dolo eventual ou culpa consciente - homicídios no trânsito

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1. SURGIMENTO DO TRNSITO

Com a inveno da roda h mais de cinco mil anos, o homem no podia imaginar tamanha transformao em sua vida. Tal inveno proporcionou o desenvolvimento dos meios de transporte existentes atualmente.A Revoluo Industrial, por sua vez, possibilitou o avano da cincia e o surgimento das linhas de produo, que colaborou indiscutivelmente para a criao dos veculos motorizados. Essa nova inveno permitiu o progresso rpido da civilizao, reduzindo drasticamente o tempo gasto entre as cidades, facilitando assim a comercializao de insumos agrcolas nas cidades circunvizinhas, bem como nos portos, a fim de serem vendidos em lugares mais distantes.Em contrapartida, era mister construir novos caminhos, estradas para ligar essas regies. Dessa forma, surge tambm a necessidade de regulamentar o trfego de veculos, pois a falta de um ordenamento no trnsito j trazia desconforto e perigo as pessoas. Comeavam a ocorrer acidentes e mortes nas vias.Dados oficiais do Datasus[footnoteRef:1] revelam que mais de quarenta mil pessoas morrem anualmente no Brasil em decorrncia de acidentes de trnsito. O pior que esses nmeros vm crescendo ano a ano. [1: Departamento de Informtica do Sistema nico de Sade. Disponvel em www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php. Acesso em 13 de novembro de 2013.]

Seguindo o avano dos dados referente s vtimas fatais no trnsito, aumenta tambm, consideravelmente, a frota veicular em circulao nas nossas vias, proporcionando o chamado caos urbano.Salienta-se ainda que a presena dos veculos nos dias atuais indispensvel na vida do homem moderno. O grau de sujeio do ser humano ao meio de transporte particular inestimvel, seja pelo status social, comodidade, independncia que o automvel trs, ou deficincia do transporte pblico. O certo que as vias urbanas no tm suportado o aumento substancial no nmero de veculos em circulao, de maneira que so visveis nos grandes centros, congestionamentos interminveis, principalmente nos horrios de pico.

1.1 CONCEITO DE TRNSITOO trnsito um espao coletivo onde todos participam de forma ativa e passiva, congregando todo o ambiente de circulao de pessoas nas vias, o espao da cidadania.O Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB), no pargrafo 1 do prprio artigo 1 estabelece o seguinte:

Art. 1 1 Considera-se trnsito a utilizao das vias por pessoas, veculos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou no, para fins de circulao, parada, estacionamento e operao de carga ou descarga.

No anexo das definies e conceitos, parte integrante da Lei 9.503/97[footnoteRef:2], temos a definio de trnsito como movimentao e imobilizao de veculos, pessoas e animais nas vias terrestres. [2: Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB). Lei n. 9503/97, publicada no Dirio Oficial da Unio em 24/9/1997.]

Essa definio legal apresenta-se semelhante concepo do regulamento (Decreto 62.127)[footnoteRef:3] do antigo normativo de trnsito, o revogado Cdigo Nacional de Trnsito (Lei n. 5.108/66)[footnoteRef:4], que previa a definio do trnsito (anexo I) com a mesma conceituao[footnoteRef:5], mas com a incluso da expresso pblicas quando mencionava utilizao das vias pblicas, que no mais se apresenta no nosso atual Cdigo de Trnsito Brasileiro. [3: Decreto n. 62.127/66, publicado no Dirio Oficial da Unio em 22/01/1968.] [4: Lei n. 5.108/66, publicada no Dirio Oficial da Unio em 22/9/1966.] [5: Assim expressava a definio de trnsito (anexo I) do regulamento: Utilizao das vias pblicas por pessoas, veculos e animais, isolados ou em grupos conduzidos ou no, para os fins de circulao, parada e estacionamento.]

Temos ento que a definio legal estabelecida pelo CTB trata das vias, que descrita como toda a superfcie por onde transitam veculos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calada, o acostamento, a ilha, o canteiro central, as ruas, as avenidas, os logradouros pblicos, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, bem como, as vias pertencentes a condomnios constitudos por unidades autnomas e as praias abertas circulao.Antes de ir alm, cabe expressar a ponderao do doutrinador Mitidiero[footnoteRef:6] quando afirma que: [6: MITIDIERO, Nei Pires. Comentrios ao Cdigo de Trnsito Brasileiro. .2 ed.. So Paulo. Forense.2005. p.22]

S o homem, ser vivo racional, pode utilizar-se das vias, eis que s ele tem a capacidade de prever, gozar usufruir desta utilidade das vias [...], eis que os veculos [...] so coisas inanimadas e os animais, seres vivos irracionais instintivos, ocupam-nas apenas instintivamente.

Para que exista trnsito necessrio que as vias sejam utilizadas por pessoas, veculos e/ou animais, independentemente da sua situao, seja pedestre, condutor do veculo ou passageiro.

1.2 A LEGISLAO DE TRNSITO NO BRASIL

Com o advento do automvel e sua propagao pelo mundo, surge ento necessidade de regulamentar as condutas daqueles que circulam pelas vias brasileiras atravs de leis especficas de trnsito, em consonncia com as normas vigentes no pas, para no ferir o direito das pessoas ou contrariar o ordenamento estabelecido dentro dos diversos ramos do direito.Nessa demanda crescente, surge s normas para disciplinar a circulao de veculos nas vias. Tal legislao, nos dias atuais, vasta e rica em leis, decretos, resolues, portarias que, publicados no decorrer de mais de cem anos, nos permitem compreender o dinamismo do tema e sua necessidade de reviso e de atualizao permanentes. Isso porque, com o passar do tempo, os costumes, as pessoas, as sociedades mudam e novas demandas devem ser atendidas.Assim como nos outros ramos do direito, existe tambm no ordenamento que rege o trnsito no Brasil, uma hierarquia, estabelecida da seguinte maneira: Constituio Federal de 1988; Conveno sobre Trnsito Virio de Viena (CTV); Regulamentao Bsica Unificada de Trnsito de 1993; Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB); Leis e Decretos incorporveis ao CTB; Leis e Decretos-Lei no incorporveis ao CTB; Resolues, pareceres e Decises do CONTRAN.

1.3 VIOLNCIA NO TRNSITO: CAUSAS E CONSEQUNCIAS DO AUMENTO DOS ACIDENTES

Acidentes de trnsito todo evento danoso que envolva o veculo, a via, o homem e/ou animais e para caracterizar-se, necessrio presena de, no mnimo, dois desses fatores. As causas dos acidentes de trnsito esto relacionadas falta de respeito s regras de trnsito aliada a imprudncia dos condutores[footnoteRef:7]. Essas duas condutas so, na maioria das vezes, fruto do excesso de confiana do condutor de veculo automotor que acredita ter o total domnio da situao e da sensao de imortalidade, a qual transmite ao indivduo a impresso de que no ser atingido por uma tragdia no trnsito, ou seja, esses eventos trgicos ocorrem com todos, menos com ele. [7: DENATRAN (Departamento Nacional de Trnsito). Disponvel em: www.denatran.gov.br. Acesso em: 2 de novembro de 2013.]

Devido conduta de pessoas irresponsveis que os acidentes de trnsito no Brasil ceifam uma considervel e assustadora quantidade de vidas, muitas delas na juventude e em plena capacidade produtiva. Segundo dados oficiais[footnoteRef:8], por ano, mais de quarenta mil pessoas morrem vtimas de acidentes de trnsito no Brasil, a segunda maior causa de morte no pas. Tais estatsticas esto trs vezes acima do aceitvel pela Organizao Mundial da Sade[footnoteRef:9], o pior que os nmeros aumentam ano a ano. O Observatrio de Segurana Viria comprova esses dados, relatando que no ano passado o nmero de vtimas fatais aumentou 4% em relao a 2011, tambm sendo registrados 352 mil casos de invalidez permanente no Brasil. [8: Ministrio da Sade. Datasus (Departamento de Informtica do SUS. Disponvel em: www.datasus.gov.br. Acesso em: 13 de novembro de 2013.] [9: OMS (Organizao Mundial da Sade). Disponvel em www.opas.org.br.. Acesso em: 13 de novembro de 2013.]

As perdas no trnsito so dirias e recebemos, constantemente, as informaes trgicas do nosso trnsito. Entretanto, na anlise mais acurada das condutas inseguras dos usurios e inrcia dos rgos e entidades, infelizmente, a situao demonstra-se bem mais desalentadora.Segundo um levantamento realizado[footnoteRef:10], utilizando como base os dados do Datasus, na ltima estatstica divulgada pelo Ministrio da Sade, os bitos no trnsito do Brasil em 2011 tiveram um aumento de 1%. Em 2010, esse nmero que tinha chegado a 42.844 mil mortes, em 2011 alcanou 43.256, Em cada grupo de 100 mil habitantes, 22,6 pessoas morreram em consequncia do trnsito. O Brasil, portanto, est atrs do Catar (30,1/100 mil), El Salvador (23,7), Belize (23,6) e Venezuela (23,4). Na frente do nosso pas, no entanto, somente pases muito atrasados. Ou seja: o Brasil est entre eles. [10: Instituto Avante Brasil (2012). Disponvel em: www.institutoavantebrasil.com.br. Acesso em 13 de novembro de 2013.]

