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Direito da União EuropeiaTRANSCRIPT
Curso de SOLICITADORIA
(Regimes Diurno e Pós-Laboral)
1.ºAno
Ano Letivo 2014/2015 –1.ºSemestre
LIÇÕES
Capítulo I – Introdução: génese, linhas de evolução e situação atual
1.1. História
Com a exposição que segue sob ponto 1.1. pretende-se: que os estudantes
conheçam os antecedentes mais remotos de um conceito de Europa e os antecedentes
mais próximos do processo de integração europeia de que resulta, hoje, a União
Europeia; que os estudantes compreendam os problemas fundamentais que se
colocaram no momento inicial daquele processo de integração europeia e que marcam
as suas linhas de evolução até ao presente; que conheçam o percurso que seguiu o
processo de integração europeia.
1.1.1. Dos Antecedentes ao Pós-Guerra
Onde começa e acaba a Europa? E porquê? O que caracteriza a Europa e é
comum às partes que a constituem? Aponta-se habitualmente uma comunidade com
antecedentes históricos.
A. Antiguidade Clássica. Considera-se o legado da Antiguidade Clássica, um dos pilares
sobre que assenta a Europa. Consiste este legado, designadamente, no pensamento
filosófico dos gregos e no pensamento juridico-político e na tradição cristã dos romanos.
B. Idade Média. Durante a Idade Média, destaca-se a consolidação da influência da
tradição cristã da Igreja Católica, fator de unificação num contexto político de grande
fragmentação, como é o do feudalismo.
C. Idade Moderna. A Idade Moderna marca a emergência do Estado construído em
torno de um “príncipe” titular de Soberania (poder acima do qual não há outro ou que
não reconhece qualquer outro).
D. Idade Contemporânea. Destaca-se, por influência do pensamento do Iluminismo, o
Estado-de-Direito (a subordinação do poder ao Direito) e o início da tradição do
Constitucionalismo Europeu. Os avanços tecnológicos da Revolução Industrial
permitem a intensificação das relações entre os povos e os Estados. Desenvolve-se o
Direito Internacional para disciplinar estas últimas. Acentua-se a importância dos
Tratados (acordos celebrados entre Estados). São criadas as primeiras Organizações
Internacionais (entidades criadas por acordo entre Estados).
E. O período entre Guerras. Assinala-se, após a I Guerra Mundial e perante a
devastação resultante, a ampla divulgação do pensamento favorável à unificação da
Europa, como modo de assegurar a paz. Destacam-se dois textos: o manifesto Pan
Europa, da autoria de Coudenhove-Kalergi, publicado em Abril de 1923; o discurso de
Briand proferido por Aristide Briand perante a Assembleia da Sociedade das nações em
7 de Setembro de 1929. Os esforços de concretização das propostas resultantes desta
corrente de pensamento foram interrompidos e tornam-se inviáveis a partir do momento
em que a Alemanha, entretanto comandada por Hitler, se coloca à margem.
F. O Pós-Guerra. Após a II Guerra Mundial, novamente perante a devastação, retomase
o pensamento da unificação europeia e multiplicam-se os discursos e as iniciativas em
torno desse pensamento. É famoso o discurso de Winston Churchill, em 19 de Setembro
de 1946, na Universidade de Zurique, em que refere a necessidade de “criar uma
espécie de Estados Unidos da Europa”.
1.1.2. Cooperação e Integração; Federalismo e Funcionalismo
A ideia dos “Estados Unidos da Europa” é desenvolvida, no período do Pós-
Guerra, por muitos protagonistas. A discussão em volta desta ideia dá origem à profusão
de movimentos. Cada movimento, pretende representar uma posição diferenciada
perante o problema de saber como pode concretizar-se a ideia dos “Estados Unidos da
Europa”.
Da profusão de movimentos, vem resultar a criação de um Comité Internacional
de Coordenação dos Movimentos para a Unidade Europeia. Este Comité foi responsável
pela convocação, em Maio de 1948, na Haia, de um Congresso para a Europa Unida.
