreana e San Cristóbal, asduas espécies residentes, G. fuliginosa e G. fortis, têm bicos detamanhos diferentes. Na Ilha Daphne, contudo, onde G. fortisocorre sozinha, seu bico é de tamanho intermediário entre aque-le das duas espécies em Floreana e San Cristóbal. Na Ilha LosHermanos, G. fuliginosa ocorre sozinha, e seu bico também éde tamanho intermediário.

O tentilhão-do-solo de Galápagos claramente ilustra a influên-cia diversificadora da competição, porque as espécies diferentesestão distribuídas diferentemente nas pequenas ilhas do arqui-pélago: algumas ilhas têm duas ou três espécies e algumas so-mente uma. Em muitos outros casos, contudo, é difícil saber seas diferenças entre as duas espécies surgiram por causa da com-petição entre elas ou se evoluíram em resposta à seleção por umou por outros fatores ambientais em diferentes lugares, e entãoforam mantidas quando as populações restabeleceram contato.Na maioria dos casos, as diferenças genéticas associadas com aformação de novas espécies se desenvolvem em alopatria; assim,por que não as diferenças que possibilitam às duas espécies evi-tar uma forte competição? Em quaisquer dos casos, a coexistên-cia depende em certo grau da diferença ecológica entre as espé-cies competidoras, seja ela atingida em alopatria ou como con-sequência evolutiva de competição em simpatria.

A coevolução envolve respostas evolutivasmútuas por populações interagindoA coevolução implica respostas evolutivas recíprocas entre ospares de populações, como vimos, por exemplo, na interaçãogenótipo-genótipo entre o trigo e seu patógeno, a ferrugem-do-trigo. Tais casos proporcionam os exemplos mais diretos de co-evolução porque os atributos são simples e compreendemos asmudanças genéticas envolvidas. A coevolução pode tambémconectar mudanças em conjuntos inteiros de atributos nas espé-cies interagindo, tais como as adaptações exigi das de flores eseus polinizadores para formar um mutualismo de polinizaçãoestrito. Nesses casos, toma-se difícil discernir a ordem na qualas adaptações ocorreram ou as mudanças específicas em umadas espécies interagindo que selecionou a resposta de mudançana outra. Às vezes, de fato, as adaptações complementares entrepares ou pequenos grupos de espécies têm sido atribuídas à co-evolução sem qualquer evidência na história evolutiva da relação.Como no caso da divergência entre as espécies que competem,uma associação íntima entre espécies diferentes não necessaria-mente significa que elas tenham evoluído em consequência dasinterações recíprocas.

Considere o mutualismo no qual as formigas protegem osafídeos e as cigarrinhas dos predadores e, em troca, coletam asgotas de mel nutritivas que aqueles insetos excretam. Este mu-tualismo formiga-homóptero tem todos os elementos de coevo-lução, mas como podemos nos certificar de que as adaptaçõesde todos os participantes evoluíram uma em resposta à outra? Amaioria dos insetos que sugam fluidos de plantas produzem gran-des volumes de excreções dos quais eles não extraem ou nãopodem extrair todos os nutrientes. Portanto, sua produção de

gota de mel pode simplesmente refletir sua dieta, em vez de terevoluído para encorajar a proteção pelas formigas. Por sua par-te, muitas formigas são generalistas vorazes que provavelmenteatacarão qualquer inseto que encontrem; elas podem não preci-sar de motivação especial para deter os predadores dos afídeose das cigarrinhas. Por que, então, as formigas não comem osafídeos e as cigarrinhas que protegem? Talvez esta restrição se-ja um atributo evoluído das formigas que facilita o mutualismoformiga-homóptero. Por outro lado, poderia ter surgido comouma extensão do comportamento comum da formiga de defenderas estruturas das plantas que produzem néctar, tais como floresou nectários especializados.

