#3 maio 2012

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O fim de cada semestre sabe sempre a resoluções de ano novo. Pensamos em todas as falhas e prometemos não voltar a repetir os mesmos erros. “Da próxima vez, começo a estudar mais cedo. Da próxima vez não vai ser assim.” Mas a preguiça por vezes é mais forte que o empenho e acabamos por adiar as nossas resoluções. Somos assim na faculdade e somos assim em tantas outras possibilidades que nos são dadas para agir. Podíamos dar poder às vozes e unir vozes para poder. Mas estamos anestesiados. As propinas vão continuar a aumentar, o desconto no passe dos transportes ser-nos-á cortado e o colega que está sentado ao teu lado na aula de hoje, amanhã poderá não estar. E nós continuamos a cultivar a exigência do nada. Porque nada mudará. Nada podemos fazer. Não poderíamos nós ultrapassar a apatia generalizada e recuperar a ânsia de tudo? Tudo querer, tudo poder, tudo conseguir. Inspirem- se nos ares de maio e “sejam realistas, exijam o impossível!” Marta Fraga #3 . Maio . MMXII Distribuição gratuita ENTREVISTA SANDRA MONTEIRO pp. 4 e 5 Sandra Monteiro, activista estudantil da AEFCSH nos anos 90 e actual directora do Le Monde diplomatique – edição portuguesa, é quem escolhemos entrevistar nesta 3ª edição d’O Grito. O Ano da AEFCSH p. 7 A actividade da Associação de Estudantes revista e comentada pelo presidente e a lista candidata. Cinema Português: para que te quero? p. 3 O estado da sétima arte em território nacional. Colaborações de: Luís Baptista . Vasco Dias . Manuel Diós . Sérgio Dundão . Diogo Ferreira . Marta Fraga . Marta Luz . Sofia Marques . Tomás Quitério . Rodrigo Rivera . Bárbara Sequeira . Margarida Ruela . Daniel Veloso // Design: André Abreu . Francisco Morgado Gomes facebook.com/ogritofcsh [email protected]

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Uma Voz da FSCH.

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O fim de cada semestre sabe sempre a resoluções de ano novo. Pensamos em todas as falhas e prometemos não voltar a repetir os mesmos erros. “Da próxima vez, começo a estudar mais cedo. Da próxima vez não vai ser assim.” Mas a preguiça por vezes é mais forte que o empenho e acabamos por adiar as nossas resoluções. Somos assim na faculdade e somos assim em tantas outras possibilidades que nos são dadas para agir. Podíamos dar poder às vozes e unir vozes para poder. Mas estamos anestesiados. As propinas vão continuar a aumentar, o desconto no passe dos transportes ser-nos-á cortado e o colega que está sentado ao teu lado na aula de hoje, amanhã poderá não estar. E nós continuamos a cultivar a exigência do nada. Porque nada mudará. Nada podemos fazer. Não poderíamos nós ultrapassar a apatia generalizada e recuperar a ânsia de tudo? Tudo querer, tudo poder, tudo conseguir. Inspirem-se nos ares de maio e “sejam realistas, exijam o impossível!”

Marta Fraga

#3 . Maio . MMXIIDistribuição gratuita

ENTREVISTA SANDRA MONTEIRO pp. 4 e 5Sandra Monteiro, activista estudantil da AEFCSH nos anos 90 e actual directora do Le Monde diplomatique – edição portuguesa, é quem escolhemos entrevistar nesta 3ª edição d’O Grito.

O Ano da AEFCSH p. 7A actividade da Associação de Estudantes revista e comentada pelo presidente e a lista candidata.

Cinema Português: para que te quero? p. 3O estado da sétima arte em território nacional.Colaborações de: Luís Baptista . Vasco Dias . Manuel Diós . Sérgio Dundão . Diogo Ferreira . Marta Fraga . Marta Luz . Sofia Marques . Tomás Quitério . Rodrigo Rivera . Bárbara Sequeira . Margarida Ruela . Daniel Veloso // Design: André Abreu . Francisco Morgado Gomes

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EDITORIALpor Diogo Ferreira

Num mês balizador, terminal e derradeiro para a maioria dos estudantes da FCSH, foram muitos os pretextos que permitiram ao estudante eclético olhar-se ao espelho e mover afirmativamente a cabeça às iniciativas que por aqui se levaram a cabo.