No Congresso para a Europa Unida, que reuniu centenas de personalidades da elite do
pensamento em torno da ideia dos “Estados Unidos da Europa”, considera-se que
ressaltam tendências bem distintas. Distinguem-se estas tendências consoante a
intensidade da unificação que propõem. As tendências saídas do Congresso da Haia
podem distinguir-se (e têm sido distinguidas) de acordo com uma divisão teórica.
Em primeiro lugar podem opor-se dois conceitos, correspondentes a duas posições
distintas perante o problema – a cooperação e a integração.
A cooperação, por um lado, consiste na criação dos tradicionais vínculos de
Direito Internacional entre os Estados, através de Tratados, do modo que
tradicionalmente vinha sendo seguido, desde, sobretudo, o século XIX. Consistia, afinal,
em levar a cabo a aspirada unificação europeia e, consequentemente, a estabilidade e
a paz, através de acordos entre os Estados autónomos e iguais entre si, que continuava
salvaguardar inteiramente a sua soberania.
A integração, por outro lado, anunciava-se como algo de novo. Pressupunha,
essencialmente, a cedência de algum grau (maior ou menor, consoante as tendências)
porção de soberania por parte dos Estados. Podia ser levada a cabo também através
dos instrumentos conhecidos de Direito Internacional, designadamente os Tratados,
mas já se apontava a um novo paradigma, em que a soberania dos Estados não era
entendida como um valor absoluto.
Em segundo lugar, e correspondendo já especificamente a duas propostas
alternativas quanto ao caminho a seguir para atingir os objetivos da integração, podem
opor-se o federalismo e o funcionalismo.
O federalismo traduz-se exemplarmente nas propostas mais clássicas de criação
de uma assembleia de representantes europeia, para a qual havia de ser transferido
algum grau de soberania dos Estados. Corresponde, portanto, a um caminho que pode
qualificar-se como mais tradicional, assente em instituições políticas formais. O
funcionalismo prescinde da criação de instituições políticas formais para percorrer o
caminho com destino à integração. Propõe, em alternativa, que o caminho para a
integração assente na criação de organismos técnicos, essencialmente com
competências no domínio económico.
Representante paradigmático do federalismo foi Altiero Spinelli, coautor do
Manifesto de Ventotene, escrito ainda em 1941. Spinelli denfendia a criação de uma
Constituição europeia, elaborada por uma assembleia de representantes europeia.
Representante paradigmático do funcionalismo foi Jean Monnet, autor da frase
emblemática “Mais do que coligar Estados, importa unir os homens”. Jean Monnet
defendia a criação de organizações de carácter técnico com competências no domínio
da economia.
As tendências descritas vêm a realizar-se historicamente através de
concretizações que devem enunciar-se, aqui apenas brevemente.
Assim, no plano da simples cooperação entre Estados (também designada cooperação
intergovernamental ou intergovernamentalismo), podem apontar-se:
- no domínio económico, a OECE, criada em 1948, inicialmente para implementar e gerir
o plano de ajuda económica do pós-guerra dos Estados Unidos à Europa, e, depois de
cumprida esta sua tarefa inicial, transformada, sob a designação de OCDE, numa
organização internacional de cooperação económica de carácter mais genérico;
-no domínio político, o Conselho da Europa, criado em 1949, tendo por objectivo
promover o património político comum dos seus membros, organização sob a égide da
qual foi elaborada e aprovada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por cuja
aplicação é responsável o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem;
- no domínio militar, a NATO, constituída em 1949, organização destinada à cooperação
para a defesa externa contra ameaças militares, que incluiu, entre outros, os países da
Europa ocidental.
Seguindo as conceções fundamentais do pensamento da cooperação, estas
realizações consistem na criação de organizações internacionais por acordo entre
Estados, no âmbito das quais, por princípio, cada Estado tem um voto e se decide por
unanimidade. Este paradigma corresponde ao do Direito Internacional tradicional, que
garante a máxima salvaguarda da soberania dos Estados (nenhum Estado vê
aprovadas medidas pela organização internacional contrárias à sua vontade).
