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Page 1: Crimes de maio 3

Entrevista

RENATO SANTANA

DA REDAÇÃO

O nome faz jus. O Lenda. Sempre teve apetite, espíritopolicial. É o típico justiceiro. Age sozinho, no máximocom mais um. Já apagou muitos. Com farda e semfarda. Nunca se pode dizer quantos. Fosse por prazer,cada um seria lembrado. Mas não há prazer. Tam-pouco culpa. Trata-se de uma cruzada: “A pessoa quepega no machado para arrancar a erva daninha daraiz, um fruto venenoso, não vai ter má consciênciadetermatado uma ervadaninha”.Nãoconcordamuitoemchamardegrupos deextermí-nio a ação clandestina de policiais, cuja existênciaconfirma. Encapuzados e sem farda, são os matado-res nas madrugadas das periferias, inclusive daregião. Para o Lenda “são pessoas que diante daineficácia do sistema acabam agindo por meios pró-prios”. Mesmo fora da Polícia Militar, continua sen-do um camisa dez, um bilão, no jargão do submundopolicial. Mata com a permissão de Deus. Depois quese aposentou, ficava injuriado ao ver ex-companhei-ros dizendo, na televisão, que escondiam a farda esaíamde casa comelaembaixo dotapetedocarro.O sangue subia. Não queria continuar jogado nosofá. O dedo coçou. Para ele, é bem nítido que hoje emdia os policiais fazem o papel de espantalho na horta.Faltam os bilões, os camisas 10. Ele era um. Ele é um.

Seu fogo, diz, é contra o satanás, contra a “ferramentado diabo para causar mal ao semelhante”. É devoto.InstrumentodoDeusque acredita.Na polícia seaprende tudo isso quando se querser umcamisa 10. Virou professor para os policiais maisnovoseo salvadordos descuidados.Certa vez, um colega PM executou um rapaz. Ocomando pediu a arma para balística. Lenda entrouem ação. Com vinagre, limpou o corpo da arma e ocano. Depois, pegou uma bala, untou-a na graxa epassou-a na areia, à milanesa. Um disparo já é osuficiente para provocar ranhuras dentro do cano edespistar o exame balístico. É assim que se faz nasações clandestinas da polícia. Há os que preferemarmas frias, carros roubados e capuz para fazertrabalhos. Lenda usa o próprio carro, arma registra-da e prefere pintar o rosto de graxa, usar disfarces eaté mesmo peruca, óculos. Se for pego no caminho,estácompletamente dentro da legalidade.-Aí ladrão! Pam! Pam! Pam!Vai se esgueirando pelas sombras da lei, tal qual cadaPM que decide ser camisa dez. Sorrateiramente, voltapara o carro. Dispara: “O policial veste o papel dobandido para repreender o crime”. Leia a seguir osprincipaistrechos da entrevista:

O sr. participou de incursões na periferia paramatar em maio de 2006?Estava trabalhando na PM em uma cidade daregião. Houve incursões, sim. Policiais linhas defrente foram enérgicos na periferia. Todas as mor-tes foram ilegais e colocamos tudo na conta docrime organizado. As ações eram em represália aosataques do PCC. Também existem pessoas que sãosimpatizantes da polícia e, inconformadas com afalta de ação, a inércia, vão lá e fazem. Segurançasprivados, por exemplo, são vítimas do crime. Com aajuda de policiais, agem.

O caso mais recente é o do Dino Marreta. Foisequestradodobairrodeleeexecutado.Era liderançado PCC na Vila Sônia. Era o chefe operacional docrime organizado. Não dá para dizer que eram só

policiais, mas vamos dizer que era o lado de direitacombatendoodeextremaesquerda.

O sr. confirma o uso de carros roubados e armasfrias?Tem policial que faz isso mesmo. Eu, particularmen-te, nunca participei nem recomendo porque estámuito próximo da conduta do bandido. Corre o riscode, no caminho, você ser surpreendido (pela própriapolícia) e não ter como escapar. Então, teria que usardos meios mais normais e mais lícitos possíveis.Sobres as armas, há situações e situações. Fica muitomais viável usar a própria arma do Estado porqueestánalegalidade. Depois,ésódescaracterizá-la.

