06 - defeitos do nj, erro, dolo, coação, lesão

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LFG – CIVIL – Aula 06– Prof. Pablo Stolze – Intensivo I – 05/03/2009 Antes de responder a pergunta deixada no ar na aula passada, o professor vai fazer uma breve recapitulação dos planos do negócio jurídico: O negócio jurídico se desdobra em três planos de análise: 1. De existência 2. De validade 3. de eficácia Plano de EXISTÊNCIA Estudamos a substância do negócio jurídico. Como se compõe o a estrutura existencial do NJ, os chamados elementos constitutivos e pressupostos de existência. Vimos que o negócio jurídico na sua estrutura existencial compõe se de manifestação de vontade, agente, objeto e forma. A forma, entendida como um meio pelo qual a vontade se manifesta (exemplo do seu Pedro). A pergunta deixada no ar foi: o silêncio pode ser entendido como um meio de manifestação da vontade? Por exceção, por ser um meio de externar a vontade? “Quem cala consente” Esse ditado tem respaldo no direito civil? É um tipo de pergunta profunda para prova dissertativa. “Nos termos do pensamento do professor Caio Mário, em sua clássica obra Instituições do Direito Civil, regra geral, o silêncio é o nada, não traduzindo manifestação de vontade. Excepcionalmente, a teor do art. 111, do Código Civil Brasileiro, na linha do art. 218, do Código de Portugal, o silêncio, em determinadas situações, pode gerar efeitos jurídicos.” Essa pergunta deve ser respondida assim: o silêncio é o nada, mas em determinadas situações, admite que o silêncio possa gerar efeitos. Excepcionalmente, em situações devidamente justificadas na forma do art. 111, do Código Civil. “Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.” “Exemplo: na doação pura, o silêncio do donatário no prazo fixado, importa aquiescência (art. 539, CC)” 83

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LFG – CIVIL – Aula 06– Prof. Pablo Stolze – Intensivo I – 05/03/2009

Antes de responder a pergunta deixada no ar na aula passada, o professor vai fazer uma breve recapitulação dos planos do negócio jurídico:

O negócio jurídico se desdobra em três planos de análise:

1. De existência2. De validade3. de eficácia

Plano de EXISTÊNCIA

Estudamos a substância do negócio jurídico. Como se compõe o a estrutura existencial do NJ, os chamados elementos constitutivos e pressupostos de existência. Vimos que o negócio jurídico na sua estrutura existencial compõe se de manifestação de vontade, agente, objeto e forma. A forma, entendida como um meio pelo qual a vontade se manifesta (exemplo do seu Pedro).

A pergunta deixada no ar foi: o silêncio pode ser entendido como um meio de manifestação da vontade? Por exceção, por ser um meio de externar a vontade? “Quem cala consente” Esse ditado tem respaldo no direito civil?

É um tipo de pergunta profunda para prova dissertativa.

“Nos termos do pensamento do professor Caio Mário, em sua clássica obra Instituições do Direito Civil, regra geral, o silêncio é o nada, não traduzindo manifestação de vontade. Excepcionalmente, a teor do art. 111, do Código Civil Brasileiro, na linha do art. 218, do Código de Portugal, o silêncio, em determinadas situações, pode gerar efeitos jurídicos.”

Essa pergunta deve ser respondida assim: o silêncio é o nada, mas em determinadas situações, admite que o silêncio possa gerar efeitos. Excepcionalmente, em situações devidamente justificadas na forma do art. 111, do Código Civil.

“Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”

“Exemplo: na doação pura, o silêncio do donatário no prazo fixado, importa aquiescência (art. 539, CC)”

Em algumas situações, o silêncio pode repercutir juridicamente.

OBS.: “O silêncio reveste-se de grande importância na situação de dolo negativo, prevista no art. 147.”

“Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.”

Com isso, encerramos o plano de existência, ingressamos no plano de validade.

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Plano de VALIDADE

O CC adotou uma forma dicotômica. Ao sistematizar o nj não iniciou com o plano de existência, mas com o plano de validade. Ele não desconsidera o plano de existência. Apenas inicia no plano de validade, no art. 104, que cuida dos pressupostos de validade do nj.

O art. 104 aperfeiçoou um artigo do Código Civil anterior, muito criticado pelo tratamento que dava ao elenco de pressupostos d validade que fazia. O código novo aperfeiçoou a disciplina. No que tange ao art. 104 as críticas, em parte persistem porque os pressupostos de validade não foram todos enfrentados. Então a análise de sala de aula faz uma abordagem mais ampla com o objetivo de complementar os pressupostos de validade do Código Civil.

