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O PROBLEMA DO MILÊNIO LITERAL (versão reduzida)
Juarez Torres de Almeida
RESUMO
Os cristãos discutem e divergem sobre escatologia há muitos séculos.
Discutem sobre como se dará a volta de Jesus; sobre o arrebatamento da
Igreja; o aparecimento do anticristo; o fim do mundo; o juízo final; a existência
do inferno e inúmeras outras questões relacionadas ao final dos tempos, mas
nenhuma dessas questões tem tantas e tão grandes divergências quanto o
reino milenial de Cristo. Pré-milenistas, pós-milelistas e amilenistas
esquadrinham as Escrituras Sagradas para encontrar respaldo para suas linhas
escatológicas. Infelizmente, alguns desses estudiosos, para fazer valer aquilo
que defendem, tentam forçar a Bíblia a dizer aquilo que querem, interpretando
passagens sem preocupação com o contexto e, vez por outra, até criando
teorias e doutrinas descabidas. O milênio é tratado em apenas uma passagem
da Bíblia, em seu livro mais simbólico e de difícil interpretação: o Apocalipse.
Não obstante, algumas correntes interpretam-no como um espaço de tempo de
mil anos literais, enquanto outras o entendem de maneira simbólica. A presente
pesquisa traz luz sobre a questão da não-literalidade do reino milenial,
identificando, assim, a corrente escatológica que mais se aproxima da verdade
apresentada pelos escritos bíblicos: O amilenismo.
I
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 3
2. RESUMO DO PENSAMENTO DAS PRINCIPAIS CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO ESCATOLÓGICA
5
3. REINO DE DEUS: FÍSICO OU ESPIRITUAL? 9
4. QUESTÕES NÃO RESPONDIDAS 12
5. OUTRAS QUESTÕES PERTINENTES 24
6. CONCLUSÃO 28
7. REFERÊNCIAS E OBRAS CONSULTADAS 29
II
INTRODUÇÃO
O estudo da escatologia bíblica é algo fascinante para a grande maioria
dos teólogos. Não só por causa do desejo inato do homem de conhecer as
coisas que hão de acontecer, mas especialmente pelo desafio de investigar um
assunto extremamente controverso e rico em textos, teorias e conclusões
diversas.
No âmago das divergências escatológicas, encontra-se o Reino de Deus:
Alguns dos mais renomados escritores dispensacionalistas defendem a ideia de
um reino político literal de Jesus Cristo, em Jerusalém, com duração exata de
mil anos, que se iniciará imediatamente após a Grande Tribulação; outros, não
menos dignos de respeito no meio teológico, afirmam que esse reino já está
implantado desde a primeira vinda de Cristo, e que os mil anos não são literais,
mas uma expressão simbólica que corresponde a todo o período de tempo
entre a primeira vinda e a volta do Messias.
A despeito de ambas as opiniões apresentarem certas dificuldades
hermenêuticas, a primeira parece conter mais fragilidades, quando confrontada
com certos textos considerados essencialmente escatológicos, principalmente
pelo fato de as conclusões não se harmonizarem com outros textos não-
escatológicos, mas não menos importantes para uma clara compreensão do
Reino de Deus. Segundo os dispensacionalistas, Jesus veio para implantar seu
reino milenial e político durante o domínio romano na Palestina, mas não o fez
por ter sido rejeitado pelos judeus. Resolveu então adiá-lo para a ocasião da
sua segunda vinda, milhares de anos mais tarde. O dispensacionalismo
defende que Cristo arrebatará sua Igreja, dando início ao período conhecido
como "Grande Tribulação", que terá duração de sete anos. Logo depois, terá
início um período de mil anos, nos quais Jesus Cristo reinará, Satanás ficará
4preso e todos terão ainda chances de conversão e salvação. Ao final dos mil
anos, Satanás será solto e convencerá uma multidão incontável a lutar contra
Deus.
Vários textos são invocados para defender essa corrente, todavia, outros
tantos são utilizados para rechaçá-la. Essa pesquisa visa interpretar o milênio
de modo coerente e o mais harmonioso possível com o texto bíblico.
CAP. 1RESUMO DO PENSAMENTO DAS PRINCIPAIS CORRENTES
DE INTERPRETAÇÃO ESCATOLÓGICA
A busca por respostas com relação ao que acontecerá no fim dos tempos
não é uma exclusividade dos dias atuais. Desde o tempo do Antigo Testamento,
o homem tenta interpretar corretamente o que encontra nas profecias. Os livros
dos profetas Daniel e Zacarias, por exemplo, instigam a humanidade há
milhares de anos, com seus sonhos e visões sobre acontecimentos vindouros.
No Novo Testamento, o livro de Apocalipse e alguns trechos dos evangelhos e
das epístolas são fontes inesgotáveis de teorias sobre os últimos momentos da
história humana sobre a Terra.
Existem três grandes correntes de interpretação escatológica que
presumem deter a verdade quanto à volta de Jesus e o estabelecimento do
Reino Milenial. São elas:
Pós-milenista: Acredita que a volta de Jesus se dará após o Milênio, que
será um reino de paz e justiça implantado pelo sucesso da evangelização
desencadeada pela Igreja. Essa teoria perdeu força nas últimas décadas,
principalmente por causa das duas Grandes Guerras e da degradação dos
padrões morais da sociedade, mas ainda encontra alguns defensores.
