dossiÊ paul sedir: escritos selecionadosordemmartinistabrasilsp.org/documentos/livros/dossi paul...

42
LES AMITIÉS SPIRITUELLES Fundado por Paul Sedir em 1920 – Paris - França Belo- Horizonte – Rio de Janeiro Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ DOSSIÊ PAUL SEDIR: ESCRITOS SELECIONADOS YVON LE LOUP, SEDIR 1871 - 1926 * Traduções: Omar de Almeida * Revisões: Sebastião Breguez

Upload: vutuong

Post on 16-Dec-2018

229 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

LES AMITIÉS SPIRITUELLES Fundado por Paul Sedir em 1920 – Paris - França

Belo- Horizonte – Rio de Janeiro

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

DOSSIÊ PAUL SEDIR: ESCRITOS SELECIONADOS

YVON LE LOUP, SEDIR

1871 - 1926

* Traduções: Omar de Almeida * Revisões: Sebastião Breguez

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

2

A Aridez (ou Secura) Eis algumas notas rápidas sobre um dos estados d’alma mais doloroso reservado aos místicos em sua caminhada. Eles podem ser úteis uma vez que todo mundo ressente, por intervalos, de apatia e desgosto. Disse Jesus: “É de vosso interesse que eu parta...” (João, 16:7). Efetivamente, se nossa natureza ama as doçuras espirituais, é preciso aprender, como disse M. Hamon, a amar o Deus das consolações mais que as consolações de Deus. O que é sensível na vida interior é o regozijo das partes de nosso espírito das quais somos conscientes. Pois, nós só temos consciência daquelas regiões psíquicas que nosso trabalho interior evoluiu. Para crescer, nossa consciência deve entrar na imensidão de nosso inconsciente. Neste ponto, a sensitividade interior não funciona mais. De lá vem a sensação de aridez – mas é preciso saber que este estado é o sinal de que Deus esta agindo em nós profundamente. Quando sentimos sua ação, é que Ele está operando nas partes externas de nosso espírito. A secura é, portanto, um estado muito invejável e frutuoso. Quando o dever perde seu charme e a prece seu atrativo, isto vem ou de uma direção particular de Deus ou da constância de nossa tibieza ordinária. A aridez possui três qualidades: 1. A alma calorosa geme, esmorece, se humilha, e gostaria de abraçar o universo; mas ela permanece impotente. A alma tíbia não percebe nem mesmo a sua aridez. 2. A alma calorosa está em crise. Ela pensa no mal que fez apesar de seus esforços, e no bem que ela não fez. Ela se compara aos seus irmãos, acredita estar atrasada e queima no imenso desejo de melhorar. A alma tíbia encontra-se bem como está e julga-se melhor que as outras. 3. A alma calorosa não negligencia, malgrado tudo, nenhum dever. Ela se esforça energeticamente para cumprir tudo, apesar da dor e da insipidez. A alma tíbia negligencia, e desbarata-se de seus deveres. Como se comportar neste estado: 1. Se ele provém de nossa tibieza, é necessário sair, custe o que custar, por um esforço sistemático e obstinado;

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

3

2. Se ele provém de uma provação, “dê os ombros” e resigne-se com calma; nossa sede de evoluir será a melhor das preces. 3. Por fim, e de uma maneira geral, cuide-se para não cair da secura para a tibieza. O que seria um recuo muito triste e um estado bem perigoso. Entre as causas de nossa aridez podemos observar duas principais: Primeiro, a tibieza habitual, engendrada pelas paixões, a curiosidade, os desejos vãos, a negligência. Depois a falta de atenção aos minutos de fervor que a bondade de Deus nos diligencia. Para prevenir a aridez é preciso: 1. O recolhimento, a manutenção do doce sentimento da presença divina; 2. As pequenas mortificações morais: estes são os grãos de sal sobre o fogo agonizante de nosso fervor. Para lutar contra a aridez empregue os seguintes procedimentos: 1. Não deixe entrar em si o desencorajamento. Deus tem todos os direitos sobre nós. Temos muito a pagar. Temos uma obra magnífica a cumprir: ajudar o Cristo em seu trabalho; 2. Recusar os pensamentos de dúvida e de inquietude. Deus é bom e todos os Santos sofreram terríveis securas. Nós seremos todos salvos. Como se conduzir na aridez: 1. Não omitir nenhuma de nossas preces habituais, embora estejam insípidas; 2. Guarde, com uma vontade forte, a convicção que Jésus está conosco e ao nosso lado. As vantagens da aridez são: De ser uma excelente escola de sólidas virtudes; de reduzir o amor próprio, de aumentar a humildade diante de Deus e diante dos homens; de fazer crescer o amor

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

4

de Deus, pois ao purificar nossos sentimentos, eles os incitam, nos exaltam acima de toda dor humana.

* * * Eis de perto todos os pontos suscetíveis de servir de tema às meditações daqueles que estão bastante familiarizados com o trabalho psíquico para poder aprofundar e organizar todas estas informações. Tomemos em cada dia de provação uma destas frases, e pensemos nela nos minutos de folga entre nossas ocupações diárias. Estas lembranças ininterruptas acabarão por si mesmo em fazer retornar o vigor à nossa vontade e de ser o élan do nosso coração. Eis alguns detalhes suplementares que ajudarão a determinar o estado de aridez. Quando conhecemos nosso mal podemos melhor suportá-lo, pelo menos para os caracteres reflexivos e viris. A secura é uma prova interior que Deus nos envia ou permite como faz com as provas exteriores: as doenças, os ataques demoníacos visíveis, etc. Examinando as relações dos místicos encontramos doze variedades de aflições interiores: 1. As tentações; 2. A impotência aparente de cumprir um ato benfeitor qualquer; 3. A visão aguda de nosso estado de corrupção moral; 4. A sensação aguda de estar só entre os homens; 5. O aborrecimento e uma imensa tristeza; 6. A sede de Deus; 7. O terror de ser abandonado por Deus e que Ele não nos ajude mais; 8. A certeza de estar condenado; 9. Do ressentimento contra Deus; 10. Dos escrúpulos despropositados e desatinados; 11. Das distrações invencíveis; 12. A aridez ou secura. No momento, nos interessa, as aflições nos 2, 3, 5, e talvez 11 e 12, se permitimos de empregar para o místico este estilo de contabilidade.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

5

Eis para cada um destes cinco artigos algumas máximas que contemplaremos (e não meditaremos) sistematicamente, em todos os momentos livres do dia, sem preocupação com os possíveis resultados desta contemplação.

• Contra a impotência ao bem: somente possuímos verdadeira e divinamente as virtudes na medida em que ignoramos que as possuímos. – “Console-te; tu não me procurarias, se tu não já tivesses me encontrado”, disse J. C. pela pluma de Pascal.

• Contra o desgosto fatigado de nós-mesmos. É, ao contrário, uma boa coisa ser severo para consigo.

• Contra a impotência ao ato benfeitor: abandonar-se a Deus, deve ser nosso desejo sincero. É então que isto que nós acreditamos ser o bem seria atemporal. Alhures, esta própria espera é, em certo plano, um trabalho ativo.

• Contra as distrações: evitar os sonhos agitados e as palavras vãs. • Contra a aridez, a mais comum de todas estas provas: Na aridez, não

chegamos, apesar de todos os esforços, a nenhum fervor; e este ainda é seguido de desgosto. Para prevenir este estado, é necessário manter a vida ocupada, preparar-se para a prece pela meditação, onde encontramos um pouco da relação do particular com o geral. Mas mesmo assim não se estafar, a fim de evitar o esgotamento nervoso.

Santa Teresa dizia que há vantagem em mudar, de vez em quando, a hora da oração e, às vezes, dividir a oração em vários momentos, com meia ou uma hora de intervalo: por exemplo, cada vez que o relógio bater (Vide VI). Ainda, podemos anotar um belo pensamento vindo durante esta oração tão insípida. A vantagem desta provação é de nos fazer descer à humildade. O melhor remédio é “de se apresentar diante de Deus como um pequeno pobre, pedindo-lhe muito humildemente uma esmola” (Santo Philippe de Néri, Vide, Bolland, 26 maio). É preciso, e isto para todos os nossos sofrimentos, em pedir a Deus o alívio e, ao mesmo tempo, estar feliz se Deus não nos concedê-lo. Esta regra é muito importante. Por fim, para concluir, é bem verdade que todos estes sofrimentos da alma, sejam quais forem sua origem e sua natureza, nos proporcionam os maiores avanços. Sédir, extraído e traduzido da revista Psyché , Paris, 1913

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

6

OS SOFRIMENTOS MENTAIS De uma palestra de Paul Sédir

O número de seres humanos afetados pela falta do controle sobre si - mesmo, em seus diversos graus, aumenta a cada dia. A aceleração da existência, a incerteza do amanhã, a força das paixões, a rejeição à disciplina, o abuso dos excitantes, o exemplo geral de desordem são as causas inquestionáveis desses transtornos pessoais. Com muita freqüência nos encontramos diante de um destes vencidos pela vida cujas revoltas são, unicamente, o resultado dos sobressaltos de sua impotência. Diante deles, ficamos sem poder falar de Deus porque eles não aceitam mais. Ficamos sem poder dar alguma consideração moral, porque eles, em seu egoísmo ferido, consideram isto futilidades. Então se torna necessário ai, inventar um discurso que os atinja pessoalmente, e lhes mostre suas responsabilidades pessoais na fraqueza em que padecem e sofrem, que lhes ofereça, enfim, um tratamento racional que possam compreender e aplicar por si - mesmo. Eis o que me parece sensato para dizer a estes doentes difíceis: A inteligência é dupla: inconsciente e consciente. A primeira é a reserva da segunda, a quem fornece as percepções sobre a massa nas quais se exercerá o julgamento, em seguida a vontade. No indivíduo normal, esta dualidade aparece pouco. No doente, ela se acentua, porque a doença nervosa, mental ou psíquica é uma ruptura do equilíbrio entre o inconsciente e o consciente. Este equilíbrio é o controle, o mestre de si - mesmo que funciona automaticamente em estado de sanidade psíquica. A ausência total do controle é a loucura. A insuficiência ou instabilidade do controle é a psico-nevrose, a psicastenia. Ela se manifesta por um sentimento de incômodo/indisposição, uma perturbação, uma sonolência cerebral, ou uma confusão de idéias ou a exageração de uma idéia fixa. Ai as sensações e emoções se deformam e as ações são indecisas. A doença é dispersiva, obsessiva e incapacita à ação. Estas perturbações cerebrais chegam mesmo a alterar o funcionamento dos órgãos. E produzem as dispepsias nervosas, as enterites nervosas, os tremores, as perturbações da vida, de audição, as fobias, etc..., etc... As causas da insuficiência do controle cerebral podem ser: hereditário, desgostos, inquietações ou os excessos de todos os gêneros. Às vezes, a doença data da

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

7

infância, às vezes aparece bruscamente devido a um choque psíquico ou moral, às vezes é periódica. Os sintomas são: impressionabilidade exagerada, instabilidade de humor, a indecisão, a mania debatedora, e a obsessão do passado ou do futuro. Estas perturbações, de início acidental, se estabelecem pouco a pouco e se agravam quando o doente percebe sua inferioridade. Neste ponto acelera a fadiga, o desencorajamento, a inquietação, tornando-o incapaz de querer; e em geral a vida torna-se confusa, enquanto a audição se hiperestesia (de onde vem a insônia). Os meios curativos conhecidos são de início a sugestão e a hipnose. Estes meios artificiais não curam realmente porque não ensinam ao doente a maneira de reeducar seu controle psíquico. Apenas oferecem alhures, do ponto de vista espiritual, inconvenientes já assinalados aqui mesmo. É preciso ensinar ao doente como retornar à consciência. Eis alguns exercícios que podem ser feitos, lentamente, docemente, e durante alguns minutos apenas:

1. Se há perturbações musculares, execute movimentos simples, da mão, dos braços, das pernas, observando como os músculos se movimentam, e se unem àquele que permanece imóvel.