Vimos que o plano de existência é o plano substantivo. Faltando um pressuposto de existência o negócio jurídico é inexistente. E se faltar pressupostos de validade? O NJ inválido. A invalidade é o gênero do qual decore a nulidade e a anulabilidade. Ele tanto pode ser nulo, quanto pode ser anulável.

Não é preciso decorar os pressupostos de validade. Basta entender os pressupostos de existência para chegar aos pressupostos de validade com facilidade. Exemplo: Fredie é gente boa. Quando digo isso, estou qualificando Fredie como gente boa. Dizer isso é como se estivesse no plano de validade de Fredie (ele é válido, gente boa, vale a pena). E no plano de existência, ele existe? Sim, tem corpo e alma. Quando se cuida do plano de existência, vc fala de substância, fala do ser ou do não ser. No plano de validade, o negócio já é existente, mas vc vai analisar se ele tem qualificação para gerar efeitos. Pressupostos de validade são pressupostos de qualidade do negócio jurídico para que ele tenha aptidão para gerar efeitos. Ele pressupõe que já existem os pressupostos de existência. Vc só dirá o que vale a pena o que já existe. Sem os pressupostos de existência, não há que se falar em pressuposto de validade.

“Os pressupostos de validade traduzem requisitos de qualificação do negócio, para que tenha aptidão para gerar efeitos jurídicos”.

Se vc diz que o negócio é válido, significa que os pressupostos de validade concorrem, ou seja, o negócio está qualificado para gerar efeitos na órbita do direito. Os pressupostos de validade partem dos pressupostos de existência. Quais são os pressupostos de existência? Manifestação de vontade, agente, objeto e forma. Eles nada mais são do que os pressupostos de existência qualificados. Faltando qualquer desses quatro elementos, o negócio é inexistente. Se faltar vontade, não existe, se faltar objeto, não existe, se não tiver agente não existe e se não tiver forma, não existe (salvo situações excepcionalíssimas como a do silêncio). Para o negócio existir tem que ter vontade, agente, objeto e forma.

Pressuposto de validade – para ser válida, a manifestação de vontade tem que ser totalmente livre e de boa fé, o agente tem que ser capaz e legitimado, o objeto tem que ser lícito e possível e determinado (ou ao menos determinável) e a forma, para ter validade, ou é livre ou é prescrita em lei.

Chegamos a esses pressupostos de validade qualificando os pressupostos de existência:

Manifestação de vontade livre e de boa fé Agente capaz e legitimado Objeto lícito, possível e determinado ou ao menos determinável Forma livre ou prescrita em lei.

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Se a questão da prova tem uma hipótese de negócio jurídico em que não houve emissão da vontade, no negócio é inexistente. Se faltar o agente, não existe. Mas se o agente existir e for incapaz? O negócio é inválido. Se falta o agente, o negócio é inexistente. Se o objeto é juridicamente impossível, o negócio é inválido. No negócio jurídico que Sr.Pedro celebrou (aula passada) havia forma, mas não era forma prescrita. O negócio existiu, mas era inválido. Basta raciocinar com a relação que há entre existência e validade.

Contrato de prestação de serviços sexuais – é negócio jurídico existente? Caiu em concurso. Há manifestação de vontade? Sem dúvida (o cidadão para o carro, conversa); há agentes, há objeto (atividade) e existe forma manifestada (verbal). Os elementos estão presentes. O negócio existe. Mas ele é válido? A vontade foi manifestada de boa-fé? Sim. O agente é legitimado? Sim. O objeto é lícito? Neste ponto entramos numa questão das mais interessantes da aula de hoje. O site oficial do Ministério do Trabalho, traz a classificação brasileira de ocupações e reconhece (no código 5198 ou 5191) o profissional do sexo. Então, o profissional do sexto tem sua atividade reconhecida posto não disciplinada por lei. Na verdade, esse contrato existe, mas pode ser inválido por ilicitude do objeto. O objeto existe, mas é ilícito. Essa invalidade é discutível, como veremos daqui a pouco.

Transplantando isso para nossa matéria, para o negócio existir, tem que ter vontade, agente, objeto e forma. Para existir e ser válido, a vontade tem que ser livre, o agente capaz e legitimado, o objeto lícito, possível e determinado ou determinável e a forma livre ou prescrita. Se a questão do concurso disser que o jovem de 16 não celebrou negócio jurídico, esse negócio existe, mas é inválido por incapacidade do agente.

Atenção para o aspecto da licitude. A pergunta colocada é boa para entender.

“Licitude, segundo Orlando Gomes, traduz compatibilidade com a lei e com o padrão médio de moralidade.”