De acordo com as pesquisas feitas por tal Instituto, o crescimento mdio anual no nmero de mortes entre 2001 e 2011 foi de 3,78%. Em 11 anos acumulamos quase 1milho de mortes no trnsito brasileiro. Nesse mesmo perodo houve uma evoluo no nmero de mortes que apontou crescimento de 42%.Esse total demonstra a possibilidade de esclarecer que em 2011 ocorreram 3.605 mortes por ms, 119 mortes por dia e 5 mortes a cada hora. Desses, 26% eram motociclistas, 21% pedestres, 22% ocupantes de automveis, 4% ciclistas e 27% outros tipos de veculo.Quanto concentrao do nmero de mortes, a maioria esteve localizada no sudeste, 36%. O nordeste concentrou 27,8% dos bitos, o sul foi responsvel por 17,4% do total e o centro-oeste registrou 10% de todas as mortes no trnsito. O Sistema de Informaes de Mortalidade[footnoteRef:11] (SIM), do Ministrio da Sade, tambm divulgou estatsticas alarmantes. Os nmeros apontam que no ano de 2002, 32.753 pessoas morreram em decorrncia de acidentes de trnsito. J em 2010, esse nmero subiu para 40.610 vtimas fatais. Os dados demostram um aumento de quase 25% em relao ao registrado nove anos antes. [11: SIM (Sistema de Informaes de Mortalidade). Ministrio da Sade. Disponvel em: www.portal.saude.gov.br. Acesso em 12 de novembro de 2013.]

Analisando tais nmeros de forma minuciosa e comparando com outras causas de mortalidade indicados pelo Datasus, temos que os bitos no trnsito superam as vtimas de homicdios e cncer, tornando o trnsito um problema de sade pblica dos mais graves no pas.Diferentemente do Brasil, na Alemanha o nmero de acidentes de trnsito diminuram cerca de 80% nos ltimos quarenta anos. As estradas mais seguras do mundo esto na Europa. Houve nesse continente um grande investimento na infraestrutura das vias, as leis so rgidas, a fiscalizao severa e os rgos que administram o trnsito so mais eficientes.Leal[footnoteRef:12] assevera que existem vrios fatores que influenciam nos altos ndices de acidentes de trnsito e podem ser classificados como de natureza tcnica e fatores de natureza humana. [12: LEAL, Rodrigo Jos. Dissertao. Homicdios culposos de trnsito: do talio a represso sem priso. ]

Dentre aqueles que se classificam com problemticas tcnicas, pode-se citar defeito mecnico apresentado pelo veculo, a falta de infraestrutura viria ou at mesmo por fenmenos naturais, tais como a neblina e as chuvas. Ocorre que a soma de todos esses fatores, totalizam apenas 12% dos acidentes e trnsito com vtimas fatais. J o fator natureza humana, como excesso de velocidade, embriaguez ao volante, avano do sinal vermelho do semforo, condutor no habilitado, entre outras causas decorrentes da escolha do motorista seriam responsveis por mais de 85% dos bitos no trnsito.Alm das mortes no trnsito, h muitos casos de mutilaes e catastrficos nmeros de acidentes com danos materiais que destroem veculos e danificam bens pblicos e particulares.Com esses nmeros, os acidentes de trnsito se tornam, em verdade, um grande problema para o pas, pois sobrecarregam os hospitais, em razo do elevado nmero de poli traumatizados e dos custos hospitalares, alm de vitimar aqueles indivduos em plena fase produtiva, gerando outros grandes problemas econmicos para a sociedade[footnoteRef:13]. [13: Conforme pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada), um acidente de trnsito tem um custo mdio de R$ 8.782,00, considerando, nesse caso, todos os tipos de acidentes. Se for considerado apenas aqueles com vtimas, o valor mdio passa a ser de R$ 35.136,00. Desagregando os custos por grau de severidade dos sinistros, verificou-se que em um acidente sem vtima tem um custo mdio de R$ 3.226,00, um acidente com ferido apresenta um custo mdio de R4 17.460,00 e um acidente com morte custa em mdia R$ 144.143,00. Esses dados evidenciam que o impacto econmico causado pelo acidente de trnsito cresce significativamente medida que aumenta a severidade dos acidentes de trnsito. Disponvel em www.pedestre.org.br. Acesso em: 14 de nov. 2013.]

Muito mais importante que isso, a dor inestimvel das vtimas e seus familiares.Nessa linha de raciocnio, e em consonncia com o pensamento de Leal[footnoteRef:14] possvel dizer que as estatsticas de morte no trnsito s sero reduzidas no momento em que o condutor primar, pelo respeito s normas de trnsito e pela educao, a fim de tornar o trnsito brasileiro mais humano e seguro. Dessa forma, possvel concluir que, mesmo de forma indireta, uma das maiores causas dos sinistros no trnsito chama-se condutor. [14: LEAL, Rodrigo Jos. Dissertao. Homicdio culposo de trnsito: do talio a represso sem priso.]

Assim, o crescimento das perdas no trnsito contraria com o estatudo no nosso Cdigo de Trnsito Brasileiro, que de forma expressa assegura a todos um trnsito em condies seguras. Ainda mais grave a indicao de que os sinais (ou sintomas) e as estatsticas demonstram o desrespeito por parte do Estado e dos usurios das vias no comprometimento com a busca do trnsito seguro.Os estados brasileiros que conseguiram agir com mais rigorismo na fiscalizao e impedir que qualquer pessoa alcoolizada pudesse dirigir conseguiram reduzir os ndices de acidentes[footnoteRef:15]. [15: PADILHA, Alexandre. Ministro da Sade. ]

1.3.1 A CONDUTA HUMANA COMO CAUSA DE ACIDENTES DE TRNSITO

Segundo a definio de Aurlio[footnoteRef:16], conduta pode ser entendida como uma manifestao do pensamento ou de uma vontade, ou seja, como uma ao humana, consciente e voluntria, praticada com intento de alcanar um determinado fim. [16: AURLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa corresponde a 3.ed.1.impresso da Editora Positivo, revista e atualizada do Aurlio Sculo XXI. O Dicionrio da Lngua Portuguesa, contendo 435 mil verbetes, locues e definies. 2004 by Regis Ltda.]

No mesmo diapaso, Damsio[footnoteRef:17] conceitua conduta como sendo a ao ou omisso humana consciente e atingida determinada finalidade. [17: JESUS, Damsio E. de. Direito Penal, volume 1: 28 ed. rev. atual. So Paulo: Saraiva,2005.p227.]

No ponto pertinente ao estudo proposto, isto , no mbito do Direito Penal, ensina Capez[footnoteRef:18] que conduta: [18: CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. VOL. 1: parte geral, 9. Ed. Ver. atual. So Paulo: Saraiva, 2005. P.114 e 115.]

a ao e omisso humana, consciente e voluntrio, atingida a uma finalidade. Os seres humanos so entes dotados de razo e vontade. A mente processa uma srie de captaes sensoriais transformadas em desejos. O pensamento, entretanto, enquanto permanecer encastelado na conscincia, no representa absolutamente nada para o Direito Penal. Somente quando a vontade se liberta do claustro psquico que a aprisiona que a conduta exterioriza no mundo concreto e perceptvel, por meio de um comportamento positivo, ao (um fazer), ou de uma inatividade indevida, a omisso (um no fazer o que era preciso).

Discorre tambm sobre o tema Mirabete[footnoteRef:19]: [19: MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal.23. ed. So Paulo: Atas, 2006. p.88.]

No h crime sem ao nuttum crimen sine conducta. sobre o conceito de ao (que se pode denominar conduta, j que a palavra ao tem um sentido amplo, que abrange a ao em sentido estrito, que o fazer, e a omisso que o no fazer o devido).

Utilizando os conceitos j mencionados aliando ao tema proposto, pode-se definir que a conduta humana geradora de acidentes nada mais que a ao humana irresponsvel que trs consequncias irreversveis e muitas vezes fatais.Faz-se necessrio punir com mais rigorismo quem insiste em descumprir a legislao de trnsito, colocando em risco a incolumidade fsica de todos.Temos que dar um basta, acolhendo e exigindo os valores e paradigmas erigidos pelo nosso Cdigo de Trnsito Brasileiro, com a responsabilizao daqueles que esto descumprindo o direito fundamental de um trnsito seguro e, em especial, engajando toda a sociedade na busca de um trnsito em condies seguras.Com isso, cabe tambm aos intrpretes do direito e a prpria sociedade buscarem solues e responsabilidades com o objetivo de assegurar a todos um trnsito em condies seguras, pois passados mais de quinze anos de vigncia do nosso estatuto de trnsito, os nmeros so aterradores, as perdas continuam, as polticas, os programas, os projetos e os servios so ineficazes, refletindo a ausncia de comprometimento de mudana de comportamento dos usurios das vias e inatividade do Estado.Por fim, mesmo que alguns considerem uma utopia o fato de acreditar em uma transformao das condutas no trnsito e, por conseguinte, em uma mudana cultural, a fim de que o futuro no tenha estatsticas to desastrosas, acolho o desafio e vejo, em parte, no prprio cerne do pensamento utpico, a confiana da possibilidade de mudana, pois aquele , nas palavras de Odalia[footnoteRef:20], o que: [20: ODLIA, Nilo. O que violncia. So Paulo: Brasiliense, 2013.p.70-71.]

