dolo eventual e culpa consciente nos homÍcidios …siaibib01.univali.br/pdf/rosilda marilete...

117
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS HOMÍCIDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO ROSILDA MARILETE REICHERT Itajaí-SC, maio de 2008

Upload: dinhnguyet

Post on 09-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS HOMÍCIDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO

ROSILDA MARILETE REICHERT

Itajaí-SC, maio de 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS HOMÍCIDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO

ROSILDA MARILETE REICHERT

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Mdo. Fabiano Oldoni

Itajaí - SC, maio de 2008

AGRADECIMENTO

Aos meus pais e meus irmãos, pelo amor e confiança.

Ao meu marido Antonio Luiz Lavarda, que ajudou esse sonho a tornar-se realidade, pelo amor,

amizade, carinho e acima de tudo pela presença ao longo desta jornada.

À Deus.

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a minha família, que mesmo longe sempre estiveram torcendo por mim.

“A grandeza do homem consiste em sua decisão de ser mais forte que a sua condição”.

(Albert Camus)

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí - SC, maio de 2008.

Rosilda Marilete Reichert Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Rosilda Marilete Reichert, sob o

título Dolo eventual e culpa consciente nos homicídios ocorridos em acidentes de

trânsito, foi submetida em 09 de maio de 2008 à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: Professor Mestrando Fabiano Oldoni, Professor

Mestre Rogério Ristow e Professor Wellington César de Souza e aprovada com a

nota 9,5 (nove e meio).

Itajaí - SC, maio de 2008

Prof. Mdo. Fabiano Oldoni Orientador e Presidente da Banca

Prof. MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CTB Código de Trânsito Brasileiro de 1997

CP Código Penal de 1940

CPP Código Processo Penal de

CRFB/88 Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988

ART. Artigo

TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

STF Supremo Tribunal Federal

TACRIM Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo

ROL DE CATEGORIAS

Automóvel

Veículo automotor destinado ao transporte de passageiros, com capacidade para

até oito pessoas, exclusive o condutor1.

Conceito analítico de crime

O crime é uma ação a que se juntam os atributos da tipicidade, da antijuridicidade

e da culpabilidade, donde o conceito analítico do crime como ação típica,

antijurídica e culpável2.

Conceito formal de crime

O crime é um fato típico e antijurídico. A culpabilidade, como veremos, constitui

pressuposto da pena. [...] a culpabilidade é requisito do crime, funcionando como

condição de imposição de pena3.

Conceito material de crime

Sob o aspecto material, crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo

um bem jurídico protegido pela lei penal4.

Culpa

A culpa é o elemento normativo da conduta, sendo assim considerada porque sua

existência depende de um juízo de valor, consistente na comprovação entre a

conduta praticada pelo agente no caso concreto e a conduta que um homem de

diligência normal teria naquela mesma situação5.

Culpa consciente

1 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo:

Dialética, 1997. p. 73. 2 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005.p.177. 3 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Parte Geral. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1. p.150. 4 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 34. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 1999, p.97. 5 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva,

2004, p.399.

A culpa consciente é caracterizada pela previsão do agente quanto à

probabilidade do resultado que ele espera não venha ocorrer, confiando em suas

habilidade ou destreza para enfrentar a situação de risco. É também chamada de

culpa com previsão e que aproxima do dolo eventual6.

Crime

Sub specie juris, em sentido amplo, crime é o ilícito penal. Mais precisamente é o

fato (humano) típico (isto é correspondente ao descrito in abstrato pela lei)

contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa e a que a lei contrapõe a

pena (em sentido estrito) como sanção especifica 7.

Dolo eventual

No dolo eventual, o agente não quer propriamente o resultado, mas admite e

aceita o risco de produzi-lo8.

Homicídio culposo

É a morte de um homem provocada culposamente por outro na direção de veículo

automotor9.

Homicídio doloso

Dolo do homicídio é a vontade consciente e antijurídica, de matar. Usa-se, para

designá-lo, em linguagem jurídico-penal, a expressão latina animus necandi. Este

é o termo corrente no jargão forense para caracterizar o homicídio doloso10.

Trânsito

Movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais na via terrestre11.

6 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:

Forense, 2005. p.315. 7 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. Tomo 2

v.I. p. 9. 8 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. 5.ed. rev. e atual. por Rafael Cirigliano Filho Rio de

Janeiro: Forense, 2005. Tomo II. p. 46. 9 JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.72. 10 FEU ROSA, Antônio José Miguel. Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Editora dos

Tribunais, 1995. p.43.

Veículo automotor

Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que

serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração

viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo

compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam

sobre trilhos (ônibus elétrico)12.

11 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo:

Dialética, 1997. p. 77. 12 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo:

Dialética, 1997. p. 78.

SUMÁRIO

RESUMO......................................................................................... XIII

INTRODUÇÃO..................................................................................XIV

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 1 DO CRIME............................................................................................1 1.1 CONCEITO .......................................................................................................3 1.1.1 CONCEITO MATERIAL ........................................................................................5 1.1.2 CONCEITO FORMAL ..........................................................................................7 1.1.3 CONCEITO ANALÍTICO........................................................................................9 1.2 FATO TIPÍCO .................................................................................................12 1.2.1 CONDUTA.......................................................................................................15 1.2.1.1 Teoria causal ou naturalista...................................................................15 1.2.1.2 Teoria finalista.........................................................................................16 1.2.1.3 Teoria social da ação..............................................................................18 1.2.2 RESULTADO ...................................................................................................20 1.2.2.1 Teoria naturalística .................................................................................20 1.2.2.2 Teoria jurídica ou normativa ..................................................................21 1.2.3 NEXO DE CAUSALIDADE ..................................................................................22 1.2.4 TIPICIDADE.....................................................................................................24 1.3 ANTIJURIDICIDADE ......................................................................................26 1.4 CULPABILIDADE...........................................................................................28 1.4.1 TEORIA PSICOLÓGICA......................................................................................29 1.4.2 TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA ...................................................................30 1.4.3 TEORIA NORMATIVA PURA ...............................................................................31 1.3.4.1 Imputabilidade.........................................................................................34 1.4.3.2 Potencial consciência da ilicitude .........................................................35 1.4.3.3 Exigibilidade de conduta diversa...........................................................35

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 37

DO DOLO E DA CULPA .................................................................. 37 2.1 DO DOLO .......................................................................................................37 2.1.1 TEORIA DA VONTADE.......................................................................................38 2.1.2 TEORIA DA REPRESENTAÇÃO ...........................................................................39 2.1.3 TEORIA DO ASSENTIMENTO OU CONSENTIMENTO ...............................................41 2.1.4 ELEMENTOS DO DOLO ............................................................................42 2.1.5 DA ESPÉCIE DO DOLO ............................................................................44 2.1.5.1 Dolo natural .......................................................................................45 2.1.5.2 Dolo normativo ..................................................................................45 2.1.5.3 Dolo direto .........................................................................................46 2.1.5.4 Dolo indireto = alternativo e eventual..............................................48 2.1.5.5 Dolo de dano ...........................................................................................51

2.1.5.6 Dolo de perigo .........................................................................................52 2.1.5.7 Dolo genérico ..........................................................................................52 2.1.5.8 Dolo específico........................................................................................53 2.1.5.9 Dolo geral dolo do ímpeto ......................................................................54 2.2 DA CULPA..........................................................................................55 2.2.1 ELEMENTOS DA CULPA...........................................................................56 2.2.1.1 A conduta...........................................................................................57 2.2.1.2 A inobservância do cuidado objetivo....................................................58 2.2.1.3 O resultado lesivo involuntário........................................................60 2.2.1.4 A previsibilidade objetiva .......................................................................61 2.2.1.5 A tipicidade..............................................................................................62 2.2.2 DA MODALIDADE DA CULPA ....................................................................63 2.2.2.3 Imprudência.......................................................................................63 2.2.2.4 Negligência ........................................................................................64 2.2.2.5 Imperícia ............................................................................................65 2.2.3 ESPÉCIES DA CULPA ..............................................................................66 2.2.3.1 Culpa inconsciente .................................................................................66 2.2.3.2 Culpa consciente ou com previsão .......................................................67 2.2.3.2.1 Requisitos da culpa consciente..............................................................70 2.2.3.3 CULPA IMPRÓPRIA .......................................................................................72 2.2.3.4 CULPA MEDIATA OU INDIRETA .................................................................73

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 75

DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO ........................................................... 75 3.1 CARACTERIZAÇÃO DE TRÂNSITO .............................................................75 3.2 DO HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO.....77 3.2.1PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE ..........................................................................84 3.3 DO PROCEDIMENTO PARA JULGAR O HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO EM ACIDENTE DE TRANSITO........................................................86 3.4 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL QUANTO A FIGURA DOLOSA NOS HOMICÍDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO...............................89 3.5 DO PROCEDIMENTO PARA JULGAR O HOMICÍDIO DOLOSO COMETIDO EM ACIDENTES DE TRÂNSITO..........................................................................95

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 98

RESUMO

O presente trabalho monográfico tem por objetivo a análise

do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios ocorridos em acidente de

trânsito. No primeiro momento conceitua-se o crime, seus aspectos, seus

elementos e suas teorias. Em seguida trabalha-se a culpa e dolo, suas teorias,

elementos e espécies. Por fim, no terceiro e último capítulo, aponta-se

especificamente o dolo eventual e a culpa consciente, demonstrando atuais

entendimentos doutrinários e jurisprudências, de forma a apresentar os ritos

processuais de cada modalidade, bem como o juízo competente para apreciar a

matéria.

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto analisar os

entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do dolo eventual e da culpa

consciente nos homicídios ocorridos em acidentes de trânsito.

Esta pesquisa tem como objetivo institucional a produção de

uma Monografia como requisito básico para a obtenção do título de Bacharel em

Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

O seu objetivo geral é a análise na doutrina e na

jurisprudência quanto aos homicídios ocorridos no trânsito.

Já o objetivo específico é pesquisar o entendimento da

doutrina e dos Tribunais, em especial do Estado de Santa Catarina, quanto a

figura dolosa nos homicídios de trânsito, bem como a espécie da culpa

consciente.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do crime,

seus conceitos material, formal e analítico, o fato típico, os elementos da conduta

e suas teorias, o resultado, nexo de causalidade e a tipicidade, bem como a

antijuridicidade, a culpabilidade.

No Capítulo 2, tratar-se-á do dolo e da culpa,

respectivamente, com cada um de seus conceitos, elementos e espécies.

No Capítulo 3, será tratado do homicídio culposo cometido

em acidente no trânsito e seu procedimento, do homicídio doloso cometido em

acidente de trânsito e o rito processual para seu julgamento.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos destacados, seguidos

da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre Dolo eventual e

culpa consciente nos acidentes ocorridos em acidentes de trânsito.

2

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

� A modalidade culposa prevista no Código de Trânsito é regra para os homicídios ocorridos em acidentes de trânsito.

� O homicídio ocorrido em acidente de trânsito pode também ser reconhecido como dolo eventual.

� Nos homicídios ocorridos em acidentes de trânsito os tribunais têm admitido o dolo eventual apenas com a previsibilidade do resultado.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

CAPITULO 1

DO CRIME

1.1 CONCEITO

O conceito legal é dado pela Lei de Introdução ao Código

Penal (Decreto Lei nº. 3.914/41) que faz a seguinte definição de crime:

Considera-se crime a infração penal a qual a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Conceitua Nelson Hungria13que o crime é uma:

Sub specie juris, em sentido amplo, crime é o ilícito penal. Mais precisamente é o fato (humano) típico (isto é correspondente ao descrito in abstrato pela lei) contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa e a que a lei contrapõe a pena (em sentido estrito) como sanção específica.

No que destaca João José Leal14:

O crime é conduta humana, podendo ser ação propriamente dita, como também, em alguns casos, omissão. Este tipo de comportamento pode ser objeto de estudo da Sociologia, da Filosofia, da Psicologia e de outras disciplinas, principalmente da Criminologia, que o examina como fenômeno humano biológico e/ou sociológico. Assim dependendo da natureza do enfoque poderemos ter um conceito sociológico, moral, psicológico ou criminológico da infração penal. [...] Da doutrina, emergem três categorias conceituais de crime, formuladas a partir de enfoques diferenciados do objeto examinado.

13 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. 4 ed. v.1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense,

1958. p. 9. 14 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2004. p.180-181.

4

Damásio de Jesus15 apresenta quatro formas de

conceituação de crime:

Formalmente, conceitua-se crime sob aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei. Materialmente, tem-se o crime sob ângulo ontológico, visando a razão que levou o legislador a determinar como criminosa uma conduta humana, a sua natureza danosa e conseqüências.

O terceiro sistema conceitua o crime sob os aspectos formal

e material juntamente. É assim entendido por Francisco Carrara 16:

A infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso.

Na ótica deste conceito João José Leal17 define como

“conceito misto, onde o aspecto formal (infração à lei do Estado) e o material

(politicamente danoso) são reunidos para identificar juridicamente a existência da

figura criminosa”.

O quarto sistema para Ranieri18 define o delito como “fato

humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em

sentido estrito (pena criminal), lesivo ou perigoso para bens ou interesses

considerados merecedores da mais enérgica tutela”.

Já para José Frederico Marques19 o conceito de crime é a

violação de um bem jurídico, que o Estado deve tutelar, pois se consubstancia ali

um valor relevante para a comunhão social. Caso uma conduta não estiver

expressa em lei não se pode dizer que se trata de crime.

15 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 28 ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 150. 16 Apud, JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005. p.150. 17 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.183. 18 Apud, JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005. p.151. 19 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. v.2. Campinas: Millennium, 2002. p.1.

5

Para Romeu Falconi20 crime é:

É um fato (injusto punível) provocado por uma CONDUTA HUMANA que, juridicamente relevante, é tipificada e tem como componente o agente e, como conteúdo, a figura da ilicitude, tornando passível de apuração da culpabilidade, derivando daí uma punibilidade, uma vez provada aquela culpa (culpa lata).

Desta forma, apresenta-se o conceito formal, material e

analítico de crime, como será visto a seguir.

1.1.1 Conceito material

O conceito material de crime destaca o conteúdo

terminológico, com base na finalidade da lei, o bem protegido pela lei penal, e

pela lei definido ou determinado o fato criminoso ou não.

Para Magalhães Noronha21 sob o aspecto material, crime é

“a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei

penal”.

Para Fernando Capez22 o crime pode ser definido como

“todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo

bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da

paz social”.

No que tange o entendimento de João José Leal23:

A concepção material busca apresentar o crime como uma conduta contraria aos valores éticos fundamentais ou os legítimos interesses do grupo social [...] como conduta ofensiva a determinados bens fundamentais para a coexistência social: a vida, a honra, o patrimônio, o meio ambiente, a liberdade individual.

20 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3 ed., ver.,ampl.e atual. São Paulo: Ícone,

2002. p. 152. 21 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 34. ed. v.1. São Paulo: Saraiva,1999. p.97. 22 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 2000.p. 95. 23 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.181-182.

6

É o que sustenta Francisco de Assis Toledo24: “crime é o

fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídico-penalmente)

protegidos”.

Também a esse entendimento se filia Aníbal Bruno25, que

define crime como sendo “um ato que ofende ou ameaça um bem jurídico ou

interesse jurídico julgado fundamental para a coexistência social e por isso

protegido pelo Estado sob ameaça de uma pena”.

No ponto de vista material Damásio de Jesus26 entende que

o conceito de crime visa os bens protegidos pela lei penal, ou seja, nada mais é

que a violação de um bem penalmente protegido.

Para José Frederico Marques27 a materialidade do crime se

define da seguinte forma:

Como a violação de um bem jurídico penalmente tutelado. Essa violação, por outro lado, se realiza através de condutas humanas que vêm definidas e configuradas no preceito primário da norma penal, por uma vez que o princípio da legalidade dos crimes e das penas impede que existam ações ou comportamentos do homem, relevantes para o Direito Penal, sem prévia descrição legal.

Cezar Roberto Bitencourt28 assinala que o conceito material

do crime é “ação ou omissão que contraria aos valores ou interesses do corpo

social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena”.

Para Heleno Fragoso29, do ponto de vista material crime é

“a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com

24 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986. p.

74. 25 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. 5.ed. rev. e atual. por Rafael Cirigliano Filho. Tomo

I. Rio de Janeiro : Forense, 2005. p. 271. 26 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.151. 27 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p.7. 28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 5 ed. ver. ampl. e atual.

pelas leis 9.099/95, 9.268/96, 9.271/96 e 9.455/97. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.177.

7

valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça

de pena”.

Instrui João José Leal30:

A concepção material busca apresentar o crime como uma conduta contraria aos valores éticos fundamentais ou aos legítimos interesses do grupo social (o que nem sempre é verdadeiro, pois há interesses de classes protegidos pela ordem jurídica).

Para José Geraldo da Silva31 o conceito material do crime é

“a violação de um bem jurídico penalmente protegido”.

É entendimento por alguns autores que a questão da ofensa

a bens jurídicos é elemento caracterizador do crime.

Por isso, o conceito material de crime se entende por

conduta humana, ação ou omissão, que venha a lesar ou a expor a perigo bem

juridicamente protegido por lei.

1.1.2 Conceito Formal

O conceito formal busca estabelecer os elementos

estruturais do crime.

Por isso Nelson Hungria32 afirma que “um fato pode ser

típico, antijurídico, culpado e ameaçado com pena, isto é, criminoso, e, entanto,

anormalmente, deixar de acarretar a efetiva imposição de pena”.

Em comento a esse conceito ensina Vicente de Paula

Rodrigues Maggio33:

29 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1990. p.144. 30 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.182. 31 SILVA, José Geraldo da. Teoria do crime. v.1. Campinas, São Paulo: Bookseller, 1999. p.147. 32 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 1955, v.1, tomo II. p. 24.

8

Desta forma, a pena, pode deixar de ser aplicada: a) por causas de isenção, como, por exemplo, na escusa absolutória, onde um filho que subtrai dinheiro do pai (CP, art. 181, II); no auxílio prestado por ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso para este subtrair-se da ação da autoridade pública (CP, art. 348, § 2º); b) pela extinção de punibilidade (CP, art.107). Nestes casos, embora não haja imposição de pena, o crime persiste.

O que se verifica é a evolução do conceito formal, onde o

crime passou a ser o fato típico, antijurídico e culpável.

No entendimento de João José Leal34 o crime é uma

conduta humana contraria à lei penal que dá uma idéia de infração penal,

tratando-se de um conceito meramente formal, pois não esclarece a natureza da

conduta nem porque ela é assim considerada. Não se preocupa com o conteúdo

ético-social nem com as razões que levaram o legislador a estabelecer a

incriminação de tal conduta humana. Ainda diz que:

A concepção formal, crime é a conduta proibida e sancionada pela lei penal. É exatamente esse caráter de pura contrariedade formal ao Direito, que é acentuado nessa definição: o crime e toda

ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena. É como se a nocividade, a perversidade, a imoralidade ou o caráter anti-social da conduta ilícita surgisse como a promulgação da norma incriminadora ou fosse pura criação desta.

Para Damásio de Jesus35:

O aspecto formal do crime é um fato jurídico e antijurídico, a culpabilidade tem outra natureza. [..] A culpabilidade não é requisito do crime, funcionando como condição de imposição da pena.

33 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. rev. atual. e ampl.

Bauru, SP: Edipro, 2002. p.76. 34 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.181. 35 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.150

9

Na ótica deste conceito João José Leal36 define como

“conceito misto, onde os aspectos formal (infração à lei do Estado) e o material

(politicamente danoso) são reunidos para identificar juridicamente a existência da

figura criminosa”.

Na ótica de José Frederico Marques37 conceito formal de

crime é:

De tudo se infere que o crime, como conceito formal de um fato a que se liga, como conseqüente, a sanção penal cominada em lei, é constituído por três elementos: a) fato típico; b) a antijuridicidade; c) a culpabilidade. Daí a definição de crime, em um conceito formal, como fato típico; antijurídico e culpável.

Para Celso Delmanto38 um fato típico e antijurídico, tem-se

um crime, mas a aplicação da pena fica condicionada à culpabilidade, que é a

reprovação ao agente pela contradição entre sua vontade e a vontade da lei.

O conceito formal de crime trata de um fato típico e

antijurídico e culpável.

Trava-se uma discussão quanto a figura da culpabilidade ser

ou não uma condição de imposição da pena. Passa-se a analisado o conceito

analítico.

1.1.3 Conceito analítico

Para melhor entendimento da figura conceitual analítica de

crime busca-se suporte na doutrina de João José Leal39, que salienta:

Até o começo do Século XX a doutrina concebia o crime a partir de um critério bipartido, constituído de dois elementos: um objetivo, representado pela ação omissão e, outro subjetivo,

36LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.183. 37 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p.9. 38 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 3.ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar,

1991. p.19. 39 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.183.

10

representado pela culpabilidade. Em 1906, o jurista alemão Ernst von Beling, reformulou o conceito analítico de crime, inserindo um novo elemento: a tipicidade. O crime passou a ser definido, do ponto de vista dogmático, como a conduta humana, (ação propriamente dita ou omissão), típica, antijurídica e culpável. Esse conceito passou a ser entendido como o mais adequado para definir o crime do ponto de vista técnico jurídico.

Para o conceito analítico de crime Aníbal Bruno socorre-se

em Von Liszt – Schmidt:

O crime é essencialmente uma ação, isto é, uma manifestação de vontade humana no mundo externo, mas uma ação antijurídica, isto é, contraria ou Direito, uma ação que contrasta com a proibição ou o comando de uma norma jurídica, e encontram na lei, uma ação que se ajusta ao tipo legal, e finalmente, uma ação culpável, é uma ação pela qual deve pesar sobre o seu autor a reprovação da ordem jurídica40.

