a economia da natureza - ricklefs - 6ªed - cap. 17

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A Evolução das Interações das Espécies L OgO após alguns casais de coelhos europeus terem sido liberados numa fazenda em Vic- toria em 1859, os coelhos se tornaram uma grande praga na Austrália. As populações de coelho aumentaram tão rapidamente que, em poucos anos, os fazendeiros locais estavam levantando cercas e organizando brigadas de coelhos - grupos de caça - em tentativas vãs para controlar suas populações. Por fim, centenas de milhões de coelhos habitavam a maior parte do continente, destruindo pastos de carneiros e ameaçando a produção de lã. O gover- no australiano tentou venenos, predadores e outras medidas de controle, todas sem sucesso. Após muitas investigações, a resposta ao problema do coelho pareceu ser o vírus do mi- xoma (um parente da varíola), descoberto nas populações de um coelho aparentado na América do Sul. O vírus do mixoma produziu um Iibrorno pequeno e localizado (um câncer fibroso da pele) sem efeitos severos nos coelhos da América do Sul, mas os coelhos europeus infectados pelo vírus sem resistência a ele morreram rapidamente. Em 1950, o vírus do mixoma foi introduzido em Victoria. Uma epidemia de mixomatose eclodiu entre os coelhos introduzidos e se espalhou rapidamente. O vírus foi transmitido prin- cipalmente por mosquitos, que picavam áreas infectadas da pele e transportavam o vírus em suas partes bucais. A primeira epidemia de mixomatose matou 99,8% dos coelhos infectados, reduzindo suas populações a níveis muito baixos. Mas, durante o surto seguinte da doença, somente 90% dos coelhos restantes morreram. Durante o terceiro surto da doença, somente 40%-60% dos coelhos infectados sucumbiram, e suas populações começaram a crescer no- vamente. O declínio na letalidade no vírus do mixoma resultou de respostas evolutivas, tanto nas populações de coelhos quanto nas de vírus. Antes da introdução do vírus, poucos coelhos tinham genes que conferiam resistência à doença. Embora nada tivesse previamente promo- vido o aumento da frequência daqueles genes, eles foram fortemente selecionados pela epi- demia de mixomatose, até que a maioria da população de coelhos sobreviventes consistisse em animais resistentes (Fig. 17.1). Em algum momento, linhagens de vírus menos virulentas se tornaram mais prevalecentes porque elas não matavam seus hospedeiros tão rapidamente e foram portanto mais rapidamente dispersadas para novos hospedeiros (os mosquitos picam somente coelhos vivos). 307

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CAP - 17

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  • A Evoluo das Interaes das Espcies

    LOgOaps alguns casais de coelhos europeus terem sido liberados numa fazenda em Vic-toria em 1859, os coelhos se tornaram uma grande praga na Austrlia. As populaes decoelho aumentaram to rapidamente que, em poucos anos, os fazendeiros locais estavamlevantando cercas e organizando brigadas de coelhos - grupos de caa - em tentativas vspara controlar suas populaes. Por fim, centenas de milhes de coelhos habitavam a maiorparte do continente, destruindo pastos de carneiros e ameaando a produo de l. O gover-no australiano tentou venenos, predadores e outras medidas de controle, todas sem sucesso.

    Aps muitas investigaes, a resposta ao problema do coelho pareceu ser o vrus do mi-xoma (um parente da varola), descoberto nas populaes de um coelho aparentado naAmrica do Sul. O vrus do mixoma produziu um Iibrorno pequeno e localizado (um cncerfibroso da pele) sem efeitos severos nos coelhos da Amrica do Sul, mas os coelhos europeusinfectados pelo vrus sem resistncia a ele morreram rapidamente.

    Em 1950, o vrus do mixoma foi introduzido em Victoria. Uma epidemia de mixomatoseeclodiu entre os coelhos introduzidos e se espalhou rapidamente. O vrus foi transmitido prin-cipalmente por mosquitos, que picavam reas infectadas da pele e transportavam o vrus emsuas partes bucais. A primeira epidemia de mixomatose matou 99,8% dos coelhos infectados,reduzindo suas populaes a nveis muito baixos. Mas, durante o surto seguinte da doena,somente 90% dos coelhos restantes morreram. Durante o terceiro surto da doena, somente40%-60% dos coelhos infectados sucumbiram, e suas populaes comearam a crescer no-vamente.

    O declnio na letalidade no vrus do mixoma resultou de respostas evolutivas, tanto naspopulaes de coelhos quanto nas de vrus. Antes da introduo do vrus, poucos coelhostinham genes que conferiam resistncia doena. Embora nada tivesse previamente promo-vido o aumento da frequncia daqueles genes, eles foram fortemente selecionados pela epi-demia de mixomatose, at que a maioria da populao de coelhos sobreviventes consistisseem animais resistentes (Fig. 17.1). Em algum momento, linhagens de vrus menos virulentasse tornaram mais prevalecentes porque elas no matavam seus hospedeiros to rapidamentee foram portanto mais rapidamente dispersadas para novos hospedeiros (os mosquitos picamsomente coelhos vivos).

    307

  • FIG. 17.1 Populaes interagindo evoluemuma em resposta outra. A suscetibilidcdedos coelhos europeus na Austrlia ao vrusdomixoma introduzido declinou aps a primeiraepidemia. Segundo F.Fennere F.N. Ratcliffe,Myxomotosis, Com bridge UniversityPress,London11981)

    308 A Evoluo das Interaesdas Espcies

    A primeira epidemiamatou quase 100% doscoelhos infectados, ...

    I

    ...mas as epidemias posterioresmostram uma proporo muitomenor da populao

    ~.c~ .

  • resposta s mudanas no ambiente fsico no tm efeitos rec-procos no ambiente.

    Segundo, os agentes biolgicos promovem a diversidade dasadaptaes e no a similaridade. Em resposta aos fatores biol-gicos, os organismos tendem a se especializar, perseguindo tiposnicos de presas, lutando para evitar combinaes nicas de pre-dadores e patgenos e engajando-se em arranjos benficos m-tuos com outras espcies. Em resposta a estresses fsicos seme-lhantes no ambiente, contudo, muitos tipos de organismos de-senvolvem adaptaes semelhantes. Vimos este fenmeno, cha-mado de convergncia, nas folhas reduzidas ou finamente divi-didas que minimizam o estresse de calor e perda de gua emmuitas plantas do deserto (veja o Captulo 5).

    Quando as populaes de duas ou mais espcies interagem,cada uma pode desenvolver uma resposta quelas caractersticasda outra que afetam o ajustamento individual. Este processo denominado de coevoluo quando as respostas desenvolvidasso recprocas - isto , quando as adaptaes numa populaopromovem a evoluo de adaptaes na outra. Este seria o casoquando um herbvoro desenvolve uma forma de desintoxicar umqumico nocivo que foi desenvolvido numa planta para proteg-Ia contra aquele mesmo herbvoro. Estas adaptaes representamuma sequncia de respostas evolutivas resultantes diretamenteda interao entre as duas populaes.

    Num sentido mais amplo, o termo coevoluo se aplica srespostas evolutivas de cada espcie a todas as outras com asquais interage (s vezes denominada de coevoluo difusa). Con-tudo, muitos bilogos restringem a aplicao do termo mais

    (a)

    (b)

    A Evoluo das Interaes das Espcies 309

    evoluo recproca de estruturas e funes relacionadas em du-as populaes interagindo. Identificar os casos sem ambiguida-de de uma evoluo assim restrita pode ser difcil. Por exemplo,as hienas tm mandbulas e msculos associados que so forteso bastante para quebrar os ossos de suas presas. Estas modifica-es so claramente adaptaes para comer a presa. Contudo, asmandbulas poderosas da hiena no podem ser consideradas umexemplo de coevoluo porque as caractersticas dos ossos desuas presas no evoluram para resistir a serem comidos pelashienas, ou qualquer outro predador. No momento em que a hie-na atingiu aquela parte de sua refeio, a estrutura dos ossos notem mais consequncia para a sobrevivncia da presa. Em con-trapartida, quando um herbvoro desenvolve a capacidade dedesintoxicar os qumicos produzidos por uma planta especifica-mente para det-lo, os requisitos da definio estrita de coevo-luo so provavelmente atendidos.

    Neste captulo, exploraremos algumas das consequncias dasrespostas evolutivas s interaes entre predadores e suas presas,entre competidores e em associaes mutualistas. Quando a re-lao evolutiva entre duas espcies antagonista, como entrepredador e presa, ou entre parasita e hospedeiro, as espcies po-dem ficar presas numa luta evolutiva para aumentar seu prprioajustamento, cada uma custa da outra. Tal luta pode levar a umasinuca evolutiva, na qual ambos os antagonistas continuamentese desenvolvem em resposta um ao outro, mas o resultado lqui-do de sua interao um estado estacionrio. Alternativamente,quando um dos antagonistas no consegue evoluir rpido o bas-tante, ele pode ser levado extino. Por outro lado, as relaes

    (c)

    FIG. 17.2 Muitos organismos palatveis desenvolvem aparnciascrpticas para evitar a deteco pelos predadores. (a) Um catdeose assemelha s folhas; (b) um bicho-pau se assemelha aos gravetos;e (c) uma mosca-lanterna se confunde com a casca de uma rvore.Fotografias de R. E. Ricklefs.