[...] pretende corrigir as desigualdades, as injustias, minorar os sofrimentos, por intermdio de uma organizao da sociedade em que se faz apelo ao bom senso, bondade, ao desprendimento, inteligncia do homem, confiando, ao mesmo tempo, em que as transformaes que prenuncia podem ser alcanadas atravs de indivduos ou personalidades excepcionais.

Segundo os dados estatsticos divulgados e atualizados diariamente pela Secretaria de Estado de Justia e Segurana Pblica de Mato Grosso do Sul[footnoteRef:21], (SEJUSP/MS), foram registrados 403 homicdios culposos no trnsito sul-mato-grossense no ano de 2013, s na capital foram 91 vtimas. Esses nmeros so obtidos atravs dos registros das ocorrncias no Sistema Integrado de Gesto Operacional[footnoteRef:22] (SIGO), tal ferramenta tecnolgica alimentada atravs dos registros de ocorrncias, pelos rgos componentes da Segurana Pblica do nosso estado. [21: SEJUSP/MS (Secretaria de Estado de Justia e Segurana Pblica de Mato Grosso do Sul). Disponvel em: www.sejusp.ms.gov.br. Acesso em 23 de abril de 2014.] [22: SIGO (Sistema Integrado de Gesto Operacional). ]

Nesse diapaso no h possibilidade de desconsiderar o acidente de trnsito como um fenmeno epidemiolgico que tem ceifado vidas diarimente.

2. DO DOLO E DA CULPA

Dentro da esfera penal, pode-se caracterizar a conduta humana atribuda como crime presena da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade.O conceito de tipicidade nada mais que a fixao de uma pena a uma determinada conduta proibida.Para o ilustre professor Zafaroni[footnoteRef:23] o tipo penal um instrumento previsto na legislao, imprescindvel e de natureza predominantemente descritiva e que tem a finalidade de individualizar as condutas humanas consideradas penalmente relevantes (tendo em vista que so proibidas). [23: ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. So Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011. p. 388]

J a antijuridicidade a contrariedade do fato formal e materialmente tpico com todo o direito, sendo assim, contra todas as normas do ordenamento jurdico.O nobre mestre Rogrio Greco, fixa-se em destacar a necessidade da existncia anterior da norma em relao contrariada pela conduta do agente, sendo assim, nota-se a natureza formal da ilicitude.Destarte necessrio que o agente contrarie uma norma e no que sua conduta considerada meramente reprovvel socialmente.A culpabilidade a reprovao de uma ao ou tambm omisso tpica e ilcita, sem esses dois requisitos no h que se falar em culpabilidade, apesar de ser admitida conduta tpica, ilcita e no culpvel. Outro fator relevante so os concernentes a autoria. Segundo as palavras do Juiz do Tribunal Constitucional alemo Winfried Hassemer[footnoteRef:24] a culpabilidade uma exceo entre os pressupostos da punibilidade. Ele pertence a um dos instrumentos mais difceis e obscuros do sistema jurdico-penal. [24: HASSEMER, Winfried.Introduo aos fundamentos do Direito penal. Porto Alegre: Safe, 2005, p. 292]

O Cdigo Penal, em seu artigo 18, divide o tipo em dois gneros distintos: crime doloso e culposo. Naquele o agente pratica a conduta exigida para o fato, assumindo o risco de produo do resultado. J neste, existe a presena de pelo menos um dos trs requisitos para o fato, imprudncia, negligncia ou impercia.

O dolo do homicdio a vontade livre e consciente de eliminar a vida humana, quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Requer a conscincia do nexo causal e dos elementos do tipo. Assim, deve haver um liame entre a conduta e o resultado desejado. No exige um fim especial, que, a depender do caso concreto, poder estabelecer circunstncias qualificadoras ou ensejadoras de diminuio de pena.

Entretanto, o dolo no constitudo apenas pelo objetivo do agente, mas tambm pelos meios empregados para consecuo do fim e as conseqncia secundrias de seu comportamento.Para que haja crime doloso preciso que a conduta humana seja voluntria, assim como, o desejo ou aquiescncia do resultado.O dolo subdivide-se em direto e eventual. No dolo direto o sujeito quer o resultado certo, preciso e determinado. J no dolo eventual, o indivduo no se importa com o resultado da conduta, sua ocorrncia indiferente.Deve-se observar, ainda, que sob a forma dolosa temos o homicdio privilegiado e qualificado, respectivamente previstos nos pargrafos 1o e 2o do art. 121, do CP.

3.1 CONCEITO DE DOLO

O dolo a livre vontade de praticar determinada ao ou omisso proibida por lei, aliada conscincia, dessa forma, a soma do elemento intelectual com o volitivo resulta na caracterizao da conduta dolosa, bastando que o agente queira que os componentes objetivos descritos no tipo penal sejam realizados no caso concreto, bem como, saiba exatamente o que est praticando. Assim sendo poder punido a ttulo de dolo.Para que uma ao dolosa pressuponha a existncia de um crime necessrio que a conduta criminosa se amolde em um injusto penal. Eis que o injusto penal a confirmao da presena do fato tpico com a ilicitude.

3.2 ELEMENTOS DO DOLO

Numa definio concisa, a qual foi discorrida anteriormente, tem-se dolo como a soma da conscincia e a vontade na realizao dos elementos objetivos do tipo, puramente psicolgico e conforme a doutrina clssica, o dolo formado por dois elementos: o intelectivo e o volitivo. Aquele, tambm conhecido como cognitivo, o conhecimento dos elementos integradores do tipo penal, que excluem de sua composio a conscincia da ilicitude do fato, tendo em vista que esta se encontra atrelada a culpabilidade.A conscincia trata, basicamente, da situao intelectual do agente no momento do fato tido como crime. Desnecessrio saber se tinha conhecimento da ilegalidade de tal ao, restando suficiente a cincia do agente das circunstncias para a configurao do tipo penal.J vontade, segundo elemento integrante do dolo, configura-se aps a realizao do primeiro. Destacando que a ausncia de qualquer um dos elementos, desconfigura a conduta dolosa, sendo assim, pode-se dizer que existe entre eles uma relao de dependncia.O agente do crime, ento, pratica uma conduta dolosa quando pautada na vontade e conscincia da ao e obtm como resultado uma tipificao penal.

3.3 TEORIAS SOBRE O DOLO

O conceito de dolo apresentado pelo dicionrio Houaiss o seguinte: em direito penal, a deliberao de violar a lei, por ao ou omisso, com pleno conhecimento da criminalidade do que se est fazendo. Tal conceituao est ligada diretamente ao que se encontra disposto no Cdigo Penal, em seu art. 18, caput, o qual define crime doloso (...) quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. O surgimento de teorias que visam diferenciar o dolo eventual da culpa consciente remontam poca da Escola Clssica[footnoteRef:25], e visam analisar o dolo nas aes humanas a doutrina criou quatro teorias distintas que buscam, atravs da anlise do fato, e de elementos distintos, explicar sua incidncia na prtica. [25: A Escola Clssica surge com o advento do Iluminismo, estabelecendo entre outras coisas, parmetros para a fixao das penas, tendo em vista que anteriormente a esse perodo, criminosos permaneciam encarcerados por tempo indeterminado, os juzes detinham poderes ilimitados e a tortura era um meio de obter a confisso. ]

3.3.1 TEORIA DA VONTADE

Para a Teoria da Vontade, dolo a vontade dirigida ao resultado, ou seja, a vontade livre e consciente de querer praticar a infrao penal.Cumpre esclarecer, que para a referida teoria, no se nega a existncia da representao, ou seja, a conscincia do fato, posto que um dos elementos indispensveis configurao do dolo, porm d nfase vontade de produzir o resultado.A essncia do dolo deve estar na vontade, no de violar a lei, mas de realizar a ao e obter o resultado.

3.3.2 TEORIA DO CONSENTIMENTO

A Teoria do consentimento resultado das divergncias entre as Teorias da Vontade e da Representao. Para essa teoria, tambm dolo a vontade que, embora no dirigida diretamente ao resultado previsto como provvel ou possvel, consente na sua ocorrncia ou, o que d no mesmo, assume o risco de produzi-lo.Segundo a Teoria do Consentimento, a mera representao intelectual no suficiente para a configurao do dolo, mas deve-se analisar a atitude do agente frente a essa representao: alm da representao o sujeito dever prestar um consentimento para a realizao do resultado, mostrando uma atitude de indiferena frente a sua configurao.