Portanto, para Aníbal Bruno41 o crime é: “uma ação a que se

juntam os atributos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, donde o

conceito analítico do crime como ação típica, antijurídica e culpável”.

Leciona Julio Fabbrini Mirabete que o crime passou a ser

conceituado com a “ação típica, antijurídica, e culpável”. Tal definição vem

consignada tanto pelos autores que seguem a teoria causalista, como os adeptos

da teoria finalista da ação. Para os primeiros a culpabilidade consiste num vínculo

subjetivo que liga a ação ao resultado. Já quanto à teoria finalista da ação,

proposta por Hans Welzer, passou-se a entende que a ação sempre tem uma

finalidade, e por isso o conceito analítico de crime, onde a conduta abrange o dolo

e a culpa em sentido estrito, já se a conduta é um fato típico então deve o crime

ser entendido como um fato típico e antijurídico42.

40 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005.p.177. 41 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005.p.177. 42 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2005.p.97.

11

Ensina Edílson Mougenot Bonfim e Fernando Capez43 que

para identificar os elementos do crime é necessário:

Em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, é só nesse caso, verifica-se se esta é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, questiona-se sobre a culpabilidade do agente (verifica-se se o autor foi ou não culpado por sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu); só então em caso positivo, exsurge, pela completude de seus elementos, a infração penal. para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico, ilícito e culpável.

Leciona René Ariel Dotti44 “o delito se aperfeiçoa com a ação

típica e ilícita e que a culpabilidade, como juízo de reprovação post factum, é um

pressuposto da pena”.

René Ariel Dotti foi o primeiro brasileiro a tratar a

culpabilidade como pressuposta da pena, veio a influenciar também outros

doutrinadores como Damásio de Jesus45e outros.

Seguindo esse entendimento diz Walter Coelho46 que:

“Podemos, pois, reafirmar, em perspectiva bem mais acurada e extensiva, que

crime, é o fato humano típico e ilícito, em que a culpabilidade é o pressuposto da

pena, e a periculosidade o pressuposto da medida de segurança”.

Ensina José Geraldo da Silva47 que:

Para os defensores da doutrina tradicionalista, dentre eles E. Magalhães Noronha, Heleno Fragoso, Aníbal Bruno, Paulo José da Costa Junior, Edmundo Oliveira, Francisco de Assis Toledo, Francisco Vani Bemfica etc., como sendo “ação típica, antijurídica

43 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva,

2004. p. 253-254. 44 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de

Janeiro: Forense, 2005.p.301. 45 BONFIM, Edílson Mougenot, CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p. 253. 46 COELHO, Walter. Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. p.36. 47 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.147.

12

e culpável”. Ainda, Nelson Hungria e Basileu Garcia acrescentam no conceito a punibilidade.

Já para os adeptos da teoria finalista, dentre eles: Damásio

de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete e Celso Delmanto, “o crime é um fato típico e

antijurídico, ficando a culpabilidade constituída como pressuposto da pena48”.

Preleciona José Geraldo da Silva49 que o “maior problema

reside no estudo do dolo e da culpa, que para a doutrina clássica faz parte da

culpabilidade, enquanto que para a doutrina finalista faz parte do tipo”.

Portanto, para os finalistas o conceito de crime é fato típico,

antijurídico e a culpabilidade é pressuposto da pena. Diferente é para os

causalistas que entendem ser um fato típico, antijurídico e culpável, ainda Nelson

Hungria, acrescenta a punibilidade.

1.2 FATO TIPÍCO

Para Nelson Hungria50 o crime antes de qualquer coisa, é

um fato, “por tal não só a expressão da vontade mediante ação (voluntário

movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo),

com também um resultado (effectus sceleris)” ou o que seria a conseqüente lesão

ou periclitação de um bem51 ou de um interesse jurídico penalmente tutelado.

Portanto, não se pode falar em crime sem uma vontade

objetivada, que se realiza. Nelson Hungria52 ressalta que, “só se pode transgredir

a norma penal com um facere ou um no facere (no facere quod debet facere), isto

é, fazendo-se o que ela proíbe ou deixando de fazer o que ela manda”. O que

48 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.147. 49 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p. 149. 50 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958. v.1, tomo II. p.10. 51 Comenta em nota de rodapé, Hungria, que o “Bem é tudo aquilo que satisfaz a uma

necessidade da existência humana e interesse é a avaliação ou representação subjetiva do bem comum”.

52 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958. v.1, tomo II. p.11.

13

torna imprescindível para autor que a existência da ação ou omissão, para haver

um resultado.

Ainda, para toda ação ou omissão penalmente relevante

corresponde um eventus damni ou um eventus periculi. Por isso, todo crime

produz um dano, o um perigo de dano que afeta a existência, ou a segurança do

mundo externo, onde o bem e o interesse são penalmente tutelados por sanções

penais53.

Diante disto, o legislador procurou organizar juridicamente

as ações e omissões que podem ser classificadas como crime no intuito de que

elas estejam expressa para o Direito Penal aplicar as sanções que cabem a cada

conduta.

Assim entende José Frederico Marques54.

O fato típico compreende a conduta humana e respectivo resultado, ligados entre si pelos laços da causalidade, e que a lei prevê como ato punível. É do enquadramento desta conduta comissiva ou omissiva (da ação ou omissão do agente), na definição legal, que resulta fato típico, cujas conseqüências será o exercício do jus punitioonis do Estado, caso se ajustem, a esse elemento, a culpabilidade e a antijuridicidade.

É o entendimento Raoul Frosalli55 que o fato típico é o “fato

constitutivo del reato” ou, o fato que se adapta ao modelo legal dos elementos

necessários para que se configure infração penal.

O fato típico no entendimento de Damásio de Jesus56, “é o

comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca um resultado (em

regra) e é previsto na lei penal como infração. Assim, fato típico do homicídio de a

conduta humana que causa a morte de um homem”.

53 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958. v.1, tomo II. p.11. 54 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p. 10. 55 Apud, MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p. 40. 56 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 155.

14

E ainda, o fato típico é composto de conduta humana dolosa

ou culposa, resultado (salvo nos crimes de mera conduta); nexo de causalidade

entre conduta e o resultado (salvo nos crimes de mera conduta e formais);

enquadramento do fato material (conduta, resultado e nexo) a uma norma penal

incriminadora57.

Como já foi visto o crime é um fato típico e antijurídico. E

para que se possa dizer que o fato concreto tem tipicidade, é necessário que

exista perfeita adequação ao tipo penal. Os elementos que compõe o fato típico

são: conduta, resultado, a relação de causalidade e a tipicidade58.

Se no caso concreto não estiver presente um desses

elementos não se poderá falar em crime, com exceção a tentativa que não ocorre

o resultado.

Para José Geraldo da Silva59o fato típico ocorre quando:

O comportamento humano se ajusta ao modelo legal, contido na lei penal, em todos os seus elementos. Não basta o comportamento do agente; dever-se-á verificar o resultado da conduta, que á a modificação do mundo exterior. É o caso do furto, em que ocorre a subtração da coisa alheia móvel. No caso do homicídio, em que o agente atira na vítima, temos uma conduta (atirar), e um resultado (morte), e o nexo causal entre a conduta e o resultado, pois a vítima veio a falecer em virtude dos ferimentos produzidos pelo ferimento. Todos estes elementos juntos se amoldam à definição legal do crime de homicídio, previsto no art. 121 do CP.

Portanto, para que formular o fato típico é necessário

estudar seus elementos quais são: conduta, resultado, nexo causal e a tipicidade.

57 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 155. 58 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p101. 59 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p. 149.

15

1.2.1 Conduta

Ensina João José Leal60 que diante da concepção analítica,

crime constitui-se por uma ação ou omissão humana, pode-se dizer que de uma

conduta positiva ou omissiva do homem, e para a análise de crime deverá

começar no estudo da conduta, pois, sem esta não se pode falar da existência do

crime. E ainda salienta que:

Somente através de um comportamento objetivamente exteriorizado é que o homem poderá praticar uma infração penal. A mera intenção ou cogitação de matar, de estuprar, de roubar ou cometer outros atos reprováveis, poderá constituir uma atitude profundamente imoral ou anti-religiosa, mas não terá qualquer relevância jurídico-penal [...] o Direito Penal não pune conseqüências humanas, mas sim atos humanos voluntariamente manifestos no plano objetivo.

Para compreender-se melhor a conduta é necessário

analisar as principais teorias divulgadas, a saber, a teoria da causal ou naturalista,

teoria finalista e a teoria social da ação.

1.2.1.1 Teoria causal ou naturalista

O penalista alemão Von Liszt61, que foi o precursor desta

corrente teórica, “definindo a ação como a conduta (Verhaten) voluntária

causadora ou não impeditiva de uma modificação no mundo exterior”.

Na mesma visão causalista, Ernest von Belling62 afirmou que

“a ação é o procedimento corporal voluntário, consistente numa ação positiva ou

omissiva”.

Já Aníbal Bruno63 defensor desta teoria entende que

constitui um “comportamento humano voluntário que produz uma modificação no

mundo exterior”.

60 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.206-207. 61 Apud LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 208. 62 Apud LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 208.

16

João José Leal64 define que para esta teoria, “não há

diferença quanto à natureza subjetiva da conduta. Tanto a conduta dolosa quanto

a culposa deveriam ser apreendidas como simples manifestação causadora de

um resultado penal”.

Na visão de Vicente de Paula Rodrigues Maggio65 quanto à

teoria clássica:

É tratada como um simples comportamento humano consistente em fazer ou não fazer, sendo irrelevante a finalidade ou a intenção do agente, para caracterizar a prática do crime. Em outras palavras, a conduta é uma simples exteriorização de movimento ou abstenção de comportamento, desprovida de qualquer finalidade.

Em suma, a conduta é toda ação ou omissão que provoca

um resultado, independente do questionamento da finalidade. Para a teoria

clássica66, o crime é um fato típico, antijurídico e culpável. Portanto o dolo e a

culpa residem na consciência da ilicitude, que integra-se a culpabilidade. Assim,

poderá existir um fato típico, mesmo que o agente não tenha agido com dolo ou

culpa67.

1.2.1.2 Teoria finalista

Tal teoria foi analisada por Hans Welzer68, em sua obra

Causalidade e Ação, da seguinte forma;

Como la finalidad se basa en la capacidad de la voluntad de prever en determinada escala las consecuencias de la intervención causal, y con ella dirigirla según un plan hacia la obtención de un objectivo, la voluntand conciente del objetivo, que

63 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005. I, tomo I, p. 184. 64 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 209. 65 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.84. 66 A teoria clássica é adotada, entre outros, por Franz von Liszt, Ernest von Belling e Luis Jimenez

de Asua. Já no Brasil é adotada por Nelson Hungria, Basileu Garcia, Aníbal Bruno, Frederico Marques e Magalhães Noronha.

67 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.84. 68 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.210.

17

dirige el acontecimiento causal, es la espina dorsal de la accion finalista.

O que se resume é que a conduta humana é sempre o

exercício de uma atividade finalista e não apenas causal.

Para João José Leal69:

A conduta realizadora de um tipo penal passou a ser entendida como a ação ou omissão conscientemente dirigida a um fim. Para justificar a base teórica do finalismo [...] A vontade humana sempre visa a um fim e, se vontade é querer, querer é sempre um

querer alguma coisa conscientemente desejada.

Entendem alguns que a teoria finalista é discutível, por ser

insuficiente em face do crime culposo.

Para Vicente de Paula Rodrigues Maggio70:

A conduta é o comportamento humano voluntário e consciente dirigido a uma finalidade. Com efeito, no crime doloso, a finalidade da conduta é a vontade de concretizar um fato ilícito. No crime culposo, o fim da conduta não esta dirigido ao resultado lesivo, porém, o agente é o autor do fato típico por não ter empregado em seu comportamento os cuidados necessários para evitar o evento.

Damásio de Jesus71 ensina que a doutrina finalista da ação:

Não se preocupa apenas com o conteúdo da vontade, o dolo, que consiste na vontade de concretizar as características objetivas do tipo penal, mas também com a culpa. O Direito não deseja apenas que o homem não realize condutas dolosas, mas, também, que imprima em todas as suas atividades uma direção finalista capaz de impedir que produzam resultados lesivos.

69 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.210. 70 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.84- 85. 71 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 235.

18

Com efeito, a teoria finalista72 deslocou o dolo e a culpa da

culpabilidade, o que existia na teoria clássica, passando a conduta para o primeiro

elemento do fato típico. Teoria esta adotada pelo Código Penal Brasileiro.

Julio Fabbrini Mirabete 73 acentuou que na visão finalista:

Na hipótese de ter o agente acionado o gatilho voluntariamente, efetuado disparo e atingindo uma pessoa que vem a morrer, somente terá praticado um fato típico se tinha como fim esse resultado ou assumiu conscientemente o risco de produzi-lo (homicídio doloso) ou se a arma disparou em consciência de não ter sido tomadas as cautelas necessárias ao manejá-las.

Para a teoria finalista, a conduta é o comportamento humano

voluntário com consciência dirigida a uma finalidade, o que é valorado é o

resultado não a conduta.

1.2.1.3 Teoria social da ação74

Na visão de Vicente de Paula Rodrigues Maggio75 a teoria

social da ação (ou da adequação social):

O Direito Penal só deve cuidar das condutas voluntárias que produzam resultados típicos de relevância social. Esta teoria é, na realidade, uma ponte entre as teorias clássica e finalista. Assim, mesmo o agente praticando fato típico, se tal comportamento não afronta o sentimento de justiça ou de adequação social do povo, não pode ser considerado relevante para o direito penal.

Como bem afirma Damásio de Jesus76:

72 A teoria finalista é adotada, entre outros, por Hans Welzer, Maurach e Giuseppe Bettiol. No

Brasil por Damásio de Jesus, Julio Mirabete, Heleno Fragoso, Manoel Pedro Pimentel, José Henrique Pierangeli e Francisco de Assis Toledo.

73 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.103. 74 Defende a teoria social: Johannes Wessels, Eberhardt Schmidt, Engisch Jescheck, Maihofer,

Mezger, R. Lange, Oehler, E. A. Wolf, Sabatini, Petrocelli, C.Fiore, Soler e, entre nós, Miguel Reale Júnior, Nilo Batista e Evandro da Cunha Luna.

75 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.85. 76 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 233.

19

Esta teoria, como a causal propriamente dita, dá importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Se a ação é a causação de um resultado sociamente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, já que o resultado é idêntico nos dois casos. A diferença será feita não na ação ou no fato típico, mas no terreno da culpabilidade.

Quanto a essa teoria Vicente de Paula Rodrigues Maggio77

acentua que há criticas em relação na dificuldade de se conceituar

adequadamente a relevância social da ação, tornado imprecisos os limites da

tipicidade e da antijuridicidade.

João José Leal78 comenta que “a ação passou a ser definida

como sendo conduta sociamente relevante, dominada ou dominável pela vontade

humana”.

Para tal conceito Johannes Wessels79 leciona que:

Oferece a possibilidade de compreender o conteúdo de sentido social do acontecimento, em seu integral significado objeto, sob a consideração do fim subjetivo do autor e da expectativa normativa de conduta da comunidade jurídica.

Conclui o ensinamento João José Leal dizendo que a

relevância social encontra fortes resistências na doutrina, porque seu significado é

amplo, e é matéria própria do juízo de adequação típica da conduta e ali deve ser

tratada80.

Como visto, a teoria social tem como relevante a conduta

voluntária que produza um resultado previsto em lei de relevância social. Porém,

a teoria da desvalor importância ao resultado, não há diferença entre homicídio

77 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.86. 78 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 211. 79 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 211. 80 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 211.

20

dolo e culposo, o que difere não é ação do fato típico, mas da análise da

culpabilidade.

1.2.2 Resultado

Para que exista o crime não basta a conduta. O resultado é

o segundo elemento do fato típico.

Damásio de Jesus81 conceitua o resultado como “a

modificação do mundo exterior provocada pelo comportamento humano voluntário

[...] pode ser físico (dano, por exemplo), fisiológico (lesão, morte) ou psicológico (o

temor no crime de ameaça, o sentimento do ofendido na injuria etc)”.

Existem duas teorias que tratam do assunto, uma entende

que há crime sem e outra que não há crime sem resultado, que se passa expor.

1.2.2.1 Teoria naturalística

Conforme Damásio de Jesus82 segundo a concepção

naturalística “resultado é a modificação do mundo externo causada por um

comportamento humano. O conceito resulta da relação entre a conduta e a

modificação, prescindindo-se de sua análise em face da norma jurídica”.

Para os naturalistas há crime sem resultado, o que não se

confunde com interesse tutelado pela norma, por haver delitos que o

comportamento do agente não cause modificação no mundo externo.

Para Heleno Cláudio Fragoso83 é “efeito natural da ação que

configura a conduta típica, ou seja, o fato tipicamente relevante produzido no

mundo exterior pelo movimento corpóreo do agente e a ele ligado por relação de

causalidade”.

Quanto à existência de resultado naturalístico os crimes

podem ser materiais, formais ou de mera conduta. Como acentua Julio Fabbrini

81 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 243. 82 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 244. 83 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral, 1990, p.170.

21

Mirabete84, no crime material há necessidade de resultado externo a ação,

descrito na lei que se destaca lógica e cronologicamente da conduta (homicídio =

morte); o crime formal, não há necessidade daquilo que é pretendido pelo agente,

e o resultado previsto no tipo ocorre no mesmo tempo em que se desenrola a

conduta (injúria – é suficiente que o ofendido fique sabendo); nos crimes de mera

conduta, contenta-se com a ação ou omissão do agente, não sendo relevante o

resultado material, havendo uma ofensa presumida pela lei diante da prática da

conduta (ato obsceno).

1.2.2.2 Teoria jurídica ou normativa

De acordo com concepção jurídica Damásio de Jesus85, “o

resultado da conduta é a lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela

norma penal (afetação jurídica)”.

Para os normativistas o resultado é elemento do delito, para

tanto que não há crime sem resultado:

Todo crime produz um dano (real, efetivo), ou um perigo de dano

(relevante possibilidade de dano, dano potencial), isto é, cria uma

alteração do mundo externo que afeta a existência ou a

segurança do bem ou do interesse que a lei protege com a ultima

ratio da sanção penal86.

Para os normativistas todo crime possui resultado, mesmo

os de mera conduta, havendo nestes uma coincidência temporal e espacial entre

a ação e o evento. Por isso entende Giuseppe Maggiore87 em consideração aos

artigos 40 e 43 do Código Rocco, nos quais fala de resultado do que depende a

existência de crime em conformidade com a seguinte colocação;

Es perentoria y vale para todo delito. Y es también significativa la calificación de cualquer resultado como ‘ dañoso o peligroso’. Esta determinación quiere decir que la conducta criminosa es

84 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.134. 85 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 244. 86 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1. tomo II. p.13. 87 Apud. JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 245.

22

importante en ésta algun acontecimiento que ofende (daño o peligro) el orden jurídico.

Em síntese na visão dos normativistas não existe crime sem

um resultado, que para toda ação ou omissão penalmente relevante corresponde

um eventus periculi, embora, às vezes, não seja perceptível pelos sentidos 88.

Ensina Julio Fabbrini Mirabete 89 que nem sempre o crime

modifica o mundo exterior é o caso da injúria oral, no ato obsceno, na violação de

domicílio, mas depende de resultado por isso entende que:

Deve-se buscar um conceito jurídico ou normativo de resultado, evitando-se a incompatibilidade absoluta entre os dispositivos que descrevem comportamentos que não provocam a modificação no mundo exterior e o disposto no art.13. Assim, resultado deve ser entendido como lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma pena. Como todos os crimes ocasionam lesão ou, ao menos, perigo ao bem jurídico tutelado harmonizam-se aos dispositivos legais.

Para esta teoria não há crime sem resultado, até mesmo os

crimes de mera conduta, nem sempre o crime modifica o mundo exterior, mas de

alguma forma lesa um bem penalmente protegido.

O resultado neste caso é entendido com lesão ou perigo de

lesão de interesse protegido pela norma penal.

1.2.3 Nexo de Causalidade

A relação de causalidade é o terceiro elemento do fato

típico, como acentua Vicente de Paula Rodrigues Maggio90: “é o nexo causal

entre o comportamento humano (conduta) e a modificação do mundo exterior

(resultado)”.

88 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1.tomo II. p.13. 89 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.110. 90 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.89.

23

Acentua Julio Frabbini Mirabete91 “que o conceito de causa

não é jurídico, mas da natureza; é a conexão, a ligação que existe numa

sucessão de acontecimentos que pode ser entendida pelo homem”.

Heleno Cláudio Fragoso92 diz que “para que se possa

reconhecer se a condição é causa do resultado, utiliza-se o processo hipotético

de eliminação, segundo o qual causa é todo antecedente que não pode ser

suprimido in mente sem afetar o resultado”.

E para entender causa no sentido jurídico penal, foram

elaboradas teorias, quais são: a da causalidade adequada (causa é a condição

mais adequada para produzir o resultado); a da eficiência (é a condição mais

eficaz na produção do evento); a da relevância jurídica (é tudo que concorre para

o evento ajustado à figura penal ou adequado ao tipo) etc93.

O Código Penal, no artigo 13, segunda parte, adotou a teoria

da equivalência dos antecedentes causais, ou da conditio sine qua non,

considerando como causa toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria

ocorrido94.