Amilenista: Defende que o Milênio é o período de tempo entre a vinda de
Jesus, já ocorrida, e a sua volta. O reino milenial é espiritual. Cristo já está
reinando, soberano, no céu e nos corações convertidos a Ele, e seu reino
jamais terá fim. Na sua volta, após a Grande Tribulação, a Igreja será
arrebatada, o anticristo será vencido, os mortos ressuscitarão, ocorrerá o Juízo
Final e o início do Perfeito Estado Eterno. De acordo com Hernandes Dias
Lopes: "O amilenismo tornou-se a interpretação dominante no Concílio de
Éfeso[...]. As confissões reformadas, sem exceção, abraçaram também o
6Amilenismo. Essa corrente parece-nos a que mais consistentemente interpreta
o livro de Apocalipse[...]".(1)
Pré-milenista: Cristo voltará antes do Milênio. A Igreja será arrebatada
antes da Grande Tribulação (para os pré-tribulacionistas) e, logo após o Milênio,
virá o Juízo Final. Esse modelo escatológico procura interpretar os textos
bíblicos literalmente, sempre que isso parecer possível. O pré-milenismo divide-
se em Clássico (ou Histórico) e Dispensacionalista.
O dispensacionalismo entende o Milênio da seguinte forma:
Ao arrebatamento da Igreja seguir-se-á a Grande Tribulação, um período
de sete anos dominado pelo anticristo. Terminados esses sete anos, Jesus
voltará para estabelecer o Milênio: um governo terreno, político e literal, com
sede um Jerusalém. Durante esses mil anos de governo de Cristo, o Templo
será novamente construído, conforme a descrição encontrada nos capítulos 40
a 44 do livro do profeta Ezequiel. Alguns sacrifícios e ofertas do Antigo
Testamento serão restaurados e observados por Israel, com participação dos
gentios. Os crentes glorificados conviverão com os mortais: "Os povos naturais,
em estado físico normal, vivendo na Terra, a saber: os judeus salvos saídos da
Grande Tribulação, os gentios poupados no julgamento das nações, e o povo
nascido durante o próprio Milênio."(2) Israel será uma bênção para todos os
povos, pois de Jerusalém sairão as diretrizes religiosas e as leis civis para o
mundo. O conhecimento de Deus será universal e a piedade, a paz e a justiça
prevalecerão entre todas as nações. Haverá também um pleno derramamento
do Espírito Santo como jamais imaginou-se haver e acontecerá uma
restauração em toda a face da Terra, tornando o solo maravilhosamente fértil.
___________________________________
¹ Hernandes Dias Lopes, Apocalipse - O Futuro Chegou, pág. 29.2 Antonio Gilberto, O Calendário da Profecia, pág. 80.
7Algumas festas judaicas serão também restauradas.
Ao término desse período extraordinário de bênçãos e prosperidade,
Satanás, que estivera preso por todo o Milênio, será solto para seduzir as
nações e conseguirá reunir um número incontável de pessoas, segundo
Apocalipse 20:8, para uma batalha física contra o próprio Deus. Este lançará
fogo do céu, que os consumirá.
Resumidamente, esse é o pensamento mais aceito pelos pré-milenistas
dispensacionalistas. Apesar de grande parte deles apresentar certa
inflexibilidade na maioria dos pontos de sua teologia, o escritor e missionário
pré-milenista Kepler Nigh, que dedicou quinze anos à conclusão de seu livro,
demonstra equilíbrio ao escrever no prefácio do mesmo:
Estudar o tema profético, muitas vezes, torna-se paradoxal. Por um lado, devemos confessar que não temos todas as respostas, e por outro, não é possível estudar este assunto sem seguir uma metodologia que nos obrigue a sermos objetivos. E isso devido ao fato de que a matéria se presta à subjetividade individual. Além do mais, nosso entendimento do tema vai crescendo à medida que se aproxima de nós a vinda do Senhor. Tudo isso significa que não devemos nos surpreender diante do fato de existirem opiniões diferentes. Na verdade, são poucos os estudiosos que sustentarão os mesmos pontos de vista com relação a cada detalhe dos livros de Daniel e Apocalipse, ainda que esses estudiosos pertençam a uma mesma escola de interpretação. Portanto, seria um grande erro pretender que nossas conclusões possam ser qualificadas como definitivas.(3)
Serão vistos, nos capítulos seguintes, alguns problemas hermenêuticos
___________________________________3 Kepler Nigh, Manual de Estudos Proféticos, pág. 9.
8gerados pela interpretação literal do Milênio, acompanhados de textos bíblicos e
comentários de estudiosos que os defendem ou os refutam.
CAP. 2REINO DE DEUS: FÍSICO OU ESPIRITUAL?
São evidentes as dificuldades de interpretação apresentadas por
algumas passagens e expressões bíblicas. Há muitos séculos a humanidade se
debruça sobre essa coleção de livros para extrair dela as suas preciosas
verdades. Contudo, nem sempre a tarefa é fácil: suas páginas cheias de amor e
esperança também são tema de discussões ferrenhas sobre predestinação ou
livre-arbítrio; separação ou unidade entre alma e espírito; trindade;
acontecimentos futuros e tantos outros assuntos que dificilmente chegarão a
alguma conclusão unânime. Todavia, outras passagens e expressões são de
fácil interpretação, mas alguns teólogos teimam em torná-las obscuras. É o
caso das expressões "reino de Deus" e "reino dos céus".
Ambas as expressões designam um mesmo reino. Isso é inquestionável,
pela simples observação dos evangelhos: O evangelista Mateus utilizou a
expressão "reino dos céus" nas mesmas passagens em que Marcos e Lucas
preferiram "reino de Deus". Mateus escreveu: "Em verdade vos digo que entre
os que de mulher têm nascido, não apareceu alguém maior do que João
Batista, mas aquele que é menor no reino dos céus é maior do que ele"
(Mateus 11:11). Na passagem correlata de Lucas, lê-se: "Eu vos digo que,
entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João Batista, mas
o menor no reino de Deus é maior do que ele" (Lucas 7:28). Em outro ponto,
Mateus registrou assim as palavras de Jesus: "O reino dos céus é semelhante
ao fermento que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha até
que tudo esteja levedado" (Mateus 13:33). Já Lucas documentou em seu
evangelho: "A que compararei o reino de Deus? É semelhante ao fermento que
uma mulher, tomando-o, o escondeu em três medidas de farinha até que tudo
levedou" (Lucas 13:20,21). E mais: "Porque vos é dado conhecer os mistérios
10do reino dos céus" (Mateus 13:11), escreveu Mateus, enquanto Marcos
preferiu: "A vós é dado conhecer os mistérios do reino de Deus" (Marcos 4:11).