No plano da integração, as realizações históricas concretizadas são as do
processo de integração europeia, que no ponto seguinte se percorrerão mais
detalhadamente. Importa aqui, antes de entrar, então, no ponto seguinte, identificar dois
factos históricos que, não correspondendo a realizações concretas, podem considerar-
se como reveladores da tensão genética fundante do processo de integração europeia
– a Declaração Shuman e a Proposta de Comunidade Europeia de Defesa.
Tendo como pano de fundo o debate em torno da ideia de integração e mais
concretamente as tendências, federalista e funcionalista, reveladas nesse debate, o
Ministro dos Negócios Estrageiros francês, Robert Schuman, profere em 9 de Maio de
1950, uma declaração pública, depois designada Declaração Schuman. Através
daquela declaração pública, a França exprimia a sua vontade de criar um organismo
supranacional (situado acima dos Estados e aplicando critérios autónomos
relativamente aos interesses dos Estados) na qual se delegasse as competências de
gestão dos recursos franco-alemães do carvão e do aço. A posição expressa através
da Declaração Schuman correspondia ao resultado de estudos e trabalhos anteriores
nos quais esteve decisivamente envolvido Jean Monnet, de quem, conforme acima já
se disse, se conhecida ser defensor da tendência funcionalista, entre os defensores da
integração europeia. Ora, efetivamente, não só a Declaração Schuman contém
afirmações lapidarmente funcionalistas, como a solução que ela veicula tem
características essencialmente funcionalistas.
Por outro lado, no mesmo contexto de debate entre federalismo e funcionalismo,
o Primeiro-Ministro francês, René Pleven, expõe em 24 de Outubro de 1950, perante a
Assembleia Nacional francesa, o seu plano de criação de um exército europeu, numa
Comunidade Europeia de Defesa (CED). O plano de Pleven era, na perspetiva do grau
de integração que implicava, já muitíssimo mais ousado do que a Declaração Shuman,
na medida em que abrangia o domínio militar e político e pressupunha uma maior e mais
significativa delegação de competências para o plano suprancional.
Da Declaração Shuman veio a resultar, em 18 de Abril de 1951, a assinatura do
Tratado de Paris. Do plano de Pleven nada resultou, terminando o projeto de CED em
1954, chumbado pela própria Assembleia Nacional francesa. Esta tensão entre o
pensamento federalista e funcionalista marca o desenvolvimento do processo de
integração europeia e é uma importante chave de leitura para a
A História desse mesmo processo, que passa a abordar-se no ponto em seguida.
1.1.3. Dos Tratados fundadores ao Tratado de Lisboa
A História do processo de integração europeia pode apresentar-se em três fases.
A primeira fase corresponde ao período que vai desde a assinatura do já referido
Tratado de Paris, em 18 de Abril de 1951, até ao final dos anos 60. A segunda fase é a
que compreende a década de 70 e os primeiros anos da década de 80. A terceira fase
inicia-se em meados da década de 80 e vem a culminar na assinatura do Tratado de
Lisboa, em 13 de Dezembro de 2007.
A. Primeira Fase
I. O Tratado de Paris ou Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão
e do Aço.
Conforme acima se disse, a Declaração Schuman, de 9 de Maio de 1950,
propunha a criação de uma organização supranacional com competências para gerir os
recursos franco-alemães do carvão e do aço.
Logo em 17 de Abril de 1951 tal proposta foi concretizada na assinatura do
Tratado de Paris que criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (sendo esta
designada pelas iniciais CECA e o Tratado de Paris também designado pelas iniciais
TCECA).
Assinaram o Tratado, além da França e da Alemanha, também a Itália, a Bélgica,
o Luxemburgo e a Holanda. Correspondendo à concretização da proposta contida na
Declaração Schuman, a CECA era uma organização para a qual os Estados-Membros
transferiam as suas competências em matéria de gestão dos recursos do carvão e do
aço.
II. Os Tratados de Roma ou Tratado que institui a Comunidade Económica
Europeia e Tratado que institui a Comunidade Europeia de Energia Atómica.