3.3.3 TEORIA DA REPRESENTAO

Para os adeptos da Teoria da Representao, o dolo estaria configurado, pela suficiente representao subjetiva ou a previso do resultado como certo ou provvel. Dessa forma a referida teoria estabelece que age com dolo o agente que tiver a simples previso do resultado como possvel, ao passo em que decide continuar em sua conduta.Para a Teoria da Representao, no h distino entre dolo eventual e culpa consciente, pois que a anteviso do resultado leva responsabilizao do agente a ttulo de dolo.Para fins de registro, alguns doutrinadores destacam alm das mencionadas teorias, a Teoria da Probabilidade, a qual parte da valorao do elemento intelectivo do dolo, ignorando o elemento volitivo. Tal teoria parte do pressuposto de que o agente deve apenas entender o fato como provvel e no somente como possvel, do que se pode concluir que a teoria da probabilidade trabalha apenas com dados estatsticos e se mostra incompatvel com a posio adotada pela maioria dos doutrinadores, j que referida teoria prescinde de um dos elementos de composio do dolo.A nossa legislao Penal adotou a teoria da vontade para o dolo direto (quando o agente quis o resultado) e a teoria do consentimento para o dolo eventual (onde o agente assumiu o risco de produzir o resultado).

3.4 ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO

A Teoria Geral do Delito define o tipo penal atravs de diferentes concepes, dentre elas, citamos algumas vertentes doutrinrias, tais como a analtica, a formal e a material. Sintetizando, podemos defini-lo, segundo Guilherme de Souza Nucci[1]como sendo a conduta ilcita que a sociedade considera mais grave, merecendo, pois, a aplicao da pena, devidamente prevista em lei, constituindo um fato tpico, antijurdico e culpvel.O crime, objeto principal de estudo da referida teoria desmembrada na parte geral do Cdigo Penal Brasileiro, composto, por sua vez, por uma face objetiva e outra subjetiva.Conforme sabido, os elementos objetivos do tipo penal referem-se aos atos, e, na maioria dos crimes, exteriorizao da ao. Por outro lado, os elementos subjetivos do delito, demasiadamente mais complexos de serem explicitados que os primeiros, tratam da inteno do agente causador do mal injusto, ou seja, para identific-los necessrio realizar uma anlise psicolgica da conduta do autor do fato, o qual est relacionado com o resultado pretendido.Nesse sentido, so dois os elementos subjetivos do crime, quais sejam o dolo e a culpa.

3.5 ESPCIES DE DOLO

Esta sistematizao resulta de se entender a ao integrante do tipo em seu momento dinmico objetivo-subjetivo. A

4.1 CONCEITO DE CULPA

Diversamente do dolo, a culpa significa a violao ou inobservncia de uma regra, produzindo por consequncia dano aos direitos de outros, seja pornegligncia(desateno ou falta de cuidado ao exercer certo ato),imprudncia(agir alm da prudncia que o momento requer, exceder os limites do bom senso e da justeza dos seus prprios atos) ou impercia (falta de tcnica ou conhecimento sob o ato). A culpa um erro no proposital que ocorre em razo da falta de cuidado objetivo.Considerando os dois gneros de crimes descritos no nosso Cdigo Penal Brasileiro temos que ambos fazem parte da tipicidade, pois versam sobre uma descrio concreta da conduta proibida. Restando diferena apenas no que tange a aplicao da pena.O Cdigo Penal Brasileiro, prev em seu artigo 121, 3o , o crime de homicdio na sua forma culposa. O homicdio culposo previsto nos 3. e 4. o crime cometido por um agente que no quis o resultado morte. causado por negligncia (omisso do dever geral de cautela), imprudncia (ao perigosa) ou impercia (falta de aptido para o exerccio de arte ou ofcio).O homicdio culposo poder tambm ser qualificado quando: resultar de inobservncia de regra tcnica de profisso, arte ou ofcio; o agente deixar de prestar imediato socorro vtima; o agente no procurar diminuir as conseqncias do seu ato e o agente fugir para evitar priso em flagrante.Se no ocorrer nenhuma das hipteses supra (4.), o homicdio culposo ser dito simples. Uma peculiaridade do homicdio culposo o fato de o juiz poder deixar de aplicar a pena, se as consequncias da infrao atingirem o prprio agente de forma to grave que a sano penal se torne desnecessria, como, por exemplo, no caso em que o agente fique paraplgico ou na hiptese de morte de um filho. So estas, em suma, as figuras que fazem parte do homicdio no sistema jurdico brasileiro. Examinaremos, em seguida, o sistema ingls.O mesmo diploma, em seu art. 18, II, tipifica como crime culposo aquele em que o agente deu causa ao resultado por imprudncia, negligncia ou impercia.No crime culposo a conduta do agente voluntria (ao ou omisso), porm contrria ao dever objetivo de cuidar. Por sua vez, o resultado, embora previsvel, involuntrio e indesejado, no querido pelo agente.

4.2 MODALIDADES DE CULPA

A culpa aceita as seguintes modalidades: imprudncia, negligncia e impercia. Por imprudncia entende-se a prtica de uma conduta arriscada ou perigosa e tem carter comissivo. Caracteriza-se pela intempestividade, precipitao, insensatez ou imoderao. Uma caracterstica sua a concomitncia da culpa e da ao; a culpa ocorre no mesmo instante em que se desenvolve a ao.Negligncia, por sua vez, a displicncia no agir, a falta de precauo, a indiferena do agente que podendo adotar as cautelas necessrias, no o faz. Contrariamente imprudncia, a negligncia precede a ao.Por fim, a impercia caracteriza-se pela falta de capacidade, despreparo ou insuficincia de conhecimentos tcnicos para o exerccio de arte, profisso ou oficio. No se confunde com o erro profissional, haja vista que este ltimo um acidente escusvel, justificvel e, de regra, imprevisvel, que no depende do uso correto e oportuno dos conhecimentos e regras da cincia.

4.3 ESPCIES DE CULPANo direito penal podemos elencar algumas espcies de culpa, inicialmente, podemos elencar: a inconsciente e a consciente. A primeira ocorre quando o agente no prev o resultado, j a segunda quando o agente tem conscincia do resultado possvel, no entanto, acredita ter habilidade suficiente para evitar o acontecimento. Essa diviso meramente didtica, no entanto alguns doutrinadores entendem que aqueles que praticam a ao com culpa consciente deveriam ter sua pena agravada.A culpa imprpria, por extenso, equiparao ou assimilao, quando o agente, acreditando agir em uma ocasio de excludente de ilicitude, visa o resultado. Tal atitude exclui o dolo, restando culpa com resqucios de ao dolosa. Vale ressaltar que esse o nico caso em que se admite a tentativa Obs: Para certos doutrinadores, a culpa imprpria caracteriza, no caso, homicdio culposo, ou tentativa de homicdio culposo (nica hiptese admissvel para tal tipo de tentativa), pois o erro impede que se seja considerado crime doloso.d) Culpa presumida: Espcie de culpa que j no existe mais no nosso CP. quando a pessoa punida por infringir uma disposio reguladora, como dirigir sem carteira, pois havia a presuno de que tal infrao originaria um delito culposo (como atropelar algum, no caso);e) Culpa mediata ou indireta: a produo de um resultado, de forma culposa, indiretamente. Ex: Um assaltante tenta roubar um motoqueiro que est parado no acostamento de uma rodovia. Assustado, o motoqueiro acelera sua moto em direo rodovia e acaba sendo atropelado e morto. O assaltante responder pela morte do motoqueiro.Obs: Deve haver nexo causal entre os dois eventos, ou seja, o desdobramento da ao deve ser algo previsvel (como a tentativa de fugir de um assalto). Deve haver tambm nexo normativo, isto , o "segundo" resultado deve ter sido produzido pela ao do agente.Graus de culpa (relevante na dosagem da pena): Grave, leve e levssimo.Compensao de culpas: No se permite tal artifcio no direito penal. A negligncia, imprudncia ou impercia da vtima no exclui a do acusado. Entretanto essa culpa recproca produz efeitos sobre a fixao da pena. Ex: O Caminhoneiro que trafega na contramo culpado pelo atropelamento do motoqueiro que furou o sinal.Concorrncia de culpas: Ocorre quando mais de uma pessoa, em atuaes independentes, originam o mesmo resultado culposamente. Todos respondem pelo resultado.Excepcionalidade do crime culposo: S pode haver a categoria culposa de um crime se ela estiver expressamente transcrita em lei. Caso contrrio qualquer modalidade do crime ser considerado doloso.Participao no crime culposo: Para a corrente doutrinria dominante, mesmo o crime culposo sendo aberto, possvel caracterizar a conduta principal. Com isso, cabvel a figura da participao. Ex: Uma pessoa instiga seu amigo a correr, com seu carro, numa velocidade imprudente, o que acaba gerando no atropelamento de um pedestre. obvio que a conduta principal foi a do motorista e que o acompanhante apenas participou do delito.

