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ALIANÇA DE ADVOCACIA EMPRESARIAL – ALAE Coordenação Prof. Dr. Paulo Roberto Coimbra Silva Doing Business in Brazil Legal Guidelines and Main Industries

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ALIANÇA DE ADVOCACIA EMPRESARIAL – ALAE

Coordenação Prof. Dr. Paulo Roberto Coimbra Silva

Doing Business in Brazil Legal Guidelines and Main Industries

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ALIANÇA DE ADVOCACIA EMPRESARIAL – ALAE

DOING BUSINESS IN BRAZIL –

LEGAL GUIDELINES AND MAIN INDUSTRIES

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Paulo RobeRto CoimbRa SilvaOrganizador e Coordenador

DOING BUSINESS IN BRAZIL –

LEGAL GUIDELINES AND MAIN INDUSTRIES

Belo Horizonte2011

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“A todas as empresas, investidores, gestores e empresários que, com espírito e coragem dos pioneiros, vizualizam, acreditam, investem e

exploram, de forma sustentável, o enorme potencial e aproveitam as inúmeras oportunidades oferecidas pelo mercado brasileiro.”

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Gostaríamos de hipotecar nossa gratidão e reconhecimento, a todos os escritórios aliados da ALAE, que com sua capacidade

técnica e experiência profissional tornaram realidade a ambiciosa ideia de um Brazilian Legal Guide de nossa entidade,

aos autores, que acreditaram, abraçaram e prestaram seu valioso e inteligência na realização desse projeto.

Prof. Dr. Paulo Roberto Coimbra Silva.

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APRESENTAÇãO

O Brasil passou por profundas mudanças na década de 1990, devendo ser apontados como exemplos o processo de privatização e a celebração do Tratado de Assunção, com a conseqüente criação do Mercosul. Além disso, foi na década de 1990 que, por meio do Plano Real, o país obteve o controle da inflação, o que foi sobremaneira importante para a estabiliza-ção econômica e política do país.

O cenário econômico brasileiro atual apresenta indicadores que reve-lam fatores favoráveis a um crescimento econômico a médio e a longo prazo, tais como a estabilidade econômica e a segurança jurídica, o forta-lecimento das instituições políticas e democráticas e o mercado potencial de consumo, em decorrência da ascensão do poder aquisitivo das grandes massas – classes D e E, que até o início dos anos 2000 estiveram alijadas do mercado de consumo. Por isso, o Brasil está na rota dos investimentos internacionais e é um gigante emergente, fazendo parte do BRICS – agru-pamento dos mercados emergentes de maior e mais rápido crescimento econômico, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e, mais recentemente, África do Sul.

O país é titular de extensão territorial e de geodiversidade privilegiadas, possuindo riquezas e recursos minerais abundantes. Tanto é que o Brasil figura entre um dos maiores produtores e exportadores de minérios do planeta.

De acordo com estudo feito pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o Brasil ultrapassou, em 2010, os Estados Unidos na lista de mercados mais atraentes, estando em tercei-ro lugar no ranking de países prioritários para investimentos estrangeiros entre 2010 e 20121.

Outro fator que demonstra o bom momento vivido pela economia brasi-leira é que os investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil atingiram o maior valor da série história do Banco Central, atingindo US$ 48,46

1 www.unctad.org/en/docs/diaeia20104_en.pdf

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bilhões em 2010. A projeção do BC para 2011 é que o IED chegue a US$ 55 bilhões. No que se refere ao Produto Interno Bruto (PIB), este apresentou um crescimento de 7,5% em 2010, em comparação com o acumulado de 2009.

Levantamentos prevêem que as commodities produzidas pelo país de-verão continuar em ascensão a longo prazo, em virtude da incorporação da massa de consumidores asiáticos. Além das commodities, a indústria brasileira está diversificada e em expansão. Ademais, a descoberta do pré-sal, que são enormes reservatórios de petróleo e gás natural localizados em águas profundas, abaixo da camada de sal, é mais um motivo que contribui com as boas perspectivas do Brasil, nos elevando a um novo patamar de reservas e produção de petróleo e, consequentemente, aumentando a ex-pectativa criada em torno das oportunidades de investimento.

O interesse no país pelos investidores estrangeiros relaciona-se igual-mente com o bom desempenho da economia brasileira pós-crise, desen-cadeada em 2008 a partir da quebra de instituições de crédito dos Estados Unidos, que atingiu todo o mundo e ainda gera efeitos na economia mun-dial. Costuma-se dizer que o Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise e um dos primeiros a sair dela.

O fato de o Brasil ser um dos mercados mais atraentes só tende a se in-tensificar com a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olím-picos de 2016 na cidade do Rio de Janeiro, principalmente no que se refere a investimentos em infraestrutura, como a construção do trem-bala que liga São Paulo ao Rio de Janeiro e as reformas em portos e aeroportos. A tudo isso, acrescenta-se o desejo do governo brasileiro em atrair investi-mentos, notadamente com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), cujo objetivo é fomentar a eficiência produtiva dos principais setores da economia, incitar a modernização tecnológica, provocar o crescimento nas áreas em desenvolvimento, aumentar a competitividade e integrar o Brasil com seus vizinhos.

Diante da experiência econômica por que passa o Brasil, nasceu a ideia de elaborar o presente Guia Legal para o Investidor Estrangeiro, cujo obje-tivo é a organização de um guia seguro para servir de base para investidores estrangeiros interessados em realizar negócios no país. A finalidade deste livro é permitir que potenciais investidores estrangeiros tenham contato, de uma maneira clara, objetiva e inovadora, com o ordenamento jurídico brasileiro, facilitando e atraindo o investimento estrangeiro para o país.

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Trata-se, assim, de um guia que apresenta abordagem inovadora, com foco nos principais mercados e indústrias brasileiras, servindo não apenas como um guia jurídico, mas também como uma valiosa referência para a realização de negócios no Brasil.

Para uma melhor utilização deste guia, ele está dividido em duas partes. Na primeira, dá-se ao leitor uma visão geral, tratando da regulação jurídica de assuntos relevantes para a maior parte das atividades no Brasil. Esclarece temas como o Sistema Jurídico, Tipos Societários e Formas de Associação, o Sistema Tributário, Tranfer Pricing, Zona Franca de Manaus, Fundos de Investimento em Participação, Fusões e Aquisições, Aspectos Tributários do M&A, Compra de Ativos de empresas em processo de recuperação judicial ou falência, Regulamentação do Mercado de Capitais, IPO (Companhias Abertos e Abertura de Capital), Órgãos Regulatórios, Capital Estrangeiro, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Responsabilidade Ambiental, Resolução de Conflitos, Aspectos Trabalhistas, Imigração e Vistos Temporá-rios, Propriedade Intelectual, Licitações e outras formas de contratação com a Administração Pública, Concessões de Serviços Públicos e as Parcerias Público-Privadas (PPP), Direito do Consumidor e Arbitragem.

Na segunda parte, aborda especificamente alguns ramos de atuação que merecem atenção especial, mercê de seu notável potencial de oportuni-dades, apresentando aspectos importantes sobre temas específicos, como Mineração, Energia Elétrica, Combustíveis Fosséis, Infraestrutura, Tele-comunicações e Tecnologia da Informação, Mercado Imobiliário, Meca-nismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), Transportes, Comércios e Ser-viços, E-commerce e Educação.

Tratando dessas questões, espera-se prover às empresas estrangeiras que pretendem estabelecer operações no país uma introdução aos negócios e às atividades aqui realizadas, assim como os aspectos legais pertinentes. Elucida-se que a intenção deste guia não é exaurir cada tema, mas forne-cer, de uma maneira clara, objetiva e didática, observações gerais sobre os objetos de estudo.

Este Guia é fruto da união dos escritórios associados da ALAE – Aliança de Advocacia Empresarial, associação exclusiva de escritórios de advoca-cia, que atuam na área do direito empresarial.

Tendo como inspiração a viabilização de uma assessoria jurídica com-petente e inovadora, a ALAE objetiva atender a empresas e a corporações

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nacionais e internacionais, observando os mais elevados padrões de qua-lidade e ética na prestação de serviços jurídicos. Deste modo, a ALAE propõe, de forma inovadora, a congregação de conceituados escritórios de advocacia, de diferentes regiões e culturas do Brasil e da América Latina, para um atendimento único, amplo e de excelência. A Aliança se sobressai, sobretudo, devido à forte reputação dos escritórios aliados nas áreas de atuação em suas respectivas bases regionais.

Assim, a ALAE proporciona atendimento personalizado, ágil e efi-caz, pela proximidade e forte vínculo entre os escritórios aliados, o que possibilita a troca de informações, ideias e experiências jurídicas, otimizando os resultados almejados pelo cliente. O resultado dessa Aliança é a mais ampla, atualizada, uniforme e qualificada assessoria jurídica aos clientes dos escritórios da ALAE. Dispõe, ainda, de um sistema articulado entre os escritórios aliados, o que colabora para sua abrangência continental.

Para tanto, são princípios que guiam os escritórios associados: (i) reco-nhecida ética nas relações profissionais, pessoas e empresariais, seja com os Aliados, com os clientes e com a sociedade; (ii) qualidade e dinamis-mo na prestação de serviços advocatícios empresariais; (iii) o contínuo aprimoramento técnico-jurídico dos escritórios aliados; (iv) mútuo auxílio entre os associados no atendimento de seus respectivos clientes.

Formado por trinta e dois conceituados escritórios de advocacia das principais cidades do país e da América Latina, a ALAE é composta atu-almente por cerca de 3.000 colaboradores, entre paralegais e advogados, muitos dos quais mestres e doutores, com forte background acadêmico, todos com elevados padrões técnicos, o que viabiliza a troca de conheci-mento e de experiência jurídica.

A ALAE está presente nos seguintes países da América Latina: Argen-tina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela. No Brasil, há escritórios aliados nos principais Estados e cidades brasileiras: Aracaju/SE, Belo Horizonte/MG, Boa Vista/RR, Brasília/DF, Campinas/SP, Campo Grande/MS, Cuiabá/MT, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, For-taleza/CE, Goiânia/GO, João Pessoa/PB, Juiz de Fora/MG, Londrina/PR, Manaus/AM, Natal/RN, Porto Alegre/RS, Porto Velho/RO, Recife/PE, Ribeirão Preto/SP, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA, São Luís/MA, São Paulo/SP e Teresina/PI.

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Agradeço a todos os integrantes da ALAE que se dedicaram e prestaram sua valiosa contribuição para a realização deste Guia Legal. Cumprimento, ainda, pelo magnífico resultado obtido, produto de energético empenho e notável conhecimento jurídico.

São Paulo, 21 de abril de 2011.Prof. Dr. PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Organizador e coordenadorSócio do TosTes & Coimbra

(aliado em Belo Horizonte/MG) [email protected]

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SUMáRIO

PaRte i – PaRte geRal

A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO ......................2Camila de Morais LeiteMaurício Saraiva de Abreu Chagas

TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO ......................16George Lippert Neto Juliano Langaro da Silva

A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL ...............................................................36Miguel Hilú NetoPaulo Roberto Coimbra Silva

TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES.........................49Luís Eduardo Schoueri

A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS ERESULTADOS ........................................................................................62

Pedro Câmara JuniorLuiz Felipe Brandão Ozores

FUNDO DE INVESTIMENTOEM PARTICIPAÇÕES – FIP ................83Luiz Gustavo A. S. BicharaFelipe de Freitas Ramos

FUSÕES E AQUISIÇÕES .......................................................................92Paula Andrade R.ChavesPaulo Roberto Coimbra Silva

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A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃODE ATIVOS DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO ..........................108

Maria Victoria Santos Costa, Bruno Pinheiro Barata

MERCADO DE CAPITAIS...................................................................122Eduardo Simões Lanna

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIALDE AÇÕES ...........................................................................................140

Juliano Langaro da Silva

ÓRGÃOS REGULATÓRIOS ................................................................156Gladson Wesley Mota PereiraFlávia Marques Oliveira Lima

INVESTIMENTO ESTRANGEIRO .....................................................166Eduardo Simões LannaLuiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza

O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA ..........177Ubirajara Costódio Filho

RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA:UMA BREVE ANÁLISE DE RISCOS ................................................189

Keyth Yara Pontes PinaPedro Câmara JuniorDiego Carvalho Texeira Helder Gonçalves Lima Eduardo Stecconi Filho

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM .....................................................................................206

Francisco Rosito

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CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL .......................................222

Agnes Corinaldesi Geraldo Laura Fanelli Luchiari Milani

IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS .........................................244Gerusa Nunes de SousaCarmem Cecília Barbosa Moreira

PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUAPROTEÇÃO ..........................................................................................258

Luiz Edgard Montaury Pimenta

Clarissa Castro Jaegger

LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM AADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL .....................................277

Cauê Vecchia LuziaCarolina Sena VieiraGustavo Amorim

CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS E AS PARCERIASPÚBLICO-PRIVADAS (PPP) ...............................................................296

Saulo Baqueiro Cerejo

ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DECONSUMO NO BRASIL ......................................................................310

Mário Roberto Pereira de Araújo

A ARBITRAGEM NO BRASIL ............................................................321

Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes

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PaRte ii – PRinCiPaiS meRCadoS

A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAISRELEVANTES .......................................................................................... 334

Paulo Roberto Coimbra Silva

O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL .....................349Luiz Geremias de Aviz

COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMAREGULATÓRIO E AMBIENTAL ........................................................365

Antonio Augusto ReisAline Cardoso de Barros

OS CONTRATOS DE INFRAESTRUTURA NO BRASIL .................382Paulo Roberto Coimbra SilvaPaula Andrade R. ChavesMarcelo Tostes de Castro Maia

ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES ...............................392Hermano Gadelha de Sá

MERCADO IMOBILIÁRIO .................................................................412Ricardo Lacaz MartinsJoão Victor Guedes Santos

O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL ..................................425Luís Fernando Hasegawa

E-COMMERCE .....................................................................................435Marianna Furtado de Mendonça Eduardo Magalhães Machado

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COMÉRCIO E SERVIÇOS ...................................................................444Eder Fasanelli Rodrigues Ricardo Carneiro Mendes Prado

A EDUCAÇÃO NO BRASIL ................................................................460Emmanuel CasagrandeLuís Hasegawa

PaRte iii – temaS eSPeCiaiS

A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA PELO NOVO REGULAMENTO ADUANEIRO .........471

José Henrique Cabello

REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS ..............................................499Bruno Coelho da Silveira

A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL (2014) E AS OLIMPÍADAS (2016): OPORTUNIDADES E INCENTIVOS LEGAIS .....................508

Daniel Marcelino

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Parte I

Parte geral

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a estrutura JurídIca do estado BrasIleIro

Camila de morais leiteGraduada em Direito pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduada em Direito Tributário pelo CEAJUFE.

Advogada Tributarista do Escritório TosTes & Coimbra. [email protected]

maurício Saraiva de abreu ChagasGraduado em Direito pela UFMG.

Pós-graduado em Direito Tributário pelo CEAJUFE. Coordenador da Pós-Graduação em Direito Tributário no CEAJUFE.

Advogado tributarista do Escritório TosTes & Coimbra. [email protected]

Sumário: 1. A adoção do regime político democrático como principio fun-damental da ordem jurídica brasileira. 2. A República como forma de governo do Estado Brasileiro. 3. A estruturação da ordem jurídica sob influência da tradição romano-germânica. 4. A Federação Brasileira. 5. As regiões sócio-econômicas do território brasileiro. 6. A separação de poderes. 7. A arbitra-gem como meio extrajudicial de solução de controvérsias. 8. A intervenção do Estado na economia. 9. Banco Central do Brasil

1. a adoção do Regime PolítiCo demoCRátiCo Como PRinCiPio fundamental da oRdem juRídiCa bRaSileiRa

A ordem jurídica brasileira está estruturada a partir da Constituição da República, onde se encontram as normas que estabelecem a estrutura e organização do Estado, disciplinam as formas de aquisição e exercício do poder e asseguram ainda os direitos e garantias fundamentais.

As normas constitucionais são as de maior hierarquia, razão pela qual, toda a legislação do país deve estar adequada aos seus preceitos, sob pena de se declarar o seu afastamento mediante controle de constitucionalidade

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3A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO

provocado de forma difusa por ação judicial proposta perante qualquer juiz em um processo regular, ou de maneira concentrada, por meio de ação judicial interposta perante o Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Brasileira atualmente em vigor foi promulgada em 05 de outubro de 1988 e desde a sua criação recebeu uma série de modifica-ções promovidas por diversas emendas constitucionais.

Como fruto de um processo histórico de conquista da liberdade e de participação popular no processo político, as normas constitucionais foram concebidas sobre dois pilares, a democracia e o direito, consa-grando de forma expressa a instituição de um Estado Democrático de Direito.

Como Estado de Direito impera no país a primazia da lei, em um sistema hierárquico de normas que busca promover a segurança jurídica, determi-nando a observância obrigatória da legalidade pela administração pública e o reconhecimento de garantias e direitos fundamentais.

