ISSN: 2362-3365
II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES1
3 – Movimientos Sociales y Conflictos en la Frontera / Movimentos Sociais e Conflitos na Fronteira
BAIRRO SANGA FUNDA: UMA CONQUISTA DO MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA EM CASCAVEL/PR.
Marcelo MasieroMestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia
(Espaço de Fronteira, Território e Ambiente)Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Campus de Marechal Cândido Rondon
João Edmilson FabriniProfessor de Graduação e Pós-graduação em Geografia
(Espaço de Fronteira, Território e Ambiente)Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Campus de Marechal Cândido Rondon
RESUMO: O trabalho é resultado de pesquisas que vem sendo desenvolvidas pelos autores no programa de Pós-Graduação em Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná e tem como objetivo identificar os elementos que distanciam o acesso a condições básicas de moradia na cidade de uma grande parcela da classe trabalhadora.Destaca-se a organização desses trabalhadores em movimentos sociais como forma de luta por um modelo de sociedade menos excludente e mais igualitária.A organização desses trabalhadores, na cidade de Cascavel, pode ser notada pela atuação do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia que desde início do ano de 1999 lutam de forma organizada pelo direito pela moradia e serviços públicos de qualidade na cidade. Assim, a construção do bairro Sanga Funda, inaugurado em 2009, é resultado de uma intensa luta e resistência por parte desses trabalhadores. No bairro foram assentadas 288 famílias que antes ocupavam uma área conhecida como Jardim Gramado. No entanto, ainda faltam cerca de 190 famílias nessa ocupação para serem assentadas, demonstrando que a luta desses trabalhadores não pode parar.
INTRODUÇÃOA habitação é considerada como necessidade básica do ser humano, mas no modo de
produção capitalista, tornou-se uma mercadoria que deve ser acessada a partir da compra.
1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected]
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Inserida nesse contexto mercadológico, a habitação é concebida como fonte de acumulação
de capital que se realiza por meio da compra, venda e aluguel da propriedade.
Dessa forma, para se morar é necessário ter condições de pagar por esta mercadoria
que é composta basicamente pela terra e sua edificação. Além desses elementos, os fatores
que contribuirão para a formação do preço é a localização do terreno, acesso a lugares ditos
privilegiados (escolas, shopping, centros de lazer, áreas verdes, etc.), a infraestrutura (água,
luz, esgoto, asfalto, telefone, vias de circulação, transporte), e secundariamente, os fatores
vinculados ao relevo que se refletem nas possibilidades e custos da construção (Carlos,
2011; p.46) e a classe “dominada” as regiões mais periféricas da cidade como condição
para se manter nas cidades)
Nesse sentido, é possível identificar uma dinâmica na produção do espaço urbano,
quando nos referimos à questão da moradia. As áreas mais centrais da cidade, aonde o
preço por um pedaço de terra é muito alto, tendem a ser ocupadas pelos que desfrutam de
melhores rendas ou salário, e nas áreas mais “periféricas”, carentes de infraestrutura,
tendem a ser ocupadas pela parte da população que não possui recursos financeiros para
pagar os altos preços da terra.
No entendimento de Rodrigues (1991, p.12),
Somente os que desfrutam de determinada renda ou salário podem morar em áreas bem servidas de equipamentos coletivos, em casas com certo grau de conforto. Os que não podem pagar, vivem em arremedos de cidades, nas extensas e sujas “periferias” ou nas áreas centrais ditas “deterioradas.
Essa diferenciação de produção da cidade faz com que muitas vezes as classes sociais
entrem em disputas pela ocupação de um determinado espaço. Esses conflitos serão
orientados pelo mercado, medidor fundamental das relações que se estabelecem na
sociedade capitalista, produzindo um conjunto limitado de escolhas e condições de vida.
Como afirma Harvey (1993, p.212), “o domínio do espaço sempre foi um aspecto vital da
luta de classes”. A segregação sócio-espacial presente em grande parte das cidades, pode
ser entendida como resultado dessa disputa pela apropriação e domínio de forma
diferenciada das vantagens do espaço.
Outro aspecto do processo de urbanização que “expulsa” os mais pobres de lugares
bem dotados de infraestrutura esta ligado a prioridade do poder público em investir em
obras que assegurem a eficiência da circulação de capitais, levando parcelas consideráveis
dos moradores da cidade a deslocarem para áreas menos valorizadas, que ainda não foram
atingidas por esses investimentos. Geralmente essas áreas serão novamente “armadas” de
investimentos buscando a circulação do capital e como consequência tem-se nova
expulsão.