2. Se há perturbações sensoriais, que ele observe um objeto qualquer e estude sua forma, a cor, o peso, o contato. Igualmente para a vista, para o ouvido, etc...

Em outros termos, é necessário que o doente diga no momento da percepção: Eu vejo, eu escuto, eu toco tal e tal coisa. E antes de toda ação: Eu vou fazer tal coisa. O mesmo para o controle das idéias: que, várias vezes por dia, o doente anote por escrito, o que acabou de fazer, de dizer ou de pensar na meia hora ou hora anterior, exatamente e com concisão, sem romantismo. Estas simples receitas, que você ajudará o doente na execução com sua experiência, calma, paciência, simpatia, serão suficientes, se foram empregadas todos os dias e à hora fixa, para reconquistar o controle. Entretanto, em se tratando de obsessão, de neurastenia profunda, de embolia total, e se há perturbações fisiológicas graves, será necessário recorrer à intervenção de um médico especializado. Pois estas curtas indicações somente são destinadas a servir nos casos benignos, que somos chamados a reencontrar tão freqüentemente nos contatos com os infelizes.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

8

O Cântico dos Cânticos

Antes da vinda de Cristo, a magia equivalia, no contexto cultural, mais ou menos ao que hoje são para nós, os conhecimentos profundos, as invenções extraordinárias, as invasões do gênio humano sobre a matéria; um Papin, um Daguerre, um Edson, um Branly, um Marconim, um Cross: eis aqui os adeptos da magia moderna. A lenda afirma que a Atlântida antidiluviana foi engolida por uma reação de Forças terrestres contra o excesso da captação dos magos. A guerra que acabamos de padecer (1) não revela, por acaso, a infernal fisionomia das nossas ciências aplicadas, das quais somos tão orgulhosos ? Outro sentido mágico do nosso poema é a relação do duplo, o qual após a morte, com Ísis e Osíris, com a Lua e com o Sol. Isto é chamado “Psicurgia”, da mesma forma como o sentido anterior se referia à teurgia dos antigos. Pode-se acrescentar uma terceira e uma quarta interpretação relativa à magia e alquimia, porém me excederia excessivamente sobre este tema. O quinto aspecto tem relação com o Verbo e o Eu humano. É disso que desejo falar de forma mais específica. A sexta descreve a organização da Igreja interior: a união de Jesus cristo com seus fiéis. Denys, Lê Chartreux, expressivamente, Eckhartshausen e Lopulkin, também embora com desvios em direção ao esoterismo. A relação ao sétimo sentido de interpretação é inexplicável para nós; é o mistério da união das três Pessoas Divinas. Está escrito: “Quando se reunirem duas ou três pessoas em Meu Nome, Eu estarei entre elas”. O Verbo está presente em cada um destes aspectos do O Cântico dos Cânticos. Acorde com o primeiro dos significados, Ele está na harmonia do Cantar e da Música. Ele está no amor completo dos esposos e na própria medida em que eles consagram suas vidas a Deus. Ele está no “athanor” do alquimista se este realiza sua tarefa com o coração absolutamente puro, sem avidez nem concupiscência, sem curiosidade, sem orgulho.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

9

Ele está no perfume do altar, incluindo para o mago que, acreditando adorar o Pai, não adora senão a um dos seus assistentes, de acordo com certas formas idolátricas específicas. Nasce, Ele, no coração do homem quando João, o Batista – o penitente – tem passado, quando o coração se transforma numa virgem pura. Ele está permanentemente vivo em meio de seus amigos e de seus discípulos perfeitos. Enfim, Ele está acima de todo o Reino do Pai ou, melhor, Ele é a substancia, a própria vida desse reino. Por isso é necessário por se em guarda ante as doutrinas que não aceitam Sua presença senão dentro de um departamento do mundo, com exclusão dos outros. Está errado o filósofo que não enxerga o Filho de Deus senão somente nas idéias; está cego o ocultista naturalista se o procura somente na terra; o poeta louco é, se põe em seu lugar o que chama de amor; o fantástico deveria compreender que o Verbo Jesus o Cristo anima não somente seu Deus, senão a todos os deuses. Não está somente na Natureza, como ensinam os orientais, pois também Ele nasceu dentro da história. Da mesma forma, ele pode nascer no coração de um discípulo perfeito. 1. A Primeira Guerra Mundial ( 1914 – 1918).

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

10

A ARTE DO SONHO

A nossa mente interior está em constante relação com os mundos invisíveis; nós não nos apercebemos disto porque nos falta o instrumento transmissor. É preciso então tornar este registro mais fácil e mais extenso. Aqui vão dois métodos. O primeiro é exterior; recomenda uma série ou séries de exercícios graduados que, apoiando-se num conhecimento mais ou menos verdadeira da máquina humana, harmonizam o seu funcionamento e subtilizam as suas sensibilidades. Aqui tudo depende da ciência do treinador; facilmente se cometem erros ao manipular organismos tão delicados e complexos. As desordens mais graves e mais tenazes podem suscitar por uma falta de diagnóstico, por uma hora mal escolhida, por um excitante mal dosado, por uma falsa correspondência. Sabemos ao que uma droga deve a sua virtude ? O seu uso pode ligar o nosso sistema nervoso a poderes desconhecidos; conhecemos as terríveis conseqüências da morfina, da cocaína, dos licores alcoólicos. E todas estas substancias não trazem uma força nova; a sua ação é simplesmente despolarizante; elas retiram fluido de um ponto do corpo para coloca-la num outro, de modo que o experimentador imprudente vê a sua saúde tornar-se precária e sua vontade impotente para governar os impulsos irresistíveis de seu ser vegetativo. As mesmas críticas podem ser formuladas quanto a estas receitas pueris que a superstição popular emprega: comer maça com certos ritos, escrever nomes bárbaros sobre fitas, isso parece inofensivo. Mas é possível que uma imaginação aventurosa ou uma vontade fraca abram as portas a sugestões pouco sãs ou maníacas. Quanto ao rito mágico propriamente dito, seja qual for o proveito que dele desejamos extrair, os inconvenientes existem na mesma medida. Incerteza quanto à qualidade do resultado obtido, risco de ilusões, dolo provável, violências exercidas contra certos invisíveis, obrigações contraídas inconscientemente com outros invisíveis, desobediência à lei divina, desequilíbrio pessoas podendo se estender ate a doença física – tais são, em resumo, os escolhos contra os quais se despedaça a fortuna do magista.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

11

Dirigir-nos-emos a estas escolas mais sábias e mais serenas, onde o aluno, após haver alcançado o domínio do seu corpo físico, empreende o controle de seu corpo fluídico pelas observâncias respiratórias, e de seu corpo mental pela concentração? Se ele obtém sucesso neste gênero de trabalho e se os frutos que ele recolhe parecem mais nobres, mais sãos e mais duráveis, é porque sua cultura tem necessidade de morticínios! Restringir a respiração é aumentar a quantidade de sangue venoso. É portanto estancar a marcha evolutiva de uma multidão de glóbulos; é diminuir as trocas orgânicas; é sair um pouco da vida animal. Concentrar a atenção num monoideísmo constante é construir diques contra os fluxos da associação de idéias. Mas sabemos nós se a imagem mental que escolhemos para o exercício não é menos importante ou menos necessária do que quaisquer das outras que deliberadamente rejeitamos ? Por outro lado não se atinge estas duas unificações, a dos fluidos e a das idéias, sem uma espécie de vampirismo exercido sobre o meio eletro-telúrico e sobre o meio mental, análogo ao exercido por um financista muito hábil, que sabe atrair o dinheiro para os seus ativos. Isto é algo como se apropriar de algo que não é nosso e que exigirá um acerto de contas no futuro, sem ter proporcionado no presente uma certeza sã e cabal. O buscador prudente recusará então todos estes procedimentos de um artifício mais ou menos curioso, e se aterá a algumas regras de puro senso, tais como, por exemplo, as que submetemos ao exame do leitor. Deve-se preparar uma noite reconfortante a partir de um dia são e interiormente sereno. A inquietude prejudica o sono. É verdade que nem sempre podemos domina-la inteiramente. Para viver de maneira sã é preciso ter um ideal, e para viver de maneira santa, é necessário o mais elevado dos ideais. Da mesma forma que um trabalhador probo pode nutrir o seu corpo com mais higiene, aquele que vive segundo um ideal torna-se um centro atrativo de forças, de substâncias, de sentimentos e de vontades. Ora, um ideal, seja qual for, é uma criatura viva. Ele necessita, como toda criatura, de alimentos corporais, afetivos e intelectuais. Quanto mais elevado, mais distante desta terra; mais a sua evocação demanda esforços.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

12

É preciso, então, inicialmente, concebe-lo de maneira pura, em seguida nutri-lo de maneira sã, e depois encarna-lo com uma devoção séria, atenciosa, profunda e permanente. Esta é a mais bela das Grandes Obras. Ademais, isto se opera naturalmente, pois a natureza é benigna desde que nos atenhamos à Constância. É preciso nada se permitir, nenhuma atitude, nenhuma palavra, nenhum olhar, nenhum movimento interior, nenhum ímpeto, nenhuma parada que não estejam conformes ao objetivo visado. Para isto, não é necessário manter-se fora da vida comum, muito pelo contrário, pois os temas mais imperiosos dos nossos deveres estão na família, no trabalho, na função social. São essas observâncias que mantêm o nosso mental são, que nos conservam em equilíbrio, e que fazem avançar mais rapidamente o nosso espírito. Tal é a regra fundamental da qual dependem todas as prescrições detalhadas. Vejamos como adapta-la ao objetivo que nos propomos: ter sonhos verdadeiros, claros, instrutivos e dos quais nos lembremos.

* * * * * * * * * O coração humano vive no plano onde quer viver. Se for de avareza, fisicamente, ele viverá no reino espiritual da avareza. Se ele tem o hábito da mentira, da fraude, da dissimulação, a mente se tornará organicamente incapaz de perceber a verdade, seja de que tipo for. Para ter sonhos verdadeiros é preciso então, por uma prática constante, transformar em si as tendências à falsidade e à mentira, em atos de conformidade com os sentimentos, em sentimentos submetidos ao exame da consciência, em pensamento que sejam deduções justas dos sentimentos. É preciso ter o hábito de não ter outro querer secreto que não seja o que exprimimos pela palavra e pela ação. É preciso cumprir suas promessas. É preciso saber ser discreto sem ser dissimulado. Assim, se fizermos de nossas forças físicas as obreiras de um coração que só quer a verdade; de nossas forças intelectuais a dianteira destas realizações sadias, todo o nosso ser se tornará um imã atrativo para o ideal ao qual oferecemos, deste modo, um culto de todas as horas. E este ideal desce até nós através dos espaços interiores; ele nos trata, nos conforta, nos restaura de nossas fadigas e recria, por assim dizer, todas as energias, até as do corpo de carne. E não traindo a confiança de nenhuma criatura visível, nenhuma invisível poderá trair a nossa. Nossos sonhos tornam-se verídicos.