Isso ocorre um outras passagens dos evangelhos sinóticos, debilitando
qualquer tentativa de interpretar "reino dos céus" diferente de "reino de Deus".
Apesar da irrefutável autoridade dos evangelhos, a Bíblia de Scofield, cujas
anotações, notas de rodapé e comentários são muito utilizados pelos Pré-
milenistas dispensacionalistas, teima em diferenciar as duas expressões. Sobre
isso, o escritor amilenista Harald Schaly observa:
Os dispensacionalistas, para harmonizarem suas pressuposições tendenciosas, têm que fazer diferenças entre as expressões "reino de Deus" e "reino dos céus", nos evangelhos. Scofield diz que "o Reino de Deus deve ser distinguido do Reino dos Céus. O Reino de Deus é universal, incluindo todos os seres morais inteligentes, voluntariamente sujeitos à vontade de Deus, quer sejam anjos, a Igreja ou santos das dispensações passadas ou futuras; enquanto que o Reino dos Céus é Messiânico, Mediatório e Davídico, e tem por objetivo o estabelecimento do Reino de Deus sobre a Terra. Só se entra no Reino de Deus pelo novo nascimento (João 3:37). O Reino dos Céus, nesta era (ou dispensação), é a esfera de uma profissão (cristã) que pode ser genuína ou falsa." É de se estranhar que, se há esta diferença entre um e outro reino, os três evangelistas do Novo Testamento, Mateus, Marcos e Lucas, não estivessem conscientes disso [...]. Para os dispensacionalistas, o Reino dos Céus é o Milênio, um império temporal judaico, que será sediado em Jerusalém, do qual Cristo será o imperador, e o Reino de Deus é um reino universal espiritual, que terá sua consumação no fim do Milênio. Nós, porém, cremos que, nos Evangelhos, as expressões Reino dos Céus
11e Reino de Deus são sinônimos perfeitos [...].(4)
Compreendendo que ambas as expressões significam exatamente a
mesma coisa, a idéia de um reino político e literal sobre a Terra começa a ruir
quando ouve-se o próprio Jesus Cristo afirmar que "O meu reino não é deste
mundo"(João 18:36) ou "o reino de Deus está dentro de vós"(Lucas 17:21) ou
ainda "o reino de Deus não vem com aparência exterior" (Lucas 17:20). Logo,
afirmar que Cristo reinará durante um milênio literal, visível e terreno, gera um
problema teológico dos mais graves: ou Cristo sem enganou, o que seria
impossível na concepção dos cristãos; ou os evangelistas se enganaram, o que
seria igualmente impossível, sendo a Bíblia a Palavra de Deus.
Uma outra fala de Jesus, sozinha, já seria o bastante para mostrar como
ambas as expressões representam o mesmo reino:
Disse, então, Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no Reino dos céus. E outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no Reino de Deus.(5)
Assim sendo, insistir em dicotomizar o Reino de Deus é mostrar pouco
conhecimento dos textos bíblicos ou incredulidade em relação às palavras do
Mestre.
___________________________________4 Harald Schaly, O Pré-milenismo Dispensacionalista à Luz do Amilenismo, pág. 52.5 João Ferreira de Almeida, Bíblia Sagrada Revista e Corrigida, Mateus 19:23,24.
CAP. 3QUESTÕES NÃO RESPONDIDAS
Diante da hipótese de um milênio literal, o estudante do assunto se
coloca numa situação que gera mais questões do que respostas. Acreditam os
pré-milenistas que a vinda de Jesus se dará em duas etapas: a primeira antes
do início da Grande Tribulação, para arrebatar a Igreja e retirar o Espírito Santo
da Terra. Com isso, o Anticristo se manifestará, trazendo uma falsa paz: "O
Anticristo manifestar-se-á após o arrebatamento da Igreja e a retirada do
Espírito Santo, pois atualmente, como diz Paulo, é ele, o Espírito Santo, que o
detém. (II Tessalonicenses. 2:3-6)".(6)
Há uma grande discussão com relação a esse misterioso texto da
epístola de Paulo aos tessalonicenses, pois o apóstolo não se preocupa em
expor claramente o que (ou quem) detém a revelação do Homem da Iniquidade.
Para alguns teólogos seria o Império Romano, dominante e soberano à época
da produção da carta; outros acreditam que a Igreja de Cristo mantém o iníquo
sob controle, através da pregação do Evangelho no mundo; há ainda os que
defendem que Paulo está falando do próprio Deus. Russell Shedd, o respeitado
teólogo, escritor e comentarista bíblico, opina acerca disso:
Quem não permite a manifestação do "Homem sem lei" seria o Espírito Santo, que segundo esta posição, seria afastado com a elevação da igreja para os ares antes da Grande Tribulação. Não existe apoio no Novo Testamento para esta sugestão. Parece até insustentável à luz de uma comparação entre duas afirmações nas epístolas aos tessalonicenses. A primeira indica que haverá crentes até a chegada do Senhor na sua parúsia. [...] (1Ts 4:15). A segunda afirma que o iníquo será