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Esse processo pode ser mais bem compreendido ao tomar os investimentos realizados
pelo poder público para “preparar” o Brasil para o evento da Copa do Mundo de futebol quer
será realizada no ano de 2014. Segundo um estudo realizado pelo Comitê Popular da Copa
no Rio de Janeiro, o número de famílias de suas casas ou ameaçadas de remoção em
virtude das obras preparatórias para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de
2016 na cidade do Rio de Janeiro deverá ficar em torno de 8.3502.
Um exemplo disso é o que vem acontecendo na comunidade Metrô Mangueira, que
reunia aproximadamente 700 famílias e tinha cerca de 40 anos de existência. Esta
comunidade se encontrava situada a cerca de 500 metros do estádio do Maracanã, estádio
que sediará jogos da Copa do Mundo e Olimpíadas. Por conta dessa proximidade com o
estádio, no ano de 2010 a comunidade começou a sofrer com o processo de remoções das
moradias para dar lugar a construção de um futuro estacionamento para o Maracanã.
Lamentavelmente os investimentos públicos para a realização desses megaeventos
esportivos tem o interesse de beneficiar as grandes empreiteiras, construtoras, empresários
e empresas à custa da população mais carentes que provavelmente serão atropeladas pelo
“progresso”. As alternativas apresentadas pelo poder público para essa população são as
indenizações, muito abaixo dos valores de mercado, ou o reassentamento para projetos
habitacionais populares, em moradias que chega a 70 km de distância do local original. No
entanto, por lei essa distância precisa ser de até 7 km, para se preservar o máximo a rede
de relações da família antiga.
Assim, a cidade se expande, incorporando novas áreas e segregando seus moradores
com a estratificação social.
É possível identificar outro elemento que contribuem para essa segregação sócio-
espacial urbana e tem uma participação importante no distanciamento do acesso a moradia
para famílias de baixa renda. Esse elemento é a especulação imobiliária que é percebida
por uma “escassez artificial” de terras e moradia na cidade.
Esses mecanismos estão relacionados com a ocupação da cidade, ou seja, com a
geografia urbana. Ao falar sobre a especulação imobiliária Rodrigues (2001), entende que a
forma mais comum de prática da especulação imobiliária ocorre através da retenção
deliberada de lotes no interior de uma área loteada.
Em geral, vende-se inicialmente os lotes localizados em áreas mais precárias em
relação a equipamentos e serviços, para em seguida, a medida que o lote vai sendo
ocupado, colocar os demais a venda. A simples ocupação de alguns já faz aumentar o preço
dos demais lotes, valorizando assim o loteamento.
2 Famílias removidas ou ameaçadas por megaeventos no Rio ultrapassam 8.000. Disponível
em: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/05/15/familias-removidas-ou-ameacadas-por-megaeventos-no-rio-ultrapassam-8000.htm. Acessado em:16/07/2013.
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Oliveira (1978 p.78) demonstra como as construtoras ou loteadoras se procedem na
abertura de novos loteamentos urbanos, buscando grandes lucros com essas atividades:
Depois de instalados os serviços básicos (padaria, farmácia, botequins, mercearias, linhas de ônibus, etc.) é chegada a hora de colocar novas áreas a venda, obviamente por um preço superior as primeiras, a “melhoria” da localização permite dessa vez, aumentar a renda diferencial e, consequentemente, aumentar a renda fundiária auferida pelo proprietário do solo. E assim vai até o final das ultimas áreas ou lotes, elevando os preços das áreas melhor localizadas.