Cerca de seis anos após a assinatura do Tratado de Paris, foram assinados, em
25 de Março de 1957, os Tratados de Roma, pelos seis Estados-Membros da CECA. O
Tratado que institui a Comunidade Europeia de Energia Atómica (TCEEA), criava
Comunidade Europeia de Energia Atómica (CEEA ou EURATOM). Trata-se de uma
organização com competências delegadas pelos Estados-Membros limitadas a uma
matéria específica – a gestão da energia atómica.
O Tratado constitutivo da Comunidade Económica Europeia (TCEE) criava a
Comunidade Económica Europeia (CEE). Esta organização tinha por fim essencial a
criação de um mercado comum entre os Estados Membros. Para cumprir esse fim
propunha-se os seguintes objectivos: a livre circulação de mercadorias, pessoas,
serviços e capitais entre os Estados Membros; a defesa da concorrência nas economias
dos Estados-Membros; a coordenação de políticas económicas, em especial na área da
agricultura e dos transportes. Já não se trata, portanto de uma organização com
finalidades e competências tão estritamente limitadas como a CECA e a CEEA. Antes,
a CEE representa um projeto de integração económica mais abrangente e
tendencialmente absorvente de quaisquer outros projetos sectoriais, como eram os da
CECA e da CEEA.
III. O Tratado de Bruxelas ou Tratado de Fusão
Em 8 de Abril de 1965, foi assinado pelos seis Estados-Membros das
Comunidades existentes (CECA, CEEA e CEE), o Tratado de Fusão, que unificava
todos os serviços e infra-estruturas daquelas três organizações, que, no entanto,
permaneciam, organizações distintas.
As CECA, CEEA e CEE tinham já, nesse momento, em comum dois órgãos: o
Tribunal, órgão responsável pela aplicação das normas de todos os três Tratados,
quando se colocassem dúvidas a propósito da sua interpretação ou surgissem litígios
na sua aplicação; o Parlamento, órgão com atribuições de deliberação e controlo
limitadas, que pretendia representar os povos de cada um dos Estados-Membros (era
constituído por delegados dos parlamentos nacionais).
Cada um das três Comunidades dispunha, porém, de mais dois órgãos próprios:
um órgão executivo independente dos governos dos Estados-Membros (a Alta
Autoridade no caso da CECA e as Comissões, no caso da CEEA e da CEE); um órgão
deliberativo, com representantes dos governos dos Estados-Membros (os Conselhos,
com a mesma designação em todas as três Comunidades).
Esta multiplicação de pessoal e infra-estruturas era altamente ineficiente, o que
foi rapidamente reconhecido. Além disso, como acima se apontou, os projetos de
integração económica de cada uma das três Comunidades tinham muito em comum.
Mais, os projetos da CECA e da CEEA podiam ser prosseguidos como projetos
sectoriais de um projeto mais amplo, que era o proposto pela CEE. Assim, através do
Tratado de Fusão, reconheceu-se a unidade funcional das três Comunidades e,
consequentemente, estabeleceu-se que as três partilhariam um quadro orgânico
comum – um Parlamento, um Conselho, uma Comissão e um Tribunal comuns à três
Comunidades.
Não significou isto, note-se bem, que as Comunidades tenham sido fundidas
numa só. Continuavam a existir três Tratados, que previam as três Comunidades e as
respetivas competências e regras de funcionamento distintas entre si. Simplesmente,
na prática, eram as mesmas pessoas, usando as mesmas infraestruturas, aquelas a
quem estava entregue o seu funcionamento diário.
***
A primeira fase do processo de integração que aqui analisamos fica, pois,
marcada pela criação e coexistência das Comunidades (CECA, CEEA e CEE). Cada
uma foi criada por Tratado próprio e tinha as suas regras próprias de funcionamento.
Unia-as, no entanto, a ideia essencial de uma integração económica mais abrangente,
representada pela CEE. Esta unidade funcional foi reconhecida com a unificação do
quadro orgânico levada a cabo pelo Tratado de Fusão.
