doutores da alegria - psicologia
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São vários os arquétipos do palhaço nas sociedades ao longo da história, indo
desde os pajés até os bobos da corte. O palhaço é, no primeiro caso, a ligação
com o divino; e no segundo, a demonstração da mais alta coragem sob uma
forma velada: pois o bobo da corte dizia coisas que, se outros dissessem,
perderiam a cabeça. Porém, apesar da aparente dissonância, entre um e outro,
o palhaço sempre teve uma única função: trazer a alegria, que é a ligação com
o divino – é aquilo que nos faz esquecer os problemas e sorrir. Seja por meios
místicos ou irônicos, este é o principal papel do ator-palhaço na sociedade:
trazer à tona a alegria e outras emoções que nos fazem bem. Isso fica claro no
filme Doutores da Alegria – que trata de uma equipe de palhaços que visitam
crianças internadas em hospitais pelo país. No longa-metragem, é exatamente
este o papel demonstrado: levar a anestesia para os doentes – a alegria. De
formas simples, os “besteirologistas” desempenham incrivelmente bem sua
função.
Mas, além de uma verdadeira palhaçada, o trabalho dos Doutores inclui
respeito ao paciente que está sendo visitado: ao menor sinal de desaprovação
por parte da criança, o palhaço se retira. O filme mostra que, para ser palhaço,
é preciso estar sempre conectado com o outro e com o ambiente ao redor –
sabendo diferenciar palhaçada de desrespeito. Este tipo de abordagem é
extremamente importante, não só para a vida profissional, mas também para a
vida pessoal de todos nós. Não seria bom conseguir captar o olhar do outro,
sentindo sua dor? Não seria bom ter a versatilidade apresentada pelos
profissionais do riso de receber uma negativa e mesmo assim saber sair de
determinada situação? Sim, seria ótimo que todos tivéssemos tais capacidades
– tão importantes à todos.
Um dos aspectos mais interessantes do filme é a abordagem do dia-a-dia do
profissional da saúde, inserido em seu ambiente de trabalho e sua relação com
o paciente. Os hospitais são, em qualquer caso, o último lugar em que uma
pessoa gostaria de estar – e quando vai parar lá, essa pessoa é acometida por
um intenso sentimento de tristeza e uma vontade de estar “livre” novamente.
Talvez a tristeza cause uma coisa ainda pior: a ausência de esperança – e, no
caso das crianças, essa falta de esperança vem dos pais. Os doutores nos
mostram a maneira mais correta de encarar pacientes e/ou familiares em
situações difíceis: os palhaços nos indicam que o caminho mais correto, é o de
tirar daquela vivencia forças para continuar, que o jeito mais fácil de sair dali, é
esquecer que se está ali, nem que por alguns momentos; sorrindo, cantando e
brincando, esta é a forma mais saudável de lidar com pacientes doentes e seus
familiares.
Abrindo aspas no assunto central, uma das frases que mais gosto de Clarice
Lispector, foi proferida durante uma entrevista concedida a Júlio Lerner em
fevereiro de 1977. Essa frase é: “a criança tem a fantasia solta”; Clarice, sem
saber, traduz bem o que o filme nos mostra: apesar de todas as adversidades,
as crianças estão sempre dispostas a sorrir e a esquecer os problemas. O
palhaço tem a alma de criança, por isso sempre será criança, apesar da idade.
Ambos, criança e palhaço, têm a “fantasia solta”, a capacidade de sonhar
acordado e de sorrir apesar de qualquer coisa: um dando e outro recebendo
alegria. Ambos tem a capacidade de dar e receber com um simples olhar – de
se comunicar sem usar qualquer palavra para isso, só um olhar.
Assim, muito além de um simples filme, “Doutores da Alegria” é um manual a
ser seguido por qualquer pessoa que tem a intenção de trabalhar na área da
saúde. Todavia isso não impede que se torne um manual de vida, sendo
seguido por todos, em todos os momentos e situações.