dos ervais a porto murtinho

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  • 8/14/2019 Dos Ervais a Porto Murtinho

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    A linha tracejada indica a possvel rota da carreteira ervateiraque rumava de San Thomaz (hoje Ponta Por) a Porto Murtin

    Mapa 02

    MS

    SAN THOMAZ

    PORTOMURTINHO

    E r v

    a i s

    N a t

    i v o s

    rea de ocorrncia dos ervais nativos no territrioque hoje corresponde ao Estado de Mato Grosso do Sul

    Ervais Nativos

    E r v

    a i s

    N a t

    i v o s

    Mapa 01

    MS

    PORTOMURTINHO

    Dos Ervais ao Porto Murtinho

    Segundo Gilmar Arruda, (mapa 01), os ervais nativos estendiam-se desde a foz do rio Pardo, no rioParan, por este at Sete Quedas, percorrendo a linha fronteiria com o Paraguai at Ponta Por e pela Serra deMaracajuat os limites atuais do municpio de Sidrolndia, da pelo rio Pardo at sua foz no rio Paran. Segundoo autor, ocorriam tambm em menor escala na regio entre as serras da Bodoquena e Maracaj, em parte doterritrioquehoje corresponde ao Municpio de Porto Murtinho (Arruda, 1986).

    Como vimos anteriormente, no incio a erva colhida por Thomaz Larangeira no territrio mato-grossense era exportada por San Thomaz, hoje regio de Ponta Por, seguindo por rio at ,onde, pelo rioParaguai, chegava a BuenosAires (Idem).

    Com o surgimento dag

    oP

    As carreteiras eram estradas rudimentares que atravessam os sertes cortando terrenos inspitos por onde, a duras penas, trafegava a famosa Carreta-Cor, a carreta paraguaia que carregava as bolsas de erva-mateem viagens longase martiriosas, levando tambmos novos povoadoresda fronteira (Serejo, 1986).

    A erva procedente dos ervais do sul de Matto Grosso, cancheada, ensacada e carregada em Carretas-Cor, partia de percorrendo cerca de 65 lguas pela carreteira que demandava a Porto Murtinho,onde era embarcada em navios com destino aos depsitos da Larangeira Mendes & Companhia em BuenosAires, lugar em queseria industrializada e comercializadanosmercados internacionais (Arruda, 1986).

    Sobre a rota utilizada para o escoamento da produo ervateira, Arruda aponta dados mais especficos(mapa 02):

    Villa de Concepcin

    V i

    San Thomaz

    Era pelo Porto Murtinho que se fazia toda a exportao da Matte Larangeira, e a Companhiaassegurava, em seu proveito direto, a conservao da longa estrada carreteira que, do Patrimnio Caius,rumava Cabeceira do Apa, pelo divisor Dourados, Santa Maria, descia a serra de Limeira e, buscando o

    Sociedade Larangeira Mendes & Companhia e a construo do porto escoador, asede da empresa transfere-se de para e de l para Porto Murtinho.A ora, a ervaextrada no planalto percorreria um l ngo caminho atravs da carreteira que ligava os ervais nativos ao portoescoador,s margens dorio araguai.

    illa Concepc n San Thomaz

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    Ao longo do tempo a Companhia chegou a possuir mais 4.000 bois e 400 Carretas-Cor,que revezavam-se nas paragens divididas entre San Thomaz e o porto.

    F o t o :

    A P E M S

    Carreta-Cor, transporte utilizado para carregar a erva-mate extrada dos ervais nativos. Cruzava terrenos hos

    em viagens longas e martiriosas, levando tambm os novos povoadores do serto fronteirio.

    F o t o :

    A P E M S

    apartador das guas doApae doMiranda,cruzava por Margarida- forte estnciadampresa - e sedestinava ferrovia S. Roque-Porto Murtinho

    SanThomaz

    (Arruda, 1986 apud Malan Dangrogne). Note-se, porm, que a ferrovia sseria construdamais tarde, em 1906.

    Ao longo dessa carreteira, a direo da Matte havia mandado construir um intrincado sistema logstico

    para a manuteno das operaes de escoamento da extrao ervateira. Tal sistema contava com amplosdepsitos, armazns, oficinas e outras benfeitorias construdas nas famosas paragens que dividiam-se entree o porto. Entreelas cabe citar a paragem de Margarida, a mais importante de todas, distante 22 lguas de

    PortoMurtinho; paragem de Limeira; Perdido; e San Roque, central das oficinas onde as tropas de carretas eramabastecidas e recebiam todo tipo de assistncia (Serejo, 1986).