Como Estado Democrático, o Brasil realiza eleições livres, periódicas e diretas, assegurando uma ampla participação da população no encaminha-mento da vida política do país.

2. a RePúbliCa Como foRma de goveRno do eStado bRaSileiRo

A Constituição Brasileira1 reconhece que todo o poder tem origem no povo e que este poder deve ser exercido por ele de forma direta ou median-te representantes previamente escolhidos.

Desta maneira, para o governo do Estado, o Brasil se organiza como uma República presidencialista, em que o presidente, eleito a cada quatro anos, acumula as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo. Há eleições diretas ainda para a escolha dos chefes do Poder Executivo nos Estados e Municípios, bem como para atribuição dos cargos Legislativos nos três entes que compõem a Federação Nacional.

1 CR. Art. 1º .Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

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4 CAMILA DE MORAIS LEITE / MAURÍCIO SARAIVA DE ABREU CHAGAS

A República brasileira tem como principais fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como o pluralismo político.

Dentre outros, são objetivos fundamentais da República, consagrados no texto constitucional: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginali-zação e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação.

3. a eStRutuRação da oRdem juRídiCa Sob influênCia da tRadição Romano-geRmâniCa

A tradição jurídica brasileira está sustentada em um processo histórico em que prevaleceu a influência do sistema romano-germânico também co-nhecido como Civil Law presente principalmente na Europa continental. Neste sistema, as leis escritas são a principal fonte das normas jurídicas, estando, muitas vezes reunidas e organizadas em Códigos como o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil, dentre outros.

Este sistema se opõe à tradição anglo-saxônica ou Common Law encon-trada principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, em que as normas jurídicas são concebidas a partir da jurisprudência formada com as decisões reiteradas proferidas pelo Poder Judiciário a partir de casos concretos.

Apesar de possuir a lei como fonte primordial das normas, em caráter supletivo, na ausência de dispositivo legal, a ordem jurídica brasileira ad-mite ainda outras fontes como os precedentes, ao se reconhecer a possibili-dade de aplicação da analogia com casos semelhantes, além dos costumes e dos próprios princípios gerais de direito2.

4. a fedeRação bRaSileiRa

O Estado Brasileiro esta constituído sob a forma de uma Federação. Ressalta-se, inclusive, que esta determinação é uma das características do

2 Decreto-Lei Nº 4.657/42. Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

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5A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO

ordenamento jurídico pátrio gravadas pelo caráter de imutabilidade, uma vez que, por determinação constitucional, não é possível a deliberação de qualquer proposta de emenda constitucional que tenha por objetivo abolir a forma federativa3.

A Federação Brasileira tem características próprias, uma vez que é constituída pela reunião de três entidades federadas distintas, a União, os Estados-membros e os Municípios. Cada um destes entes possui autono-mia administrativa, competência legislativa própria, inclusive no que se refere ao estabelecimento de normas tributárias, além de desfrutarem de igualdade jurídica.

Existem hoje no Brasil, vinte e sete Estados, incluindo o Distrito Fede-ral que acumula a competência de Estados e Municípios, além de cerca de 5.564 Municípios distintos distribuídos pelo território nacional.

5. aS RegiõeS SóCio-eConômiCaS do teRRitóRio bRaSileiRo

Os Estados Brasileiros são reunidos em cinco regiões sócio-econômicas que revelam algumas importantes características econômicas, culturais e sociais.

Região Sudeste

A região Sudeste é composta pelos Es-tados do Espírito Santo (ES), Minas Ge-rais (MG), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).

É a região mais populosa e rica do Brasil, apresentando um alto índice de urbanização, industrialização e o maior PIB per capita.

Além de contar com uma indústria e agricultura diversificadas, possui grande reserva mineral, no Estado de Minas Gerais, em especial de ferro

3 CR. Art. 60. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;

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6 CAMILA DE MORAIS LEITE / MAURÍCIO SARAIVA DE ABREU CHAGAS

e manganês, bem como uma significativa reserva de petróleo no Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Região Sul

É constituída pelos Estados do Rio Gran-de do Sul (RS), Santa Catarina (SC) e Para-ná (PR).

Territorialmente é a menor região brasi-leira, mas apresenta os mais elevados índi-ces sociais do país.

Tem localização privilegiada por fazer fronteira com os países integrantes do Mer-cosul: Uruguai, Argentina e Paraguai.

Sua economia se destaca pelo desenvolvimento da agropecuária e das indústrias alimentícia e têxtil.

Região Centro-Oeste

Nesta região se encontram quatro Estados: Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Goiás (GO) e o Distrito Fede-ral (DT) onde se localiza a capital do país, Brasília.

É a segunda maior região territorial, entretanto é a menos populosa, possuindo a segunda menor densidade populacional.

Economicamente, destaca-se pela pecuária extensiva e pela agricultura comercial, principalmente no cultivo de soja e milho.

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7A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO

Região Nordeste

Reúne o maior número de Estados bra-sileiros, dentre eles, Alagoas (AL), Bahia (BA), Ceará (CE), Maranhão (MA), Paraí-ba (PB), Piauí (PI), Pernambuco (PE), Rio Grande do Norte (RN) e Sergipe (SE).

No aspecto econômico possui potencial no setor de energia, em especial na exploração de petróleo e gás, bem como no turismo em função do ex-tenso litoral e seus atrativos naturais.

Região Norte

É a região com maior cobertura territo-rial, sendo composta pelos Estados do Acre (AC), Amapá (AP), Amazonas (AM), Pará (PA), Rondônia (RO), Roraima (RR) e To-cantins (TO).

Uma grande faixa deste território é coberta pela Floresta Amazônia, onde se encontra um grande potencial para a realização do extrativismo vegetal e mineral, desenvolvimento de pesquisas e exploração do turismo.

6. a SePaRação de PodeReS

A Constituição da República4 determina a adoção do príncípio da sepa-ração dos Poderes, afirmando que são Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo.

4 CR. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legisla-tivo, o Executivo e o Judiciário.

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8 CAMILA DE MORAIS LEITE / MAURÍCIO SARAIVA DE ABREU CHAGAS

A repartição das funções do Estado entre estes diferentes poderes tem por objetivo favorecer a democracia, evitando o arbítrio, inclusive por meio de mecanismos de controle recíproco.

6.1. Poder Legislativo

O Poder Legislativo, cuja função primordial, consiste em estabelecer as normas que regem o estado brasileiro e fiscalizar a atuação do Poder Exe-cutivo, é encontrado em cada um dos entes da Federação.

O Poder Legislativo na União é exercido pelo Congresso Nacional, dota-do de estrutura bicameral. No Senado Federal atuam os senadores, eleitos para mandatos de oito anos como representantes dos Estados. Cada Estado possui três representantes. Na Câmara dos Deputados atuam os deputados federais, eleitos como representantes do povo em quantidade proporcional à população dos Estados e para mandatos de quatro anos.

O Poder Legislativo nos Estados é exercido pelas Assembléias Legisla-tivas Estaduais. Os representantes do povo que atuam nestas assembléias são os deputados estaduais eleitos para mandados de quatro anos.

O Poder Legislativo nos Municípios é exercido nas Câmaras Municipais, onde os vereadores exercem cargo político outorgado por eleições, com mandatos de quatro anos.

A própria Constituição da República discrimina expressamente a com-petência atribuída ao Poder Legislativo de cada um dos entes da Federação Brasileira.

Há matérias que são de competência legislativa privativa da União5. Den-tre elas destaca-se: direito civil, comercial, penal, processual, agrário, marí-timo, aeronáutico, espacial, do trabalho, águas, energia, informática, teleco-municações, radiodifusão, sistema monetário, política de crédito, câmbios, seguros, comércio exterior e interestadual, regime dos portos, trânsito, trans-porte, recursos minerais, propaganda comercial, dentre outros.

Outras matérias estão submetidas a uma regra de competência concor-rente entre os entes da federação, o que significa que todos podem legislar a respeito, cabendo à União legislar de forma geral, aos Estados de manei-

5 CR., art. 22

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9A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO

ra regional e aos Municípios com um viés local. Dentre os temas abrangi-dos pela legislação concorrente se encontram: direito tributário, financei-ro, econômico, produção, consumo, proteção do meio ambiente, educação, cultura, dentre outros.

Ao Poder Legislativo Municipal, além de regular as matérias de compe-tência concorrente, cabe legislar sobre assuntos de interesse local, organi-zando a ocupação territorial, o desenvolvimento das atividades econômi-cas em seus limites, instituindo os tributos de sua competência, além de suplementar a legislação federal e estadual.

O Distrito Federal, região em que se encontra Brasília, a capital da Re-pública, acumula as competências Estaduais e Municipais.

6.2. Poder Executivo

O Poder Executivo tem como atribuição principal realizar a admi-nistração dos recursos públicos, além de praticar os atos de governo e de chefia de estado. É exercido nos três entes da Federação por repre-sentantes eleitos pela população de forma direta para um mandato de quatro anos.

Na União o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República que acumula as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo. Na condição de Chefe de Estado, incumbe ao Presidente representar o Brasil em suas relações internacionais, realizando, por exemplo, a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos posteriormente ao referendo do Congresso Nacional. Já na condição de Chefe de Governo, cabe ao Pre-sidente atuar na chefia das questões internas, tanto políticas quando ad-ministrativas, com a assistência dos Ministros de Estado, escolhidos para exercer a função de coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal.

Nos Estados o Poder Executivo é exercido pelo Governador, que, por sua vez, escolhe os Secretários Estaduais para atuar com assistentes na coordenação das entidades da administração estadual.

Nos Municípios cabe aos Prefeitos exercer o Poder Executivo, com a assistência dos Secretários Municipais.

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10 CAMILA DE MORAIS LEITE / MAURÍCIO SARAIVA DE ABREU CHAGAS

6.3. Poder Judiciário

O Poder Judiciário tem a função de administrar a Justiça, resolvendo, de maneira definitiva a solução de conflitos. Sua composição não é encontra-ao nos Municípios, concentrando-se na estrutura da União e dos Estados.

A estrutura do Poder Judiciário brasileiro pode ser sintetizada da se-guinte forma:

A Constituição da República ao estabelecer as normas gerais que deli-mitam a estrutura da Justiça Brasileira, delimita cinco vertentes com ma-térias próprias.

A Justiça Militar tem a competência de processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Ela é composta pelos Juízes e os Tribunais Mi-litares e tem como órgão recursal máximo o Superior Tribunal Militar, composto por quinze Ministros nomeados pelo Presidente da República.

À Justiça Eleitoral compete preparar, realizar e apurar as eleições. Ela é composta pelos Juízes Eleitorais, pelos Tribunais Regionais Eleitorais existentes na capital de cada Estado e do Distrito Federal e ainda pelo Tri-bunal Superior eleitoral.

s U P r e M o Tr IB U N a l Fe d e r a l

Juízes de Direito

Juízes Federais

Juízes do Trabalho

Juízes Eleitorais

Juízes Militares

Tribunal Regional Federal

Tribunal de

Justiça

Tribunal Regional

do Trabalho

Tribunal Regional Eleitoral

Tribunal Militar

Superior Tribunal de

Justiça

Tribunal Superior do

Trabalho

Tribunal Superior Eleitoral

Superior Tribunal Militar

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11A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO

A Justiça do Trabalho tem a atribuição de, em síntese, processar e jul-gar as ações oriundas da relação de trabalho. Compõem a sua estrutura os Juízes do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e o seu órgão máximo, qual seja, o Tribunal Superior do Trabalho, integrado por vinte e sete Ministros nomeados pelo Presidente da República.

A Justiça Federal, por sua vez, possui uma competência mais extensa, cabendo-lhe processar e julgar: as causas em que a União for parte ou in-teressada; as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; as causas relativas a direitos humanos; os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, dentre outros. Formam parte da Justiça Federal os Juízes Federais e os Tribunais Regionais Federais.

Por fim, está a Justiça Estadual que atua com competência residual, pro-cessando e julgando as demandas que não tenham uma atribuição espe-cífica. Esta estrutura judicial é organizada pelos Estados e, em síntese a integram os Juízes de Direito e os Tribunais de Justiça.

Dentro da estrutura judiciária brasileira, merecem destaque ainda dos Tribunais Superiores: o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

O Superior Tribunal de Justiça é composto por trinta e três ministros. Possui uma extensa competência cabendo destacar neste sentido, a capa-cidade para processa e julgar o conflito de competência entre tribunais; a homologação de sentenças estrangeiras; e, em grau de recursos, as causas em que forem parte Estado estrangeiro ou organismo internacional de um lado e o Município ou pessoa residente ou domiciliada no País de outro; as causas que contrariem tratado ou lei federal.

O Supremo Tribunal Federal é a instância máxima no ordenamento jurídi-co brasileiro. É constituído por onze ministros indicados pelo Presidente da República. Sua competência é extensa, cabendo destacar: o controle concen-trado de constitucionalidade; o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território e, me-diante recurso, as causas que versem sobre dispositivos da Constituição.

Dos três poderes do Estado Brasileiro, este é o único que não é com-posto por cargos eletivos. Os membros do Poder Judiciário, em sua grande

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12 CAMILA DE MORAIS LEITE / MAURÍCIO SARAIVA DE ABREU CHAGAS

maioria, são selecionados mediante a realização de concursos públicos, outros por indicação do Chefe do Executivo ou ainda indicação de entida-des de classe.

7. a aRbitRagem Como meio extRajudiCial de Solução de ContRovéRSiaS

A arbitragem, meio extrajudicial mediante o qual se busca a solução de controvérsias entre particulares, com a participação de um árbitro eleito pe-las partes envolvidas, tem a sua validade reconhecida pelo ordenamento ju-rídico brasileiro quando o litígio trata de direitos patrimoniais disponíveis.

A Lei n.º 9.307/96, ao tratar sobre a arbitragem, reconhece que as partes envolvidas têm a liberdade de reconhecer as regras de direito que serão aplicadas para a solução do conflito, desde que não exista a violação aos bons costumes e à ordem pública.

É facultado ainda às partes convencionar a realização da arbitragem se-gundo os princípios gerais de direito, os usos e costumes e as regras inter-nacionais de comércio.

A decisão proferida em sede arbitral produz, entre as partes, os mesmos efeitos de uma sentença do Poder Judiciário.

A sentença arbitral expedida fora do território nacional tem validade no Brasil nos termos dos tratados internacionais celebrados pelo país. A exe-cução da sentença arbitral estrangeira depende de sua homologação pelo Supremo Tribunal Federal.

A arbitragem é reconhecida hoje como um meio importante e eficiente para solução de controvérsias especialmente na seara empresarial, socie-tária e comercial.

8. a inteRvenção do eStado na eConomia

A Constituição da República6 revela de forma expressa a opção pela adoção do sistema capitalista de produção, o que implica na proteção da propriedade privada como direito fundamental, na plena liberdade para o

6 Constituição da República, art. 1º, IV; art. 5º, XIII, XXII; art. 170; art. 219

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13A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO

exercício de qualquer profissão, no estímulo ao trabalho e à livre iniciativa, na defesa da livre concorrência.

Neste contexto de uma economia de mercado, o Estado assume uma função de caráter normativo e regulador, desenvolvendo as funções de fis-calização, incentivo e planejamento7, além de prover a prestação de servi-ços públicos, seja diretamente, ou por meio de concessão ou permissão. A participação direta do Estado mediante exploração de atividade econômica é autorizada apenas quando houver necessidade de resguardo da seguran-ça nacional ou ainda relevante interesse coletivo8.

Para disciplinar e controlar certas atividades econômicas de caráter essencial ou de significativa repercussão, o Estado Brasileiro faz uso de Agências Reguladoras, criadas por lei na forma de pessoas jurídicas de Direito Público com capacidade exclusivamente administrativa.

Estas Agências têm a responsabilidade de realizar pesquisas sobre o mer-cado objeto de sua atuação, elaborar normas para sua regulação e fiscalizar o cumprimento destas determinações. Suas ações devem ainda promover a defesa dos direitos do consumidor, incentivar a concorrência, podendo ainda solucionar controvérsias mediante arbitragem entre os agentes do respectivo mercado.

Algumas das principais Agências Reguladoras Federais existentes atu-almente no país são:

oANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica (Lei n.º 9.427/96): regula e fiscaliza a produção, transmissão, distribuição e comerciali-zação de energia elétrica, em conformidade com as políticas e dire-trizes do governo federal;

o ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/97): regula a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações;

7 CR. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Esta-do exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

8 CR. Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração di-reta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme de-finidos em lei.