Isso é muito discutível. O que são bons costumes, padrão médio de moralidade? Licitude do objeto, segundo a doutrina brasileira significa não só compatibilidade com a lei, mas com o padrão médio de moralidade. Mas isso é muito discutível. Tem uma carga enorme de subjetividade nisso. O que significa padrão médio de moralidade? Em geral, uma banca de concurso exigira como resposta a essa pergunta do contrato de prestação de serviço sexuais, que é negócio existente, posto inválido por ilicitude do objeto, tendo em vista afronta o padrão médio de moralidade, o que é absolutamente discutível.

O professor é obrigado a dizer que cientificamente, contudo, existe ainda a noção de padrão médio de moralidade no direito civil que hoje vem sendo reconstruída com bases constitucionais, perdendo o conservadorismo de outrora, mas ainda existe.

Outra questão interessante ainda no pressuposto de validade diz respeito à manifestação de vontade livre e de boa-fé. Ouviram falar dos defeitos do negócio jurídico? Erro, dolo, coação moral, lesão (vício novo), estado de perigo, simulação e fraude contra credores. Esses defeitos do negócio jurídico interferem no plano de existência ou de validade? Validade. Isso porque em geral, esses defeitos atacam os pressupostos de validade manifestação de vontade livre e de boa-fé. Quando há defeito do negócio jurídico o negócio existe, mas é inválido. A vontade não foi totalmente livre ou não foi praticada de boa-fé.

Exemplos: coação moral, psicológica (“se vc não assinar o contrato, eu faço isso”). A coação moral embaraça, mas não neutraliza a vontade. Alguém que sofre a ameaça manifesta vontade viciada. Por isso, os defeitos do negócio jurídico atacam a validade porque a vontade

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não foi totalmente livre. No dolo, vc é enganado. A outra parte age de má-fé, atacando a boa-fé da sua manifestação de vontade. Assim, no dolo o negócio jurídico também é inválido. Os efeitos do negócio atacam a validade do negócio jurídico. E para o negócio jurídico ser válido, a manifestação de vontade tem que ser livre, de boa-fé, o agente capaz e legitimado, o objeto lícito possível e determinado e a forma livre.

OBS.: No que tange à forma, o art. 107, do Código Civil, consagra o princípio da liberdade como regra geral. Por exceção, a forma pode ser exigida ou para efeito de prova do negócio, art. 227, denominando-se negócio ad probationem, ou a forma pode ser exigida como pressuposto de validade, art. 108, negócio ad solemnitatem.”

“Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

Quando a lei prescreve determinada forma, duas situações podem acontecer: oU a forma foi prescrita para efeito de prova do negócio (matéria estudo de processo civil e que o cc cuida no art. 227), ou a forma é exigida como pressuposto de validade (que é o nosso estudo de hoje). Então, quando a forma é exigida para efeito de prova e não foi observada, o negócio não terá como ser provado em juízo. Isto está claro no art. 227:

“Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.

Então, negócio que tem valor superior a 10 salários mínimos exige forma escrita para efeito de prova.

Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.”

Todavia, a prova é prescrita na lei como forma de validade do negócio, ou seja, se vc não usar a forma prescrita em lei, o negócio é existente é inválido. A forma, como requisito de validade, está regulada no art. 108:

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

 Em geral se usa a referência de salário nacional, mas tem que ver o que diz a

jurisprudência do Estado. Se o nj versar sobre o tema tratado no art. 108, a forma pública é requisito de validade. Se as partes não observarem isso, o negócio é existente, mas é inválido. Isso significa se vc vender seu apartamento de 500 mil reais, vc tem que lavrar escritura pública. Se vc não observar isso, o negócio é inválido porque o negócio é solene, existe forma publica como requisito de validade.

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Pegadinha dentro do art. 108: “não disposto a lei em contrário”. Há situações em que o próprio ordenamento jurídico admite mesmo no negócio jurídico imobiliário acima de 30 salários, que a forma seja particular.

OBS.: “Por exceção, admite-se a não observância da forma pública, ainda que o valor aventado no negócio seja superior a 30 salários mínimos, como se dá com a promessa de compra e venda (arts. 1.417 e 1.418).”

Seu apartamento pode valer 15 milhões de reais. A promessa de compra e venda pode ser feita por instrumento particular. Em geral é isso mesmo que acontece: A construtora entrega para vc um contrato de adesão. A norma específica permite.

Esse valor de 30 salários mínimos estipulado no negócio para efeito de se observar a forma pública é um valor arbitrado pelas partes ou é um valor que a administração pública estima para efeitos tributários? Se o seu apartamento vale 250 mil, vc declara isso no negócio e é esse valor que vai ser levado em conta para efeito tributário. Mas para efeitos de se observar a forma pública, de onde sai esse valor? As partes declaram ou a prefeitura estimou?

“O Enunciado 289, da IV Jornada de Direito Civil, firmou entendimento no sentido de que o valor fixado no negócio para efeito de lavratura de escritura pública, nos termos do art. 108, é o arbitrado pelas partes e não pela Administração Pública para efeitos tributários”.