Damásio de Jesus95 ensina, com um exemplo, como

acontece o nexo de causalidade:

A mata B golpes de faca. Há o comportamento humano (atos de desferir facadas) e o resultado (morte). O primeiro é a causa; o segundo, o efeito. Entre um e o outro há uma relação de

causalidade, a vítima faleceu em conseqüências dos ferimentos produzidos pelos golpes de faca.

91 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.111. 92 Apud. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.111. 93 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.111. 94 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.247. 95 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.247.

24

E conclui que somente após apreciar a existência do fato

típico, no qual se inclui o nexo causal entre a conduta e o evento, é que fará juízo

de valor sobre a ilicitude e a culpabilidade.

Explica Vicente de Paula Rodrigues Maggio96.

É predominante na doutrina o entendimento de que inexiste nexo causal entre a omissão e o resultado, mas simples avaliação

normativa. Desta forma, o agente acaba punido não por causa do resultado, mas por não ter procurado evitá-lo. [...] A relação de causalidade não é eliminada pela existência de uma concausa (preexistente, concomitante ou superveniente). A concausa é outra causa que, ligada a primeira, concorre para o resultado. Assim a possibilidade da existência de causas concorrentes para o resultado, preexistentes ou concomitantes com a do agente, nunca exclui a imputação, já que há rompimento da cadeia causal entre a conduta dele e resultado.

Vicente de Paula Rodrigues Maggio97exemplifica o porquê

de seu posicionamento:

A, ferido por B, socorrido rapidamente, vem a falecer no hospital, num incêndio ali ocorrido, ou por complicações na cirurgia. Na primeira hipótese (morte no incêndio) exclui a imputação a B, por que este fator não está na linha natural de desdobramento físico do fato por ele praticado, ou seja, o incêndio não é decorrência natural do ferimento. Na segunda hipótese (complicações da cirurgia) a morte relaciona-se diretamente com o ferimento, em cujo tratamento ocorreu a complicação.

1.2.4 Tipicidade

A tipicidade, na definição de Vicente de Paula Rodrigues

Maggio98, e o quarto e último elemento do fato típico. “Consiste na

correspondência exata, na adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a

96 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.89. 97 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.89. 98 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.90.

25

descrição contida na lei. Onde não há tipicidade não há crime”. Em que deve

abranger tanto o aspecto objetivo do fato típico com seu aspecto subjetivo.

Primeiramente vale dizer que a existência do crime é feita

com base no fato típico e não na conduta humana, conforme José Frederico

Marques99, “que só depois da ação ou omissão é enquadrada no preceito primário

de norma penal incriminadora, caberá indagar-se da licitude do acontecimento ou

fato assim tipificado”. Porque o autor entende que a conclusão de que o juízo de

valor tem como objeto o próprio fato típico.

Ainda o autor acima referido coloca que a tipicidade é quem

imprime “relevância penal à conduta de que decorre o evento (ou à conduta pura

simplesmente em delitos e resultados), e lhe dá o caráter de ação punível”. Em

síntese a tipificação no modelo legal, o fato voluntário seria indiferente à norma

penal, porque não aparecia o fato produtor dos efeitos da norma. Concluindo que

“por ser típico é que o fato pode produzir efeitos jurídico-penais, pois não há pena

sem o antecedente da descrição legal em que subsume a conduta humana”.

Eugênio Raúl Zaffaroni100 conceitua tipicidade como sendo

“a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo

penal, ou seja, individualizada como proibida por um tipo penal”.

Ainda reconhece-se na doutrina que a tipicidade tem duas

funções, conforme fala Julio Fabbrini Mirabete. A primeira a de garantia que

aperfeiçoa e sustenta o princípio da legalidade do crime, a segunda é a de indicar

a antijuridicidade e sua contrariedade ao ordenamento jurídico101.

A tipicidade é o indício da antijuridicidade do fato.

Nem sempre a adequação do fato típico penal se opera de

forma direta, sendo necessário à tipificação que se complete o tipo penal com

99 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p. 39-40. 100 ZAFFARONI, Raul Eugênio; PIERANGEL, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro –

Parte Geral. 6 ed. São Paulo: RT,2006.p. 382. 101 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.115.

26

outras normas contida na parte geral dos códigos. Exemplo é o artigo 14, II e 29

do Código Penal, chamada de tipificação indireta.

Ensina Nelson Hungria102, que:

O fato elementar do crime deve corresponder fielmente a descrição contida no preceito legal incriminador (considerado em si mesmo ou em conexão com a regra geral sobre a tentativa). A esse caráter do fato chama-se tipicidade. Dizer que não há crime sem tipicidade é repetir o nullum crimen sine lege; mas pode que um fato, apesar de sua correspondência formal com um tipo de crime, ou fato contrario ao direito, de modo que é justificável.

Se o indivíduo mata outro em legítima defesa ou em estado

de necessidade, realiza formalmente o crime de homicídio e, no entanto, comete

um fato que se apresenta, ab initio, objetivamente ilícito ou secundum jus103.

Portanto, o crime além de ser típico, deve ser contrário ao

Direito, ou seja, estar positivamente em contradição com a ordem jurídica.

1.3 ANTIJURIDICIDADE

A antijuridicidade, conforme Romeu Falconi104, é entendido

como ilicitude, expressão que deriva das Escolas Italianas e Alemãs, que acabou

sendo empregada na reforma penal de 1984.

Vê-se no posicionamento de José Frederico Marques105:

A antijuridicidade deve ser entendida como relação abstrata de antagonismo entre o fato típico e a ordem jurídica em sua integridade. Se a conduta incriminadora estive prevista como punível, num dos textos da lei penal, pode, todavia, não existir delito, uma vez que o próprio direito penal exclua a ilicitude do fato (art.23 I e II), ou preceitos de outra categoria normativa do direito tornem legítima a ação ou omissão.

102 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1, tomo.II, p.20-21. 103 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1, tomo II, p.21. 104 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 2002, p.152. 105 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p. 10.

27

Leciona Damásio de Jesus106 que antijuridicidade é:

A relação de contrariedade entre fato típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita [...] é antijurídico quando não declarado lícito por causas de exclusão da antijuridicidade.

Já na visão de Vicente de Paula Rodrigues Maggio107: “a

contrariedade entre a conduta e o ordenamento jurídico, consistindo na prática de

uma ação ou uma omissão ilegal. É um juízo de desvalor que recai sobre a

conduta típica. Fato ilícito ou antijurídico é aquele que não está autorizado pelo

Direito”.

Mas diante desta premissa existem causas que podem

retirar a ilicitude do tipo, o que caracteriza a exclusão da antijuridicidade, a

exemplo, matar alguém em legítima defesa.

Na visão de Julio Fabbrini Mirabete108 a antijuridicidade “é a

contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico. O fato típico, até prova

em contrário, é um fato que, ajustando-se ao tipo penal, é antijurídico”.

Ainda, Hans Welzel, entende que antijuridicidade “é um juízo

de desvalor que recai sobre a conduta típica, no sentido de que assim o considera

o ordenamento jurídico109”.

No entendimento de José Geraldo da Silva110:

O fato, para ser considerado crime, além de típico, deve ser antijurídico, ou seja, contrário ao direito. Desta forma, nem todo fato típico será também antijurídico, pois o agente poderá ter praticado um fato típico, mas acobertado por uma causa excludente de antijuridicidade, ou de ilicitude, elencada no art.23,

106 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 154. 107 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.143-144. 108 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.173. 109 Apud. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.173. 110 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.147.

28

do CP, a saber: o estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, e exercício regular de direito.

1.4 CULPABILIDADE

No entendimento de Damásio de Jesus111 culpabilidade é

“reprovação da ordem jurídica em face de estar ligando o homem a um fato típico

e antijurídico”.

No ensinamento de Vicente de Paula Rodrigues Maggio112 a

culpabilidade “é a reprovabilidade da conduta típica e antijurídica, é o juízo de

censura ou de desvalor a respeito da conduta do autor do fato típico e

antijurídico”.

Na visão de Nelson Hungria113:

Para o reconhecimento de crime, com fato punível, não bastam a tipicidade e a injuridicidade: é necessário que haja uma relação subjetiva ou de causalidade psíquica vinculando o fato do agente (culpabilidade, culpa sensu lato). Cumpre que o fato seja culpado. Nulla poena sine culpa. O agente deve ter querido livremente a ação ou omissão e o resultado (dolo), ou, pelo menos, a ação ou omissão (culpa stricto sensu). [...] A culpabilidade tem como pressuposto capacidade de direito penal (responsabilidade,

imputabilidade penal), isto é, a capacidade de autodeterminação e de entendimento ético-jurídico, referida ao homo medius. Excluída a responsabilidade penal do agente, não há falar-se em culpabilidade.

Por fim, para que se considere um fato punível, não basta o

vínculo causal objetivo entre a ação (ou omissão) e o resultado, nem seu

enquadramento formal num artigo, necessário a culpabilidade do agente, isto é,

que tenha havido uma vontade a exercer-se livre e conscientemente, para o

resultado antijurídico ou apesar da representada probabilidade que este

111 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 155. 112 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.156. 113 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1, tomo II. p.25.

29

ocorresse, ou que pelo menos, revele, ainda que sem previsão do resultado,

inescusável advertência114.

1.4.1 Teoria psicológica

Para está teoria a culpabilidade na visão de Vicente de

Paula Rodrigues Maggio115:

É a relação psíquica do agente com o fato, na forma de dolo ou de culpa, que são as duas espécies da culpabilidade. Com efeito a culpabilidade confunde-se com o dolo e a culpa, que tem como pressuposto a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa.

Ensina Julio Fabbrini Mirabete116, que dos elementos doloso

e culposo chega-se à teoria psicológica da culpabilidade em que; “a culpabilidade

reside numa ligação de natureza psíquica (psicológica, anímica) entre o sujeito e

o fato criminoso. Dolo e culpa, assim, seriam formas da culpabilidade”.

Essa teoria conforme ensina Damásio de Jesus117:

A culpabilidade reside na relação psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito diante do fato cometido. Compreende o estudo do dolo e da culpa, que são suas espécies. [...] tendo por fundamento a teoria causal ou naturalista da ação. O dolo é caracterizado pela intenção (ou assunção do risco) de o agente produzir o resultado; a culpa, pela inexistência dessa intenção ou assunção do risco de produzi-lo.

O autor entende que o erro desta doutrina é reunir espécies

completamente diferentes, dolo e culpa. “Não se pode dizer que entre ambos o

ponto de identidade seja a relação psíquica entre o autor e o resultado, uma vez

que na culpa não há esse liame, salvo a culpa consciente”118.

114 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1, tomo II. p.112. 115 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.155. 116 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.195. 117 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.460. 118 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.460.

30

1.4.2 Teoria psicológico-normativa

Ensina Vicente de Paula Rodrigues Maggio119, quando trata

desta teoria que:

O dolo e a culpa deixam de ser espécies da culpabilidade e passam, efetivamente, a ser elementos integrantes desta, ao lado da imputabilidade, da consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa, elementos necessários para a conduta seja considerada reprovável, caso contrário, não há crime.

Em ensinamento colhido de Julio Fabbrini Mirabete pode-se

entender que a teoria anterior não era suficiente para falar em culpabilidade, por

isso formulou-se a teoria psicológico-normativa que além dos elementos doloso e

culposo era necessário estar presente também a reprovabilidade, conforme

citação do autor:

A culpabilidade exige o dolo e a culpa, que são elementos psicológicos presentes no autor, a reprovabilidade, de um juízo de valor sobre o fato, considerando-se que essa censurabilidade somente existe se há no agente a consciência da ilicitude da sua conduta ou, ao menos, que tenha ele a possibilidade desse conhecimento120.

Instrui Damásio de Jesus121 que a teoria residia no sentido

de que:

A culpabilidade não é um liame psicológico entre o autor e o fato, ou entre o agente e o resultado, mas sim um juízo de valoração a respeito de um fato doloso (psicológico) ou culposo (normativo). Diante disso, dolo e culpa não podem ser considerados espécies da culpabilidade, mas sim elementos. E a culpabilidade é psicológico-normativa: contém o dolo como elemento psicológico e a exigibilidade como fator normativo.

119 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.155. 120 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.196. 121 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.461.

31

O autor acentua que se encontram defeitos nesta teoria, pois

continua entendendo que o dolo é um fator psicológico que sofre um juízo de

valoração, por isso, não pode estar na culpabilidade. Devendo estar fora dela

para sofrer a incidência do juízo de censurabilidade122.

Para Reinnhart Maurach123: “se diz ‘a culpabilidade é uma

censura’, faz-se um juízo de valoração em relação ao delinqüente. Em

conseqüência, a culpabilidade deve ser um fenômeno normativo”.

Em suma a concepção psicológico-normativa adotada pelo

Código Penal em sua redação original expressava na exposição de motivos no

item 13: “No tocante a culpabilidade (ou elemento subjetivo do crime), o projeto

não outras formas além do dolo e da culpa stricto sensu. Sem pressuposto do

dolo e da culpa stricto sensu, nenhuma pena será irrogada”.

1.4.3 Teoria normativa pura

No que tange o posicionamento de Vicente de Paula

Rodrigues Maggio124 para esta teoria:

O dolo e a culpa migram da culpabilidade para a conduta, que é o primeiro elemento do fato típico. Esta teoria corresponde aos ensinamentos da escola finalista (atualmente adotada por nossa legislação). Com efeito, o conteúdo da culpabilidade fica esvaziado, com a retirada do dolo de da culpa, passando constituir, apenas, o juízo de reprovabilidade da conduta do autor de um fato típico e antijurídico.

Portanto, havendo exclusão de antijuridicidade, o fato típico

deixa de ser antijurídico e não constitui crime. Por exemplo, a legítima defesa.

Através do advento da teoria finalista proposta por Hans

Welzel, passou a ser discutida a validade da teoria psicológica-normativa,

conforme ensina Julio Fabbrini Mirabete: “A ação, como afirmam os finalistas, não

122 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.461. 123 Apud. JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.461. 124 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.155.

32

pode ser desligada do fim do agente, sob pena de se fraturar a realidade do fato

concreto”.

Seguindo neste norte entende o autor:

Não se pode aceitar a teoria psicológica-normativa, pois o dolo não pode ser elemento do fato e elemento da culpabilidade pelo

fato. Chegou-se, assim, à teoria da culpabilidade, ou teoria

normativa pura: o dolo e a culpa pertencem a conduta; os elementos normativos formam todos a culpabilidade, ou seja, a reprovabilidade da conduta.

Ainda, conforme Luiz Régis Prado saliente que Hans

Welzer125 enunciava que a culpabilidade “é reprovabilidade de decisão de

vontade”.

Isto quer dizer: O autor podia adotar em vez de uma resolução de vontade ilícita, tanto dirigida à realização dolosa do tipo como quando não se aplica a direção final mínima exigida, uma decisão ou resolução voluntária conforme a norma. É sempre culpabilidade de vontade, só podendo ser culpável o indivíduo dotado de vontade livre (poder de agir voluntariamente).

Assim, a culpabilidade não se exaure na relação de

“desconformidade substancial entre a ação e o ordenamento jurídico, senão que,

ademais, fundamenta a reprovação pessoal contra o autor, no sentido de que não

omitiu a ação antijurídica quando ainda podia omiti-la”126.

Portanto, partindo deste pressuposto Luis Régis Prado127

ensina é no “juízo de reprovação se assenta sobre a imputabilidade, a

consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta adversa”.

E conforme Julio Fabbrini Mirabete128 para dizer que a

conduta seja reprovável e que há culpabilidade é “necessário que o autor da ação

tivesse podido agir de acordo com a norma, de acordo com o direito”.

125 Apud. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro- Parte Geral. 2006. p. 414. 126 Apud. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro- Parte Geral. 2006. p. 414. 127 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro- Parte Geral. 2006. p. 415.

33

Eugênio Raul Zaffaroni que entende que para saber se o

sujeito que comete a ação antijurídica tem capacidade psíquica de entender

diante de suas condições, a antijuridicidade de sua conduta e de adequar essa

conduta à sua compreensão129.

Alberto Silva Franco considera pela análise feito na lei 7.209,

de 11.7.1984, que “no que tange a culpabilidade, deixou patente que o dolo e a

culpa não participam mais do âmbito do conceito e que a culpabilidade é,

essencialmente, normativa”130.

Portanto, a reforma 1984, da parte geral do Código Penal,

veio a definir que o dolo e a culpa não fazem mais parte do conceito a

culpabilidade.

Assim, conforme a teoria normativa pura, a culpabilidade é a

reprovabilidade de conduta típica e antijurídica. É composta dos seguintes

elementos; a imputabilidade, a consciência da ilicitude e a exigibilidade de

conduta diversa.

No entendimento de Damásio de Jesus131 culpabilidade é

“reprovação da ordem jurídica em face de estar ligando o homem a um fato típico

e antijurídico”.

Por fim, para que se considere um fato punível, não basta o

vínculo causal objetivo entre a ação (ou omissão) e o resultado, nem seu

enquadramento formal num artigo, necessário a culpabilidade do agente, isto é,

que tenha havido uma vontade a exercer-se livre e conscientemente, para o

resultado antijurídico ou apesar da representada probabilidade que este

128 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.197. 129 ZAFFARONI, Raul Eugênio; PIERANGEL, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro –

Parte Geral, 2005, p. 382. 130 Apud. DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2005.p.346. 131 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 150.

34

ocorresse, ou que pelo menos, revele, ainda que sem previsão do resultado,

inescusável advertência132.

Entende José Geraldo da Silva133, não basta que o fato seja

típico e antijurídico é necessária a presença da culpabilidade, o que se caracteriza

com um princípio de imperiosa exigência da consciência jurídica. Por isso a

culpabilidade é composta de três elementos quais são: imputabilidade, potencial

consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Como passaremos a

expor.

1.3.4.1 Imputabilidade

A imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que

dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputado a prática de um

ato punível134.

No entendimento de José Geraldo da Silva, a imputabilidade

pode se conceitua pela aptidão do indivíduo para a prática do ato com

discernimento, ou que seria, condição psicológica135.

Ensina José Geraldo da Silva136:

Sabemos que Deus dotou o homem com livre-arbítrio, podendo o mesmo, destarte, escolher entre o bem e o mal. O homem se tornou um agente moral livre, com capacidade de decidir. A essa capacidade decisória é que se dá o nome de imputabilidade. Não possuindo o homem tal capacidade de discernimento de escolha ou decisão, ele se torna inimputável.

O agente é inimputável quando presente no momento do

crime, nas seguintes causas: a doença mental; desenvolvimento mental

132 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1, tomo II. p.112. 133 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.151. 134 Apud. SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.151. 135 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.151. 136 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.271.

35

incompleto: desenvolvimento mental retardado; embriaguez completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior ou menor de 18 anos.

Para Aníbal Bruno137, define a imputabilidade como

“conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao

agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse

entendimento”.

1.4.3.2 Potencial consciência da ilicitude

Quanto a potencial consciência da ilicitude, “surge quando o

agente conhece, com o esforço de sua consciência, a ilicitude ou a

antijuridicidade de sua conduta”138.

Com fundamento em Reinnhart Maurach, Heleno Cláudio

Fragoso139 entende que:

A consciência da ilicitude é a consciência que o agente deve ter de que atua contrariamente ao direito. Essa consciência, ao menos potencial, é elementar ao juízo de reprovação, ou seja, à culpabilidade. Não pode agir culpavelmente quem supõe, por erro, que atua conforme o direito. A reprovabilidade não depende apenas de ter o agente capacidade genérica de entendimento do caráter ilícito do fato e de determinar-se conforme esse entendimento. É indispensável que, no caso concreto de que se trata, tenha ele reconhecido, ou, pelo menos, tenha podido reconhecer, a ilicitude de seu comportamento.

Portanto, é a capacidade de conhecimento, intelectual,

chamada potencial consciência da antijuridicidade da ilicitude do fato, ou

conhecimento que se agir ilicitamente será reprovável para o direito.

1.4.3.3 Exigibilidade de conduta diversa

A exigibilidade de conduta diversa segundo Damásio de

Jesus é “quando o sujeito comete o fato típico e antijurídico sob coação moral

137 Apud. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro- Parte Geral. 2006. p. 421. 138 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.152. 139 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral, 1990. p.204.

36

irresistível não a culpabilidade em face da inexigibilidade de outra conduta (não é

reprovável o comportamento)”.

Aponta ainda que:

Não é suficiente que o sujeito seja imputável e tenha cometido o fato como possibilidade de lhe conhecer o caráter ilícito, para que surja a reprovação social (culpabilidade)... Exige-se que, nas circunstâncias do fato, tivesse possibilidade de realizar outra conduta, de acordo com o ordenamento jurídico. A conduta só é reprovável quando, podendo o sujeito realizar comportamento diverso, de acordo com a ordem jurídica, realiza outro, proibido140.

Instrui José Geraldo da Silva que:

Somente o fato de ser o agente imputável e cometer o fato com possibilidade de lhe conhecer o caráter ilícito, não é suficiente para dizer que houve juízo de culpabilidade do mesmo. É necessário, ainda, que nas circunstâncias em que se viu envolvido tivesse a possibilidade de realizar uma outra conduta, em consonância com o Direito.

Portanto, a teoria geral do crime, pressupõe o estudo do fato

punível, que se desenrola através da análise de seus conceitos, fato típico,

antijuridicidade e a culpabilidade. Desta premissa, trabalharemos no capítulo

segundo os elementos subjetivos da conduta, a saber, o dolo e culpa.

140 Apud. SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.152.

37

CAPÍTULO 2

DO DOLO E DA CULPA

2.1 DO DOLO

No entendimento de Edilson Mougenot Bonfim e Fernando

Capez141 dolo conceitua-se como sendo “a vontade e a consciência de realizar os

elementos constantes do tipo legal. Mas amplamente, é a vontade manifestada

pela pessoa humana de realizar conduta”.