Podem destacar-se duas características particularmente eloquentes quanto à
natureza das Comunidades. Por um lado, recebiam, delegadas pelos Estados-
Membros, competências para decidir e agir. Não se tratava, na linha das soluções do
Direito Internacional mais tradicional e correspondentes à tendência dos que defendiam
a unificação europeia pela via da simples cooperação (conceito já acima enunciado,
sinónimo do intergovernamentalismo ou cooperação intergovernamental). Os Estados-
Membros não se limitavam a criar um fórum onde pudessem reunir-se e deliberar,
reservando sempre para si a última palavra sobre as decisões a tomar. Os Estados-
Membros entregavam nas mãos das Comunidades competências para deliberar e agir,
assumindo a perda do controlo absoluto sobre as matérias em causa (carvão e aço,
primeiro, energia atómica e políticas comerciais e económicas, depois). Esta
característica revela as Comunidades como organizações de integração. Por outro lado,
as Comunidades têm as suas competências limitadas a matérias económicas e a sua
intervenção é orientada por critérios de natureza económica.
Efetivamente, embora deva reconhecer-se que os recursos do carvão e do aço
e da energia atómica, bem como as políticas comerciais e económicas, são
politicamente sensíveis, a sua gestão pelas Comunidades não pretende orientar-se por
critérios políticos. A lógica da delegação das competências a uma organização
supranacional (desafetada dos particulares interesses nacionais) é tratar tais matérias
como matérias económicas e adotar uma gestão economicamente eficiente. Sem outros
critérios, objetivos ou aspirações, portanto, que não a eficiência económica. No
pensamento dos seus fundadores, porém, a gestão economicamente eficiente teria por
efeito natural a pacificação dos conflitos a propósito das matérias em causa e teria a
virtualidade de, no longo prazo, favorecer a criação de laços de proximidade entre os
cidadãos dos Estados-Membros. Esta conceção, faz das Comunidades organizações
funcionalistas. O que acaba de se dizer a respeito das conceções na base da criação
das Comunidades, não significa que o seu funcionamento não tenha revelado uma
tensão persistente com outras conceções.
É habitual referir um episódio histórico para ilustrar aquela tensão: a chamada
Crise da Cadeira Vazia. Em 1965 a França, opondo-se a iniciativas da Comissão a
propósito da Política Agrícola Comum, decide retirar-se das reuniões do Conselho. Com
tal comportamento, a França bloqueava o funcionamento da CEE. A crise que assim se
provocou só foi ultrapassada em 1966, com o Compromisso do Luxemburgo. Consistiu,
este, num acordo, à margem das regras do Tratado, no sentido de procurar sempre a
unanimidade e não decidir, em matérias consideradas essenciais por algum dos
Estados-Membros, contra a vontade desse Estado. Ou seja, mesmo onde o Tratado
previa que as deliberações pudessem ser tomadas por maioria, ainda que contra a
vontade de algum dos Estados-Membros (baseado numa conceção que ia além da mera
cooperação intergovernamental e que postulava cedências de soberania próprias de um
projeto de integração), os Estados-Membros concordavam em não aprovar tais
deliberações contra a vontade do Estado em causa, se este invocasse interesses
próprios considerados essenciais.
B. Segunda Fase
Se a parte da história do processo de integração acima descrita como a sua
primeira fase é constituída por eventos marcantes e por um grande desenvolvimento, a
segunda fase que agora se apresenta pode caracterizar-se como uma fase de
estagnação.
Efetivamente, as iniciativas de criação das Comunidades foram inovadoras e os
passos que puderam concretizar-se em matéria de integração económica foram
assinaláveis. Até ao início dos anos 70, as Comunidades tinham cumprido os objetivos
a que se tinham proposto. Tinham sido abolidas as restrições aduaneiras ao comércio
entre os Estados-Membros e estava em funcionamento uma política comercial comum
em face de Estados terceiros.
De alguma maneira, o desenvolvimento das Comunidades estava num impasse.
Por onde seguir? Pelo aprofundamento da integração económica, expandindo a
coordenação de políticas económicas a outras áreas para além da agricultura e
transportes, insistindo numa conceção puramente funcionalista da integração. Ou
mesmo pelo aprofundamento da integração para áreas no domínio político, mais de
acordo com uma conceção federalista da integração.