“289 – Art. 108. O valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade tributária.”

Com isso, temos o plano de validade e, faltando qualquer dos seus pressupostos, o negócio é inválido, dando origem à nulidade e à anulabilidade. Só depois do plano da existência é que se adentra o plano de validade e só depois se chega ao plano da eficácia. Primeiro se nota se existe, depois se é válido e, por último se produz efeitos.

“Esse terceiro plano, segundo o professor da USP, Antônio Junqueira de Azevedo, estudam-se a eficácia jurídica do negócio e os elementos acidentais que interferem nesta produção de efeitos.”

Já vimos que o negócio existe, que é válido e, por último, estudamos a eficácia jurídica do negócio. Neste terceiro plano que será estudado na última aula de parte geral, o professor vai apresentar um esquema global. No plano da eficácia, sobre o qual o professor ainda falará, estudamos os elementos que interferem na eficácia jurídica do negócio. Esses elementos são chamados de acidentais porque podem ou não ocorrer. São também chamados de modalidades. Estudamos primeiramente os elementos que interferem na eficácia, os conhecidos elementos: condição, termo e modo ou encargo.

Com isso, o professor apresentou o esquema completo da teoria do negócio jurídico, que vai do plano de existência ao plano de eficácia sobre o qual ainda falará. Vamos recuar um pouco agora, para depois entrar novamente no plano da eficácia.

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LIVRO III - DOS FATOS JURÍDICOSTÍTULO I - DO NEGÓCIO JURÍDICO

CAPÍTULO IV - DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO  

Seção I - Do Erro ou Ignorância Seção II - Do Dolo Seção III - Da Coação Seção IV - Do Estado de Perigo Seção V - Da Lesão Seção VI -Da Fraude Contra Credores

3. DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

3.1. ERRO

O Código Civil, ao abrir o art. 138, faz com o título “Do Erro ou Ignorância”. Na verdade, é mais comum se referir a isso como erro e mais aconselhável.

“Teoricamente, o erro traduz uma falsa percepção positiva da realidade, uma atuação comissiva equivocada, em prejuízo do declarante; a ignorância é um estado de espírito negativo de desconhecimento.”

É uma observação teórica. O erro é positivo. Quem atua em erro, atua comissivamente de forma equivocada. A ignorância é negativa, é estado de desconhecimento. De uma forma ou de outra, quer tenha havido erro, quer tenha havido ignorância no negócio jurídico, em tese, esse negócio pode ser invalidado.

Feita essa primeira análise teórica, o professor vai usar a referência ao erro.

Não é todo e qualquer erro que leva à anulação do negócio jurídico:

“A doutrina clássica, desde Clóvis Beviláqua, costumava afirmar que o erro, para ser causa invalidante do negócio, deveria ser: essencial (substancial) e escusável (perdoável).”

Há bancas que são clássicas: entra no Google para saber o que o cara escreveu. Veja o pensamento da banca.

O erro essencial é o que ataca a essência, substância, natureza. Não pode ser episódico. E, além disso, o erro para invalidar tinha que ser perdoável, ou seja, aquele que incorreu em erro, espontaneamente equivocou-se: ao invés de adquirir uma estátua de marfim, adquiriu uma estátua de osso de cachorro.

Autores mais modernos tem feito uma crise duríssima a esse segundo requisito, a escusabilidade. Por que? É extremamente subjetivo se dizer quando o erro é ou não escusável. Em que circunstâncias se pode dizer que o erro que vc cometeu é passável? A doutrina moderna, então, vem dizendo que, à luz do princípio da confiança, esse segundo requisito não precisa ser analisado porque se uma pessoa incorre em erro, é porque confiou na outra parte, de maneira que não se analisa a escusabilidade do erro, algo subjetivo e impreciso.

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“A doutrina moderna, corporificada no Enunciado 12, da I Jornada de Direito Civil, interpretando o art. 138, do Código Civil, tem entendido ser irrelevante a escusabilidade do erro para efeito de invalidação do negócio.”

“Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.”

Esse enunciado é ótimo porque o art. 138 tem redação confusa. A tendência hoje é, pois, não mais se exigir a escusabilidade do erro para efeito de invalidação do negócio jurídico por conta do princípio da confiança. Se o erro representou um prejuízo e é substancial vc pode, em tese, anular o negócio, não havendo que se falar em escusabilidade:

“12 – Art. 138: na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança.”

OBS.: “Nos termos do art. 144, do Código Civil, o erro não invalidará o negócio se houver recomposição da situação de perda.”

Exemplo: Fiz pagamento indevido através da conta do banco. Se o banco fizer a reposição, não há o que invalidar.

“Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.”

 OBS.: Veremos nas aulas de Teoria Geral do Contrato, a diferença entre erro e vício

redibitório.

MODALIDADES DE ERRO

Baseado na doutrina de Roberto Ruggiero, o professor faz a análise das 3 fundamentais formas de erro: Erro sobre o objeto, sobre o negócio e sobre a pessoa (art. 139, do Código Civil):

“Art. 139. O erro é substancial quando:

I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.”

 

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a) Erro sobre o OBJETO

“O erro sobre o objeto incide na identidade ou características do objeto do negócio.” É o sujeito que quer comprar algo de marfim e compra de osso, alguém que quer um lustre de cobre e compra de zinco. Equívoco sobre o objeto.

b) Erro sobre o NEGÓCIO

“O erro sobre o negócio incide na estrutura da declaração negocial de vontade.” Seu colega lhe empresta a caneta Mont Blanc, e vc já vai saindo com ela, achando que ele tivesse doado. Não foi doação, foi comodato. Há situações em que as pessoas incorrem em erro quanto à natureza do negócio. O sogro empresta a casa para o genro morar, mas ele acha que é dado.

c) Erro sobre a PESSOA

“O erro sobre a pessoa incide nas características pessoais do declarante.” Vc vai fazer um negócio com Pedro, equivoca-se e celebra o negócio com seu irmão gêmeo. O Professor tem um processo em que uma moça namorava com um rapaz gêmeo. Faltou luz em casa e, em vez de entrar o namorado, entrou o irmão. Ela fez amor com o irmão e a confusão instalou-se. “O fato é que essa situação de erro sobre a pessoa tem especial aplicação no direito de família para efeito de anulação de casamento (arts. 1.556 e 1.557).” Veremos em direito de família.

Jurisprudência no material de apoio: Um cidadão ao se casar, descobriu que a esposa ao se casar com ele não tinha a menor intenção de ter relação sexual. Nenhuma intenção. O fato de que o cônjuge desconhecia completamente que após o casamento que não obteria do outro cônjuge autorização para realização de conjunção carnal, demonstra erro essencial. Isso é erro essencial. Não vá escrever na prova que a relação sexual é efeito obrigatório do casamento. O casamento pode perfeitamente conviver sem ela, desde que a decisão seja conjunta. Mas a partir do momento que o cidadão contrai matrimônio e descobre que a esposa não tinha a menor intenção de ter relação sexual, pode representar erro sobre a pessoa.

(Fim da 1ª parte da aula)

Questão especial de concurso: “O erro de direito invalida o negócio jurídico?”

“Tradicionalmente, a doutrina de Clóvis Beviláqua, e na mesma linha o Código Civil de 1916, não se admitia a tese do erro de direito. Posteriormente, autores como Eduardo Espínola, Carvalho Santos e Caio Mário, sustentaram esta possibilidade desde que não traduzisse recusa intencional à aplicação da lei. O novo Código Civil, em seu art. 139, III, admite o erro de direito como causa de invalidade do negócio jurídico.”

A ninguém é dado ignorar a lei. Princípio insculpido na Lei de Introdução ao Código Civil. Mas esse princípio se justifica muito mais por uma questão de segurança jurídica do que na falsa pressuposição de que todos conhecem todas as leis do ordenamento. O fato se de admitir o erro de direito não significa que estamos derrocando o princípio segundo o qual a todos deve se impor, por efeito, o conhecimento do império da lei. Nada impede que a par de se afirmar que ninguém é dado ignorar a lei, que o agente interprete a lei de forma equivocada.

“O erro de direito justifica-se quando o declarante de boa-fé equivoca-se quanto ao âmbito de atuação permissiva da norma. Vale dizer, é um erro sobre a ilicitude do fato possível de ocorrer.”

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Claro, erro sobre a ilicitude. O novo Código Civil contempla essa possibilidade de haver um erro de interpretação da norma, justificando a invalidade do negócio. Exemplo: empresa importadora tem que interpretar muitas leis para concluir sobre o que pode e o que não pode importar no nosso país. Esse exercício pode levar a erro. O exemplo da empresa importadora é comum: ela incorre em erro de interpretação de norma federal, imaginando ser possível o que não pode ter entrada em nosso país. Se vigorar a boa-fé, há erro de direito, podendo invalidar o negócio, já que ninguém conhece o sistema da forma que se espera que conheça. Isso é aceito como causa de invalidade do negócio, desde que não signifique afronta ao direito.

“O erro é causa de invalidade do negócio jurídico, anulando-o.” É causa de anulação, como veremos em breve aula.

3.2. DOLO

É o segundo defeito do negócio jurídico. Se vc compreendeu a essência do erro, não vai

ter dificuldades com o dolo.