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14 CAMILA DE MORAIS LEITE / MAURÍCIO SARAIVA DE ABREU CHAGAS

o ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombus-tíveis (Lei n.º 9.478/97): regula a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis;

o ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei n.º 9.782/99.): realiza o controle sanitário de todos os produtos e ser-viços submetidos à vigilância sanitária, tais como medicamentos e alimentos;

o ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei n.º 9.961/00): promove a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regula as operadoras setoriais, a relação entre prestadoras e consumidores e contribui para o desenvolvimento das ações de saú-de no país.

o ANA – Agência Nacional de Águas (Lei n.º 9.984/00): regular o uso das águas dos rios e lagos de domínio da União;

o ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre (Lei n.º 10.233/01): regula a concessão e extinção do direito de exploração de infra-es-trutura e de prestação de serviços de transporte terrestre;

o ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Lei n.º 10.233/01): regula a prestação de serviços de transporte e a explora-ção da infra-estrutura aquaviária e portuária;

o ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil (Lei n.º 11.182/05): re-gula e fiscaliza as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária.

Cabe destacar que, além da União, os Estados e os Municípios podem também criar Agências para regular as atividades econômicas essenciais em caráter regional e local.

9. banCo CentRal do bRaSil

A principal autoridade monetária do país é o Banco Central do Brasil. Trata-se de pessoa jurídica vinculada à administração federal responsável

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15A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO

pela supervisão das políticas monetária e cambial do país, bem como pela fiscalização do sistema financeiro nacional.

Algumas das principais atribuições do Banco Central são:

oEmissão da moeda;

oRecebimento dos recolhimentos compulsórios dos bancos comerciais;

oFormulação, execução e acompanhamento da política cambial e de relações financeiras com o exterior;

oOrganização, disciplinamento e fiscalização do Sistema Financeiro Nacional e do mercado financeiro.

oAutorizar, normatizar, fiscalizar e intervir nas instituições financeiras.

10. bibliogRafia

BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrati-vo. 21. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2006.MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed., São Paulo: Atlas, 2008.www.ibge.gov.brwww.pt.wikipedia.org (mapas das regiões do Brasil)

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tIPos socIetÁrIos e ForMas de assocIaÇÃo

george lippert neto juliano langaro da Silva

Advogados e sócios de Lippert & Cia. Advogados.

Sumário: 1. Introdução – 2. Sociedades Limitadas. - 2.1. Aspectos Gerais - 2.2.Capital Social – 2.3. Transferência de Quotas – 2.4. Administração - 2.5. Conselho Fiscal - 2.6. Reunião ou Assembleia de Sócios - 2.7. Quorum Deli-berativo - 3. Sociedades Anônimas - 3.1. Características Gerais - 3.2. Natureza Jurídica - 3.3. Do Capital Social - 3.3.1. Da Formação do Capital Social – 3.3.2. Do Aumento do Capital Social – 3.3.2.1 – Do Capital Autorizado – 3.2.2. Do Direito de Preferência – 3.3.3. Da Redução do Capital Social – 3.3.3.1. Das Condições para a Redução do Capital Social – 3.3.3.2. Da Oposição dos Credores - 3.4. Das Ações- 3.4.1. Valor Nominal – 3.4.2. Das Espécies e Classes de Ações – 3.4.2.1. Das Ações Ordinárias – 3.4.2.2. Das Ações Preferenciais - 3.5. Dos Livros Societários - 3.6. Da Assembleia Geral- 3.6.1. Competência – 3.6.2. Competência e Formas de Convo-cação – 3.6.3. “Quorum” de Instalação – 3.6.4. “Quorum” das Deliberações – 3.6.5. Assembleia Geral Ordinária – 3.6.5.1 Periodicidade e Competência – 3.6.5.2. Documen-tos da Administração – 3.6.6. Assembleia Geral Extraordinária - 3.7. Da Adminis-tração da Companhia – 3.7.1. Do Conselho de Administração – 3.7.2. Da Diretoria - 3.8. Do Conselho Fiscal – 3.8.1. Composição e Funcionamento – 3.8.2. Requisitos, Impedimentos e Remuneração – 3.8.3. Competência do Conselho Fiscal – 3.8.4. Deveres e Responsabilidades dos Conselheiros Fiscais - 3.9. Do Lucro, Reservas e Dividen-dos – 4. Sociedade em Conta de Participação – 4.1. Aspectos Gerais – 4.2 Funcionamento da SCP – 4.3. Da Dissolução e Liquidação– 4.4. Aplicação Subsidiária das Regras das Sociedades Simples– 5. Conclusão.

1. intRodução

A legislação brasileira regula diversas formas de estruturas societárias, seja do ponto de vista de personificação ou não da sociedade, seja em razão do tipo societário escolhido pelos sócios. As sociedades de fato ou não personificadas são aquelas que não possuem seus atos constitutivos ar-quivados nos registros públicos competentes, isto é, as sociedades empre-sariais são registradas na Junta Comercial do estado onde sua sede social

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17TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

está localizada e as sociedades simples, no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da cidade onde sua sede está localizada. Já com relação aos diversos tipos societários regulados pela legislação, cumpre aqui te-cer comentários somente em relação às Sociedades Limitadas, Sociedades Anônimas e Sociedades em Conta de Participação, haja vista serem estas as estruturas mais utilizadas por investidores estrangeiros.

2. SoCiedadeS limitadaS

2.1. Aspectos Gerais

As Sociedades Limitadas estão reguladas pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). O aspecto fundamental desta forma societária é a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor das quotas por eles subscritas, ressaltando-se que todos os só-cios são solidariamente responsáveis pela integralização do capital social1.

O Código Civil também atribui aos sócios a possibilidade prever a apli-cação supletiva da lei das Sociedades Anônimas para os casos de omissão da legislação

A fim constituir a sociedade e regular as relações societárias as par-tes (sócios) devem firmar um contrato escrito denominado contrato social, com os seguintes requisitos mínimos: (i) nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a deno-minação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas2; (ii) denominação,

1 Importante salientar que existem duas exceções ao princípio da limitação da res-ponsabilidade do sócio: o primeiro está previsto no artigo 1.080 do Código Civil, o qual prevê que as deliberações infringentes do contrato social ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos sócios que expressamente as aprovaram; a segun-da hipótese é a aplicação da teoria da disregard of legal entity, regulada pelo direito brasileiro no artigo 50 do Código Civil.

2 Os sócios estrangeiros deverão apresentar documentação adicional para permitir o registro da sociedade. Caso se trate de pessoas física, cópia do passaporte devida-mente notarizado perante o consulado brasileiro, bem como o número de inscrição perante a Secretaria da Receita Federal (CPF). Se for pessoa jurídica, deverá ser fornecida cópia dos estatutos sociais da sociedade notarizados perante o consulado

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18 GEORGE LIPPERT NETO E JULIANO LANGARO DA SILVA

objeto, sede e prazo da sociedade; (iii) capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetí-veis de avaliação pecuniária; (iv) a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; (v) as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; e (vi) a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas.

2.2. Capital Social

O capital social das Sociedades Limitadas está divido em quotas, iguais ou desiguais. A sua integralização poderá ser feita por qualquer bem do-tado de valor econômico, exceto serviços. Neste particular, duas observa-ções são importantes: pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade e o sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso, responde pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito.3

2.3. Transferência de Quotas

Até mesmo em razão de sua natureza jurídica de uma sociedade de pes-soas ou intuito personae, a transferência de quotas para terceiros estranhos à sociedade, caso silente o capital social, somente poderá ser feita se não houve oposição de sócios representando ¼ do capital social. Porém, a lei concede aos sócios a possibilidade de regular livremente o tema, inclusive

brasileiro, bem como é obrigatória a outorga de procuração para uma pessoa residen-te no Brasil receber citações nas ações que envolvam litígios societários. A assinatura do representante legal da pessoa jurídica estrangeira nesta procuração também deverá ser notarizada. Por fim, os investidores estrangeiros estão obrigados a registrar seus investimentos perante o Banco Central do Brasil, pois somente assim será possível obter o registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) da Secretaria da Receita Federal e permitir o ingresso de capitais estrangeiros no País.

3 Caso algum sócio não integralize sua parcela no capital social nos termos e con-dições ajustados no contrato social (sócio remisso), os outros sócios podem, sem prejuízo tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

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19TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

com a adoção de direito de preferência e outros institutos típicos das So-ciedades Anônimas, como o tag e drag along.

2.4. Administração

A administração da sociedade é feita sempre por pessoas físicas, sócias ou não, residentes no Brasil, eleitos no próprio contrato social ou em ato separado4.

2.5. Conselho Fiscal

A instituição de conselho fiscal também é uma faculdade conferida aos sócios das Sociedades Limitadas, ainda que não prevista no contrato so-cial. A composição do conselho fiscal é de, no mínimo, 03 membros, só-cios ou não, eleitos pela assembleia ou reunião de sócios, ficando vedada, porém, a eleição de membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau. Os sócios titulares de 1/5 do capital social podem eleger um membro em separado para o conselho fiscal.

São atribuições do conselho fiscal, além de outras previstas no contra-to social: (i) examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; (ii) lavrar no livro de atas e pareceres do conselho fiscal o resultado dos exames referidos no item (i); (ii) exarar no mesmo livro e apresentar à assembleia ou reu-nião anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o de resultado econômico; (iii) denunciar os erros, fraudes ou crimes que

4 Caso o investidor estrangeiro deseje eleger um não residente no Brasil para compor a administração da Sociedade Limitada, é obrigatória a obtenção de visto de tra-balho. Este visto é concedido pelas autoridades brasileiras sob uma das seguintes condições: (i) investir no mínimo US$ 200.000,00 em dinheiro para cada diretor estrangeiro nomeado; ou (ii) investir no mínimo US$ 50.000,00 em dinheiro, bens ou tecnologia, para cada diretor nomeado, bem como contratar no mínimo 10 fun-cionários dentro de 02 anos.

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20 GEORGE LIPPERT NETO E JULIANO LANGARO DA SILVA

descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade; (iv) convocar a assembleia ou reunião de sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes;

2.6. Reunião ou Assembleia de Sócios

Nas Sociedades Limitadas existem duas formas dos sócios deliberarem sobre os assuntos sociais: reunião ou assembleia de sócios. A opção entre uma ou outra depende do número de sócios da sociedade e as diferenças entre ambas reside no maior ou menor grau de formalidade. As reuniões de sócios podem ser realizadas somente nas sociedades com até 10 sócios. Acima deste número torna-se obrigatória a assembleia.

No que tange ao grau de formalidade, a forma convocação e quorum de instalação das reuniões de sócios podem ser livremente regradas pelos sócios no contrato social. Já na assembleia, devem ser observados os requi-sitos do Código Civil, tais como publicação de anúncios de convocação e quorum mínimo de instalação.

As reuniões ou assembleias de sócios tornam-se dispensáveis quando to-dos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas.

2.7. Quorum Deliberativo

Ponto de fundamental importância diz respeito aos quoruns deliberati-vos das Sociedades Limitadas. Ao contrário do que ocorre com as Socie-dades Anônimas, com a edição da Lei nº 10.406/02 para se deter o controle absoluto na Sociedade Limitada é necessário deter, no mínimo, 75% (se-tenta e cinco por cento) do capital social, pois somente com ele é possível alterar o contrato social.

De uma forma mais específica, apresentamos abaixo um quadro descrevendo as matérias e os quoruns mínimos para aprovação:

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21TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

matéria Quorum

Modificação do contrato social 75%

Incorporação, fusão e a dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação 75%

Transformação de tipo jurídico

Os sócios podem ajustar no con-trato social o quorum. Porém, nada sendo regrado a este respei-to, a transformação depende da concordância de todos os sócios.

Designação dos administradores, quando não re-alizada no contrato social Mais de 50%

Destituição dos administradores Mais de 50%

O modo de remuneração dos administradores, quando não estabelecido no contrato social Mais de 50%

Pedido de recuperação judicial ou extrajudicial Mais de 50%

Autorização para transferência de quotas para terceiros não integrantes do quadro societário em caso de silêncio do contrato social

Mínimo de 25% (1/4) do capital social

Eleição de administradores não sócios

100% enquanto o capital social não estiver totalmente integrali-zado e 66,66% (2/3), no mínimo, após a integralização.

Destituição de administrador sócio nomeado no contrato social

66,66% (2/3), salvo disposição em contrário no contrato social

Eleição de membro em separado do conselho fiscal 20% (1/5) do capital social.

Aprovação de contas Mais de 50%

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22 GEORGE LIPPERT NETO E JULIANO LANGARO DA SILVA

3. SoCiedadeS anônimaS

3.1. Características Gerais

A companhia ou sociedade anônima, regulada pela Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“LSA”), tem seu capital dividido em ações, e a respon-sabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.

Seu objeto pode ser qualquer atividade de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes5.

3.2. Natureza Jurídica

As companhias podem ser classificadas em abertas ou fechadas, con-forme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários6.

3.3. Do Capital Social

3.3.1. Da Formação do Capital Social

O capital social pode ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. No caso de bens, é obrigatória a realização de avaliação por 3 (três) peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembleia geral dos acionistas. Os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação

5 A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto so-cial, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. (Art. 2º, § 3º, LSA)

6 O registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em merca-dos regulamentados de valores mobiliários é regulado pela a Instrução Normativa nº 480, de 07 de dezembro de 2009, aprovada pela Comissão de Valores Mobiliá-rios. Dentre as suas novidades, ressalta-se a possibilidade de submeter o pedido de registro independentemente do pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários (art. 1º, § 1º).

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23TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorri-do; no caso de bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária. Na falta de declaração expressa em contrário, os bens transfe-rem-se à companhia a título de propriedade.

3.3.2. Do Aumento Capital Social

O capital social pode ser aumentado; (i) por deliberação da assembleia geral ordinária, para correção da expressão monetária do seu valor; (ii) por deliberação da assembleia geral ou do conselho de administração, obser-vado o que a respeito dispuser o estatuto, nos casos de emissão de ações dentro do limite autorizado no estatuto; (iii) por conversão, em ações, de debêntures ou parte beneficiárias e pelo exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição, ou de opção de compra de ações; (iv) por deli-beração da assembleia geral extraordinária convocada para decidir sobre reforma do estatuto social, no caso de inexistir autorização de aumento, ou de estar a mesma esgotada.

3.3.2.1. Do Capital Autorizado

O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social inde-pendentemente de reforma estatutária�. Dita autorização deverá especifi-car (i) o limite de aumento, em valor do capital ou em número de ações, e as espécies e classes das ações que poderão ser emitidas; (ii) o órgão competente para deliberar sobre as emissões, que poderá ser a assembleia geral ou o conselho de administração; (iii) as condições a que estiverem sujeitas as emissões; (iv) os casos ou as condições em que os acionistas te-rão direito de preferência para subscrição, ou de inexistência desse direito (artigo 172).

3.2.2. Do Direito de Preferência

Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão preferência para a subscrição do aumento de capital, devendo o estatuto ou

7 Somente depois de realizados 3/4 (três quartos), no mínimo, do capital social, a companhia pode aumentá-lo mediante subscrição pública ou particular de ações.

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a assembleia geral fixar o prazo de decadência, não inferior a 30 (trinta) dias, para o exercício de referido direito.

3.3.3. Da Redução do Capital Social

3.3.3.1. Das Condições para a Redução do Capital Social

A assembleia geral poderá deliberar a redução do capital social se houver perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo.

3.3.3.2. Da Oposição dos Credores

Exceto nos casos de reembolso de ações e não integralização de ações subs-critas, a redução do capital social com restituição aos acionistas de parte do valor das ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não integraliza-das, à importância das entradas, só se tornará efetiva 60 (sessenta) dias após a publicação da ata da assembléia-geral que a tiver deliberado. Durante o prazo previsto neste artigo, os credores quirografários por títulos anteriores à data da publicação da ata poderão, mediante notificação, de que se dará ciência ao registro do comércio da sede da companhia, opor-se à redução do capital; de-cairão desse direito os credores que o não exercerem dentro do prazo.

Findo o prazo, a ata da assembleia geral que houver deliberado à redu-ção poderá ser arquivada se não tiver havido oposição ou, se tiver havido oposição de algum credor, desde que feita a prova do pagamento do seu crédito ou do depósito judicial da importância respectiva.

3.4. Das Ações

3.4.1. Valor Nominal:

A atribuição de valor nominal não é obrigatória para as sociedades anô-nimas e seu objetivo é fixar um valor mínimo para o preço de emissão de novas ações8. A alteração somente é possível nos casos de modificação do

8 A emissão de ações com preço inferior ao valor nominal implica na nulidade do ato ou operação e res-ponsabilidade dos infratores.

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25TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

valor do capital social ou da sua expressão monetária, de desdobramento, grupamento ou cancelamento de ações.

3.4.2. Das Espécies e Classes de Ações:

As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, podem ser ordinárias ou preferenciais, sendo que as ações ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais da companhia aberta e fechada poderão ser de uma ou mais classes. O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% do total das ações emitidas.