Defesas das plantas e resposta dos herbívorosA melhor evidência da coevolução vem da reconstrução das his-tórias evolutivas dos atributos em grupos coevoluindo de orga-nismos. Considere a troca de produtos químicos entre a larva dosbesouros-bruxídeos e as sementes das leguminosas (membrosda família da ervilha) que eles consomem. Os bruxídeos adultosdepositam seus ovos nas sementes em desenvolvimento. A larvaentão cava e se enterra nas sementes, que elas consomem à me-dida que crescem. A maioria das sementes de legumes contémcompostos secundários que inibem as enzimas digestivas dosherbívoros e insetos. Embora estas toxinas proporcionem umadefesa bioquímica efetiva contra a maioria dos insetos, muitosbesouros-bruxídeos têm vias metabólicas que ou contornam astoxinas ou são insensíveis a elas. Entre as espécies de legumi-nosas, contudo, a soja aparece como sendo resistente ao ataquemesmo pela maioria das espécies de bruxídeos. Quando os bru-xídeos depositam seus ovos na soja, as larvas morrem logo apóscavarem para dentro da pele da semente. Os químicos isoladosda soja inibem o desenvolvimento de larvas de bruxídeos emsituações experimentais.

As sementes da grande leguminosa tropical Dioclea mega-carpa contêm um aminoácido não proteico chamado de L-cana-vanina, que é tóxico para a maioria dos insetos. Ele é incorpo-rado na proteína do inseto no lugar do aminoácido arginina, como qual ele se assemelha intimamente. Contudo, uma espécie debruxídeo que se alimenta desta planta, Caryedes brasiliensis,possui enzimas que discriminam entre a L-canavanina e a argi-nina durante a formação da proteína, assim como as enzimas quedegradam a L-canavanina para formas que podem ser usadascomo uma fonte de nitrogênio. Assim, parece que para cada de-fesa, um novo contra-ataque pode ser criado. Como Diocleamegacarpa evoluiu num grupo de leguminosas que carecem deL-canavanina, e como Caryedes brasiliensis evoluiu num grupode besouros que não pode discriminar entre aminoácidos tóxicose normais, suas adaptações parecem representar uma evoluçãorecíproca.

ECÓLOGOS Um contra-ataque para cada defesa. Para

IEM CAMPO I avaliar se as relações entre os insetos e suasI h dei - I dpontas ospe eiras sao exemp os e coevo-

lução, o biólogo May Berenbaum, da Universidade de lllinois,estudou um sistema planta-herbívoro no Estado de Nova Yorkcom algumas semelhanças com a interação do besouro-bruxí-deo-Iegume. As umbelíferas (membros da família da salsa; Fig.17.180) produzem muitos químicos defensivos, entre os mais pro-eminentes dos quais estão as furanocumarinas. A via biossintéticadesses compostos leva do ácido paracumárico (que, sendo umprecursor da lignina, é encontrado em virtualmente todas as plan-tas) para as hidroxicumarinas e finalmente para as furanocuma-

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(a) (b)

A Evolução das Interaçõesdas Espécies 321

~

~~O)~O

~

Lignina

ÁCIdo paracumárico

0\\ /0 Hidroxicumarina -<HO- '\ -C=C-C~ (umbeliferônio)

- "'--OH co~ FuranocumarinaI angular (AFC)

HO/~ O ~O ~

O~O/~O

Furanocumarinalinear (LFC)

FIG. 17.18 Os compostos secundários das plantas e a resistência dos herbívoros podem ter coevoluído. As gerações taxonômicasentre certas umbelíferas, que produzem químicos defensivos chamados furanocumarinas, e entre insetos que podem se alimentar dessasplantas sugerem que estas plantas e os herbívoros coevoluíram. (a) A cenoura-silvestre (Daucus carota) é uma umbelífera familiar. (b) À me-dida que se procede para baixo na via biossintética até as furanocumarinas, a toxicidade dos químicos aumenta, e o número de espéciesde plantas que as sintetizam diminui. Fotografia(a)de Alfred Brausseau,cortesiade SaintMary's CoIlegeaf Cclíiorruc.

ri nas, que ocorrem em duas formas químicas, as furanoçumarinaslineares (LFCs) e as angulares (AFCs) (Fig. 17.18b). A medidaque se procede para baixo nesta via biossintética, a toxicidadeaumenta. As hidroxicumarinas têm algumas propriedades que sãotóxicas para os herbívoros; os LFCs interferem com a replicaçãode DNA na presença de luz ultravioleta; e os AFCs interferem como crescimento do herbívoro e a reprodução de forma bastantegenérica.