“O dolo, nada mais é do que o erro provocado resultando na invalidade do negócio jurídico (anulação)”

Definição curta, precisa e objetiva. O dolo também causa a anulação do negócio jurídico. Mas eu chamo a sua atenção para dizer que o dolo é mais rasteiro do que o erro. O efeito do erro é a anulação e o efeito do dolo e a anulação também. Quanto aos efeitos há identidade, mas não na causa. O dolo é ardiloso, o erro é espontâneo. Quando vc incorre em erro, vc espontaneamente errou. Quando é vítima de dolo, vc foi enganado.

Dolus malus e dolus bonus

No direito romano este vício traduzia o chamado dolus malus. Ou dolo mau, dolo grave, dolo-vício. Não se confundia, todavia, com dolus bonus, uma vez que o dolus bonus era aceito juridicamente. A jurisprudência ainda usa muito essas duas expressões:

Dolus malus – é o vício do dolo.

Dolus bonus – dolo que não é vício, que é aceito socialmente. É muito usado como técnica de publicidade aceita socialmente quando a empresa realça as características do seu produto, salienta os caracteres daquilo que quer vender. Propaganda de creme dental, os dentes brilham. Propaganda de Xampu.

O que se transmuda em dolus malus é quando o anunciante deturpa as características do produto, presta informações falsas. Neste caso, é publicidade enganosa e isso é sinônimo de dolus malus. O dolus bonus é aceito. Se desvirtuado, não.

Há um texto muito bom no material de apoio sobre o seguinte:

“As mensagens subliminares traduzem prática comercial abusiva, manifestação de dolus malus, vedada pelo ordenamento brasileiro, valendo registrar o Projeto de Lei 4.068/08 que pretende alterar o CDC para, explicitamente, proibir este tipo de mensagem.”

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A mensagem subliminar induz o destinatário da informação à realizar um comportamento que não passou por sua análise cognitiva. A mensagem subliminar é indutiva, sem que haja percepção clara da informação recebida: Imagens ou mensagens veiculadas por pequenas frações de tempo, não percebidas conscientemente pelo expectador, uso de efeito estreboscópico, reprodução de trilha sonora musical ao contrário, etc. A mensagem subliminar é manifestação do dolus malus e traduz indução de comportamento.

O site do Consultor Jurídico do UOL (www.conjur.com.br) veiculou duas informações a respeito de dois processos, duas informações: um primeiro de 30/09/2003 e o segundo de 05/11/2002. Em ambos eles colocam a tese do MP. Nos dois, se discutia mensagem subliminar. No primeiro a mensagem era visual. A emissora de TV vinculava imagens de alta velocidade que vinham atrás da programação. Reproduzidas em câmera lenta, via-se que as cenas que vinham atrás eram de mulheres presas em cama, em imagens sadomasoquistas. Isso, segundo o MP poderia gera, no receptor da informação, um comportamento induzido. A análise dessa forma de dolus malus remonta Aristóteles. No segundo caso, uma grande cervejaria fazia propaganda com um cantor famoso (Zeca Pagodinho). Em um momento do filme alguém se aproxima e fala no ouvido dele em tom muito baixo, imperceptível na velocidade normal: “se vc não beber toda essa cerveja eu enfio a garrafa no seu rabo.” É forma de transmitir informação sem passar pela visão consciente (ver material de apoio).

Dolo principal e dolo acidental ou secundário

“Na teoria do negócio jurídico, o dolo, a teor do art. 145, para anular o negócio precisa ser principal.” O dolo só invalida se for principal. O dolo que invalida o negócio é só o que ataca a causa, previsto no art. 145, do Código Civil:

“Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.”

Muito cuidado com o que vem agora:

“Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.”

O principal anula o negócio, o dolo meramente acidental, não porque resulta apenas na obrigação de pagar perdas e danos.

“Diferentemente, o dolo meramente acidental, não prejudica a validade do negócio, impondo apenas a obrigação de pagar perdas e danos.”

Acidental é o dolo secundário. É aquele que, em havendo, não prejudica a mantença do negócio, mas pode gerar perdas e danos. Exemplo: “Eu lhe vendo meu carro por 35 mil reais e entrego em domicílio. Mas disse isso sabendo que não tinha como entregar.” Eu enganei a outra parte que, prejudicada, ainda tem interesse no negócio, mas exigirá perdas e danos porque se soubesse que não haveria entrega, teria celebrado o negócio de outra maneira. Se ficar claro que esse aspecto é principal, todo negócio pode ser anulado. Tudo dependerá da análise do caso concreto.

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Dolo negativo

OBS.: O que se entende por dolo negativo? O dolo negativo consiste na quebra do princípio da boa-fé por descumprimento do dever anexo de informação, como se dá na omissão de informação essencial à celebração do negócio (art. 147).