3. DOS HOMICDIOS NA DIREO DE VECULO AUTOMOTOR

O homicdio consiste em matar algum. Tal conduta est tipificada no art. 121, do Cdigo Penal Brasileiro[footnoteRef:26] (CP) e em outras legislaes como o caso do Cdigo de Trnsito Brasileiro.O bem tutelado no ordenamento jurdico a vida. [26: CP (Cdigo Penal Brasileiro). Decreto-Lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940.]

O caput do art. 5, da Constituio Federal (CF), estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem qualquer distino e ainda garante queles que residem no Brasil inviolabilidade da vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade.O verbo utilizado matar, sendo o ncleo do tipo penal, assim torna-se necessrio a presena de dois sujeitos: autor e vtima, Tal ao descrita pelo CP pode praticada atravs de qualquer meio capaz de resultar na morte. A nica exigncia do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado produzido na vtima que outrora, antes da ao, estava viva.A doutrina classifica o homicdio como crime comum, tendo em vista que a lei no determina uma pessoa especfica; material, por descrever a conduta e o resultado e pela necessidade de consumao; instantneo, por se esgotar com a ocorrncia do bito e tambm como crime de dano, j que fere efetivamente um bem jurdico protegido pelo ordenamento. Vlido ressaltar que no tipo penal citado perfeitamente possvel ser co-autor ou partcipe, por ao ou omisso.As penas a serem aplicadas para o caso concreto, dependero da inteno do agente, culpa ou dolo e da classificao como simples ou qualificado. Compete ao Ministrio Pblico, privativamente, promover a ao, tendo em vista que se trata de ao pena pblica incondicionada.

2.1 VIOLNCIA NO TRNSITO: CAUSAS E CONSEQUNCIAS DO AUMENTO DOS ACIDENTES

O perfil das vtimas fatais por acidentes de trnsito so convergentes em diferentes localidades nacionais e internacionais. Esse cenrio aponta para a prevalncia da problemtica dos acidentes de trnsito entre os homens adultos.Nas regies Centro-Oeste e Norte, as vtimas fatais por acidentes foram 82,1% do sexo masculino, com maior concentrao na faixa etria de 20 a 49 anos.[footnoteRef:27] [27: 21 Duarte EC, Duarte E, Sousa MC, Tauil PL, Monteiro RA. Mortalidade por acidentes de transporte terrestre e homicdios em homens jonvens das capitais das regies Norte e Centro-Oeste do Brasil, 1980 a 2005. Epidemiol Serv Saude. 2008 jan/mar, p. 7-20.]

Os dados referentes ao territrio nacional apontam 19 bitos para cada 100.000 habitantes, destes, 81% so do sexo masculino. Os nmeros apontam tambm que 83% se concentravam na faixa etria de 15 a 59 anos.As estatsticas denotam que a segunda causa de morte precoce no mundo entre os homens adultos so os acidentes de trnsito,embora a idade das vtimas fatais no trnsito de ambos os sexos seja superior idade dos bitos das vtimas por demais causas externas. De modo geral, os estudos concernentes aos nmeros obtidos que explicitam os anos de vida perdidos, permitem quantificar aspectos diferenciais na identificao da populao de risco para o problema.[footnoteRef:28] [28: Medronho RA. Estudos ecolgicos. In: Medronho RA, et al. Epidemiologia. So Paulo: Atheneu, 2009. p. 265-274.]

O comportamento demonstra a vulnerabilidade da prevalncia do sexo masculino em detrimento do feminino, tendo em vista que os condutores de veculos homens apresentam um comportamento de risco maior por, diversas vezes, combinar manobras perigosas e consumo de lcool com a direo veicular.Ao fazer uma anlise aplicada do agravo, necessrio considerar aspectos como a concentrao populacional, o dinamismo social e a circulao de bens. Esses fatores contribuem diretamente para a prevalncia do perfil das vtimas fatais por acidentes de trnsito. Dessa maneira possvel verificar que regies produtivas, as quais sua fora de trabalho formada por homens e em sua maioria estabelecidas em locais distantes das reas habitacionais. Sendo assim pode-se verificar um deslocamento constante da massa populacional. Verifica-se ento a prevalncia do sexo masculino no setor primrio em relao ao feminino, recaindo aos homens adultos a maior fora de trabalho produtiva e deixando esse grupo mais vulnervel aos acidentes de trnsito.[footnoteRef:29] [29: Luizaga CTM. Mortalidade masculina no tempo e no espao [dissertao de mestrado]. So Paulo: Faculdade de Sade Pblica, Universidade de So Paulo; 2010]

Outra caracterstica importante evidenciada pelos resultados quanto ao perfil das vtimas fatais est relacionada ao crescimento da mortalidade entre os idosos, essa ocorrncia decorre, principalmente, da transio demogrfica. De certa forma, o aumento da expectativa de vida populacional tem contribudo para a elevao do nmero de idosos condutores de veculos automotores. Faz necessrio ressaltar, que a reduo da capacidade psicomotora e da acuidade visual, associadas utilizao de medicamentos ou s sequelas de outras doenas, tambm so fatores preponderantes para o surgimento de dificuldades na conduo efetiva de veculos.[footnoteRef:30] [30: . Gomes LMX, Barbosa TLA, Caldeira AP. Mortalidade por causas externas em idosos em Minas Gerais, Brasil. Esc Anna Nery. 2010 out/dez; 14(4):779-86.]

Por outro lado, houve um aumento na circulao de pedestres idosos. No territrio nacional, 48,2% das vtimas fatais por acidentes de trnsito com 60 anos e mais foram pedestres. [footnoteRef:31]Observa-se que as vulnerabilidades inerentes a essa faixa etria contribuem para a elevada letalidade nos acidentes de trnsito, haja vista que o atropelamento de idosos pedestres se caracteriza como um dos acidentes mais violentos, provocando leses graves independente da velocidade da coliso. [31: Souza MFM, Malta DC, Conceio GMS, Silva MMA, Gazal-Carvalho C, Morais Neto OL. Anlise descritiva e de tendncia de acidentes de transporte terrestre para polticas sociais no Brasil. Epidemiol Serv Saude. 2007;16(1):33-44.]

Diante dos resultados, vale ressaltar que a prevalncia dos elevados coeficientes de mortalidade por acidentes de trnsito entre os homens adultos e o seu crescente aumento entre os idosos se respaldam em atitudes de desrespeito dos condutores com a legislao de trnsito e tambm pela precariedade da infraestrutura do sistema de trfego.[footnoteRef:32] [32: . Medronho RA. Estudos ecolgicos. In: Medronho RA, et al. Epidemiologia. So Paulo: Atheneu, 2009. p.265-274. ]

Por mais que as mortes por causas externas, incluindo os acidentes de trnsito, sejam mais informadas do que outras causas de bito, preciso atentar para a qualidade dos registros. De um modo geral, as informaes esto relacionadas com o preenchimento correto das declaraes de bito pelos mdicos e sua adequada alimentao na plataforma operativa do sistema de informao, por tcnicos e codificadores. A falta de treinamento e de superviso dos profissionais durante esses processos resulta em perdas de dados, como o envio de relatrios com campos incompletos ou ignorados.Quanto realizao de pesquisas epidemiolgicas com utilizao de dados secundrios, inegvel a sua contribuio; entretanto, preciso destacar as suas limitaes, enquanto fonte de dados. O Sistema de Informao sobre Mortalidade (SIM) de abrangncia nacional, desenvolvido pelo Datasus, pelo qual so consolidadas todas as declaraes de bito emitidas pelos profissionais mdicos. Esses registros so considerados as fontes mais geis na enumerao e quantificao dos acidentes, ao ponto de subsidiarem informaes para o planejamento das aes dos servios de sade.Nesse sentido, mesmo diante dos esforos nacionais para o controle e reduo dos acidentes de trnsito e sua mortalidade, com a promulgao do Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB) em 1997 e a Poltica Nacional de Reduo da Morbimortalidade por Acidentes de Violncias em 2001[footnoteRef:33], ainda h muito que fazer, incluindo as aes de colheita de dados para alimentar os sistemas de informaes, bem como nas abordagens desse agravo, seja na busca da qualidade da assistncia a ser prestada ou nas atividades de preveno. [33: Poltica nacional de reduo da morbimortalidade por acidentes e violncias: Portaria MS/GM n. 737 de 16/5/01, publicada no DOU n. 96 seo 1E de 18/5/01 / Ministrio da Sade, Secretaria de Vigilncia em Sade, Departamento de Anlise de Situao de Sade. 2. ed. Braslia: Editora do Ministrio da Sade, 2005.]