O mais tóxico destes químicos ocorre entre as menores famíliasde plantas. O ácido paracumárico está presente entre as plantas,ocorrendo em pelo menos cerca de 100 famílias, enquanto so-mente 31 famílias possuem as hidroxicumarinas. Os LFCs sãorestritos a oito famílias de plantas e estão amplamente distribuídosem somente duas: as umbelíferas e as rutáceas (a família cítrica).Os AFCs são conhecidos somente em dois gêneros de legumes edez de umbelíferas.

Entre as espécies umbelíferas herbáceas no Estado de NovaYork, algumas (especialmente aquelas que crescem em bosquescom baixos níveis de luz ultravioleta) não possuem furanocumari-nas, outras contêm somente LFCs e algumas contêm tanto LFCsquanto AFCs. Os levantamentos de Berenbaum dos insetos herbí-voros coletados destas espécies vegetais revelaram diversos pa-drões interessantes: (1) as plantas hospedeiras contendo tantoAFCs quanto LFCs foram, um tanto quanto surpreendentemente,atacadas por mais espécies de insetos herbívoros do que as plan-tas com somente LFCs ou sem furanocumarinas; (2) os insetosherbívoros encontrados em plantas AFC tendem a ser especialis-tas extremos em dietas, a maioria sendo encontrada em não maisdo que três gêneros de plantas; e (3) estes especialistas tenderama ser abundantes comparados com os poucos generalistas encon-trados nas plantas AFC e comparados com todos os herbívorosencontrados em plantas LFC ou em umbelíferas que não têm fura-nocumarinas.

Embora os LFCse (especialmente) os AFCs efetivamente tenhamdetido a maioria dos insetos herbívoros, alguns gêneros de inse-tos que evoluíram para tolerar químicos têm obviamente se torna-do especialistas de sucesso. Pode-se fazer um caso sólido para acoevolução aqui. A distribuição taxonômica de hidroxicumarinas,LFCse AFCs ao longo da família umbelífera sugere que as plan-tas que contêm LFCs são um subconjunto daquelas contendo hi-droxicumarinas, e que aquelas contendo AFCs são um subconjun-

to ainda menor daquelas contendo LFCs. Este padrão é consisten-te com uma sequência evolutiva de defesas das umbelíferas cres-centemente tóxicas progredindo das hidroxicumarinas para osLFCs e AFCs. Além do mais, os insetos que se especializam emplantas contendo LFCs pertencem aos grupos que caracteristica-mente se alimentam de plantas contendo hidroxicumarinas, e aque-les que se especializam em plantas contendo AFCs têm parentespróximos que podem se alimentar de plantas contendo LFCs.Estespadrões taxonômicos são consistentes com a evolução dentro dosistema .•

Esta história de evolução de defesas químicas por plantas e aresistência àquelas defesas por certos grupos de insetos é umtanto conjectural, baseado na lógica das relações evolutivas dostáxons envolvidos. Não temos meios de observar diretamentetais interações evolutivas se desdobrando; a evolução ocorre mui-to lentamente nos sistemas naturais. As inferências de Beren-baum sobre a evolução foram construídas sobre a ideia de queos atributos evolutivos mais antigos ou mais recentes (como au-sência e presença de AFCs) podem ser encontrados entre paren-tes próximos se aqueles atributos estiverem conectados pela evo-lução. Esta lógica foi elaborada num ramo da biologia evolutivaconhecido como reconstrução filogenética, que usa as semelhan-ças e as diferenças entre as espécies para determinar suas relaçõesevolutivas.

MAISNA

REDE

InFerindo a História Filogenética. Como podemos recons-truir as relações evolutivas entre as espécies a partir deseus atributos?

Em alguns casos, longas associações entre grupos de orga-nismos interagindo determinam o estágio para a coevolução. Emoutros casos, as relações são recentes e mutáveis. Por exemplo,as larvas das borboletas da farmlia Pieridae se alimentam de di-versas plantas hospedeiras. Quando M. F. Braby e J. W. H. True-man sobrepuseram a distribuição de plantas hospedeiras numdiagrama de relações evolutivas entre as espécies de borboletapierídeas, encontraram muitos casos de linhagens evolutivas que

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322 A Evolução das Interaçõesdas Espécies

MUDANÇA-=<;L08~~A~L===~~~~================::::::::;::::===~-=-==IEspécies de plantas invasoras e o papel dos herbívoros