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.

Falamos aqui dos artigos mais importantes e essa seleção é muito cuidadosa.

Dolo bilateral

O que é dolo bilateral? O art. 150 estabelece que, em havendo dolo recíproco (bilateral), o negócio jurídico fica como está. Não é que tenha havido compensação de dolos, mas não se anula porque a nenhuma das partes é permitido alegar a própria torpeza em juízo. O direito deixa como está para que as partes arquem com a responsabilidade.

“Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.”

Dolo de terceiro

Em geral, o dolo funciona assim: A atua com dolo para enganar a B. Só que pode acontecer de haver uma relação jurídica entre A e B e um terceiro enganando as partes. O artigo que cuida disso é longo e muito provável de cair em concurso público e, visualmente, o professor vai mostrar como ele funciona:

“Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.”

Como isso funciona: A situação é: Pedro e Mariana são fazendeiros. Mariana é irmã de Pablo. Há 20 cabeças de gado doentes na fazenda de Mariana. Pablo, intermediário de venda de gado, vai até Pablo, de má-fé, vender esse gado doente a ele. No dolo de terceiro o negócio só será anulado se Mariana (beneficiária) soubesse ou tivesse como saber do dolo do Pablo. Ou seja, se o beneficiário soubesse ou tivesse como saber. E se Mariana vivesse na Holanda, ficando claro que o beneficiário não sabia e nem tinha como saber, o negócio é mantido e só o terceiro responde por perdas e danos. A regra geral é: se o beneficiário sabia ou tinha como saber, o negócio é anulável, mas se não sabia e não tinha como saber, ficando claro que o beneficiário também estava de boa-fé, é motivo para que apenas o terceiro responda por perdas e danos. É duro, mas é a lei.

“Na forma do artigo 148 do Código Civil, o dolo de terceiro só invalidará o negócio jurídico se o beneficiário dele soubesse ou tivesse como saber. Em caso contrário, se não soubesse e nem tivesse como saber, o negócio é mantido, respondendo apenas o terceiro pelas perdas e danos.”

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3.3. COAÇÃO

“A coação traduz violência psicológica apta a influenciar a vítima a realizar negócio jurídico que a sua vontade interna não deseja efetuar. É causa de invalidade do negócio jurídico (anulação).”

Lembrem-se isso não é coação física, que neutraliza totalmente a manifestação de vontade que, neste caso, o negócio é inexistente. Aqui, a coação é moral, psicológica.

Forma de coação que invalida a manifestação de vontade é aquela que faz com que o motorista celebre um negócio jurídico que a sua vontade não quer: caso dos flanelinhas.

“Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.”

  Na coação não existe o parâmetro do “homem médio” porque ela não é analisada em abstrato. A coação deve ser sempre analisada em concreto nos termos do art. 152:

“Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.”

A coação dirigida a uma senhora octogenária pode não ser a mesma dirigida a um policial faixa-preta de caratê.

OBS.: “Não se pode confundir coação com a ameaça do exercício regular de um direito nem como um simples temor reverencial (art. 153).”

A empresa com a qual vc tem um contrato pode, perfeitamente, avisar que seu nome será negativado caso vc não pague. Isso não é coação. A informação à ameaça de um exercício regular de um direito não é coação. A negativação do nome, desde que se traz de uma dívida existente, desde que se comunique ao devedor é algo possível, além do que o sistema de proteção ao crédito está previsto no próprio direito do consumidor.

Como também não é coação o temor reverencial, que “é o respeito à autoridade instituída”. Pode ser profissional (empregado com relação ao chefe), militar (sargento em relação ao coronel), pode ser até eclesiástica (padre em relação ao bispo), familiar (genro em relação ao sogro).

O simples temor reverencial à autoridade instituída não significa coação, a não ser que junto com ele venha a ameaça.

Coação de terceiro

Muita atenção para saber diferenciar coação de terceiro de dolo de terceiro.

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A coação de terceiro vem regulada nos arts. 154 e 155, do Código Civil:

“Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro (Pablo), se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta (Mariana) responderá solidariamente com aquele (Pablo) por perdas e danos.”

Por outro lado:

“Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.”

De novo: Pedro e Mariana. A situação é de coação de terceira. Mariana é irmã de Pablo que vai até Pedro e o obriga a comprar o gado doente de Mariana, sob pena de ir até lá com os seus comparsas, arrebentá-lo e queimar a fazenda. Pedro compra. A coação partiu de terceiro. Neste caso, segundo o Código Civil, o negócio jurídico só será anulado se o beneficiário do contrato soubesse ou tivesse como saber da coação. Neste caso, o negócio é anulado e o beneficiário responde como coator solidariamente pelas perdas e danos. Se ficar claro que mariana sabia ou tinha como saber da coação, além de o negócio ser anulado, Mariana responde solidariamente por perdas e danos.