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    Depois da falncia do Banco Rio e MattoGrosso, o controle acionrio da Companhia muda para BuenosAires. Em 1903, o capital da empresa passaa serde 750.000 pesos ouro, assim discriminados: FranciscoMendesGonalves: 100.000 pesos ouro - Thomaz Larangeira: 300.000 pesos ouro - Francisco 300.000 pesosouro - Hugo Heijin: 50.000pesos ouro (Bianchini, 2000).

    Sendo Francisco Mendes Gonalves acionista majoritrio, no tardou para que a parte argentina brasileira, surgindo assim, em 1904, a Sociedade Annima Matte Larangeira, com sede em

    Buenos Aires, nica detentora (Bianchini, 2000apud Gonalves, 1941). No entanto, faziam parte da nova empresa os mesmos acionistas,

    (Bianchini, 2000). Em 4 de fevereiro do mesmo ano, ocontrato de arrendamento das terras ervateiras foi transferido nova Companhia.

    Sociedade Annima Matte Larangeira. Esta, na inteno de baratear otransporte, continuava a buscar nas

    artir de 1906, paradoxalmente s alegaes sobre a inviabilidade do transporte da erva via PortoMurtinho, a Matte decide realizar novos investiment s em sua velha rota de escoamento. Doravante, o ontot rminal das tropas de c rretas no seria ais o porto, mas a paragem San Roque, onde a Com anhia construiuuma via frrea, a Ferrocar il Dec ville, com 22 Km de extenso. O objetivo d obra ra livrar as carretas dosatoleiros existentes no tr cho final do percurso, nos arrebaldes de orto M rtinho.

    (Serejo,

    1986).

    de todos osbensexistentes tanto naargentina como noBrasil No fundo, portanto,

    transferia-se apenasa sede da Matte para BuenosAires

    Essaferrocarril solu ionouum gravssimo problema, pois, no mais as c rretas tiveram que cruzar terrenos baixos e panta osos

    Mendes & Cia:

    monopolizasse a

    O perodo conturbado, causado pela falncia do Banco, agora ficara para trs em funo da novaacomodao de capitais que originara a

    vias fluviais uma rota alternativa para o escoamento da produo, deixandoem segundo plano a sada via Murtinho, o que, possivelmente, contribuiu para a diminuio do volume dasatividades mercantis noporto.

    Sabe-se que a Companhia contrabandeava parte da erva-mate colhida em Matto Grosso para fugir ao pagamento dos impostos. Por esse motivo, bem provvel que tenha mantido a rota San Thomaz-PortoMurtinhoapenas como fachadapara sonegar a tributao, fazendoo caixa dois atravsde portosclandestinos.

    A po p

    e a m pr a a e

    e P u

    A esse respeito Arruda aponta o seguinte:

    (Arruda, 1986 apud Malan Dangrogne).

    Com a construo da ferrovia, Porto Murtinho toma flego e volta a expandir-se novamente.Assim, em

    ca n

    lanando em 1906 um Decauville entre essa povoao e S. Roque (22 Km) a fim de assegurar a sada da erva proveniente do Municpio de Ponta Por, o mateacondicionado em sacos (blsas) era transportado em carrtas por trajetos ultrapassando 60 lguas, mas osveculosprimitivos no podiamvencer o trecho alagadio,onde,mesmonasca,permanecemcorixos,valos, noterreno inconsistente formando, embora diminuto o trnsito, sumidouros e atoleiros de perigosa travessia

    31 de Agosto de 1907, a Assemblia Legislativa de Matto Grosso, atravs da resoluo n 477, autorizou o

    Governo do Estado a entrar em acordo com os sucessores do Banco Rio e Matto Grosso e expropriar os 3.600hectares de terras adquiridas anteriormente, para acomodar o rocio da Freguesia de Porto Murtinho (GazetaOficial doEstadodeMato Grosso, 03desetembrode 1907).

    A Sociedade Annima Matte Larangeira

    empresa, (Serejo, 1986). Para driblar as dificuldades com o transporte, a Matte

    (Idem), explorando, cada vez mais, os cursos fluviais que cortavam o interior deMattoGrosso.