Nos passados dias 16 e 17 de maio, realizou-se o “POP UP – II Jornadas da Empregabilidade e Empreendedorismo”, organizado pela GIPAA e a AEFCSH. Louvável iniciativa que, mais uma vez, motejou as almas ‘diligentes’ do empreendedorismo. Aquele conceito que os altos dignitários da nação tanto querem apontar como o melhor caminho para o futuro da banda jovem e ‘imatura’ deste país. Louvável sim, mas, ironicamente, quando “não somos piegas”, não apontamos caminhos semelhantes aos da trupe que tem a pasta de capitanear os nossos destinos para a camada recém-licenciada e precária da nação.

Vemos que, no contexto nacional, mais de 7 mil alunos anularam a sua matrícula e apenas 7% dos alunos da FCSH são bolseiros. Não há POP UP’s do “Ensino Público justo”? “POP UP III Jornadas do respeito pelos carecidos deste país” para o senhor Luís Araújo? Excelentíssimo senhor doutor diretor geral do Pingo Doce, que nem dorme a pensar em quantas promoções mais precisa de criar para mimar os portugueses?

Há conteúdos urgentes, e felicitando esta ação da AEF-CSH, compreende-se que talvez este não fosse o tema mais oportuno para a realidade da FCSH.

A causa d’O Grito é cada vez mais reconhecida. Chegam-nos apelos arrasadores e bem enfeitados. Tanto nos impelem um caráter extremista, de Pac-mans que comem tudo, como nos bem-aventuram e congrat-ulam pelo trabalho realizado. Felicidade! É o que sentimos pelo facto de o nosso trabalho estar a ser reconhecido.

Petra Vegnerová, estudante Erasmus da Universidade Carolina em Praga, ao chegar a Lisboa ficou surpreendida com o número de organizações, associações, revistas e manifestações organizadas por estudantes universitários. Para a sua tese decidiu entrevistar O Grito, pedido que aceitámos prontamente. Que melhor ímpeto precisaríamos para continuar a ter força?

Nesta última edição d’O Grito deste ano letivo, desabro-chamos mais do mesmo: Como estudantes da FCSH, recusamo-nos a aceitar o desmantelamento do Ensino Superior Público e o subfinan-ciamento com que asfixiam as faculdades; Queremos ser uma ferramenta que alargue a democracia na FCSH; Pre-tendemos gerar um espaço de debate e troca de pareceres. As ideias fazem cada vez mais sentido. Que mais falta para te envolveres pelos teus direitos?

O Grito . #3 Maio MMXII2

Como resumiriam a origem e o propósito de “O Grito”?

Como estudantes da FCSH, recusamo-nos a aceitar a evolução vigente, a aceitar o desmantelamento do Ensino Superior Público e o subfinanciamento das faculdades. “O Grito” surge como ferramenta de fomento ao debate democrático, à intervenção dos estudantes na vida académica e à consciencialização de que também eles devem ter um papel fulcral no seu futuro.

Além do jornal, têm algum outro campo de trabalho?

Esta plataforma foi criada como jornal mensal, tendo agregado uma página no Facebook. Contudo, pretendemos realizar várias iniciativas no decurso do próximo ano lectivo, desde convívios, palestras, debates, entre outros.

Acham suficiente o interesse e o apoio dos estudantes portugueses por iniciativas semelhantes à vossa?

Enquanto a grande maioria dos estudantes aceitar que o Ensino se mercantilize, o seu apoio e interesse nunca serão suficientes. Apesar de o número de proactivos ter vindo a crescer, esta indignação latente não se espelha nas associações, nem na maioria da população estudantil, continuando a ter manifestações com duzentas, trezentas pessoas.

No que se assemelha a situação de hoje com a crise académica de ‘62?

Não assumimos como totalitário o regime vigente, há confiança nos meios de informação, a milícia pública existe para nos defender e, mesmo que o descontentamento assole a opinião pública, crê-se que as opções governamentais procuram servir os cidadãos. Os estudantes repartem-se pelas suas áreas laborais, batalham regionalmente, sem união de esforços, ou, quando isto não acontece, há iniciativas institucionalizadas criadas pelas AE’s como retaliação, mas que carecem de acção efectiva.