___________________________________6 Jorge de O. Bezerra, Terceiro Milênio. E agora?, pág.144.
13destruído pela manifestação da sua vinda [gr. rousia]" (2Ts 2:8). Os vivos (membros da igreja), ficaremos até o Anticristo ser afastado do poder, ser vencido e ser lançado no lago que arde com fogo e enxofre na ocasião da vinda do Senhor (Ap 19:20). (7)
A ideia da retirada do Espírito Santo no momento do arrebatamento da
Igreja, gera ainda outro problema grave: como haverão de se salvar aqueles
que enfrentarem a Grande Tribulação? Haverá convencimento, arrependimento
e salvação sem a presença do Consolador, ou aqueles que não forem
arrebatados estarão irremediavelmente perdidos? Os dispensacionalistas têm
uma opinião bastante polêmica sobre isso:
Esta pergunta frequentemente é feita pelo povo de Deus: Então haverá possibilidade de salvação durante o período da Grande Tribulação? Respondemos que sim: haverá! É claro, portanto, que haverá santos de Deus durante o período crítico desse sofrimento, porém, não serão "membros do Corpo de Cristo" [...] (8)
Outros arriscam dizer que o Espírito Santo pode ser substituído pela fé
em Jesus Cristo, para aqueles que nem sequer chegaram a conhecê-lo,
complicando ainda mais o emaranhado teológico dispensacionalista:
Haverá salvação durante a Grande Tribulação? Muitos perguntam isso em todos os lugares. - Sim, haverá. [...] Muitos objetam aqui, dizendo: - "Como pode haver salvação nessa época, quando a Dispensação da Graça estará finda e o Espírito Santo já terá arrebatado a Igreja?" Respondemos
___________________________________7 Russell P. Shedd, Escatologia do Novo Testamento, pág. 44.8 Severino Pedro da Silva, Escatologia - Doutrina dos Últimos Dias, págs. 70, 71.
14com outra pergunta: - "Como o povo se salvava antes da Dispensação da Graça, e, como operava o Espírito Santo nessa época?" - O povo se salvava pela fé no Redentor que havia de vir. (9)
Uma rápida leitura do início de Gênesis basta, para mostrar que o
Espírito Santo já estava presente na Terra desde a sua formação, pois Ele
"...pairava sobre a face das águas" (Gênesis 1:2). Isso é muito diferente de "ser
retirado" e já não atuar mais na Terra. Durante todo o Antigo Testamento o
Espírito que convence o mundo do pecado, da justiça e o juízo já operava nos
corações humanos, enquanto que, por ocasião do arrebatamento, Ele não
estará mais aqui, segundo a interpretação da maioria dos pré-milenistas
dispensacionalistas. Como, então, poderia haver salvação?
Outro ponto obscuro na frágil visão dispensacionalista é entender como
será a vida dos não salvos durante o Milênio. De acordo com os defensores da
literalidade desse período, continuarão acontecendo nascimentos, conversões e
mortes. E mais ainda: os crentes glorificados conviverão com os ímpios.
Explicar como se dará essa interação entre corpos incorruptíveis e pecadores
que apenas esperam Satanás ser solto, ao final do Milênio, para se rebelarem
contra Cristo é uma tarefa demasiadamente árdua. Entretanto, é com relativa
facilidade que encontramos descrições detalhadas de como será a vida durante
os mil anos de governo de Jesus nos livros de autores dispensacionalistas:
Haverá dois grupos de povos distintos no Milênio: 1. Os crentes glorificados, que consistem dos salvos do Antigo Testamento; dos do Novo Testamento (a Igreja), e dos oriundos da Tribulação. [...] 2. Os povos naturais, em estado físico normal, vivendo
___________________________________9 Antonio Gilberto, Op. cit., págs. 57, 58.
15na terra, a saber: os judeus salvos saídos da Grande Tribulação, os gentios poupados no julgamento das nações e o povo nascido durante o próprio Milênio. (10)
O conhecimento de Deus será universal. Esse conhecimento não virá primordialmente pelo estudo. Será antes intuitivo. [...] Isso será muito maravilhoso! [...] A população da Terra crescerá rapidamente sob as benignas condições do Milênio. Multidões serão salvas. Se não houvesse salvação durante o Milênio, isso seria uma decepção. (11)
Outro problema de grandes proporções, causado pela interpretação
literal do capítulo vinte de Apocalipse, é encontrar uma explicação satisfatória
para a rebelião comandada por Satanás ao final do período milenial. Na
interpretação pré-milenista, que é sempre o mais literal possível, inclusive em
textos escatológicos, os acontecimentos se darão assim: 1) Satanás será
acorrentado e ficará completamente inativo por todo o Milênio; 2) Jesus Cristo
será entronizado e reinará pelos mil anos de uma forma justa e perfeita como o
mundo jamais experimentou; 3) Quase no final desse período, Satanás será
solto de sua prisão, com o intuito de seduzir aqueles que foram forçados a se
submeter ao governo de Cristo; 4) Ele conseguirá, então, reunir uma multidão
incontável para lutar contra Deus; 5) Quando estiverem prontos para a peleja,
Deus destruirá esse exército de rebeldes e lançará todos eles no lago de fogo.
Uma interpretação literal dessa passagem encontra barreiras que, para
muitos teólogos, são intransponíveis: 1) Como uma multidão tão grande, que
___________________________________10 Antonio Gilberto, Op. cit., pág. 8011 Ibid., pág. 83
16experimentou a justiça, a retidão, o amor, o cuidado e a paz de Jesus durante
mil anos pode se rebelar tão facilmente? 2) Que argumento Satanás usará para
convencê-los de que poderão vencer o Deus Todo-poderoso que o manteve
preso por todo o Milênio? 3) Se haverá tantas conversões durante o reino
milenial, por que o versículo nove diz que o povo de Deus estará sitiado pelas
incontáveis nações rebeldes em um acampamento e uma única cidade?