* * * * * * * * *

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

13

A nitidez de nossos sonhos depende das condições fisiológicas materiais e espirituais. É necessário que o agente invisível disponha de força nervosa em quantidade suficiente; por conseguinte na refeição da noite ingerir somente alimentos leves e digeríveis; excluir os excitantes; deitar-se o mais cedo possível para que o repouso físico, quase completo à meia noite, deixe o cérebro livre por volta de uma ou duas horas da manhã. É sempre mais sadio levantar-se bem cedo do que ir dormir tarde. É preferível que a cama esteja com a cabeceira voltada para o norte ou para o leste. A cordas pinturas e dos tecidos do quarto de dormir tem sua importância. O branco é saudável, mas dispersivo; o vermelho é muito excitante; o marrom é pesado. É melhor escolher, de acordo com seus gostos pessoais, os tons de cinza, amarelo, verde ou azul. Nem a nogueira nem o carvalho são recomendáveis. Se a opção for uma cama metálica, escolher o cobre. Não devemos manter a luz acessa durante o sono; se não pudermos dispensa-la, coloca-la num quebra-luz violeta ou malva, ou atrás de uma cortina para que os seus raios não incidam sobre a cabeça do adormecido. Seria prudente não dormir com a janela aberta, contanto que o quarto seja bem arejado durante o dia. Se não pudermos dormir num lugar fechado, colocar uma cortina diante da janela. Manter no quarto o mínimo possível de objetos de metal. Se os esposos têm cama comum é melhor que não mudem de lugar para conservar a direção dos intercâmbios magnéticos. Se as noites forem agitadas, servir-se do odor da madeira ou do gengibre, excluindo-se qualquer outro perfume. Aqui vão, agora, algumas precauções psíquicas. Que a inteligência seja lúcida durante a vigília; ela continuará a sê-lo durante o sono. Trata-se, portanto, de possuir plenamente o que chamamos de presença de espírito. E para isto exercitar-se da seguinte maneira:

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

14

1. Pensar numa coisa de cada vez: isso demora; é preciso calma, paciência; compreenda que a verdadeira força é tranqüila e não agitada; traga lentamente a atenção para o trabalho em curso; não se apresse, o tempo será recuperado mais tarde; 2. Exercitar-se em mudar cada vez mais rápido de atividade; em distinguir numa vista d´olhos um grande número de objetos, ou detalhes de uma roupa, de uma estante, as particularidades de uma rua; aprender a ver, a observar com precisão. 3. Cuidar para manter o sangue frio diante de um caso fortuito, de um acidente; para ter sempre prontos e a palavra e o gesto justos. O hábito assim adquirido de possuir-se plenamente confere à vontade um poder de controle ao qual ela não renunciará mesmo durante o sono, o que evitará que sejamos máquinas passivas e nos permitirá mover-nos em sonho, tomar decisões, falar, agir. Todo um mundo desconhecido se abrirá diante de nós, todo um vasto campo de possibilidades cativantes, de energias até então embrionárias se desenvolverão em nós; a Natureza assumirá uma nova significação, e o nosso ser total encontrar-se-á modificado, esclarecido, dinamizado.

* * * * * * * * * Vimos no capítulo precedente quais são as fontes dos nossos sonhos. De fato, como já explicamos, durante o sono só vemos as paisagens do país em que habita o homem interior. São, por conseguinte, as predileções deste último que devem ser melhoradas; é para o socorro pessoal que nos envia a Providência viva, por intermédio dos seus agentes visíveis e invisíveis, que é necessário torna-lo atento. Pois as leias das atrações que rege a ordem física governa ainda a ordem hiper-física. O homem interior persegue igualmente no invisível os desejos que tentamos realizar na matéria. A paixão dominante busca satisfazer-se com tanto ardor no sono quanto na vigília. Por conseguinte, deve-se tomar as seguintes precauções: 1. Antes de deitar-se, tomar fôlego, se é que podemos dizer assim; uma recapitulação clara e concisa do dia permitirá avaliar o progresso ou o recuo, quanto à noite que começa, a oração dominical contém todos os agradecimentos e todas as solicitações úteis, já que nosso pão material é assegurado quando o

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

15

trabalhamos; é o pão da alma que urge ganhamos. Durante o dia é o esforço, a provação e o sofrimento que no-lo garantem; no sono, é o sonho; 2. É preciso então, por alguns minutos, esquecer os seus problemas, os seus sofrimentos, entrar com um desejo profundo e simples no amor de Deus e na mente do Mestre sempre presente; pedir-lhe a luz, e o meio de compreendê-la, o favor de lembrar-se dela e a força de expandi-la: pois, repito, o sonho pode nos instruir e também nos permitir prestar serviço a alguém; 3. Manter-se interiormente no maior abandono possível de si mesmo e de tudo que a nós se refere, a fim de deixar a posta aberta ao imprevisto do Alto, ao impossível humano, ao possível divino; 4. Em último lugar, se prometemos rezar por um doente ou por um amigo que sofre, é preciso faze-lo apesar da própria fadiga. Quando, além disso, o trabalho do dia foi muito duro, o Pai não exige longas orações: um ímpeto do coração basta, se bem que seja melhor formulá-la em voz alta. As precauções descritas acima serão de grande valia para lembrar-se dos sonhos. Quanto mais puro for o nosso coração, mais ardente será o nosso desejo de luz, e quanto mais o nosso interior confia em Deus, mais vívidas serão as impressões noturnas. Mesmo assim, aquele que se inicia nesta prática deve manter perto de si um lápis e papel; é possível, com um pouco de energia, despertar alguns segundos para anotar uma palavra sobre o sonho que acaba de ter. Em todo caso, é necessário, ao levantar-se, fazer um esforço de memória, calmo e tranqüilo, para escrever num registro que conservaremos, tudo o que lembramos ter vivido durante a noite que termina. É necessário mencionar tudo, mesmo os detalhes mais imprecisos; uma palavra pode permitir a reconstituição de uma cena. Por vezes há sonhos em dois ou três planos que se imbricam, se desdobram e se reúnem em seqüência. Será bom, logo ao abrir os olhos, nos proporcionarmos alguns minutos de calma rememoração, durante os quais, por menos afeito que esteja o cérebro, as lembranças chegarão vívidas e precisas. Escrito originalmente em 1901, e republicado em L´Initiation N. 3 de 1954 e novamente publicado na Revista “L´Initiation” N. 1, 2001 (versão em português publicado pela editora Gnosis, RJ). Tradução editora Gnose.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

16

A DOENÇA

Há uma coisa notável no período que atravessamos: é que todo mundo ou quase todos reclamam ou estão insatisfeitos com alguma coisa. O mais notável ainda é que todos, em suma, parecem ter razão. De todas as reclamações, há uma que é geral, mas também a mais difícil de se resolver: é a doença. Se ouvirmos os médicos, quando conversam entre si, escutaremos falar em surdina que todo mundo possui uma doença. Alguns chegam a dizer que todos possuem em si o germe de todas as doenças. Quando a arte médica estava, não em sua infância, mas em sua juventude, as causas das doenças eram reconhecidas todas como de ordem fisiológica, acidental ou imediata. À medida que a ciência médica se aprofundava e a arte medicinal se aperfeiçoava, conhecemos uma causa mais profunda para as doenças, chamada atávica ou hereditária, ou ainda influência do meio. Mas estejamos certos, à medida que a ciência progredir, outras causas ainda mais profundas se apresentarão: as causas morais primeiramente, as causas espirituais em seguida. E o aprofundamento e generalização destas causas se desvelarão na proporção da sinceridade dos pesquisadores e do fervor de suas dedicações nestas pesquisas. Se observarmos o problema segundo seu ponto de vista mais interior, desembocaremos naturalmente no espírito. E quando observamos a marcha do mundo, que malgrado as desigualdades aparentes, todas as agitações, todas as perturbações e todos os erros que parecem existir, descobrimos, entretanto, que há uma organização neste mundo, para falar como os moralistas; há uma justiça imanente, para falar como os filósofos. Há um tipo de administração oculta do mundo que não permite às criaturas certos desvios e não negligência nunca em lhes fazer pagar estes desvios quando se tornam paixões muito acentuadas. Segundo o ponto de vista de Deus, que é o nosso, na visão religiosa, duas teorias estão presentes no Ocidente: a das igrejas, em geral, onde a doença aparece como sendo uma prova moral e de confiança em Deus, e a adotada dos Orientais: a reencarnação. Utilidade da doença Para nossa abordagem, as duas teorias são indiferentes. Abordando o estudo dos problemas da existência, considerado em sua essência e em suas raízes espirituais, constatamos que há na doença, como em todos os fenômenos da natureza, uma

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

17

utilidade. Nada existe sem uma causa ou finalidade. A utilidade da doença pode ser física, moral ou espiritual. Sua utilidade física é de primeiramente nos ensinar a temperança e a higiene, e conduzir-nos ao estudo de nosso próprio corpo que é uma das maravilhas mais admiráveis do mundo. A utilidade moral da doença sobressairá quando tivermos enumerado quais energias morais são necessárias para vencer este adversário. Quanto à sua utilidade espiritual, nós a veremos despontar esperando os frutos da doença no centro de nosso Ser, no que há em nós de essencialmente imortal. Como se comportar ? Uma vez atingidos pela doença, vários problemas se colocam. Inicialmente como se comportar? Sendo dado que a doença vem do nosso corpo, de uma parte, e de outra, nosso corpo é um servidor, o dever aparece claramente e estamos na obrigação moral de nos curar por todos os meios legítimos. Os condutores da humanidade oscilaram entre dois métodos diferentes. Alguns glorificam o corpo devido ser este o carro-chefe da criação, e eles o apresentam como um conjunto de forças na qual devemos todos nossos cuidados e toda nossa admiração. Outros, no pólo oposto, desejam que consideremos o corpo e a matéria como uma emanação direta do mal, e que devemos nos tornar mestre através de todos os meios possíveis, mesmo pelos mais violentos. Uns consideram o corpo como um mestre, outros como um escravo. A verdade está no meio. Devemos considerar nosso corpo como um servidor, como um bom instrumento de trabalho, à maneira do operário que poli suas ferramentas cuja prática exige destreza e perícia, mas permanecendo o operário, o mestre e não o servidor. De fato, no ser humano, nada nos pertence propriamente além deste centro ínfimo onde permanece nosso livre arbítrio, nosso eu. Todo o resto deste são órgãos de ação, instrumentos de trabalho. Nosso corpo é um empréstimo que a Providência fez a nosso eu, onde nossa sensibilidade é uma outra, e nossa inteligência uma terceira. Todas nossas faculdades são somente, na realidade, instrumentos de trabalho, cujo Pai provém, cada um de nós, a fim de que eles empreguem o melhor e ainda possam colaborar no trabalho geral pelo gênero humano. Por conseqüência devemos ter para com nosso corpo os mesmos cuidados que um bom patrão tem por seus operários.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

18

Uma outra precaução deve ser observada, e de ordem moral: é a resignação. Cada vez mais há, hoje em dia, aquilo que chamamos de revolta, sustentando que tudo que nos aborrece, deve ser abatido e pisado. E que o homem unicamente conquista sua verdadeira natureza e desenvolve verdadeiramente sua personalidade sendo pródigo em tudo que se opõe à sua marcha, e quando satisfaz, não importando por quais meios, as suas necessidades e os seus desejos mais fervorosos. Esta escola pretende ser a única capaz de fazer homens dignos deste nome, homens de realização, homens de valor. Assim, semelhante escola se engana, porque toma a aparência de energia pela energia em si mesma. Observe, se deseja, um homem cujo coração ferve uma paixão qualquer, suponhamos a ambição. Este homem faz do trabalho o ponto de vista geral. Ele emprega energias admiráveis para realizar suas ambições, quer esta seja de dinheiro ou honras, de celebridade ou poder. E coisa um pouco paradoxal para ser dito, mais exata, os homens possuidores de paixões violentas são infelizmente os únicos que fazem alguma coisa. Os homens que chamamos, ordinariamente, pessoas de bem, geralmente são assim porque não possuem paixões violentas e então a moderação lhe são natural e, não fazendo o mal, eles acreditam fazer o bem. Se pensamos em nosso homem ambicioso que emprega sua energia, e concentra todas as suas faculdades para chegar a seus fins; e se este ambicioso saísse um momento de si - mesmo e se colocasse como um espectador diante de si, perceberia que, para renunciar à sua ambição, lhe seria necessário uma soma de energia maior que a empregada para lhe servir, seria preciso dar prova de uma energia bem superior à primeira em qualidade e quantidade. Eis porque dizia o Cristo: “Possua sua alma pela paciência”. Porque o evangelho não é uma escola de frouxidão e moleza, mas ao contrário, é a escola mais severa e mais dura que existe, em energia e vontade. O Cristo convoca a qualidade da energia mais pura que possa existir em nós. Assim, saber sofrer sem reclamar e saber esperar, às vezes, longo tempo, a cura, sem murmurar, sem impaciência, mesmo interior, denota qualidades de caráter totalmente sobre-humanas destes doentes que assim procedendo, conquistam a admiração e o respeito de todos ao seu redor.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