2.2 AS PENALIDADES ADMINISTRATIVAS PARA O CONDUTOR INFRATOR

A punio uma maneira, muitas vezes eficiente, de incentivar algum a manter a conduta dentro dos parmetros julgados como correto. Em contrapartida, em algumas circunstncias do cotidiano, possvel verificar a ocorrncia de estmulos negativos. Nos mesmos moldes em que determinada pessoa busca caminhar dentro dos ditames legais, a fim de obter a aprovao social, nossas atitudes tambm nos permite evitar circunstncias indesejadas, como uma privao de liberdade, uma repreenso ou uma multa de trnsito, por exemplo.Para a convivncia harmnica do homem em sociedade, foi necessrio o estabelecimento de normas que disciplinam os direitos e deveres de cada um. No entanto apenas a elaborao dessas regras no suficiente para garantir seu cumprimento. Faz-se imperioso o trabalho fiscalizatrio, com a aplicao de penalidades rgidas e eficientes queles que infringem tal legislao. Essa a regra basilar do Direito o mbito social. Com esse conceito bsico de convivncia entende-se a necessidade tambm de aplicao de limites na utilizao da via pblica. A Lei n 9.503/1997, que instituiu o Cdigo de Trnsito Brasileiro, relaciona, em seu ttulo ????? diversas condutas consideradas infraes de trnsito e, portanto, passveis de punio. Dentre elas temos tambm, no ttulo seguinte,????, a possibilidade do condutor infrator ser responsabilizado na esfera penal (quando sua conduta estiver tipificada como crime) ou civil (quando houver a obrigatoriedade de indenizar algum), o CTB prev ainda punies de natureza administrativa, estabelecidas no artigo 256 do CTB, que assim dispe:

Art. 256. A autoridade de trnsito, na esfera das competncias estabelecidas neste Cdigo e dentro de sua circunscrio, dever aplicar, s infraes nele previstas, as seguintes penalidades:I - advertncia por escrito;II - multa;III - suspenso do direito de dirigir;IV - apreenso do veculo;V - cassao da Carteira Nacional de Habilitao;VI - cassao da Permisso para Dirigir;VII - frequncia obrigatria em curso de reciclagem.

Em meio s punies possveis a serem aplicadas ao condutor infrator, quando o delito o de homicdio na direo veicular, o CTB traz a seguinte tipificao:

Art. 302.Praticar homicdio culposo na direo de veculo automotor:Penas deteno, de dois a quatro anos, e suspenso ou proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigir veculo automotor.

Temos ainda que levar em considerao a definio dada para veculo automotor[footnoteRef:34] (prevista no anexo I do CTB): [34: Cdigo de Trnsito Brasileiro (CTB). Lei n. 9503/97, publicada no Dirio Oficial da Unio em 24/9/97.]

Todo veculo a motor de propulso, que circule por seus prprios meios e que serve, normalmente, para o transporte virio de pessoas ou coisas ou para a trao viria de veculos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veculos conectados a uma linha eltrica e que no circulam sobre os trilhos.

Diante do exposto, temos que o veculo automotor funciona atravs da fora do motor, includos aqui os que dependem de energia eltrica. No entanto, tendo em vista o carter especfico do CTB quanto a sua aplicao apenas s vias terrestres, esto excludos dessa classificao, aqueles que circulam sobre trilhos, os de trao animal (denominados carroa) e humana (bicicleta), os areos e os aquticos. Nestes casos no ser aplicado o art. 302, mas o Cdigo Penal, pois imprescindvel que a conduta ocorra na conduo de veculo automotor.Ponto conflitante tambm na doutrina referente ocorrncia do resultado morte, provocado por veculo automotor, em via particular. Tal fato no elide a aplicao do artigo supramencionado.Os incisos constantes no pargrafo nico do art. 302 do CTB discorrem sobre as causas de aumento de pena no homicdio culposo cometido na direo de veculo automotor, de um tero metade, nos casos em que o condutor no possui Carteira Nacional de Habilitao (CNH) ou Permisso para Dirigir (PPD), quando a ao ocorrer no passeio, na faixa destinada a pedestre, quando deixar de prestar socorro vtima, desde que no coloque em risco sua integridade fsica, ou ainda quando, devido a sua atividade profissional estiver na conduo de veculo de transporte de passageiros. imperioso ressaltar que a pena prevista para a prtica de homicdio culposo no CTB mais gravosa que aquela do Cdigo Penal. Neste de 1 a 3 anos de deteno. J na legislao especial de 2 a 4 anos, cumulados com a suspenso do direito de dirigir. Essa situao gera inmeras discusses a cerca da constitucionalidade do tema. Mas o STF j se pronunciou sobre o assunto, discorrendo que tal disparidade no ataca o princpio da isonomia, tampouco o da proporcionalidade, tendo em vista que dados estatsticos comprovam a que o nmero de vtimas fatais no trnsito brasileiro suficiente para justificar o tratamento diferenciado quanto as penas. Deciso do RE 428864[footnoteRef:35], havendo outra deciso do STJ nos mesmos moldes: HC 63284/RS[footnoteRef:36]. [35: STF (Superior Tribunal Federal). Disponvel em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE+428864%29&base=baseInformativo. Acesso em: 10 de fevereiro de 2014.] [36: JusBrasil . Disponvel em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/26672/habeas-corpus-hc-63284. Acesso em: 10 de fevereiro de 2014.]