Os próprios escritos dispensacionalistas podem conter contradições
bastante claras. Segundo eles, o ambiente de paz perfeita do Milênio durará
para sempre, e para defender essa hipótese, citam o profeta Isaías:
Não haverá clima nem motivo para descontentamento ou rebeliões, porque "O efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça repouso e segurança, para sempre" (Is 32:17). Sim, a preciosa paz, hoje tão desejada mas não obtida, prevalecerá afinal, pois estará reinando o Príncipe da Paz. (12)
Mais uma vez, as teorias pré-milenistas dispensacionalistas percorrem
caminhos acidentados. Como podem conciliar o texto de Isaías, que afirma que
o "efeito da justiça" durará "para sempre" com suas próprias afirmações de uma
rebelião gigantesca ao final do Milênio?
Segundo Hernandes Dias Lopes, a maior parte dos problemas relativos à
escatologia têm sua origem numa interpretação equivocada do livro do
Apocalipse. De acordo com esse conferencista e escritor presbiteriano, tanto a
interpretação preterista (que entende que tudo o que foi profetizado no
Apocalipse já aconteceu), quanto a futurista (que assegura que tudo o que se lê
a partir do capítulo quatro ainda está para acontecer) e ainda a interpretação
histórica (que encara o Apocalipse como uma profecia simbólica de toda a
___________________________________12 Antonio Gilberto, Op. cit., pág. 84
17historia da Igreja até o fim dos tempos) estão equivocadas. Eis o melhor
sistema de interpretação apocalíptica, segundo ele:
O livro de Apocalipse deve ser visto não como uma mensagem que registra os fatos em ordem cronológica e linear. As mesmas verdades principais são repetidas em sete seções paralelas e progressivas. Willian Hendriksen, segundo a minha visão, oferece o melhor sistema de interpretação do livro de Apocalipse, o conhecido paralelismo progressivo. De acordo com esse ponto de vista, o livro de Apocalipse consiste de sete seções paralelas entre si, cada uma delas descrevendo a Igreja e o mundo desde a época da primeira vinda de Cristo até a Sua segunda vinda. Cada seção descreve uma cena do fim. A cena do fim vai ficando cada vez mais clara, até chegar ao relato apoteótico da última seção. [...] Apesar dessas seções serem paralelas, elas são também progressivas. A última seção leva-nos mais além do que as outras. (13)
Para a maioria dos pré-milenistas, tanto históricos quanto
dispensacionalistas, o texto de Apocalipse é uma visão clara do fim dos tempos,
sendo que a maior parte do livro ainda está para acontecer. A interpretação
apocalíptica, para eles, é essencialmente futurista. Argumentam, por exemplo,
que Satanás não pode estar acorrentado, como defendem os amilenistas,
considerando as atrocidades vistas e vividas pela humanidade nos últimos
séculos. Se Apocalipse 20 declara que Satanás será preso, então isso só pode
ser uma visão do futuro. Já para a amilenismo, o diabo está preso, mas não
imobilizado, podendo fazer muito estrago ao redor da Terra, mas não todo o
estrago que ele deseja. Para defender esse argumento, os amilenistas
___________________________________13 Hernandes Dias Lopes, Op. cit., págs. 30, 33.
18observam que o verbo "prender" utilizado em Apocalipse 20 é o mesmo que
Lucas usou no versículo 16 do capítulo 13 do seu evangelho para descrever a
situação da mulher enferma, "presa" há dezoito anos por Satanás. É evidente
que a mulher em questão não estava imobilizada, porém tinha seus
movimentos restringidos pela enfermidade. Ela não podia endireitar a sua
postura, mas podia locomover-se até a sinagoga, onde se deu o milagre da sua
cura. Paulo utiliza o mesmo verbo grego (εδησεν) para falar da mulher que está
"ligada" pela lei ao marido, em Romanos 7 e em 1Coríntios 7. Não é possível
entender essas passagens das cartas paulinas com o sentido de "ausência de
movimentos" ou "impossibilidade de ação". Sabendo que Lucas, Paulo e João
fizeram uso do mesmo verbo nas passagens mencionadas acima, parece
aceitável interpretar a prisão de Satanás durante o Milênio (que para os
amilenistas, é o período presente, entre a vinda de Jesus e a sua volta) como
sendo um cerceamento ou um impedimento de realizar plenamente o mal que
ele gostaria, ou ainda, uma limitação do seu poder destruidor. Entretanto, ao
aproximar-se o final do período milenial, o inimigo será solto para, com todas as
suas forças, seduzir as nações, que já estarão, em sua maioria, apostatadas de
qualquer tipo de fé. Eis o que Harald Schaly escreveu sobre isso:
Vejamos este acorrentamento de Satanás. Nem o judaísmo nem o cristianismo é dualista. Isto quer dizer que nenhum dos dois sistemas aceita a coexistência de duas entidades supremas, autônomas e independentes. Deus só é supremo, e todo o universo lhe está sujeito, até os demônios. O campo de ação destes é determinado e delimitado por Deus. Isto é evidente no caso de Jó, quando Deus, dirigindo-se a Satanás, disse: "Eis que tudo o que ele tem está no teu poder; somente contra ele não estendas a tua mão" (Jó 1:12). E ainda: "Eis que ele está no teu poder; somente poupa-lhe a vida" (Jó 2:6). No Novo Testamento, lemos: "Mas