Ensina Aníbal Bruno142 que:

O dolo é a forma comum e mais grave do elemento subjetivo da culpabilidade. Nele é que se apresentam em sua inteira configuração e eficácia os dois momentos da representação e da vontade, nos seus dois aspectos – o puramente psicológico e o normativo. O dolo, portanto é, a representação e vontade em referência a um fato punível, que o agente pratica sabendo ser o mesmo ilícito.

Define dolo Giuseppe Bettiol143 como “consciência e

voluntariedade do fato conhecido como contrário ao dever”.

Ensina ainda, João José Leal144 que na doutrina moderna:

Descolou o dolo do campo da culpabilidade, atribuindo-lhe a condição de elemento do tipo penal e criando o conceito de dolo

natural, ou seja, um dolo desprovido da consciência da

141 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva,

2004.p.391. 142 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. 5. ed. rev. e atual. por Rafael Cirigliano Filho. Rio

de Janeiro: Forense, 2005. Tomo 2.p. 38. 143 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Trad. Paulo José da Costa Jr. v.2. São Paulo: RT, 1971.

p.105. 144 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2004. p.240.

38

antijuridicidade do fato. A partir desse entendimento, o dolo pode ser definido como a vontade e consciência de realizar os elementos objetivos do tipo penal.

Para Julio Fabbrini Mirabete145 “o dolo é a vontade dirigida à

realização do tipo penal”.

É o entendimento de Hans Welzel146, “dolo é a vontade de

concretizar as características objetivas do tipo”.

No posicionamento de Francisco Muñoz Conde147 o conceito

de dolo “é a consciência e vontade de realizar o tipo objetivo de um delito”.

2.1.1 Teoria da vontade

Explicam Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez que

esta teoria teve como seu principal seguidor Francesco Carrara, onde o “dolo é a

vontade de realizar conduta e produzir o resultado, em outras palavras, dolo é a

vontade de executar ato contrário a lei”148.

E conclui os autores, que “por teorias da vontade

entendemos as diversas variações na história do direito penal lastreadas na

vontade, querer ou intenção do agente”149.

Ensina João José Leal150 que essa teoria da vontade é a que

prevalece:

É entendida está como o querer a realização de um tipo penal representado mentalmente. Quem atua voluntariamente, age com o conhecimento das circunstâncias em que se desenvolve o seu

145 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2005.p.139. 146 Apud. JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 28 ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2005..

p.287. 147 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,1988.

p.57. 148 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.393. 149 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.394. 150 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.241.

39

atuar e, ao mesmo tempo, age querendo a realização do fato típico.

Da mesma forma entende Aníbal Bruno151, que “consciência

e vontade são elementos indispensáveis à constituição do dolo, não se podendo

compreender uma sem a outra na elaboração mental do ato doloso”.

Ensina Julio Fabbrini Mirabete152 que na teoria da vontade

age dolosamente quem “pratica a ação consciente e voluntariamente. É

necessário para sua existência, portanto, a consciência da conduta e do resultado

e que o agente a pratique voluntariamente”.

Explica Damásio de Jesus153 que a para os adeptos desta

teoria, o dolo exige os seguintes requisitos: a) quem realiza o fato deve conhecer

os atos e suas significações; b) o autor deve estar disposto a produzir o resultado.

Conclui o doutrinador que para esta teoria “é preciso que o

agente tenha a representação do fato (consciência do fato) e a vontade de causar

o resultado”154.

Para de Ney Moura Teles155, segundo esta teoria age

dolosamente “quem consegue representar o futuro resultado, quem o prevê e,

simultaneamente, deseja alcançá-lo. Dolo é, portanto, previsão do resultado e, a

um só tempo, vontade de alcançá-lo. Dolo é consciência (previsão) e vontade”.

2.1.2 Teoria da representação

Essa teoria surgiu na Alemanha com Reinhard Frank como

um dos principais sistematizadores. Para ele, “o dolo vem a ser representação

dos resultados do ato”156.

151 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005 . Tomo II, p. 43. 152 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.139. 153 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.287. 154 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.288. 155 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 2.ed. v.1. São Paulo: Atlas, 1998. p.161. 156 Apud. BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.394.

40

Posteriormente Softer e Lilienthal filiaram-se à teoria. Deste

modo dolo é:

A vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, desejá-lo. O fato é o espelho da

vontade, sustentou Schopennhauer, para quem o ato de vontade e o movimento corpóreo correspondentes são uma só e idêntica coisa157.

Von Liszt recepcionou a teoria, que lhe deu contornos e

características particulares, pretendendo que houvesse a presença do elemento

volitivo (vontade) além da representação. Afirmava ele, que no caso de dolo

eventual estaria incompleta a teoria de mera representação, necessitando que

para sua intenção o resultado fosse desejado. Teoria esta que baseou-se no

princípio determinista da causalidade universal, sendo o dolo a representação da

importância do ato voluntário como causa, o agente vê no resultado um efeito de

sua ação. Basta que o agente represente a possibilidade do resultado para a

conduta ser qualificada como dolosa158.

Julio Fabbrini Mirabete159 disserta acerca da teoria da

representação:

O dolo é a simples previsão do resultado. [..] argumenta-se contudo, que a simples previsão do resultado, sem vontade efetivamente exercida na ação, nada representa e que, além disso, quem tem vontade de causar o resultado evidentemente tem a representação deste.

Segundo Damásio de Jesus160, para esta teoria “o dolo é a

previsão do resultado. É suficiente que o resultado seja previsto pelo sujeito”.

157 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.394. 158 Apud. BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.394. 159 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.139. 160 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.288.

41

Ney Moura Teles161 entende que para esta teoria “não é

necessário que o agente tenha vontade de produzir o resultado, basta que o

tenha previsto. Dolo seria a representação do resultado”.

2.1.3 Teoria do assentimento ou consentimento

É o posicionamento de Claus V. Roxin162: “Dolo é o

assentimento do resultado, isto é, a previsão do resultado com a aceitação dos

riscos de produzi-los. Não basta, portanto, representar; é preciso aceitar como

indiferente a produção do resultado”.

Já na teoria do assentimento Julio Fabbrini Mirabete163

ensina:

Faz parte do dolo a previsão do resultado a que o agente adere, não sendo necessário que ele o queira. Para a teoria em apreço, portanto, existe dolo simplesmente quando o agente consente em causar o resultado ao praticar a conduta.

Conclui-se que as teorias adotadas pelo Código Penal, no

artigo 18, inciso I, foram às teorias da vontade e do assentimento, onde o dolo é a

vontade de realizar o resultado ou a aceitação do risco de produzi-lo164.

Por isso, foi adotada a teoria da vontade quanto ao dolo

direto e a teoria do assentimento ao conceituar o dolo eventual165.

Quanto a teria do assentimento, explica Damásio de

Jesus166: “requer previsão ou representação do resultado como certo, provável ou

possível, não exigindo que o sujeito queira produzi-lo. É suficiente seu

assentimento”.

161 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.162. 162 Apud. BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.394. 163 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.139. 164 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.395. 165 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.139. 166 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.288.

42

No entendimento de Damásio de Jesus a teoria aceita é a

teoria da vontade, por entender que o dolo não é simples representação do

resultado, o que constitui um simples acontecimento psicológico. “Exige

representação e vontade, sendo que esta pressupõe aquela, pois o querer não se

movimenta sem representação do que se deseja”167.

Para Ney Moura Teles168, na teoria do assentimento a

conduta dolosa é “a conduta de quem, prevendo o resultado, não o deseja, mas

dá seu assentimento, se o resultado, eventualmente, acontecer”.

2.1.4 Elementos do dolo

Os elementos do dolo conforme Edilson Mougenot Bonfim e

Fernando Capez169 são a “consciência (conhecimento do fato que constitui a ação

típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato)”.

Ainda, na visão de Aníbal Bruno170:

No dolo, devem reunir-se os dois momentos, da consciência e da vontade: a) consciência do ato e do resultado; b) consciência da relação causal entre ambos, isto é, da relação que prende o resultado como efeito ao ato como sua causa; c) consciência da ilicitude do comportamento do agente; e, finalmente, d) vontade de praticar o ato e alcançar o resultado.

Na visão dos adeptos da teoria finalista, a qual o Código

Penal adotou:

O dolo pertence à ação típica, constituindo seu aspecto subjetivo, ao passo que a consciência da ilicitude pertence a estrutura da culpabilidade, como um dos elementos necessários à formulação do juízo de reprovação. Portanto dolo e a potencial consciência da

167 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.288. 168 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.162. 169 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.393. 170 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005 . Tomo II, p. 41.

43

ilicitude são elementos que não se fundem em um só, pois cada um pertence a estrutura diversas171.

Quanto a abrangência do dolo, explica Edilson Mougenot

Bonfim e Fernando Capez172:

A consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base a sua decisão de praticá-la.

Conforme ensinamento de João José Leal173:

O dolo, de acordo com entendimento generalizado na doutrina, apresenta dois componentes subjetivos um inteletivo e outro volitivo. O primeiro constitui a representação ou a consciência do fato: o agente deve ter conhecimento da conduta, do resultado (para os crimes de ação e resultado) e da relação causal entre uma e outro. Consciência da conduta típica significa conhecê-la em todos os elementos descritivos, normativos e subjetivos especiais contidos no tipo [...] Agir dolosamente significa também que o agente quer a conduta e o resultado daí decorrente. Este querer exteriorizado de modo objetivo é que constitui o elemento volitivo do dolo.

Portanto, o elemento inteletivo consiste na consciência da

conduta e do resultado, além da relação causal entre uma e outro, já no elemento

volitivo consiste na vontade de praticar tanto a conduta quanto o resultado174.

Para Julio Fabbrini Mirabete175 são elementos do dolo, “a

consciência (conhecimento do fato – que constitui ação típica) e a vontade

(elemento volitivo de realizar esse fato)”.

171 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.393. 172 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.393. 173 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.241-242. 174 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.242. 175 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.140.

44

Ensina Hans-Heinrich Jescheck176:

A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros me especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base a sua decisão em praticá-la.

Preleciona Damásio de Jesus177 para configurar os

elementos do dolo:

É necessário que o agente tenha consciência do comportamento positivo ou negativo que esta realizando e do resultado típico. Em segundo lugar é preciso que sua mente perceba que da conduta pode derivar o resultado, que há ligação de causa e efeito entre eles. Por último, o dolo requer vontade de concretizar o comportamento e causar o resultado.

Ney Moura Teles178 leciona que o dolo deve ser consciência

do fato e a vontade de produzir o resultado. E se posiciona da seguinte forma:

Um porque o deseja, ou outro porque o aceita. As duas atitudes internas devem ser consideradas, igualmente, dolosas. Nenhum deles evita a conduta que o pode gerar, porque não está preocupado com a possibilidade da lesão. E as duas condutas provocam a lesão. A diferença entre querer e apenas aceitar não é suficiente para impor tratamento, deferente às duas condutas.

E desta forma, conclui o autor que “é dolosa a conduta

quando o agente ‘quis o resultado’ e também quando, mesmo sem querê-lo, o

agente ‘assume o risco’ de sua produção, o que significa ‘aceita-o, se ele ocorrer”.

2.1.5 Da espécie do dolo

Ensina Damásio de Jesus179 que:

176 Apud. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.140. 177 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.288. 178 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.163.

45

Embora o dolo conceitualmente seja o mesmo em todos os crimes, varia a sua forma de expressão de acordo com os elementos da figura típica. Assim, o dolo do homicídio não é igual ao do furto, uma vez que as elementares dos tipos são diferentes e se exige que esse elemento subjetivo abranja todos os componentes da figura típica.

Portanto, por força do artigo 18, inciso I, do Código Penal,

em que trata da forma dolosa, a doutrina costumeiramente apresenta várias

espécies de dolo como será visto a seguir.

2.1.5.1 Dolo natural

Para Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez180:

É o dolo concebido como elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Trata-se de simples querer, independente de o objeto da vontade ser lícito ou ilícito, certo ou errado. Esse dolo compõe-se apenas de consciência e vontade, sem que haja também a consciência de que o fato práticado é ilícito, injusto ou errado.

Esta espécie de dolo foi concebida pela teoria finalista da

ação, haja vista que “integra a conduta e, por conseguinte, o fato típico. Não é

elemento da culpabilidade, nem tem a consciência da ilicitude como seu

componente”181.

Para Damásio de Jesus182 o dolo natural “é a simples

vontade de fazer alguma coisa, não contendo a consciência da ilicitude. [...] para

nós, o dolo é sempre natural”.

2.1.5.2 Dolo normativo

Já o dolo normativo tratado por Edilson Mougenot Bonfim e

Fernando Capez183:

179 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.290. 180 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.395. 181 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.395. 182 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral: Parte geral. 2005. p.295.

46

É o dolo da teoria clássica, ou seja, a teoria naturalista ou causal. Em vez de constituir elemento da conduta, é considerado requisito da culpabilidade e possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude.

No dolo normativo o elemento puramente psicológico deixa

para ser um fenômeno normativo, que exige juízo de valoração. No

posicionamento dos autores citados, entendem que essa corrente que defende o

dolo normativo está ultrapassada. Por entenderem que a consciência da ilicitude

não é componente do dolo, mas elemento autônomo que integra a culpabilidade.

Que o dolo é integrado por consciência e vontade sendo fenômeno puramente

psicológicos e pertencentes a conduta, devendo ser analisado desde logo,

quando da aferição do fato típico184.

Quanto ao dolo normativo leciona Damásio de Jesus185: “é o

que porta a consciência da antijuridicidade (doutrina clássica)”.

2.1.5.3 Dolo direto

Conceitua Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez186

que dolo direto “é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado (teoria da

vontade). Ocorre quando o agente quer diretamente o resultado”.

No posicionamento de José Frederico Marques,187 “diz-se

direto o dolo quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à

intenção e à vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da

vontade se coadunam com o resultado do fato praticado”.

O dolo direto nos ensinamentos de João José Leal188:

183 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.395. 184 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.395-396. 185 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.294. 186 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.396. 187 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, Campinas: Millennium. 2002. vol. II.

p.228. 188 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.242.

47

Consiste na intenção diretamente manifesta de realizar um evento certo e determinado [...] no dolo direto ou determinado, o agente atua querendo como certa a realização de um determinado tipo penal, que deve corresponder plenamente ao fato desejado pelo agente.

Instrui Johannes Wessels189 que:

Há intenção (como forma mais intensa do dolo direto), quando o autor tem vontade de produzir diretamente o resultado típico e de realizar as circunstâncias para as quais a lei pressupõe um atuar intencional.

Preleciona Damásio de Jesus190 que “no dolo direto, o

sujeito visa a certo e determinado resultado. Ex.: o agente desfere golpes de faca

na vítima com intenção de matá-la. O dolo se projeta de forma direta no resultado

morte”.

Paulo José da Costa Junior191 leciona que “dolo determinado

é a forma mais intensa dentre as varias modalidade existentes. Nele, o evento

corresponde a previsão e a vontade. O agente prévio e fez o que desejava”.

Ensina Aníbal Bruno192:

Uma divisão tradicional distingue-o em dolo direito e dolo indireto.

O chamado dolo direito é o dolo propriamente dito, aquela forma em que concorrem a previsão e a vontade. Segundo a intensidade do querer em relação ao resultado, divide-se o dolo direto em dolo

determinado e dolo indeterminado. Determinado diz-se o dolo em que o resultado corresponde perfeitamente à previsão e a vontade. No dolo indeterminado, o querer do agente se degrada, não é tão definido em relação ao resultado como no determinado.

Para Ney Moura Teles193 ”o dolo direto, ou determinado, é

aquele em que o sujeito busca alcançar um resultado determinado”.

189 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004. p.243. 190 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.290. 191 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva. vol. I. 1992. p.85. 192 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005 . Tomo II. p. 45.

48

2.1.5.4 Dolo indireto = alternativo e eventual

É o posicionamento de Edilson Mougenot Bonfim e

Fernando Capez194: “o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a

possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou

aquele resultado (dolo alternativo)”.

Na visão de Magalhães Noronha:195

É indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao contrário do que sucede com o dolo direto. Comporta duas formas: alternativo e o eventual. Dá-se o primeiro quando o agente deseja qualquer um dos eventos possíveis. Por exemplo: a namorada ciumenta surpreende seu amado conversando com outra e, revoltada, joga uma granada no casal, querendo matá-los ou feri-los. Ela quer produzir um resultado e não “o” resultado. No dolo eventual, conforme já dissemos, o sujeito prevê o resultado e embora não queira propriamente atingi-lo, pouco se importa com a sua ocorrência (“eu não quero, mas, se acontecer, para mim tudo bem, não é por causa desse risco que vou parar de praticar minha conduta – não quero, mas também não me importo com sua ocorrência”). É o caso do motorista que conduz em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo prevendo que pode perder o controle do veículo, atropelar e matar alguém, não se importa, pois é melhor correr esse risco do que interromper o prazer de dirigir (“não quero, mas se acontecer, tanto faz”).

Segundo explica Edílson Mougenot e Fernando Capez196,

observa-se que age com dolo eventual o agente que na dúvida arrisca-se em

concretizá-lo. É o exemplo, “agente que pratica ato libidinoso com jovem na

dúvida a respeito de um dos elementos do tipo, arrisca-se em concretizá-lo”.

193 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.164. 194 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004. p.396. 195 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Parte Geral. 30. ed. v.1. São Paulo: Saraiva,

1983. p.135. 196 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.397.

49

João José Leal197 entende que não se pode dividir dolo

eventual e alternativo por ser praticamente impossível distingui-los. E entende que

o dolo “ocorre quando o agente, embora não desejando diretamente o resultado,

considera seriamente provável que sua conduta poderá realizar o tipo penal

previsto e concorda com sua possibilidade”.

A jurisprudência aponta alguns casos de dolo eventual,

quando o agente prevendo a morte como possível, “não renuncia à sua conduta“,

não bastando “assumir o risco de produzir o resultado198” sendo necessário que

“tenha consentido com resultado”199.

Ensina Damásio de Jesus200 que “há dolo indireto quando a

vontade do sujeito não se dirige a certo e determinado resultado”.

Na visão de Ney Moura Teles201 ”o dolo indireto ou

indeterminado, quando a vontade do agente não se dirige a um resultado certo,

preciso, determinado”.

Como já visto, o dolo indireto divide-se em dolo alternativo e

dolo eventual.

Damásio de Jesus202 fala sobre ambos. Primeiramente que:

“O dolo alternativo quando a vontade do sujeito se dirige a um ou outro resultado.

Ex.: o agente desfere golpes de faca na vítima com intenção alternativa: ferir ou

matar”. E quanto a figura do dolo eventual entende que se concretiza quando:

O sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não que o evento), mas sim a conduta, prevendo que esta pode produzir aquele.

197 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.243. 198 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.243. 199 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.243. 200 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.290. 201 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.164. 202 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.290.

50

Ensina Paulo José da Costa Junior203:

O dolo indeterminado poderá ser alternativo, cumulativo ou eventual. No dolo alternativo o agente quer, indiferentemente, um evento ou outro (matar ou ferir). No dolo cumulativo, o agente pretende a realização de dois resultados (matar e ferir). No dolo eventual, previsto na parte final do art.18, I, do CP, o agente assume o risco da realização do evento. Ao representar mentalmente o evento, o autor aquiesce tendo uma antevisão duvidosa de sua realização. Ao prever como possível a realização do evento, não se detém. Age, mesmo à custa de produzir o evento previsto como possível. Assume o risco, que algo mais do que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso esse venha a ocorrer. Integram ao dolo eventual: a representação do resultado como possível e a anuência do agente à verificação do evento assumindo o risco de produzi-lo.

Aníbal Bruno204 preleciona:

O dolo indeterminado compreende o dolo eventual e o dolo alternativo. No dolo eventual, o agente não quer propriamente o resultado, mas admite e aceita o risco de produzi-lo. No alternativo, o agente quer um ou outro entre dois ou mais resultados previstos, quer ferir ou matar.

É ensinamento de José Geraldo da Silva205 que no dolo

eventual, embora o agente não queira o resultado, tolera, todavia, a produção do

mesmo, assumindo o risco. O evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou

não.

Ainda, José Geraldo da Silva206exemplifica a figura do dolo

eventual: “José joga uma pedra na janela da casa de Pedro, com o intuito de

danificá-la, prevendo que a pedra possa atingir e ferir o morador da casa,

aquiescendo nisso”.

203 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. vol. I. 1992. p.85. 204 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005 . Tomo II. p. 46. 205 SILVA, José Geraldo da. Teoria do crime. V.1. Campinas, São Paulo: Bookseller, 1999. p.206. 206 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.199.

51

A acerca da figura do dolo eventual ensina Edmundo José

de Bastos Junior207 que o fato de ”assumir o risco é alguma coisa mais que ter

consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso venha

este, realmente, a ocorrer”.

Ney Moura Teles208 leciona:

O dolo indireto pode ser alternativo, quando o sujeito quer um ou outro resultado. [...] a outra espécie de dolo indireto é o eventual, em que o agente não deseja o resultado previsto, mas aceita, se ele, eventualmente acontecer. Ocorre quando o agente, mesmo não querendo o resultado, assume, aceita o risco de sua produção. Sua vontade não se dirige ao resultado, mas, se este acontecer, será aceito pelo agente.

Nelson Hungria209, diz ter lembrado as fórmulas de Frank

para explicar dolo eventual: “seja como for, dê no que der, em qualquer caso não

deixo de agir”. E conclui que dolo eventual é “um minus de intensidade em

relação ao dolo direito”.