Destarte, o homicdio culposo corresponde a qualquer conduta causadora da morte de uma pessoa por imprudncia, negligncia ou impercia do agente. um tipo de injusto penal aberto, que depende da interpretao do juiz para poder ser aplicado.Para o homicdio culposo, a Lei determina pena de deteno de um a trs anos. Admite a suspenso condicional do processo em face de sua pena mnima, abstratamente, prevista ser igual a 1 (um) ano.Existe ainda a possibilidade de aplicao de aumento de pena, previsto no 4, do citado artigo, que descreve as causas especiais de aumento de pena.Damsio de Jesus, salientando que o perdo judicial no se aplica aos crimes de trnsito, diz:A morte culposa de ente querido, causada na direo de veculo automotor no admite o perdo judicial; nas relaes comuns, fora do trnsito, permite. Considerando que 99% dos casos de perdo judicial so aplicados nos delitos de circulao, a proibio absurda.O Cdigo de Trnsito Brasileiro foi institudo pela Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997. Sua criao resultou da necessidade em se conter o grande numero de vtimas e acidentes do trnsito.O Brasil est entre os pases com maiores ndices de violncia no trnsito. Em parte, devido a m formao do condutor, ao precrio estado de conservao de nossas vias somada deficincia da educao no trnsito.O homicdio culposo no trnsito previsto em legislao especial (Lei 9.503/97), denominada Cdigo de Trnsito Brasileiro, mais especificamente em seu artigo 302.E aquele cometido na direo de um veculo automotor. Logo, verifica-se uma especificao do instrumento atravs do qual o crime e cometido.Para caracterizar o crime de homicdio culposo no trnsito necessrio que o agente esteja conduzindo o veculo quando o crime for cometido. Quer dizer, a conduta atpica se o agente no se encontrar na direo do veculo. Por exemplo, se o carro encontra-se desligado e o agente, imprudentemente, o empurra, acarretando um homicdio, estaremos diante de homicdio culposo disciplinado pelo CP e no pelo CTB.O ncleo do crime de homicdio matar algum" e o CTB descreve a conduta da seguinte forma: praticar homicdio culposo na direo de veculo automotor. Segundo Luiz Regis Prado11, a redao conferida ao dispositivo precria, pois viola frontalmente o princpio da legalidade na vertente da taxatividade/determinao.Logo, o ideal seria que o tipo homicdio culposo do Cdigo de Trnsito Brasileiro fosse descrito como "causar a morte de algum, culposamente, na direo de veculo automotor". O crime de homicdio culposo no trnsito pode ocorrer em vias pblicas ou privadas, bastando que seja praticado em um veculo automotor. Assim, independe para caracterizar o delito que o mesmo seja cometido dentro de um estacionamento de shopping ou em qualquer rodovia ou rua.A caracterizao da culpa nos delitos de trnsito provm, inicialmente, do desrespeito s normas disciplinares contidas no prprio Cdigo de Trnsito (imprimir velocidade excessiva, dirigir embriagado, transitar na contramo, desrespeitar a preferncia de outros veculos, efetuar converso ou retorno em local proibido, avanar o sinal vermelho, ultrapassar em local proibido etc.). Estas, entretanto, no constituem as nicas hipteses que podem caracterizar o crime culposo, pois o agente, ainda que no desrespeite as regras disciplinares do Cdigo, pode agir com inobservncia do cuidado necessrio e, assim, responder pelo crime. A ultrapassagem, por exemplo, se feita em local permitido, no configura infrao administrativa, mas, se for efetuada sem a necessria ateno, pode dar causa a acidente e implicar na ocorrncia do crime culposo. necessrio tratar do conflito existente entre a norma prevista no Cdigo de Trnsito Brasileiro e a prevista no Cdigo Penal, no que tange as sanes impostas, j que ambas tratam do crime de homicdio culposo, em que o indivduo no assume o risco do resultado nem, muito menos, a inteno de caus-lo, mas punido por sua conduta negligente, imprudente ou imperita, que resulta em dano ao bem jurdico mais relevante a vida.O Cdigo Penal, em seu art. 47, III, j previa a hiptese de suspenso de autorizao ou de habilitao para dirigir veculos, modalidade de pena que comina na suspenso ou interdio de direitos, aplicvel aos crimes culposos de trnsito, segundo preconiza o art. 57 do mesmo diploma legal.Inobstante j existir esta previso no CP, o CTB em seu art. 302 tipificou especificamente o homicdio culposo no trnsito, aumentando sua pena-base e cumulando-a com outras restritivas de direitos, numa reunio de artigos pr-existentes do CP.Sobre o tema no h entendimento pacfico na doutrina haja vista Luiz Regis Prado entender pela impossibilidade de aplicao analgica do perdo judicial ao dispor: O obstculo decisivo est na impossibilidade de aplicao analgica de normas penais no incriminadoras excepcionais.Em ambos os artigos que disciplinam o homicdio culposo o objeto jurdico (a vida humana), o tipo objetivo (matar algum) e o tipo subjetivo (culpa) so os mesmos.A diferena reside somente no fato de que no homicdio culposo, disciplinado pelo CTB, o agente se encontra na direo de um veculo automotor.Segundo Cssio Juvenal Faria, "Ocorre o conflito aparente de normas penais quando o mesmo fato se amolda a duas ou mais normas incriminadoras. A conduta, nica, parece subsumir-se em diversas normas penais. Ou seja, h uma unidade de fato e uma pluralidade de normas contemporneas identificando aquele fato como criminoso".O Cdigo de Trnsito Brasileiro criou um subsistema punitivo especial ou marginal, marcado por reprimendas especficas s infraes penais de trnsito, como o caso da suspenso ou proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigir veculo automotor, agora erigida categoria de pena principal, aplicvel de forma isolada ou cumulativa e com prazo de durao de dois meses a cinco anos (arts. 292 e 293).O legislador, ao tratar sobre o homicdio culposo no trnsito, foi mais rigoroso. Ao analisar os novos dispositivos penais trazidos pelo Cdigo de Trnsito, nitidamente se percebe que a pena disposta para o homicdio culposo neste cdigo desproporcional se comparada com outros delitos de maior gravidade.O agente que provoca um homicdio culposo atravs de um desabamento, de um disparo acidental de arma de fogo, de um choque eltrico, etc., poder ter contra si uma pena de 1 a 3 anos de deteno, como tambm poder, conforme o caso, ser beneficiado pelo instituto da suspenso do processo, previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que incidir nas sanes do art. 121, pargrafo 3, do CP.Ao passo que, aquele que provoca o mesmo resultado dos exemplos supracitados, por estar na direo de um veculo automotor, ter uma pena base maior, cumulada com outra, restritiva de direitos, e no ser beneficiado pelo referido instituto, previsto na Lei 9.009/95.No obstante o avano alcanado pelo novo regramento, deparamo-nos com alguns equvocos trazidos pelo Cdigo. Sedento por punir de forma mais rigorosa o motorista imprudente, o legislador acabou suplantando princpios elementares de Direito Penal. Em anlise aos novos dispositivos penais criados pelo Cdigo de Trnsito, percebe-se que h penas desproporcionais em relao a outros delitos de maior gravidade.Para o Direito Penal vigente, se algum causa a morte involuntria de uma pessoa, mediante grave negligncia ou impercia ao manejar uma arma de fogo; ao montar um cavalo; ao elaborar um clculo estrutural de uma laje de concreto que vem a desabar; ao se omitir no cuidado devido na manuteno de uma rede eltrica, que vem a causar um incndio numa casa comercial, ao pilotar um jetski ou uma lancha de passeio, o crime praticado ser necessariamente o de homicdio culposo simples.Na verdade, em qualquer um destes casos, por mais intenso que tenha sido o grau da culpa, seja qual for a circunstncia desfavorvel que torne o crime mais grave e reprovvel, a pena mnima ser de um ano e a mxima de trs anos de deteno.No entanto, basta uma simples e trivial negligncia ao volante de um veculo automotor, causadora de um homicdio, para que este seja punido com uma pena mnima de dois anos e mxima de quatro anos de deteno. H a, uma diferena quantitativa significativa que estabelece uma injustificvel e desnecessria assimetria no sistema punitivo.Estamos diante de uma impropriedade jurdico-penal que fere o princpio razoabilidade, porque no tem lgica, nem de bom senso partir da presuno jurdica de que todo o homicdio culposo de trnsito necessariamente mais grave do que qualquer outro, que no tenha sido praticado na direo de um veculo automotor.Entendemos que o aumento da carga punitiva - apenas para o homicdio culposo de trnsito - contraria a rgua da justa proporcionalidade, que aponta no sentido de se aplicar a mesma escala punitiva para responder a condutas infracionais que apresentem idntico potencial de ofensividade.Nesse sentido, denota-se que a sano prescrita ao delito de leso culposa decorrente de acidente de trnsito (artigo 303) acabou excedendo at mesmo a pena do crime de leso corporal dolosa, insculpida no artigo 129, caput, do Cdigo Penal, fator que demonstra incongruncia por parte do legislador.A ttulo de exemplo, imagine-se que, conduzindo um veculo, um agente atropele culposamente um pedestre que atravessa uma rua, provocando-lhe leses leves. No mesmo sentido, suponha-se que, irado por uma discusso de trnsito, um motorista atropele dolosamente um ciclista com a inteno de lesion-lo, causando-lhe hematomas pelo corpo.No caso concreto, o agente que atropelou dolosamente o ciclista com o intuito de lesion-lo ser enquadrado no art. 129, caput, do Cdigo Penal, sujeitando-se a uma sano que varia de 3 meses a 1 ano de deteno.De forma totalmente incoerente, o agente provocador da leso culposa ser punido com deteno que varia entre 6 meses e 2 anos, como tambm ter suspensa ou proibida sua permisso ou habilitao para dirigir.Mais grave ainda a situao do agente que comete um homicdio culposo conduzindo um veculo. Neste caso, a sano prevista no art. 302 do CTB estabelece uma pena que varia de 2 a 4 anos de deteno, obstando, inclusive, a aplicao de qualquer benesse prevista na Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).Assim, segundo o art. 302 do CTB, no s foi aumentada a durao da pena privativa de liberdade em relao ao tipo simples do Cdigo Penal, como tambm foi cominada, de forma cumulativa, uma nova pena restritiva de direitos (suspenso ou proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigir veculo automotor).Esta pena atinge tanto as pessoas que j possuem permisso ou habilitao para dirigir, que ficam com este direito suspenso, como as que ainda no possuem permisso para dirigir, que ficam proibidas de obt-la.Efetivamente, ao incriminar um fato reprovvel, incumbe ao legislador avaliar suas consequncias sociais. Todavia, deve estabelecer uma proporo ao menos razovel entre a quantidade punitiva cominada e a gravidade efetiva, real (nocividade social), dos fatos incriminados.Entretanto, devido a semelhana entre os dois casos entendemos que, o 5o do art. 121, do CP, deve ser aplicado s hipteses do homicdio culposo no trnsito, por analogia in bonan part.Acrescente-se que a criao destas duas figuras culposas qualificadas no Cdigo de Trnsito Brasileiro constitui uma derrota dos militantes da possibilidade da incidncia do dolo eventual nos crimes de trnsito, que perderam uma boa oportunidade de verem sua teoria respaldada em lei.A nova lei apresenta uma impreciso na descrio dos tipos penais, por serem descritas utilizando o prprio nomen juris da conduta. Em verdade, o ncleo do crime de homicdio no "praticar homicdio", mas "matar algum". O ideal seria se o novo tipo fosse descrito como "causar a morte de algum, culposamente, na direo de veculo automotor". Da mesma forma, o tipo do art. 303 restaria mais claro como "ofender a integridade corporal ou a sade de outrem, culposamente, na direo de veculo automotor".Tratar de crimes cujo resultado idntico a outros j existentes no Cdigo Penal, em legislao autnoma, no parece de boa tcnica, por romper a sistemtica do ordenamento jurdico-penal. O ideal, em vez de criar qualificadoras em um novo diploma legal, seria simplesmente fazer inserir, em um dos pargrafos dos arts. 121 e 129 do Cdigo Penal, uma qualificadora ou mesmo uma nova causa de agravamento de pena da forma culposa pela circunstncia de seu cometimento "na direo de veculo automotor".Em verdade, a sobredita impreciso terminolgica, na referncia direta ao nomen juris decorre exatamente do fato de no estarem as qualificadoras contidas no mesmo dispositivo do tipo principal.Conforme dito anteriormente, contestvel o intuito da Lei em punir mais severamente os crimes no trnsito. Com esta afirmao, entenda-se, no estamos menosprezando a gravidade ou necessidade de punio para estes crimes. Entretanto, o legislador, quando elabora uma norma deve ter em mente que estas so marcadas pela obrigatoriedade, impessoalidade e abstrao. Por obrigatoriedade entende-se que as normas de Direito Publico so normas cogentes, no podem ser revogadas pela vontade das partes.Impessoais, porque so voltadas, em tese, para todas as pessoas; e, abstratas porquanto no so pensadas para resolver um determinado caso concreto e sim uma generalidade de casos. Cabe ao juiz, ao analisar o caso concreto, dosar a pena punindo de maneira adequada o agente delituoso, de acordo com o que est previsto no art. 59 do CP que diz: O juiz, atendendo culpabilidade, aos antecedentes, conduta social, personalidade do agente, aos motivos, s circunstncias e conseqncias do crime, bem como ao comportamento da vitima estabelecer, conforme seja necessrio e suficiente para reprovao e preveno do crime.Por exemplo, no que se refere ao crime de roubo, o caput do art. 157 do CP no fala em roubo de bicicleta, automvel ou eletrodomstico, nem to pouco individualiza todos os meios pelos quais este poder ser realizado, mas sim em roubo. Apenas em seu 2o, I, salienta que se o meio empregado for o uso de arma de fogo, a pena base ser aumentada. Logo, neste caso, no foi criado um tipo penal diverso nem to pouco com pena base diversa cumulada com qualquer outra sano, pois o meio empregado foi ensejador de causa de aumento de pena.O mesmo poderia ter sido aplicado ao homicdio culposo no transito. Quer dizer, ter a mesma pena base do homicdio culposo do CP, sendo que o meio empregado, o veiculo automotor, seria ensejador de uma causa de aumento de pena. Ocorre que este, no CTB, no obstante ter tido sua pena base aumentada, teve cumulada outra pena, restritiva de direitos, prevendo, ainda, em seu pargrafo nico e incisos causas de aumento de pena.Logo, fica claro que o homicdio culposo de transito muito mais severamente punido do que qualquer outro homicdio culposo do CP. O territrio brasileiro possui dimenses continentais e populao numerosa de diversas etnias que convivem no mesmo espao geogrfico. Essas caractersticas brasileiras geram, diariamente, muitos conflitos. Alguns destes so resolvidos na esfera judicial, competente para julgar e oferecer a prestao jurisdicional imparcial. Os casos concretos so julgados conforme suas peculiaridades, tendo em vista que se diferenciam um do outro. No entanto, existem casos parecidos com solues extremamente diferentes.Na esteira de raciocnio do ilustre professor Edmundo Jos de Bastos Jnior[footnoteRef:37] o trnsito vem se tornando um problema de calamidade pblica, tendo em vista o crescente nmero de mortos e feridos e de danos materiais que provoca. H, por isso, um grande clamor pblico em favor da elaborao de uma legislao especial a fim de punir com mais rigorismo os crimes de trnsito. Todavia existe outra corrente, mais branda, que traz como enfoque a educao no trnsito. Nessa viso necessrio primeiro educar, ensinar que direo perigosa no leva a nada, exceto ao risco e muitas vezes a morte. [37: BASTOS JNIOR, Edmundo Jos de. Cdigo Penal em Exemplos Prticos: parte geral. 4 edio, revista e atualizada. Florianpolis SC, OAB/SC, 2003. p. 66-67.]