3.4.2.1. Das Ações Ordinárias:

Têm como característica principal conferir ao seu titular direito de voto nas deliberações sociais da companhia. Além disso, as ações or-dinárias de companhia fechada poderão ser de classes diversas, em função de (i) conversibilidade em ações preferenciais, (ii) exigência de nacionalidade brasileira do acionista, ou (iii) direito de voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos ad-ministrativos.�

3.4.2.2. Das Ações Preferenciais:

Em geral não conferem ao seu titular direito de voto, ou conferem-no com restrições10, mas, em contrapartida, outorgam as seguintes prefe-rências: (i) em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; (ii) em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou (iii) na acumulação das preferências e vantagens acima. Além disso, o estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de

9 A alteração do estatuto na parte em que regula a diversidade de classes, se não for expressamente pre-vista, e regulada, requererá a concordância de todos os titulares das ações atingidas.

10 As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.

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eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de ad-ministração.11

3.5. Dos Livros Societários

As companhias devem ter os seguintes livros societários: (i) o livro de Registro de Ações Nominativas; (ii) o livro de “Transferência de Ações Nominativas”; (iii) o livro de “Registro de Partes Beneficiárias Nomina-tivas” e o de “Transferência de Partes Beneficiárias Nominativas”, se tive-rem sido emitidas; (iv) o livro de Atas das Assembléias Gerais; (v) o livro de Presença dos Acionistas; (vi) os livros de Atas das Reuniões do Conse-lho de Administração, se houver, e de Atas das Reuniões de Diretoria; (vii) o livro de Atas e Pareceres do Conselho Fiscal.

3.6. Da Assembleia Geral

3.6.1. Competência

A assembleia geral, que se realizará sempre no edifício onde a compa-nhia tiver a sede12, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento, competindo-lhe, privativamente: (i) reformar o estatuto social; (ii) eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administrado-res e fiscais da companhia; (iii) tomar, anualmente, as contas dos admi-nistradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apre-sentadas; (iv) autorizar a emissão de debêntures; (v) suspender o exercício dos direitos do acionista; (vi) deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social; (vii) autorizar a emissão de partes beneficiárias; (viii) deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e (ix) autorizar os administra-dores a confessar falência e pedir recuperação judicial ou extrajudicial.

11 Para as companhias abertas as ações preferenciais devem conferir ao seu titular outras preferências, as quais poderão ser melhor detalhadas caso seja necessário.

12 Exceto em casos de força maior, quando ficará possibilitada a realização de outro local, mas nunca fora da cidade onde está localizada a sede da companhia.

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27TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

3.6.2. Competência e Formas de Convocação

Compete ao conselho de administração, se houver, ou aos diretores, ob-servado o disposto no estatuto. Além disso, a assembleia geral pode tam-bém ser convocada: (i) pelo conselho fiscal, nos casos de urgência ou se os administradores por mais de um mês a convocação da assembleia geral ordinária; (ii) por qualquer acionista, quando os administradores retarda-rem, por mais de 60 (sessenta) dias, a convocação nos casos previstos em lei ou no estatuto; (iii) por acionistas que representem cinco por cento, no mínimo, do capital social, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamen-te fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; (iv) por acionistas que representem cinco por cento, no mínimo, do capital votante, ou cinco por cento, no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de con-vocação de assembleia para instalação do conselho fiscal.

A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembleia, a ordem do dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria, devendo a primeira convocação da assembleia geral deverá ser feita: (i) na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não se realizando a assembléia, será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antecedência míni-ma de 5 (cinco) dias; (ii) na companhia aberta, o prazo de antecedência da primeira convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8 (oito) dias.

Independentemente das formalidades previstas da LSA, será conside-rada regular a assembleia geral a que comparecerem todos os acionistas, ficando a companhia dispensada da publicação de convocação.

3.6.3. “Quorum” de Instalação

Ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembleia geral instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto e em segunda convocação instalar-se-á com qualquer número.

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3.6.4. “Quorum” das Deliberações

De regra as deliberações da assembleia geral são tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco, ficando possi-bilitado à companhia fechada prever no estatuto quorum maior para certas deliberações, desde que especifique as matérias.

Todavia, o art. 136 da LSA fixa algumas matérias em que é necessá-ria a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, quais sejam; (i) criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar pro-porção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; (ii) alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida; (iii) redução do dividendo obrigatório; (iv) fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; (v) participação em grupo de sociedades; (vi) mudança do objeto da companhia; (vii) cessação do estado de liquidação da companhia; (viii) criação de partes beneficiárias; (ix) cisão da companhia; (x) dissolução da companhia.

No caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbi-tragem e não contiver norma diversa, a assembleia será convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se permane-cer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia.

Importante salientar que a aprovação das matérias previstas nos incisos (i) a (vi) e (ix) do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da ata da assembleia geral, mediante reembolso do valor das suas ações, observadas as seguintes normas: (i) nos casos (i) e (ii), somente terá direito de retirada o titular de ações de espécie ou classe prejudicadas; (ii) nos casos (iv) e (v), não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, (iii) no caso (ix), somente haverá direito de retirada se a cisão implicar: mudança do objeto social, salvo quando o patrimônio cindido for vertido para sociedade cuja atividade preponderan-

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29TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

te coincida com a decorrente do objeto social da sociedade cindida, redu-ção do dividendo obrigatório, ou participação em grupo de sociedades;

3.6.5. Assembleia Geral Ordinária

3.6.5.1. Periodicidade e Competência

Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembleia geral para: (i) tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras; (ii) deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos; (iii) eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso; (iv) aprovar a correção da expressão monetária do capital social

3.6.5.2. Documentos da Administração

Os administradores devem comunicar, até um mês antes da data marca-da para a realização da assembleia geral ordinária, por anúncios publica-dos na forma prevista acima, que se acham à disposição dos acionistas: (i) o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; (ii) a cópia das demonstrações finan-ceiras; (iii) o parecer dos auditores independentes, se houver; (iv) o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se houver; e (v) demais do-cumentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia.

A assembleia geral que reunir a totalidade dos acionistas poderá con-siderar sanada a falta de publicação dos anúncios ou a inobservância dos prazos referidos neste artigo; mas é obrigatória a publicação dos documen-tos antes da realização da assembléia.

Em média, os custos incorridos pela companhia para a publicação dos do-cumentos exigidos pela LSA variam entre R$ 12.000,00 a R$ 17.000,00.

3.6.6. Assembleia Geral Extraordinária

A assembleia geral extraordinária pode ser convocada a qualquer tempo, competindo-lhe deliberar sobre qualquer outra matéria que não seja de

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competência da assembleia geral ordinária, nada impedindo, todavia, que ambas sejam, cumulativamente, convocadas e realizadas no mesmo local, data e hora, instrumentadas em ata única.

3.7. Da Administração da Companhia

A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatu-to, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria.

3.7.1. Do Conselho de Administração

O conselho de administração é obrigatório somente nas compa-nhias abertas, sociedades de economia mista e companhias de capital autorizado. Sua composição será de, no mínimo, 3 (três) membros, obrigatoriamente acionistas, residentes ou não no País, eleitos pela assembleia geral para um mandato não superior a 3 (três) anos, permi-tida a reeleição, com possibilidade de destituição a qualquer tempo. O estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, orga-nizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os representem.

Sem prejuízo de outras matérias prevista do estatuto social, ao conselho de administração competirá: (i) fixar a orientação geral dos negócios da companhia; (ii) eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; (iii) fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; (iv) convocar a assembleia geral quan-do julgar conveniente; (v) manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; (vi) manifestar-se previamente sobre atos ou con-tratos, quando o estatuto assim o exigir; (vii) deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; (viii) autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; (ix) escolher e destituir os auditores independen-tes, se houver.

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31TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

3.7.2. Da Diretoria

A Diretoria, órgão de representação da companhia, deve ser composta por 2 (dois) ou mais diretores, acionistas ou não, residentes no País, eleitos e des-tituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexisten-te, pela assembleia geral, devendo o estatuto estabelecer. O prazo de gestão não poderá ser superior a 3 (três) anos, permitida, porém, a reeleição.

Os membros do conselho de administração, até o máximo de 1/3 (um terço), poderão ser eleitos para cargos de diretores.

3.8. Do Conselho Fiscal

3.8.1. Composição e Funcionamento

O conselho fiscal pode ser composto de, no mínimo, 3 (três) e, no má-ximo, 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, acionistas ou não, eleitos pela assembléia-geral. Quando o funcionamento não for permanen-te, o conselho fiscal será instalado pela assembleia geral a pedido de acio-nistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) das ações com direito a voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primeira assembleia geral ordinária após a sua instalação.

3.8.2. Requisitos, Impedimentos e Remuneração

Somente podem ser eleitos para o conselho fiscal pessoas naturais, residentes no País, diplomadas em curso de nível universitário, ou que tenham exercido por prazo mínimo de 3 (três) anos, cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal.

Não podem ser eleitos para o conselho fiscal membros de órgãos de ad-ministração e empregados da companhia ou de sociedade controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até terceiro grau, de administrador da companhia.

A remuneração dos membros do conselho fiscal, além do reembolso, obrigatório, das despesas de locomoção e estada necessárias ao desempe-

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nho da função, será fixada pela assembleia geral que os eleger, e não pode-rá ser inferior, para cada membro em exercício, a dez por cento da que, em média, for atribuída a cada diretor, não computados benefícios, verbas de representação e participação nos lucros.

3.8.3. Competência do Conselho Fiscal

Compete ao conselho fiscal: (i) fiscalizar, por qualquer de seus mem-bros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deve-res legais e estatutários; (ii) opinar sobre o relatório anual da administra-ção, fazendo constar do seu parecer as informações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembleia geral; (iii) opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidas à assembleia geral, relativas a modificação do capital social, emissão de de-bêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão; (iv) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembleia geral, os erros, frau-des ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia; (v) convocar a assembleia geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais de 1 (um) mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das assembleias as matérias que considerarem necessárias; (vi)analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela companhia; (vii) examinar as demonstra-ções financeiras do exercício social e sobre elas opinar; (viii) exercer essas atribuições, durante a liquidação, tendo em vista as disposições especiais que a regulam.

3.8.4. Deveres e Responsabilidades dos Conselheiros Fiscais

Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administra-dores e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto.

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33TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

3.9. Do Lucro, Reservas e Dividendos

A LSA estabelece os critérios para a distribuição dos resultados opera-cionais auferidos pela companhia dentro do exercício social. Primeiramen-te, há a dedução dos prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a Renda. Logo após, abatem-se as participações estatutárias de em-pregados, administradores e partes beneficiárias, sucessivamente e nessa ordem. O saldo destas deduções é chamado lucro líquido.

Deste lucro líquido, é obrigatória a retenção de 5% (cinco por cento) para a constituição da reserva legal13, que não excederá de 20% (vinte por cento) do capital social14. O saldo poderá ser direcionado para reservas legais ou estatutá-rias, conforme o que for decidido pela assembleia geral ou previsto no estatuto, observado o limite máximo equivalente ao valor do capital social. Atingindo esse limite, a assembléia deliberará sobre aplicação do excesso na integraliza-ção, no aumento do capital social ou na distribuição de dividendos.

Após realizadas as deduções acima, tem-se os dividendos, que podem ser classificados da seguinte forma: (i) dividendos obrigatórios: percen-tual fixado no estatuto, ou, caso este nada preveja a respeito, metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores: (a) importância destinada à constituição da reserva legal; e (b) importância destinada à formação da reserva para contingências e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores15; (ii) dividendos fixos ou mí-nimos: é um valor determinado com base em um critério objetivo previs-to no estatuto social. (iii) dividendos intermediários: são os dividendos distribuídos ao longo do exercício social, apurados com base em balanço especialmente levantado ou à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral.

A assembleia geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obri-gatório, nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro líquido.

13 A reserva legal tem por fim assegurar a integridade do capital social e somente poderá ser utilizada para compensar prejuízos ou aumentar o capital.

14 A companhia poderá deixar de constituir a reserva legal no exercício em que o saldo dessa reserva, acrescido do montante das reservas de capital exceder de 30% (trinta por cento) do capital social.

15 Quando o estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado.

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34 GEORGE LIPPERT NETO E JULIANO LANGARO DA SILVA

O dividendo deverá ser pago, salvo deliberação em contrário da assem-bleia geral, no prazo de 60 (sessenta) dias da data em que for declarado e, em qualquer caso, dentro do exercício social.

4. SoCiedade em Conta de PaRtiCiPação

4.1 Aspectos Gerais

Já regulada pelos artigos 325 e 328 do Código Comercial, a Sociedade em Conta de Participação foi acolhida pelo Código Civil em seus artigos 991 a 996, na parte que trata das sociedades não personificadas.

De forma bastante objetiva, a SCP é constituída por meio da celebração de um contrato bilateral, consensual e aleatório, em que as partes contratan-tes visam à realização de um empreendimento comum e a partilha de seus resultados. Desta maneira, a SCP não tem personalidade jurídica ou nome empresarial, tampouco é oponível perante terceiros, por isso mesmo é que, segundo Amador Paes de Almeida, a SCP “é uma sociedade sui generis, com características que a distinguem das demais espécies societárias.”16

4.2 Funcionamento da SCP

Pelo contrato de SCP, a parte detentora do capital necessário para a rea-lização do empreendimento (sócio participante) obriga-se a fornecer recur-sos à outra parte (sócio ostensivo), a qual, por sua vez, obriga-se a realizar, em seu nome e sob sua responsabilidade, todos os atos e negócios jurídicos perante terceiros.

Nesta mecânica, portanto, ao sócio participante resta tão somente o po-der de fiscalizar a “gestão” de seus recursos pelo sócio ostensivo. Qualquer interferência que o sócio participante tiver nas relações comerciais do só-cio ostensivo acarretará em sua responsabilidade solidária.

Após concluído do empreendimento, os resultados auferidos serão dis-tribuídos às partes (sócios) na proporção ajustada e na forma de lucro.17

16 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedade Comerciais: Direito de Empresa. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

17 No caso Conforme o Decreto Lei 2.303/86, art. 7º, em relação à tributação, a “SCP” é equiparada a uma pessoa jurídica “para os efeitos da legislação do imposto de renda”

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35TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO

4.3 Da Dissolução e Liquidação

A SCP dissolver-se-á nas seguintes hipóteses: (i) comum acordo entre as partes; (ii) falência do sócio ostensivo18; e (iii) finalização do empreendi-mento. Conforme art. 994, § 3º, do Código Civil, falido o sócio participan-te, o contrato fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.

Em relação à sua liquidação, esta ocorrerá na forma e nos termos da prestação de contas reguladas pela lei processual civil.

4.4 Aplicação Subsidiária das Regras das Sociedades Simples

Segundo o art. 996 do Código Civil, aplica-se a SCP, no que for com-patível, as regras das sociedade simples. Pode-se relacionar neste ponto as regras concernentes ao sistema de deliberação por maioria forma de participação nos lucros, responsabilidades do sócio ostensivo por atos de gestão e o direito de retirada.19

5. ConCluSão

Concluímos, a partir deste trabalho, que a legislação brasileira oferece diversas oportunidades de negócios para o investidor nacional e estrangei-ro. Isto vai depender do tipo de negócio que o empreendedor vai propor. A legislação societária cria uma segurança jurídica para o empreendedor, possibilitando um leque elevado de opções. Seja um tipo social mais tra-dicional, como as Sociedades Limitadas ou as Sociedades Anônimas, ou ainda um tipo em crescente ascensão, no caso da Sociedade em Conta de Participação, o importante é que há um sério crescimento e um maior desenvolvimento na economia nacional, impulsionado em muito pela le-gislação societária, mantenedora dos direitos do investidor frente às intem-péries cotidianas que os acometem.

18 O sócio participante, na falência do ostensivo, pode habilitar-se como credor quirografário, buscando reaver o valor aportado na operação.

19 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit.

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a trIButaÇÃo No BrasIl

miguel Hilú [email protected]

Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP Professor de Direito Tributário em diversos cursos de pós-graduação

Sócio do Hilú, Costódio Filho e Caron Baptista (Aliado em Curitiba/PR)

Paulo Roberto Coimbra [email protected]

Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFMG Professor da Faculdade de Direito da UMFG

Coordenador do Curso de Pós-Graduação do CEAJUFE Sócio do Tostes & Coimbra (Aliado em Belo Horizonte/MG)

i. intRodução: o SiStema tRibutáRio bRaSileiRo

O sistema tributário brasileiro é, em grande medida, regulado pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988 (CR/88). Nela são encontradas as espécies de tributos passíveis de co-brança, a saber:

tributo Conceito

Impostos Devidos em razão da manifestação de riqueza (capacidade contributiva), mediante a ocorrência de ato ou situação com conteúdo econômico previamente previstos em lei, indepen-dentemente de qualquer atividade estatal específica prestada em favor dos contribuintes. Usualmente são apurados median-te a aplicação de um coeficiente (alíquota) sobre o valor da riqueza manifesta (base de cálculo).

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37A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

Taxas Cobradas em decorrência (i) da prestação de serviços pú-blicos específicos e divisíveis ou (ii) do exercício do poder de polícia pelo poder público. São estabelecidas em lei mediante a definição de um valor fixo destinado ao custeio da atuação específica da administração pública que a fundamenta (e.g., concessão de licenças ambientais, expedição de alvará para construção).