19

Qualquer que seja o gênero de doença que nos atinja, é preciso reconhecer na pratica, e não teoricamente, que há uma justiça imanente, e que se nós não percebemos o movimento e o andar, ela não deixa de existir e que a atitude moral mais digna em um sofrimento é de, primeiramente, aceitá-lo. Eis porque a verdadeira atitude, segundo meu ponto de vista, é o seguinte: aceitação interior da doença e luta exterior contra ela, contra o mal, contra todas as formas da dor por todos os meios físicos à nossa disposição, pois o físico é nosso servidor. Quando chegarmos a adotar, de uma maneira permanente este comportamento, segue-se, para o ser que é muito forte neste exercício, um desenvolvimento espiritual cujas escolas de espiritualidade nem sempre possuem uma idéia exata. O homem físico se desenvolve seguindo as leia físicas, o intelectual seguindo as do pensamento, o homem social, cada um seguindo as leis do mundo no qual esta inserido. Mas o homem profundo, o homem imortal, ele prefere, somente poder se desenvolver seguindo as leis do mundo que nunca teve começo, e não terá fim e que o Cristo chamava o Reino de Deus. Se chegar, portanto, pela aceitação, a realizar em si uma paz profunda, terão feito muito mais pelo seu desenvolvimento real do que teria sido feito pelos meios ensinados nas escolas de cultura moral ou psíquica conhecidas. O homem tendo uma alma imortal, a verdadeira lei de seu desenvolvimento é a lei do mundo imortal. Todos os médicos encontram casos insolúveis. Um único recurso nos resta: apelar ao socorro do Grande Médico, isto é, orar. A doença nos leva assim à escola da oração que conduz finalmente ao Reino da Luz e da Paz. Em seu sofrimento, o doente é conduzido a um auto-exame, retorna ao seu passado e seguidamente descobre atos culpáveis, causa inicial de sua doença e este exame conduz ao arrependimento, ao reconhecimento de seu erro, à humildade. E a humildade é a condição indispensável ao nosso progresso. Como nosso dever é de progredir, devemos mantê-la em nós, constante e mais e mais profunda. Não é sem razão que há doenças incuráveis, porque há seres que somente podem pagar suas dívidas pelo sofrimento físico, e a qualidade do sofrimento é sempre proporcional à qualidade de quem a sofre. Lá, ainda reina uma justiça que constatamos, mas que não deve nos impedir de fazer nosso possível para diminuir o mal.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

20

Contudo, não critique nunca o doente, pois este pode ser uma ocasião de trabalho para seu entorno, não julgue, porque este julgamento pode chamar sobre nós o defeito sofrido pelo nosso vizinho, e talvez na mesma situação nós tivéssemos um comportamento pior do que o dele. A vida nos envia, independente de nós, a uma escola prática e fértil em resultados e experiências. Mas não podemos sofrer provas ou pagar dívidas sozinhos e sem ajudas. A doença nos faz retornar a Deus, a quem nunca pensamos, porque na vida, acreditamos dever nossos êxitos à nossas qualidades, quando estas são no fundo somente dons e, examinando a causa de nossos insucessos, constataremos que eles são, quase sempre, devido á ótima opinião que temos de nós mesmos. Como curar os doentes ? É preciso os considerar como prefigurações do Cristo que nos disse: “tudo que fizeres a um infeliz é a mim que tereis feito”. E isto é uma realidade viva e sempre atual. Quando, por compaixão, o Pai enviou Seu Filho para salvar aos homens, Ele desejou que Este aqui sofresse todas as formas de sofrimento sobre a terra e em todos os mundos. Jesus tomou sobre Ele quase todos os sofrimentos daqueles que Ele curou. Sua presença entre nós é sempre real, e não há um homem que sofra sem o Cristo estar junto dele e tomar sobre Ele – ao menos - um pouco deste sofrimento. Portanto, tudo que fizermos ao nosso próximo é a Jesus que estaremos fazendo. E o trabalho para nós, é a compaixão. É abrir nosso coração, e é este nosso coração que nos fornece nosso valor verdadeiro. Eis, portanto, a direção de quem é preciso caminhar: acolher com a mesma afabilidade todos os seres e todas as coisas, porque tudo e todos são operários de Deus. Nosso labor é ainda mais urgente, é de abrir nosso coração a um trabalho prático de real fraternidade.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

21

A MEDICINA OCULTA

A medicina oculta Em minha opinião o mais sábio dos homens, o mais enérgico, nada pode sem a ajuda de Deus, e nada faz sem Sua permissão. O sucesso de uma cura não depende nem do diploma, nem de uma superstição, mas do devotamento, da compaixão verdadeira, do fervor íntimo. Além de toda ciência, além de todo segredo, o recurso humilde e sincero à virtude suprema, à caridade infinita, é o elixir miraculoso. Mas isto não se comunica: é preciso que cada um encontre por si mesmo. Extraído da introdução, outubro 1909 Medicina Divina Chegamos ao último método de cura, o mais antigo, o mais alto, o mais seguro, mas também o mais oculto, o mais raro e o mais difícil: a teurgia. Aqui entramos em um país novo. Esqueça tudo que você acabou de ler. Veja as manifestações infinitas da existência sob seu aspecto hegemônico; sobre a terra, no corpo dos animais, nas pedras, nos céus, nas rodas das gerações, nos rios fluídicos, nas serpentes planetárias, nos orbes etéreos, nos reinos objetivos, nas Artes e Ciências, entre os deuses, os gênios, as crianças de Luz, as hordas das Trevas, - em toda parte, eis a vida. Em tudo, esta vida é una, real. Em toda parte, cada um de seus modos constitui um élan completo, existem por si mesmo, livres e responsáveis; recebendo alguma coisa de todas as outras formas, e resplandecendo também sobre todo o resto do mundo. Desde então, nenhum sintoma patológico pode somente ser enfrentado em si mesmo. Deve ser percebido com todos os movimentos exteriores e anteriores que o determinam, com todas as ramificações ulteriores dos quais derivam. Um tal conhecimento não é outra coisa que o sentimento da verdade. Ela solicita ao médico, uma liberdade interior total, independente de todos os sistemas, de todas as opiniões, de todas as particularidades pessoais. Eis um dos aspectos da evangélica pobreza de espírito. O Evangelho ignora as potencias intermediárias. Jesus traçou rotas diretas entre o homem e Deus. Visto que o rei de quem vamos conciliar os favores, cujo trono se encontra fora do tempo e do espaço, não mais precisa dos ritos, do lugar, das horas,

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

22

dos objetos, de correspondências, em uma palavra. Este rei, estando fora do mundo, se encontra presente em toda parte e em todo tempo. A única observância necessária, é a obediência, ou a conformidade prática de nossa vida com a Sua. Portanto, as cerimônias religiosas e mágicas, os ritos, os lugares sagrados, os objetos bentos tornam-se inúteis nestes casos, inúteis também os medicamentos, os regimes, os gestos, e os esforços da vontade. Lacunas médicas. A terapêutica material somente atua sobre o sintoma orgânico. O medicamento alquímico, somente atua sobre a eletricidade celular. As terapias dinâmicas somente influenciam sobre o énormon fluídico (1). A vontade, o argumento, o magnetismo, o statuvolence (2) somente abrem a porta dos corpos invisíveis correspondentes. Influenciam os demais corpos, unicamente, pela propagação, sua atividade somente é durável até que uma força semelhante e contrária as parem. Portanto, nenhum método, material, oculto, religioso ou psicológico, cura essencialmente. Resumindo. Distinguimos, em suma: Das alterações do corpo material, sobre qual atuam os medicamentos materiais e a cirurgia. Das alterações da força vital, sobre qual o medicamento pode agir por reflexões, mas que são sobretudo tratáveis pelos dinamismos naturais, humanos e extra-humanos. Enfim, das ligações do espírito, pelos clichês fatídicos: neste caso, somente atua realmente a intervenção teurgica; a vontade de um adepto pode mesmo atrapalhar. Neste caso, a descida da Graça Divina é a única útil; é supérfluo acrescentar que Ela pode também fazer desaparecer as duas precedentes classes de sintomas. O Pecado. Ora, esta terceira causa das doenças é a única e verdadeira. Nada chega ao corpo, nem uma enxaqueca, nem um acidente, se um clichê invisível já não tiver descido sobre o ens espiritual do sujeito. E este clichê, este agente da compatibilidade biológica não vem a nós; somos nós mesmos, por nosso modus vivendi anterior que caminhamos ao seu encontro sobre a trajetória traçada por ordem divina. Todo ato engendra uma forma no invisível; isto é constatado pelos videntes autênticos. Esta forma é percebível como uma aura no plano dos fluídos, como um ser no plano cardíaco do mundo. Ora, como todo ato somente pode ser bom ou mal,

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

23

ele conduzirá sobre seu progenitor o bem ou o mal semeado na primeira parte de seu ciclo: em destino, inteligência e saúde. Este rico que recebeu um pobre a pauladas, pagará não somente em seu coração colérico, em sua inteligência irracional, mas também em seu braço agressor (3). Se, em uma próxima encarnação, este homem renascer com uma mão inerte, o alquimista, o magista, o magnetizador poderá, talvez, levantar o signo físico do mal, espiritual. Na realidade, nada mais fará que construir um muro entre esses dois organismos: seja provocando novamente desordens interiores, seja tirando o mal do braço onde está em seu justo lugar para colocá-lo em um outro lugar, onde será a causa de sofrimentos mais violentos. Somente aquele que pode ver o clichê desta paralisia, é capaz de modificar a marcha ou a natureza, e tornar este doente invulnerável a seu ataque, arrebatando de seu espírito a causa primitiva do mal, o pecado, perdoando-lhe, lavando com um pouco d´água eterna falada por Jesus. Eis, em resumo, o diagnóstico e a medicação do teurgo, aquele que opera com Deus. Conclusão. Mas tais homens são extremamente raros. Encontramos no máximo um por século. O que podem fazer então os médicos conscientes, filantropos, que desejam, malgrado toda a incerteza da ciência, curar os miseráveis que clamam por ajuda ? Eles ainda podem e muito! Qualquer que seja o sistema que usem, podem, unicamente, pois sentem sua franqueza, invocar ou evocar a força toda poderosa do espírito. Este invisível auxiliar é o veículo de todas as boas vontades, vos afirmo. Saibam que elas estão ao teu serviço; que teu élan de compaixão é o encanto infalível no qual obedecem: Ele pode dar a qualquer medicamento e palavra, uma virtude extraordinária. Esqueça-se um pouco somente, você, a fonte de tua fortuna e a inquietude de tua reputação. O mais sábio nada sabe, o mais poderosos nada pode sem Ele: chame-o; e todas às vezes a que apelares será justo, e será atendido. O doente paga uma dívida; se evitares seu sofrimento corporal, ele pagará por sua riqueza, por seus acertos, por suas afeições, por sua celebridade. Portanto, há casos onde mesmo um enviado do Céu deixa as coisas seguirem seu curso, malgrado a licença que possuem de sacar do tesouro divino. Quando uma prova chega, seu destinatário recebe também ajuda para suportá-la. Não queira curar por todos os meios; sabe você se não estará piorando a situação do doente restituindo-lhe a saúde ? É necessário obedecer à vontade do Céu, colocando em

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

24

funcionamento nossos recursos os mais completos para aliviar o próximo. E ainda, a observância da lei moral é o critério infalível, a medicação certa, o dinamismo enérgico, a sabedoria suprema. Eis porque é igualmente verdade, em terapêutica, que se procurarmos primeiro a justiça de Deus, isto é a mais bela verdade e a melhor bondade, o resto, mesmo as curas improváveis, será dado por acréscimo ao praticante que crê. Sédir, extraído e traduzido de “La médecine occulte” , Paris, Beaudelot, 1910. Notas do Tradutor: 1. Enormon ou Ignis Subtilíssima , um dos termos pelo qual era conhecido o fluido cósmico na Grécia antiga, conforme os ensinamentos de Hipócrates Na Índia, era conhecido como Akasa; para Galeno, era o Pneuma; para Paracelso, Alkahert; para Descartes, Quintáes; para Newton, Spiritus Subtilíssimo , para Reinchenbach, Od, entre outras diferentes denominações..