Mas essa dinâmica conhecida como especulação da terra pelo mercado imobiliário se
apresenta de outras maneiras, como demonstra Kowarick (1193, p.36-37) ao identificar que
entre um lote e outro, uma área sem lotear mantida sem obras. Dessa forma, espera-se a
valorização desta área “vazia” através dos melhoramentos públicos e infraestrutura básica:
A especulação imobiliária adotou um método, próprio, para parcelar a terra da cidade. Tal método consistia (e consiste) no seguinte: o novo loteamento nunca era feito em continuidade imediata ao anterior, já promovido de serviços públicos. Ao contrário, entre o novo loteamento e o ultimo já equipado, deixava-se uma área de terra vazia, sem lotear. Complementando o novo loteamento, a linha de ônibus que o serviria seria, necessariamente, um prolongamento a partir do ultimo centro equipado. Quando estendida, a linha do ônibus passa pela área não loteada, trazendo-lhe imediata valorização. O mesmo ocorria com os demais serviços públicos: para servir o ponto extremo loteado, passariam por áreas vazias, beneficiárias imediatas de melhoramento público. Dessa forma, transferia-se para o valor da terra, de modo direto e geralmente antecipado, a benfeitoria pública.
Nesse caso, o proprietário do terreno retém o terreno por um determinado período
esperando que os investimentos públicos alcancem o seu terreno possibilitando desta forma
uma valorização da terra sem que o proprietário invista de fato na melhoria, utilizando o
poder público para que seu terreno seja mias valorizado.
É um equivoco pensar que a especulação imobiliária esta presente somente nas zonas
periféricas da cidade. Ela se apresenta também com grande força, por sinal, dentro das
áreas centrais, quando zonas estagnadas ou decadentes recebem investimentos em
serviços ou infraestrutura básica. Em alguns casos, o proprietário do terreno espera a
“chegada” desses serviços de infraestrutura para em seguida decidir o fazer com aquela
área.
Esses são alguns elementos que contribuem para o distanciamento da classe
trabalhadora do direito a cidade. Sendo assim, tomando parte da situação dos processos
que dificultam o acesso da classe trabalhadora a serviços essenciais para se manter e viver
nas cidades, uma grande parte desses habitantes urbanos procuram se organizar em
movimentos sociais para conquistar ás condições mínimas de permanência na cidade
MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA EM CASCAVEL/PR
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A história de muitos movimentos sociais mostra que sua origem está estreitamente
relacionada com a falta de políticas públicas voltadas para a uma grande parte da
população. Os problemas urbanos vividos pelos habitantes das grandes cidades decorrem
da crescente incapacidade de produção capitalista assegurar meios de consumo coletivo
necessário à vida cotidiana dos moradores.
O Desemprego, aumento dos preços dos aluguéis, aumento desproporcional das tarifas
de transporte, legislação que dificulta a construção de loteamentos populares, precárias
condições de moradias, são alguns dos problemas enfrentados por uma grande parcela da
população que buscam permanecer nas cidades hoje em dia.
Buscando identificar alguns elementos que contribuem para a organização da
população nesses movimentos sociais urbanos, Kowarick (2000, p.57) entende que o
empobrecimento, a espoliação urbana ou a opressão política, são elementos que compõem
a luta por melhores condições e para as reivindicações populares. Essas reivindicações não
possuem um prazo de validade específico, podendo esgotar-se a medida de que são
atendidas, ou podem, se transformar em lutas sociais propriamente ditas. Isso vai depender
de como o movimento se desenvolver e se relaciona com as demais forças ou grupos
sociais envolvidos nesse processo.
Destaca-se que o surgimento dos movimentos não ocorre de forma espontânea sendo o
mesmo construído através de relações sociais e problemas comuns enfrentados no
cotidiano desses trabalhadores urbanos.
Referente a essa luta organizada por melhores condições de vida na cidade, temos
como exemplo, entre outros movimentos, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia
(MNLM). Esse movimento foi criado em julho de 1990 no I Encontro Nacional dos
Movimentos de Moradia realizado no estado de Goiás, e hoje conta com a representação de
delegados em 15 estados: Pará, Acre, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, São Paulo,
Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Tocantins,
Paraná, Paraíba e Rio Grande do Sul. O movimento materializou-se depois de grandes
ocupações em áreas e conjuntos habitacionais nos centros urbanos, deflagrados
principalmente na década de 1980.
O movimento tem como objetivo central a Reforma Urbana, uma reestruturação das
cidades brasileiras através de uma mudança no sistema atual que é considerado pelo
movimento como excludente e que promove falta de habitações, educação e necessidades
básicas. O movimento não se restringe apenas na luta pela moradia, sendo mais
abrangente e lutando por serviços públicos e de qualidade, pois consideram como
elementos importantes na construção de uma cidade para todos, que supra a necessidade
de toda a população.