Adisseminação de espécies invasoras é uma das formas maisimportantes pelas quais nosso mundo está mudando. E

difícil saber exatamente quantos organismos são carregadospelos humanos a distantes partes do mundo, seja intencional-mente ou inadvertidamente, mas a maioria das espécies intro-duzidas falham em se estabelecer em seus novos locais, e entreaqueles que conseguem colocar um pé, poucas se espalhamamplamente. Aquelas poucas, contudo, que se tornam suficien-temente disseminadas e abundantes para ter grandes efeitossobre os ecossistemas locais ainda se contam nas centenas deespécies. O sucesso destas espécies levanta a questão - quecondições favorecem o estabelecimento de espécies invasoras?Se conhecêssemos a resposta, estaríamos numa posição melhorpara controlar as espécies invasoras.

Ao longo dos anos, muitos ecólogos têm investigado asespécies de plantas exóticas e as condições que favorecemseu estabelecimento. Alguns de seus resultados sugerem queas plantas exóticas podem se espalhar por uma nova regiãoporque elas deixaram para trás seus inimigos naturais, in-cluindo os herbívoros, parasitas e patógenos. Outros estudosque testaram essa hipótese "escapada do inimigo" têm re-sultados menos conclusivos. Quando os resultados de hipó-teses em testes estão misturados, os ecólogos acham útildeterminar se uma hipótese se sustenta, em média, ao longode todos os estudos. Uma abordagem para encontrar umconsenso entre os estudos é conduzir uma meta-análise, queconsidera todos os dados relevantes e codifica a intensidademédia dos efeitos - neste caso, os dois antagonistas sobreas espécies invasoras.

John Parker e seus colegas da Georgia Tech University pes-quisaram na literatura estudos que avaliassem como os herbí-voros nativos e introduzidos afetavam as abundâncias das plan-tas nativas e introduzidas. Encontraram 63 estudos, examinan-do mais de 100 espécies de plantas introduzidas, nos quais ospesquisadores manejaram a presença ou ausência de herbívo-ros. A maioria destes herbívoros eram vertebrados generalistastais como o bisão, o cervo e o coelho. Parker e seus colegasquantificaram o efeito dos herbívoros em cada estudo como arazão entre a abundância de plantas com herbívoros presentes(+H) e a abundância de plantas com herbívoros ausentes (- H).Então fizeram a média dos efeitos de cada categoria dos her-bívoros em todas as espécies de plantas em cada categoria.Seus resultados apontam para a importância das relações coe-volutivas na determinação de quão bem uma espécie se sai emsuas interações com os antagonistas.

A meta-análise revelou um resultado inesperado (Fig. 1):quando os herbívoros eram também introduzidos - normal-mente da abrangência nativa das plantas introduzidas - asplantas introduzidas eram mais abundantes do que as nativas.

(a) Herbívorosnativos

(b) Herbívorosintroduzidos

Nativa lntroduzida Nativa lntroduzidaOrigem da planta

FIG. 1 Quando comparamos os resultados de um número gran-de de estudos, os herbívoros nativos tendem a aumentar asabundâncias das espécies de plantas nativas e diminuir as abun-dâncias das espécies de plantas introduzidos (a). Por outro lado,os herbívoros introduzidos têm um efeito positivo sobre as abun-dâncias das espécies de plantas introduzidas e negativo sobreaquelas das espécies nativas. A linha de zero representa nenhumefeito dos herbívoros. O eixo y é o Ioga ritmo natural da razãoda abundância de plantas com herbívoros presentes (+H) paraabundância de plantas com herbívoros ausentes (-H). SegundoJ D. Porker,D. E. Burkepile e M. E. Hay, Science 311.1459-1461(2006)

Contudo, na presença de herbívoros nativos, as espécies intro-duzidas eram menos abundantes do que as nativas.

Um dos estudos incluídos na meta-análise, apresentado aquicomo exemplo deste tipo de pesquisa, envolveu a gramíneapampas, uma planta comum na paisagem da Califórnia, intro-duzida a partir da América do Sul, que se tornou invasora. Pa-ra avaliar o efeito da herbivoria sobre a abundância da gramí-nea pampas, John Lambrinos, da Universidade da Califórnia,colocou gaiolas em torno de algumas áreas para excluir os co-elhos - o herbívoro nativo da Califórnia - e deixou outrasáreas livres para permitir a herbivoria. Onde os coelhos foramexcluídos a sobrevivência da gramínea foi de cerca de 60%.Onde foram deixados livres para forragear, a sobrevivênciacaiu para cerca de 5% (Fig. 2).