Contribuições de Melhoria Devidas se houver valorização imobiliária decorrente de

obras públicas. Na prática, raramente são instituídas.

Empréstimos Compulsórios

Podem ser instituídos apenas em casos de (i) calamidade pública, (ii) guerra externa ou sua iminência, ou, ainda, (iii) para investimentos públicos de relevante interesse nacional e em caráter de urgência. São identificados pela peculiaridade de serem restituíveis: deverão ser posteriormente devolvidos aos contribuintes. Raramente são instituídos.

Contribuições Especiais

Podem ser instituídas (i) no interesse de categorias pro-fissionais ou econômicas, (ii) para a intervenção no domínio econômico (CIDE), ou para (iii) o financiamento do sistema de saúde publica, de previdência e de assistência social. Distin-guem-se dos impostos pela vinculação do produto de sua arre-cadação ao atendimento da carência que legitima sua cobran-ça (v. g., previdência e assistência sociais e saúde pública). São devidas em razão da realização de diversos fatos geradores, tais como o lucro líquido das pessoas jurídicas, pagamento e recebimento de salários, o faturamento ou receita, etc.

Além de definir taxativamente as espécies de tributo no Brasil, a CR/88 limita o poder de tributar de três formas: (i) pela repartição da competên-cia tributária (aptidão dos entes federados para instituir tributos mediante lei), (ii) pela previsão de princípios constitucionais tributários e, (iii) pelas imunidades (exclusão de certas pessoas ou situações do alcance da tribu-tação).

Nesse rumo, a CR/88, a um só tempo, determina e restringe a competência tributária de cada um dos entes federados (União, Estados, DF e Municípios). É interessante observar que há diferentes critérios para a divisão da aptidão para instituir tributos para cada uma das suas espécies. Confira-se:

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38 MIGUEL HILÚ NETO / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

• quanto aos impostos, a repartição se deu levando em conta a riqueza tributada;

• no que toca às taxas, a competência cabe ao ente federado que pres-tou o serviço público ou exerceu o poder de polícia;

• as contribuições de melhoria podem ser instituídas pela entidade federativa que tiver realizado a obra pública da qual tenha decorrido valorização imobiliária;

• os empréstimos compulsórios são de competência exclusiva da União;

• salvo raras exceções, as demais contribuições também somente po-dem ser instituídas pela União.

Em síntese, assim se pode resumir a competência para a instituição dos principais tributos no Brasil:

tributo união estados e df municípios e df

impostos

Importação (II) Exportação (IE) Renda (IR) Produtos industria-lizados (IPI - VAT Fede-ral) Operações de crédi-to, câmbio, seguro, e refe-rentes a títulos e valores mobiliários (IOF) Propriedade imobil-iária rural (ITR) Grandes Fortunas (ainda não instituído, mas em discussão)

Transmissão causa mortis e doa-ções (ITCMD) Operações de circulação de merca-dorias e alguns servi-ços (VAT Estadual); Propriedade de veículos automotores (IPVA)

Propriedade imobiliária urba-na (IPTU) Transmissão de bens imóveis por ato intervivos e oneroso (ITBI); Serviços (ISS - VAT Mu-nicipal)

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39A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

Taxas

Para a remuneração de eventuais atuações es-pecíficas da administra-ção pública federal.

Idem no âmbito dos Estados e do DF.

Idem no âm-bito dos Municí-pios.

Contri-buição de Melhoria

Na hipótese de va-lorização imobiliária de-corrente de obra pública realizada pela União.

Idem em relação aos Estados e DF.

Idem em re-lação aos Municí-pios.

Contri-buições

Especiais

Contribuições So-ciais (sobre receitas, im-portações, lucro líquido e folha de salários)

Contribuição de In-tervenção no Domínio Econômico (CIDE)

Contribuições no Interesse de Categorias Profissionais e Econômi-cas (Corporativas)

Emprésti-mos

Compulsó-rios

Atualmente, inexis-tentes

O poder de criar e exigir tributos também encontra firmes peias nos Princípios, dos quais se destacam os da:

• Legalidade (não há tributo sem lei);

• Irretroatividade (lei nova não pode tributar fato gerador ocorrido an-tes de sua vigência);

• Isonomia Tributária (devem ser tratados de forma equânime contri-buintes em situações equivalentes);

• Capacidade Contributiva (deve haver pagamento de tributo confor-me a capacidade econômica do contribuinte);

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40 MIGUEL HILÚ NETO / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

• Anterioridade (ressalvadas poucas exceções, não pode haver cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro e antes de 90 dias da publi-cação da lei que os houver instituído ou aumentado), entre outros.

Outras restrições ao poder de tributar, previstas na CR/88, decorrem das imunidades, erigidas para resguardar certos fatos (imunidades objetivas) ou pessoas (imunidades subjetivas), de forma a evitar que a tributação pos-sa estorvar a concreção de valores constitucionalmente albergados. Citem-se, a título ilustrativo, as imunidades tributárias:

• do patrimônio, rendas e serviços dos entes federados;

• das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos;

• dos templos de qualquer culto;

• de livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão; e

• quanto às contribuições, das receitas decorrentes de exportação.

Além da CR/88, merece destaque no sistema normativo tributário bra-sileiro o Código Tributário Nacional (CTN), que estatui as normas gerais em matéria de tributação, bem como prescreve as linhas mestras de alguns de seus principais tributos (e.g., as taxas, as contribuições de melhoria e os impostos sobre a renda, sobre importações e sobre exportações).

Abaixo do CTN há uma grande quantidade de outros atos normativos emanados pelo Poder Legislativo (leis complementares, leis ordinárias, etc.) ou pelo Poder Executivo (decretos, instruções normativas, portarias, etc.) de cada um dos entes federados, disciplinando aspectos específicos dos tributos de suas respectivas competências.

ii. oS PRinCiPaiS tRibutoS bRaSileiRoS

Para facilitar a compreensão, os tributos mais relevantes no Brasil serão classificados e expostos em função da natureza da riqueza tributada.

II.a- Tributos sobre o Patrimônio:

São cinco os principais tributos incidentes sobre o patrimônio, a saber:

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41A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (iPtu), de com-petência dos Municípios e do DF: incide anualmente e é cobrado mediante a aplicação de uma alíquota (normalmente entre 0,5 e 2%) sobre o valor venal (valor de mercado) dos imóveis urbanos (edifica-dos ou não);

Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (itR), de competên-cia da União: incide anualmente e é cobrado mediante a aplicação de alíquotas progressivas, em proporção inversa aos graus de utiliza-ção e eficiência na exploração da propriedade rural, sobre o valor do imóvel;

Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (iPva), de competência dos Estados e do DF: incide anualmente sobre a pro-priedade de veículos automotores, com alíquotas que costumam va-riar, nos diversos Estados, entre 2% e 4% aplicadas sobre o valor dos veículos;

Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (itCmd), de competência dos Estados e do DF: onera heranças, legados e doa-ções. As alíquotas variam, nos diversos Estados, mas nunca superio-res a 8%1;

Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (itbi), de competên-cia dos Municípios e do DF: incide sobre a transferência, por ato inter-vivos e oneroso, de bens imóveis e direitos reais sobre eles incidentes, a uma alíquota média de 2,5% (variam conforme os Municípios).

II.b- Tributos sobre a Renda:

II.b.i - Imposto sobre a Renda:

O Imposto sobre a Renda (iR) tem por contribuintes as pessoas físicas (IRPF) e as pessoas jurídicas (IRPJ).

Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (iRPf):

1 Resolução do Senado Federal n. 9 de 1992.

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42 MIGUEL HILÚ NETO / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

O IRPF, em regra, incide sobre os rendimentos líquidos auferidos pelas pessoas físicas residentes no país2 ou que, se não residentes, os tenham recebido de fonte situada em território brasileiro3. Desde que presentes um dos mencionados genuine links (residência ou fonte), a incidência do imposto alcança, de forma abrangente4, todos o acréscimos patrimoniais auferidos no decurso do exercício financeiro (que no Brasil coincide com o ano-calendário ou ano-civil). Trata-se de um imposto progressivo, cujas alíquotas variam de 0% a 27,5%. Há situações especiais, nas quais a tri-butação ocorre separadamente dos demais rendimentos, mediante regras específicas e peculiares, como nas hipóteses de ganho de capital (15%) e de rendimentos decorrentes de aplicações financeiras (em regra, alíquotas regressivas, de 22,5% a 15%, conforme o tempo da aplicação).

Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (iRPj):O IRPJ incide sobre o lucro das empresas, ajustado conforme a lei. Ba-

sicamente, há duas sistemáticas distintas para a sua apuração, a saber, o lucro real e o lucro presumido.

O lucro real consiste na regra geral de apuração do lucro tributável. Tomando como ponto de partida as receitas brutas (operacional e de tran-sações eventuais) da empresa, são deduzidas as despesas, os custos, os encargos, as perdas e as provisões permitidas em lei, de forma a apurar o lucro líquido contábil, que será ajustado mediante adições (para anular o efeito de despesas indedutíveis para fins fiscais) e exclusões (para expurgar o efeito fiscal de receitas não tributáveis). A apuração pode ser trimestral ou anual, neste último caso com antecipações mensais. Sua adoção é obri-gatória para algumas empresas (especialmente instituições financeiras,

2 São residentes, para fins fiscais, todos os brasileiros que não tenham saído defi-nitivamente do território nacional e os estrangeiros com visto permanente ou que passarem mais de 183 dias no Brasil no período de 12 meses.

3 Tais rendimentos, no momento de sua remessa ao exterior, sujeitam-se à retenção do IRPF pela fonte pagadora/remetente.

4 O IRPF é devido em bases universais, ou seja, incide sobre os rendimentos dos residentes no Brasil, independentemente de haverem sido auferidos no Brasil ou no exterior. O IRPF alcança, igualmente, os rendimentos de não residentes, indepen-dente de sua nacionalidade, oriundos de fonte situada no Brasil, tributação a qual se realiza mediante retenções no momento da remessa do numerário ao exterior.

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43A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

pessoas jurídicas com receitas superiores a R$ 48 milhões no ano-calen-dário anterior e empresas que tenham rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior).

Não havendo obrigatoriedade de adoção do lucro real, é possível às pes-soas jurídicas fazerem opção pela sistemática de apuração intitulada lucro presumido. Nessa modalidade, o recolhimento é trimestral e o lucro tribu-tável corresponde a um percentual da receita bruta pré-estabelecido em lei, de acordo com a atividade que a tenha ensejado5.

A alíquota básica do IRPJ é de 15%, acrescida de um adicional de 10% sobre o montante do lucro que exceder R$ 20 mil ao mês.

São contribuintes do IRPJ todas as empresas que tenham sede ou esta-belecimento permanente no Brasil e, como no IRPF, a tributação se dá em bases universais. Além disso, também são contribuintes os estrangeiros sobre rendimentos de fonte brasileira, mediante retenção.

II.b.ii – Contribuição Social sobre o Lucro (CSl)

A Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), uma das contribuições sociais existentes no Brasil, tem seu produto da arrecadação destinado à previdência e à assistência social. Esta contribuição segue a mesma sistemática do IRPJ, com pequenas modificações, dentre as quais se destaca o percentual de pre-sunção de lucro fixado em 12% para as empresas comerciais e industriais optantes por tal sistemática de apuração. A sua alíquota é de 9%.

Portanto, no caso das pessoas jurídicas, a tributação sobre seus lucros pode-rá alcançar um total de 34% (15% do IRPJ, 10% de adicional do IRPJ e 9% de CSL). D’outra margem, vale destacar que, uma vez tributado o lucro na pessoa jurídica, a distribuição de dividendos aos seus sócios ou acionistas é isenta6.

II.c- Tributos sobre o Consumo

Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (iCmS).

5 O lucro presumido das atividades industriais e comerciais corresponde a 8% das receitas brutas, enquanto para os serviços, em geral, equivale a 32%.

6 Lei Federal nº 9.249, art. 10.

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44 MIGUEL HILÚ NETO / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Este imposto, de competência dos Estados, incide sobre as operações de vendas de mercadorias e sobre as prestações dos serviços citados no títu-lo. Sua regulamentação geral, em âmbito nacional, está disposta em Leis Complementares, especialmente a de nº 87/1996.

O ICMS também incide sobre a importação de mercadorias, no momen-to do seu desembaraço aduaneiro.

Esse imposto, sob inspiração do IVA europeu, é não-cumulativo, con-sistindo numa espécie de imposto sobre o valor agregado. Na sistemática brasileira, por ocasião da entrada das mercadorias no estabelecimento do contribuinte, os valores pagos a título de imposto em operações anteriores são tomados como créditos e deduzidos dos débitos gerados nas operações subseqüentes (saídas de mercadorias do estabelecimento).

São contribuintes do ICMS os comerciantes, industriais e produtores rurais, além de todos os importadores. Suas alíquotas variam de Estado para Estado e, não raro, em razão da mercadoria. Nas operações interestaduais, como for-ma de dividir os valores arrecadados entre os Estados de origem e de destino, se a operação se destina a consumidor final, o ICMS é devido ao Estado de origem; se a operação tem como destinatário contribuinte do imposto, parte é cobrado pelo Estado de origem e parte pelo Estado de destino.

Por ser digno de destaque, importante frisar que a exportação de merca-dorias é imune ao ICMS, garantida a manutenção dos créditos gerados por ocasião de suas aquisições.

Imposto sobre Produtos Industrializados (iPi).

O IPI é da competência da União e incide sobre operações de indus-trialização, assim entendidas quaisquer operações que modifiquem a na-tureza ou a finalidade de um produto, ou o aperfeiçoem para o consumo. As alíquotas variam conforme o produto industrializado objeto da ope-ração.

Além dos industrializadores, também são contribuintes, por equipara-ção legal, os importadores, vez que, como o ICMS também incide nas importações de produtos industrializados. Igualmente, há imunidade do IPI sobre as exportações.

Imposto sobre Serviços (iSS)

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45A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

Imposto da competência dos Municípios, o ISS incide sobre a prestação de serviços não sujeitos à incidência do ICMS. Suas regras gerais estão definidas na Lei Complementar nº 116/2003.

São contribuintes do imposto os prestadores de serviços. Há casos em que o dever de recolher tal imposto é atribuído aos tomadores de serviços, mediante retenção. Sua base de cálculo, em regra, é o valor do serviço. Suas alíquotas são fixadas pelo Município competente, entre 2% e 5%. Respeitados tais limites, costumam as alíquotas variar em função do tipo de serviço prestado.

A exportação de serviços é imune, não se sujeitando, pois, ao ISS.

Contribuição ao Programa de Integração Social (PiS) e Contribui-ção para o Financiamento da Seguridade Social (CofinS).

Tratam-se desses dois tributos conjuntamente, dada a similaridade das suas regulações.

PIS e COFINS são contribuições sociais que incidem sobre as receitas das empresas, independente se provenientes da venda de serviços ou de mercadorias (industrializadas o não). São seus contribuintes, em geral, to-das as pessoas jurídicas estabelecidas no país.

Suas bases de cálculo são as receitas brutas das empresas, podendo ser apuradas pela (i) sistemática não-cumulativa (aplicável, como regra, aos optantes pelo lucro real para fins de IRPJ), mediante a qual aplicam-se as alíquotas (neste caso de 7,6% para a COFINS e de 1,65% para o PIS) so-bre a receita ajustada, mas permite-se o abatimento de créditos calculados pela aplicação das mesmas alíquotas sobre valores pagos a outras pessoas jurídicas a título de aquisição de insumos e demais despesas essenciais à atividade fim da empresa; ou pela (ii) sistemática cumulativa (aplicável, como regra, aos optantes pelo lucro presumido para fins de IRPJ), me-diante a qual não há a possibilidade de aproveitamento de créditos, mas as alíquotas são mais baixas (3% para a COFINS e 0,65% para o PIS).

A exemplo do ICMS, IPI e ISS, há previsão expressa de imunidade des-sas contribuições sobre receitas de exportação e, igualmente, incidem elas nas importações.

Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).

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46 MIGUEL HILÚ NETO / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Tratam-se de tributos destinados a financiar a intervenção do Estado em algum domínio econômico. Dentre elas se destacam aquelas incidentes so-bre a venda de combustíveis e sobre a remessa de royalties para o exterior.

II.d- Tributos sobre a Mão de Obra.

Para financiar os sistemas de saúde e de previdência e assistência sociais brasileiros, há diversas contribuições, de competência da União, incidentes sobre a remuneração da mão-de-obra, seja mediante pagamento de salá-rios (relação de emprego) ou de pro labore (autônoma).

Destacam-se as contribuições previdenciárias a cargo da empresa (i) correspondente a 20% sobre o valor da folha de salários e sobre o paga-mento a autônomos; e (ii) aquela para cobrir os riscos de acidentes de tra-balho à razão de 0,5% a 6% sobre o valor da folha, a depender da atividade da empresa e do volume de acidentes de trabalho que registra.

II.e- Tributos sobre o Comércio Exterior

Além da incidência do ICMS, do IPI, e de PIS/COFINS, as importações estão sujeitas ao pagamento do imposto sobre importações (ii).