    Um dos maiores obstculos que a Companhia Matte Larangeira encontrou foi o transporte at omercado consumidor lanou mo detodos os resursos disponveis: (...), bateles, canoas, rebocadores, chatas, barcos movidos a lenha, leo, gasolina e vapores mistos

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    Paragem San Roque, ponto terminal das tropas de carretas e incio de Ferrocarril Decaville. F

    o t o :

    A P E M S

    ps a criao da Companhia Matte Larangeira S.A., novas rotas de

    escoamento passaram a ser procuradas. Paulatinamente, a navegao fluvial assumiu o lugar da estradacarreteira e o transporte da erva deslocou-se para o rio Paran, onde desaguam a maioria dos rios navegveis quecortamos ervais doplanalto deAmambai.Eraa reorientao do escoamento da extrao ervateira.

    Porm, em 1909, novas mudanas na macroeconomia do ciclo ervateiro interferem novamente nocotidiano do povoado. Como foi dito, a

    A Reorientao do EscoamentoA reorientao ocorreu, como j foi apontado, em funo do extrativismo desordenado que fazia

    aumentar os custos com o

    Assim, medida que a Companhia expandia sua rea de explorao, atravs de concesses negociadascom o Governo do Estado, aprofundava-se pelo serto ervateiro, cada vez mais distante de Porto Murtinho,deixandoatrs de si umrastrode destruiomarcado pelo extermniode milhares dervores deerva-mate.

    transportedaerva, ato momento feito emcarretas que percorriam at75 lguas (cercade 500 Km), atravessando terrenos tortuosos e matas seculares, utilizando para isso milhares de bois e um

    nmero grande de trabalhadores, uma operao indesejvel para uma empresa cuja cultura produtivafundamentava-se na especulaoe na usura.

    Para a Matte, era mais vantajoso manter o extrativismo desordenado sobre as terras pblicas do queinvestir no manejo adequado e na racionalizao das atividades ervateiras. Tornava-se mais barato conquistar emanipular o poder pblico e continuar obtendo concesses e privilgios do que planejar um empreendimento produtivopoliticamentecorreto.

    Devido a essa expanso, ocorreriam mudanas em relao ao porto de embarque, que seria transferido para Guara,no Paran.

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    Em resumo, o deslocamento do porto de embarque significava maior proximidade entre os ervais e osmercados platinos, representando, conseqentemente, fretes menores. Da a escolha por uma rota alternativaatravsde Guaira,Porto Mendes, Posadas rumo a BuenosAires (Bianchini, 2000).

    Assim, em 1909, a empresasolicitou ao Governo do Estado permisso para exportar por um porto aberto

    em Iguatemi. A autorizao veio pelo Decreto n 232, de 1 de setembro de 1909, que estipulava em seu art. 1: (Arruda, 1986)

    (Bianchini, 2000 apud JornalCorreiodo Estado, 1909).

    Segundo Serejo, quando se deu a reorientao do escoamento, as despesas com transporte apresentaramreduo de 45% com a instalao da administrao em Nhu-Ver, fronteira com o Paraguai, sob aresponsabilidade de Raul Mendes Gonalves. Seriam agora utilizados afluentes navegveis como o Pirajuy,Mbaracay, Laranjay, Guiray, Pirabeb, entre outros, e os canais navegveis dos rio Amamba, Iguatemi,Dourados, Brilhante e Ivinhema, por ondea erva seria levada ata vila paranaense de Guara.

    Essa foi a fase em que a Companhia iniciou sua mais audaciosa penetrao no territrio ervateiro,construindo uma malha intermodal que envolvia estradas pelo interior da mata virgem onde trafegavamautomveis; pontes; portos; redes telefnicas; grandes depsitos e uma ferrovia de 60 quilmetros no Paran,interligandoGuaraa Porto Mendes.

    Doravante, a partir de 1909, a empresa utilizaria os rios que cortavam os ervais para levar a erva at o rioParan, acima do salto de Sete Quedas, onde uma estrada de rodagem ultrapassava o saltoe

    (Arruda, 1986 apud MalanDangrogne).

    Nesse perodo, a demanda pela erva era intensa na Argentina e, para atend-la, a Matte Larangeiraagigantou-se, construndo um verdadeiro imprio cujo corao seria Campanrio, a controladora central, sededa administrao no planalto de Amamba (Arruda, 1986), uma cidade planejada e erguida em pleno sertomato-grossense.

    A partir de ento, a explorao ervateira ultrapassaria os limites do Estado de Matto Grosso atingindo as barrancas do rio Paran, dando surgimento a pequenos povoados s margens dos afluentes daquele rio, por ondea Companhiaefetuava a coletada erva-mate (Bianchini, 2000).Masessa, umaoutra Histria...