E desta sorte conclui, que o dolo eventual decorre quando o

“agente presta anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a

produzi-lo, ao invés de renunciar à ação”210.

2.1.5.5 Dolo de dano

Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez211 definem dolo

de dano como: “vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico (CP,

arts. 121, 155, etc)”.

Para Paulo José da Costa Junior212, “o dolo será de dano se

o sujeito quis lesar (destruir ou danificar), o bem tutelado”. 207 Apud. STRECK, Lênio Luiz. Tribunais do Júri: símbolos e rituais. 4.ed. rev. e mod. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2001. p.166. 208 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.164. 209 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense,1958. v. 1.

tomo II. p. 289. 210 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 1955. . v. 1. tomo II. p. 289. 211 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.397.

52

Aníbal Bruno213 leciona que ”no dolo de dano, consciência e

vontade concorrem no sentido do resultado danoso. O dano é previsto e querido”.

Julio Fabbrini Mirabete214 ensina que no dolo de dano “o

agente quer ou assume o risco de causar lesão efetiva”.

2.1.5.6 Dolo de perigo

Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez215 definem dolo

de perigo como “mera vontade de expor o bem a um perigo de lesão (CP, arts.

132,133, etc)”.

Leciona José da Costa Junior216, que se caracteriza dolo de

perigo quando o bem jurídico tutelado é ameaçado.

Já para Aníbal Bruno217 “no dolo de perigo, a vontade

consciente se dirige só a um resultado. O agente quer apenas pôr em perigo um

bem juridicamente tutelado”.

E para Julio Fabbrini Mirabete218 dolo de perigo se figura

quando “o autor da conduta quer apenas o perigo”.

2.1.5.7 Dolo genérico

Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez219 entendem

que essa espécie de dolo é a:

Vontade de realizar conduta sem um fim especial, ou seja, a meta vontade de praticar o núcleo da ação típica (o verbo do tipo), sem qualquer finalidade especifica. Nos tipos que não tem elementos subjetivos, isto é, nos quais não consta nenhuma exigência de

212 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Vol. I. 1992. p.87. 213 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005 . Tomo II. p. 50. 214 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.144. 215 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.397. 216 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Vol. I. 1992. p.87. 217 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005 . Tomo II. p. 50. 218 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.144. 219 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.397.

53

finalidade especial (os que não têm expressões como “com o fim de” e “para” etc.) é suficiente o dolo genérico. Exemplo: no tipo homicídio, basta a simples vontade de matar alguém para que ação seja típica, pois não é exigida nenhuma finalidade especial do agente (o tipo não elemento subjetivo).

Para Paulo José da Costa Junior220, “o dolo será genérico

quando o agente deseja apenas o fato descrito na norma penal”.

Leciona Julio Fabbrini Mirabete221 que dolo genérico “é a

vontade de realizar o fato descrito na lei, em seu núcleo (vontade de matar, de

subtrair, de raptar etc)”.

2.1.5.8 Dolo específico

Quanto ao dolo específico Edilson Mougenot Bonfim e

Fernando Capez222, entendem ser:

Vontade de realizar conduta visando a um fim especial previsto no tipo. Nos tipos anormais, que são aqueles que contêm elementos subjetivos (finalidade especial do agente), o dolo, ou seja, a consciência e a vontade a respeito dos elementos objetivos, não basta, o tipo exige, além da vontade de praticar a conduta, uma finalidade especial do agente.

Paulo José da Costa Junior223:

O dolo específico pode ser considerado como a vontade excedente, que se aglutina no dolo genérico de base. Costuma ser chamado de tendência ulterior, ou de tendência interna transcendente. No crime de extorsão (art.158), não basta o constrangimento: faz-se mister, para a realização do tipo, o intuito de obter vantagem econômica indevida. Essa tendência ulterior que vai além do constrangimento, configura o dolo específico, que integra o crime de extorsão.

220 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Vol. I. 1992. p.86. 221 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.144. 222 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.397-398. 223 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Vol. I. 1992. p.87.

54

Julio Fabbrini Mirabete224 preleciona que “dolo especifico é a

vontade de realizar o fato com um fim especial (fim libidinoso, de obter vantagem

indevida etc)”.

2.1.5.9 Dolo geral dolo do ímpeto

Na visão de Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez225,

o dolo geral, erro sucessivo ou “aberratio causae” ocorre:

Quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, prática o que entende ser um exaurimento e neste momento atinge a consumação. Exemplo: “A” esfaqueia a vítima e pensa que a matou. Imaginado já ter atingido o resultado pretendido e supondo estar com um cadáver em mãos, atira-o ao mar, vindo a causar, sem saber, a morte por afogamento. Operou-se um equívoco sobre o nexo causal, pois o autor pensou ter matado a infortunada vítima a facadas, mas, na verdade, matou-a afogada.

Para o Direito Penal, importa que o agente quis praticar o

homicídio, que de um modo ou de outro, o faz.

João José Leal226 contribui explanando que:

Hoje, ainda existem divergências da doutrinária sobre a posição do dolo na estrutura teórica do crime. Para alguns autores, é dolo uma das formas da culpabilidade (posição da doutrina tradicional); para outros é elementos da culpabilidade (corrente psicológica - normativa). Para a maior parte da doutrina, no entanto, o dolo é concebido como elemento subjetivo geral da categoria (a maior e a mais comum) de tipo penal. Essa posição teórica, hoje predominante e que nos parece a mais adequada, decorre da adoção da teoria finalista da ação.

Entende da mesma forma Aníbal Bruno227 que “a posição do

dolo na estrutura dogmática do crime é hoje um dos pontos mais controvertidos

da doutrina”. 224 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.144. 225 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.398. 226 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.239-240.

55

É o entendimento de José da Costa Junior228:

O dolo de ímpeto não admite, entre a formulação do propósito delituoso e a conduta, o hiato temporal. Quando menos haverá de existir uma solução de continuidade cronológica exígua ou razoável. Tal não implica que a vontade delituosa tenha sido forma debaixo do influxo de qualquer paixão.

Na figura do dolo geral Julio Fabbrini Mirabete229 sua

existência apresenta-se “nos casos em que o agente, supondo ter conseguido o

resultado pretendido, prática nova ação que, esta sim, vem a resultar no evento”.

2.2 DA CULPA

Vicente Cardoso230 diz que “na culpa o resultado ilícito de

dano ou perigo não é previsto, mas previsível, e se for previsto de algum modo,

não é aceito pelo agente que acredita que tal não ocorra”.

Ensina Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez231

sobre o conceito de culpa:

A culpa é o elemento normativo da conduta, sendo assim considerada porque sua existência depende de um juízo de valor, consistente na comprovação entre a conduta praticada pelo agente no caso concreto e a conduta que um homem de diligência normal teria naquela mesma situação.

Paulo José da Costa Junior232 diz:

É a prática voluntária de uma conduta, sem a devida atenção ou cuidado, da qual deflui um resultado previsto na lei como crime,

227 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005. Tomo II. p. 46. 228 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Vol. I. 1992. p.87. 229 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.144. 230 CARDOSO, Vicente Fontana. Crimes em Acidentes de Trânsito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1982. p. 8. 231 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.399. 232 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Vol. I. 1992. p.87.

56

não desejado nem previsto, mas previsível. A culpa é imprevisão previsível, o fortuito, ao revés, é a imprevisão imprevisível.

Leciona Aníbal Bruno233 que:

Consiste a culpa em praticar voluntariamente, sem atenção ou cuidado devido, um ato do qual decorre um resultado definido na lei como crime, que não foi querido nem previsto pelo agente, mas que era previsível. O processo do crime culposo se desenvolve nestes dois momentos: a) uma conduta voluntária contraria ao dever; b) um resultado involuntário, definido como crime, que não foi, mas deveria e poderia ser previsto pelo agente.

Ensina Magalhães Noronha234 que o agente comete o crime

culposo quando:

Deixando de empregar a atenção ou diligência de que era capaz em face das circunstâncias, não previu o caráter delituoso de sua ação ou o resultado desta, ou, tendo-o previsto, supôs levianamente que não se realizaria; bem como quando quis o resultado, militando, entretanto, em indiscutível erro de fato.

Entende da João José Leal235 sobre o delito culposo:

É a infração do cidadão imprudente, que negligência em seu dever normal de cuidado e acaba por causar um dano a um bem jurídico penalmente tutelado. É, enfim, o crime do individuo leviano, negligente e insensato, que se comporta sem cautela necessária para evitar lesões de bens jurídicos, cautela esta indispensável à convivência social.

2.2.1 Elementos da culpa

Ensina Ney Moura Teles236 que os elementos da culpa são

extraídos de seu conceito em sentido estrito, ou negligência, expressão mais

técnica que constitui:

233 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005. Tomo II. p. 51. 234 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 34. ed. v.1. São Paulo: Saraiva,1999. p.139. 235 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.253.

57

A falta de cuidado do agente, numa situação em que ele poderia prever a causação de um resultado danoso, que ele não deseja, nem aceita, e às vezes nem prevê, mas que, com seu comportamento, produz e que poderia ter sido evitado. [...] os elementos que integram a culpa, em sentido estrito: a) conduta voluntária; b) inobservância do dever de cuidado objetivo; c) resultado lesivo indesejado; d) previsibilidade objetiva; e) tipicidade.

Da mesma forma conceitua Julio Fabbrini Mirabete237, como

sendo os elementos da culpa “como conduta voluntária (ação ou omissão) que

produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente

previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado”.

Diferente destes autores Juarez Cirino dos Santos238entende

que:

O conceito de tipo culposo possui três elementos: a) um resultado de dano definido em lei; b) uma conduta lesiva do cuidado objetivo exigido na vida social; c) a relação entre o resultado de dano e a conduta lesiva do cuidado objetivo.

Tem-se conceituado na doutrina que os elementos que

integram a culpa, são: a conduta; a inobservância do dever de cuidado objetivo; o

resultado lesivo involuntário ou indesejado; a previsibilidade e a tipicidade.

Conforme passaremos a discorrer abaixo.

2.2.1.1 A conduta

Ensina Ney Moura Teles239:

Só interessa ao Direito Penal as condutas voluntárias. Por isso, para que haja culpa, a conduta, positiva ou negativa, deve ser voluntária e dirigida a determinada finalidade. [...] Se não for

236 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.166. 237 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.145. 238 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

p.164. 239 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.166.

58

voluntária, não haverá conduta, mas ausência de conduta e o fato não será típico. Logo, não será crime.

Para Julio Fabbrini Mirabete240:

O elemento decisivo da ilicitude do fato culposo reside não propriamente no resultado lesivo causado pelo agente, mas o desvalor da ação que o praticou. Se um motorista, por exemplo, dirige velozmente para chegar a tempo de assistir à missa domingueira e vem atropelar um pedestre, fim lícito não importa, pois agiu ilicitamente ao não atender ao cuidado necessário a que estava obrigado em sua ação.

Para Juarez Cirino dos Santos241:

A conduta (ação ou omissão de ação) lesiva do cuidado objetivo

exigido constitui um comportamento qualificado de modo especial: a) pela realização de uma ação perigosa; b) pela lesão do cuidado objetivo exigido na realização de ações perigosas. A compreensão adequada desse elemento do tipo culposo requer uma descrição do contexto histórico-social de sua existência concreta.

2.2.1.2 A inobservância do cuidado objetivo

Já no que tange a figura deste elemento explica Ney Moura

Teles242 que:

Quando se dirige de casa para o local de trabalho, ou deste para o comércio, e daí, retornamos ao lar, conduzindo o veículo, possante e potente, fabricado no mesmo ano, último modelo, ainda que haja pressa de chegar ao destino – seja porque está atrasado, seja porque está faminto, seja ainda, porque precisa cumprir um compromisso social anteriormente assumido -, deve o homem, apesar de tudo, ter o devido cuidado para evitar que um gesto atrevido, ousado, ou descuidado, coloque a força do veículo em movimento contra um corpo humano que atravessa a pista de rolamento, ou outro veículo, menos ou mais forte, num impacto de conseqüências as mais diversas possíveis, inclusive para si

240 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.145-146. 241 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. 1985. p.164. 242 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.167-169.

59

mesmo. [...] A inobservância deste dever geral constitui comportamento proibido pelo direito, e, se dela, decorrer a lesão a um bem jurídico, pode constituir o delito culposo. São formas de manifestação desta violação: a imprudência, a negligência e a imperícia.

Entende Julio Fabbrini Mirabete243:

A cada homem, na comunidade social, incumbe o dever de praticar os atos da vida com as cautelas necessárias para que de seu atuar não resulte dano a bens jurídicos alheios. [...] Deve-se confrontar a conduta do agente que causou o resultado lesivo com aquela que teria um homem razoável e prudente em lugar do autor. Se o agente não cumprir com o dever de diligência que aquele teria observado, a conduta é típica, e o causador do resultado terá atuado com imprudência, negligência ou imperícia.

Leciona de Heleno Cláudio Fragoso244quando no que versa

a Exposição de Motivos do Código Penal de 1969 que:

A culpa está em função da reprovabilidade da falta de observância, por parte do agente, nas circunstâncias em que se encontrava, do cuidado exigível, ou seja, da diligência ordinária ou especial a que estava obrigado.

Pautamos-nos também nos ensinamentos de Juarez Cirino

dos Santos245que entende:

O critério delimitador do cuidado objetivo exigido, no estágio tecnológico das sociedades contemporâneas, é definido sob o conceito de risco permitido. O risco permitido delimita, de modo extensivo e intensivo, a possibilidade de realização de ações

perigosas sem lesão da norma geral do cuidado objetivo exigido. Os limites do risco permitido, variáveis conforme a natureza das ações perigosas são determinadas pelas condições objetivas (materiais) e subjetivas (pessoais) dessas ações: o risco permitido

na área da circulação de veículos, assim como o risco permitido

243 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.146. 244 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1990. p. 219-220. 245 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. 1985. p.164.

60

ao especialista (ou técnico) em um setor de atividades humanas, não se confunde com o risco permitido ao não-especialista (ou leigo) no mesmo setor, etc. Tomando como exemplo a circulação de veículos, o risco permitido é indicado pela sinalização: placas, faixas,sinaleiros, etc. A observância da sinalização de tráfego reduz as ações perigosas (dirigir veículo é, sempre, atividade perigosa) ao limites do risco permitido .

Portanto, mesmo sendo um risco permitido como salienta o

autor, é necessário que o condutor na direção de seu veículo tenha o cuidado

exigido. Devendo este ser observado dentro de outro elemento que é a

previsibilidade de um resultado de dano.

2.2.1.3 O resultado lesivo involuntário

Posiciona-se a esse respeito Ney Moura Teles246 que:

Para que haja fato culposo, ou negligente, é imprescindível que seja produzido o resultado indesejado. Por que mais que o sujeito tenha sido negligente, deixando de observar o dever de cuidado objetivo, só haverá fato culposo se com seu comportamento tiver causado a modificação do mundo externo, atingindo um bem jurídico. Se não houver resultado, não haverá crime culposo, podendo até ter havido outra infração penal, mas dolosa, e não culposa.

Para Julio Fabbrini Mirabete247:

A inobservância do dever de cuidado não constitui conduta típica porque é necessário outro elemento do tipo culposo: o resultado. Só haverá ilícito penal culposo se da ação contraria ao cuidado resultar lesão a um bem jurídico. Se, apenas da ação descuidada do agente, não houver resultado lesivo, não haverá crime culposo.

246 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.170. 247 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.168.

61

2.2.1.4 A previsibilidade objetiva

Ney Moura Teles248 ensina, que só se pode falar em fato

culposo se houver possibilidade do sujeito prever o resultado lesivo, dar-se-á o

nome de previsibilidade que:

É a possibilidade de o sujeito, nas condições em que se encontra, antever o resultado lesivo. Previsível é aquele resultado que pode ser previsto. [...] A previsibilidade objetiva é essencial para a existência do fato culposo, porquanto só em sua presença o agente poderia ter evitado o resultado lesivo e, não tendo adotado as precauções necessárias, por ter sido negligente, acaba por dar causa ao resultado e por isso por ele responderá. Sendo resultado previsível, o sujeito poderá ter duas atitudes: prevê ou não prevê o resultado.

Quando o autor fala de prevê e não prevê o resultado lesivo,

ele se refere a duas espécies de culpa, a consciente e a inconsciente, que

trataremos no item próprio.

Julio Fabbrini Mirabete249 ensina:

Há na conduta não uma vontade dirigida à realização do tipo, mas apenas um conhecimento potencial de sua concretização, vale dizer, uma possibilidade de conhecimento de que o resultado lesivo pode ocorrer. Esse aspecto subjetivo da culpa é a possibilidade de conhecer o perigo que a conduta descuidada do sujeito cria para os bens jurídicos alheios, e a possibilidade de prever o resultado conforme o conhecimento do agente. [...] Se o fato for previsível, pode o agente, no caso concreto, prevê-lo ou não. Não tendo sido previsto o resultado, existirá a chamada culpa inconsciente; se previsto, pode ocorrer a culpa consciente ou dolo eventual.

Ensina Juarez Cirino dos Santos250que a previsibilidade

deve ser analisada de forma objetiva, por que não se pode exigir do autor

248 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.167-169. 249 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.147-149. 250 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. 1985. p.169-170.

62

previsão subjetiva, mas que o resultado danoso seja previsível pelo homem

comum, normalmente prudente e consciente de sua conduta.

2.2.1.5 A tipicidade

Conforme é o ensinamento de Ney Moura Teles251 para

definir esse elemento “não basta que o sujeito tenha causado, sem vontade, um

resultado lesivo previsível e indesejado, com negligência. Se não estiver prevista

na lei sua punição, se não houver o tipo culposo, não haverá crime”.

Já no que se refere ao último elemento da culpa leciona

Julio Fabbrini Mirabete252 que:

Nos tipos culposos a ação não está descrita como nos crimes dolosos. São normalmente tipos abertos que necessitam de complementação de uma norma de caráter geral, que se encontra fora do tipo, e mesmo de elementos do tipo doloso correspondente.

É também o entendimento de Heleno Cláudio Fragoso253

que:

A tipicidade do crime culposo, no entanto, não poderia estar na causação do resultado, que está fora da ação, mas sim num determinado comportamento proibido pela norma. A tipicidade nos crimes culposos determina-se através da comparação entre a conduta do agente e o comportamento presumível que, nas circunstâncias, teria uma pessoa de discernimento e prudência ordinários. A ação que desatenta ao cuidado adequado, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, provocando o resultado, é típica.

251 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.173. 252 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.149. 253 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral, 1990. p.219-220.

63

2.2.2 Da modalidade da culpa

As modalidades estão previstas no artigo 18, inciso II, do

Código Penal, e são a imprudência, negligência e imperícia, conforme

passaremos a expor.

2.2.2.3 Imprudência

Ensina Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez254

sobre a imprudência:

É a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. É a omissão de cautelas (Manzini), consistindo em um fato ilícito de comissão. Pode ser definida como a ação descuidada, implicando sempre um comportamento positivo.

Desenvolve-se paralelo à ação. Exemplos dos autores:

ultrapassagem proibida, excesso de velocidade, trafegar na contramão, manejar

arma carregada255.

Como cita Magalhães Noronha256:

A imprudência tem forma ativa. Trata-se de uma agir sem cautela necessária. É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar do agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, já por não tentar para a lição dos fatos ordinários, já por não perseverar no que a razão indica.

Conforme acentua João José Leal257 sobre a imprudência:

É ação positiva, sem cautela que a razão recomenda. Caracteriza-se a impudência pela insensatez da ação. É o atuar positivo além do limite da cautela normal; é a ação flagrantemente arriscada ou desarrazoada. Assim, há imprudência na conduta do motorista

254 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.402-403. 255 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.403. 256 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Parte Geral. 1984. p.141.

257 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.255.

64

que: efetua ultrapassagem numa curva sem a necessária visibilidade a frente.

Desta forma já decidiu a jurisprudência do Tribunal de

Alçada Criminal do Estado de São Paulo, que a imprudência se caracteriza

quando o agente “sem a necessária cautela, deixando de empregar as

precauções indicadas pela experiência e prevenir possíveis resultados lesivos”258.

2.2.2.4 Negligência

Aponta Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez259 que

a negligência “é a culpa em sua forma omissiva. Consiste em deixar alguém de

tomar o cuidado devido antes de começar agir. É a omissão de deveres (Mangini),

consistindo em um fato ilícito de omissão”.

Diferente da imprudência que se desenvolve na ação, a

negligência dá-se sempre antes do início da conduta. Exemplos: deixar de reparar

os pneus e de verificar os freios antes de viajar, não sinalizar devidamente

perigoso cruzamento, deixar arma ou substância tóxica ao alcance de criança etc.

Magalhães Noronha260 leciona:

No sentido do Código, ela é a inação, inércia e passividade. Decorre de inatividade material (corpóreo) ou subjetivo (psíquica). Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso.

Neste sentido ensina João José Leal261 que negligência:

É a conduta omissiva, sem a devida cautela, manifestada pela falta de atenção, pelo descuido, pelo esquecimento ou pela desídia no atuar perante a vida social. Negligente é o motorista que esquece de parar o veículo antes de ingressar na via preferencial.

258 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.243. 259 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.404. 260 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Parte Geral. 1984. p.141. 261 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.256.

65

2.2.2.5 Imperícia

Tratada por Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez262:

É a inobservância das regras da arte, consistindo na demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade. Representa-se costumeiramente pela falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister. Exemplos: médico que vai curar uma ferida e amputa a perna; atirador de elite que mata a vítima em vez de acertar o criminoso.