  • 3 1O A Evoluo das Interaes das Espcies

    evolutivas entre as espcies em associaes benficas mtuaspodem levar a arranjos estveis de adaptaes complementaresque promovem sua interao.

    As adaptaes em resposta predao demonstram a seleopor agentes biolgicosA colorao um exemplo de atributo que pode evoluir numapresa sob seleo dos predadores. As mudanas na coloraofavorecidas pela predao podem ento realimentar as adapta-es dos predadores, capacitando-os ou a encontrar presas cadavez mais bem camufladas, ou evitar presas com coloraes quesinalizam qualidades nocivas. A evoluo da forma e da colora-o em muitos animais para evitar a predao nos mostra umlado da equao da coevoluo e enfatiza a fora da seleo poragentes biolgicos.

    Colorao crptica versus de advertnciaPara evitar a deteco por predadores, algumas presas adotamuma aparncia camuflada e permanecem imveis. Os predadoresseletivamente favorecem as presas mais capazes de evit-los,porque as presas que se escondem menos eficientemente sodescobertas e comidas.

    (a)

    (b)

    2

    Muitos organismos atingem a colorao crptica, ou se mis-turam com o ambiente, ao igualar sua colorao da cor e padrode cascas de rvores, galhos ou folhas (Fig. 17.2). Vrios animaisse assemelham a galhos, folhas, partes de flores ou mesmo fezesde animais. Estes organismos no esto to bem escondidos,apenas so tomados por objetos incomveis e deixados para trs.Naturalmente, se um inseto deve imitar um galho ou folha con-vincentemente, ele tem que se comportar como um. Um insetoque imita uma folha em repouso sobre uma rvore ou um bicho-pau se movendo rapidamente sobre um galho no enganaria mui-tos predadores.

    A colorao crptica uma estratgia de animais palatveise comestveis. Outros animais assumem uma abordagem maisdireta contra o predador: produzem qumicos nocivos ou osacumulam do alimento vegetal, e ento anunciam o fato compadres de cores chamativas. Esta estratgia conhecida comocolorao de advertncia, aviso ou aposematismo (Fig. 17.3).Os predadores aprendem rapidamente a evitar marcas como asfaixas pretas e laranja das borboletas monarcas, que tm umgosto to amargo que uma nica experincia no esquecida.No coincidncia que muitos animais nocivos adotem padressemelhantes. Faixas pretas e vermelhas ou amarelas adornamanimais to diversos como as vespas e as cobras corais. Estascombinaes de cores propagandeiam a nocividade to consis-tentemente que alguns predadores desenvolveram averses ina-tas a elas e no precisam aprender a evitar tais presas por ex-perincia.

    (c)

    FIG. 17.3 Muitos organismos impalatveis desenvolveram colo-rao de advertncia. (a) Os predadores aprendem a evitar itensde alimentao de colorao brilhante tais como esta lagarta [b, c)Alguns insetos impalatveis se agregam para enfatizar a sinalizaode advertncia. Fotografia (a) de J Burgett, fotografias (b) e (c) de Corl CHansen, cortesia do Smithsonian Tropical Reseorch Institute.

  • A Evoluo das Interaesdas Espcies 31 1

    Por que no so todas as espcies de presas potenciais nocivasou impalatveis? Parte da resposta que as defesas qumicas po-dem consumir uma grande parte da energia ou nutriente do indi-vduo, que de outra forma poderiam ser alocadas para o cresci-mento ou reproduo. Alm disso, muitos organismos nocivos se

    baseiam em seus alimentos vegetais para suprir os compostos or-gnicos txicos que eles mesmos no podem fabricar, e nem todasas plantas tm tais compostos. Quando tm, os consumidores de-vem eles prprios evitar os efeitos txicos dos qumicos, de ma-neira a us-los eficientemente contra seus predadores potenciais.

    w ~ ~FIG. 17.4 Mmicos batesianos so organismos presas palatveis que se assemelham aos nocivos. Aqui, um mantdeo palatvel e ino-fensivo [b] e uma mariposa [c] evoluram para se assemelharem a uma vespa (ai. Fotografiasde Larry[on FriesenjSaturdaze.

    /'!

    Melinaea

    H. numata

    H. melpomene

    0,05

    FIG. 17.S Mmicos mllerianos so organismos impalatveis que compartilham um padro de colorao de advertncia comum. Asduas fileiras superiores ilustram cinco morfos de colorao aposemtica em populaes locais de He/iconius numota (segunda linho] e for-mas comimticas das borboletas distantemente aparentadas Me/inaea menophi/us (uma formal, M. /udovica (uma formal e M. marsaeus(trs lorrnos] no norte do Peru. As duas fileiras de baixo retratam a variao geogrfica na mmica mlleriana aparentada H. me/pomenee H. erato por tada a Amrica do Sul tropical. Fotografias 2006 Mathieujoron.

  • 3 12 A Evoluo dos Interaes das Espcies

    MimetismoOs animais e as plantas impalatveis que apresentam coloraode advertncia normalmente servem de modelo para alguns pa-latveis, que desenvolveram semelhanas com eles. Neste caso,os consumidores so os agentes de seleo quando confundembem os mmicos palatveis com os modelos impalatveis. Estasrelaes so em conjunto denominadas de mimetismo batesia-no, em homenagem ao seu descobridor, o naturalista ingls dosculo 19 Henry Bates. Em suas jornadas regio amaznica naAmrica do Sul, Bates descobriu numerosos casos de insetospalatveis que abandonaram os padres crpticos de seus paren-tes prximos e se tornaram semelhantes s espcies brilhante-mente coloridas e impalatveis (Fig. l7.4).

    Estudos experimentais tm demonstrado que o mimetismoconfere de fato uma vantagem aos mmicos. Por exemplo, ossapos que foram alimentados com abelhas vivas, e ferroados nalngua, da em diante evitaram as moscas-varejeiras palatveismmicas das abelhas. Mas quando sapos jovens foram alimen-tados somente com abelhas mortas, das quais os ferres tinhamsido removidos, eles se deliciaram com as mmicas das varejei-ras (assim como as agora abelhas inofensivas). Dessa forma, ossapos aprenderam a associar os padres frequentes e notveisdas abelhas vivas com uma experincia desagradvel.

    Outro tipo de mimetismo, chamado de mimetismo mlle-riano, em homenagem ao seu descobridor, o zologo alemodo sculo 19 Fritz Mller, ocorre quando diversas espciesimpalatveis adotam um nico padro de colorao de adver-tncia. Os predadores aprendem a evitar estes mmicos maiseficientemente porque uma experincia ruim de um predadorcom uma espcie confere proteo a todos os outros membrosdo complexo mimtico. Por exemplo, a maioria das mamanga-vas e vespas que ocorrem em pradarias e montanha comparti-lham um padro de faixas pretas e amarelas. Nos trpicos,dezenas de espcies de borboletas impalatveis, muitas dasquais distantemente aparentadas, compartilham padres de "fai-xas tigradas" pretas e laranja, ou padres de colorao preta,vermelha e amarela (Fig. 17.5).

    Os antagonistas evoluem emresposta um ao outroo termo coevoluo foi cunhado por Charles Mode, num artigopublicado na revista Evolution em 1958. Mode estava preocu-pado com a relao entre as plantaes de agricultura e seuspatgenos fngicos, especialmente a ferrugem, que causa mi-lhes de dlares de perdas na agricultura todo ano. Ele desen-volveu o modelo de evoluo contnua de um patgeno e seuhospedeiro em resposta a mudanas evolutivas um no outro. Omodelo de Mode assumiu que a virulncia do patgeno e a re-sistncia do hospedeiro eram cada uma controlada por um nicogene dominante (Ve R, respectivamente), e que a virulncia e aresistncia eram, por elas prprias, de custo alto para o organis-mo. Assim, o ajustamento do hospedeiro e do patgeno era cadaqual uma contingncia sobre o gentipo um do outro. Nessascircunstncias, as frequncias dos genes de virulncia e resistn-cia deveriam tender a oscilar no tempo num padro semelhanteao ciclo populacional predador-presa (veja a Fig. 15.2).