19fiel é Deus, o qual não deixará que sejais tentados acima do que podeis resistir" (1Cor. 10:13). E Jesus mesmo disse: "Mas, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, logo é chegado a vós o reino de Deus. Quando o valente guarda, armado, a sua casa, em segurança estão os seus bens; mas sobrevindo outro, mais valente do que ele, e vencendo-o, tira-lhe toda a armadura em que confiava, e reparte os seus despojos" (Luc. 11:20-22). E Mateus acrescenta: "...se primeiro não amarrar o valente? e então lhe saqueará a casa" (Mat. 12:29). Está evidente, do contexto acima, que o "valente" a que Jesus se refere é Satanás, e o "mais valente", que consegue amarrá-lo, é ele mesmo, Jesus. Há ainda muitas outras passagens, em o Novo Testamento, que afirmam que Jesus cerceou o poder e as atividades de Satanás na sua primeira vinda. [...] Assim, a esfera das atividades de Satanás foi cerceada na primeira vinda de Cristo, especialmente em relação aos salvos, e, na segunda vinda, ele será completamente aniquilado, sendo lançado no lago de fogo (Apoc. 20:10) (14)
Grande parte dos estudantes de teologia sabe que é um erro basear uma
doutrina em apenas uma passagem, ou em um texto isolado das Escrituras
Sagradas. O controvertido reinado de mil anos de Cristo só é mencionado seis
vezes na Bíblia, sendo todas essas vezes em um mesmo capítulo (Apocalipse
20), em um trecho de apenas seis versículos (versículos 2 ao 7). Além disso,
este último livro do Cânon tem singularidades em relação a outros livros
proféticos: cerca de 95% do seu conteúdo é simbólico, trazendo a nós visões
fantásticas de seres monstruosos saindo do mar e figuras humanas montadas
em seres com várias cabeças. Até os defensores mais entusiasmados da
___________________________________14 Harald Schaly, Op. cit., págs. 98, 99.
20interpretação literal das Escrituras sabem que gafanhotos vestindo couraças,
com rostos como de homens, cabelos compridos e dentes de leão (Apocalipse
9:7-9) são figuras que precisam de interpretação simbólica em vez de literal.
Uma mulher vestida do sol com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze
estrelas na cabeça (12:1); um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças e
dez chifres (12:3), pronto para devorar o filho da mulher; ou a grande meretriz
sentada sobre muitas águas (17:1) não podem, jamais, ser interpretados como
algo literal, por mais que se queira. Deduz-se, assim, que alicerçar a doutrina
do Milênio em um pequeno trecho de um livro altamente simbólico pode ser
bastante perigoso. Inúmeras heresias têm sua origem em interpretações
inapropriadas ou tendenciosas. Ademais, é muito salutar considerar o que
outros estudiosos pensam sobre o assunto, pois ninguém deve arvorar para si a
verdade, desconsiderando pensamentos contrários. Até autoridades pré-
milenistas sabem que andam em terreno escorregadio quando levam o milênio
para a esfera puramente literal: "A maioria dos pré-milenaristas (ou pré-
milenistas) reconhece que um Reino de mil anos entre a vinda de Cristo e o
juízo final é explicitamente encontrado apenas em Apocalipse 20." (15)
Se o capítulo 20 fosse desconsiderado, a visão pré-milenista seria
bastante prejudicada. O escritor pós-milenista Kenneth Gentry vê isso como um
ponto fraco dos que esperam um governo terreno de Jesus Cristo:
A maioria dos eruditos nota a tarefa extremamente difícil de interpretar o Apocalipse. Por exemplo: 1)Terry: "Nenhuma parte da Santa Escritura é alvo de tanta controvérsia e de tantas e variadas interpretações". 2)Reuss: "As ideias sobre o Apocalipse são tão amplamente diferentes, que uma resenha de toda a literatura exegética,
___________________________________15 Kenneth L. Gentry Jr. [et al], O Milênio - 3 Pontos de Vista, p.142.
21combinando-as todas, seria incoveniente". 3)Warfield: "O Apocalipse é o livro mais difícil da Bíblia; ele é sempre o mais variadamente compreendido, o mais arbitrariamente interpretado, o mais exegeticamente atormentado". 4)Vincent: "Esse documento tem originado uma volumosa controvérsia". 5)Swete: "Comentar essa grande profecia é uma tarefa mais árdua do que comentar um evangelho, e aquele que a empreende expõe-se à acusação de presunção. Fui levado a arriscar-me no que sei ser um terreno perigoso". 6)Beckwith: "Nenhum outro livro, quer na literatura sacra, quer na profana, recebeu, no todo ou em parte, tantas e diferentes interpretações. Indubitavelmente, nenhum outro livro desconcerta tanto os estudiosos bíblicos ao longo dos séculos do cristianismo até nossos dias". 7)Robertson: "Talvez nenhum só livro no Novo testamento apresente tantos e tão formidáveis problemas quanto o Apocalipse de João". 8)Beasley-Murray: "O Apocalipse é, provavelmente, o mais disputado e complexo livro do Novo Testamento". 9)Ladd: "O Apocalipse é o mais difícil de interpretar dentre todos os livros do Novo Testamento". 10)Walvoord: "Suas tentativas de exposição são quase inumeráveis, todavia, as maiores divergências de interpretação permanecem". 11)Morris: "Alguns dos problemas desse livro são tremendamente difíceis, e eu certamente não tenho a capacidade de resolvê-los. Ele é de consenso comum, um dos mais difíceis de todos os livros da Bíblia". 12)Johnson: "Para o leitor moderno, [o Apocalipse] é o mais obscuro e controverso livro da Bíblia". 13)Pate: "O Apocalipse é, inquestionavelmente, o mais polêmico livro da Escritura [...] Uma difícil hermenêutica aguarda o intérprete do Apocalipse". A dependência que o pré-milenismo tem do Apocalipse deveria levantar uma bandeira vermelha. (16)