João José Leal263 que a imprudência pode ser chamada de

imprudência técnica. E ainda:

Consiste na falta de habilidade técnica para o exercício de determinada atividade. O médico que não possui habilitação necessária para realização de uma cirurgia e mesmo assim resolve fazê-la, pode ser responsabilizado por um tipo culposo causado por imperícia.

Para José Geraldo da Silva264 a imperícia “é inexperiência,

incompetência, falta de aptidão para exercer arte ou profissão”.

Na visão de Ney Moura Teles265as três modalidades de

comportamento vistas “constitui as manifestações da ausência de cautela, de

cuidado, da observância do dever que todos têm, com relação aos bens alheios”.

Ainda com relação a essa modalidade entendem que:

A imperícia só ocorre porque o agente foi negligente, deixando de observar a norma técnica a que está obrigado. A imperícia decorre da negligência do agente que deixou de observar o cuidado devido. A imprudência, igualmente, é um comportamento positivo que decorre da ausência da cautela, da falta da observância de uma regra: o motorista que dirige em excesso de velocidade está sendo imprudente, por que não observa a regra que manda não ultrapassar a velocidade máxima para aquele local. É imprudente,

262 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.404. 263 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.256. 264 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.205. 265 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.170.

66

por ter sido negligente. A negligência é, na verdade, o gênero do qual imperícia e imprudência são espécies.

2.2.3 Espécies da culpa

Aníbal Bruno266 ensina que “a forma típica da culpa, que é a

culpa inconsciente. Da forma de exceção, culpa com previsão ou culpa

consciente”.

2.2.3.1 Culpa inconsciente

Leciona Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez267

sobre a culpa inconsciente:

É a culpa sem previsão, em que o agente não prevê o que era previsível. O standard social, homem-padrão, homo medius,

preveria, porque previsível; mas o descuidado imprevidente, que não se acautela, não projetou como possível na esfera de sua acuidade mental a realidade que aos outros se mostrava plausível previsão.

Leciona Damásio de Jesus268 que “na culpa inconsciente o

resultado não é previsto pelo agente, embora previsível. É a culpa comum, que se

manifesta pela imprudência, negligência ou imperícia”.

Analisa magistralmente José Frederico Marques269 que a

figura da “culpa inconsciente se aproxima do dolo eventual. É esta a menos grave

das formas de dolo, enquanto que a culpa consciente se apresenta como sendo a

mais grave das formas de culpa”.

Leciona Julio Fabbrini Mirabete270 que a culpa inconsciente

existe quando “o agente não prevê o resultado que é previsível. Não há no agente

266 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005. Tomo II. p. 51. 267 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.404. 268 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.303. 269 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 2002. vol. II. p. 243. 270 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.150.

67

o conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurídico

alheio”.

Ney Moura Teles271 ensina que a culpa inconsciente:

Ocorre quando o sujeito não realiza a previsão do resultado. É previsível, mas, ele, não obstante isso, não o prevê e impulsiona, voluntariamente, a conduta, dando causa ao resultado. Com efeito, sua conduta é culposa, mas ele não teve consciência de que o resultado ocorreria, porque não realizou a previsão, não representou o resultado que era, plenamente, previsível. Foi negligente porque não representou o resultado. Por isso, diz-se ser culpa inconsciente.

Na visão de Juarez Cirino dos Santos272:

O sujeito não prevê a possibilidade do dano, previsível por um homem normalmente prudente e consciencioso, caracteriza-se o tipo culposo inconsciente (se ocorre o resultado objetivamente previsível).

Para Eugênio Raúl Zaffaroni273 na culpa inconsciente:

Não há conhecimento efetivo do perigo que, com a conduta, se acarreta aos bens jurídicos, porque se trata da hipótese em que o sujeito podia e devia representar-se possibilidade de produção do resultado e, no entanto, não o fez. Nestes casos há apenas um conhecimento “potencial” do perigo aos bens jurídicos alheios.

2.2.3.2 Culpa consciente ou com previsão

Quanto à culpa consciente ensina Edilson Mougenot Bonfim

e Fernando Capez274:

É aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do

271 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.172. 272 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. 1985. p170. 273 ZAFFARONI, Raul Eugênio; PIERANGEL, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro –

Parte Geral. 6 ed. São Paulo: RT,2006. p. 444. 274 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.404.

68

resultado, mas ele a afasta de pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto. Há um erro de cálculo do agente.

Ensina René Ariel Dotti275:

A culpa consciente é caracterizada pela previsão do agente quanto à probabilidade do resultado que ele espera não venha ocorrer, confiando em suas habilidade ou destreza para enfrentar a situação de risco. É também chamada de culpa com previsão e que aproxima do dolo eventual.

Paulo José da Costa Junior276 diz que “na culpa consciente

(com previsão) o agente prevê o resultado sem desejá-lo, agindo com confiança

de o resultado previsto como possível não irá realizar-se”.

Conforme entendimento de José Geraldo da Silva277:

Na culpa consciente o agente não quer o resultado, não assume o risco de sua produção, nem o mesmo lhe é tolerável ou indiferente. O resultado é previsto, mas o agente confia em sua produção.

Conforme ensinamento de Damásio de Jesus278:

A culpa consciente é equiparada à inconsciente. Como diz a Exposição de Motivos do CP de 1940 “tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, como estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá” (n.13). Assim, em face da pena abstrata, é a mesma para os dois casos.

Conforme ainda o citado autor na culpa consciente “o agente

não quer o resultado, não assume o risco nem ele lhe é tolerável ou indiferente. O

evento lhe é representado (previsto), mas confia em sua não-produção”279.

275 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de

Janeiro: Forense, 2005.p.315. 276 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Vol. I. 1992. p.87. 277 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.205. 278 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.304.

69

Leciona em seus apontamentos Nelson Hungria280 que na

culpa consciente “o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de

superveniência do resultado, e empreende a ação na esperança ou persuasão de

que este não ocorrerá”.

Para Julio Fabbrini Mirabete281 a culpa consciente ocorre

quando o agente:

Prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que não ocorrerá. Há no agente representação da possibilidade do resultado, mas ele afasta por entender que o evitará, que sua habilidade impedirá o evento lesivo que está dentro de sua previsão.

Para Francisco de Assis Toledo282 na culpa consciente

reside que “o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo,

mas, sabendo-o possível, acredita sinceramente poder evitá-lo, o que não

acontece por erro de cálculo ou erro de execução”.

Para Juarez Tavares283 a culpa consciente deve ser vista

com cautela, que “a simples previsão do resultado, não significa, por si só, que o

agente age com culpa consciente, posto que, mais que a previsão, o que

caracteriza efetivamente é a consciência acerca da lesão ao dever de cuidado”.

Ney Moura Teles284, ao abordar a culpa consciente, diz que

a mesma se realiza quando:

O sujeito realiza a previsão do resultado, mas confia sinceramente que poderá evitá-lo ou que ele não ocorrerá, agindo com a convicção plena de que, apesar da possibilidade de que o resultado ocorra, não acontecerá nenhum resultado lesivo.

279 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.303. 280 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 1955. v. 1. tomo II. p. 288. 281 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.150. 282 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal. São Paulo: Saraiva, 1984.

p.218. 283 TAVARES, Juarez. Teoria do Delito. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 1980.p.110. 284 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.172.

70

Exemplifica Ney Moura Teles285:

Everaldo, saindo do estacionamento da Faculdade em seu veículo, tendo Arlindo, seu colega, ao seu lado, e vendo, à frente, a colega de ambos, Cláudia, prestes a atravessar a rua, resolve assustá-la, passando com o carro bem próximo dela. Avistando-a, fala para Arlindo: “Vou dar um susto na Cláudia, tirando um fininho”. Arlindo, preocupado, faz a previsão de que um resultado lesivo, e diz: “Cuidado, você pode atropelá-la”. [...] Mesmo prevendo o resultado lesivo, resolve prosseguir na conduta perigosa, na certeza de que, com sua habilidade, com destreza na condução do veículo, irá apenas é tão somente assustar sua colega, convicto de não haverá qualquer lesão, que ele, sinceramente, acredita que não acontecerá e, por isso, não admite, não aceita, nela não consente.

A diferença desta com o dolo eventual reside somente na

psique humana, na vontade de praticar ou não, o resultado que pode vir a ser

lesivo.

Conforme ensinamento de Juarez Cirino dos Santos286:

Se o sujeito prevê a possibilidade do dano como produto de sua ação, mas acredita, sinceramente, na evitação do resultado, pelo cuidado, habilidade, atenção, em suma, pelo rumo concreto imprimido à ação, caracteriza-se o tipo culposo consciente (se ocorre o resultado previsto).

2.2.3.2.1 Requisitos da culpa consciente

No entendimento de Damásio de Jesus287 dentre outros

requisitos comuns expressa alguns como se segue:

285 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral. 1998. p.172-173. 286 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. 1985.p170. 287 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.303-304.

71

1º) vontade dirigida a um comportamento que nada tem com a produção do resultado ocorrido; 2º) crença sincera de que o evento não ocorra em face de sua habilidade ou interferência de circunstância impeditiva, ou excesso de confiança. A culpa consciente contem um dado importante: a confiança de que o resultado não venha a produzir-se, que se assenta na crença em sua habilidade na realização da conduta ou na presença de uma circunstância impeditiva. A necessidade de “sinceridade” da crença é normalmente referida na doutrina; 3º) erro de execução. Ex.: o agente atira no animal e, por defeito na arma, o projétil mata uma pessoa.

A previsibilidade do evento lesivo constitui a essência da culpa. Desde que, normalmente, o resultado lesivo podia ser previsto, como conseqüência de uma ação voluntária, responde por ele o agente, a título de culpa.

Para que se possa medir a previsibilidade ensina Nelson

Hungria288 ”a previsibilidade deve ser apreciada objetivamente, isto é: não do

ponto de vista individual do agente, mas do ponto de visto do homem comum, em

face da lição da experiência relativa ao que frequentemente acontece”.

Ensina ainda José Frederico Marques289 que:

O bem jurídico protegido penalmente contra condutas culposas não deve estar ameaçado pelas idiossincrasias e particularidades de cada indivíduo. Aquele que se sente inepto diante de uma situação concreta ou não deve enfrentá-la, ou então precisa estar muito mais atento que os demais se dela não foge ou se desvia.

Para que se possa caracterizar a culpa consciente ou com

previsão, como preferem chamar alguns doutrinadores, o agente prevê o

resultado, mas não aceita como possível.

Leciona Eugênio Raúl Zaffaroni290 que a culpa consciente é

aquela:

288 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 1955. . v. 1. tomo II. p.359. 289 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. vol. II. p. 241.

72

Em que o sujeito ativo representou para si a possibilidade da produção do resultado, embora o tenha rejeitado, na crença de que, chegando o momento, poderá evitá-lo ou simplesmente não ele não ocorrerá. Há um conhecimento efetivo do perigo que correm os bens jurídicos, que não se deve confundir com a aceitação da possibilidade de produção do resultado, que é uma questão relacionada ao aspecto volitivo e não ao cognoscitivo, e que caracteriza o dolo eventual. Na culpa com representação, a única coisa que se conhece efetivamente é o perigo.

2.2.3.3 Culpa imprópria

Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez291 lecionam

que a culpa imprópria:

É aquela em que o agente, por erro de tipo inexcusável, supõe estar diante de uma causa de justificação que lhe permita praticar, licitamente, um fato típico. Existe má apreciação da realidade fática, fazendo o autor supor que está acobertado por causa de exclusão de ilicitude. Entretanto, como esse erro poderia ter sido evitado pelo emprego de diligência mediana, subsiste o comportamento culposo. Exemplo: “A” esta assistindo a um programa de televisão, quando seu primo entra na casa pela porta dos fundos. Pensando trata-se de um assalto “A” efetua disparos de arma de fogo contra o infortunado parente, certo de que está praticando uma ação perfeitamente lícita, amparada pela legítima defesa.

O agente pensou estar presente os elementos da legítima

defesa, consistindo a culpa, em face da evitabilidade do erro.

Na posição de Edilson Mougenot Bonfim e Fernando

Capez292 entendem que:

Tratar-se de erro de tipo inescusável, que exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo. O agente deverá responder por crime culposo (culpa imprópria) na forma do art. 120, § 1,

290 ZAFFARONI, Raúl Eugênio; PIERANGEL, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro –

Parte Geral, 2005, p. 444. 291 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.406. 292 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.407.

73

parte final, do CP. A nosso ver, portanto, correta a primeira posição. Se a vítima vier a sobreviver, dado o aspecto hídrico da culpa imprópria (metade culpa, metade dolo), o agente responderá por tentativa de homicídio culposo.

Ensina José Frederico Marques293:

A culpa também se distingue em própria e imprópria. Entram na primeira categoria aqueles casos em que se encontra o elemento normal da culpa, isto é, a falta de previsibilidade do evento. Inclui-se na segunda, aquelas formas de culpa que são contempladas, como casos excepcionais, por textos da lei penal, e nas quais o agente responde por delito culposo, muito embora tenha sido querido.

Damásio de Jesus294 leciona:

Culpa própria é a comum, em que o resultado não é previsto, embora seja previsível. Nela o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo. Na culpa imprópria, também denominada culpa por extensão, assimilação ou equiparação, o resultado é previsto e querido pelo agente, que labora em erro de tipo inescusável ou vencível.

Julio Fabbrini Mirabete295 ensina que na culpa própria “o

agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo”. Diferente do que

acontece não culpa imprópria também denominada culpa por extensão que:

Deriva esta do erro de tipo inescusável, do erro inescusável nas descriminantes putativas ou do excesso nas causas justificativas. Nestas hipóteses, o sujeito quer o resultado, mas sua vontade está viciada por um erro que poderia, com o cuidado necessário, ter evitado.

2.2.3.4 Culpa mediata ou indireta

Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez296 lecionam:

293 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. vol. II. p. 245. 294 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.290. 295 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.151.

74

É a que ocorre quando o agente produz indiretamente um resultado a título de culpa. É o caso de uma pessoa que atropela uma criança, e, em razão disso, o pai desta atravessa a rua para lhe prestar socorro e acaba atropelado por outro veículo; o motorista de ônibus que provoca uma colisão com um poste, e um passageiro, desesperado, desce correndo do veículo, e acaba caindo e se machucando.

Para as hipóteses acima colocam Edilson Mougenot Bonfim

e Fernando Capez297 será imprescindível à existência de dois requisitos:

a) Nexo causal: é necessário que o segundo resultado constitua um desdobramento normal e previsível da conduta culposa, que atua como sua causa dependente. b) Nexo normativo: além do nexo causal, é preciso que o agente tenha culpa com relação ao segundo resultado, que não pode derivar nem de caso fortuito, nem de força maior.

Apontamentos feitos por Damásio de Jesus298 ensinam que

”quando o sujeito de determinando de forma imediata certo resultado, vem a dar

causa a outro. Ex. o pai, na tentativa de socorrer o filho, culposamente atropelado

por um veículo, vem a ser apanhado e morto por outro”.

Pressupõe na culpa indireta que o agente no nexo causal,

tenha dado causa no segundo evento e nexo normativo que agente tenha

contribuído culposamente para ele.

Diante da análise sobre os elementos subjetivos da conduta,

o dolo e a culpa, dentro de suas características e definições. No capítulo seguinte

trabalharemos a possibilidade dos crimes de homicídios ocorridos em acidente de

trânsito tipificados como culposos, irem a júri popular através da figura do dolo

eventual. Bem como definir a distinção entre a culpa consciente e o dolo eventual.

296 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.408. 297 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p.408. 298 JESUS. Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 2005. p.305.

75

CAPÍTULO 3

DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS

HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO

3.1 CARACTERIZAÇÃO DE TRÂNSITO

A luz da atual Lei nº. 9.503/97 que regulamenta o Código de

Trânsito Brasileiro, conceitua-o em seu Anexo I e no § 1º do art. 1º, que trânsito “é

movimentação imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres”;

“considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais,

isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada,

estacionamento e operação de carga e descarga”299.

O conceito de trânsito para Cássio Mattos Honorato300 se

resume no seguinte:

Um fenômeno mais amplo do que geralmente é compreendido, em razão de englobar todos os usuários das vias terrestres, mesmo que não se encontrem embarcados em veículos automotores, e mesmo que não se encontrem em deslocamento. Uma pessoa, caminhando ou sentada em um banco de praça, estará sujeita às normas impostas pelo Código de Trânsito Brasileiro.

Ensina Arnaldo Rizzardo301 que:

Todos que se locomovem, sejam simplesmente caminhando, seja por meio de veículos ou de animais, e mesmo servindo-se das vias para conduzir animais de um local para outro, estão abrangidos no conteúdo da Lei. Não interessa o tipo de via e a

299 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – lei 9.503, de 23 de setembro de 1997. 300 HONORATO, Cássio Mattos. Trânsito: infrações e crimes. Campinas: Millennium, 2000. p. 2. 301 RIZZARDO, Arnaldo. Comentário de Trânsito Brasileiro. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.35-36.

76

forma de utilização. A movimentação constitui o trânsito, independente da qualificação do local destinado ao deslocamento, e até por mais remotos, íngremes e afastados que sejam os pontos onde se dê a utilização. Mas, é preciso advertir da necessidade da convivência entre pessoas físicas que trafegam e veículos, tracionados por animais ou motores.

A locomoção de veículo é utilizada com palavras com

tráfego, trânsito e circulação.

Hely Lopes Meirelles302 faz a distinção entre trânsito e

tráfego:

Trânsito é o deslocamento de pessoas ou coisas (veículos ou animais) pelas vias de circulação; trafego é o deslocamento de pessoas ou coisas pelas vias de circulação, em missão de transporte. Assim, um caminhão vazio, quando se desloca transportando mercadoria, está em tráfego. Daí a distinção entre normas de trânsito e normas de tráfego: aquelas dizem respeito às circulações de circulação; estas cuidam das condições de transporte nas vias de circulação. Como a circulação e o transporte são atividades conexas, as regras de trânsito e tráfego geralmente são editadas conjuntamente, embora distintas quanto ao seu objeto e finalidades.

Portanto, caracteriza-se trânsito, bem como assinala

Fernando Y. Fukassawa303 é o “estar “na direção de veículo automotor”, em via

pública ou não, tais como estacionamentos, garagens, etc”.

Ainda, cumpre assinalar que mesmo que não se encontrem

embarcados em veículos automotores todos os usuários das vias públicas estão

sujeitos as norma dos do CTB. É o exemplo, é o pedestre. Também a

necessidade de que nestas vias haja a convivência de pessoas físicas que

trafeguem, e os veículos, independe que o lugar seja remoto ou íngreme.

302 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6.ed. São Paulo: Malleiros, 1993. p.318. 303 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 2003. p.145..

77

3.2 DO HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO

O homicídio culposo de trânsito tem sua redação do artigo

302 do CTB é a seguinte:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos304.

Primeiramente, o conceito de crime automobilístico no

entendimento de José Frederico Marques305,”é toda infração penal oriunda de

veículo motorizado, na sua função de meio de locomoção e transporte, quer de

carga como de pessoas”.

Damásio de Jesus306 define o que se considera como

veículo automotor; “automóveis, motocicleta, motonetas, ciclomotor, trator, ônibus

elétrico, caminhão, caminhão trator, caminhonete, camioneta, microônibus, motor-

casa (motor house) e utilitários”.

Para José Geraldo da Silva307 veículo automotor:

É elementar do tipo. Portanto, quem comete homicídio culposo pilotando um avião, dirigindo um barco, uma bicicleta ou uma

304 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – lei 9.503, de 23 de setembro de 1997. 305 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva,

1961. vol. 4. p. 250. 306 JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.74. 307 SILVA, José Geraldo da. Genofre, Fabiano. Lavorenti, Wilson. Leis Penais Especiais anotadas.

Campinas: Millennium, 2001. p.15.

78

charrete, responderá pelo crime previsto no art. 121 § 3º, Código Penal, e não pelo art.302 do Código de Trânsito Brasileiro.

Com referência da figura penal inserida no artigo 302 do

CTB, entende Arnaldo Rizzardo308:

Que a primeira figura penal que passa a ser regulamentada pelo CTB é o homicídio culposo, considerado como a eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia.

Aponta o estudioso que o a figura introduzida no artigo 302

deve ser entendida como homicídio culposo no trânsito com culpa consciente309.

A figura do homicídio culposo no trânsito na definição de

Damásio de Jesus310, “é a morte de um homem provocada culposamente por

outro na direção de veículo automotor”.

Cumpre apontar que para se caracterizar o homicídio

culposo de trânsito, é necessário estar presente o elemento do tipo, qual seja

veículo automotor.

Partindo desta premissa Fernando Y. Fukassawa311 ensina

que:

Haverá realização típica no matar alguém (homicídio) [...], através de conduta comissiva, posto que o autor do fato deverá necessariamente estar desenvolvendo uma atividade,qual seja, estar “na direção de veículo automotor”,em via pública ou não, tais como estacionamentos, garagens, etc. [...] direção de veículo automotor significa estar na posição de dirigí-lo, ao volante do automóvel ou ao guidão da motocicleta em condições da pessoa operar os seus mecanismos e estabelecer controle de

308 RIZZARDO, Arnaldo. Comentário de Transito Brasileiro. 2007. p.607. 309 RIZZARDO, Arnaldo. Comentário de Transito Brasileiro. 2007. p.633. 310 JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 2006. p.72. 311 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003. p.145.

79

movimentação e rumo. Assim, não praticará o crime culposo especial de trânsito o sujeito que estacionar o seu veículo automotor e dele sair momentaneamente fazer algo, não freia-lo devidamente e com isso permitir que desça rua abaixo colhendo uma pessoa.