    O modelo de Mode funcionava da seguinte forma: quando ohospedeiro suscetvel (gentipo rr), a seleo favorece o pa-tgeno virulento (gentipo VV ou Vv). Os patgenos virulentoscausam a seleo para a resistncia de hospedeiro (gentipo RR

    L

    ou Rr), que ento aumenta na populao de hospedeiros. Quan-do o hospedeiro resistente, a seleo favorece patgenos novirulentos (gentipo vv) porque a virulncia tem alto custo. Quan-do o patgeno no virulento, a seleo favorece os hospedeirossuscetveis (gentipo rr) porque a resistncia tem alto custo. Es-tas respostas mtuas causam um padro de reciclagem contnua:r (hospedeiro) ---7 V (patgeno) ---7 R (hospedeiro) ---7 v (patge-no) ---7 r (hospedeiro) e assim por diante.

    Em 1964, Paul Ehrlich e Peter Raven, na poca professoresassistentes na Universidade de Stanford, publicaram um artigo,tambm na Evolution, no qual colocaram a coevoluo num con-texto mais ecolgico e popularizaram bastante o termo. Ehrliche Raven notaram que grupos proximamente aparentados de bor-boletas tendiam a se alimentar de espcies proximamente apa-rentadas de plantas hospedeiras. Por exemplo, as espcies deborboletas no gnero tropical Heliconius se alimentam exclusi-vamente em vinhedos de passiflora do gnero Passiflora (Fig.l7.6). Tais relaes estreitas consumidor-recurso sugerem umalonga histria evolutiva conectando as borboletas e suas plantashospedeiras, indubitavelmente envolvendo a evoluo das bor-boletas para tolerar as defesas especficas de suas hospedeiras,

    (a)

    (b)

    FIG. 17.6 A especificidade taxonmica de algumas relaes pre-dador-presa sugere uma longa histria evolutiva. As larvas deHeliconius das borboletas (a) se alimentam somente de um vinhedode passiflora (Passiflora) (b) Fotografia (o) Michael e Patricia Fogden/Corbis; a foto de insero uma cortesia de Andy McGregor; Ioloqroho (b)de Ray CoIeman/Photo Researchers.

  • e possivelmente a evoluo dos vinhedos de passiflora para mi-nimizar a herbivoria pelas larvas da borboleta.

    Assim, o estudo da coevoluo e as relaes evolutivas entreas espcies que interagem de maneira mais genrica inicialmen-te caminharam em duas direes. De um lado, Mode usou a mo-delagem para responder aos mecanismos genticos e evolutivossubjacentes s relaes entre as populaes de consumidores ede recursos. Por outro, Ehrlich e Raven observaram padres derelaes na natureza e os interpretaram com resultados de inte-raes evolutivas. Mais recentemente, as duas abordagens seencontraram em um ponto comum nas anlises da histria evo-lutiva dos atributos diretamente envolvidos nas relaes entre asespcies, como veremos na anlise da relao coevolutiva entreas plantas e as mariposas da ica apresentadas mais adiante nes-te captulo. Contudo, os estudos experimentais iniciais sobreevoluo em populaes de laboratrio tinham j demonstradoo papel poderoso da seleo em uma espcie sobre as adaptaesevoludas em outra.

    I ECLOGOSEM CAMPO A evoluo em moscas-domsticas e seusparasitoides. Numa srie de experimentosconduzida durante a dcada de 1960, Da-vid Pimentel e seus colegas da Universidade de Cornell explo-raram a evoluo das relaes hospedeiro-parasitoide. Elesusaram o estgio pupal da mosca-domstica (Musca domestica)como seu hospedeiro e uma vespa, Nasonia vitripennis (Fig.17.7), como seu parasitoide. Numa gaiola de populao (agaiola controle; Fig. 17.8a), permitiu-se s vespas parasitaruma populao de moscas mantida num nmero constante.Indivduos de moscas eram adicionados a partir de um estoqueque no tinha sido exposto previamente s vespas. Quaisquermoscas que escapavam do ataque das vespas parasitoideseram removidas da gaiola populacional, tal que as vespaseram providas somente com hospedeiros evolutivos "nefitos".Numa segunda gaiola populacional (a gaiola experimental;Fig. 17.8b), a populao de moscas era mantida no mesmonmero constante, mas permitia-se que as moscas emergindopermanecessem na gaiola, tal que a populao de moscaspoderia desenvolver resistncia s vespas. As gaiolas popula-

    (a) Gaiola de controle

    A prognie de parasitoidepermanece na gaiola

    Vespa

    .---~Suprimentode novoshospedeiros

    Pupa

    I~

    A Evoluo das Interaesdas Espcies 31 3

    cionais foram mantidas por trs anos, tempo bastante para queuma mudana evolutiva ocorresse.

    Ao longo do curso do experimento, a taxa reprodutiva dasvespas na gaiola experimental que permitiu ~ evoluo caiu de135 para 39 prognies por fmea, e a longevidade caiu de 7para 4 dias. Na gaiola de controle, onde as parasitoides eramprovidas com pupas de moscas nefitas a cada gerao, as ves-pas permaneceram fecundas e de longa vida. A populao mdiade parasitoides na gaiola experimental tambm diminuiu em re-lao populao da gaiola controle, e o tamanho da populaoficou mais constante do que na gaiola de controle sem evoluo.Estesresultados sugerem que as moscas desenvolveram resistncias parasitoides quando submetidas a um intenso parasitismo.

    Os experimentos foram ento montados em novas gaiolas po-pulacionais, nas quais permitia-se que o nmero de moscas va-riasse livremente. A gaiola controle comeou com moscas e vespassem contato prvio umas ~om as outras, e a gaiola experimentalfoi montada com indivduos da populao que evoluram comodescrito anteriormente. Na gaiola controle, as vespas foram pa-rasitoides eficientes, e o sistema passou por oscilaes dramticas.Na gaiola experimental, contudo, a populao de vespas perma-

    FIG. 17.7 O estudo de Pimentel sobre a coevoluo usou o sis-tema parasitoide-hospedeiro. A vespa Nasonia vitripennis, um pa-rasitoide da mosca-domstica, mostrada aqui depositando ovosna pupa de uma mosca. Cortesiade D. Pimentel;de D. Pimentel,Science1591432-1437 (1968)

    (b) Gaiola experimental A prognie de parasitoidee a prognie de hospedeiropermanecem na gaiola

    Pupasparasitadas

    Pupasno parasitadas

    A prognie de hospedeiro permanece na gaiola;a populao de hospedeiro pode responder por evoluo

    FIG. 17.8 O experimento clssico de Pimentel testou uma resposta evolutiva do hospedeiro a um parasitoide. A diferena no tamanhoda populao do parasitoide no fim do experimento entre a gaiola de controle na qual a populao hospedeiro no poderia evoluir (a) ea gaiola experimental na qual ela poderia evoluir (b) indicou a efetividade da resposta evolutiva do hospedeiro.

  • 314 A Evoluo das Interaesdas Espcies

    FIG. 17.9 As mudanas na populao nosistema parasitoide-hospedeiro de Pimenteldemonstraram que as populaes evoluemuma em resposta outra. As moscas-doms-ticas e as vespas parasitoides foram colocadasjuntas em gaiolas populacionais de trinta clu-las. Os nmeros de moscas e vespas por clu-la, assim como o padro do ciclo populacio-nal, diferiram entre a gaiola de controle (a) naqual a populao de mosca no tinha expe-rincia prvia com a vespa, e a gaiola ex-perimental (bl, na qual a populao de moscastinha sido previamente exposta ao parasitismoda vespa. SegundoD. Pimentel,Science 159: 1432-1437 (1968)

    j

    Na gaiola experimental,a populaode vespas permaneceu baixa,enquantoa populao de moscas permaneceualta e relativamente constante.

    Na gaiola de controle,ambas as populaesoscilaram dramaticamente.

    I(b) Experimental(a) Contr

  • (a)

    FIG. 17.11 Variao gentica num hospedeiropode acompanhar a variao gentica no pat-geno. A taxa de sobrevivncia das cochonilhasdiminui marcantemente quando elas so movidasde uma rvore sobre a qual sua populao evo-luiu. SegundoG. F. Edmundse D. N. Alstad, Science199941-945 (1978)

    As populaes de consumidorese de recursos podem atingir umestado evolutivo estacionrio

    A Evoluo das lnteraesdos Espcies 315

    Novas linhagens virulentas da ferrugem-da-trigoaparecem de tempos em tempos e dizimam uma populao.