5. DIFERENA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS ACIDENTES DE TRNSITO

No negamos por si s, a possibilidade da existncia do dolo eventual nos pr-falados acidentes.Porm, a utilizao perfunctria do dolo eventual em diversos juzos e tribunais sem a anlise subjetiva de cada caso, elastecendo de forma imprpria a definio constante do artigo 18 Inciso I da Lei Penal Material, leva a uma perigosa situao de utilizao do Direito Repressivo, fugindo ao Princpio da Reserva Legal, corolrio de uma justia sria e justa.Com efeito, o que se v a confuso extrema em diversas peas iniciais de ao penal pblica e tambm em sentenas judiciais das definies do dolo eventual e a culpa consciente.Alguns apressados intrpretes e aplicadores da lei penal pensam que com a combinao explosiva: excesso de velocidade com desrespeito a normas bsicas de trnsito + quantidade de lcool superior a seis decigramas por litro de sangue, estaria caracterizando o dolo eventual por estar o agente, assumindo o risco de produzir os resultados que porventura ocorressem.Esto duplamente enganados...Primeiramente, sob o aspecto da Medicina Legal, pois ponto pacfico na conceituao de renomeados autores, que apenas a quantidade de lcool superior a seis decigramas por litro de sangue no caracteriza a embriaguez do agente,"ex vi"as notveis diferenas fisiolgicas existentes entre os seres humanos. O resultado do susomencionado teste deve ser analisado com outros elementos probatrios, sendo necessrio sempre o fiel seguimento ao"princpio da verdade material"existente no Processo Penal ptrio.Secundariamente, por a pr-falada confuso existente entre as definies entre culpa consciente e o dolo eventual.Realmente, apenas com a aplicao das conhecidas"frmulas de Frank[footnoteRef:38]1evitaria-se o problema. [38: Nelson Hungria, Comentrios ao Cdigo Penal, 4 Edio, vol. I, Editora Forense, 1958, pginas 113 a 118.Fernando Capez, Direito Penal Parte Geral, 4 Edio, 1997, Editora MPM, pgina 77]

A primeira delas profeticamente determina"a previso do resultado como possvel somente constitui dolo, se a previso do mesmo resultado como certo no teria detido o agente, isto , no teria tido o efeito de um decisivo motivo de contraste"ou nas palavras do ilustre PromotorFernando Capezcitando o saudosoNelson Hungria: "Seja como for, d no que der, em qualquer caso no deixo de agir[footnoteRef:39] [39: O Dolo Eventual nos Homicdios de Trnsito: Uma Tentativa Frustrada, Revista dos Tribunais, pginas 470 a 475]

No de se olvidar que adotou o Direito Penal brasileiro a teoria do"consentimento ou da vontade"em detrimento da teoria da"probabilidade ou da representao", j h dcadas superada.Alis,Frank e von Liszt os mais prestigiados defensores da teoria da probabilidade ou da representao por fim, aceitaram que a representao do resultado, no basta para exaurir a noo de dolo, sendo indispensvel um momento de mais"ntima"relao psquica entre o agente e o resultado. Ora, este momento"ntimo"de relao psquico do agente com o resultado, no passa do"consentimento".Destarte, foroso reconhecer, comovon Hippelassim o fez,que os mencionados autores aderiram, inexoravelmente, a teoria da"vontade"!Poderamos simplesmente determinar, que para a figura do dolo indireto do tipo eventual, no se esgota na possibilidade de previso do acontecimento, mas sim, e, precisamente, naindiferenaa esse resultado por parte do agente. Se o agente pensa:"Se eu continuar a dirigir assim posso vir a matar algum, mas confio na minha habilidade, isto no ocorrer..."presente estar a culpa consciente, por sua leviandade. A"contrario senso"se ele refletir :"Se eu continuar a dirigir assim posso vir a matar algum, mas no me importa, que acontea, vou continuar.."presente estar o elemento volitivo e, consequentemente, o dolo eventual por seu egosmo.[footnoteRef:40] [40: Damsio Evangelista de Jesus, Direito Penal Parte Geral, 16 Edio, Volume I, Editora Saraiva, pgina 4.]

Neste sentido, preciosa a lio do insigne advogado gachoAlexandre Wunderlich :"Na realidade, num planeta extremamente motorizado, a expresso empregada na legislao brasileira tornou-se inadequada. Assumir o risco pouco. Em sentido lato, para assumir o risco basta sentar direo de um veculo. preciso mais do que isso, sob pena de darmos demasiada elasticidade ao conceito e, assim, punirmos no s o agente que age dolosamente, mas at o motorista que age culposamente, como se em todos os crimes de trnsito com resultado morte estivesse presente a figura do dolo eventual.O no menos ilustre, juiz do Tribunal de Alada CriminalCarlos Biasotti, notavelmente se expressou :Realmente, como j foi dito, o Direito Penal no pode sero "remdio para todos os males",nem em virtude de uma aspirao social pode ser o Direito Repressivo deturpado na sua funo de tutela jurdica de defesa dos bens fundamentais para a vida em sociedade(6), abarcando uma responsabilidade objetiva ou decorrente de presuno que, em muito contrrio a sua essncia.Destarte, se os defensores do movimento da" lei e da ordem", acham a pena prevista no artigo 302 da Lei 9.503/97 (Cdigo Nacional de Trnsito Brasileiro) insuficiente, que preguem o aumento da mesma, mas que jamais conspurquem a natureza do Direito Penal Substantivo, apenas com o supedneo de advogar os seus interesses.Os fatos devem ser analisados com muita cautela a fim de que o elemento subjetivo, motivador da conduta do acusado, dolo eventual (assumindo o risco de produzir resultado) ou com culpa consciente, fica evidente. Tal distino uma linha extremamente tnue, s encontrada aps exaustivo exame do caso concreto atravs das provas encontradas.