Lê a entrevista completa em facebook.com/ogritofcsh

CULTURACinema Português, para que te quero?

por Vasco Dias

“O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.” (Orson Welles) /”É nos cinemas que se realiza o único mistério totalmente moderno.” (André Breton)

O tema do Cinema Português levanta sempre muita discussão, existindo muitas perguntas, muitas pressões, muitas críticas destrutivas, poucos apoios e até pouco público. Como tal, é necessário fazer uma reflexão em prol deste tema.

Nos últimos anos, o cinema português tem vindo a sofrer sucessivos cortes nos apoios do Ministério da Cultura/ Secretaria de Estado da Cultura, reflexo do total desinteresse dos sucessivos governos em apoiar, desenvolver e exportar uma das artes que melhor se faz por cá. A demissão da direcção do Instituto do Cinema face à demora na aprovação da nova lei do cinema é reflexo disso. Mas até que ponto se deve apoiar esta arte?

Não podemos esquecer o grande valor dos nossos realizadores, que hoje lutam para um não esquecimento e desinteresse que a lógica do “autoritarismo” veio impor. Nunca antes houve tamanha exposição internacional como hoje, no qual os nossos filmes são cada vez mais

reconhecidos no estrangeiro. Vejam-se os casos recentes do jovem realizador João Salaviza, premiado com a Palma de Ouro, no festival de Cannes, para melhor curta-metragem com “Arena”; ou de Miguel Gomes, que venceu o Urso de Ouro em Berlim com a sua obra “Tabu”. Já para não falar dos rasgados elogios que a imprensa francesa fez do nosso cinema actual no jornal Le Monde, classificando-o como um dos mais originais da Europa.

Como tal, no passado dia 7 deste mês, três conceituados jovens realizadores (Miguel Gomes, João Salaviza e Gonçalo Tocha), fizeram-se ouvir no Parlamento, dizendo que o cinema nacional não pode morrer por falta de apoio. No mesmo dia, cerca de 2000 pessoas assistiram na escadaria da Assembleia da República, à visualização de um filme com diversos excertos da filmografia primordial da nossa história do cinema, e que levou à criação de uma petição pública de apelo.

Não é por falta de talento que o cinema em Portugal está em crise, contudo o cinema está parado, sobretudo pela falta de financiamento e de

atrasos sucessivos na nova lei do cinema, o que nada ajuda o sector. Este vive praticamente imobilizado, com o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) sem fundos para abrir novos concursos ou sequer para cobrir compromissos assumidos em 2010 e 2011. E isto leva a uma redução significativa na produção cinematográfica numa altura em que o país se destaca nesta área, e reflexo disso são os sucessivos prémios que são atribuídos aos nossos cineastas nos mais conceituados festivais internacionais.

O próprio Manoel de Oliveira referiu: “O cinema português sempre conheceu dificuldades. Mas hoje em dia, corre o risco de desaparecer”. Se há arte que nunca estará disposta a morrer e que se fará sempre ouvir através das imagens, é a 7ª Arte, a forma suprema de todas as artes. Cabe assim, às novas gerações perceber que caminho terá o nosso cinema, e como transformá-lo mesmo com falta de recursos, dando-lhe toda a alma para projectar e demonstrar uma cultura, língua, modos, gestos e património de um “Bom Povo Português”.

3O Grito . #3 Maio MMXII

4 O Grito . #3 Maio MMXII

Entrevista //SandraMonteiro //Directora do Le Monde Diplomatique(Portugal)

Sandra Monteiro, activista estudantil da AEFCSH nos anos 90 e actual directora do Le Monde Diplomatique (edição portuguesa), é quem escolhemos entrevistar nesta 3ª edição d’O Grito.

O Grito - Começando por uma abordagem do teu passado de aluna e activista, como vês as mudanças que foram acontecendo nesta faculdade, desde que ingressaste no Ensino Superior até hoje? A FCSH está muito diferente?