Este imposto, de competência da União, tem por base de cálculo o valor dos produtos importados, determinado pelos métodos previstos no Acordo sobre Valoração Aduaneira, firmado no âmbito do GATT/OMC.

Suas alíquotas estão previstas na Tarifa Externa Comum (e suas exceções), firmada no âmbito do MERCOSUL. As importações de países do MERCOSUL não são sujeitas, salvo exceções, à incidência do imposto sobre importações.

Nas exportações, igualmente há a possibilidade de incidência de um imposto (ie). Entretanto, dadas razões de política fiscal, raros são os pro-dutos tributados pelo imposto sobre exportações (especialmente cigarros e afins, couros e armas). As alíquotas, nos raros casos em que incidem, variam conforme o produto.

iii. RegimeS eSPeCiaiS de tRibutação

Por entendermos importante, expomos alguns regimes especiais de tri-butação.

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47A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

a) REPETRO:

O Repetro consiste em Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural7. Tem por objetivo incentivar o desen-volvimento da indústria petrolífera brasileira.

Nos termos deste regime é permitido realizar a importação, com sus-pensão dos tributos federais, de matérias primas, produtos semi-elabora-dos ou acabados, partes e peças utilizados na fabricação de embarcações, máquinas, aparelhos, instrumentos, ferramentas, plataformas e veículos aplicados nas atividades de pesquisa e produção das jazidas de petróleo e gás natural. Para aproveitamento deste benefício os bens produzidos de-vem ser submetidos à uma exportação ficta em que as mercadorias alie-nadas são juridicamente transferidas para sociedade no exterior, apesar de permanecem em território nacional com a suspensão de tributos federais mediante o regime de admissão temporária.

b) REPORTO:

O Reporto é um Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária8, cujo escopo é favorecer a incremento da infra-estrutura do país.

Este regime permite a importação de máquinas, equipamentos, peças de reposição e ainda outros bens, com a suspensão do pagamento dos tri-butos federais9, quando destinados ao ativo imobilizado de beneficiário, para utilização exclusiva em portos na execução de serviços de carga, descarga, movimentação de mercadorias, dragagem e ainda na execução de treinamento e formação de trabalhadores em Centros de Treinamento Profissional.

7 Decreto n.º 6.759/09, arts. 458 a 462.8 Decreto n.º 6.759/09, arts. 471 a 475.9 Imposto sobre Importações (II), Imposto sobre produtos industrializados (IPI),

PIS-Importação e COFINS-Importação.

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48 MIGUEL HILÚ NETO / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

c) REIDI

Por meio do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infra-Estrutura (REIDI)10, o Governo Federal brasileiro busca incentivar investimentos nos setores de transportes, portos, energia, saneamento bá-sico e irrigação.

Fundamentalmente, o REIDI permite, às empresas que forem habilita-das no regime, a aquisição de produtos sem a incidência de PIS e de CO-FINS, o que gera significativa economia no custo dos investimentos.

d) DRAWBACK

O Drawback é um dos regimes aduaneiros especiais vigentes no Brasil. Consiste ele, basicamente, na possibilidade de importação de produtos, sem a incidência de impostos (isenção ou suspensão), que serão aplicados na produção de bens a serem exportados.

A legislação foi aperfeiçoada de forma a permitir que as aquisições no mercado interno de mercadorias a serem aplicadas na industrialização de bens destinados à exportação também se façam sem a incidência de tribu-tos. Portanto, é um regime muito interessante para as empresas que dese-jem industrializar produtos no país para exportação, utilizando insumos importados ou nacionais.

10 Lei nº 11.488/07, art. 1º a 5º

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traNsFer PrIcINg: BreVes coNsIderaÇÕes

luís eduardo SchoueriMestre em Direito pela Universidade de Munique

Doutor em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Sócio do Lacaz Martins,

Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados

i. intRodução

A disciplina dos preços de transferência somente foi introduzida no Bra-sil no ano de 1996, com a Lei nº 9.430, seguindo uma tendência verificada em âmbito internacional. Quase quinze anos se passarem desde então, e a matéria dos preços de transferência ainda não se encontra suficientemente desenvolvida no Brasil, onde sequer se cogita de uma série de discussões que são extremamente relevantes em outros países.

Por outro lado, cada vez mais as empresas se preocupam com o tema, e acabam por mobilizar exércitos de profissionais para auxiliarem no cálculo dos preços de transferência em suas relações comerciais com empresas ligadas e no entendimento das normas legais e infralegais que tratam do assunto.

Ademais, após a introdução dos preços de transferência no Brasil, a fis-calização federal instituiu delegacias para tratar especificamente de as-suntos internacionais, cujo enfoque revelou-se ser as questões de transfer pricing. Assim, já no ano de 1998, tiveram início diversos procedimentos fiscalizatórios específicos sobre o tema, cujos desfechos, na esfera admi-nistrativa, são bastante recentes.

Dentro de tal cenário, o propósito do presente artigo é apresentar breve-mente a matéria dos preços de transferência, sobretudo sob a perspectiva do Brasil. Assim, o conceito de preços de transferência e os principais contornos desse instituto na legislação tributária brasileira serão anali-sados, de modo a evidenciar a importância do tema na era da economia

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50 LUÍS EDUARDO SCHOUERI

globalizada vivenciada na atualidade. Desta forma, não tem este estudo a pretensão de se aprofundar nas diversas questões polêmicas que envolvem a regulamentação dos preços de transferência no Brasil, tampouco discutir a constitucionalidade ou a legalidade das normas que tratam do assunto.

ii. ConCeito de PReçoS de tRanSfeRênCia

Por preço de transferência entende-se o valor cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços ou propriedade intangível, a empresa a ela relacionada. Tratando-se de preços que não se negociaram em um mercado livre e aberto, podem eles desviar-se daqueles que teriam sido acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações comparáveis nas mesmas circunstâncias1.

Assim, a legislação de preços de transferência trata das transações que ocorrem entre partes vinculadas, as quais se diferenciam das relações en-tre partes independentes pela inexistência do mercado atuando na fixação dos preços praticados.

De fato, em um mercado competitivo, partes independentes relacionam-se comercialmente de tal forma que cada qual busca trazer para si as maio-res vantagens possíveis, surgindo dessa tensão em cada transação o que se denominada “preço de mercado”, que nada mais é do que o parâmetro para distribuir a riqueza entre as partes.

Não se pretende aqui discutir o fenômeno da globalização e seus múl-tiplos significados, mas não se pode negar que, a partir dele, ocorreram diversas mudanças nas relações comerciais internacionais. Como exem-plo, basta imaginar que antes, para expandir seus mercados, as empresas instalavam-se em diversos países, mantendo em cada qual uma unidade econômica distinta e concorrente. Nos dias de hoje, os grupos transna-cionais acabam por concentrar suas atividades em grandes unidades, que transacionam mundialmente.

Desta forma, se antes uma empresa do ramo automobilístico preten-desse atuar internacionalmente, instalaria uma unidade produtiva em cada mercado relevante, a qual produziria localmente e exploraria o mercado

1 Cf. “transfer pricing” (verbete), in LYONS, Susan M. (edit.), International Tax Glossary, 3ª ed., Amsterdã, International Bureau of Fiscal Documentation, 1996.

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51TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES

daquela região. O resultado (lucro ou prejuízo) daquela referida unidade poderia ser facilmente apurado.

Atualmente, na concentração de atividades realizadas pelos grandes grupos internacionais, uma empresa localizada em um país fabrica apenas pneus, enquanto outra se encarrega da produção de carrocerias, e assim su-cessivamente. Nessa nova estrutura, ocorre um evidente ganho de escala, decorrente da especialização.

De outra parte, perde-se o parâmetro do mercado, já que os preços pra-ticados em cada unidade, tal como a de pneus ou de carrocerias, serão decididos internamente, no âmbito do grupo, e levando-se em conta outros fatores que não o mercado, tais como interesses políticos ou tributários.

Por essa razão, o lucro contábil não é um parâmetro necessariamente con-fiável para que se apure a riqueza gerada pela pessoa jurídica. Uma vez que tal lucro é o resultado aritmético das transações efetuadas, ele apenas servirá de medida da renda se os negócios se celebrarem ente partes independentes. Assim, a idéia de que o lucro contábil serviria como base para apurar a renda ganha uma condicionante: tal lucro deve refletir preços de mercado.

O que fazer, então, quando as transações se efetuaram entre partes li-gadas? Do mesmo modo, o lucro contábil apenas servirá como medida da renda da pessoa jurídica se os preços de tais transações forem os de mercado. Não o sendo, substituem-se os valores das transações concretas pelos preços de mercado, e chegar-se-á a um lucro, diverso do contábil, que melhor refletirá a renda da pessoa jurídica.

É justamente esse o objetivo da legislação de preços de transferência: subs-tituir os preços das transações entre partes ligadas pelos preços de mercado, de modo a aferir com maior exatidão a riqueza gerada pela empresa.

Em outros termos, pode-se dizer que enquanto a moeda utilizada nas transações comerciais realizadas entre partes ligadas está expressa na uni-dade que chamaremos aqui de “reais de grupo”, empresas independentes têm seus resultados expressos em “reais de mercado”.

Nesse sentido, o papel da legislação de preços de transferência é ape-nas o de “converter” preços expressos em “reais de grupo” para “reais de mercado”, possibilitando, daí, que se possa efetivamente comparar contri-buintes que transacionam com partes independentes e aqueles que o fazem com partes vinculadas.

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52 LUÍS EDUARDO SCHOUERI

Verifica-se, desta forma, que a legislação de preços de transferência não distorce os resultados da empresa, mas apenas “converte” para uma mes-ma unidade de referência (“reais de mercado”) a mesma realidade expressa noutra unidade. Como conseqüência, apenas se tolera a substituição dos preços praticados em uma transação se em seu lugar se registrarem valores que representem com maior exatidão os preços de mercado.

A determinação do preço de mercado é tarefa que, na doutrina inter-nacional, se consolidou em torno do princípio arm’s length2. Em síntese, por este princípio, busca-se o preço que partes independentes fixariam, em transações celebradas em condições em tudo similares às da transação concreta, exceto pela circunstância de esta ter sido celebrada entre partes relacionadas.

Desta maneira, entende-se que o preço arm’s length deve observar as seguintes características3:

• Análise transacional: o preço arm’s length deve ser estabelecido a partir de uma transação identificada;

• Comparação (ou similaridade): a transação identificada deve ser comparada com outra transação, similar ou idêntica, hipotética ou real, com características idênticas ou similares;

• Contrato de direito privado: o preço arm’s length deve levar em con-ta quaisquer obrigações legais assumidas pelas partes contratantes e, portanto, os efeitos jurídicos da transação não podem (em princípio) ser desconsiderados;

• Características de mercado aberto: o preço arm’s length deve basear-se em condições de mercado, refletindo, assim, práticas comerciais normais. Conseqüentemente, o preço arm’s length somente pode ser estabelecido com base em informações que sejam disponíveis ou acessíveis ao contribuinte no momento em que ocorre a transação;

2 Sobre este princípio e seu conteúdo, confira o nosso Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Dialética, 2006, pp. 22-43.

3 Cf. Guglielmo Maisto, “General Report”, in International Fiscal Association, Transfer pricing in the absense of comparable market prices, Cahiers de Droit Fis-cal International, v. LXXCIIa, Deventer, Kluwer, 1992, pp. 19-75 (28-29).

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53TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES

• Características subjetivas: o preço arm’s length deve levar em conta as circunstâncias particulares que caracterizam a transação;

• Análise funcional: a determinação do preço arm’s length deve levar em conta as funções desempenhadas pelas empresas associadas. A análise funcional é importante para estabelecer se uma transação entre partes independentes é efetivamente comparável;

Em suma, vê-se que idealmente o preço arm’s length é o próprio preço da transação, desconsiderando-se a influência decorrente do vínculo entre as partes. É, pois, o que se entende como preço de mercado.

Uma vez entendido o conteúdo do princípio, cumpre indagar qual a for-ma como se determina o preço de mercado.

A resposta imediata é que o preço de mercado é encontrado tomando-se como parâmetro a maneira como terceiros independentes costumam agir em situação equivalente. Trata-se de prática que se extrai do próprio mercado.

Assim, surgiram os chamados “métodos tradicionais” de preços de trans-ferência, desenvolvidos no âmbito da OCDE (Organização para a Coope-ração e Desenvolvimento Econômico). Partindo dos costumes do mercado, considerou-se que muitos empresários fixam seus preços conforme o preço praticado pela concorrência; ou a partir de seus próprios custos, acrescidos de uma margem de lucro razoável; ou, finalmente, com base em seu preço de venda, deduzido de uma margem de lucro razoável. Nos estudos desen-volvidos na OCDE, tais práticas de mercado geraram, respectivamente, os métodos dos preços independentes comparados, do custo mais lucro e do preço de revenda menos lucro.

Evidencia-se, deste modo, que a aplicação dos métodos acima arrolados é a forma que se encontrou para, substituindo-se preços praticados entre partes ligadas pelos “preços de mercado”, aferir-se o montante da renda sujeita à tributação em determinado país.

Esta conclusão revela, ademais, que os métodos apresentados apenas se justificam enquanto servirem para a determinação do preço de mercado. Ao mesmo tempo, caso o contribuinte consiga demonstrar que a aplicação dos métodos não levou ao preço de mercado, teria ele o direito de afastar aquela aplicação, ou de corrigi-la, de modo a assegurar que apenas a renda efetivamente auferida seja tributada.

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iii. oS PReçoS de tRanSfeRênCia no bRaSil

Consoante já apontou, o Brasil adotou, em 1996, através da Lei nº 9.430, regras para o controle dos preços de transferência. As referidas regras fo-ram inspiradas na prática internacional, consolidada pela OCDE. Assim é que na exposição de motivos que encaminhou o projeto de lei que veio a se tornar a Lei nº 9.430/96, o Ministro da Fazenda já se manifestava:

12. As normas contidas nos arts. 18 a 24 representam significativo avanço da legislação nacional face ao ingente processo de globaliza-ção experimentado pelas economias contemporâneas. No caso espe-cífico, em conformidade com regras adotadas nos países integrantes da OCDE, são propostas normas que possibilitam o controle dos de-nominados “Preços de Transferência”, de forma a evitar a prática, lesiva aos interesses nacionais, de transferências de recursos para o Exterior, mediante a manipulação dos preços pactuados nas importa-ções ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no Exterior.

Sendo assim, a legislação brasileira de preços de transferência foi insti-tuída com o objetivo de verificar a eventual existência de diferença entre o preço praticado entre partes vinculadas e o preço que teria sido praticado se não existisse qualquer vínculo entre as sociedades envolvidas, i.e., o preço que seria normalmente praticado no mercado (preço arm’s length).

Com a adoção de tais regras, as autoridades fiscais brasileiras têm por objetivo a apuração do exato lucro auferido no Brasil para fins tributários, já que, para fins comerciais, não necessariamente os preços fixados em operações de importação e exportação entre partes vinculadas refletem valores reais de mercado.

Dito de outro modo, o motivo de se verificar o preço normal da transa-ção, ou seja, aquele que seria transacionado com partes independentes, é evitar que o contribuinte residente do Brasil indevidamente reduza o seu lucro tributável pelo Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”).

Essa redução de base de cálculo, que se efetiva mediante transações en-tre partes vinculadas, pode ocorrer, no caso de bens, serviços e direitos, tanto em importações quanto em exportações. Nas operações de importa-

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55TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES

ção, isto ocorre com a consideração de valor mais alto do que o de mercado como custo ou despesa. Já nas operações de exportação, a redução do lucro tributável se dá por meio da contabilização de valor diminuto como receita.

Inspirada na prática internacional, a lei brasileira que introduziu no or-denamento nacional as regras de preços de transferência estabelece como parâmetro objetivo dos preços praticados entre partes vinculadas o preço praticado no mercado entre partes independentes, i.e., o preço arm’s leng-th. Tal preço de mercado deve ser obtido mediante a aplicação de métodos específicos, previstos na legislação interna.

De modo geral, esses métodos partem de três elementos distintos para encontrar o preço arm’s length:

• Preços independentes: resultado obtido através da comparação com preços de mercado, praticados entre partes independentes;

• Custo: resultado obtido através do custo de produção (ou de aquisi-ção) acrescido de uma determinada margem de lucro;

• Preço de revenda: resultado obtido através do preço efetivo de reven-da diminuído de uma determinada margem de lucro.