A diferença está em que no dolo, o negócio também é anulável, apenas não há a previsão de solidariedade. Na solidariedade qualquer dos devedores pode ser compelido a pagar toda a dívida. No caso do solo, em sendo anulado o negócio, o beneficiário e o terceiro respondem proporcionalmente na medida da culpa de cada um. Na coação, por ser mais grave para o legislador, se o beneficiário soubesse ou tivesse como saber, o negócio é anulado e o beneficiário responde solidariamente. No dolo de terceiro, não. Aí, cada um responde na medida de cada culpa. A solidariedade não se presume. Decorre da vontade das partes.

“Na coação de terceiro, nos termos do art. 154, se o beneficiário soubesse ou tivesse como saber, o negócio seria anulado, respondendo este beneficiário SOLIDARIAMENTE com o coator pelas perdas e danos. Esta previsão de solidariedade, não houve no dolo de terceiro. Finalmente, se o beneficiário não souber nem tiver como saber, responderá apenas o coator pelas perdas e danos, mantendo-se o negócio jurídico.”

Se Mariana não tivesse como saber, o negócio é mantido e apenas Pablo responde por perdas e danos.

4. LESÃO

De todos os defeitos é o que mais tem conexão com abuso de poder econômico. Uma sociedade como a nossa, marcada pela técnica da contratação, em que nossa vontade é quase reduzida a aderir aquilo que foi proposto, o contrato de adesão é terreno fértil para a lesão. O contrato de adesão faz parte (senão vc ficaria sem luz, água, telefone).

Comecemos então, com um breve histórico a respeito da lesão:

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O Código Civil de 1916 não cuidava desta matéria, que tem raiz no direito romano.

OBS.: “No direito romano, diferenciava-se lesão enorme de lesão enormíssima. A enorme, menos grave, ocorreria quando a desproporção do negócio fosse superior à metade do preço justo. Já a enormíssima, quando esta desproporção ultrapassar mais de 2/3 do preço justo.”

Vc vai ver que a lesão é forma de usura. Historicamente é compreensível que o Código de 1916 não tenha previsto isso porque foi redigido em uma época em que a economia era muito mais simples. Contudo, a cada dia que se passava, as mecânicas surgiam traduziam muitas formas de usura. A primeira lei brasileira que cuidou do tema não foi lei civil.

A lei pioneira no tratamento desta matéria foi uma lei penal, a Lei 1.521/51, famosa lei de economia popular, que tipificava o crime de usura no contrato.

No campo do direito privado, a primeira grande lei que cuidou da matéria foi o CDC, que, em mais de uma oportunidade faz referência à lesão, sendo que o artigo básico é o art. 6º, V, para as relações de consumo e, depois, o Código Civil Brasileiro, no seu art. 157, cuida do vício da lesão (será visto na próxima aula).

O que é lesão? É defeito que usa como arma fundamental para discutir abusividade de taxa de juros. No Brasil, dificilmente vc consegue isso. Por mais que em tese vc possa discutir abusividade de taxa de juros invocando esse defeito da lesão, nós sabemos que as instituições financeiras, e essa matéria já é firmada no STJ, incluindo as administradoras de cartão de crédito, não se submetem à lei de usura. É possível discutir, mas não obterá êxito por ser uma liberdade admitida no nosso sistema.

De todos os defeitos, sem nenhuma dúvida a lesão é o que mais de perto interessa a quem fará prova de direito econômico. O abuso de poder econômico resultou no Brasil em pactuação de negócio usurários e quem combate isso é o instituto da lesão.

“Intimamente conectado ao abuso do poder econômico, o defeito da lesão, causa de invalidade do negócio jurídico, verifica-se na desproporção existente entre as prestações do negócio, em virtude do abuso da necessidade ou inexperiência de uma das partes.”

Uma das partes impõe a outra obrigação excessivamente onerosa, tornando a balança contratual desequilibrada.

Prova oral sobre isso: o professor falou que a lesão é causa de invalidade mas não falou em anulação. Quando for fazer a prova oral, se perguntarem se a lesão é causa de anulação ou de nulidade. O erro gera anulação, o dolo gera anulação, a coação gera anulação. E a lesão? É causa de que tipo de invalidade? A resposta é: depende. É causa de anulação do negócio na forma do Código Civil porque se o contrato for de consumo, na forma do CDC, a lesão é causa de nulidade absoluta.

“No Código Civil, para negócios civis em geral (art. 157), a lesão é causa de anulação do negócio. Já no Código de Defesa do Consumidor, dada a sua superior principiologia de ordem pública, é causa de nulidade absoluta do negócio.”

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