O que os resultados da meta-análise nos dizem sobre a hi-pótese da escapada do inimigo? Lembre-se de que foi previstoque as plantas introduzidas se sairiam melhor em suas novaslocalidades porque teriam deixado seus antagonistas históricospara trás. Parker e seus colegas argumentaram que o que real-

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A Evolução das Interações das Espécies 323

FIG. 2 Coelhos nativos da Califórnia (a) podem causar um declínio substancial na sobrevivência de gramíneas pampas invasoras (b).Fotografia (01 de [ohn Cancalosi/Peter Arnold; fotografia [b] de Patricia Head/ Animais Animais Enterprises.

(a)

mente importa é a origem dos herbívoros que uma planta en-contra quando ela chega numa nova área. Embora as plantasintroduzidas possam deixar seus antagonistas para trás em ca-sa, elas podem enfrentar um novo conjunto de herbívoros ge-neralistas contra os quais não desenvolveram defesas. Em con-sequência, essas plantas não se saem bem contra herbívoros na-tivos. Contudo, quando os herbívoros originais de uma plantaintroduzida estão também presentes na nova área, a planta seencontra entre antagonistas contra os quais ela já desenvolveudefesas, e assim se sai melhor. Este resultado sugere que escaparde seus herbívoros nativos provavelmente não é a principal razãopara o sucesso de plantas invasoras em muitos casos.

A mesma lógica se aplica às plantas nativas. As nativas so-frem alta herbivoria por herbívoros introduzidos porque os doisgrupos não têm história evolutiva compartilhada, durante a qualas plantas nativas poderiam ter desenvolvido defesas. As nati-vas se saem muito melhor contra os herbívoros nativos, contraos quais desenvolveram diversas defesas. Esses estudos de-monstram que a capacidade para invadir uma nova região domundo é mais complexa do que poderia parecer à primeiravista.

(b)

A meta-análise de Parker e seus colegas contém duas im-portantes lições para os ecólogos, uma sobre os métodos e ou-tra sobre as relações planta-herbívoro. Primeiro, a distinçãoentre os efeitos de herbívoros nativos e introduzidos poderianão ter sido identificada num único estudo, como aquele dagramínea pampas, a menos que ambos os herbívoros nativos eintroduzidos tivessem sido usados no mesmo estudo - o queraramente é o caso. A meta-análise permitiu que os pesquisa-dores fizessem comparações entre diferentes tipos de herbívo-ros, mediando os efeitos de muitos estudos. Segundo, nos sis-temas planta-herbívoro incluídos na meta-análise, podemosconcluir que as plantas introduzidas têm adaptações específicaspara se defenderem contra os herbívoros com os quais tinhamtido uma longa relação. Embora muitos ecólogos consideremos coelhos e ungulados como forrageadores generalistas ondequer que ocorram, está claro que os herbívoros nativos e intro-duzidos se alimentam de diferentes formas, ou expressam pre-ferências por espécies de plantas que não desenvolveram de-fesas específicas contra eles. Desta forma, os herbívoros podemdesequilibrar a balança das interações competitivas em favordas espécies de plantas de suas próprias áreas nativas.

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324 A Evolução das lnterccóes das Espécies

(a)

tinham trocado das plantas hospedeiras típicas pierídeas na fa-mília Brassicaceae (membros da família do repolho e da mos-tarda) para as plantas de famílias distantemente aparentadas,como o visco, a érica e até pinheiros. Claramente, as adaptaçõesque capacitam as pierídeas para trocar para aquelas plantas hos-pedeiras não poderiam ter coevoluído com as Brassicaceae.

A mariposa-da-iúca e a iúcaA aplicação da reconstrução filogenética ao problema da coevo-lução é provavelmente melhor ilustrada pelo curioso mutualismode polinização entre as iúcas (planta da família do agave) e asmariposas do gênero Tegeticula (Fig. l7 .19). Esta relação foiprimeiramente descrita há mais de um século, mas seus detalhestêm sido trabalhados somente durante os últimos anos, em gran-de parte através dos estudos de Olle Pellmyr, da Universidadede Idaho, e colaboradores.