A verdade é que, o contexto de crise financeira e económica durante os anos 70,
ao contrário do clima de crescimento dos anos 60, não favoreceu iniciativas de grande
fôlego. É por isso que, durante esta que aqui identificamos como a segunda fase do
processo de integração europeia há a apontar apenas uns poucos factos, alguns com
significado simbólico.
Assim, em 1973, dá-se o primeiro alargamento das Comunidades, com a
assinatura do Tratado de Adesão do Reino Unido, Dinamarca e Irlanda. Marca o início
da expansão geográfica do projeto.
Em 1973 foi criado Fundo Europeu de Cooperação Monetária e em 1978 foi
instituído o Sistema de Monetário Europeu. Estas iniciativas são precursoras da
integração em política monetária.
Em 1979 dão-se as primeiras eleições por sufrágio direto e universal para o
Parlamento Europeu. Marca um aprofundamento democrático no processo de
integração, que assume aqui uma natureza política.
C. Terceira Fase
À segunda fase que identificámos como de impasse, segue-se uma terceira fase
de renovado impulso. Devem destacar-se, logo no início desta terceira fase, duas
iniciativas de grande significado.
De um lado, na continuidade ao projeto de integração económica das
Comunidades, Jacques Delors, Presidente da Comissão, promove a publicação, em
1985 do Livro Branco sobre o mercado interno. Consiste o Livro Branco num documento
em que se propõem mais de duas centenas de medidas para aprofundar o projeto de
integração económica. Nesse documento destaca-se, principalmente, a ideia de que o
objetivo de instituir as liberdades de circulação de mercadorias, pessoas, serviços e
capitais não está plenamente cumprido e não será cumprido enquanto não forem
removidos, para além dos obstáculos aduaneiros, os obstáculos regulatórios. Ou seja,
uma plena realização das liberdades de circulação só será possível através da
harmonização legislativa entre os Estados-Membros.
De outro lado, regressa Altiero Spinelli, autor já acima referido como
representante do pensamento federalista desde a década de 40, no debate que
antecedeu o arranque do processo de integração. Deputado no Parlamento Europeu,
apresenta em 1984 o Projeto de Tratado sobre a União Europeia. Como seria de
esperar, propunha-se a criação de uma entidade que se designaria União Europeia e
que, para além de absorver as três Comunidades e unificar todas as iniciativas da
integração europeia, acrescentaria novas dimensões ao processo. Esta União Europeia
assumiria já competências em áreas como a justiça, administração interna, a defesa e
as relações externas.
Temos, portanto, a abrir esta terceira fase da história do processo de integração
europeia, um impulso de pendor funcionalista e um impulso de pendor federalista.
I. O Ato Único Europeu
O Livro Branco da Comissão Delors deu origem, logo em 1986, à assinatura de
mais um Tratado, que foi designado por Ato Único Europeu (AUE). Essencialmente, este
Tratado alterava os Tratados já existentes (TCECA, TCEEA e TCEE).
As alterações com mais imediato impacto prático foram as que incidiram sobre
a orgânica e procedimentos das Comunidades, com o objetivo de melhorar a eficácia
do seu funcionamento. Muito importante, neste plano, o reforço dos poderes de iniciativa
da Comissão e da regra da maioria, em detrimento da unanimidade. Tratou-se de um
reforço dos aspetos que, como vimos, caracterizam o processo de integração e o
distinguem da simples cooperação, nos quadros do Direito Internacional mais
tradicional.
Para além disso, na verdade, o impulso representado pelo Livro Branco não era
inovador quanto à base do projeto de integração europeia. Mantinha-se a intenção de
construir a integração europeia a partir da economia. Dentro do campo económico,
porém, o AUE trouxe algumas novidades, todas correspondentes a um projeto de
integração mais ambicioso: o assinalar do objetivo do Mercado Interno; a introdução de
competências em política económica e monetária; a introdução de competências em
política de investigação, tecnologia e ambiente; a introdução de competências em
matéria de política social e coesão económica.
II. O Tratado de Maastricht ou Tratado da União Europeia
O Projeto de Tratado sobre a União Europeia, de Spinelli, vem a resultar, só em
1993, no Tratado de Maastricht, designado Tratado da União Europeia (TUE).