Sandra Monteiro - Não posso dizer que conheça a FCSH de hoje. Passou demasiado tempo desde que terminei os meus estudos e quando se conhece por dentro e se participa na vida de uma instituição, como me aconteceu nessa altura, também se aprende que uma observação esporádica, feita de fora, seja ela directa ou intermediada por terceiros, não permite dizer muito nem estar muito seguro do que se diz. Arrisco, portanto.As pessoas. Parece-me que há menos gente na faculdade e que se passou a dedicar tempo

e recursos a atrair alunos, quando antes o que se via era a selecção e a exclusão (agora esta faz-se muito por recursos económicos). Os que acederam à docência ou à investigação têm muitas vezes situações profissionais precárias. A preocupação, senão a angústia, com o futuro da faculdade e do ensino superior é uma constante nas conversas que esses reencontros propiciam. Reconheço traços de continuidade nos espaços de debate (científico, cultural, etc.), por vezes abertos a todos, que são organizados na faculdade. Houve anos em que tive dificuldade, quando calhou entrar na FCSH em alturas de campanhas eleitorais para a Associação dos Estudantes (AE), em compreender as motivações, as prioridades e as propostas que distinguiam as diferentes candidaturas. Pareceu-me preocupante; temi um empobrecimento da experiência associativa estudantil como escola de democracia. Verifico que os estudantes trajados e as praxes se tornaram parte da paisagem da faculdade (nos anos 90, empor Rodrigo Rivera

5O Grito . #3 Maio MMXII

Lisboa, era sobretudo um fenómeno que surgia nas universidades privadas). Pergunto-me que vazios de integração e de identidades este fenómeno veio preencher e que alternativas (de pertença, sociabilidade, solidariedade, etc.) estarão disponíveis para quem não se revê no que de pior aquelas práticas têm.O tempo. Passados mais de vinte anos, reconheço no antes e após Bolonha duas experiências separadas quanto à vivência do tempo de faculdade. Quando se entra já se está a sair, oiço dizer. Ciclos mais curtos de frequência e de presença na faculdade, com pós-graduações tanto mais incer-tas quanto mais se agrava a crise económica, diminuem o tempo total que se tem para conhecer e participar na vida da faculdade, em todas as suas vertentes (es-tudos, associativismo, represen-tação estudantil, sociabilização).O espaço. Sempre houve a noção da precariedade, sempre se falou da saída da Av. de Berna e talvez ela aconteça. Mas enquanto essa mudança não ocorre, muitas outras mudanças aconteceram neste período. Dos antigos espaços onde ainda víamos as argolas de ferro em que os cavalos eram presos nada resta. Edifícios a que chamávamos novos (a torre A) são agora velhos; a torre B nem existia e o que agora é designado como I&D quando muito faz-me lembrar o tempo em que o anterior ocupante, o DRM, tivesse passado a “alerta amarelo” quando temeu ser invadido no calor de uma RGA.

OG - E no Ensino Superior Público, que diferenças consideras mais significativas dos anos 90 para cá?

SM - Uma das alterações mais significativas, porque teve impactos estruturais na concepção e funcionamento do ESP, foi certamente a alteração

do modelo de financiamento. As dificuldades de financiamento, que já eram notórias em faculdades como a FCSH, generalizaram-se com a maior desresponsabilização do Estado da missão, que era a sua, de assegurar o funcionamento de um serviço público, garantir um direito universal e construir alavancas para combater as desigualdades socioeconómicas. O co-financiamento pelos estudantes e suas famílias, através de propinas com valores cada vez mais elevados, e depois por outras entidades particulares ou privadas, é uma peça fundamental em tudo o que veio a seguir: a transformação dos estudantes em clientes, a mercadorização do ensino, a elitização do ESP, a nova gestão das instituições menos assente na representação democrática de docentes, estudantes e funcionários. É até uma peça fundamental na financeirização da economia que está ligada à crise que atravessamos. A reorganização de Bolonha e o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) completam o quadro das alterações mais estruturais. Mas as mudanças fundamentais vinham sendo propostas desde o fim dos anos 80 e foram adiadas por mais de uma década fruto, em grande medida, da contestação estudantil. Infelizmente, a grande diferença que foi anunciada e que muitos seduziu não se verificou, como era previsível: não temos mais qualidade de ensino nem mais apoio social aos estudantes. Temos, pelo contrário, tudo isto cada vez mais ameaçado pela situação de crise e pelos elevadíssimos níveis de desemprego. A centralidade ocupada pelos problemas relacionados com o emprego, cuja solução passa muito mais pela adopção de políticas globais que o promovam do que pelas universidades, será decerto outra

das diferenças mais significativas que ocorreu desde os anos 90 no ESP, ainda que em faculdades como a FCSH o desemprego já então fosse particularmente sentido.

OG - Sabemos que foste uma das activistas da FCSH mais envolvidas na luta contra a implementação das propinas em Portugal. Na altura, o valor era irrisório, comparado com o de hoje. Desde então, aumentou cerca de 16666 %. O que vos fez sair da esplanada e ir para a rua lutar? A AEFCSH foi importante nesta luta?