___________________________________16 Apud, Kenneth L. Gentry Jr. [et al], Op.cit, págs.209, 210.
22Numa conversa informal com o autor desse trabalho acadêmico, no
último dia de um congresso sobre escatologia que aconteceu em 2006, na
Primeira Igreja Batista em Nilópolis, RJ, o pastor Valtair Miranda, mestre em
teologia, professor em diversos seminários, incluindo o Seminário Teológico
Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro, confidenciou que nenhuma das três
grandes correntes escatológicas satisfaz a todas as questões, porém a que tem
respostas mais fundamentadas é a amilenista e a que mais distorce os textos
bíblicos para que se adequem às suas teorias é a visão pré-milenista. Apesar
disso, ele não se diz amilenista, mas vê respostas que se completam nas três
visões. Sobre o amilenismo, Miranda escreve:
O milênio já é real no meio da humanidade. Os crentes mortos já reinam com Cristo no céu. O prefixo "a" no início da palavra "amilenismo" não significa negação do milênio, mas do seu sentido literal. Essa corrente acredita no milênio, não de forma futura, mas presente e atual; [...] Cristo já está governando seu povo através da sua Escritura e de seu Espírito, e irá governar de forma visível na Nova Terra e no Novo Céu; [...] Antes da volta de Cristo a apostasia se intensificará, bem como a tribulação. Haverá também a manifestação de um Anticristo pessoal; A segunda vinda de Cristo é um evento único, seguido imediatamente da ressurreição geral da crentes e incrédulos; Os crentes que estiverem vivos quando Cristo voltar serão transformados e glorificados. (17)
Há um livro particularmente interessante na relação de obras utilizadas
pelo autor dessa monografia. Trata-se de "O Milênio - 3 Pontos de Vista". Esse
livro tem a forma de um debate entre três eruditos. Cada um deles defendendo
___________________________________17 Valtair Afonso Miranda, O Que é Escatologia?, págs.73,74.
23seu sistema escatológico: pós-milenismo, amilenismo e pré-milenismo. Assim, a
obra tem, num único volume, três autores diferentes, com pensamentos
distintos e argumentos próprios. Ancorando as opiniões dos três autores, há um
organizador que enriquece sobremaneira a obra, concluindo-a com um ensaio
sumariado bastante claro. Em sua conclusão, esse organizador, chamado
Darell L. Bock, que declara-se pré-milenista, escreve:
Em meio a toda essa complexidade, alguns estudantes chegarão ao desespero sobre a possibilidade de determinar o que a Bíblia diz. [...] Embora o leitor busque uma solução, deve ter um apelo básico em mente, um apelo que os colaboradores, estou certo, compartilham. Busque a Escritura. Leia-a em seus contextos histórico, gramatical, teológico e literário. Tente achar a solução que mais completamente integre todos esses fatores da melhor maneira. Entenda que você está fazendo julgamentos nesses assuntos, e que cada ponto de vista tem aspectos fortes e fracos. [...] Também perceba que bons estudiosos discordam sobre esses assuntos. Talvez esse livro o tenha ajudado a ver por que existem diferentes posições, e tenha assentado os fundamentos do edifício para auxiliá-lo a apreciar todos os elementos que contribuem para determinar uma resolução bíblica para a questão do milênio e além. (18)
___________________________________18 Kenneth L. Gentry Jr. [et al], Op. cit., págs.271, 272.
CAP. 4OUTRAS QUESTÕES PERTINENTES
Há muitos outros pontos de discussão escatológica entre os diversos
segmentos milenistas. Um dos pontos que causa divergências entre os pré-
milenistas históricos e os pré-milenistas dispensacionalistas é a restauração do
culto judaico, quando o suposto reino terreno de Jesus entrar em vigor. "Alguns
sacrifícios e ofertas serão restaurados e observados por Israel com a
participação dos gentios".(19) Pensam os dispensacionalistas que Jesus
restaurará o Templo de Jerusalém, com seus ritos, suas tradições e seus
sacrifícios, sendo que os sacrifícios serão imolados pelo próprio Cristo que,
segundo eles, será o Sumo Sacerdote Eterno, para espanto dos pré-milenistas
históricos, que não entendem a restauração de Israel assim. Para os históricos,
a restauração do povo escolhido será um fenômeno de conversão maciça dos
judeus ao senhorio de Cristo, sem, necessariamente, um retorno aos ritos
mosaicos. Se a teoria dispensacionalista for aceita, novos problemas teológicos
surgem: Como conciliar a Epístola aos Hebreus com uma restauração dos
sacrifícios do Antigo Testamento, visto que Hebreus afirma sobre Jesus: "não
por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue,
entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção"
(Hebreus 9:12). E ainda vai mais além: "Portanto, se o sangue de bodes e de
touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os
santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo [...]"
(Hebreus 9:13,14).
Outro ponto com considerável dificuldade é o fato de Jesus Cristo não
ser descendente de Arão, o levita, mas sim de Judá, não podendo sacrificar
___________________________________19 Antonio Gilberto, Op. cit., pág. 80.
25segundo a lei de Moisés. Quando Jesus é chamado de Sumo Sacerdote, em
Hebreus, fica claro que essa função sacerdotal não é física, nem envolve
derramamento de sangue de animais, mas do Seu próprio sangue, na cruz,
cumprindo assim o que fora prefigurado no tabernáculo: o sangue do Cordeiro
sendo derramado para a remissão de todos os pecados dos salvos,
definitivamente.