Se através do AUE o processo de integração europeia ganhava um novo fôlego
nas habituais matérias económicas, através do TUE o processo de integração europeia
passava a abranger novas matérias. No entanto, o Tratado que chegou a ser assinado
já resultava de grandes compromissos e cedências relativamente ao que fora o Projecto
apresentado por Spinelli em 1984.
Através do TUE criavam-se dois novos campos de competências: a justiça e
assuntos internos, por um lado, e a defesa e relações externas, por outro lado. Também
estas competências eram exercidas com recurso ao pessoal e infra-estruturas comuns
às Comunidades, desde o Tratado de Fusão. As três Comunidades e respetivos
Tratados continuavam, ainda assim, a existir com autonomia. Criou-se, isso sim, um
nome novo e com grande carga simbólica – a União Europeia (UE) – para designar o
complexo conjunto de Tratados coexistentes e a complexa realidade institucional que
lhes correspondia. A EU, nas palavras do próprio Tratado, baseava-se nas
Comunidades, mas abrangia dois novos conjuntos de competências. Para simplificar a
complexidade resultante da articulação dos vários Tratados coexistente, tornou-se
habitual, a partir deste momento, caracterizar a UE como um templo grego. Assim, A
União Europeia correspondia a uma cúpula assente sobre um pilar principal, constituído
pelas três Comunidades originárias, e mais dois pilares complementares, o segundo
constituído pelas regras relativas á Política Externa e Segurança Comum (PESC) e o
terceiro pelas regras relativas à Justiça e Assuntos Internos (JAI).
Nas novas áreas de atuação específicas da EU os poderes da Comissão eram
reduzidos e os processos de decisão estritamente vinculados à regra da unanimidade.
As dificuldades de encontrar uma vontade comum entre todos os Estados-Membros,
quanto ao aprofundamento da integração europeia para áreas já essencialmente
políticas, levaram a que se introduzisse, dentro do projeto de integração europeia,
componentes mais características da mais tradicional cooperação intergovernamental.
Conforme decorre do que vem dito quanto a este período, o processo de integração
europeia ganhou novos impulsos e novos rumos. É esta renovação do projeto de
integração que caracteriza a terceira fase da história do processo de integração
europeia. Característica desta fase é também a constatação do ceticismo de alguns
Estados-Membros relativamente ao aprofundamento e expansão do projeto de
integração. Consagrou-se, a partir desta fase de maior complexidade, a expressão da
Europa de “geometria variável”, para designar um projeto de integração com flexibilidade
para admitir que alguns Estados-Membros pudessem avançar em matérias em que
outros não pretendessem participar.
III. Tratados de Amesterdão e Nice
Seguiram-se ao Tratado de Maastricht, os Tratados de Amesterdão, em 1997, e
o Tratado de Nice, em 2001. Estes Tratados introduziam alterações ao TUE. Muito
embora pudessem identificar-se inúmeras alterações de grande relevância, importa
aqui sobretudo deixar a ideia de que, um e outro destes dois Tratados representaram a
consolidação do projeto de uma integração mais abrangente e aprofundada.
IV. Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa
Em 29 de Outubro de 2004, no culminar de um longo processo iniciado já alguns
anos antes, foi assinado o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa
(TCE). Com este Tratado pretendia-se fazer cessar a complexidade associada à
coexistência de vários Tratados, reunido num só Tratado todas as matérias que, por
acumulação, foram sendo incluídas no âmbito do processo de integração.
Pretendia-se também extinguir as Comunidades originárias (CECA, CEEA e
CEE), para, no lugar delas, estabelecer uma só, a União Europeia, abrangendo todas
as matérias sobre que cada uma incidia parcelarmente. Mais significativamente,
pretendia-se fundar o projeto europeu, após cerca de 50 anos, num novo paradigma.