    (b)

    101956

    Como as populaes de consumidores e de recursos evoluemcontinuamente em resposta seleo por seus antagonistas, nspoderamos pensar sobre o resultado final destas interaes: aevoluo para algum dia? No caso da interao trigo-ferrugem,que produz coevoluo estrita entre virulncia e resistncia, osistema parece destinado a ciclar interminavelmente atravs dediferentes gentipos de cada espcie. Por outro lado, quandouma espcie interage com muitas outras simultaneamente, ne-nhum fator de virulncia ou resistncia nico deve provavelmen-te possuir uma vantagem sobre todos os outros. Neste caso, acapacidade de patgenos virulentos trocarem para uma espciede hospedeiro mais abundante, proporcionando populao re-duzida de hospedeiros uma chance de se recuperar, poderia levar persistncia de um estado de equilbrio de diversidade genti-ca. A coevoluo estrita pode produzir retardos de tempo, porquecada populao responde a somente uma outra populao, e asmudanas cclicas nas frequncias de genes podem resultar da,

    1962Ano

    FIG. 17.10 A coevoluo envolve uma interao entre o ajustamento geneticamente influenciado de um hospedeiro e o de seu pa-rasita ou patgeno. (01 A ferrugem-do-trigo (Puccinia graminisl crescendo sobre o trigo [b] As propores relativas dos diferentes virulnciasde linhagens nesta ferrugem (indicado por nmeros diferentes no grficol infectando o trigo canadense tm mudado ao longo do tempo.SegundoG. J Green, Cano I Bot. 53.1377-138611975); fotografiacortesiade Gary Munkvold.

    Cochonilhas transferidas para diferentes galhosda mesma rvore sobreviveram bem porque elasesto adaptadas ao gentipo daquela rvore, ...

    1958 1966 19681960 1964

    ...mas aquelas transferidas paraoutras rvores apresentaram umabaixa sobrevivncia.

    Transferidopara rvorediferente

    0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0Percentual de cochonilhas sobrevivendo at 9 meses

    da mesma forma que os ciclos predador-presa so mais preva-lecentes em sistemas ecolgicos mais simples. Quando mltiplaspopulaes de consumidores e de recursos afetam umas s outrassimultaneamente, os retardos de tempo so menos importantesdo que aqueles tpicos de interaes um para um.

    A despeito de as relaes coevolutivas serem estritas ou di-fusas, no provvel que as populaes de consumidores ou asde recursos venham a tomar a dianteira na longa corrida. A maio-ria dos sistemas ecolgicos evolui em direo ao estado estacio-nrio no qual a evoluo continua, mas as taxas de exploraodos recursos pelos consumidores permanecem mais ou menosconstantes. medida que a taxa na qual as populaes de recur-so so exploradas aumenta, assim tambm aumenta a fora po-tencial da seleo sobre aquelas populaes por novas adaptaespara escapar ou evitar os consumidores, pelo menos at os limi-tes estabelecidos pela estabilidade de variao gentica. A taxana qual tais novas adaptaes evoluem numa populao de re-curso poderia variar em proporo direta taxa na qual explo-rada (Fig. 17.12). Assim, qualquer vantagem que um consumidordesenvolva sobre a sua populao de recurso deveria ser somen-te temporria.

  • 316 A Evoluo dos Interaesdos Espcies

    $

    A seleo sobre as populaes de recursopara reduzir a explorao pelos consumidoresaumenta medida que a explorao aumenta.

    + ,..

    FIG. 17.12 A taxa de explorao influenciaa taxa de evoluo nas populaes de con-sumidores e de recursos. A coevoluo consu-midor-recurso atinge um estado estacionrioquando a taxa de mudana na taxa de explo-rao se iguala a zero; isto , quando as con-sequncias populacionais das adaptaes deconsumidores e de recursos se equilibram.

    A presso de seleo sobre aspopulaes de consumidorespara aumentar o consumo de

    "'.----, uma populao de recursodiminui nos nveismais altosde explorao.

    A presso de seleonegativa pode favorecera troca para populaesde recurso alternativas.

    o Baixa AltaTaxa de explorao

    - Consumidor - Diferena- Recurso

    A fora da seleo por novas adaptaes nos consumidorespara explorar seus recursos deveria variar de um modo oposto.Quando uma determinada populao de recurso no fortemen-te explorada, as adaptaes dos consumidores que os capacitama usar aquele recurso so seletivamente favorecidas, e sua ex-plorao daquele recurso aumenta. medida que a exploraoaumenta, contudo, aquela populao de recurso reduzida, eaumentos adicionais na eficincia dos consumidores tm poucovalor seletivo. Taxas muito altas de consumo poderiam conce-bivelmente favorecer os consumidores que mudassem suas die-tas em direo a outras populaes de recurso mais abundantes.Assim, a evoluo poderia favorecer menos eficincia no uso deuma determinada populao de recurso por uma populao con-sumidora em consequncia das adaptaes para explorar umaoutra populao de recurso mais abundante.

    No modelo simples mostrado na Fig. 17.12, as taxas de adap-tao de consumidores e de recursos podem atingir um estadoestacionrio evolutivo no qual a seleo sobre a populao derecurso por adaptaes para reduzir o consumo equilibra a sele-o sobre a populao consumidora por adaptaes para aumen-t-lo. Quando as adaptaes do consumidor so relativamenteeficientes e a populao de recurso explorada em altas taxas,a seleo sobre ela tende a aprimorar seus mecanismos de evi-tao mais rpido do que a seleo sobre a populao do consu-midor aumenta sua capacidade de explorar a populao de re-curso. Inversamente, quando a taxa de explorao baixa, apopulao de recurso evolui mais lentamente do que a populaoconsumidora. O equilbrio entre estas influncias poderia resul-tar numa taxa relativamente constante de explorao, a despeitodas adaptaes especficas de consumidores e recursos. Comoem qualquer estado estacionrio, ambos os antagonistas conti-nuamente evoluem para manter o equilbrio, assim como as na-es continuamente evoluem novas armas de defesas para man-

    A mudana na taxa de explorao a diferenaentre o resultado das adaptaes de consumidorese de recursos.

    ter um equilbrio na corrida de armas. Este modelo um exem-plo da Hiptese da Rainha Vermelha, que discutimos no contex-to da manuteno evolutiva da reproduo sexuada em popula-es (veja o Captulo 8).

    Os experimentos de Pimentel sobre as interaes parasitoi-de-hospedeiro, discutidos anteriormente, ilustram a dinmicadeste estado estacionrio consumidor-recurso. A mosca-doms-tica (hospedeira) e a vespa Nasonia (parasitoide) indubitavel-mente atingiram um estado estacionrio evolutivo em seu am-biente natural. Quando trazidas para o laboratrio, as vespasforam capazes de explorar as populaes de moscas numa taxamuito alta porque gastavam pouco tempo para procurar as hos-pedeiras no ambiente simplificado das gaiolas populacionais.Montar estas condies experimentais foi equivalente a mudara taxa de explorao das moscas-domsticas pelas vespas muitoacima do estado estacionrio na Fig. 17.12. Esta mudana au-mentou a seleo sobre as moscas para escapar do parasitismomuito mais do que aumentaria a seleo sobre as vespas para umaumento adicional em sua explorao das hospedeiras. Conse-quentemente, a capacidade das moscas-domsticas em escapardas parasitoides aumentou, e o nvel de explorao pelas vespasdiminuiu em direo a um novo estado estacionrio.

    A capacidade competitivaresponde seleoOs competidores, como os predadores e as presas, exercem umapresso de seleo um sobre o outro. Sob um certo cenrio, oscompetidores so selecionados para divergir um do outro emtermos dos recursos que eles consomem. Um indivduo que usarecursos no vistos por uma outra espcie pode desfrutar de umamaior disponibilidade de recursos e assim um ajustamento maior.

  • Este cenrio, ao qual retomaremos na seo seguinte, difere dacoevoluo em relaes antagonistas e mutualistas porque a evo-luo de uma espcie no uma resposta a uma determinadamudana adaptativa em seu competidor. Em vez disso, ela umefeito indireto aplicado atravs dos recursos (ou atravs dos con-sumidores no caso de competio aparente) que dirige a evoluodos competidores.

    Em ltima instncia, contudo, a fora impulsionadora maisimportante de aprimoramentos na capacidade competitiva aseleo por aumento de eficincia do uso de recurso. A evoluoda eficincia do uso de recurso diferente da coevoluo nosentido de que ela aconteceria na ausncia de uma espcie com-petidora apenas devido competio em sua prpria populao.Contudo, espcies em competio influenciam o modo exatopelo qual a eficincia pode ser aprimorada por causa de seusefeitos sobre a disponibilidade dos recursos.

    Demonstrando a variao genticana capacidade competitivas vezes mudanas genticas que influenciam a capacidade com-petitiva se expressam no fentipo to sutilmente que no pode-mos detect-Ias por exame direto dos atributos dos indivduos.Em vez disso, elas devem ser inferi das das mudanas no resul-tado da competio em resposta s mudanas no ambiente com-petitivo. Diversos experimentos usaram esta abordagem parademonstrar a variao gentica da capacidade competitiva, e as-sim o potencial para a capacidade competitiva evoluir.

    Num experimento pioneiro, o geneticista de populao Fran-cisco Ayala estabeleceu duas espcies de moscas-de-fruta, Dro-sophila serrata e D. nebulosa, em gaiolas populacionais no la-boratrio. As populaes rapidamente atingiram um padro decoexistncia estvel, com 20%-30% de D. serrata e 70%-80%de D. nebulosa em cada gaiola. Numa gaiola, contudo, a frequn-cia de D. serrata comeou a aumentar aps a 20 semana e atin-giu cerca de 80% na 30 semana, revertendo a predominnciainicial de D. nebulosa.