Como é que o sr. faz para descaracterizar umaarma?Na alma do cano (parte interna do cano) se vocêpegar uma bala, passar graxa, ou qualquer materialadesivo, areia, e der um tiro, no exame técnico vai serconstatada outra arma. Vai mudar a sua característi-ca interior. Vai criar ranhuras que anteriormente aarma não tinha. Um projétil coletado antes vai tercaracterísticas diferentes desse coletado depois, paraconfronto,ouseja,balística.

E com os veículos?Se numa determinada área o policial está utilizandoum veículo autorizado, não está no ato ilegal. Paraninguém pegar a placa, a gente não vai com o carroaté o local da ação. Estaciona nas proximidades, ficaum lá esperando. Quem vai fazer o trabalho vai a pé,descaracterizado e com a pele camuflada. Encapuzaré burrice porque se você for visto com capuz é ruim(caracteriza grupo de extermínio). Enquanto umabarbapostiça, umaperucaémelhor.

Essas ações não são mais tão explícitas como eramantes, certo?Oqueocorre:qualquerdomicílio, inclusivenaperife-ria, tem uma câmera registrando tudo ali. Hoje umgaroto de favela tem um celular com capacidade para

gravar. Então, o policial ou o justiceiro que queiraagir tem que contar com tudo isso. Tem que serextremamente ninja. Tem que se camuflar, não servisto, pois há o risco de perder a vida. As ações dessanatureza são uma reação ao que os bandidos fazem.Alguns policiais levantam a bandeira da represália efazemoqueoEstadonãofaz.

Foi o que aconteceu em 2006...De lá para cá. É uma guerra fria, silenciosa. Ninguémdeclara raiva de ninguém, mas, na hora que um viraas costas, vem a faca. Hoje o crime organizado e ospoliciais estão nesse pé. Os grupos de ação fazemparte dessa guerra. O Estado não assume que existeesse confronto, mas policiais militares vão para ocombate. Está acontecendo há muito tempo e tem seintensificado. O político quando entra na favela pedeautorização para o traficante. Reconhece que existeuma autoridade local. Oficialmente, político ne-nhumadmite isso,mas,na prática,édiferente.Estão matando os policiais no bico, na folga e naporta de casa. Para a administração pública ficasendo um caso isolado, como se o policial tivessecontraídoparasiumproblemacomobandido.(SegundolevantamentofeitopelaSecretariadeSegu-rança do Estado, em 2009, 66 policiais morreram noperíodo de folga e 16 em serviço. Em 2008, foram 55policiaismortossemafardae19trabalhando).

Mas nos ataques de 2006 muitos inocentes, gentesem sequer ter passagem, entrou na conta.Discordo totalmente. O suposto inocente, ou citadocomo inocente pela mídia, que está às duas horas,três horas da madrugada num boteco que fica numabiqueira (ponto de tráfico) da periferia não é inocen-te. Ele está ali e tem uma função no crime. Às vezes,não é pegar uma arma para assaltar. Ele exerce umaatividade no crime, ou está de olheiro. Leva e traz adrogaparaalguém. Oinocentenãoexiste.

Como funciona isso no comando?O comando é fechado em relação aos níveis operacio-

nais.Cabos,soldadosesargentos,quesãoosprofissio-nais linha de frente, de rua, também são. Os grupossão compostos por um número restrito de pessoas,queconfiamumno outroeestãoaliparaagir.

E as ocorrências de perseguição seguida de morte?Vamos ilustrar: ocorrência de confronto real. Quan-do se apresenta a arma do bandido na delegacia e seconstata que tem seis cápsulas deflagradas no tam-bordorevólver,sabe-se queéumálibipara oMinisté-rio Público, uma vez que o bandido não tinha maispoder de resistência. Por conta disso, o policial tirauma das cápsulas estouradas e coloca uma intactapara provar que o bandido tinha como resistir. Issochama-se arredondar a ocorrência. O rigor da justiçaedasociedadeexigeessahabilidade.O Caso da Cavalaria (crime ocorrido em fevereiro de1999 em São Vicente, quando três jovens foramassassinados por policiais em serviço), por exemplo.Acredito eu que eram policiais inocentes, sem inten-ção e foram vítimas de um ato de desespero. Osjovens foram para cima dos policiais, um dos meni-nos bateu com a cabeça na guia, ficou desacordado eos policiais, num ato de desespero, chegaram aosextremos. Havia várias maneiras de maquiar a ocor-rência e tornar tudo legal e não fazer o que fizeram.Hoje em dia existem menos policiais capacitadosparatornar legalum atoilegal.