As mariposas-da-iúca fêmeas adultas carregam bolas de pólenentre as flores da iúca por meio de partes da boca especializadas.Durante o ato da polinização, uma mariposa fêmea numa flor daiúca faz cortes no ovário com seu ovipositor e deposita de um aquinze ovos. Após cada ovo ser depositado, a mariposa rastejaaté o topo do pistilo da flor e deposita um pouco de pólen noestigma. Este comportamento assegura que a flor seja fertilizadae que os filhotes da mariposa terão sementes em desenvolvimen-to para se alimentarem. Após a mariposa ter depositado seusovos, ela pode raspar algum pólen para fora das anteras e adi-cioná-lo à bola que ela carrega em suas partes bucais antes devoar para uma outra flor. As mariposas machos também vêmpara as flores para se acasalar com as fêmeas, mas somente asfêmeas carregam pólen.

(b)

FIG. 17.19 A relação entre a iúca e o mariposo-da-iúca é ummutualismo obrigatório. A iúca-mojave (a, Yucca schidigeral é po-linizada somente pela mariposa-da-iúca do gênero Tegeticula [b]. Alarva da mariposa se desenvolve somente nessas plantas. Fotografia(a) de Alfred Brousseau, cortesia de Saint Mary's College of Coliiomio: foto-grafia (b) de Larry[on Friesen/Saturdaze.

Esta relação entre a mariposa e a iúca é um mutualismo obri-gatório. As larvas de Tegeticula não podem crescer em nenhumoutro lugar; a iúca não tem nenhum outro polinizador. Em trocapela polinização de suas flores, a iúca aparentemente tolera aslarvas da mariposa se alimentando de suas sementes, mas a ex-tensão desta perda de reprodução potencial é pequena, raramen-te excedendo 30% da produção de semente da planta.

A restrição aparente da mariposa em relação ao número deovos depositados por flor é um aspecto intrigante da relação ma-riposa-iúca. A curto prazo, pareceria que as mariposas deposi-tando grande número de ovos por flor poderiam ter um sucessoreprodutivo individual e ajustamento evolutivo maiores, mesmoque tal comportamento a longo prazo pudesse levar à extinçãoda iúca. De fato, é a iúca que regula o número de ovos deposi-tados por flor. Quando muitos ovos são depositados no ováriode uma determinada flor - um número excessivo o bastantepara comer a maior parte das sementes que se desenvolvem - aflor é abortada e a larva da mariposa morre. Embora esta estra-tégia deva também parecer reduzir a produção de semente daiúca, os recursos que teriam sustentado a produção de sementesna flor agora abortados são direcionados para as outras flores.a aborto seletivo do fruto danificado por inseto ocorre ampla-mente entre as plantas, e as iúcas usam este mecanismo paramanter suas mariposas polinizadoras na linha.

A iúca e a mariposa têm muitas adaptações que sustentam suainteração mutualista. Da parte da iúca, seu pólen é pegajoso epode ser facilmente transformado numa bola que a mariposapode carregar, e o estigma é especialmente modificado como umreceptor para receber o pólen. Da parte da mariposa, os indiví-duos que visitam as flores de somente uma espécie de iúca seacasalam dentro das flores, depositam seus ovos no ovário den-

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A Evolução das Interaçõesdas Espécies 325

•..••---Lampmllia

Mariposa -e-eancestral

CHAVEe Especialização do hospedeiroe Acasalando no hospedeiroe Polinizadore Depositando ovos na florO Perda de ovos depositados

na flor

e--Tetragma

•.•••------- Grupo Greyapunctiferelia

•••••--- Grupo Greyasoienobiella

r------------Mesepiola

e-e-Grupo Greyapolitella

Postura de ovos em floresse desenvolveu de formaindependente por três vezes ...

...e foi revertida ao estado ancestralpelo menos duas vezes.

FIG. 17.20 Árvores filogenéticas podem revelar pré-adaptações. A órvore filogenética da família da mariposa Prodoxidae mostraquando os atributos críticos para o mutualismo da mariposa-iúca nas mariposas do gênero Tegelicula evoluíram. SegundoO. Pellmyre ]. N.Thompson,Ptoc. Na!/. Acod. Sei. USA 892927-2929 (19921.

tro da flor, apresentam restrição no número de ovos depositadospor flor e têm partes da boca especialmente modificadas e com-portamentos para obter e carregar o pólen. Como o mutualismode Tegeticula e Yucca é tão estreito, poder-se-ia esperar que todosesses atributos fossem o resultado de uma coevolução entre asduas.