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A partir da materialização do MNLM o seu crescimento foi ganhando mais força e
expandindo sua atuação por muitos estados e munícipios do país com o objetivo de
organizar as famílias que se encontram em condições precárias de moradia.
Na cidade de Cascavel, localizada no Oeste do estado do Paraná, o Movimento
Nacional de Luta Pela Moradia começa a se organizar no ano de 1999. Após um mês de
reuniões quase diárias, os integrantes do movimento decidem ocupar uma área para
chamar a atenção da sociedade cascavelense para o problema de falta de moradia
existente na cidade. A ideia inicial de alguns integrantes era ocupar uma área localizada em
um bairro nobre da cidade, bairro Country. O bairro tem como características o alto padrão
das construções e os altos valores cobrados pelos terrenos, variando entre 200 a 400 reais
o metro quadrado3. No entanto, não houve consenso entre os integrantes do movimento
para a ocupação dessa área no bairro country.
Uma nova área surge como proposta de ocupação pelo movimento, essa localizada no
bairro Jardim Gramado, região próxima ao centro da cidade e ao bairro São Cristóvão. A
área em questão pertencia ao extinto Banco Transcontinental que possuía uma dívida de
cerca de R$ 200 mil (ano de 1999), com a prefeitura de Cascavel referente ao não
pagamento de impostos.
No dia 13 de fevereiro de 1999 os integrantes do movimento ocupam a área no bairro
Jardim Gramado. O número de presentes no primeiro momento da ocupação era de 10
famílias. Segundo o coordenador do MNLM – Cascavel (Sílvio Gonçalves)4 ao fim do
primeiro dia da ocupação já era possível identificar mais de 300 famílias no terreno ocupado
pelo movimento, esse crescimento serviu como indicativo da grande necessidade de
moradias e disposição de luta dos despossuídos da cidade.
Muitas famílias que ali chegavam ficaram sabendo da ocupação através do rádio, outros
eram moradores de bairros próximos a ocupação, como o bairro esmeralda. Além do rádio,
as primeiras notícias sobre a ocupação começavam a ser publicadas nos jornais. E no dia
quatorze de fevereiro de 1999 o jornal O Paraná fazia um balanço, até o momento imparcial,
da ocupação.
Algumas famílias continuavam chegando até a ocupação, com menos intensidade do
que nos primeiros dias, mas as expectativas de melhores condições de vida na cidade
tinham como proposta a ocupação do Jardim Gramado.
A primeira atividade foi o cadastramento das famílias que ali chegavam para se ter um
controle e escalar as rondas noturnas e diurnas na ocupação. Após essas atividades,
reuniões diárias e enfrentamentos com a polícia pela reintegração de posse, totalizando dois
pedidos de reintegração, faziam parte do cotidiano das famílias da ocupação.
3 Plano Municipal de Habitação Município de Cascavel, 2010. P. 224 Entrevista realizada com Sílvio Gonçalves, na data de 4 de abril de 2011/ Cascavel-Pr.
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Dessa forma, o movimento foi criando uma identidade e os próprios sujeitos adquirindo
consciência a partir do momento em que participavam ativamente da luta, Santos (2008,
p.16) afirma que de modo geral:
Os movimentos populares elaboram seus projetos na prática cotidiana, no desenrolar das lutas... Durante esse processo, os participantes dos movimentos descobrem seus direitos sociais, se conscientizam das causas de segregação socioespacial, identificam os espaços socialmente diferenciados.
Após quase seis meses de ocupação do terreno, a justiça faz mais um pedido
reintegração de posse do terreno. Novamente a tentativa foi frustrada, no entanto desta vez
o conflito entre integrantes do movimente e Polícia Militar foi mais tenso.
O resultado desse conflito foram duas pessoas presas (ambas do Movimento) e sete
pessoas feridas: três PMs e quatro integrantes do movimento. A polícia usou de força física
para exigir a saída das famílias e um “sem-teto” foi jogando dentro de um poço de
aproximadamente cinco metros5. Alguns barracos forma destruídos pela prefeitura, que
também participou da tentativa de reintegração de pose. No entanto as famílias
permaneceram na ocupação.