2. Sinônimo de auto-hipnose: Origem: status (hypnoticus) + L. Volens, pres. P. Do volo, para desejar .

3. Para um aprofundamento deste tema, veja os ensinamentos de Mestre Philippe de Lyon sobre a responsabilidade celular.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

25

SOBRE O SIMBOLISMO DA LEGENDA BÚDICA

O simbolismo é hoje um estudo em alta junto aos arqueólogos, filólogos, exegetas e historiadores da religião; é um estudo igualmente importante para o esoterista e que deve, se ele possui realmente o manejo de uma das chaves iniciáticas, conduzi-lo a concepções de uma notável generalidade. As legendas dos grandes fundadores de religiões oferecem, em particular, um vasto campo para a atividade do espírito. Tentaremos demonstrá-lo tomando como exemplo uma das mais importantes: a do Buda. Há vários grupos de simbolismo a serem classificados no estudo das antigas religiões: inicialmente o das legendas religiosas, em seguida o das mitologias, compreendendo a história interpretativa das divindades secundárias, depois o da história heróica dos grandes homens de cada povo, que descrevia as revoluções dos princípios sociais e, enfim, a geografia de cada país, cujas divisões eram reguladas pela casta sacerdotal, de modo a reproduzir na terra física as principais regiões da terra celeste. O plano divino era assim lembrado pela legenda religiosa, pelas operações dos seres do astral e das forças secretas de nosso sistema solar, pela mitologia, pela biologia do povo, por suas legendas heróicas e pela materialização do reino do Pai, aqui embaixo como no céu. Sabemos que o antigo Egito era dividido por nomes representando as partes do zodíaco, como os brâmanes haviam reproduzido nas províncias do Hindustão a hierarquia dos sete planetas. Ainda hoje são conhecidos nesse último país: os sete rios (Sapta-Nadi), as sete montanhas (Sapta- Arania), as setes ilhas (Sapta- Dvipa), os sete mares (Sapta-Saludra), etc. O estudo que nos propomos a realizar pertence ao simbolismo da teogonia. A exegese moderna e uma escola contemporânea de ocultismo, ligada a certos centros hindus, insistiram muito sobre as similitudes da legenda do Buda e da do Cristo. Se a tese do senhor Notovitch, que pretendia provar uma viagem e uma iniciação do nosso Salvador no Tibete, nas lamaserias budistas, foi reduzida a nada, a opinião que atribui aos essênios e à moral evangélica ligações com as doutrinas de Çakya – Mouni é mais digna de crédito. Recordo-me mesmo de ter visto estabelecer a identidade dos essênios e dos saniasis, e o senhor Bjerregaard - um místico sueco lecionando nos EUA – estabeleceu uma concordância absoluta entre as oito beatitudes enumeradas no Sermão da Montanha e os oito ramos da senda nirvânica. Isto prova simplesmente que os autores em questão não

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

26

perceberam a enorme diferença dos princípios divinos colocados em ação por cada uma dessas duas religiões. È o que tentaremos demonstrar.

* * * Por pouco que se tenha estudado a simbólica do ocultismo, sabe-se que uma legenda como a dos Sutras ou dos Evangelhos pode receber várias interpretações. Há inicialmente o ponto de vista histórico, no que não iremos nos deter, depois o ponto de vista astronômico que reduz todos os mitos religiosos à classificação de mitos solares, em seguida o ponto de vista meteorológico, se podemos assim chamá-lo, que vê o raio, os ventos e as tempestades, nos princípios divinos estudados. Depois o ponto de vista ritualístico, que dá interpretações que se adaptam às cerimônias religiosas, ao fogo sagrado, ao holocausto, aos padres oficiantes, etc. Tais são, por agora, os horizontes onde se desenvolve o pensamento de nossos orientalistas. Há ainda outros: esses mitos possuem ainda um sentido alquímico, um sentido psicológico, que gera comentários referentes ao desenvolvimento interior do ser humano, e um sentido que poderíamos chamar de cosmológico, pois ele permite descobrir os nomes das forças ou dos seres que presidem a tal crise da vida geral do universo, cujos encadeamentos ocultos conduzem à descida à terra de uma nova luz. Assim sendo, se não fui excessivamente obscuro em minhas explicações, o leitor poderá perceber inicialmente que a fundação de um novo sistema religioso em nosso globo deve aparecer para nós como o signo visível de grandes movimentos cumpridos nas profundezas etéreas do Espaço zodiacal. Para que uma doutrina em uma língua humana arrebate a fé inquebrantável de um grande número de corações, é necessário que ela oculte em si mesma uma chama desse Tesouro de Luz, onde teremos todos um dia uma parte. É, na verdade, o próprio Eterno que delega tal alma reintegrada em uma de suas moradas, que lhe dá uma escolta de anjos e que a envia à terra para nela pronunciar algumas frases da Lei. É por isso que todas as religiões são responsáveis e que nada serve mais os interesses do Grande Adversário do que o fanatismo e a intolerância. Uma segunda observação a ser feita é que a interpretação das legendas religiosas se dá em dois graus: o inteligível e o sensível. Cada um desses graus se aplica aos fenômenos dos quais nosso planeta, nós mesmos ou o sistema zodiacal somos os atores. Temos seis tipos de sentidos diferentes para atribuir a essas legendas. Há ainda outra coisa: nenhuma dessas maneiras de ver nos revela a nu a essência das coisas; elas se compõem todas de compromissos variados entre noções subjetivas e noções objetivas. Há em cada uma delas uma dose de erro e de verdade. Entretanto

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

27

a verdade absoluta existe, mas ela só existe para aqueles que são capazes de apreendê-la, ou melhor, de ser um com ela. Em uma palavra, ela só aparece no plano onde o Ser irradia sozinho, no mundo realmente sobrenatural, no incriado, mas nenhum homem pode ver Deus sem morrer. Retornemos às nossas relatividades, que já ultrapassam tão freqüentemente as capacidades de nossa inteligência. Nós nos propomos apenas a indicar, em algumas páginas, os elementos interpretativos da legenda do Buda e do Cristo, sob o ponto de vista cosmológico. Quero dizer que tentaremos descobrir, pelo raciocínio, quais são os princípios superiores colocados em jogo nas duas revelações, porque não nos é dado ir surpreender seu mecanismo no seio mesmo do Absoluto. * * * Eis quais são nossos elementos de comparação: A linha terrestre Ukhswaukou Jessé O Pai terrestre Souddhodana José A Mãe terrestre Maia Maria A cidade natal Kapilavastu Belém O local de estudo Os três palácios O Templo O velho Asita Simeão O nome Buda Jesus

Observamos, para começar, que se os Sutas abundam em detalhes sobre os fenômenos invisíveis que presidiram à ultima encarnação daquele que deveria ser o Buda, os Evangelhos se mostram muito sóbrios de detalhes sobre esse mesmo período anterior ao nascimento de N. S. Jesus. Isto se deve a um fato que tentarei explicar. Inicialmente, reza a tradição entre os iniciados cristãos e os R+Cruzes de pura filiação, que um Invisível foi encarregado da redação dos Evangelhos. De modo que, apesar dos erros da transmissão oral, da provável ignorância dos escribas e dos tradutores, dos comentários falsos dos heresiarcas, se algumas inexatidões se encontram nas narrativas evangélicas, podemos ter certeza de que nenhuma das palavras da Lei foi alterada. A Lei inteira não se encontra escrita no Evangelho, mesmo se os excertos dele que nos foram dados atingem uma tal profundidade intelectual, uma tal altura moral, que

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

28

nenhum homem evoluído vivendo atualmente nesta terra deixa de compreender. É por isso isto que os Evangelhos são obscuros e que suas trevas só podem ser penetradas por uma simplicidade de espírito semelhante à de uma criança. Uma vez estabelecidos esses pontos tradicionais, retornemos ao nosso tema. * * * O príncipe Sidarta descendia da raça real Ikshwaukou, fundador da dinastia solar estabelecida primitivamente em Oudh (Ayodhya). Tratada pelas chaves hieroglíficas do sânscrito, esta frase significa que todo Salvador dos homens descende das regiões celestes situadas à direita do Pai, na irradiação das forças principiantes e positivas. Quando a vida absoluta se manifesta, ela arde acima do Espaço e do Tempo até que uma ordem do Verbo a faça cruzar o limite que a precipitará no domínio da matéria universal, onde ela se transformará na força obtusa e irresistível do Destino. Jesus é dito como oriundo da raça igualmente real de Jessé, das regiões à direita do plano divino, onde a vida eterna resplandece em sua essência mais elevada e arde de uma chama imóvel alimentada pela oferenda perpétua que os eleitos fazem, de moto próprio, ao Eterno. O pai terrestre Sidarta é Souddhodana, o filho, o produto, o fruto do principio oculto pelo qual a Natureza naturante, ou melhor, a Providencia, mantêm as coisas numa coesão simpática. Seu efeito visível é a atração universal. A Mãe é Maia, o espaço etéreo dos Céus, a matriz universal. Abramos aqui um parêntese. Contam as legendas que os quatro Regentes da terra, com seus exércitos de quatro cores, desceram no dia do nascimento de Çakya-Mouni, para portar seu palanquim. Por ouro lado, a alma do Santo sabia, antes de sua encarnação, que ela seria o Buda enquanto que, encarnada, ela o esquece até o momento de sua idade madura. Assim, quando um Salvador desce à terra, ele é acompanhado por um exército de servidores invisíveis, sua alma bebe realmente a água do Lete, mas seu vigor intelectual e moral a fazem recobrar a memória de sua origem e de sua missão em um lapso de tempo mais curto. Para tanto torna-se necessário para ele romper os vínculos do sangue (o Buda renúncia à sua condição real) e da carne (ele abandona sua mulher), repelir o cetro oferecido pelo Príncipe deste mundo (o Buda teria podido governar a terra) e, enfim, reconhecer e vencer todas as tentações (a prova de Mara sob a árvore Bô). As mesmas provas foram atravessadas pelo Cristo, como todo mundo o sabe.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

29

O pai terrestre do Cristo foi José, o enrolamento da luz refletida, segundo Saint-Yves d`Alveydre. O velho Simeão representa o mesmo que o velho Asita, a cadeia dos anciãos iniciados. O primeiro é o conhecimento dos agentes individuais invisíveis; o segundo representa o conhecimento das cosas por sua base, sua raiz obscura, sua embriologia oculta. A cidade natal de Buda, Kapilavastu, significa a universidade da Ciência racional; Belém é o plano invisível onde as coisas terrestres têm seus espíritos individuais: lá a iniciação não é mais especulativa, ela é tangível e viva.