Na ação dos grupos de execução em 2006...Queria tomar uma outra linha aqui. Muito se falados bandidos mortos e pouco dos policiais mortos.A mídia vem mostrando muito a ação violenta dapolícia que, na verdade, é como um mulher quemata o marido quando está sendo agredida. Ela eraagredida há muito mais tempo e ninguém se impor-tou. Isso faz com que ela mate o marido quando estádormindo. E quando os policiais saem hoje estudan-do as possibilidades de executar um bandido naárea é esse comportamento da mulher. A políciaestá dessa forma. Acuada, amarrada. Um jovempara entrar na polícia pede autorização para o

traficante. Esse policial se torna um refém e compro-metido com o crime.

O policial também se envolve no crime?No ano passado morreram vários policiais na região.Vou contar um caso: em Praia Grande, houve umadenúncia de que em um barraco havia grandenúmero de armas do crime organizado. Policiaisfizeram o cerco. O trabalho certo seria abordar,prender os elementos e apreender as armas. Porém,ao contrário, os policiais negociaram a liberdadedos criminosos e a liberação das armas. Fizeram umboletim de ocorrência com armas mais fajutas epegaram uns bandidos envolvidos só para fazercena. Já na hora de fechar o negócio, não foram fiéisao combinado. Haviam acertado não prender nin-guém e prenderam três. Ficaram com a grana dosbandidos. A primeira retaliação foi uma rajada detiros de fuzil contra um policial quando saía de casapara o trabalho. O santo estava de plantão e ele nãomorreu. Depois disso, começaram os homicídios. Opolicial que age pelo crime acaba perdendo respeitoe a coisa vira pessoal.

Quanto aos direitos humanos, o que você pensa?Hoje o Estado estuda um monte de possibilidadessobre o que fazer para melhorar o ser humano. Vocêconsertando o homem, conserta o mundo. A causadisso tudo éa faltade Deus na vida do homem.TemeraDeuseamar oseupróximo.

Hoje fala-se muito em direitos humanos. Umateoria que me trouxe bastante conforto na época, queme dá liberdade para exterminar um bandido comose extermina um verme, e que uma característicapeculiar do ser humano é o amor ao próximo. Quan-do é o caso de um cidadão pôr uma arma na cintura esair para levantar um dinheiro, disposto a tirar a vidado seu semelhante, ele já abriu mão da condiçãohumana.Saiu como o própriosatanás, ferramenta dodiabo para causar mal ao seu semelhante. Um sujeitobandido age como bicho e tem de ser tratado comotal.Éjaula ouburaco.

Juca fala em tom de desabafo. Policial Militar nãopode falar, fazer greve ou criticar a corporação.Durante os dez anos em que esteve na PM, atuandona Capital e Interior (incluindo a Baixada Santis-ta), participou dos grupos de extermínio. Na suaépoca, final dos anos 80 e decorrer dos 90, prevale-cia esse tipo de ação. Era a época dos esquadrões damorte. Juca ainda respira o meio policial. E sabequem age no capuz.

Deixou a corporação porque “trabalhava” muito.Na gíria, policial que trabalha muito é o que matamuito, prende acima da média e tem apetite paraações encapuzadas. É camisa 10, um bilão.Policial assim é uma via de duas mãos para ocomando. Na guerra urbana, pacificam áreas mes-mo sem conquistá-las e sempre com ações encapuza-das ou em ocorrências de resistência seguida demorte. Por outro lado, trazem dor de cabeça, cobran-ças hierárquicas e se a bomba estoura, por mais queassumamseus atos, ocomando ficamarcado.