    No segundo experimento, Ayala removeu indivduos de am-bas as espcies das populaes competidoras aps a 30 semanae as testou contra estoques de moscas que no tinham sido man-tidas em culturas de espcies nicas. Ele descobriu que a capa-cidade competitiva de cada espcie aumentou aps a exposio outra no primeiro experimento de competio. Quando a ca-pacidade competitiva dos indivduos de D. serrata de uma gaio-la na qual a espcie predominou foi testada contra aquela dosestoques no selecionados de D. nebulosa, D. serrata novamen-te mostrou uma capacidade competitiva superior. As adaptaesespecficas responsveis pelas mudanas da capacidade compe-titiva no foram determinadas. Elas poderiam concebivelmenteincluir um aumento na eficincia do uso de um recurso alimen-tar, o nmero de filhotes produzidos por unidade de alimentoconsumido, a resistncia a um patgeno comum (competioaparente) ou maior sobrevivncia em qualquer estgio do ciclode vida.

    Uma generalizao que surge disso e de experimentos seme-lhantes que as populaes esparsas podem desenvolver umacapacidade de competir contra outras espcies mais rapidamen-te do que as populaes densas. Por qu? Uma possibilidade que as adaptaes necessrias para competir bem contra indi-vduos da mesma espcie conflitam com aquelas necessriaspara competir bem com outra espcie. As populaes esparsastm menos necessidade de adaptaes para competio intraes-

    A Evoluo das Interaesdas Espcies 317

    pecfica, e, assim, quanto mais raras as experincias de doiscompetidores, mais forte a seleo para uma capacidade com-petitiva interespecfica aumentada. Retomaremos ao trabalhode David Pimentel para evidncias de que um competidor raropode desenvolver uma capacidade competitiva (julgada peladensidade populacional relativa) sobre um adversrio anterior-mente superior.

    ECLOGOSEM CAMPO

    Devolta da beira da extino. David Pimentele seus colegas conduziram experimentos delaboratrio com moscas para determinar se

    a espcie apresenta mudanas evolutivas dependentes da frequn-cia em sua capacidade competitiva. Em outras palavras, podeuma espcie, medida que excluda por uma outra e se tornarara, desenvolver uma capacidade competitiva interespecficamaior rpido o bastante para tomar a dianteira? Para seus expe-rimentos, os investigadores escolheram a mosca-domstica (Mus-ca domestica) e a mosca-varejeira (Phaenicia sericata) (Fig.17.13), que tm requisitos ecolgicos semelhantes e comparveisciclos de vida (cerca de 2 semanas). Ambos as espcies se ali-mentam de fezes e carcaas na natureza e so encontradas fre-quentemente juntas dos mesmos recursos alimentares. As moscasforam criadas em pequenas gaiolas populacionais, com uma mis-tura de gar e fgado provido como alimento para as larvas eacar para os adultos.

    Os resultados dos quatro experimentos de competio iniciaisusando indivduos de populaes de moscas-domsticas selvagense moscas-varejeiras terminaram divididos, com cada uma dasespcies vencendo duas vezes. O tempo de extino mdio paraa mosca-varejeira, quando a mosca-domstica venceu, foi de 92dias; e foi de 86 dias para a mosca-domstica quando a mosca-varejeira venceu. Os investigadores concluram que as duas es-pcies tm capacidade competitiva semelhante, mas que as pe-quenas gaiolas no permitiam que decorresse tempo suficientepara uma mudana evolutiva antes que uma dessas espcies fos-se excluda.

    Para prolongar a interao mosca-domstico-varejeira, Pimen-tel e colaboradores iniciaram uma populao mista numa gaiolapopulacional de 16 clulas, cada uma consistindo em gaiolassimples de quatro fileiras com conexes entre elas (Fig. 17.14).Sob estas circunstncias, as populaes de moscas-domsticas e

    FIG. 17.13 Duas espcies de mosca foram usadas nos estudosde competio de Pimentel. A mosca-varejeira (mostrada aqui) e amosca-domstica so frequentemente encontradas sobre os mesmosrecursos alimentares na natureza. Cortesia de L. Higley, UniversityofNebraska, lincoln.

  • 31 8 A Evoluo das Interaesdas Espcies

    FIG. 17.14 Pimentel usou uma gaiola populacional de 16 clulaspara estudar a competio entre as espcies de mosca. Note osfrascos com alimento larval em cada gaiola e as passagens conec-tando as clulas. Os objetos escuros concentrados nas clulas supe-riores direita so pupas de mosca. Cortesia de D. Pimentel;deD. Pimentelet aI., Am. Nat. 9997-109(19651

    varejeiras coexistiram por quase 70 semanas. As moscas-doms-ticas eram mais numerosas inicialmente, mas as duas espciesmostraram uma notvel reverso de nmeros em cerca de 50 se-manas, e as varejeiras tinham excludo as domsticas no fim doexperimento (Fig. 17.15).

    Aps 38 semanas, quando a populao de varejeiras aindaera baixa, e apenas algumas poucas semanas antes de seu sbi-to aumento, os indivduos de ambas as espcies foram removidosda gaiola populacional e testados em competio um com o outroe com linhagens selvagens de domsticas e varejeiras. Varejeirasselvagens capturadas mostraram ser competidoras inferiores con-tra ambos as domsticas selvagens e experimentais da gaiola depopulao. Mas as varejeiras que foram removidas da gaiola depopulao em 38 semanas consistentemente excluram ambas aspopulaes selvagens e experimentais da domstica em experi-mentos de competio. Aparentemente, a populao de varejeirasexperimentais desenvolveu uma capacidade competitiva superiorenquanto ela era rara e beira da exterminao.1

    Estudos de laboratrio subsequentes de organismos modelos,como as moscas-de-fruta (Drosophila), os besouros-da-farinha(Tribolium) e o agrio orelha-de-rato (Arabidopsis), tm consis-tentemente demonstrado respostas evolutivas, e assim variaogentica na capacidade competitiva. Contudo, os atributos espe-cficos envolvidos na maioria destes casos no so bem compre-endidos. Como o resultado da competio depende de quo efi-cientemente cada espcie explora os recursos compartilhados,muitos atributos tm potencial de influenciar a capacidade com-petitiva.

    Estudos de evoluo de capacidade competitiva tm aplica-es prticas para as cincias da agricultura, nas quais a repro-duo de bons competidores uma meta importante. Cultivarlinhagens de plantaes com capacidades competitivas superio-res pode reduzir as perdas das plantaes para ervas competido-ras enquanto reduz a necessidade de herbicidas e outras inter-venes caras, no amigveis e ambientalmente ruins. Por exem-plo, a planta do arroz compete com outras espcies de plantasexsudando compostos alelopticos secundrios de suas razes nosubsolo. As linhagens de arroz variam em sua capacidade deinibir o crescimento de outras plantas dessa forma, e esta varia-o tem uma base gentica. Assim, poderia ser possvel selecio-nar uma linhagem de arroz que suprime as ervas atravs de com-petio direta enquanto ainda retendo um alto nvel de produode sementes.

    Deslocamento de caractereComo vimos, a teoria sugere que se os recursos so suficiente-mente variados, os competidores poderiam divergir para se es-pecializar em fontes diferentes. A especializao poderia reduziro grau no qual cada espcie usa o mesmo recurso que seu com-petidor. Assim, a especializao reduz a competio e promovea coexistncia. Se a competio exerce uma presso de seleona natureza, ento devemos encontrar evidncias de que os com-petidores foram as adaptaes um do outro em direo diver-gncia.

    Embora as espcies aparentadas que vivem juntas tendam adiferir na forma como usam o ambiente (usando diferentes re-cursos alimentares, por exemplo), no podemos assumir queessas diferenas evoluram em consequncia de sua histria an-terior de interao. Uma explicao alternativa que cada uma

    As moscas-varejeiras removidasem 38 semanas eram competidoressuperiores quando testadas contraas moscas-domsticas selvagens.

    As propores de moscas-domsticase varejeiras maduram dramaticamenteem cerca de 50 semanas, aps asvarejeiras se tornarem raras.

    FIG. 17.15 Um competidor raropode desenvolver uma capacidadecompetitiva superior. Quando Pimen-tel criou populaes de moscas-do-msticas e varejeiras numa gaiolapopulacional de 16 clulas, as mos-cas-varejeiras estiveram beira doextermnio em 38 semanas, mas so-brepujaram as moscas-domsticas nofim do experimento. SegundoD. Pimen-tel et 01., Am. Not. 99:97-109(19651.

    Mosca-domstica

    \

    100

    10 20 30 40 50Tempo (semanas)

    60

  • --Os atributos de caractere de duas espcies proximamenteaparentadas diferem mais quando elas so simptricas doque quando elas so aloptricas.