Se em 1951, prevalecera a proposta funcionalista, em torno da qual o processo de
integração europeia se criou e desenvolveu, com o TCE pretendia-se fazer prevalecer
o modelo federalista, que relançasse um projecto de integração mais abrangente e
profundo. O TCE não chegou, todavia, nunca a vigorar, por, depois de assinado pelos
representantes dos Estados-Membros, não ter sido possível conseguir, internamente,
de acordo com as regras de cada Estado-Membro, a necessária ratificação.
V. Tratado de Lisboa ou Tratado da União Europeia e Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia
Só em 13 de Dezembro de 2007, com a assinatura do Tratado de Lisboa (TL)
foi, finalmente, possível encerrar o impasse que, na verdade, estava aberto desde 1993
e que o falhanço do TCE não conseguiu resolver. Impasse que decorria de o Tratado
de Maastricht, em virtude dos compromissos e cedências entre os Estados-Membros,
consagrar soluções que, em concreto, ficavam muito aquém da sua ideia inspiradora, a
integração europeia num molde federal.
Naturalmente, também o Tratado de Lisboa ficou marcado por enormes
cedências e compromissos. Com efeito, em boa medida, o TL corresponde ao TCE
expurgado dos seus aspetos mais polémicos, por serem mais claramente federalistas.
O que é certo, porém, é que, com o TL, se fez cessar a imensa complexidade que estava
instalada e que consistia na coexistência das três Comunidades originárias e mais dois
novos campos atuação, tudo previsto em vários Tratados cujas regras era preciso
articular.
O TL veio consagrar, antes de mais, uma nova entidade, que absorve e
concentra todo o processo de integração – a União Europeia. Ao contrário do que
sucedeu com o Tratado de Maastricht, que consagrou a União Europeia, sem
autonomia, como designação genérica para a soma dos diferentes elementos de que
se compunha o processo de integração, o TL consagra a União Europeia como uma
entidade formalmente constituída e com autonomia.
O TL aprova dois textos. Um de natureza mais geral, onde se prevêem regras
mais gerais a propósito das finalidades, objetivos e organização da União Europeia – o
Tratado da União Europeia (TUE). O outro de natureza já mais regulamentar, como os
detalhes de regimes previstos em geral no primeiro – o Tratado sobre o Funcionamento
da União Europeia (TFUE).
***
Durante a terceira fase, conforme já resulta da resenha que fizemos
relativamente à sucessão de Tratados e ao seu sentido, projeto de integração europeia
encontrou novos impulsos e novos rumos. Cabe, para terminar, identificar algumas das
traduções concretas desta renovação.
Assim, em primeiro lugar, deve destacar-se que o processo de integração
europeia que, no início dos anos 80 envolvia 9 Estados-Membros, chega aos dias de
hoje com 27 Estados-Membros. Os alargamentos começaram em 1981 com a Grécia e
terminaram em 2007 com a Roménia e a Bulgária, passando, em 1986, por Portugal.
Em segundo lugar, interessa referir que, desde o AUE, e renovadamente em
cada um dos Tratados que se seguiram, o processo de integração europeia passou a
abranger também apolítica monetária, que passa, hoje, pela existência de uma união
monetária, com uma moeda única. Esta uma das áreas em que, conforme teve de se
reconhecer, sob pena de se bloquear irremediavelmente o processo de integração
europeia, se admitiu uma Europa de “geometria variável”, admitindo-se que alguns
países optem por não participar de tais políticas (as chamadas cláusulas de opt-out).
Em terceiro lugar, deve destacar-se também, na origem das políticas de justiça
e assuntos internos, do Acordo de Schengen, relativo à supressão dos controlos
fronteiriços, originalmente envolvendo apenas a França, a Alemanha, a Bélgica, a
Holanda e o Luxemburgo. Este Acordo foi depois alargado a outros Estados e o seu
regime acabou por ser absorvido pelo TUE, incluído na política de Justiça e Assuntos
Internos.
Importa por fim, ressaltar a importância de, primeiro, em 2000 e, depois, em 2007
se ter aprovado e consagrado a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. É
esta uma dimensão fundamental e simbolicamente decisiva para um projeto que
pretende ser de integração, em última análise, dos povos da Europa e não apenas um
projeto de cooperação entre os governos dos Estados-Membros.