Por isto, não estando presente o elemento identificador,

veículo automotor, o homicídio culposo não será regulado pelo Código de Trânsito

Brasileiro, mas pelo Código Penal.

O artigo em comento é composto ainda de causas de

aumento e diminuição de pena, em pese faremos breves comentários.

Quanto às causas de aumenta previstas pelo parágrafo

único do artigo em comento, leciona o doutrinador José Geraldo da Silva312:

O fato de o agente cometer homicídio culposo na direção de veículo automotor, sem ser devidamente habilitado, autoriza a incidência da causa de aumento de pena, e não funciona como crime autônomo, mas é absorvido pelo homicídio, em razão do princípio da consunção. Pode-se aplicar a causa de aumento de pena do inciso III, ainda que o socorro tenha sido prestado por terceiro, uma vez que foi descumprido o dever legal de socorrer por parte do agente. Todavia, se a omissão do agente tiver sido decorrente de perigo de linchamento, este não responderá pelo delito com agravação da pena. Quando se realizar-se sobre a faixa de pedestres ou na calçada, independentemente de a vítima vir a falecer no hospital, ele responderá pelo homicídio culposo com a pena aumentada. Finalmente, o fato de o agente conduzir veículo de transporte de passageiros, como táxi, ônibus escolar, lotação etc. Autoriza a incidência da causa de aumento de pena.

Ainda acerca do inciso III, ensina Julio Fabbrini Mirabete313:

“No homicídio culposo praticado na condução de veículo automotor, qualifica o

crime a circunstância de deixar o agente de prestar socorro à vítima, quando

possível fazê-lo sem risco pessoal”.

312 SILVA, José Geraldo da. Genofre, Fabiano. Lavorenti, Wilson. Leis Penais Especiais anotadas.

2001. p.16. 313 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.974.

80

A esse respeito posicionou-se Supremo Tribunal Federal:

Homicídio culposo – socorro à vítima – Alcance. No homicídio culposo a ausência de imediato socorro à vítima é causa de aumento de pena - § 4º do artigo do Código Penal – descabendo cogitar da atenuante da alínea b do inciso III do artigo 65 deste Código. A observâcia da pena prevista no § 3º do citado artigo, sem aumento, pressupõe haja o agente prestado, imediatamente, socorro (JSTF 165/291)314.

Cumpre ainda assinalar, que com o advento da Lei nº.11.275

de sete de fevereiro de 2006, foi acrescentado o inciso V que trata também de

uma causa de aumento de pena, se o agente estiver sob influência de bebida

alcoólica ou substância tóxica ou entorpecente. Quanto a esse inciso, aponta

Damásio de Jesus315:

É prescindível que porte mais de seis decigramas de substância etílica por litro de sangue. Não basta que o sujeito esteja sob influência de álcool, sendo necessário que haja nexo de causalidade entre a embriaguez e a conduta proibida (direção anormal). Não exigir essa condição conduz à responsabilidade penal objetiva.

Também neste sentido leciona Fernando Capez e Victor

Eduardo Rios Gonçalves316 que as causas de aumento de pena do artigo 302,

parágrafo único, e 303, parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro essas

são:

Hipóteses em que as penas sofrerão acréscimo de um terço até a metade. Não poderá o magistrado, entretanto, ao reconhecer mais de uma das causas de aumento, aplicar duas elevações autônomas, uma vez que o art. 68, parágrafo único, do Código Penal veda tal atitude. Por questão de equidade e justiça, entretanto, o reconhecimento de mais de uma delas deverá implicar uma exacerbação acima do mínimo legal de um terço.

314 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2007. p.975. 315 JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 2006. p.91. 316 CAPEZ, Fernando. Gonçalves, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito

Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 32-33.

81

Ensina Fernando Capez e Victor Eduardo Rios

Gonçalves317:

Em relação ao homicídio culposo tem-se admitido a aplicação do instituto do arrependimento posterior previsto no art. 16 do Código Penal, que permite a redução da pena de um a dois terços nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça quando a reparação do dano é feita antes do recebimento da denúncia. Entende-se que no homicídio culposo, por ser involuntária a violência, não fica afastada a possibilidade de incidência dessa causa de diminuição de pena.

Dependendo de como ocorreu o homicídio a pena poderá

ser aumentada ou diminuída, ainda fala-se em existir na figura do arrependimento

posterior.

O artigo 302 do CTB tem trazido discussões entre os

estudiosos, entendem que sua previsão possa ser inconstitucional conforme

veremos.

Paulo José da Costa Júnior318 coloca ser inconstitucional o

artigo 302 do CTB, pois conforme ele, “o dispositivo ofende o princípio da

taxatividade do tipo penal, um dos corolários do princípio da legalidade”. A

redação correta para a conduta do homicídio seria “matar alguém e não praticar

homicídio”.

Ainda sobre o princípio da taxatividade Maurício Antônio

Ribeiro Lopes319 aponta:

É mister que a lei defina o fato criminoso, ou melhor enuncie com clareza os atributos essenciais da conduta humana de forma a torná-la inconfundível com outra, e lhe comine pena balizada dentro dos limites não exagerados.

317 CAPEZ, Fernando. Gonçalves, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito

Brasileiro. 1999. p.30. 318 COSTA JUNIOR, Paulo José da. QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos crimes do código

de trânsito. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 55. 319 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Legalidade. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais. 1994, p.128.

82

Também Fernando Y. Fukassawa320 critica a falta de

observância do princípio da legalidade:

O legislador não fez convenientemente a descrição típica das condutas proibidas; deveria fazê-lo com maior precisão possível em homenagem e para a preservação do princípio da legalidade. Posto que o tipo penal deve descrever a conduta que se quer proibir, é ele formulado através de verbos (matar, ofender,

subtrair, constranger etc.), por vezes de dois ou mais verbos num só tipo (obter vantagem ilícita como induzir a vítima em erro, no caso de estelionato – art. 171 do Código Penal). Ao invés de assim proceder, contrariando recomendações cientifica, não utilizou os verbos identificadores dos núcleos típicos, “matar” alguém e “ofender” a integridade corporal ou a saúde de outrem, como corretamente se encontram nos arts. 121 e 129 do mesmo diploma legal.

Ainda quanto a violação do princípio da legalidade discorrem

sobre o assunto Alberto Silva Franco, José Silva Júnior e outros321 que:

A origem e predominante sentido do princípio da legalidade foram fundamentalmente políticos, na medida que, através de certeza jurídica própria do Estado de Direito, se cuidou de obter segurança política do cidadão. Esta clara significação política do princípio nullum crimen nulla sine lege explica que se o conceba não apenas como um aforismo de exclusividade sentido jurídico-penal, mas também como um postulado de nível constitucional.

Os posicionamentos são no sentido de que o legislador

deveria na promulgação das normas legais, legislar com respeito a princípio da

legalidade, posto que, de nada valerá produzir normas penais de conteúdo vago

ou indefinido.

Damásio de Jesus322 analisa a definição típica do crime

previsto no artigo 302 do CTB: 320 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.143. 321 FRANCO, Alberto Silva, SILVA JUNIOR, José, BETANHO, Luiz Carlos, STOCO, Rui, FELTRIN,

Sebastião Oscar, GUASTINI, Vicente Celso da Rocha,NINNO, Wilson. Código Penal e sua interpretação Jurisprudencial. 4.ed, ver. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p.21.

83

O conceito típico é criticável. Nunca houve maneira mais estranha de descrever delito. O verbo, que tecnicamente representa o núcleo do tipo, refletindo a ação e a omissão, não menciona a conduta principal do autor. É “praticar”. Ora, o comportamento do autor do homicídio culposo, para fins de definição típica não consiste em “praticar homicídio culposo”, e sim “matar alguém culposamente”. O verbo típico é “matar”, e não “praticar”. O sujeito é punido não porque “praticou”, mas sim porque “matou alguém”. Autor é quem realiza a conduta contida no verbo do tipo, e não quem “pratica homicídio”.

Diferente do que coloca Guilherme de Souza Nucci323:

A legalidade foi respeitada. Quanto a isonomia, nada impede que o legislador queira dar tratamento mais severo ao homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor, mesmo porque sabe-se que, mundialmente, é cenário do trânsito que mais ocorrem homicídios e lesões culposas. Assim, buscou-se tornar mais graves as sanções penais. Se essa postura será ou não eficaz somente o tempo vai dizer.

Em explanação proposital Marcelo Ferreira da Rosa

Sobreira324 constata:

É irrecusável a constatação da inconstitucionalidade do art.302 do CTB, devendo ficar afastada a possibilidade, mesmo puramente hipotética, de que o defeituoso dispositivo venha a ter incidência e conseqüente aplicabilidade em casos concretos. Do contrário, estará irremediavelmente sacrificando o mais elementar sentido de justiça, que de modo nenhum harmoniza-se com o despotismo legislativo.

Em fase aos princípios constitucionais, a maioria dos

estudiosos mencionados defende a inconstitucionalidade do artigo 302 do CTB.

322 JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 2006. p.72. 323 NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes de Trânsito: Lei n.9.503/97. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 1999.p.34. 324 SOBREIRA, Marcelo Ferreira da Rosa. Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/97 –

inconstitucionalidade do artigo 302. Revista Síntese de Direito Penal e Processo Penal – Porto Alegre: Síntese, v.1,n.6, fev/mar, 2001.

84

Para melhor compreensão do tipo penal previsto artigo 302

do CTB e o artigo 121 § 3º do CP, é mister tratarmos do conflito aparente de

normas, no item a seguir.

3.2.1Princípio da especialidade

O homicídio culposo tem previsão no artigo 121 § 3º, CP, e

no artigo 302 do CTB. O primeiro é um tipo penal aberto, poderá ser qualquer tipo

de homicídio culposo, já quanto ao segundo ele trata especificamente do

homicídio culposo cometido no trânsito.

Como bem aponta Paulo José da Costa Junior e Maria

Elizabeth Queijo325:

De acordo com o referido princípio a lex specialis derrogat legi

generali, ou seja, a norma especial prevalece sobre a norma geral. Isto porque a norma especial é dotada de todos os elementos que compõem a norma geral e mais alguns específicos, que justifica sua existência e aplicação ao caso concreto.

Comenta Cássio Mattos Honorato326 a redação do artigo 302

do CTB:

O legislador do novo Código de Trânsito Brasileiro inaugurou a parte especial dos crimes de trânsito criando um tipo penal especial em relação ao homicídio culposo, previsto no art. 121 § 3º, do Código Penal. Utilizando-se o Princípio da Especialidade para solucionar o conflito aparente entre essas duas normas penais incriminadoras, conclui-se que toda conduta culposa daquele que conduz veículo automotor, a partir de 22 de janeiro de 1998, que venha a matar alguém, poderá adequar-se ao tipo penal previsto no art. 302 da Lei 9503/97.

No que tange a especialidade ensina Giuseppe Bettiol327:

325 COSTA JUNIOR, Paulo José da. QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos crimes do código

de trânsito.1999. p. 22. 326 HONORATO, Cássio Mattos. Trânsito: Infrações e Crimes. 2000. p. 410. 327 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Trad. Paulo José da Costa Jr. v. 2. São Paulo: RT, 1971.

p.327.

85

Para que haja especialidade é mister, portanto, que a lei especial, contenha por necessidade lógica, todos os elementos da lei geral e mais o elemento especializador, que justifica sua existência. Desde que esta relação subsista entre duas normas, a lei de caráter geral deve ceder lugar à de caráter especial. É mister, além disso, que as leis em relação de gênero e espécie sejam colocadas na tutela de um mesmo bem jurídico, tenham a mesma objetividade jurídica.

Ensina Edmund Mezger328 que o princípio da especialidade:

O tipo especial prefere ao geral, podendo estar na mesma lei ou leis diversas. A composição é abstrata. A especialidade é aceita por todos. O princípio da especialidade tem de peculiar o seguinte: por seu conteúdo lógico, permite comparação em abstrato sobre as leis a serem aplicadas, enquanto que os demais exigem um confronto in concreto das normas que incidem sobre o fato.

Ao tratar do concurso aparente de normas leciona Fernando

Y. Fukassawa329:

Os tipos previstos no Código de Trânsito Brasileiro, de homicídio culposo e lesão corporal culposa (arts. 302 e 303), são especiais em face dos tipos gerais de idênticos crimes previstos nos arts. 121, § 3º e 129, § 6º, do Código Penal. É elemento especializante a situação ou condição de fato em que se encontra o agente: “na direção de veículo automotor”. Dessa forma, não será difícil, através de comparação abstrata, concluir que deixará de ser crime de trânsito o caso em que o condutor saindo do veículo para fazer algo, o estaciona mal por isso se desgoverna rua abaixo colhendo um transeunte que vem sofrer lesões ou morte.

Portanto, princípio da especialidade vem para por fim a

discussão acerca do homicídio culposo previsto no Código Penal e no Código de

Trânsito, este é especifico em tratar de homicídio culposo no trânsito, enquanto

328 Apud. FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-

1997.2003. p.134. 329 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.150.

86

que aquele trata o homicídio culposo de forma geral. Assim norma especial

prevalecer sobre a norma geral.

3.3 DO PROCEDIMENTO PARA JULGAR O HOMICÍDIO CULPOSO

COMETIDO EM ACIDENTE DE TRANSITO

Leciona Fernando Y. Fukassawa330que:

No homicídio culposo, ação penal será publica incondicionada, de competência da Justiça Comum, fora da competência do Juizado Especial Criminal. Não admite o sursis processual porque a pena mínima detentiva é de dois anos.

O sursis é discutível, para alguns se admite desde que

presente o arrependimento posterior tipo previsto no artigo 16 do CP, conforme

explica Waléria Garcelan Loma Garcia331:

Forçoso concluir que presente o instituto arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, causa de diminuição de pena de um a dois terços, é possível a aplicação da suspensão condicional do processo nos termos do art.89 da Lei n. 9.099/1995, posto que considerada a diminuição máxima (2/3), a pena mínima passa a ser inferior a um ano (oito meses), o que viabiliza a proposta de transação processual.

Ensina Damásio de Jesus332, que a ação penal cabível neste

caso é ação incondicionada e o rito processual é “dos crimes apenados com

detenção” este previsto no artigo 539 do Código de Processo Penal. E quanto à

suspensão condicional do processo figura prevista no artigo 89 da Lei dos Juízos

Especiais, “é inaplicável ao homicídio culposo no trânsito, salvo nas hipóteses de

arrependimento posterior (CP, art.16) e semi-responsabilidade (CP, art. 26,

parágrafo único), em razão de redução da pena”.

330 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.153. 331 apud. FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-

1997. 2003.p.153-154. 332 JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 2006. p.72.

87

Aponta Cássio Mattos Honorato333 que pelo fato do crime

homicídio culposo previsto no artigo 302 do Código Trânsito Brasileiro, não é

considerado crime de menor potencial ofensivo e prevendo seu preceito

secundário pena detentiva, aplica-se o procedimento sumário, previsto no Código

de Processo Penal.

Portanto, quanto ao procedimento nos crimes culposos no

trânsito, não há divergência doutrinária, far-se-á pelo rito sumário, artigo 539 do

Código de Processo Penal.

Consideram ainda, Fernando Capez e Victor Eduardo Rios

Gonçalves,334 que:

Para os crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor, por ser pena de detenção de dois a quatro anos, deve também ser seguido o rito sumário, vedadas, entretanto, a realização de audiência preliminar e a proposta de suspensão condicional do processo.

Fernando Y. Fukassawa335 leciona a figura das conexões ou

continências entre os crimes de homicídio culposo (art. 302) e os crimes de perigo

(arts. 306, 306, 308, 309, 310 e 311), já num segundo plano, a conexão entre

homicídio culposo (art. 302) e a lesão corporal culposa (art. 303), em seguida o

homicídio culposo (art.302) com a omissão de socorro (art. 304), e por fim a

conexão do homicídio culposo (art. 302), e afastamento do local do acidente

(art.305). Primeiramente homicídio culposo e crimes de perigo:

a) o inquérito policial deverá ser instaurado, posto que de competência do Juízo Criminal Comum o processo e julgamento do homicídio culposo; b) remetido o inquérito policial ao Juízo Criminal Comum, o Ministério Público oferecerá a denúncia pelo homicídio culposo, se for o caso, prosseguindo-se nos seus ulteriores termos, lembrando que nesse crime, se cometido por

333 HONORATO, Cássio Mattos. Trânsito: Infrações e Crimes. 2000. p. 364. 334 CAPEZ, Fernando. Gonçalves, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito

Brasileiro. 1999. p.4. 335 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.23-24.

88

autor que não possui permissão ou habilitação, haverá causa especial de aumento de pena (art. 302, parágrafo único, I); c) os crimes de perigo, se eventualmente não absorvidos pelo homicídio culposo, serão processados e julgados conforme o Juízo competente, Comum ou Especial; d) em caso de arquivamento de inquérito policial porque não configurado ou impersequível o homicídio culposo, restarão apenas os referidos crimes de perigo.

No homicídio culposo (art. 302) e a lesão corporal culposa

(art. 303):

a) o inquérito policial deverá ser instaurado, havendo ou não representação da vítima do crime de lesão corporal (art. 88 da Lei n.9.099/1995), posto que o homicídio culposo é de ação penal pública incondicionada; b) o inquérito policial terá destino o Juízo Criminal Comum336.

No que tange a homicídio culposo (art.302) e a omissão de

socorro (art. 304):

a) o inquérito policial deverá ser instaurado, posto que o homicídio culposo é de competência do Juízo Comum, para onde deverá ser remetido após conclusão; b) embora o crime de omissão de socorro (nas duas modalidades alternativas) seja competência do Juízo Especial Criminal, se estiver atrelado com o homicídio culposo, a omissão de socorro (na modalidade própria de “deixar de prestar socorro”) será somente causa especial de aumento de pena; c) se o crime de omissão de socorro for na modalidade de “deixar de solicitar auxílio” (não prevista como causa especial de aumento de pena de homicídio culposo), haverá concurso material entre ambas infrações e, com disjunção dos procedimentos, será necessário lavrar termo circunstanciado relativo ao crime de omissão, remetendo-a ao Juízo Especial Criminal337.

E por fim a conexão entre do homicídio culposo (art. 302) e

afastamento do local do acidente (art. 305):

336 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.24. 337 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.25.

89

a) o inquérito policial deverá ser instaurado, posto que o homicídio culposo é de competência do Juízo Criminal Comum, para onde deverá ser remetido após conclusão; b) o crime de homicídio culposo não absorve, pelo princípio da consunção, o de afastamento do local de acidente, razão porque, disjunção dos procedimentos, com relação a este último crime será necessário lavrar apartadamente o termo circunstanciado, rementendo-o ao Juizado Especial Criminal, posto que se insere na sua competência338.

Por fim, comprovada a materialidade do crime e autoria, e

sendo a causa a imperícia, negligência e imprudência, elementos que

caracterizam o homicídio culposo, seguiram o procedimento do rito sumário, tipo

previsto pelo artigo 593 do Código Processo Penal.

3.4 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL QUANTO A FIGURA DOLOSA NOS

HOMICÍDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO

O homicídio culposo causado em acidente de trânsito, como

visto, tem previsão na Lei 9.503/97. Ocorre, que a lei não trouxe tipo penal para o

homicídio doloso, razão pela qual a tipificação, nestes casos, será feita a partir do

Código Penal.

Trava-se então uma discussão na doutrina e jurisprudência

acerca da ocorrência do dolo eventual e da culpa consciente em alguns

acidentes, sendo que no reconhecimento da forma culposa aplica-se o Código de

Trânsito e na forma dolosa aplica-se o Código Penal, artigo 121.

Ensina Fernando Y. Fukassawa339 de que “não tão

raramente, alguns casos de homicídios no trânsito, posto identificado

corretamente ou não o dolo eventual, são levados ao julgamento popular do júri”.

338 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.25. 339 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997.

2003.p.119.

90

Com o intuito de melhor compreensão do tema assinalam-se

os entendimentos dos tribunais quanto aos limites entre dolo eventual e culpa

consciente.

O Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo posiciona-se:

Os limites entre dolo eventual e a culpa consciente são definidos através da concreção do direito, pois é certo que em ambos os eventos é previsto, só que no primeiro ocorre a adesão da vontade ao mesmo, por via da assunção do risco de ocorrência do resultado e na culpa consciente não. (TACRIM – SP – AC- Rel. Fortes Barbosa – JUTACRIM 82/374)340.

Vontade, conforme Paulo José da Costa Junior e Maria

Elizabeth Queijo,341 significa:

O coeficiente físico da ação diversifica-se da omissão. Enquanto naquela a atividade física é positiva (comissiva), nesta o componente material é negativo (omissivo). O aspecto psíquico, entretanto, numa e noutra espécie de conduta, é o mesmo: a vontade. Vontade e não intenção. Vontade como carga de energia psíquica, que impele o agente. Vontade como impulso causal do comportamento humano. E não intenção, que é a bússola da vontade, seu elemento finalístico, que a norteia para o objetivo eleito. A vontade, portanto, limita-se à conduta. A intenção volta-se ao evento, que é o escopo. Intenção é vontade direcionada.

Para o Tribunal de Justiça de São Paulo age com dolo

eventual quem:

Atua com dolo eventual aquele que pratica o denominado “racha” (corrida de carros em via pública em alta velocidade), pois embora não pretenda causar a morte de ninguém, assume, de alguma forma, o resultado, que é perfeitamente previsível, provável e possível (TJSP, 1ª Câmara, 8.4.1996, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, RT 731/568).