Assim sendo, o legislador nacional previu os seguintes métodos, estabe-lecidos a partir dos critérios acima mencionados:

Critério Métodos para Importações Métodos para Exportações

preços independentes

PIC – Preços Independentes Comparados

PVEx – Preço de Venda nas Ex-portações

custo CPL – Custo de Produção mais Lucro

CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro

preço de revenda

PRL – Preço de Revenda me-nos Lucro

PVA – Preço de Venda por Ataca-do no País de Destino, Diminuído do Lucro

PVV – Preço de Venda por Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro

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Os métodos Preços independentes Comparados - PiC (importações) e Preço de Venda nas Exportações – PVEx (exportações) são definidos como a média aritmética ponderada dos preços de bens, serviços ou direi-tos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro (PIC e PVEx) ou de outros países (opção válida apenas para o PIC), em operações de compra e venda, em condições de pagamento semelhantes. Na comparação dos preços praticados por pessoas vinculadas com aqueles realizados en-tre empresas independentes, os valores de bens, serviços ou direitos serão ajustados de forma que minimize os efeitos provocados sobre os preços a serem comparados, por diferenças nas condições de negócio, da natureza física e de conteúdo.

O método do Preço de Revenda menos lucro - PRl (importações) compõe-se pela a média aritmética dos preços de revenda de bens (assim considerados os praticados pela própria empresa importadora, em opera-ções de venda a varejo e no atacado, com compradores, pessoas físicas ou jurídicas, que não sejam a ela vinculados), serviços ou direitos, diminuídos dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições in-cidentes sobre as vendas, das comissões e corretagens pagas, e da margem de lucro de 20% ou 60%. A margem de 20% se aplica quando os bens importados não são aplicados na produção de outros bens, mas destinados à mera revenda; já a margem de 60% é aplicável nas hipóteses em que os bens importados sejam aplicados à produção. No caso das exportações, a legislação brasileira dividiu o método da revenda em dois: o primeiro que considera o preço praticado no mercado atacadista do país de destino, qual seja, o método do Preço de venda por atacado no País de destino, diminuído de lucro – Pva, cuja margem de lucro legalmente prevista é de 15%; e outro que toma por base o preço do mercado varejista do referi-do país, que se trata do método do Preço de venda a varejo no País de destino, diminuído de lucro - Pvv, no qual o percentual de ganho é de 30%. Ambos os métodos se calculam diminuídos dos tributos incluídos no preço, cobrados no país de destino.

O método do Custo de Produção mais lucro (CPl) é definido como o custo médio de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou si-milares, no país onde tiverem sido originariamente produzidos, acrescido de impostos e taxas cobrados pelo referido país na exportação e de mar-gem de lucro de 20% (vinte por cento), calculada sobre o custo apurado.

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57TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES

A margem de lucro deverá ser aplicada sobre os custos apurados antes da incidência de impostos e taxas incidentes, no país de origem, sobre o valor de bens, serviços e direitos adquiridos pela empresa no Brasil. Para efeito de determinação do preço por esse método, poderão ser computados como integrantes do custo: (i) o custo de aquisição das matérias-primas, dos pro-dutos intermediários e dos materiais de embalagem utilizados na produção de bem, serviço ou direito; (ii) o custo de quaisquer outros bens, serviços ou direitos aplicados ou consumidos na produção; (iii) o custo do pessoal, aplicado na produção, inclusive de supervisão direta, manutenção e guarda das instalações de produção e os respectivos encargos sociais incorridos, exigidos ou admitidos pela legislação do país de origem; (iv) os custos de locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação, amortização ou exaustão de bens, serviços ou direitos aplicados na produção; (v) os va-lores das quebras e perdas razoáveis, ocorridas no processo produtivo, ad-mitidas pela legislação fiscal do país de origem de bem, serviço ou direito. Nas exportações, o método do Custo de aquisição ou de Proteção mais tributos e lucro – CaP leva em consideração os custos de aquisição ou de produção dos bens e serviços exportados, acrescidos dos impostos e contribuições cobrados no Brasil e de margem de lucro, fixada em 15%, sobre a soma dos custos mais impostos e contribuições.

Deve-se alertar que a sistemática brasileira de preços de transferência, conquanto inspirada na prática internacional, apresenta diversas peculia-ridades, em parte oriundas do próprio texto legal, em parte decorrentes de errônea interpretação da lei pelas autoridades brasileiras. Enquanto no úl-timo caso, as ilegalidades vêm sendo enfrentadas pelos contribuintes, que, de regra, têm obtido êxito em sua legítima pretensão de não se sujeitar a interpretações que contrariem o exigido pela lei, algumas das peculiarida-des do próprio texto legal devem ser apontadas, já que, nesse último caso, apenas um questionamento diante do Poder Judiciário poderia permitir seu descumprimento.

Dentre as peculiaridades decorrentes do próprio texto legal, merece des-taque a característica das margens predeterminadas.

Com efeito, internacionalmente, os métodos do custo e do preço de ven-da, conquanto partindo de dados internos da própria transação, agregam margens de lucro obtidas a partir de uma análise comparativa, voltada ao

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mercado. Nesses termos, após acurada análise funcional, conclui-se qual a margem de lucro a ser adequadamente adicionada ao custo ou subtraída do preço de venda, para se chegar a um preço a ser comparado com a tran-sação controlada.

Já a lei brasileira de preços de transferência dispensou, de plano, a busca daquelas margens: no lugar de uma análise detalhada, optou o legislador brasileiro por fixar, ele mesmo, as margens a serem consideradas na aplica-ção de tais métodos. Se tal opção traz a seu favor a praticidade, é imediato que possivelmente as margens não serão adequadas, em diversos casos, dado o sem-número de variáveis que influem na formação de uma margem adequada.

Não podemos deixar de mencionar que o legislador contemplou a hipótese de o próprio contribuinte, diretamente, ou uma associação que represente seu setor, questionar a margem de lucro legal, pleiteando sua substituição. Até o momento, entretanto, não se tem notícia de que al-gum contribuinte tenha tido sucesso em tal pleito. Daí porque convém, nesta análise, tomar as margens fixadas pela lei como dados a serem considerados na decisão acerca dos preços de transferência, concen-trando nossos trabalhos, destarte, na busca da melhor interpretação do texto legal.

Por outro lado, vale esclarecer que a aplicação do método na análise específica para cada bem, serviço ou direito é de livre escolha do contri-buinte e deve ser aceita pelas autoridades fiscais desde que cumpridos os preceitos da legislação.

Uma vez estabelecido o preço limite para a transação entre as empresas ligadas, além do qual presume o legislador que está havendo redução in-devida de lucro tributável no Brasil, a quantia excedente deve ser tributada como se fosse parcela do lucro auferido no país, compondo dessa forma as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Dessa forma, no caso de bens, serviços e direitos importados ou adquiridos do exterior, parcela do custo ou despesa pode ser consi-derada indedutível, ou, então, se a análise de preços de transferência recair sobre bens, serviços ou direitos exportados ou vendidos ao ex-terior, parcela de receitas ou rendimentos pode ser acrescida à base tributável.

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59TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES

iv. deSafioS doS PReçoS de tRanSfeRênCia no bRaSil

Passados 14 anos desde a introdução da legislação acerca dos preços de transferência, são diversos os desafios a serem enfrentados no Brasil. Nesse ponto, dois deles merecem destaque: as margens predeterminadas e os chamados secret comparables.

O problema das margens predeterminadas já foi referido no presente ar-tigo. A fixação de margens de lucro para os métodos de preços de transfe-rência certamente é medida que tem a seu favor uma grande praticidade e facilidade de aplicação. Não seria viável ou praticável que, para cada produto de cada empresa, fosse discutida uma margem específica a ser aplicada.

Por outro lado, não se pode deixar de notar que a utilização de tais mar-gens pode conduzir a preços que não refletem preços de mercado. Com efeito, pelo fato de as margens serem idênticas para todos os setores da economia, evidencia-se que não há compromisso com a realidade.

Margens predeterminadas, em si, são uma sistemática que pode ser ade-quada. Entretanto, elas não passam de uma forma indireta para se apurar o lucro da pessoa jurídica. É comum que, em nome da praticabilidade, se re-corra a sistemáticas indiretas para obtenção de informações, quando se reve-la extremamente custosa a forma direta. Entretanto, o método indireto deve aproximar-se o máximo possível da realidade de cada setor da economia.

No caso brasileiro, a adoção de margens predeterminadas fixas deve ser questionada. A Lei nº 9.430/96 já previa, em sua redação original, a pos-sibilidade de o Ministro da Fazenda alterar suas margens. Importa que se adote tal providência com urgência.

Havendo margens por setor, é possível que os resultados apurados (indi-retametne) no Brasil não sejam distantes daqueles que se obtenham (direta-mente) no exterior. Esta meta deve ser buscada com especial afinco, já que se o Brasil adota preços de transferência diversos da prática internacional, quem é punido é o contribuinte que, tendo que atender a ambos os fiscos, acaba por sofrer dupla tributação econômica. Esta, posto que possível, não há de ser desejada pelo legislador que – como é o caso do Brasil – deseja atrair investimentos a seu território.

Há também a questão dos secret comparables. Como já se disse, o preço arm’s length é o aquele que seria fixado em práticas comerciais normais,

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entre partes independentes. Em transações entre partes independentes, um critério muito relevante para a fixação do preço de um produto ou serviço consiste na observação do comportamento dos concorrentes. Assim, os preços praticados pelos concorrentes influenciarão a fixação de preços das transações entre partes independentes, na medida em que forem por elas conhecidos. Os preços praticados por concorrentes que não forem de co-nhecimento público, por razões óbvias, não terão qualquer influência sobre o comportamento das partes independentes.

Não obstante, as autoridades fiscais, ao aplicar o método PIC, que parte da comparação entre preços praticados por partes independentes, freqüen-temente utilizam preços que não são de conhecimento público, mas obti-dos através de bancos de dados sigilosos, aos quais os contribuintes não têm acesso.

Dados confidenciais sobre determinadas transações não influenciam as tomadas de decisões em um mercado aberto; logo, os preços apurados pe-las autoridades fiscais com base em dados sigilosos não correspondem às condições de um mercado aberto e, como conseqüência, não são compatí-veis com o princípio arm’s lentgth.

Eis aqui alguns dos desafios que vem à tona quando se analisa a disci-plina brasileira dos preços de transferência. Além deles, outro problema crítico enfrentando no Brasil é a ilegalidade de algumas normas infrale-gais que, a pretexto de regulamentar os preços de transferência, acabam inovando e indo além do que o permitido pelo texto legal.

v. ConSideRaçõeS finaiS

A regulamentação dos preços de transferência no Brasil ainda é as-sunto recente, de modo que muitos de seus desdobramentos ainda são desconhecidos dos contribuintes e dos profissionais que militam na área tributária.

De uma parte, a legislação brasileira apresenta uma série de particula-ridades que a diferenciam da prática internacional em matéria de preços de transferência. Além disso, as normas infralegais editadas no intuito de regular os preços de transferência muitas vezes acabam por se afastar dos objetivos pretendidos pelo próprio legislador.

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61TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES

Por outro lado, as diversas questões intrincadas que cercam a matéria ainda não tiveram seu entendimento pacificado nos órgãos julgadores ad-ministrativos, e tampouco foram debatidas em âmbito judicial.

De qualquer forma, é inegável a importância dos preços de transferência para as empresas que mantém relações comerciais com empresas vincu-ladas localizadas em outros países. As fiscalizações específicas sobre o assunto são cada vez mais freqüentes, de tal forma que o entendimento dos contornos desse instituto no direito tributário brasileiro para a correta fixação dos preços de transferência se tornou extremamente relevante na realidade empresarial.

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a ZoNa FraNca de MaNaus: seus INceNtIVos e resultados

Pedro Câmara juniorSócio de Andrade & Câmara Advogados desde 1999. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas em 1996. Especialista em Direito

Civil pela mesma Universidade em 1998. Especialista em Direito Tributário e Social da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas –

FGV/ISAE-AM. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC. Gerencia a área tributária do escritório.

luiz felipe brandão ozoresSócio de Andrade & Câmara Advogados desde 2008. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Nilton Lins. Especialista

e mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC.

Foi professor do Curso de Pós-graduação em Direito Tributário do COGEAE-PUC. Atua na área tributária,

bem como nas atividades de planejamento fiscal e societário

1. intRodução

Grande parte das indústrias da Zona Franca de Manaus – ZFM concen-tra sua produção em bens de consumo, com destaque a eletroeletrônicos, veículos de duas rodas, bens de informática e aparelho celulares.

A elevação do consumo interno brasileiro, sem dúvida, consistiu em fa-tor significativo para o crescimento das indústrias instaladas em Manaus. Contudo, a cada ano, a ZFM vem se firmando como um importante polo exportador, lançando no mercado externo (notadamente a América Latina) produtos que agregam qualidade, resultantes de altos níveis de investimen-to tecnológico e da especialização de sua mão-de-obra.

Há anos, estão lá instaladas empresas como NOKIA, HONDA, PROC-TOR & GAMBLE, KODAK, SEMP TOSHIBA, SONY, PHILIPS, COCA-

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63A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS

COLA, PEPSI, SAMSUNG, LG ELETRONICS, SIEMENS, PANASO-NIC e HARLEY-DAVIDSON.

Como resultado, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SU-FRAMA recebe um número cada vez maior de projetos, objetivando a instalação de empresas nacionais e multinacionais.

Vejamos, assim, os detalhes mais relevantes dessa área incentivada.

2. infoRmaçõeS SobRe manauS

Manaus é a capital do Estado do Amazonas e integra a região norte do Brasil. Especificamente, está incrustada na Floresta Amazônica, na con-fluência dos rios Negro e Solimões, características que lhe atribuem uma natureza abundante e também um calor intenso, com uma temperatura média anual de 33,9º C.

Por informações levantadas em 2009, nela residem 1.738.641 pes-soas, sendo a oitava cidade mais populosa do país, contando com uma região metropolitana que ultrapassa os 2 milhões de habitantes. Os dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística reve-lam um aumento populacional superior à média das demais capitais brasileiras.

A razão desse crescimento está atrelada à imagem da cidade como um espaço de oportunidades, demandando o incremento de produtos e servi-ços disponíveis à sua população. Publicações nacionais apontam, também, Manaus como um dos lugares de maior expansão em ofertas de emprego, bem como de crescimento profissional.

Dentre suas vocações, destaca-se o turismo ecológico e de negócios, este último em razão das indústrias lá instaladas. É uma das cidades brasi-leiras mais visitadas por estrangeiros e, nos últimos anos, recebeu grandes investimentos de redes hoteleiras.

Esta movimentação consolidou Manaus como o principal centro econô-mico do norte do Brasil, responsável por aproximados 55% da economia regional, estando entre as capitais de maior participação no PIB brasileiro, com uma renda per capita de R$ 20.894,00, conforme levantamentos rea-lizados até 2007.

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64 PEDRO CâMARA JUNIOR / LUIZ FELIPE BRANDÃO OZORES

Também por conta da economia de Manaus, o Estado do Amazonas, em 2008, foi o responsável por mais de 63,45% da arrecadação de tributos federais na região Norte.

Diante desses números, como explicar o desenvolvimento de uma ci-dade quase isolada por terra (seus principais acessos são as vias aérea e fluvial) e distante das maiores economias do Brasil?

A razão está no fortalecimento do seu polo industrial, incentivado pelos benefícios fiscais próprios da Zona Franca de Manaus – ZFM, cujos deta-lhes vamos abordar adiante.

3. a Zona fRanCa de manauS e Sua faSeS.

A primeira norma que tratou da criação de uma Zona Franca na cidade de Manaus foi a Lei 3.173, de 06 de junho de 1957, publicada durante o governo de Juscelino Kubitscheck, e regulamentada pelo Decreto 47.757, de 02 de fevereiro de 1960.

À época, a inciativa já apontava para necessidade de se criar um centro de desenvolvimento e abastecimento na Amazônia Ocidental, como forma de minimizar o isolamento e a estagnação econômica que aquela região sofria.

As referidas normas, contudo, não resultaram no implemento da preten-dida área de benefícios, o que só veio a ocorrer durante a ditadura militar, com o governo do Marechal Castello Branco, sob as justificativas da pre-servação territorial e da integração nacional.

Em 28 de fevereiro de 1967, foi publicado o Decreto-lei nº 288, que efetiva-mente criou a Zona Franca de Manaus. Vejamos o que dispõe seu artigo 1º:

Art. 1º. A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permi-tam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande dis-tância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.

A ZFM, portanto, nasceu como uma área destinada a atividades adu-aneiras, a fim de atrair investimentos para o interior da Amazônia, nos

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65A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS

setores da indústria, do comércio e da agropecuária, fixando como contra-partida benefícios fiscais às empresas que nela se instalassem.

Ao longo desses 43 anos, a ZFM passou por estágios distintos. Até me-ados da década de 70, teve como foco a atividade comercial, beneficiada pela importação de produtos estrangeiros, seja para o abastecimento de seu mercado interno, seja para o desenvolvimento de um turismo nacional de compras, que permaneceu fortalecido até o final dos anos 80. Em tais épo-cas, o parque industrial já estava estabelecido, prevalecendo, contudo, em-presas destinadas a operações de CKD/SKD e à indústria de montagem.

A partir dos anos 90, com a abertura da economia brasileira, sua ativi-dade comercial perdeu fôlego, demandando uma redefinição de objetivos, que culminou no início do fortalecimento da indústria. Esta época é mar-cada pela automação, pelo emprego de políticas de qualidade e pelo foco na exportação de seus produtos.