Existem outros motivos de impasse entre o dispensacionalismo e as
outras correntes escatológicas. Um deles diz respeito ao julgamento das
nações. Segundo os dispensacionalistas, haverá um grande julgamento, entre a
Grande Tribulação e o início do Milênio, para determinar que nações serão
exterminadas e quais poderão participar dos mil anos de paz. O julgamento é de nações, não de indivíduos. [...] O propósito deste juízo é determinar quais as nações que terão parte no Milênio. Algumas nações serão poupadas e ingressarão no reino do Filho de Deus. Outras serão desarraigadas e desaparecerão como nações. [...] A base desse juízo é a maneira como essas nações trataram os irmãos de Jesus. (20)
Temos aqui uma outra questão complexa: como pode Deus julgar
nações, em vez de indivíduos? No julgamento de Sodoma e Gomorra ele
deixou claro que as cidades pereceriam por completo, porque todos os
habitantes, com exceção de Ló e sua família, estavam condenados pelos seus
próprios pecados. Lendo o texto de Gênesis 19, nota-se com facilidade que,
caso existisse alguém digno de ser poupado, Deus o pouparia. A misericórdia
de Deus seria derramada sobre os justos que habitassem em uma nação, por
___________________________________20 Antonio Gilberto, Op. cit., pág. 73.
26mais pecadora que fosse a maioria dos seus cidadãos. Da mesma forma,
ninguém escaparia do julgamento divino, simplesmente por estar vivendo entre
pessoas piedosas. Pensando assim, conclui-se que a interpretação
dispensacionalista do julgamento das nações está lamentavelmente
equivocada.
A ideia do juízo das nações foi extraída do capítulo 25 do Evangelho
segundo Mateus. A leitura cuidadosa da passagem em questão não leva à
conclusão de que nações serão julgadas como tal, mas reforça a ideia de um
julgamento individual:
Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas; e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos, à esquerda; (21)
Observa-se que "...todas as nações serão reunidas..." diante de Jesus,
isto é, todos os indivíduos de todas as nações. Porém, Cristo "...separará uns
dos outros...". Não há indicação nenhuma, no texto, que venha sugerir uma
separação de nações inteiras. Sob essa ótica, Schaly observa:
O juízo das nações é, segundo os escritores dispensacionalistas, de nações mesmo, e não de indivíduos. Isto é um tanto incoerente, porque nações são formadas de indivíduos, e não se pode julgar e punir uma nação, sem punir individualmente cada pessoa que a compõe. [...] deverá haver, mesmo entre as nações hostis, algumas pessoas favoráveis, e, entre as nações que aceitarem o Evangelho do Reino, algumas pessoas hostis.
___________________________________21 João Ferreira de Almeida, Op. cit., Mateus 25:31-33.
27Portanto, seria injusto condenar a totalidade de uma nação, que incluiria ao menos alguns justos, ao fogo eterno, e enviar a totalidade de outras nações, que incluiria alguns injustos, ao Reino de Deus. (22)
É importante observar que uma nação não poderia visitar enfermos e
presos, como acontece na passagem de Mateus 25.
Para desestabilizar ainda mais a ideia de um "julgamento de nações para
a entrada no Milênio", basta observar cuidadosamente o versículo final da
passagem: "E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida
eterna" (Mateus 25:46). Ora, se as nações consideradas justas vão para a vida
eterna, como podem os dispensacionalistas pregarem que elas adentrarão no
Milênio, e depois se rebelarão juntamente com Satanás para a batalha do
Armagedom, sendo todos lançados posteriormente no lago de fogo? Parece
haver uma grande contradição aqui.
___________________________________22 Harald Schaly, Op. cit., p. 87.
CAP. 5CONCLUSÃO
À luz do que revela a Escritura, o reino milenial de Jesus Cristo é uma
realidade. Nenhuma das correntes escatológicas nega sua existência, embora
discutam de que forma acontece ou acontecerá esse reino. Se para os pré-
milenistas, o Cristo reinará, em Jerusalém, por mil anos exatos, para os
amilenistas, esse reino foi implantado durante a vinda de Cristo, há mais de
dois mil anos. Segundo esses, Jesus reina com os seus santos, no céu, e nos
corações daqueles que se convertem, na terra. A presente pesquisa admite que
um assunto que é discutido durante séculos, por estudiosos de todas as
denominações, não pode ser levado a termo em apenas poucas páginas.
Dessa maneira, não se pode esperar que a questão da literalidade do Milênio
encontre uma solução irrefutável em um trabalho de proporções tão sucintas.
Contudo, o objetivo primordial foi alcançado: mostrar que a ideia de um reino
milenial literal não encontra tanto respaldo bíblico quanto proclamam os seus
defensores; pelo contrário, as dificuldades que emergem são tão robustas que
empurram as tentativas de solução para bem perto das heresias. Por outro
lado, vale ressaltar que todas as linhas de interpretação concordam que a volta
de Jesus Cristo é iminente, real, e ansiosamente aguardada por todos aqueles
que depositam suas esperanças de vida eterna Nele. Outrossim, quer seja
literal, quer seja simbólico, fazer parte do Reino de Deus é a pretensão
essencial de todo cristão.
REFERÊNCIAS
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Editora Cháris, 1999.
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LOPES, Hernandes Dias. Apocalipse. O Futuro Chegou. São Paulo: Hagnos,
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MIRANDA, Valtair Afonso. O Que é Escatologia? Rio de Janeiro: MK Editora,
2004.
NIGH, Kepler. Manual de Estudos Proféticos. São Paulo: Editora Vida, 1995.
SCHALY, Harald. O Pré-milenismo Dispensacionalista à Luz do Amilenismo.
Rio de Janeiro: JUERP, 1987.
SILVA, Severino Pedro da. Escatologia. Rio de Janeiro: CPAD, 1988.
OBRAS CONSULTADASGILBERTO, Antonio. Daniel e Apocalipse. Rio de Janeiro: CPAD, 1984.
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