    ____ Espcie 2

    Regio dealopatria

    FIG. 17.16 O deslocamento de caractere a divergncia evolu-tiva de populaes competidoras.

    Espcie 1

    Regio dealopatria

    Regio desimpatria

    FIG. 17.17 Os tamanhosdos bicos dos tentilhes-do-solo de Galpagos ilustramo deslocamento de caractere.A variao da profundidadedo bico de cada espcie detentilho-desolo (Geospiza) va-ria com o nmero das outrasespcies com as quais ela co-existe numa ilha. Segundo D.Lack, Oarwin's Finches, Cambrid-ge University Press, Cambridge(1947)

    A Evoluo das Interaes das Espcies 319

    4020 .

    O '--"'-'-L-J.-L...l---"""""

    das espcies se tomou adaptada a recursos diferentes em dife-rentes lugares na ausncia de competio entre elas, e quandosuas populaes subsequentemente se sobrepuseram em resul-tado de extenses de abrangncia, aquelas diferenas ecolgicaspermaneceram.

    Podemos evitar esta objeo comparando a ecologia de umaespcie onde ela ocorre com um competidor com sua ecologiaonde aquele competidor est ausente. Quando duas espcies co-existem na mesma rea geogrfica, elas so chamadas de sim-ptricas; onde suas abrangncias no se sobrepem, de alop-tricas. Suponha que a espcie 1 ocorra nas reas A e B, e a es-pcie 2 ocorra nas reas B e C (Fig. 17.16). As populaes dasduas espcies na rea B so simptricas; a populao da espcie1 na rea A aloptrica em relao populao da espcie 2 narea C. Se as reas A, B e C todas tm condies ambientais ehabitats semelhantes tambm, e se a competio causou a diver-gncia, esperaramos que as populaes simptricas das espcies1 e 2 na rea B diferissem mais entre si do que cada uma daspopulaes aloptricas nas reas A e C uma em relao outra.Este padro chamado de deslocamento de caracteres.

    Os eclogos discordam sobre a prevalncia do deslocamentode caractere na natureza. Alguns exemplos parecem se ajustarno padro, contudo. Um desses envolve o tentilho-do-solo

    Arquiplago Galpagos

    Gi fortis G. magnirostris

    Dhas Pinta e Marchena

    Dhas Floreana e San Cristbal

    Onde mais de umaespcie de tentilhoocorre, as profundidadesdos bicos no sesobrepem, ...40

    20 .

    O U=LLLC:Lt!1IiIIllIIi1lillll!

    40 .20

    0'-------""""'"

    DhaDaphne

    ...mas nas ilhas comsomente uma espcie,seus bicos tm umaprofundidadeintermediria.

    Dha de Los Hermanos

    8 10 12 14 16 18Profundidade do bico (mm)

    2220

  • 320 A Evoluo das Interaesdas Espcies

    (Geospiza) do arquiplago Galpagos (veja o Captulo 6). Nasilhas com mais de uma espcie de tentilho, os bicos das esp-cies normalmente diferem em tamanho, indicando diferentesintervalos de tamanho do alimento preferido. Por exemplo, naIlha Marchena e na Ilha Pinta, os intervalos de variao do ta-manho do bico das trs espcies residentes de tentilho-do-solono se sobrepem (Fig. 17.17). Em Floreana e San Cristbal, asduas espcies residentes, G. fuliginosa e G. fortis, tm bicos detamanhos diferentes. Na Ilha Daphne, contudo, onde G. fortisocorre sozinha, seu bico de tamanho intermedirio entre aque-le das duas espcies em Floreana e San Cristbal. Na Ilha LosHermanos, G. fuliginosa ocorre sozinha, e seu bico tambm de tamanho intermedirio.

    O tentilho-do-solo de Galpagos claramente ilustra a influn-cia diversificadora da competio, porque as espcies diferentesesto distribudas diferentemente nas pequenas ilhas do arqui-plago: algumas ilhas tm duas ou trs espcies e algumas so-mente uma. Em muitos outros casos, contudo, difcil saber seas diferenas entre as duas espcies surgiram por causa da com-petio entre elas ou se evoluram em resposta seleo por umou por outros fatores ambientais em diferentes lugares, e entoforam mantidas quando as populaes restabeleceram contato.Na maioria dos casos, as diferenas genticas associadas com aformao de novas espcies se desenvolvem em alopatria; assim,por que no as diferenas que possibilitam s duas espcies evi-tar uma forte competio? Em quaisquer dos casos, a coexistn-cia depende em certo grau da diferena ecolgica entre as esp-cies competidoras, seja ela atingida em alopatria ou como con-sequncia evolutiva de competio em simpatria.

    A coevoluo envolve respostas evolutivasmtuas por populaes interagindoA coevoluo implica respostas evolutivas recprocas entre ospares de populaes, como vimos, por exemplo, na interaogentipo-gentipo entre o trigo e seu patgeno, a ferrugem-do-trigo. Tais casos proporcionam os exemplos mais diretos de co-evoluo porque os atributos so simples e compreendemos asmudanas genticas envolvidas. A coevoluo pode tambmconectar mudanas em conjuntos inteiros de atributos nas esp-cies interagindo, tais como as adaptaes exigi das de flores eseus polinizadores para formar um mutualismo de polinizaoestrito. Nesses casos, toma-se difcil discernir a ordem na qualas adaptaes ocorreram ou as mudanas especficas em umadas espcies interagindo que selecionou a resposta de mudanana outra. s vezes, de fato, as adaptaes complementares entrepares ou pequenos grupos de espcies tm sido atribudas co-evoluo sem qualquer evidncia na histria evolutiva da relao.Como no caso da divergncia entre as espcies que competem,uma associao ntima entre espcies diferentes no necessaria-mente significa que elas tenham evoludo em consequncia dasinteraes recprocas.

    Considere o mutualismo no qual as formigas protegem osafdeos e as cigarrinhas dos predadores e, em troca, coletam asgotas de mel nutritivas que aqueles insetos excretam. Este mu-tualismo formiga-homptero tem todos os elementos de coevo-luo, mas como podemos nos certificar de que as adaptaesde todos os participantes evoluram uma em resposta outra? Amaioria dos insetos que sugam fluidos de plantas produzem gran-des volumes de excrees dos quais eles no extraem ou nopodem extrair todos os nutrientes. Portanto, sua produo de

    gota de mel pode simplesmente refletir sua dieta, em vez de terevoludo para encorajar a proteo pelas formigas. Por sua par-te, muitas formigas so generalistas vorazes que provavelmenteatacaro qualquer inseto que encontrem; elas podem no preci-sar de motivao especial para deter os predadores dos afdeose das cigarrinhas. Por que, ento, as formigas no comem osafdeos e as cigarrinhas que protegem? Talvez esta restrio se-ja um atributo evoludo das formigas que facilita o mutualismoformiga-homptero. Por outro lado, poderia ter surgido comouma extenso do comportamento comum da formiga de defenderas estruturas das plantas que produzem nctar, tais como floresou nectrios especializados.

    Defesas das plantas e resposta dos herbvorosA melhor evidncia da coevoluo vem da reconstruo das his-trias evolutivas dos atributos em grupos coevoluindo de orga-nismos. Considere a troca de produtos qumicos entre a larva dosbesouros-bruxdeos e as sementes das leguminosas (membrosda famlia da ervilha) que eles consomem. Os bruxdeos adultosdepositam seus ovos nas sementes em desenvolvimento. A larvaento cava e se enterra nas sementes, que elas consomem me-dida que crescem. A maioria das sementes de legumes contmcompostos secundrios que inibem as enzimas digestivas dosherbvoros e insetos. Embora estas toxinas proporcionem umadefesa bioqumica efetiva contra a maioria dos insetos, muitosbesouros-bruxdeos tm vias metablicas que ou contornam astoxinas ou so insensveis a elas. Entre as espcies de legumi-nosas, contudo, a soja aparece como sendo resistente ao ataquemesmo pela maioria das espcies de bruxdeos. Quando os bru-xdeos depositam seus ovos na soja, as larvas morrem logo apscavarem para dentro da pele da semente. Os qumicos isoladosda soja inibem o desenvolvimento de larvas de bruxdeos emsituaes experimentais.

    As sementes da grande leguminosa tropical Dioclea mega-carpa contm um aminocido no proteico chamado de L-cana-vanina, que txico para a maioria dos insetos. Ele incorpo-rado na protena do inseto no lugar do aminocido arginina, como qual ele se assemelha intimamente. Contudo, uma espcie debruxdeo que se alimenta desta planta, Caryedes brasiliensis,possui enzimas que discriminam entre a L-canavanina e a argi-nina durante a formao da protena, assim como as enzimas quedegradam a L-canavanina para formas que podem ser usadascomo uma fonte de nitrognio. Assim, parece que para cada de-fesa, um novo contra-ataque pode ser criado. Como Diocleamegacarpa evoluiu num grupo de leguminosas que carecem deL-canavanina, e como Caryedes brasiliensis evoluiu num grupode besouros que no pode discriminar entre aminocidos txicose normais, suas adaptaes parecem representar uma evoluorecproca.