No submundo ninguém sabe de nada, não vênada. Na verdade, é preciso fingir. Juca diz que todo

batalhão tem seu grupo de camisas 10. O comandosabe. Como também há os “dedos cansados”. Nomodo de dizer dos que gostam de “trabalhar”, poli-ciais que ficam longe da turma apetitosa. E tambémda ação direta.

Juca é o tipo de policial que segura um batalhão.Com amigos na ativa, afirma que as ações da polícianos dias seguintes aos primeiros atentados do PCC,fardada ou não, foram “por conta da revolta com oque estava acontecendo e por ver o comando escon-der”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Os gruposdeextermíniosãointegradosporpoliciais?Sim, vou explicar o que acontece. Você presta umserviço fardado, legal. E o grupo é formado porquealgumas coisas que você tem vontade de fazer écontido pelo regulamento. No caso, um regulamentointerno. Para mim, esse é o motivo maior de o policialficardemãosatadas.

Se conseguimos reunir três, quatro policiais, fala-mos na nossa linguagem, com pouco mais de apetite,atitude. O pensamento bate, é igual e acaba se for-mando o grupo que atua no caso... para a gente não éilegal,masatuamosmaisno horáriodefolga.

É um grupo fechado que atua descaracterizado,com a chamada touca. O pessoal aconselha: age natouca.Agente faz aquilo que temvontade de fazer emserviço.Só queoregulamentonos impede defazer.

Como é a organização dos ataques?Geralmente, tem a área que o policial trabalha.Então, ali existem marginais que são mais destaca-dos: assaltantes, homicidas, traficantes. No nossocaso, agimos assim: Há um bandido que está matan-do policial, dando trabalho na região. Então, ogrupo se reúne e traça um plano. Quem é o cara?Fulano de tal é o chefe, tá mandando assassinarpolicial, fazer roubo. Esse é a bola da vez.

O grupo define um dia, levanta os modos do

bandido: por onde ele sai, onde ele fica, onde mora,hora que sai. Marca o dia e sai à caça do cara.

E se o marginal estiver com pessoas inocentes nahora do ataque, num bar, por exemplo?Existe uma coisa no meio policial chamado tirocínio.Essa aí é uma experiência que se adquire com tempode serviço. Um policial olha para você e faz umaanálise rápida. Às vezes, acontece de errar. Olhar eachar que o cara é bandido e não é, pelo modo de ocara se vestir e de agir. Você faz aquela análise rápidaevê.Seacharqueocaraébandidotambém,vai junto.

O comando da polícia sabe deste tipo de ação?Eu trabalhei no Tático Móvel, hoje Força Tática. Omeu comandante sabia. Ele dizia: “Quer fazer faz,mas faz direito. Se sujar eu não sei de nada”. A partirda hora que você sai para matar bandido, para ocomando é melhor. A criminalidade na região delevai abaixar. O comando quer é isso. Quem ganha oselogios é ele. A região que ele comanda vai teríndices de criminalidade mais baixos.

Tudo isso por conta dos grupos de extermínio.Porque nem sempre em serviço dá para você fazer oque faz nesse tipo de operação.

Como vocês conseguem os carros, as motos, asarmas? E depois, como vocês despacham a vítima?O policial sai trabalhando e existem esses carrosroubados por bandidos, que os abandonam e tal.Então, a gente localizava dois, três carros roubados.Um policial pegava e levava para a toca, como a gentechama. Ficava guardado para o dia da ação. Fazia aoperaçãoedepoisabandonava.Oveículoera localiza-doposteriormentecomo umcarro roubadonormal.Armas frias, com numeração raspada. Armas queeram apreendidas no dia a dia. Às vezes a genteparava na rua um indivíduo armado. Pegava aquelaarma e mandava a pessoa embora.

De quantas incursões o sr. participou?Participei de várias. A PM sempre foi rigorosa, masno meu tempo não era tanto. Eu não me adaptariapara trabalhar na PM de hoje. Trabalhei em parteda década de 80 e prevaleciam os grupos de extermí-nio. No finalzinho dessa época. Não só eu, masvários outros policiais. Participei de várias ações. Àsvezes, de folga e até de serviço mesmo. Fazia achamada montagem de ocorrência.