Buscando evitar novos conflitos como a polícia e na tentativa de negociar uma nova
área para assentar as famílias que se encontravam na luta por uma moradia, uma comissão
de negociação foi criada. Essa comissão era composta por moradores do bairro Jardim
Gramado, integrantes do MNLM – Cascavel, representantes da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), pastorais da saúde, social e da criança, alguns sindicatos da cidade e
região além do, na época deputado estadual Edgar Bueno que prometeu acompanhar as
negociações. A comissão serviria como intermediador para a negociação entre as famílias
que ocupavam a área e o proprietário do terreno.
Após a criação da comissão de negociação, a prefeitura que até então não tinha se
posicionado publicamente, resolveu se manifestar sobre a ocupação. Segundo o chefe de
gabinete da prefeitura na época, Cassius Barreiro, a prefeitura sugeriu aos representantes
da Transcontinental, que adquirissem outra área para assentar as famílias que se
encontravam na ocupação do Jardim Gramado. A prefeitura se comprometia em apressar e
regularizar esta nova área. O Banco então teria de volta o terreno, podendo negociar com os
“sem-teto” a venda dos novos terrenos por preços acessíveis6.
Após algumas tentativas de negociação entre as partes (movimento, prefeitura e
proprietários do terreno), um acordo foi firmado no ano de 2001. No acordo, a empresa
Transcontinental se comprometeu a adquirir uma nova área e destiná-la ao Movimento para
que as famílias fossem realocadas. A área comprada se localizava no bairro Jardim Itália. 5 Entrevista realizada com Sílvio Gonçalves, na data de 4 de abril de 2011/ Cascavel-Pr.6 Jornal A Cidade, Cascavel, 29 de maio de 1999. Geral, p. 05.
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Essa área foi destinada ao município que ficaria responsável em promover a infraestrutura
para que em seguida as famílias da ocupação pudessem ser transferidas. No entanto a área
do bairro Jardim Itália foi considerada pelo Ministério Publico como área de preservação
ambiental, impossibilitando a transferência das famílias para essa nova área.
Com o embargo da área, um novo local, esse próximo ao bairro Floresta, foi
escolhido para que as famílias que se encontravam na ocupação fossem transferidas. Essa
nova área foi adquirida pela empresa Transcontinental e em seguida repassada a prefeitura
para que realizasse os serviços de terraplanagem, abertura das ruas, iluminação pública e
saneamento básico, depois de realizado esses serviços foi realizada a transferência da área
para o Movimento.
O repasse deste terreno ao Movimento teve um significado importante para as
famílias que se encontravam organizada no MNLM-Cascavel, pois essa conquista
possibilitou a realização de um sonho de uma parte dessas famílias que lutavam pela
moradia no município. No terreno foi construído um bairro com nome Sanga Funda, aonde
foram assentadas uma parte das famílias do movimento.
A área conquista para a construção do bairro Sanga Funda (Figura 1) corresponde a
um total de 148.000 metros quadrados. Sendo que 46.000 metros são de área construída e
o restante se divide em área de preservação de área de consumo coletivo.
Figura 3 – Vista do Bairro Sanga Funda
Fonte: Trabalho de Campo, 2011
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Para esse bairro, foram deslocadas 288 famílias pertencentes ao movimento de luta
pela moradia, as quais se encontravam na ocupação do Jardim Gramado. Os critérios que
mais somou forças para a transferência das famílias para o Sanga Funda foi o tempo de
permanência e luta no movimento em Cascavel.
Como pode perceber houve o atendimento de apenas uma parte do movimento que
conseguiu a sua moradia, pois ainda restam 186 famílias na ocupação do Jardim Gramado
que ainda hoje estão na luta para conseguir habitação.
Os serviços foram executados com recursos federais, oriundos do Ministério das
Cidades, repassados através da COHAPAR (Companhia de Habitação do Paraná).
Três modelos de casas foram apresentados no projeto, buscando atender as
diferentes necessidades das famílias. Sendo que as famílias com crianças e idosos ficariam
com as casas avulsas; os sobrados e germinados seriam destinados às demais famílias.
As casas do bairro Sanga Funda foram construídas no sistema de mutirão e
autogestão e levaram em torno de quatro anos para serem concluídas. Muitos
trabalhadores, integrantes do movimento, contribuíram para a construção das casas. O
trabalho era remunerado, mas sem intervenção de construtoras. Quem “contratava” os
trabalhadores era a própria coordenação do movimento. Esses trabalhadores não possuíam
carteira assinada.