    Ficaconcedido EmpresaMatte-Larangeira,deLarangeira,Mendes& Companhia, permissopara abrirum porto na foz do rio Iguatemi, noAlto Paran (...) por onde possa ella exportar os producthervaes situadosnasproximidades desegundo dessesrios,vistoa impossibilidade, exposta porella empetio,de exportar aquelles productos pelas estaes de Porto Murtinho e Ipehum, pelo motivo da enorme distanciaquemedeiaentreestaseoshervaes

    por umadecauvillede 60 Km, levava a Porto Mendes, a por um plano inclinado de mais de 60 metros de diferena de nveembarcavam as blsas em navios argentinos, destino a Buenos Aires, via Posadas

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    Na mesa inferior esquerda, em um restaurante no Rio de Janeiro, Heitor MendesGonalves junto a quatro homens, entre eles Raul Mendes Gonalves e Anibal de Toledo.

    F

    o t o :

    A P E M S

    Como em todo sistema poltico-econmico desptico e excludente, o ciclo da erva-mate, emborapujantee altamente lucrativo, nunca representou uma possibilidade real de desenvolvimento socioeconmico para

    MattoGrosso. Nesse contexto, e

    Nas palavras de Hlio Serejo: Superiormente intrpido foi o peo paraguaio e engrandecedoramentecorajosa a mulher guarani dos ervais. Ambos trilharam, inquebrantavelmente, o caminho de todos osdesalentos e amarguras.Ambos fizeram moradanaselvaquase impenetrvel- numa provao grandiloquente -

    ntre 1892 e 1909, vivendo sob as oscilaes da macropoltica e da macroeconomia queorientavam o ciclo ervateiro, o pequeno povoado de Porto Murtinho nasceu e cresceu. Mas antes que pudesseamadurecer e dar frutos, no momento em que aflorava em pendes de cidade, experimentou seu primeirodeclnio, recebendo como herana da erva o vcuo de um grande cicloeconmico.A ferrovia nunca mais trariaomate. Os bares ervateiros jamais retornariam ao pequeno porto no fim do serto mato-grossense; no tinhamcompromissocom as sociedades ervateiras, apenas com o fluxo do capital e com a manuteno dos privilgios aque estavamhabituados.

    Exemplo desse descomprometimento expressa-se na absurda estratificao social do ciclo ervateiro.

    Enquanto Thomaz Larangeira, a famlia Murtinho, a famlia Mendes Gonalves e algumas figuras do altoescalo poltico auferiam os lucros advindos da explorao ervateira, milhares de homens sucumbiam misriade suacondio sub-proletria, aprisionados ao regimeservil dentrodo inferno verde doscaatins.

    A Estratificao Social no Ciclo da Erva-

    esq, personalidades da elite brasileira na inaugurao do avio de Francisco M. Gonalves. Entre eles, Chateadiscursando um possvel panegrico Matte. dir. Cap. Heitor e Arlette M. Gonalves, na embaixada brasileira n

    F o t o :

    A P E M S

    F o t o :

    A P E M S

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    Um peo ervateiro carregava cerca de 180 Kg de erva. Nopodia parar, agachar ou olhar para o lado. Se casse, tombavcom a espinha partida, sendo, geralmente, sacrificado bala

    F o t o :

    A P E M S

    Em um mesmo ciclo econmico, realidades contrastantes. F

    o t o :

    A P E M S

    A dura lida nos ervais exigia proteo e improvisos. Na fotoa sapato de solado de pneu amarrado com panose couro para proteger as pernas contra animais peonhentos

    Plantilla,

    F o t o :

    A P E M S

    para que das erveiras, que representavam o sangue e as lgrimas de cada um, saisse a plata paraenriquecimentodemuitos (Serejo, 1986).

    Enquanto a massa espoliada esfolava-se pela sobrevivncia na densa floresta ervateira, os bares da ervadesfrutavam os lucros da Matte Larangeira em restaurantes luxuosos; em visitas embaixada brasileira noVaticano; enquanto apreciavam seus navios e avies particulares; quando passeavam em suas propriedades noRio de Janeiro, BuenosAires, So Paulo...; nas festas da alta sociedade; enquanto criavam cavalos para a prticado hipismo, enfim, como se no reverso da medalha no houvesse gente morrendo para sustentar o alto padro deconsumo da elite ervateira.

    Esposas e filhos dos ervateiros. Contrastando com o luxo dos dirigentes da Companhia a misria dostrabalhadores servis, a maioria aconchavados em ciladas ou seduzidos pela falsa esperana de prosperidade no

    F o t o :

    A P E M S