Os grupos de extermínio que atuaram em maio de2006 também eram de policiais?Sim. A gente sabe como acontece pelos amigos. Asações que ocorreram depois dos ataques do PCCforam mais por conta da revolta com o que estavaacontecendo e por ver o comando esconder. Oserviço de inteligência sabia que iam acontecer osataques. mas subestimava o crime organizado.

Depois também começaram as ações dos grupos.Os policiais mais antigos se reuniram com os maisjovens de apetite e começaram a matar. Comofuncionava essa matança? O pessoal se reunia,descaracterizado, com o carro comum e ia aosbairros da periferia onde a situação era mais carre-gada. Quem estivesse no local já conhecido pelospoliciais como ponto de droga, a chamada boca defumo, morria. Foi pego na rua de madrugada: tempassagem? Tem! Não era nem levado para a delega-cia. Era executado e jogado na primeira viela queencontrasse pela frente.

Dá para dizer que os comandos da Policia Civil e daPM não sabiam?Sabem também que se forem a fundo o final mesmoacaba em policiais. Se for investigado como tem queser, vai chegar em algum policial. Tá claro que é aresposta: o bandido matou o policial, o policialmatou o bandido. Aí o policial vai e se envolve numa

ocorrência com resistência seguida de morte. Sevocê se envolve numa ocorrência assim, é afastadodas ruas, mudado de horário, obrigado a passar porum curso de reciclagem por 15 dias. Então, arrumao bico de acordo com o horário de trabalho. Ocomando também sabe disso, mesmo sendo proibi-do. A primeira coisa que ele faz é mudar o policial dehorário. É castigo.

Isso no caso de ocorrências de resistência seguidade morte?Vou te falar a verdade: 90% das ocorrências deresistência seguida de morte são montadas. Apolícia pega o bandido, vamos supor, dentro desua casa. Só está o policial e o bandido, que nãovai encarar 20 policiais. Só que você sabe que ali éuma guerra. Se o bandido te pegar numa situaçãoque não tem como fugir ou reagir ele vai te matar.Principalmente o ladrão 157, que mata pararoubar. Esse não tem perdão. A gente já andavacom o chamado kit. Era uma mochila contendovárias armas frias. Porque se o alvo não tivessearmado, mas tivesse uma situação que a gentepodia matar, a gente matava e colocava uma armafria na mão dele.

O que acontece com as armas usadas nos crimes?São escondidas porque acabam sendo usadasnovamente. O policial vai matar o cara, mas elenão atirou em você. A perícia vem para dizer se ocara atirou ou não. Aí o policial faz a montagemdo local da ocorrência. Se matou o cara, o policialnão vai dizer o número de tiros. Dá dois ou trêstiros em locais fatais e sabe que o cara vai morrer.Mas como vai saber se o cara é destro ou canhoto?A gente “faz a mão” do indivíduo. Coloca a armafria na mão esquerda e efetua o disparo. Na mãodireita, outro disparo. Pode fazer o residuográfi-co que consta pólvora nas duas mãos.

Tem a coisa de recolher provas, tipo cápsulas?Exatamente. Ângulo de tiro. Ir e dar um tiro naviatura. Já cheguei a ver um policial dar um tiro nooutro, de raspão, para simular troca de tiros. Nocolete também. Tudo para deixar a ocorrência maisredonda com a simulação de troca de tiros.

Existe a prática de mexer no corpo da vítima de umataque desse tipo para atrapalhar a perícia?Para o policial não deixar provas para a perícia,no local dos fatos, você sempre socorre. Uma paravocê não entrar na omissão de socorro. Depoisporque também quando você efetua o disparo noindivíduo ele não morre na hora. Aí a gente dizque está vivo. Agora, não chega vivo no pronto-so-corro. Damos longas voltas, a viatura vai a 20 kmpor hora. Às vezes, até asfixia o cara dentro daviatura.

O que motiva este tipo de atitude?A situação não vai mudar. É questão de baixossalários, problemas psicológicos. Muitos poli-ciais são alcoólatras, viciados em drogas. Co-nheço vários. Tudo tem relação com a vidaparticular da pessoa. O cara mora de aluguel,mora na favela. Tem três, quatro filhos. Osalário que ele tem não dá para sustentar e ocara vai fazer bico.