    ECLOGOS Um contra-ataque para cada defesa. ParaIEM CAMPO I avaliar se as relaes entre os insetos e suasI h dei - I dpontas ospe eiras sao exemp os e coevo-luo, o bilogo May Berenbaum, da Universidade de lllinois,estudou um sistema planta-herbvoro no Estado de Nova Yorkcom algumas semelhanas com a interao do besouro-brux-deo-Iegume. As umbelferas (membros da famlia da salsa; Fig.17.180) produzem muitos qumicos defensivos, entre os mais pro-eminentes dos quais esto as furanocumarinas. A via biossintticadesses compostos leva do cido paracumrico (que, sendo umprecursor da lignina, encontrado em virtualmente todas as plan-tas) para as hidroxicumarinas e finalmente para as furanocuma-

  • (a) (b)

    A Evoluo das Interaesdas Espcies 321

    ~

    ~~O)~O

    ~

    Lignina

    CIdo paracumrico

    0\\ /0 Hidroxicumarina -

  • 322 A Evoluo das Interaesdas Espcies

    MUDANA-=

  • A Evoluo das Interaes das Espcies 323

    FIG. 2 Coelhos nativos da Califrnia (a) podem causar um declnio substancial na sobrevivncia de gramneas pampas invasoras (b).Fotografia (01 de [ohn Cancalosi/Peter Arnold; fotografia [b] de Patricia Head/ Animais Animais Enterprises.

    (a)

    mente importa a origem dos herbvoros que uma planta en-contra quando ela chega numa nova rea. Embora as plantasintroduzidas possam deixar seus antagonistas para trs em ca-sa, elas podem enfrentar um novo conjunto de herbvoros ge-neralistas contra os quais no desenvolveram defesas. Em con-sequncia, essas plantas no se saem bem contra herbvoros na-tivos. Contudo, quando os herbvoros originais de uma plantaintroduzida esto tambm presentes na nova rea, a planta seencontra entre antagonistas contra os quais ela j desenvolveudefesas, e assim se sai melhor. Este resultado sugere que escaparde seus herbvoros nativos provavelmente no a principal razopara o sucesso de plantas invasoras em muitos casos.

    A mesma lgica se aplica s plantas nativas. As nativas so-frem alta herbivoria por herbvoros introduzidos porque os doisgrupos no tm histria evolutiva compartilhada, durante a qualas plantas nativas poderiam ter desenvolvido defesas. As nati-vas se saem muito melhor contra os herbvoros nativos, contraos quais desenvolveram diversas defesas. Esses estudos de-monstram que a capacidade para invadir uma nova regio domundo mais complexa do que poderia parecer primeiravista.

    (b)

    A meta-anlise de Parker e seus colegas contm duas im-portantes lies para os eclogos, uma sobre os mtodos e ou-tra sobre as relaes planta-herbvoro. Primeiro, a distinoentre os efeitos de herbvoros nativos e introduzidos poderiano ter sido identificada num nico estudo, como aquele dagramnea pampas, a menos que ambos os herbvoros nativos eintroduzidos tivessem sido usados no mesmo estudo - o queraramente o caso. A meta-anlise permitiu que os pesquisa-dores fizessem comparaes entre diferentes tipos de herbvo-ros, mediando os efeitos de muitos estudos. Segundo, nos sis-temas planta-herbvoro includos na meta-anlise, podemosconcluir que as plantas introduzidas tm adaptaes especficaspara se defenderem contra os herbvoros com os quais tinhamtido uma longa relao. Embora muitos eclogos consideremos coelhos e ungulados como forrageadores generalistas ondequer que ocorram, est claro que os herbvoros nativos e intro-duzidos se alimentam de diferentes formas, ou expressam pre-ferncias por espcies de plantas que no desenvolveram de-fesas especficas contra eles. Desta forma, os herbvoros podemdesequilibrar a balana das interaes competitivas em favordas espcies de plantas de suas prprias reas nativas.

  • 324 A Evoluo das lntercces das Espcies

    (a)

    tinham trocado das plantas hospedeiras tpicas pierdeas na fa-mlia Brassicaceae (membros da famlia do repolho e da mos-tarda) para as plantas de famlias distantemente aparentadas,como o visco, a rica e at pinheiros. Claramente, as adaptaesque capacitam as pierdeas para trocar para aquelas plantas hos-pedeiras no poderiam ter coevoludo com as Brassicaceae.

    A mariposa-da-ica e a icaA aplicao da reconstruo filogentica ao problema da coevo-luo provavelmente melhor ilustrada pelo curioso mutualismode polinizao entre as icas (planta da famlia do agave) e asmariposas do gnero Tegeticula (Fig. l7 .19). Esta relao foiprimeiramente descrita h mais de um sculo, mas seus detalhestm sido trabalhados somente durante os ltimos anos, em gran-de parte atravs dos estudos de Olle Pellmyr, da Universidadede Idaho, e colaboradores.

    As mariposas-da-ica fmeas adultas carregam bolas de plenentre as flores da ica por meio de partes da boca especializadas.Durante o ato da polinizao, uma mariposa fmea numa flor daica faz cortes no ovrio com seu ovipositor e deposita de um aquinze ovos. Aps cada ovo ser depositado, a mariposa rastejaat o topo do pistilo da flor e deposita um pouco de plen noestigma. Este comportamento assegura que a flor seja fertilizadae que os filhotes da mariposa tero sementes em desenvolvimen-to para se alimentarem. Aps a mariposa ter depositado seusovos, ela pode raspar algum plen para fora das anteras e adi-cion-lo bola que ela carrega em suas partes bucais antes devoar para uma outra flor. As mariposas machos tambm vmpara as flores para se acasalar com as fmeas, mas somente asfmeas carregam plen.

    (b)

    FIG. 17.19 A relao entre a ica e o mariposo-da-ica ummutualismo obrigatrio. A ica-mojave (a, Yucca schidigeral po-linizada somente pela mariposa-da-ica do gnero Tegeticula [b]. Alarva da mariposa se desenvolve somente nessas plantas. Fotografia(a) de Alfred Brousseau, cortesia de Saint Mary's College of Coliiomio: foto-grafia (b) de Larry[on Friesen/Saturdaze.

    Esta relao entre a mariposa e a ica um mutualismo obri-gatrio. As larvas de Tegeticula no podem crescer em nenhumoutro lugar; a ica no tem nenhum outro polinizador. Em trocapela polinizao de suas flores, a ica aparentemente tolera aslarvas da mariposa se alimentando de suas sementes, mas a ex-tenso desta perda de reproduo potencial pequena, raramen-te excedendo 30% da produo de semente da planta.

    A restrio aparente da mariposa em relao ao nmero deovos depositados por flor um aspecto intrigante da relao ma-riposa-ica. A curto prazo, pareceria que as mariposas deposi-tando grande nmero de ovos por flor poderiam ter um sucessoreprodutivo individual e ajustamento evolutivo maiores, mesmoque tal comportamento a longo prazo pudesse levar extinoda ica. De fato, a ica que regula o nmero de ovos deposi-tados por flor. Quando muitos ovos so depositados no ovriode uma determinada flor - um nmero excessivo o bastantepara comer a maior parte das sementes que se desenvolvem - aflor abortada e a larva da mariposa morre. Embora esta estra-tgia deva tambm parecer reduzir a produo de semente daica, os recursos que teriam sustentado a produo de sementesna flor agora abortados so direcionados para as outras flores.a aborto seletivo do fruto danificado por inseto ocorre ampla-mente entre as plantas, e as icas usam este mecanismo paramanter suas mariposas polinizadoras na linha.

    A ica e a mariposa tm muitas adaptaes que sustentam suainterao mutualista. Da parte da ica, seu plen pegajoso epode ser facilmente transformado numa bola que a mariposapode carregar, e o estigma especialmente modificado como umreceptor para receber o plen. Da parte da mariposa, os indiv-duos que visitam as flores de somente uma espcie de ica seacasalam dentro das flores, depositam seus ovos no ovrio den-

  • A Evoluo das Interaesdas Espcies 325

    ..---Lampmllia

    Mariposa -e-eancestral

    CHAVEe Especializao do hospedeiroe Acasalando no hospedeiroe Polinizadore Depositando ovos na florO Perda de ovos depositados

    na flor

    e--Tetragma.------- Grupo Greyapunctiferelia

    --- Grupo Greyasoienobiella

    r------------Mesepiola

    e-e-Grupo Greyapolitella

    Postura de ovos em floresse desenvolveu de formaindependente por trs vezes ...

    ...e foi revertida ao estado ancestralpelo menos duas vezes.