A nutriz do Buda é Mahapradjapati, o espaço zodiacal; seu mestre em esoterismo é Visxamitra, símbolo da passagem da segunda casta á primeira, do guerreiro (Kshattriya) ao sacerdote (brâmane). Enfim, as três moradas que o rei seu pai faz construir são os três primeiros degraus da iniciação bramânica. As legendas dizem que esses palácios eram construídos para a estação das semeaduras, para o verão e para o inverno, chamando-se respectivamente Ramma, Souramma e Soubha. O neófito começa por explorar os primeiros princípios da marcha da Natureza, depois ensinavam-se-lhes as relações hierárquicas e as correspondências destes princípios. Era enfim conduzido a receber seu fim, sua consumação. A chave numérica dessa ordem de ciências fisiogênicas era o setenário. O menino Jesus, por outro lado, não conheceu outra educadora além da sua mãe, outro mestre além da luz interior que trazia em si; e se os rabinos quiseram acreditar numa lenda segundo a qual ele teria, aos doze anos confundido os doutores do Templo, por ter surpreendido sem o conhecimento do Grande-Pai a pronuncia do Nome-de-Quatro-Letras, essa lenda é contradita pela tradição rosacruziana que nos ensina que os anos de adolescência do Cristo foram por ele dedicados à pregação da Lei em certas regiões infraterrestres desconhecidas. Estamos no casamento do Buda; ele responde ao fato de que a maestria, de não importa que grau da iniciação antiga, confere ao seu possuidor um privilégio, um poder. O que foi dado ao príncipe Sidarta chamava-se Yasod-há-ra, isto é, o poder de dissociar as aparências das cosas, uma luz de vida dotada da propriedade de reconduzir as formas desse universo à sua vacuidade, ou ao vazio primitivo a partir do qual elas evoluíram. Ele teve que recolher esse poder de três correntes: Nanda, as correntes do sangue, Davadatta, o desejo dos objetos exteriores, e Zrdjouna, o princípio individualista, a vontade própria do homem.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

30

O príncipe revestido dessa faculdade gloriosa foi habitar o palácio Vishramvan; o plano onde sua iniciação dava-lhe direito de regência era esse lago de luz ativa onde se desenvolvem os pólos opostos das forças. Observemos aqui que esses episódios de casamento simbólico não se encontram na vida de Jesus. Essa diferença pode ser explicada pelo estudo dos nomes desses dois iniciadores. O primeiro, cuja raiz B D indica a atividade divisória do princípio pensante, é o tipo do homem em sua função de mestre dos elementos. O segundo, que descreve, seja as conveniências proporcionais da Vida absoluta manifestada, seja a involução de Deus na matéria, designa claramente o principio vital do Universo inteiro. É impossível para nós dar uma idéia, mesmo aproximativa, de todos os mistérios contidos no nome de Jesus. Que nos baste saber que esse nome, sempre sob o ponto de vista da gnose intelectual onde nos colocamos, é tão antigo quanto o mundo, e que presidiu os destinos das raças desaparecidas como preside os da raça branca. Resumamos em algumas palavras essas rápidas explicações. No Universo encontram-se nosso planeta, o pleno astral zodiacal e o plano divino que penetra os dois outros. Todos os Salvadores descendem desse último, mas não possuem, no entanto, o mesmo nível de elevação. O Cristo é o chefe de todos. Quando ele encarna em um planeta, não tem qualquer necessidade de uma iniciação humana, mas ele no entanto a recebe e sofre as dores comuns, porque despojou-se voluntariamente de sua glória. Os outros Salvadores são homens perfeitos e reintegrados que abandonaram sua recompensa por amor à humanidade; é assim que realizam a perfeita imitação de Jesus cristo. Voltamos a repeti-lo: sempre venerando o Salvador Buda, sempre prestando à pureza de sua moral e à força de seu ensinamento a homenagem que lhe é devida, para nós, Ocidentais, trata-se de não renegar nosso próprio Salvador, de não ignorar, por estar ainda mais acima de nós, o princípio divino que preside à evolução de nossa raça, e de saber discernir sob as palavras quase semelhantes das duas Leis, o abismo espiritual que as separa e que divide os caminhos de seus respectivos fiéis. Publicado no último N. d L´Initiation 1899 e novamente publicado na Revista “L´Initiation” N. 9, 2003 (versão em português publicado pela editora Gnosis, RJ). Tradução editora Gnose.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

31

UM DESCONHECIDO (1) Por sublimes que sejam, as figuras que acabamos de contemplar juntas, podem não satisfazer totalmente a certos amadores de Absoluto. De urna delas, a linguagem, um tanto seca, e a atitude, um pouco rígida, talvez decepcionem os amigos de uma graça mais próxima da fraqueza comum; aquela outra, fixando seu olhar num cimo, torna-se cega aos esplendores dos cimos vizinhos; outra, ainda, retira-se excessivamente dessa multidão parada e lamentável em que vivemos, ou então a atmosfera inebriante de certas altitudes a levou para fora de si mesma e, ao baixar junto a nós, sua exaltação nos desconcerta. Seria o pão dos Anjos um alimento excessivamente rico e a água das fontes eternas urna bebida demasiado forte? Não; contrariamente à opinião geral, estou certo de que é possível manter-se no mais harmonioso bem estar interior, impondo-se também o mais rigoroso ascetismo. Gostaria de apresentar-vos, hoje, a prova desse paradoxo que acabo de afirmar, porque tive a ventura, durante longo período, de ver viver um homem que realizava, sem esforço aparente, a perfeição do Evangelho. É árdua empresa pintar urna personalidade tão rara e tão complexa; ficarei certamente aquém da minha tarefa; espero, porém, que o próprio desejo de alcançar a beleza espiritual, que me impõe inteira franqueza e a todos nos anima, suprirá as lacunas e deficiências do meu relato. Fugindo dos curiosos, recusando as polêmicas, mudo sob as calúnias, impondo silêncio ao entusiasmo de seus discípulos, o Ser admirável, a cuja luz comovedora eu vos desejaria tornar sensível, tornou sempre .toda sorte de precauções para permanecer desconhecido. Creio que contrariaria ao seu propósito se eu vos revelasse a sua identidade. Os pormenores biográficos tornam-se inúteis quando se trata de um caráter, para cuja formação não parece ter concorrido nenhuma das influências de raça e de ambiente. Nunca teria, aliás, empreendido este estudo, se não me tivesse considerado obrigado a oferecer um testemunho verídico da constância das promessas divinas, numa época em que todas as quimeras se revestem de cores tão sedutoras. Talvez em algumas almas inquietas se reanime a coragem quando um de seus companheiros lhes afirme que as promessas do Cristo são reais, porque delas ele viu e tocou provas experimentais. Esse Cristo, nosso Senhor, disse um dia que ele daria a seus Amigos o poder de realizar milagres maiores que os seus: eu vi cumprirem-se tais fatos; o Cristo disse também aos seus Amigos que ele permaneceria com eles até o fim; eu vi essa presença oculta. A vida de meu

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

32

Desconhecido era uma sucessão de tais provas que, pelo pouquinho que vos posso dizer, espero que em Ele reconheçais a um destes "irmãos" misteriosos do Senhor. a um grande, talvez o maior, arauto do Absoluto. * * * Era necessária atenta observação para descobrir, nesse homem, os múltiplos privilégios dos místicos célebres, tal a forma pela qual sua personalidade os harmonizava com a mesura, tão singelos eram os seus modos como esquecidos das mais extraordinárias prerrogativas. A bonomia plenamente patriarcal de sua acolhida e a sua linguagem, mesmo nos instantes que parecem graves ao sentir comum, mostrava bem que, a seus olhos, as grandezas humanas, as tragédias terrestres, são pequenas diante das obras de Deus, cujo esplendor imenso e perpetuamente renovado absorvia seus olhares. Apenas imaginando um Ser capaz de manter-se em equilíbrio, em todos os pontos em que o infinito penetra no finito, ficariam esclarecidas as contradições que o nosso personagem parecia comprazer-se em acumular. Familiar com quase todas as pessoas, inacessível para algumas; temerário e prudente; meticuloso ou apressado; falando como poeta e, em seguida, como homem de negócios; conhecedor de uma infinidade de segredos e despreocupado de sua ciência; hábil em todos os ofícios, sensível às coisas da arte, respeitando as supremacias intelectuais ou sociais, mas, deixando entender que são vãs diante do Crucificado; de indulgência para com outrem, e rigor para consigo mesmo, igualmente excessivos; deixando-se tiranizar pelos débeis, embora sabendo tornar obedientes aos déspotas; tão à vontade na choupana quanto no palácio, dirigindo-se a cada qual em sua própria linguagem; múltiplo - numa palavra - como a própria vida, da qual admirava todas as riquezas, e, não obstante, sempre semelhante a si mesmo, tal corno seu Mestre, o Cristo, ele quem se considerava o mais indigno servidor. Filho de camponeses muito pobres, o mais velho dos cinco irmãos, mandaram-no ainda garoto para a cidade próxima onde soube, embora ganhando seu sustento, prosseguir estudos bastante avançados. Já, em sua aldeia natal, havia realizado curas milagrosas sem mais procedimento visível que a prece; no grande centro industrial no qual transcorreu quase toda sua existência, os incuráveis, os desesperados conheceram logo a esse bem-feitor discreto cuja sabedoria tão precoce lhes devolvia, junto com a saúde, a coragem e a resignação tão necessárias às gentes humildes cujas obscuras fadigas e labores suportam todo o edifício social.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

33

Pediam dele muitas outras coisas, além de curas; o êxito ele uma questão, o sucesso de uma empresa, a salvaguarda de um soldado, a solução de problemas técnicos, luz para uma crise d'alma; freqüentemente, ele exigia, em troca, que o pedinte indenizasse em parte à divina justiça com uma esmola, com uma reconciliação, com o abandono de um pleito, ou com a adoção de um órfão, E o milagre, a coisa improvável e imPossível, efetuava-se sem ruído, sem que se 'pudesse averiguar corno. Tudo quanto às testemunhas conseguiram às vezes saber, é que o nosso taumaturgo condenava as práticas do esoterismo como contrárias à lei divina, não as empregava sob forma nenhuma e não recomendava tais teorias (2). Sua doutrina era unicamente o Evangelho e ele estimava os outros livros na proporção em que concordavam com esse ensinamento. Ele proclamava a divindade única de Jesus. Sua sabedoria universal e a perpetuidade de sua obra redentora. Ele aceitava, ao pé da letra, os relatos dos apóstolos, dando por supérfluas as exegeses modernas. "Se nos esforçarmos, dizia, para amar ao próximo corno a nós mesmos, o Céu nos desvendará o verdadeiro sentido dos textos". Ele fazia, às vezes, breves comentários sobre as Escrituras, com urna feição tão nova e viva, que ofereciam a propriedade singular de responder, simultaneamente, às variantes dos originais e de conciliar as divergências dos tradutores e comentaristas. Infelizmente, por julgar seus contemporâneos demasiadamente imbuídos de intelectualismo, e considerar que só a prática da virtude pode levar-nos à perfeição, mostrava-se pouco pródigo em discursos; ele colocava, antes de tudo, o amor fraterno, até mesmo antes da prece e da própria fé. "É a caridade, dizia, que gera a verdadeira fé e nos ensina a prece; a prece, sem caridade, é fácil e a fé, sem a caridade, não é fé". Ele aconselhava a obediência a todas as leis, civis ou eclesiásticas (3), aos regulamentos, aos costumes, para que, dando de bom grado ao "injusto Mammon" o ouro ou incômodos exigidos por ele, o nosso tesouro no Céu se constituísse como reserva. "As criaturas de boa vontade, de que fala Jesus, são as que se deixam despojar de tudo pelo Príncipe deste mundo, do salário de seu trabalho e até da própria vida. Será em compensação desse espólio que, mais tarde, possuirão a terra". Ele condenava, acima de tudo, o orgulho e o egoísmo, ou melhor, não condenava tais defeitos, mas os assinalava como grandes obstáculos ao nosso progresso. Dizia: "O Céu desconhece os orgulhosos".”Se não ides até aos pobres e aos humildes, como virão os Anjos até vós?" É preciso que exerçais a caridade para com todas as formas da vida: para com os semelhantes, animais e plantas; é preciso ser caridoso para com a adversidade que o vosso vizinho repele, para com os descobrimentos e as invenções que deveis espalhar gratuitamente, já que os tendes recebido gratuitamente, para com as leis que vos ferem - no vosso parecer, injustamente posto