Agora no caso de um policial que não trabalhamuito, é sossegado?O sem apetite escolhe um serviço mais ameno.Agora se entrar tem que participar. Já vi casos depoliciais que não quiseram participar e foram execu-tados. A equipe fica com medo de ser caguetada.Mas um policial mata outro policial? Numa trocade tiros, com uma arma fria, o cara está de costas eoutro policial o acerta com uma arma fria. Depoisfala que foi o bandido que matou.

O LENDA

“Se reúne umgrupo com apetite”

“As ações são feitaspor pessoas comconsciência eformação. Um atode extermínio é umato de desesperopara se preservar”

O Lenda

�Em todas as ocorrências, o mes-mo modo de agir. As ações dos gru-pos de extermínio são sempre ànoite. Usam carros escuros e filma-dos, além de uma moto. No geral,seis encapuzados. Os assassina-tos, em sua maioria, ocorrem naperiferia e provas são recolhidas.

“Nos primeirosataques pegaramvários policiais.Depois foidiminuindo, ospoliciais não erammais pegosmarcando”Juca

��� A história do Lendana PM durou três déca-das. Duas delas na re-gião. Aprendeu a mon-tar ocorrências “redon-das”, organizar açõessem fardas e não deixarprovas nos 10 anos emque passou pela Rota,na Capital. O Lenda édevoto. Executa suassentenças nas entreli-nhas da palavra doSenhor.

JUCA

“Em 2006eu acreditoque houveum acordodo governocom ocrime. Umdos acordosera para nãoter ataquesaos policiaisqueestivessemfardados.Pode verisso. Porquê? Paranão ficar emevidênciaque osistema évulnerável”

O Lenda

“Quandobaixa ordemdo PCC paramatarpolicial, osprimeirosque caemsão ospoliciais quetrabalhamdemais e oscorruptos.Matam naporta decasa, nobico”Juca

Como agemos gruposde extermínio

��� Juca atuou nos es-quadrões da morte, nosanos 1980, e saiu dapolícia porque não que-ria deixar de trabalharbastante. Na gíria, esteé o policial que mata eprende muito.Sua experiência na re-gião, fardado ou não,mostra a realidade doscrimes oriundos dosgrupos de extermínio.

66este é o número depoliciais quemorreram em 2009“O policial que trabalhademais, dá cana e mata nãovai sobreviver. Outrosporque são corruptos. É ochamado carteirinha: aquelepolicial que todo mês vaireceber a grana dele” ( Juca).

Quando o camisadez entra em campo

Entrevista

Ospoliciaisqueagemnatouca

A entrevista com os dois ex-policiais foi negociada durante duas semanas erealizada de maneira separada. Eles explicam como esses grupos funcionam, deque forma se organizam, o planejamento das ações, o que o comando da PM sabe ea verdade dos casos de resistência seguida de morte. As revelações desmascaramos bastidores de uma guerra travada na escuridão. Os policiais terão suasidentidades preservadas por nomes fictícios.

Crimes de maio 4ª parte

Uma viatura da polícia, de acordo com relatos, sempre passa antes no local de ação dos encapuzados

Motos e carros são usadospara fazer a ação. Param demodo a não permitir possibilida-de de fulga das vítimas

Atiram sempre na região da cabeça etronco. Os membros inferiores são atingidos também para evitar fuga

Recolhem cápsulas defla-gradas, para nãodeixar provas. Há relatos de que atiram nas vítimas ainda vivas

Fogem. Logo na sequên-cia a viatura da PM retorna ao local para atender a ocorrência.

OcomandodaPolíciaMilitar (PM)podenegar, oseccionaldaPolíciaCivil afirmarserpreconceitoeo Poder JudiciárioeoMinistérioPúbliconão terprovasparachegaraoscriminosos.O fatoéqueosgruposdeextermínio,denominadosassimpelaOuvidoria daPolíciaeDefensoriaPública, responsáveisporpartedoshomicídiosdosCrimesdeMaio,atuam esãocompostosporpoliciais.

INFOGRÁFICO BRUNO ARENA. EDITORIA DE ARTE/AT

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