SM - A AEFCSH adoptou formas de trabalho muito participado que deram frutos quando o problema das propinas surgiu. Creio que a importância que tivemos no movimento estudantil desse período teve a ver com a junção de vários factores. Em primeiro lugar, estávamos bem preparados para abordar estas questões: a associação anterior tinha feito um excelente trabalho de passagem de dossiês, tinha um trabalho impressionante de participação nos órgãos de gestão da faculdade e da universidade, e nós mantivemos essa tradição de estudo e empenhámo-nos na representação institucional dos estudantes (mesmo criticando fortemente a sua reduzida democraticidade, quando comparada com a realidade das outras universidades) tanto quanto nos empenhámos no contacto directo com os estudantes, os professores e os funcionários. Depois, “beneficiámos” de pertencer a uma universidade que foi pioneira na tendência de aumento das propinas que depois se verificou: foi na Universidade Nova de Lisboa (UNL) que surgiu a primeira proposta de aumento das propinas, no caso para os mestrados, e foi também o Senado da UNL que teve muita

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da iniciativa destinada a con-tornar várias formas de imple-mentar o aumento das propinas (ou de acabar com formas muito alargadas de isenções), ao contrário do que aconte-ceu em universidades como a de Coimbra. Quem ouve hoje as leituras e as propostas que os economistas que dominam o espaço público fazem nas televisões não ouve nada de muito diferente do que então ouvíamos aos professores de Economia da Nova. Um outro factor que foi determinante, creio, na actuação da AEF-CSH foi termo-nos centrado no contacto directo com os estudantes, fosse para falar de financiamento e propinas, fosse para tratar de festas e desporto ou para resolver problemas que todos tínhamos, dos horários lectivos e às avaliações ao papel higiénico nas casas de banho. Talvez nos tivéssemos deixado paralisar mais pelos posicionamentos muito mi-noritários que tínhamos num panorama associativo muito partidarizado e inicialmente favorável ao aumento de propi-nas se não tivéssemos ocu-pados com todo este trabalho (além dos estudos) e se através dele não tivéssemos percebido o quanto podíamos contar com os estudantes nesta luta.Foi assim que a AEFCSH esteve, desde o primeiro momento, muito envolvida no combate ao aumento de propinas. Inicialmente seríamos uma meia dúzia de associações (e até grupos de estudantes que só depois foram eleitos para as associações mas que depressa se juntaram ao Movimento de Estudantes Contra o Aumento de Propinas, MECAP, criado em 1991). O processo que depois deu grandes manifestações de rua começou assim, e se poucos se transformaram em muitos teve a ver, por um lado, com este enraizamento e, por outro,

com a gravidade do que estava a ser proposto e que nem era assim tão difícil compreender, desmontar… e prever as consequências. Na verdade, para responder ao que nos motivou basta dizer que foi justamente tentar evitar tudo aquilo a que estamos agora a assistir. Creio que o movimento estudantil daquele período não conseguiu apenas politizar uma geração e adiar por alguns anos a implementação do novo modelo. Conseguiu também, infelizmente, criar um acervo de análises e de alerta para as previsíveis consequências que hoje tem valor e pode ser reapropriado para lutas de hoje. Até porque agora há evidência empírica que o sustenta, basta olhar para os dados que mostram o desaparecimento dos mais pobres do ESP, da diminuição do financiamento relativo do Estado, da redução dos apoios sociais, da falta de relação entre aumento de propinas e melhoria da qualidade do ensino, etc.

OG - Muitos estudantes têm vindo a criticar a posição mais passiva que muitas AAEE têm tido em relação ao aumento do valor das propinas, do corte de 40 mil bolsas, etc. Achas que o movimento estudantil é muito diferente hoje do que era quando foste activista pelos direitos dos estudantes?