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

34

que se as evitais, cairão então sobre o vosso irmão, e. que o vosso irmão sois vós mesmos." Imediatamente depois das boas obras e da disciplina interior, esse grande praticante do misticismo colocava a prece: "Ê necessário rogar sem cessar e agradecer. Pode-se orar em qualquer parte e em qualquer momento, porque Deus não está jamais longe de nós; somos nós quem às vezes nos mantemos afastados dele... Basta pedir do fundo do coração, sem fórmulas sábias, pois que procurando em qualquer parte,. nos milhões de mundos e de sóis semeados pela mão do Pai, jamais se achará nada melhor que a Oração dominical; e se não ousais vos dirigir a esse Pai tão bom, rogai à Virgem e ela apresentará a vossa súplica ao seu Filho, que a aceitará. No entanto, acrescentava o nosso herói, para que a vossa voz suba até o Céu, é preciso ser pequenino: o Céu só escuta aos débeis." Estes ensinamentos, tão puros, tão diretos, essa palavra forte e boa, exata e ao mesmo tempo palpitante da poesia mais grandiosa, ocultavam, para maior surpresa de muitos, uma ciência muito concreta e pode dizer-se que universal. Aquele homem, desprovido de diplomas superiores, punha em dificuldades a especialistas de toda ordem. Eu o ouvi, por exemplo, recordar a bacharéis determinados decretos esquecidos, esclarecer um texto a paleógrafos, proporcionar um dispositivo a físico e indicar a botânicos a localização de uma planta raríssima. Metafísicos o consultavam, assim como médicos e industriais quando comprometidos num assunto complicado. Estadistas e financistas adotavam às vezes suas diretrizes. Ele mesmo compunha medicamentos, inventava aparelhos e produtos úteis, engenhando-se sem cessar por melhorar de toda forma a ciência aplicada. Entretanto, nem seus conhecimentos teóricos, nem semelhante habilidade técnica pareciam adquiridos pelos métodos ordinários; os dois ou três familiares aos quais admitia nos seus laboratórios nunca referiram muita cousa dos seus trabalhos. Porém certas palavras permitem entrever os princípios em que se inspirava. Eis aqui algumas delas, recolhidas em diversas épocas: "Uma criatura de Deus, um ser bastante puro para sacrificar-se por qualquer de seus irmãos e para esquecer imediatamente o seu sacrifício, conhece tudo sem estudo. Interrogará a qualquer ser e este lhe responderá; a estrela revelar-lhe-á o seu segredo, e a pedra deste muro dir-Ihe-á o nome do pedreiro que o talhou; as plantas explicar-Ihe-ão suas virtudes e ele decifrará, na fisionomia dos homens, os seus atos e os seus pensamentos. Deus nos convida a todos para recebermos esse privilégio, por meio da paciência e do amor ao próximo."

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

35

Dizia ainda: "Todas as cousas possuem, em graus diversos, pensamento, liberdade e responsabilidade; tudo é vivo: as idéias, as cousas, as invenções, os órgãos; tudo isso são criações individuais, tudo isso se toca e se influencia mutuamente." Entre outros exemplos, dava o seguinte: "Um filósofo persegue uma verdade metafísica; o verdadeiro drama não se desenrola no seu próprio cérebro, senão além; é um encontro, às vezes uma luta, outras um celestial diálogo entre alguns desses gênios irrevelados de que nos falam os poetas e o espírito humano que habita momentaneamente um corpo terrestre, em angustiosa opressão dos eflúvios da Presença desconhecida. Ao reflexo cerebral desses colóquios inaudíveis chamamos de intuição, inspiração, invenção, hipótese, imaginação, e que se torna o núcleo em redor do qual se organizam, com penoso e paciente esforço, os elementos de uma fórmula, de uma máquina, de uma arte mais sublime, de uma doutrina mais profunda. Quando permanecemos cegos a tais espetáculos, é por não acreditá-los possíveis, por orgulho, por pusilanimidade intelectual, e também porque o Pai não nos quer complicar a tarefa, nem nos carregar com responsabilidades demasiadamente pesadas." Se todos os ramos do saber moderno pareciam familiares a este singular investigador, houve algo mais surpreendente ainda, quando me ocorreu indagar-lhe sobre algumas das opiniões antigas que, em nossa época, são qualificadas de "supersticiosas"; ele me respondeu amplamente e me ofereceu diversas provas experimentais da sua veracidade. Muito antes que os nossos físicos atuais o fizessem, ele proclamou o peso da luz, as correspondências das cores e dos sons, a cromoterapia, a relatividade do espaço e do tempo e a multiplicidade de suas formas, a complexidade dos corpos simples, a existência de metais desconhecidos, e ainda outras particularidades que calarei porque pareceriam um tanto incríveis para os espíritos ditos positivos. * * * Ora, este cristão, este filantropo, este sábio, era, além de tudo, o taumaturgo mais extraordinário. Todas as maravilhas operadas por santos como Vicente Ferrier, Francisco de Paulo, José de Cupertino, o Cura de Ars, por vontades arrastadoras de povos como Bernardo de Clairvaux, Francisco de Assis ou Joana d'Arc, .eu o vi executa-las; os milagres floresciam a seu passo; pareciam naturais, infalíveis, seguros, e nada os produzia senão a prece.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

36

Hipnotismo, pensarão alguns. Um menino com crupe diftérico, morando a quarenta léguas da cidade em que vive o curador, é hipnotizável? Sugestão? Tecidos cancerosos ou tuberculosos podem receber sugestão? Por outro lado, nosso desconhecido condenava igualmente a feitiçaria do campo ou a magia douta; desaconselhava sempre o emprego da vontade, ou da mediunidade; quanto aos poderes misteriosos que certos sábios conquistam, segundo se afirma, por meio de métodos milenares, reprovava-os ainda mais severamente, como conducentes diretamente ao Anticristo. Tratava-se pois, nele, de simples prece, tal como Jesus nos ensina. Mas enquanto que, na imensa maioria dos casos, os santos recebem o dom dos milagres depois de penitências extraordinárias, orações e êxtases, e após seus corpos se tornarem campo de fenômenos inexplicáveis para a fisiologia, nosso taumaturgo vivia da maneira mais comum. Recebia seus visitantes em qualquer lugar, em qualquer momento e, tão logo fosse formulado o pedido, respondia com poucas palavras: "O Céu vos concederá tal cousa", ou: "Voltai para casa, o vosso doente está curado." Sua palavra realizava-se no mesmo instante; logo após, furtava-se à gratidão dos que eram assim favorecidos. Exercia igual poder e sem mais preliminares, sobre os animais, sobre as plantas, sobre os acontecimentos e sobre os elementos. Em diversas oportunidades prestou-se ao controle de médicos e de sábios; todas essas verificações foram coroadas de êxito, porém não adiantaria dar buscas nos relatórios das academias e das sociedades científicas, pois que jamais experimentador nenhum atreveu-se a assinar os relatos de fatos tão dificilmente explicáveis. (4). Falarei ainda de outros dons, sempre espontâneos, inesperados e benfazejos? O passado, o futuro, o espaço eram translúcidos para ele. Dizia com igual facilidade a um consulente : "Teu amigo faz neste momento tal cousa, em tal lugar", - como a outro: "Tal dia de tal ano, pensaste tal cousa." Além de tudo, as anedotas que poderia vos contar superam tanto a toda verossimilitude que prefiro ficar por aqui. Um prodígio, de fato, vale, espiritualmente, o que vale seu autor. Certamente, o dom dos milagres interessa à multidão e conduz logo à celebridade, porém é a alma do milagre que, muito mais que sua forma, apaixona aos espíritos religiosos; eu gostaria pois de vos prender unicamente à alma do meu herói, de vo-la fazer ver tal como ela me apareceu na minha juventude privilegiada, toda ela sobre-humana, toda divina, como uma estrela enfim, filha daquela que se levantou sobre as trevas terrestres, há vinte séculos. Se, ao me ouvirdes, procurais outra cousa além do Céu, todo o meu relato se torna inútil e inoportuno.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

37

Ser testemunha de milagres não é muito raro; fazer milagres, verdadeiros milagres, não é muito difícil. Porém pensar, amar, sentir, sofrer, inflamar-se, querer segundo linhas constantemente concordantes com os raios eternos que levam ao ministério do milagre, isso, é tarefa sobre-humana. Nesse sentido, o milagre vindo do Céu constitui um Sinal, o Sinal por excelência, e aparece aí a árvore da Cruz, ainda misteriosa após vinte séculos de estudos e de adorações. Vêde pois como, nesse homem de quem vos falo, curar um tifoso era tão natural quanto pagar o aluguel de um pobre, ou dar a fórmula de um reativo. Tudo nele era paternal indulgência e natural bondade. Tudo dele era exortação engenhosa e terna, a fim de que os pobres homens e as pobres mulheres retomassem a coragem de um esforço apesar de tudo e recebessem o alívio de uma melhora. Como o pintor ante a natureza olha e como o músico escuta, assim vivia ele no Amor e para o Amor, por causa do Amor e pelo Amor. * * * Ele nunca falava dessa chama admirável, ocultava o seu saber e essa espécie de onipotência desconcertante sob as aparências de uma vida bem burguêsmente comum; ele dissimulava virtudes e superioridades como nós. dissimulamos os nossos vícios, e tornava-se necessário segui-lo nas suas longas caminhadas pelas baixadas populosas para descobrir o excesso das suas liberalidades: mães de família nas últimas procurando-o pelas esquinas, casais, às dúzias, dos quais pagava o aluguel, órfãos que mantinha, e com que atenção rodeava aos velhotes e aos aleijados, com que delicadeza oferecia o seu socorro aos tímidos e aos humildes, quão paciente era com os importunos, com os semi-sábios pretensiosos, com a triste tropa dos medíocres! E tanto quanto o nosso corarão, ainda apenas humano, pode pressentir os secretos motivos de um corarão tão nobremente sobre-humano, os inúmeros gestos da sua benevolência, da sua inesgotável e sempre judiciosa beneficência jorravam de um sentimento incompreensível para nós: a convicção da sua própria inanidade. Um dia, pedindo alguém um favor espiritual a esta personagem enigmática, ele respondeu - logo após ter, no minuto precedente, salvo algum incurável -: "Por que me pedes isto, a mim? Bem sabes que nem valho esta pedra em que pisamos." A todas as manifestações de gratidão ou de admirarão, respondia sempre do mesmo modo: "Eu não sou nada, não posso nada, é o Céu quem tudo faz aqui." Um dia, achei-o na sua cozinha, em pé, fazendo desjejum com um pedaço de pão e um copo d'água, e, como me espantasse sua frugalidade, este homem que se não