    FIG. 17.20 rvores filogenticas podem revelar pr-adaptaes. A rvore filogentica da famlia da mariposa Prodoxidae mostraquando os atributos crticos para o mutualismo da mariposa-ica nas mariposas do gnero Tegelicula evoluram. SegundoO. Pellmyre ]. N.Thompson,Ptoc. Na!/. Acod. Sei.USA 892927-2929 (19921.

    tro da flor, apresentam restrio no nmero de ovos depositadospor flor e tm partes da boca especialmente modificadas e com-portamentos para obter e carregar o plen. Como o mutualismode Tegeticula e Yucca to estreito, poder-se-ia esperar que todosesses atributos fossem o resultado de uma coevoluo entre asduas.

    De fato, contudo, muitos desses atributos esto presentes nalinhagem maior de mariposas no mutualistas (a famlia Prodo-xidae) na qual Tegeticula evoluiu. O diagrama das relaes evo-lutivas entre as espcies, mostrado como uma rvore filogenti-ca, pode revelar estes padres. O exame de uma rvore filoge-ntica de Prodoxidae (Fig. 17.20) mostra que diversos dos atri-butos altamente especializados de Tegeticula so encontradosem outros membros da famlia. De fato, a especializao de hos-pedeiro e acasalamento na planta hospedeira so velhas caracte-rsticas evolutivas da famlia - caractersticas encontradas emtodos os outros membros. O atributo de depositar ovos em floresevoluiu independentemente pelo menos trs vezes na farrulia efoi revertido (ao estado ancestral) pelo menos duas vezes, emParategeticula e Agavenema. Das espcies que depositam ovosem flores, somente Tegeticula e uma espcie de Greya de fatofuncionam como polinizadores; as outras so parasitas estritosde plantas nas quais suas larvas crescem. Assim, o mutualismoTegeticula-Yucca provavelmente evoluiu de uma relao para-sita-hospedeiro. Deveria tambm ser mencionado que Greyapolitella poliniza Lithophragma parviflorum, uma planta na fa-

    --c= Tegeticulae 0-- Parategeticula

    ~

    AgaVellema

    Prodoxus0-

    rrulia Saxifragaceae, que no parente prximo das icas. Vimosnesta rvore filogentica que muitas das adaptaes que ocorremno mutualismo mariposa-ica parecem ter estado presentes nalinhagem da mariposa antes do estabelecimento do prprio mutua-lismo, assim como o aborto de flores ocorre amplamente entre asplantas e no nico a este mutualismo. Tais atributos que se tor-naram teis para um propsito diferente daquele para o qual evo-luram so normalmente denominados de pr-adaptaes.

    Onde isto nos leva em relao coevoluo? O consenso en-tre os eclogos que as interaes das espcies afetam forte-mente a evoluo e moldam as adaptaes das populaes dosconsumidores assim como dos recursos. A coevoluo difusa comum no sentido de que as populaes simultaneamente res-pondem a um conjunto de interaes complexas com muitasoutras espcies. A coevoluo no sentido estrito, na qual as mu-danas em uma linhagem evoluindo estimulam respostas evolu-tivas na outra, e vice-versa, podem ser vistas mais prontamenteem simbioses, incluindo ambas as relaes antagonistas e mu-tualistas, nas quais fortes interaes esto limitadas a um par deespcies. Mesmo nestes casos como o da ica e sua mariposapolinizadora, alguns atributos que parecem ter sido coevoludospodem ter sido pr-adaptaes que eram crticas para o estabe-lecimento do mutualismo obrigatrio logo de incio. Contudo,nenhuma sutileza da definio pode nos fazer esquecer a reali-dade de que as interaes entre as espcies so grandes fontesde seleo e resposta evolutiva.

  • -I

    326 A Evoluo das Interaesdas Espcies

    ,.ESUMO1. As interaes entre as espcies selecionam os atributos que

    proporcionam uma vantagem naquelas interaes. Esta seleopelos agentes biolgicos estimula respostas evolutivas recprocasnos atributos das populaes que interagem e promovem a di-versidade das adaptaes.2. A coevoluo a evoluo recproca de estruturas ou fun-

    es relacionadas nas espcies que interagem ecologicamente.As interaes podem ser antagonistas (consumidor-recurso,competio) ou cooperativas (mutualismo).3. Vemos evidncia de respostas evolutivas surgindo de inte-

    raes entre espcies por toda a natureza, mas em nenhum lugarmais notavelmente do que nas adaptaes contra os predadoresenvolvendo a colorao. Algumas espcies so crpticas e seconfundem com a superfcie do ambiente para evitar a deteco.Por outro lado, as espcies de presas naturalmente impalatveisou nocivas propagandeiam estas propriedades com uma colora-o de advertncia.4. As espcies palatveis frequentemente evoluem para se as-

    semelhar s espcies nocivas de modo a enganar os predadores,um fenmeno conhecido como mimetismo batesiano. Algumasvezes, muitas espcies nocivas evoluem de forma a se asseme-lharem uma com a outra, dessa forma reforando o aprendizadoe a evitao por predadores. Esta estratgia chamada de mime-tismo mlleriano.5. Estudos iniciais da coevoluo enfatizam, de um lado, as

    interaes tericas entre hospedeiros e patgenos controladassimplesmente por virulncia e genes de resistncia, e por outrolado, observaes sobre a especializao de espcies de insetosherbvoros numa abrangncia estrita de plantas hospedeiras nanatureza.6. Uma evidncia experimental das mudanas evolutivas que

    afetam o resultado das interaes consumidor-recurso foi obtidaem estudos de laboratrio de interaes parasitoide-hospedeiro.Aps alguns perodos de coevoluo, as populaes de paras i-toides diminuram e as populaes de hospedeiro aumentaram,aparentemente aps a seleo ter aprimorado uma resistncia dohospedeiro aos parasitoides.7. Estudos sobre patgenos de plantaes revelaram uma base

    gentica simples para virulncia e resistncia. As respostas evo-

    QUESTES DE REVISO1. O que faz da coevoluo um tipo nico de evoluo?2. Por que muitas espcies de presas palatveis poderiam de-senvolver padres crpticos como parte de sua defesa contra ospredadores, enquanto muitas espcies de presas impalatveisdesenvolvem a notabilidade?3. Compare e confronte o mimetismo batesiano e mlleriano.4. Por que a coevoluo considerada uma interao genti-po-gentipo?5. Em modelos simples de coevoluo entre espcies de consu-midores e de recursos, como possvel atingir um estgio esta-

    lutivas dos herbvoros variao em suas plantas hospedeirastm sido demonstradas por adaptaes locais de insetos herb-voros a determinadas plantas hospedeiras.8. Como a seleo sobre uma populao de recurso por adap-

    taes que evitem o consumo aumenta proporcionalmente ta-xa na qual aquela populao explorada pelos consumidores, ecomo a seleo pela eficincia do consumidor diminui medidaque a taxa de explorao aumenta, as populaes de recurso ede consumidores podem atingir um estado estacionrio evoluti-vo no qual aquelas duas presses de seleo so equilibradas.9. A fora mais importante que motiva os aprimoramentos na

    capacidade competitiva a seleo por aumento de eficinciado uso de recursos. Os experimentos sobre competio entreespcies de moscas revelaram retrocessos da capacidade com-petitiva aps uma das espcies se tornar rara. Testando popula-es selecionadas contra controles no selecionados, os pesqui-sadores tm demonstrado mudanas genticas nas populaescompetidoras.10. A especializao sobre recursos diferentes deve reduzir acompetio e promover a coexistncia. Essa divergncia evolu-tiva entre os competidores denominada de deslocamento decaractere. Pode-se testar se a especializao resulta de divergn-cia evolutiva comparando-se os atributos de uma populao napresena e na ausncia de um competidor.11. A anlise de vias biossintticas de compostos secundriosde plantas tem mostrado que as plantas podem desenvolver de-fesas qumicas progressivamente txicas em resposta herbivo-ria dos insetos. Quando as variaes nestas vias e na resistnciado inseto aos qumicos so sobrepostas nas relaes taxonmicasdentro de cada grupo, os eclogos podem inferir a histria evo-lutiva da interao planta-inseto.12. A interao entre a mariposa da ica e as icas um mutua-lismo obrigatrio no qual a mariposa poliniza a planta e suaslarvas se alimentam das sementes em desenvolvimento pela plan-ta. A mariposa e a ica tm adaptaes que promovem esta re-lao, mas a anlise filo gentica mostra que algumas das adap-taes da mariposa esto tambm presentes em parentes prxi-mos que no so mutualistas das icas. Tais atributos so cha-mados de pr-adaptaes.

    cionrio evolutivo enquanto ambas as espcies continuam a evo-luir?6. Se voc observar que duas espcies aparentadas diferem noalimento que elas consomem, por que voc no pode concluirnecessariamente que esta diferena o produto de uma histriade competio entre as duas espcies?7. Que condies favorecem a evoluo de um mutualismo obri-gatrio?8. Como poderia uma pr-adaptao tornar difcil demonstrar acoevoluo entre duas espcies?

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