SM - Prefiro pensar mais na contestação que pode vir a existir do que naquilo que se perdeu por falta dela. Recentemente, aliás, vejo múltiplos sinais do seu recrudescimento, dentro das associações como fora delas, com estudantes a juntarem-se para reflectir e actuar em conjunto, como tende a acontecer quando as associações não cumprem, aos

olhos de alguns, esse papel.Sei que o movimento estudan-til e os estudantes em geral se deparam hoje com dificul-dades novas. A existência de propinas surge como mais uma das “inevitabilidades” com que o neoliberalismo povoa as mentes e acaba por for-matar o quadro da discussão. Há que quebrar o espartilho desse quadro e mostrar que há modelos alternativos para o ESP que têm mais provas dadas internacionalmente e se comportam bastante melhor em termos de resultados. Por outro lado, quanto mais os es-tudantes forem tratados como clientes mais tenderão a actuar como se o fossem, perdendo de vista a defesa de um direito que lhes assiste e tem de ser assegurado pelo Estado, sob pena de termos uma sociedade ainda mais desigual e um ESP a cujo definhamento iremos assistir. Por outro lado ainda, a situação de crise em que estamos vai tornando natural, para muitos, a ideia de que os “cortes” são inevitáveis, em vez de levar a uma compreen-são de que a austeridade nada resolve, só agrava a recessão económica e aprofunda a re-gressão social. Tudo isto num caldo de desemprego a níveis verdadeiramente trágicos e de prestações sociais que seguem a mesma tendência de redução que afecta o apoio social aos estudantes. Com a situação a degradar-se tanto quanto tem acontecido há mais do que razões para que o movimento estudantil e associativo tenha um papel importante e de grande visibilidade na socie-dade actual, potenciando até as ligações europeias e globais que hoje são possíveis, até porque os problemas funda-mentais que existem no ESP em Portugal encontrarão pa-ralelo noutras paragens.Lê a entrevista completa em facebook.com/ogritofcsh

Com o fim do semestre a aproximar-se, na edição de Maio O Grito apresenta um balanço estatístico do mandato da AEFCSH até à presente data, com base no Plano de Actividades proposto aquando da tomada de posse. Inicia da seguinte maneira o documento: “A AEFCSH assume o Plano de Actividades para o mandato 2011/2012 como um plano ambicioso, mas sem perder o realismo, em que todos os departamentos trabalharão para uma maior aproximação às necessidades reais dos estudantes e à vontade de as suprir”. Acede ao documento completo em facebook.com/ogritofcsh

O Grito . #3 Maio MMXII 7

Pedro Miguel Coelho,presidente da AEFCSH

O ano tem corrido bem, vê-se pela elevada taxa de execução, de mais de 50%. A AE está mais forte em todas as áreas de atuação, numa clara melhoria de desempenho e a superar a prova difícil que a crise económica impõe ao associativismo e ao país em geral. Como prioridade continua a solução dos problemas que mais afetam os estudantes, visível no departamento de Política Educativa e Ação Social, com 85% de execução. Além do que já está feito, continuamos a preparar propostas relativas ao futuro regulamento de bolsas e às Oportunidades Profissionais. A união em torno do objetivo essencial que é a melhoria das condições para quem estuda na FCSH, bem como o trabalho realizado em conjunto com todos os colegas – a maior força desta Direção – leva-nos a agradecer a oportunidade para crescer, melhorar e cumprir a missão que em novembro nos foi confiada.

Luís Baptista, candidato à presidência da AE pela Lista X

É justo reconhecer, nós fazemo-lo, que a AEFCSH é hoje uma Associação com uma imagem melhorada, uma actividade cultural e institucional mais sólida, com uma maior ligação à comunidade e à instituição face aos mandatos anteriores. Ainda assim está aquém do esperado, sendo a FCSH a Faculdade da UNL com maior número de alunos que abandonaram o ensino este ano. Aqui, onde se sentem particularmente os efeitos da política de destruição do ensino superior público, não seria de esperar uma postura mais reivindicativa e interventiva? Reconhecemos alguma preocupação social a esta Direcção da AEFCSH mas a acção reivindicativa levada a cabo mostrou não resultar, ficando muito aquém daquilo que seria necessário. A sensibilidade social não se pode perder na escassez de acção e na abundância de palavras.

Perante tais números, O Grito convidou o representante de cada lista que foi à segunda volta nas eleições para a Associação de Estudantes, em Novembro passado, para tecer um breve comentário em relação ao mandato da actual AEFCSH, que segue em curso.