De fato, contudo, muitos desses atributos estão presentes nalinhagem maior de mariposas não mutualistas (a família Prodo-xidae) na qual Tegeticula evoluiu. O diagrama das relações evo-lutivas entre as espécies, mostrado como uma árvore filogenéti-ca, pode revelar estes padrões. O exame de uma árvore filoge-nética de Prodoxidae (Fig. 17.20) mostra que diversos dos atri-butos altamente especializados de Tegeticula são encontradosem outros membros da família. De fato, a especialização de hos-pedeiro e acasalamento na planta hospedeira são velhas caracte-rísticas evolutivas da família - características encontradas emtodos os outros membros. O atributo de depositar ovos em floresevoluiu independentemente pelo menos três vezes na farrulia efoi revertido (ao estado ancestral) pelo menos duas vezes, emParategeticula e Agavenema. Das espécies que depositam ovosem flores, somente Tegeticula e uma espécie de Greya de fatofuncionam como polinizadores; as outras são parasitas estritosde plantas nas quais suas larvas crescem. Assim, o mutualismoTegeticula-Yucca provavelmente evoluiu de uma relação para-sita-hospedeiro. Deveria também ser mencionado que Greyapolitella poliniza Lithophragma parviflorum, uma planta na fa-

--c= Tegeticula

e 0-- Parategeticula

~

AgaVellema

Prodoxus0-

rrulia Saxifragaceae, que não é parente próximo das iúcas. Vimosnesta árvore filogenética que muitas das adaptações que ocorremno mutualismo mariposa-iúca parecem ter estado presentes nalinhagem da mariposa antes do estabelecimento do próprio mutua-lismo, assim como o aborto de flores ocorre amplamente entre asplantas e não é único a este mutualismo. Tais atributos que se tor-naram úteis para um propósito diferente daquele para o qual evo-luíram são normalmente denominados de pré-adaptações.

Onde isto nos leva em relação à coevolução? O consenso en-tre os ecólogos é que as interações das espécies afetam forte-mente a evolução e moldam as adaptações das populações dosconsumidores assim como dos recursos. A coevolução difusa écomum no sentido de que as populações simultaneamente res-pondem a um conjunto de interações complexas com muitasoutras espécies. A coevolução no sentido estrito, na qual as mu-danças em uma linhagem evoluindo estimulam respostas evolu-tivas na outra, e vice-versa, podem ser vistas mais prontamenteem simbioses, incluindo ambas as relações antagonistas e mu-tualistas, nas quais fortes interações estão limitadas a um par deespécies. Mesmo nestes casos como o da iúca e sua mariposapolinizadora, alguns atributos que parecem ter sido coevoluídospodem ter sido pré-adaptações que eram críticas para o estabe-lecimento do mutualismo obrigatório logo de início. Contudo,nenhuma sutileza da definição pode nos fazer esquecer a reali-dade de que as interações entre as espécies são grandes fontesde seleção e resposta evolutiva.

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-I

326 A Evolução das Interaçõesdas Espécies

,.ESUMO1. As interações entre as espécies selecionam os atributos que

proporcionam uma vantagem naquelas interações. Esta seleçãopelos agentes biológicos estimula respostas evolutivas recíprocasnos atributos das populações que interagem e promovem a di-versidade das adaptações.2. A coevolução é a evolução recíproca de estruturas ou fun-

ções relacionadas nas espécies que interagem ecologicamente.As interações podem ser antagonistas (consumidor-recurso,competição) ou cooperativas (mutualismo).3. Vemos evidência de respostas evolutivas surgindo de inte-

rações entre espécies por toda a natureza, mas em nenhum lugarmais notavelmente do que nas adaptações contra os predadoresenvolvendo a coloração. Algumas espécies são crípticas e seconfundem com a superfície do ambiente para evitar a detecção.Por outro lado, as espécies de presas naturalmente impalatáveisou nocivas propagandeiam estas propriedades com uma colora-ção de advertência.4. As espécies palatáveis frequentemente evoluem para se as-