A construção desse bairro representou um avanço significante para os integrantes do
movimento, demonstrando que através da resistência e da luta a construção de uma nova
sociedade é possível. No entanto, a conquista da moradia não significou o fim da luta por
melhores condições de vida.
Após o assentamento urbano das famílias para o bairro Sanga Funda, o movimento
firmou um compromisso juntamente com o Ministério Público. Nesse compromisso ficou
acertado que uma área de terra seria comprada e destinada ao movimento para beneficiar o
restante das famílias no Jardim Gramado (186 famílias). Ficou firmando que esse terreno
deveria ser entregue ao movimento em um prazo de 30 dias.
Segundo o coordenador do movimento em Cascavel, a prefeitura ficaria responsável
em providenciar um terreno e assentar o restante das famílias que ficaram no Jd. Gramado.
O coordenador relata que já estava tudo certo; o projeto feito; liberada uma verba de R$ 2
milhões do Governo Federal para a construção de 80 unidades e até o convênio já havia
sido assinado. Mas na última hora, a administração municipal revogou os decretos e
convênios, e nada foi feito.
Após um ano de espera, o coordenador entrou em contato com o proprietário do
terreno, extinto Banco Transcontinental, com o intuito de viabilizar mais uma área para que o
restante das famílias que ainda se encontravam na ocupação tivessem a oportunidade de
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ter uma casa. Depois de um período de negociações, ficou firmado que o proprietário da
terra compraria um terreno, e que em seguida fosse destinado ao movimento para que enfim
as casas pudessem ser construídas às famílias restantes.
CONSIDERAÇÕES FINAISO estudo sobre a participação dos movimentos sociais na luta por melhores
condições de vida na cidade, resultado de um modelo de urbanização que distância o
acesso a diretos básicos (moradia, educação, saúde) da classe trabalhadora, possibilitou
uma reflexão sobre os desafios e conquistas desses movimentos sociais que levam em suas
lutas a construção de uma sociedade mais igualitária.
A participação do Movimento Nacional de Luta por Moradia na organização dos
trabalhadores no processo de luta pela moradia no município de Cascavel possibilitou
verificar que o Movimento representa um considerável avanço na luta por condições mais
dignas de vida na cidade de Cascavel. Indica também que o fato de um grande número de
famílias buscarem se organizar no Movimento de luta pela moradia, representa a
necessidade de mais políticas públicas que atenda aos interesses de uma população menos
favorecida e carente de condições básicas de vida na cidade.
É importante ressaltar que o Movimento não se restringe apenas a luta pela moradia
e políticas públicas, indo além e propondo uma reforma urbana, na qual o acesso à moradia
é apenas um elemento de um processo que busca tornar a cidade um direito a todos. Lutam
por uma nova lógica que universalize o acesso aos equipamentos e serviços urbanos,
possibilitando uma condição de vida urbana mais digna.
Verifica-se ainda que a construção do bairro Sanga Funda foi uma grande conquista
para uma parte das famílias organizada nesse Movimento, e demonstra que a luta é um
instrumento importante quando se busca reivindicar melhores condições de vida e
transformações na sociedade. Assim, enquanto morar for um privilégio, ocupar será um
direito.
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KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. __________ As lutas sociais e a cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto, 1991. ________ Violência contra os movimentos populares e resistências. Geografia em Questão. v. 4, n. 1, p.9 – 17. 2011. ________ Desigualdades Socioespaciais – A luta pelo direito a cidade. Cidades. Presidente Prudente, v. 4, p.73 – 88. 2008. SANTOS, Regina Bega dos. Movimentos sociais urbanos. São Paulo: Editora UNESP, 2008. Secretária Municipal de Planejamento e Urbanismo (SEPLAN), Plano Municipal de Habitação Município de Cascavel. Dezembro de 2010JORNAISO Paraná. Famílias ocupam 420 lotes em Cascavel. Cascavel, 14 de fevereiro de 1999. Geral, p. 10.O Paraná. Banco aciona justiça para reaver terrenos. Cascavel, 19 de fevereiro de 1999. Local, p. 14.A Cidade. Sulbrasileiro desiste de negociações. Cascavel, 1º de junho de 1999. Geral, p.05.GABRIEL, L. Sem-teto repetem proposta da prefeitura. A Cidade. Cascavel, 29 de maio de 1999. Geral, p. 05.
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