Recreativo75%

Saúde e Desporto42,86%

Cultural57,14%

Política Educativa e Acção Social

85,71%(taxa de concretização)

Inovação, Sustentabili-dade e Património

57,14%

Gabinete de Comu-nicação, Imagem e Relações Externas

73,33%

8 O Grito . #3 Maio MMXII

NACIONALPrimavera Global - A Indignação Saiu À Ruapor Daniel Veloso

Pouco mais de um ano após a Manifestação da Geração à Rasca, organizada a 12 de Março de 2011 e que levou meio milhão de pessoas à rua em todo o país, realizou-se, no passado dia 12 de Maio, a manifestação da “Primavera Global”, um movimento internacional composto por diversos colectivos de activistas (na qual se integra, em Portugal, a plataforma 15 de Outubro).

À semelhança das motivações do último ano, foram mais de mil os que desfilaram entre o Rossio e o Parque Eduardo VII, em Lisboa, indignados com o rumo de austeridade e precariedade

que tem conduzido a população a um empobrecimento cada vez mais generalizado. Recusando as políticas do actual governo e a leviandade com que Pedro Passos Coelho e companhia encaram a situação dos portugueses, os activistas garantiram um protesto dinâmico e combativo. Mas a Primavera Global não se esgotou nas duas horas de duração da marcha de protesto. Este movimento, organizado em mais de 250 cidades do mundo, prosseguiu no final da caminhada, com os manifestantes a agruparem-se no Parque Eduardo VII, realizando debates sobre diversos temas, entre os quais o desemprego, a dívida, a saúde ou a democracia. Porque, para além da preocupação expressa relativamente à situação concreta, o colectivo questiona o modelo de sistema democrático vigente, virado sobretudo para

as ambições economicistas e a lógica do lucro. Os debates e assembleias prolongaram-se até terça-feira, dia 15.

A participação dos estudantes, porém, revelou-se escassa em toda esta iniciativa. Pelo menos vista em proporção com a dimensão dos cortes no sector do Ensino Superior. Ou não valerá a pena mostrar o descontentamento em massa quando a situação de subfinanciamento atinge níveis escandalosos? Não será justo manifestar quando, na eminência de terminar um curso superior, e vislumbrando o desemprego como próximo passo, o responsável político máximo do país sugere que reconheçamos uma oportunidade nesse depressivo panorama? Juntando forças e agregando esforços, os estudantes podem reverter a situação. Basta querer.

INTER-NACIONALO Movimento 15-M um ano depoispor Manuel Diós

No seu primeiro aniversário o Movimento 15 de Maio reuniu dezenas de milhares de “indignados” em oitenta cidades espanholas. No decurso deste ano, com o agravamento da crise capitalista e os seus efeitos na maioria da população, o Movimento de indignação teve um grande impacto na cultura política nacional. Assinalou as vítimas e os culpados desta crise e apontou soluções concretas para os problemas estruturais.

Um ano depois, o movimento da indignação continua a evidenciar uma maior distanciação dos

representantes políticos com a cidadania, os quais estão mais próximos das elites político-económicas e do capital financeiro para o qual ninguém votou, mas que de facto governa os nossos países. Em Espanha, nos últimos anos, está a evidenciar-se uma “quebra das expectativas” no seio da população. Pela primeira vez na história do nosso país, a geração de jovens vai estar melhor formada que os seus pais mas vai ter piores condições materiais de vida. Por outro lado, aqueles que levam a vida toda a trabalhar vão ficar com reformas irrisórias, pelo que a subsistência encontrar-se-á em perigo.

Neste contexto, com um sistema político pactuante e herdeiro da ditadura franquista, o Povo emerge como um contrapoder com capacidade para fazer política e apresentar alternativas concretas. Neste sentido o Movi-mento 15-M atingiu um objetivo

fundamental: a sensibilização e consciencialização de pessoas muito diferentes (estudantes, tra-balhadores, reformados, precári-os...) em torno de dois lemas centrais: “Não somos mercadoria nas mãos dos Banqueiros”; “Não nos representam”, referindo-se ao quadro político partidário: “Não nos representam”, exigindo formações partidárias que fiquem do lado do povo e não dos grandes interesses capitalistas.

São todos estes factores os que fazem do 15-M um movi-mento de massas perigoso para aqueles que estão no poder, um movimento que é preciso com-bater limitando ao máximo o seu impacto no âmbito político. Contudo, mais um ano, as praças e os espaços públicos tornaram-se lugar de encontro de milhares de pessoas consciencializadas e dispostas a mudar o rumo de um sistema que está a encaminhar-se para um abismo no caso de não se encontrar alternativas.