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

38

pertencia nem um minuto, que dava tudo quanto possuía, que passava seus dias e as noites a trabalhar, a sofrer pelos outros, me respondeu boamente: "Mas este desjejum está muito bom, e por outra parte, este pão que o bondoso Deus me dá, não o ganhei." Ele nunca se afastava dessa atitude incrivelmente humilde. Nesta nossa vida moderna onde reina o "cada um por si", ele sempre recuava para a última fila, suportando os apadrinhados, as impaciências, as grosserias, desempenhando esse papel de logrado voluntário e sorridente como se nunca percebesse nada. Dizem nos velhos livros que os sábios, de tanto se abstraírem nos serenos esplendores do Absoluto, não mais se dignam ver os incidentes terrestres e desprezam as alfinetadas da multidão; no entanto, de fato, raros são os filósofos que se deixam preterir na bicha de um guichê atravancado, por exemplo. São pequenas fraquezas, sem dúvida, porém a sólida virtude exige mais do que acidental heroísmo. Encontra-se muita gente capaz de belos gestos isolados, mas cujo fundo moral permanece um tanto mesquinho e, de acordo com os mestres da vida interior, creio que a perfeição não reside em alguns atos estrondosos, senão antes em virtudes pacientemente exercitadas ao longo do dia e no total decorrer da existência. Assim, a humilde atitude do nosso místico deve nos descobrir a Luz melhor que seus milagres ou seus ensinamentos. "Julgai a árvore pelos seus frutos", está escrito. Os sábios de que falei antes não me trazem senão um ideal longínquo, sempre fugidio por trás de precipícios ou barrancos; os seus sistemas apresentam sempre fissuras; seu impulso, por mais belo que seja, perde-se na abstração, e suas mãos fortes deixam escapar a vida, como a areia da praia corre entre os dedos da criancinha. Enquanto que, com este homem tão próximo de todos nós, abrangia-se num mesmo olhar o ideal com o real, a teoria com a prática, o divino inserindo-se no terrestre, e todo esse conjunto desenhava a mais vívida imagem do que deviam ter sido outrora as lições vivas de Nosso Senhor o Cristo. Nenhuma tara, nenhum desequilíbrio na pessoa moral deste perfeito Servidor; constantemente homogêneo, sólido e flexível, ele aparecia único pela harmonia profunda das suas qualidades as mais diversas. A história dos Santos nos mostra taumaturgos maravilhosos, inteligências gigantescas, corações flamejantes; mas em uns, a preocupação pelos pobres, por exemplo, trava o pairar da contemplação. Em outros, o dom dos milagres invade o do saber; muito raramente se acha a todas essas jóias reunidas, como em nosso herói; ainda mais raramente a força de todas elas jorra com tal ausência de esforço. :Mas ele, sempre semelhante a todo mundo, curava, ensinava, socorria, consolava, no mesmo instante, com a mesma voz tão calma, com o mesmo sorriso tão paternal.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

39

Só posso esteiar todas estas manifestações com o meu único testemunho. Outros assistiram às mesmas maravilhas, porém têm motivos para calar; eu, tenho-os para falar. Não vos peço, entanto, que me acrediteis. Imaginai somente que tais cousas são quiçá possíveis; isso me basta. A aceitação dessa hipótese vos tornará mais tarde sensíveis à luz e a minha meta estará atingida; pois não falo para fazer justiça a um ser que não se importava com a justiça terrestre; é para vós somente que falo, pelo vosso porvir, para que acheis a coragem, nos vossos minutos de esgotamento, de seguir adiante mais um pouco apesar de tudo. * * * Esse francês, tão semelhante a seus compatriotas e ao mesmo tempo tão diferente, era de estatura mediana e de compleição atlética. Nada no seu trajo, seus modos, nem no seu linguajar, o distinguia da multidão. Vivia como toda a gente, salvo as horas de sono, que suprimia quase inteiramente. Casado bastante jovem, tinha tido um filho e uma filha. De atividade incessante, nem seu corpo nem seu cérebro pareciam conhecer a fadiga. Todos seus instantes estavam cheios; pesquisas químicas e mecânicas, fundações de assistência que amigos geriam, reformas sociais que fazia propor às autoridades, invenções que doava a algum necessitado, e sem cessar toda espécie de benefícios, porém sempre ocultando-se. Não gostava de discursos; por complicado que fosse o caso sobre o qual o consultassem, respondia com algumas palavras definitivas.Ensinava pouco, a não ser com breves bosquejos que dava aos buscadores humildes e sinceros; não dava um corpo doutrinal coordenado, mas com o andar do tempo, as luzes sem laço aparente que um ou outro discípulo recolhia com paciência terminavam organizando-se em consonância com o giro de espírito, as necessidades e os labores próprios de cada um; ele instruía aos indivíduos e dava-lhes em suma todo o necessário para que construíssem o seu sistema pessoal, porém nunca promulgou uma síntese geral do Saber. A ação o preocupava muito mais. "O homem, dizia, que amasse ao próximo como a si mesmo, saberia tudo." Um realismo total onde as próprias abstrações se tornam fatos, onde todos os minutos da duração se tornam atuais e todas as distâncias presentes, eis a figura que tomava, para o nosso místico, o mundo sensível e o invisível. Afirmado na insondável mas vivente Unidade de que os êxtases dos santos nos relatam alguns

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

40

rápidos lampejos, este amigo de Deus distribuía sem cessar sobre as causas e sobre as criaturas as sementes regeneradoras do Espírito. Como sabeis, de século em século, a lâmpada eterna se transmite pelas mãos piedosas dos obreiros secretos do Pai, esforçando-se por rematar a obra do Cristo. Ora, este, possuidor de toda magnificência, senhor de toda criatura, colocou-se abaixo de todas as grandezas temporais; pobre de bens, pobre de glória, pobre de amigos, Ele deu aos homens até a própria Mãe, e, do fundo dessa nudez perfeita, partiu à conquista do mundo. Cada um dos seus discípulos deve pois reproduzir um dos rostos da divina Pobreza segundo a treva própria da Época em que o Espírito o suscita. Ora, em nossa época de progresso, em que os aleijados têm seus hospitais, os miseráveis sua Assistência pública, os órfãos seus asilos; em que, oficialmente, não há mais escravos; em que, porque ninguém está já convencido de nada, quase não mais se persegue; o rosto da Pobreza de que se revestiu o meu herói anônimo, foi o de não ser nada. Nada: nem mendigo lastimável, nem doente pavoroso, nem filantropo célebre, nem chefe de escola perseguido, nem fora-da-lei acossado, nem acima da escala social, nem abaixo; justamente no meio, no meio de tudo, no ponto neutro. Alguém "semelhante a um de nós", e que realiza perante a opinião a forma mais incolor da miséria: a mediocridade. Tal foi, para o nosso século XIX, a invenção admirável da misericórdia divina, já que essa insípida mediocridade servirá de desculpa no Último Dia para aqueles que não perceberam a Luz porque a lâmpada era banal; tal foi o sutil estratagema da Sabedoria divina, furtando-se às curiosidades dos perversos graças à insignificância da forma humana através da qual operava. Uma última palavra, finalmente. Jesus o Pobre é Jesus o Paciente. Ele sofre, ele suporta, ele se resigna, ele persevera, obedece e cala. Seus Amigos, seus irmãos e seus herdeiros vivem pois sem brilho, perdidos na multidão pela qual aceitam sofrer e que os ignora; quanto maiores são perante Deus, mais desconhecidos são, mais incógnitos ficam. Assim, o nosso século, no qual nada pode ficar oculto, ignora entretanto ao homem de quem vos falo, que tinha tudo nas mãos para arrastar a multidão atrás de si. Assim o nosso século, pela voz de alguns dos seus grandes, tem zombado, caluniado, vilipendiado a esse mesmo homem, de cujas secretas fadigas aproveitava; e aquele salvador de tantos naufrágios nunca descerrou os lábios para se defender, nunca permitiu aos seus fiéis deixarem confundidos aos perseguidores, ganhando assim o direito de tornar a dizer a divina súplica do Crucificado:

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

41

"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." É porque acho neste Desconhecido a semelhança mais perfeita com o Cristo, vítima voluntária, que me pareceu útil esboçar para vós sua fisionomia. NOTAS: (1) Extraído da obra de Paul Sédir intitulada: "Quelques Amis de Dieu”, A. Legrand, editor, Rouen - 1923. À venda: 5, rue de Savoie, Paris (6.9), na Biblioteca des Amitiés Spirituelles. Citar também, para certos leitores, a quem muito isso poderia interessar, o muito formoso livro de MICHEL DE SAINT MARTIN, intitulado Revelations e publicado, em 1938, por Heugel (Edições Psyché), 36, rue du Bac, em Paris. ( Ph. Encausse.). PS: Tradução deste texto para o português: Sevananda Swami. (2) Grifado por Ph. Encausse. (3) Um familiar do Mestre esclareceu, por outro lado. que M. Philippe aconselhava obediência às leis de Deus ou aos ensinamentos do Evangelho e, com relação às leis civis ou eclesiásticas, ele aconselhava simplesmente o respeito. Sobre tal ponto, ver pág. 152 (Ph. Encausse). (4) Assinalo, sobre esses controles médicos aqui lembrados por Sédir, o artigo do Sr. Sylvestre Boulanger em La France au combat de 31 de maio de 1948, intitulado: “Os que Curam e os que matam”. Nesse artigo o autor dá testemunho, entre outros, de um milagre realizado pelo M. Philippe ante uma comissão médica composta do Professor Brouardel e dos Drs. Lalande e Encausse (Ph. Encause.) : A comissão transladou-se para a Rua de Ia Tête-d'Or. onde operava o taumaturgo. Havia multidão, como sempre. O Professor Brouardel identificou-se e disse ao curador: - Dizem, senhor, que fazeis milagres. Eis-nos, dois dos meus colegas e eu, prontos a lavrar testemunho deles:. Philippe deu de ombros. Tal espécie de demonstração não o interessava. Mas, afinal, era bonachão, concordando com o que pedissem. Com um gesto, designou o conjunto dos consulentes: - Escolhei um doente que vos agrade. Tratarei dele... A comissão escolheu uma enorme hidrópica que parecia ter chegado ao máximo. Suas pernas eram como pilastras, seu torso como uma torre e seus braços como as enormes abóboras da Provença, tudo isso a ponto de estourar. . . Puseram a essa mulher sobre um pequeno estrado.

Dossiê Paul Sedir: Escritos Selecionados – Lês Amitiés Spirituelles - Paris – BH - RJ

42

- Estão prontos? - perguntou Philippe à comissão - estão olhando bem? Então, pronto... Está feito... A saia tinha caído, formando um círculo de fazenda em torno da "miraculada". A hidrópica estava despida, porém esbelta e curada. Não se via nem uma gota de líquido sobre o piso do estrado, nem em parte alguma... Milagre? Sim, realmente, não há outra palavra. Era o milagre em toda a sua incompreensível simplicidade. Os doutores Encausse e Lalande lavraram imediatamente ata, expondo que tinham examinado a doente antes e após, que não a tinham perdido de vista nem um segundo e que tinham de curvar-se ante a evidência da cura, sendo aliás tais tipos de curas habituais por parte do M. Philippe... Ambos assinaram. Porém o Professor Brouardel, sem negar o fato, o que teria sido difícil. recusou a apor sua assinatura junto às deles, sob a alegação de que "não tinha entendido o que acontecera"... (Pudera!) Encausse entrou para a escola de Philippe e tornou-se seu Discípulo. Lalande casou com a filha de Philippe e ficou sempre junto ao Mestre. Porém esse prodigioso curador nunca obteve seus pergaminhos e foi, até seus últimos dias. incomodado pelos portadores de papiros... E que ninguém se afobe, concluindo numa frase lapidar e vingativa dizendo, por exemplo: - Então, seja para azar dos Brouardel!... Porque corre-se o grande risco de que seja também para azar dos doentes. E o que desejaríamos, nós, é que a maioria dos médicos fossem semelhantes aos doutores Encausse e Lalande e se honrassem, quando na presença de um real curador, em reconhecê-lo e em prestar-lhe a devida homenagem.