340 STOCO, Rui; FRANCO, Alberto Silva. Leis Especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7.ed.

rev. , atual. ampl. 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.921. 341 COSTA JUNIOR, Paulo José da. QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos crimes do código

de trânsito. 2 1999. p. 2.

91

Da mesma forma o Supremo Tribunal Federal pronunciou-

se:

A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade ético-jurídica, participa, com seu veículo automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada – além de ensejar a possibilidade de reconhecimento do dolo eventual inerente a esse comportamento do agente - justifica a especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o Estado responder, grave e energicamente, à atitude de quem assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e de lesões corporais (STF, 1ª Turma, 20.6.1995, Rel. Min. Celso de Mello, RT 733/478).

Atualmente a jurisprudência tem reconhecido o dolo eventual

quando conjugados o excesso de velocidade e a embriaguez.

O indivíduo que dirige veículo à noite, em local sabidamente proibido, embriagado e em alta velocidade, assume o risco de atropelar e matar, agindo, pois, com dolo eventual. (TJSP, rel. Des. Denser de Sá, RJTJSP 168/295).

No mesmo sentido há o reconhecimento do dolo eventual:

Na verdade, comete, em tese, homicídios dolosos o motorista de automóvel que, alcoolizado, desenvolve velocidade inadequada em via pública, sem reduzi-la mesmo ao ver adiante pessoas tentando a travessia, atropelando e tirando a vida de três delas de modo violento. A conduta evidencia o dolo eventual, porquanto o agente tem consciência do perigo concreto criado por sua conduta. (TJSP, rel. Des.Silva Pinto, RJTJSP 179/265).

Para o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina a

modalidade dolo eventual é aplicável quando o agente emprega velocidade

incompatível com o local e sob influência de álcool e ainda, somados indícios de

outras circunstância, conforme entendimento abaixo:

ACIDENTE DE TRÂNSITO – HOMIDÍDIO – RECONHECIMENTO DE CULPA CONSCIENTE – DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA – VELOCIDADE EXCESSIVA

92

EMPREGADA – INDÍCIOS DE OUTRAS CIRCUSTÂNCIAS QUE, SOMADAS, APONTAM PARA A CONFIGURAÇÃO DE DOLO EVENTUAL – DÚVIDA QUE DEVE SER DIRIMIDA PELO CONSELHO POPULAR – DECISÃO REFORMADA – RECURSO MINISTERIAL PROVIDO 342.

Ainda para o mesmo Tribunal:

ACIDENTE DE TRÂNSITO - HOMICÍDIO SIMPLES - RÉU QUE DIRIGE SEU VEÍCULO EM PISTA ASFÁLTICA DE PERÍMETRO URBANO, EM VELOCIDADE EXCESSIVA E EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ - PRESENÇA DE OUTROS VEÍCULOS NA PISTA NO MESMO E EM SENTIDO CONTRÁRIO DE DIREÇÃO - DOLO EVENTUAL CARACTERIZADO - DECISÃO DOS JURADOS QUE NÃO CONTRARIA A PROVA DOS AUTOS, EIS QUE RESPALDADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO AMEALHADO, INCLUSIVE NUMA DAS VERSÕES DOS FATOS APRESENTADAS PELO PRÓPRIO RÉU - APELAÇÃO IMPROVIDA. - A decisão do Conselho de Sentença, respaldada na prova dos autos, inclusive numa das versões apresentada pelo próprio acusado, não pode ser acoimada de ter sido tomada completamente ao arrepio da lei, pois, na verdade, o réu dirigia seu veículo, no momento do acidente, sob a influência de bebida alcoólica e em velocidade excessiva, incondizente para as condições do local e do momento, eis que trafegava em perímetro urbano. Em assim agindo, indiscutivelmente, assumiu o risco de produzir o evento danoso, quedando indicado, conseqüentemente, a existência de dolo eventual, já que não ignorava a presença de veículos transitando no mesmo sentido e no sentido contrário ao do seu.343

Neste julgado, o dolo eventual ficou reconhecido pelo fato do

agente trafegar em uma rodovia de grande movimento, perímetro urbano,

embriagado e em alta velocidade, efetivamente arriscando-se conscientemente a

produzir um resultado lesivo, ficando demonstrado que a agente não desistiu

conduta.

342 TJSC – Recurso criminal n. 03.025397-1, da Capital – Relator: Des. Irineu João da Silva -

04/05/2004. 343 TJSC - Apelação criminal n. 97.010667-0, de Balneário Camburiú - Relator: Des. Alberto Costa

- 12/05/1998.

93

Da mesma forma:

JÚRI - HOMICÍDIO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - DOLO EVENTUAL. Motorista que em rodovia de grande movimento, dirige seu veículo em alta velocidade e embriagado, vindo a atropelar ciclista.344

Apurou-se o dolo eventual, pelo fato do condutor estar

embriagado e trafegar com velocidade excessiva, provocando dois acidentes, o

que caracterizou que assumiu o risco de produzir resultado morte através de uma

conduta arriscada, possibilitando o resultado delituoso.

Retira-se do julgado supra citado de autoria do

Desembargador João Eduardo Souza Varella, o posicionamento do Supremo

Tribunal Federal:

Para existência do dolo eventual, basta que o agente na dúvida sobre os resultados, não se abstenha da ação, porque quem age em tal dúvida sobre os resultados, não se abstenha da ação, porque quem age em tal dúvida assume o risco que de sua ação decorrer.( STF, Rev. Forense, vol. 178/316).

No mesmo sentido, manteve-se a decisão proferida pelo

Tribunal do Júri que condenou o acusado em sete anos de reclusão,

reconhecendo o dolo eventual:

JÚRI - ACIDENTE DE TRÂNSITO - APELAÇÃO ABROQUELADA NAS ALÍNEAS "A", "C" E "D" DO INCISO III DO ART. 593 DO CÂNONE PROCESSUAL PENAL. NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA - AVENTADA PARCIALIDADE DO CORPO DE JURADOS - MATÉRIA NÃO SUSCITADA EM PLENÁRIO - PRECLUSÃO OPERADA - INTELIGÊNCIA DO INCISO VIII DO ART. 571 DO CÂNONE PROCESSUAL PENAL. VEREDICTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS - ASSERTIVA INCONSISTENTE - AGENTE PRONUNCIADO POR HOMICÍDIO DOLOSO E LESÕES CORPORAIS GRAVES DOLOSAS - COMPROVAÇÃO DE QUE O ACUSADO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ CONDUZIU SEU VEÍCULO EM EXCESSO DE

344 TJSC - Apelação criminal n. 2002.008110-3, de Blumenau – Relator: Des. João Eduardo Souza

Varella – 25/06/2002

94

VELOCIDADE, CIENTE DA EXISTÊNCIA DE INTENSO MOVIMENTO DE TRANSEUNTES E AUTOMÓVEIS NA OCASIÃO - CONDUTOR DE AUTOMOTOR QUE ANTECEDE O DO RECORRENTE QUE ESTANCA SUA MARCHA EM FAIXA DE PEDESTRES - FATOR NORMAL E ORDINÁRIO NA CIRCULAÇÃO DO TRÂNSITO, MAS QUE DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO DESLOCAMENTO DO RÉU O LEVAM À MANOBRA DE DESVIO PARA EVITAR A COLISÃO - PERDA DO CONTROLE E ATROPELAMENTO DE PESSOAS SOBRE A CALÇADA - ANUÊNCIA AO RISCO DE MATAR ALGUÉM QUE NÃO SE MOSTRA DE TODO IMPLAUSÍVEL - TESE DO DOLO EVENTUAL POSSÍVEL E ESTRIBADA EM ELEMENTOS DE CONVICÇÃO - SOLUÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI MANTIDA. ERRO OU INJUSTIÇA NO TOCANTE À APLICAÇÃO DA PENA - INOCORRÊNCIA - PENA-BASE DOSADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL COM RESPALDO NAS CIRCUNSTÂNCIAS DA INFRAÇÃO - RECLUSÃO REDUZIDA NA SEGUNDA FASE DIANTE DO RECONHECIMENTO DAS ATENUANTES DA MENORIDADE E DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - INCREMENTO DA REPRIMENDA AO FINAL POR FORÇA DO CONCURSO FORMAL, INCLUSIVE EM FRAÇÃO MAIS AMENA QUE A CORRESPONDENTE - AUSÊNCIA, ADEMAIS, DO APONTADO VÍCIO NAS RAZÕES RECURSAIS. RECURSO

DESPROVIDO. (Apelação Criminal n. 2007.002959-9, Rel.

Juiz José Carlos Carstens Köhler – 29/05/2007)345.

O reconhecimento do dolo eventual, também ficou

caracterizado por o agente encontrar-se embriagado e conduzir seu veículo em

velocidade excessiva, atropelando seis pedestres, o que resultou em um óbito, e

cinco feridos, com lesões de natureza grave e leve. Entendeu-se que o réu teria

agido com imprevidência e descaso pela vida alheia.

Aponta o Desembargador Sólon d’Eça Neves346:

Os delitos que ocorrem na circulação e condução de veículos automotores, nas vias públicas, são culposos, porém, reunidas as circunstâncias que escapam aos limites da inobservância das

345 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, Recurso Criminal 2007.002959-9. Disponível:

em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de março de 2008. 346 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, Recurso Criminal 2006.000048-6. Disponível:

em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de março de 2008.

95

norma de trânsito e fogem da previsível, tais como embriaguez voluntária, velocidade excessiva, e outras que retratam conduta além do risco incompatível com a normalidade da disciplina do trânsito, geram por conseguinte, uma classificação da sua ocorrência dentre os delitos chamados de dolosos, pela presença própria do dolo em sua forma eventual.

Nos casos analisados percebe-se que em sua maioria basta

somente a previsibilidade para configurar dolo eventual, estando o agente

embriagado ou/e em velocidade excessiva basta para configurá-lo.

Como analisado exaustivamente no capitulo 2, o dolo

eventual exige, além da previsão do resultado, também a sua aceitação. Diferente

da culpa consciente é necessário que o resultado seja aceito.

Portanto, a linha que separa o dolo eventual da culpa

consciente é muito tênue, e é quase impossível dizer se o agente queria ou não o

resultado, diante dessa imprecisão é que os Tribunais tem decido levando em

consideração as circunstâncias de cada caso.

3.5 DO PROCEDIMENTO PARA JULGAR O HOMICÍDIO DOLOSO COMETIDO

EM ACIDENTES DE TRÂNSITO

A previsão dos crimes que são de competência ao tribunal

do júri está no artigo 74 § 2º, CPP: “compete ao tribunal do júri o julgamento dos

crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125,

126 e 127 do Código Penal, consumando ou tentado”.

Os crimes de competência do tribunal do júri são

denominados crimes dolosos contra a vida, podendo ser tanto o dolo direto como

o dolo eventual.

O procedimento para processar os crimes dolos contra a

vida, consumados ou tentados, está previsto nos artigos 394 a 405 CPP, fase de

instrução criminal, e nos artigos 406 a 497 CPP, fase própria de competência do

júri.

96

Leciona Julio Fabbrini Mirabete347:

Após o encerramento da instrução, realizada nos termos dos art. 394 a 405, devem as partes oferecer as alegações finais no processo dos crimes de competência do Júri, no prazo de 5 dias, conforme a ordem estabelecida no dispositivo.

Quanto ao conteúdo das alegações finais argumenta Julio

Fabbrini Mirabete348:

O Ministério Público, o querelante e o assistente pedirão a pronúncia do réu para que seja julgado pelo júri pelos crimes a eles imputados. Nada impede, porém, que diante das provas colhidas, seja pedida a impronuncia ou a absolvição sumária do acusado. Tais manifestações, porém, não vinculam o juiz, que poderá pronunciar o réu, como aliás, pode condená-lo, apesar de pedido de absolvição, nos crimes que se apuraram mediante ação penal pública (art.385). [...] O defensor do réu deve manifestar-se pela impronuncia, desclassificação do delito ou absolvição sumária. [...] a defesa pode ser apresentada em duas fases, como a da contrariedade ao libelo crime e em plenário.

Em seguida às alegações finais, em o juiz determina as

diligências que entender necessária para sanar eventual nulidade da instrução.

Na ausência de diligencias ou, realizadas estas, os autos devem ir conclusos para o juiz proferir a sentença que poderá ser de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. O prazo para que profira a sentença é de 10 dias, contado da conclusão (art.800,I)349.

Na sentença de pronúncia deve o juiz estar convencido da

existência do crime e de haver indícios da autoria. Conforme sustenta Julio

Fabbrini Mirabete350:

347 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2007. p.1077. 348 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2007. p.1078. 349 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2007. p. 1081. 350 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2007. p.1084.

97

Como juízo de admissibilidade, não é necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para a condenação. Daí que não vige o princípio do in dúbio pro reo, mas se resolvem em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova (in dúbio pro societate). O juiz, porém, está obrigado a dar os motivos de seu convencimento, apreciando a prova existente nos autos, embora não deva valorá-los subjetivamente.

A parte inconformada com a sentença poderá recorrer em

sentido estrito (artigo 581, inciso IV, do CPP).

Acentua a esse respeito Julio Fabbrini Mirabete351 que além

do defensor do réu “nada impede que o Ministério Público recorra da pronúncia

em favor do réu, visando a absolvição sumária”.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina entende que se o

réu em homicídio de trânsito for pronunciado deverá ser este julgado pelo tribunal

do júri, em fase do princípio in dúbio pro societate, conforme julgado abaixo:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - MAGISTRADO QUE NA FASE DA PRONÚNCIA OPERA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA DO HOMICÍDIO - ACUSADO SOB FORTE INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL E QUE DIRIGIA EM EXCESSO DE VELOCIDADE - ANUÊNCIA AO RISCO DE MATAR ALGUÉM QUE NÃO SE MOSTRA DE TODO IMPLAUSÍVEL - TESE DO DOLO EVENTUAL POSSÍVEL - MATÉRIA CUJA SOLUÇÃO DEFINITIVA COMPETE AO TRIBUNAL DO JÚRI. (TJSC - Recurso Criminal n. 2005.022651-3, Rel. Juiz José Carlos Carstens Köhler - 30/08/2005)352.

No entendimento do julgado, para o Egrégio o dolo eventual

ficou caracterizado no caso, pelo fato de existirem elementos que permitiram ao

menos supor a verossimilhança, entende-se que o acusado teria agido com

indiferença pela vida alheia, e ainda, não se pode atribuir à ingestão de bebida a

falta de senso do certo e do errado.

351 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2007. p.1111. 352 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, Recurso Criminal 2005.022651-3. Disponível:

em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de março de 2008.

98

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo analisar os

entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca o dolo eventual e da culpa

consciente nos homicídios ocorridos em acidentes de trânsito.

Verificou-se por meio da pesquisa que, mesmo havendo a

modalidade culposa no Código de Trânsito, a doutrina e os Tribunais também

reconhecem a figura do dolo eventual nos homicídios de trânsito.

O interesse pelo tema apresentando, deu-se pelo crescente

número de vidas ceifadas nas rodovias do país, o que caracteriza de alguma

forma o clamor público por medida mais enérgica para dirimir os resultados que

se apresentam.

Para desenvolver o trabalho monográfico, dividiu-se em três

capítulos.

No primeiro capítulo demonstrou-se o conceito de crime de

modo geral, com análise dos conceitos material, formal e analítico. Tratou-se do

fato típico e seus elementos, o resultado, o nexo de causalidade e a tipicidade.

Estudou-se, ainda, a antijuridicidade e a culpabilidade.

O segundo capítulo tratou dos elementos subjetivos do

crime, primeiramente do dolo e suas teorias, do elemento e suas espécies. Em

seguida estudou-se a culpa e seus elementos, suas modalidades - imperícia,

negligência e imprudência - e por fim suas espécies.

Já o terceiro capítulo estudou o conceito de trânsito, o

homicídio previsto no artigo 302 do Código de Trânsito, o procedimento para

julgar o crime. Em seguida buscou-se o entendimento dos Tribunais de quando o

homicídio no trânsito é considerado doloso, pelo dolo eventual, e o procedimento

seguido.

99

Portanto, quanto às hipóteses apresentadas na introdução,

ao longo deste trabalho monográfico, pôde-se chegar as seguintes conclusões:

A primeira hipótese restou comprovada visto que o artigo

302 do Código de Trânsito prevê a modalidade culposa, bastando que o agente

esteja em direção de veículo automotor e que ocorra um homicídio em acidente

de trânsito.

A segunda hipótese aponta que o dolo eventual pode ser

reconhecido nos homicídios de trânsito, onde o resultado morte é aceito pelo

motorista.

Por fim, com a terceira hipótese comprovou-se que basta

estar caracterizada a previsibilidade do resultado que os alguns tribunais

reconheçam a existência do dolo eventual.

Diferentemente do que preconiza a doutrina, que exige, para

a existência do dolo eventual, além da previsão do resultado, a aceitação do

mesmo.

Portanto, destaca-se que diante do grande número de

vítimas que morrem nas rodovias nacionais, a jurisprudência tem apresentado um

entendimento mais flexível para a caracterização do dolo eventual nos homicídios

ocorridos em acidente de trânsito, o que contraria a mais balizada doutrina.

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Trad. Paulo José da Costa Jr. 3 vols. São Paulo: RT, 1971.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 5 ed. ver. ampl. e atual. pelas leis 9.099/95, 9.268/96, 9.271/96 e 9.455/97. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro – lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo: Dialética, 1997.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. 5.ed. rev. e atual. por Rafael Cirigliano Filho Rio de Janeiro: Forense, 2005. Tomo I e II.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2000. v.1.

CAPEZ, Fernando. Gonçalves, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito Brasileiro. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

CARDOSO, Vicente Fontana. Crimes em Acidentes de Trânsito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

COELHO, Walter. Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,1991.

CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,1988.

COSTA JUNIOR, José da. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva. vol. I. 1992.

COSTA JUNIOR, Paulo José da. QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos Crimes do Código de Trânsito. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3.ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1991.

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3 ed., ver.,ampl.e atual. São Paulo: Ícone, 2002.

FEU ROSA, Antônio José Miguel. Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1995.

101

FLORIANÓPOLIS. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Direito Penal. Apelação Criminal nº. 1997.010667-0/ Balneário Camburiú, da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Relator Desembargador Alberto Costa. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 12 de maio de 1998. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de marco de 2008.

FLORIANÓPOLIS. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Direito Penal. Apelação Criminal nº. 2002.008110-3/Blumenau, da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Relator Desembargador João Eduardo Souza Varella. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 25 de junho 2002. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de marco de 2008.

FLORIANÓPOLIS. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Direito Penal. Apelação Criminal nº. 2003.025397-1/ Capital, da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Relator Desembargador Irineu João da Silva. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 04 de maio de 2004. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de marco de 2008.

FLORIANÓPOLIS. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Direito Penal. Apelação Criminal nº. 2007.002959-9/São Joaquim, da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Relator Juiz José Carlos Carstens Kohler. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 29 de maio de 2007. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de marco de 2008.

FLORIANÓPOLIS. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Direito Processual Penal. Recurso Criminal nº. 2005.022651-3/ Curitibanos, da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Relator Juiz José Carlos Carstens Kohler. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 30 de agosto 2005. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de marco de 2008.

FLORIANÓPOLIS. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Direito Processual Penal. Recurso Criminal nº. 2006.000048-6/São Francisco do Sul, da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Relator Desembargador Solon d'Eça Neves. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 21 de fevereiro de 2006. Disponível em: www.tj.sc.gov.br. Acesso em 17 de marco de 2008.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

FRANCO, Alberto Silva, SILVA JUNIOR, José, BETANHO, Luiz Carlos, STOCO, Rui, FELTRIN, Sebastião Oscar, GUASTINI, Vicente Celso da Rocha, NINNO, Wilson. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 4.ed, ver. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a lei n.9.503, de 23-9-1997. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 2003.

HONORATO, Cássio Mattos. Trânsito: Infrações e Crimes. Campinas: Millennium, 2000.

102

HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense,1958. Tomo II. v. 1.

JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1

LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2004.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Legalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1994.

MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. rev. atual. e ampl. Bauru, SP: Edipro, 2002.

MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 1961. vol. 4.

MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millennium, 2002. v.2

MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6.ed. São Paulo: Malleiros, 1993.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2005.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Parte Geral. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v.1.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Parte Geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva,1999, v.1.

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes de Trânsito: Lei n.9.503/97. São Paulo: Juarez de Oliveira,1999.

RIZZARDO, Arnaldo. Comentário de Trânsito Brasileiro. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

SILVA, José Geraldo da. Genofre, Fabiano. Lavorenti, Wilson. Leis Penais Especiais anotadas. Campinas: Millennium, 2001.

SILVA, José Geraldo da. Teoria do crime. Campinas, São Paulo: Bookseller, 1999. v.1.

103

SOBREIRA, Marcelo Ferreira da Rosa. Código de trânsito brasileiro – Lei nº. 9.503/97 – inconstitucionalidade do artigo 302. Revista Síntese de Direito Penal e Processo Penal – Porto Alegre: Síntese, v.1, n.6, fev/mar, 2001.

STOCO, Rui; FRANCO, Alberto Silva. Leis Especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7.ed. rev. , atual. ampl. 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002.

STRECK, Lênio Luiz. Tribunais do Júri: Símbolos e Rituais. 4.ed. rev. e mod. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

TAVARES, Juarez. Teorias do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

TELES, Ney Moura. Direito Penal – Parte Geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1998. v.1.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1984.

ZAFFARONI, Raul Eugênio; PIERANGEL, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 6 ed. São Paulo: RT,2006.