semelhar às espécies nocivas de modo a enganar os predadores,um fenômeno conhecido como mimetismo batesiano. Algumasvezes, muitas espécies nocivas evoluem de forma a se asseme-lharem uma com a outra, dessa forma reforçando o aprendizadoe a evitação por predadores. Esta estratégia é chamada de mime-tismo mülleriano.5. Estudos iniciais da coevolução enfatizam, de um lado, as

interações teóricas entre hospedeiros e patógenos controladassimplesmente por virulência e genes de resistência, e por outrolado, observações sobre a especialização de espécies de insetosherbívoros numa abrangência estrita de plantas hospedeiras nanatureza.6. Uma evidência experimental das mudanças evolutivas que

afetam o resultado das interações consumidor-recurso foi obtidaem estudos de laboratório de interações parasitoide-hospedeiro.Após alguns períodos de coevolução, as populações de paras i-toides diminuíram e as populações de hospedeiro aumentaram,aparentemente após a seleção ter aprimorado uma resistência dohospedeiro aos parasitoides.7. Estudos sobre patógenos de plantações revelaram uma base

genética simples para virulência e resistência. As respostas evo-

QUESTÕES DE REVISÃO1. O que faz da coevolução um tipo único de evolução?2. Por que muitas espécies de presas palatáveis poderiam de-senvolver padrões crípticos como parte de sua defesa contra ospredadores, enquanto muitas espécies de presas impalatáveisdesenvolvem a notabilidade?3. Compare e confronte o mimetismo batesiano e mülleriano.4. Por que é a coevolução considerada uma interação genóti-po-genótipo?5. Em modelos simples de coevolução entre espécies de consu-midores e de recursos, como é possível atingir um estágio esta-

lutivas dos herbívoros à variação em suas plantas hospedeirastêm sido demonstradas por adaptações locais de insetos herbí-voros a determinadas plantas hospedeiras.8. Como a seleção sobre uma população de recurso por adap-

tações que evitem o consumo aumenta proporcionalmente à ta-xa na qual aquela população é explorada pelos consumidores, ecomo a seleção pela eficiência do consumidor diminui à medidaque a taxa de exploração aumenta, as populações de recurso ede consumidores podem atingir um estado estacionário evoluti-vo no qual aquelas duas pressões de seleção são equilibradas.9. A força mais importante que motiva os aprimoramentos na

capacidade competitiva é a seleção por aumento de eficiênciado uso de recursos. Os experimentos sobre competição entreespécies de moscas revelaram retrocessos da capacidade com-petitiva após uma das espécies se tornar rara. Testando popula-ções selecionadas contra controles não selecionados, os pesqui-sadores têm demonstrado mudanças genéticas nas populaçõescompetidoras.10. A especialização sobre recursos diferentes deve reduzir acompetição e promover a coexistência. Essa divergência evolu-tiva entre os competidores é denominada de deslocamento decaractere. Pode-se testar se a especialização resulta de divergên-cia evolutiva comparando-se os atributos de uma população napresença e na ausência de um competidor.11. A análise de vias biossintéticas de compostos secundáriosde plantas tem mostrado que as plantas podem desenvolver de-fesas químicas progressivamente tóxicas em resposta à herbivo-ria dos insetos. Quando as variações nestas vias e na resistênciado inseto aos químicos são sobrepostas nas relações taxonômicasdentro de cada grupo, os ecólogos podem inferir a história evo-lutiva da interação planta-inseto.12. A interação entre a mariposa da iúca e as iúcas é um mutua-lismo obrigatório no qual a mariposa poliniza a planta e suaslarvas se alimentam das sementes em desenvolvimento pela plan-ta. A mariposa e a iúca têm adaptações que promovem esta re-lação, mas a análise filo genética mostra que algumas das adap-tações da mariposa estão também presentes em parentes próxi-mos que não são mutualistas das iúcas. Tais atributos são cha-mados de pré-adaptações.

cionário evolutivo enquanto ambas as espécies continuam a evo-luir?6. Se você observar que duas espécies aparentadas diferem noalimento que elas consomem, por que você não pode concluirnecessariamente que esta diferença é o produto de uma históriade competição entre as duas espécies?7. Que condições favorecem a evolução de um mutualismo obri-gatório?8. Como poderia uma pré-adaptação tornar difícil demonstrar acoevolução entre duas espécies?

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