Em sua fase atual, a ZFM evoluiu para uma atividade industrial sólida, com uma produção destinada ao mercado brasileiro e internacional. Pro-duz tanto bens intermediários como finais, com o aperfeiçoamento de tec-nologias e capacidade de inovação, com a especialização de sua mão-de-obra, com ampla divulgação internacional de suas atividades e o aumento significativo de suas exportações.

Pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, os bene-fícios da ZFM foram mantidos até 31 de dezembro de 2023. Atualmente, já se tem certeza de que este prazo não será suficiente, daí porque se encontra em trâmite nova proposta de emenda constitucional, cujo objetivo é acres-cer outros 10 (dez) anos ao prazo citado, estendendo o modelo até 2033.

Esses dados refletem a viabilidade do modelo e demonstram a sua im-portância para o país, seja pela significativa produção industrial que o Amazonas vem apresentando, seja porque um dos seus principais reflexos consistiu na preservação de mais de 90% (noventa por cento) das áreas de florestas nativas daquele Estado.

4. SufRama – SuPeRintendênCia da Zona fRanCa de manauS

Na coordenação das atividades da ZFM está a SUFRAMA – Superin-tendência da Zona Franca de Manaus, autarquia federal também criada

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66 PEDRO CâMARA JUNIOR / LUIZ FELIPE BRANDÃO OZORES

pelo Decreto-lei nº 288/67 e vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

À SUFRAMA foram destinadas prerrogativas fundamentais ao desen-volvimento dos objetivos da ZFM, com destaque:

− à administração e controle dos incentivos fiscais concedidos;

− à aprovação de projetos por seu Conselho, condição essencial à con-cessão dos benefícios;

− à fiscalização do ingresso lícito de mercadorias nacionais no âmbito da ZFM, como forma de evitar a burla dos benefícios próprios às remessas interestaduais destinadas a Manaus;

− à promoção de cursos de doutorado, mestrado e especialização, vol-tados aos segmentos de suas indústrias;

− à promoção institucional da ZFM, com participação em negociações do Mercosul, em missões comerciais internacionais, nos Grupo Téc-nico de Facilitação do Comércio Exterior (GTFAC) da CAMEX, na OMC e em acordos de cooperação técnica;

− ao financiamento de projetos de infraestrutura e de apoio à produção regional, em todos os Estados alcançados por sua atuação.

A SUFRAMA, assim, exerce um papel de agência de promoção de de-senvolvimento regional, agindo além dos limites da ZFM, uma vez que coordena, também, os incentivos estendidos à Amazônia Ocidental (com-posta pelo restante do Estado do Amazonas e pelos Estados do Acre, Ro-raima e Rondônia) e às Áreas de Livre Comércio, instaladas na região norte do Brasil.

O resultado do seu trabalho pode ser conferido a partir dos seguintes dados:

Evolução do Faturamento do PIM1:

2005: 45.663 (bilhões de reais)/ 18.914 (bilhões de dólares);

1 Fonte: COISE/CGPRO/SAP – SUFRAMA.

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67A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS

2006: 49.441 (bilhões de reais)/ 22.750 (bilhões de dólares);

2007: 49.685 (bilhões de reais)/ 25.697 (bilhões de dólares);

2008: 54.352 (bilhões de reais)/ 30.163 (bilhões de dólares);

2009: 50.364 (bilhões de reais)/ 25.878 (bilhões de dólares);

20102: 23.735 (bilhões de reais)/ 13.231 (bilhões de dólares).

Distribuição deste faturamento entre os seguintes segmentos3:

− Eletroeletrônicos: 34,37%;

− Duas rodas: 20,66%;

− Químico: 11,94%;

− Bens de informática: 9,59%;

− Metalúrgico: 7,48%;

− Termoplástico: 5,52%;

− Mecânico: 4,01%;

− Descartáveis: 1,96%;

− Relojoeiro: 1,16%.

Principais produtos exportados4: Telefone celular digital, combinado ou não com outras tecnologias; Concentrados para bebidas não alcoólicas; Motocicletas acima de 100 cm³ até 450 cm³; Aparelhos de barbear; Recep-tor de sinal de televisão via satélite; Dispensador automático de cédulas (papel-moeda); Aurocianeto de potássio; Televisor em cores com tela de cristal líquido; Papel fotográfico para fotografia e artes gráficas; Cartucho de lâmina para aparelho de barbear.

2 Dados parciais até MAIO/2010.3 Fonte: COISE/CGPRO/SAP – SUFRAMA – dados parciais até MAIO/2010.4 Fonte: SUFRAMA – MDIC/SISTEMA ALICE – dados parciais até MAIO/2010.

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68 PEDRO CâMARA JUNIOR / LUIZ FELIPE BRANDÃO OZORES

Principais destinos estrangeiros dos produtos fabricados no PIM5: Ar-gentina; Venezuela; Colômbia; Chile; Peru; México; Estados Unidos; Pa-raguai; Equador e Uruguai.

Interessa, então, analisar a maior razão dessa iniciativa ter firmado o Amazonas como uma das principais regiões de produção industrial no Brasil, isto é, os incentivos concedidos às empresas lá instaladas.

5. inCentivoS fiSCaiS

A Zona Franca de Manaus é um modelo de desenvolvimento, implan-tado para constituir uma base econômica, aliada à proteção do Meio Am-biente, na Amazônia Ocidental, proporcionando melhor qualidade de vida, bem como a integração produtiva e social dessa região ao país, garantindo, por fim, a soberania nacional de suas fronteiras.

Para compensar as dificuldades próprias de sua localização, bem como para firmar sua viabilidade, a ZFM conta com a concessão de benefícios fis-cais por parte da União, do Estado do Amazonas e do Município de Manaus, configurando-se como área de exceção perante as demais regiões do país.

Vejamos, então, como são concretizados esses benefícios, bem como algumas das contrapartidas às empresas incentivadas.

INCENTIVOS FEDERAIS

1) CONTRIBUIÇÕES DO PIS/PASEP E COFINS

− alíquota Zero: para comercialização de matéria-prima, produtos intermediários e materiais de embalagem, produzidos na ZFM e empregados em processo de industrialização por estabelecimentos industriais instalados na ZFM, conforme projeto aprovado pela SU-FRAMA;

− alíquota Zero: em operações interestaduais, destinadas a Manaus, de mercadorias para o consumo ou à industrialização na ZFM;

5 Fonte: SUFRAMA – MDIC/ SISTEMA ALICE – dados parciais até julho de 2010.

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− Suspensão do PiS-importação e da CofinS-importação: no caso de importações por empresas da ZFM, de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, empregados em processo de industrialização por estabelecimento industriais instala-dos na ZFM, conforme projeto aprovado pela SUFRAMA;

− Suspensão de PiS-importação e da CofinS-importação: no caso de importações por empresas da ZFM, de bens a serem empregados na elaboração de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem destinados ao emprego em processo de industrialização por estabelecimentos ali instalados, conforme projeto aprovado pela SUFRAMA;

− Suspensão de PiS-importação e da CofinS-importação: no caso de importações de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipa-mentos novos (relacionados em regulamento) para incorporação ao ativo imobilizado da empresa importadora, localizada na ZFM. Este benefício se converte em alíquota zero após decorridos 18 (dezoito) meses da incorporação do bem ao ativo fixo;

− alíquotas especiais: A indústria estabelecida na ZFM, que apure o imposto de renda com base no lucro real, com projeto aprovado pela SUFRAMA, ao vender sua produção própria, calcula o PIS e a COFINS com base em alíquotas diferenciadas, conforme quadro abaixo.

deStinatáRioPiS

(alíquotas)CofinS

(alíquotas)

a) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida na ZFM.

0,65% 3,00%

b) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM, que apure PIS no regime não-cumulativo.

0,65% 3,00%

c) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM, que apure o IR com base no lucro presumido.

1,30% 6,00%

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70 PEDRO CâMARA JUNIOR / LUIZ FELIPE BRANDÃO OZORES

d) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM, que apure o IR com base no lucro real e que tenha sua receita, total ou parcialmente, excluída do regime não-cumulativo do PIS.

1,30% 6,00%

e) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM, enquadrada no regime SIMPLES.

1,30% 6,00%

f) venda efetuada a órgão da Administração Federal, Estadual, Distrital e Municipal.

1,30% 6,00%

- Crédito de PiS e CofinS: Na aquisição de produtos industrializados na ZFM, consoante projeto aprovado na SUFRAMA, a empresa sujei-ta à incidência não-cumulativa do PIS e da COFINS poderá descontar créditos calculados mediante a aplicação, sobre o valor de aquisição dos referidos produtos, das alíquotas de 1% e de 4,6%, respectivamen-te. A pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM, que apurar o IR com base no lucro real e que tenha sua receita, total ou parcialmente excluí-da do regime de incidência não-cumulativa das contribuições, terá um crédito de 1,65% de PIS e de 7,6% de COFINS.

> legislação aplicável:

Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002;

Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003;

Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004;

Lei nº 10.996, de 15 de dezembro de 2004;

Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005;

Lei nº 11.307, de 19 de maio de 2006;

Decreto nº 5.691, de 03 de fevereiro de 2006;

Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009;

Instrução Normativa da SRF 546/05.

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2) IMPOSTO SOBRE PRODUTO INDUSTRIALIZADO (IPI)

− isenção: dos produtos industrializados na ZFM, destinados ao seu consumo interno, com exceção de armas e munições, fumo, bebidas alcoólicas e automóveis de passageiros;

− isenção: dos produtos industrializados na ZFM, mediante projeto aprovado pela SUFRAMA, destinados à comercialização em qualquer outra região do Brasil. Não se incluem neste benefício armas, muni-ções, fumo, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros, produtos de perfumaria ou de toucador, preparos ou preparações cosméticas, salvo quanto a estes se produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e flora regionais, em conformidade com Processo Produtivo Básico – PPB. Também não se incluem produtos industrializados nas modalidades de acondicionamento ou reacondicionamento;

− isenção: dos produtos nacionais ingressos na ZFM, para seu consu-mo interno, utilização, industrialização, ou para remessa, por seus entrepostos, à Amazônia Ocidental. A remessa dos produtos para a ZFM deverá ser feita sob a forma de suspensão do IPI até o seu ingresso efetivo, quando então se converterá em isenção;

− isenção: dos produtos estrangeiros ingressos na ZFM, para consumo local, na industrialização de outros produtos, na pesca, na agropecuá-ria, na instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer na-tureza, ou estocados para exportação para o exterior. Não se incluem nesse benefício armas, munições, fumo, bebidas alcoólicas e automó-veis de passageiros. Os produtos são remetidos com a suspensão do imposto, que, com o ingresso efetivo, converte-se em isenção;

− isenção: dos insumos estrangeiros, no ato de internação (remessa para outras regiões do território brasileiro), utilizados na industria-lização de produtos na Zona Franca de Manaus, por empresas com projeto aprovado pela SUFRAMA;

− manutenção de crédito: é mantido o crédito do IPI incidente sobre equipamentos adquiridos para emprego na industrialização de pro-dutos que venham a ser remetidos à Zona Franca de Manaus, para

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seu consumo interno, utilização ou industrialização, bem como para os produtos que, antes de sua remessa à Zona Franca de Manaus, fo-rem enviados pelo seu fabricante a outro estabelecimento, para indus-trialização adicional, por conta e ordem do destinatário naquela área;

− Crédito de iPi: calculado como se devido fosse, para o adquirente de produtos elaborados com matérias-primas agrícolas e extrativas vegetais, produtos intermediários ou materiais de embalagem, na in-dustrialização em qualquer ponto do território nacional, de produtos efetivamente sujeitos ao pagamento do referido imposto.

> legislação aplicável:

Lei nº 11.196/05, de 21 de novembro de 2005;

Decreto-lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967;

Decreto-lei nº 1.435, de 16 de dezembro de 1975;

Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009 – Regulamento Adua-neiro;

Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010 – Regulamento do IPI.

Decreto-lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967;

3) IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO (II)

− isenção: na importação de matérias primas, produtos intermediá-rios, materiais secundários e de embalagem, componentes e outros insumos de origem estrangeira utilizados na industrialização de pro-dutos destinados a consumo interno na ZFM;

− isenção: no ingresso de mercadorias estrangeiras na ZFM, destina-das a seu consumo interno, industrialização, inclusive beneficiamen-to, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e servi-ços de qualquer natureza, exportação, bem assim a estocagem para reexportação. Exceções: armas, munições, fumo, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros, produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, salvo os classificados nas po-

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73A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS

sições 3303 a 3307, da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, destinados, exclusivamente, ao consumo interno na ZFM ou quando produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais, em conformidade com processo produtivo básico – PPB;

− Redução: de 88% para insumos estrangeiros – matérias-primas, produtos intermediários, materiais secundários e embalagens – em-pregados na fabricação de produtos industrializados na ZFM, com projeto aprovado pela SUFRAMA e que atenda ao Processo Produ-tivo Básico – PPB, quando saírem da área de incentivo para qualquer outro ponto do território nacional;

− Redução: percentuais diferenciados para insumos estrangeiros, des-tinados à produção de bens de informática, obedecendo a coeficiente de redução relacionado ao emprego de mão-de-obra e insumos nacio-nais, quando da saída dos produtos acabados para outros pontos do território nacional. O mesmo vale para fabricação de veículos, com acréscimo, no entanto, de 5% do coeficiente de redução mencionado.

> legislação aplicável:

Decreto-lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967;

Decreto 6.759, de 05 de fevereiro de 2009 – Regulamento Aduaneiro;

4) IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO (IE)

− isenção: para a exportação de produtos produzidos na ZFM.

> legislação aplicável:

Decreto-lei nº 288, 28 de fevereiro de 1967.

5) IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF)

− isenção: em operações de câmbio, vinculadas à importação de bens destinados a empreendimentos que implantem, modernizem, am-pliem ou diversifiquem a Amazônia, considerados de interesse para o desenvolvimento regional, segundo avalizações técnicas realiza-

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das pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SU-DAM. Este incentivo prevalecerá até 31/12/2010;

obs: a isenção aqui destacada é estendida, nos mesmos termos, ao Adi-cional ao Frete pra Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.

> legislação aplicável:

Lei nº 9.808, de 20 de julho de 1999.

6) IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA (IR): incentivo administrado pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).

− Redução de 75% (redução fixa): do IR e adicionais não restituíveis, calculados com base no lucro da exploração, até 2013, para pessoas jurídicas que tenham projeto aprovado para instalação, ampliação, modernização ou diversificação, voltados a setores da economia considerados prioritários ao desenvolvimento regional;

− Redução de 37,5%, 25% e 12% (redução escalonada): do IR e quais-quer adicionais não restituíveis, calculados com base no lucro da explo-ração, para pessoas jurídicas que mantenham empreendimentos econô-micos na área de atuação da SUDAM, vinculados a setores da economia considerados prioritários para o desenvolvimento regional ou da ZFM.

> legislação aplicável:

Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997;

Medida Provisória nº 2.199, de 24 de agosto de 2001;

Decreto nº 4.212, de 26 de abril de 2002;

Decreto-lei nº 756, de 11 de agosto de 1969;

Incentivos Estaduais (ICMS)

1) Crédito fiscal presumido: crédito equivalente ao que teria sido pago na origem, em outras regiões do Brasil, para mercadorias industrializadas

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e remetidas à ZFM, para comercialização, industrialização ou reexporta-ção ao exterior (quando oriundas das regiões Sul e Sudeste – 7% à exceção do Espírito Santo; quando oriundas das demais regiões – 12%);

2) isenção: benefício concedido pelo Convênio CONFAZ 65/88, em operações de saída (operações interestaduais) com produtos industriali-zados em outras regiões do Brasil, destinados à comercialização ou in-dustrialização na ZFM, desde que o estabelecimento destinatário tenha domicílio em Manaus;

3) Crédito estímulo: benefício concedido a produtos específicos, defi-nidos na Lei Estadual nº 2.826/03, o qual pode variar de 55% a 100%; para alguns produtos ainda é previsto um adicional a este crédito, conforme fórmula definida na citada Lei;

4) diferimento: benefício previsto para as hipóteses citadas abaixo.

4.a) Na importação de matérias-primas e materiais secundários, des-tinados à industrialização de produtos específicos, dentre os quais: bens intermediários, embarcações, terminais portáteis de telefonia celular, bens de informática (sujeitos ao investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, conforme lei federal), monitor de ví-deo para informática, veículos utilitários, brinquedos, aparelho con-dicionador de ar tipo split, refrigeradores, lavadouras e secadoras de roupa, aparelhos de ginástica, bicicletas, pneumáticos e câmaras de ar etc;

4.b) Na saída de bens intermediários, quando destinados à integração de processo produtivo de estabelecimento industrial igualmente in-centivado;

4.c) Na saída de matérias-primas regionais in natura, procedentes do interior da Amazonas, destinados a estabelecimento industrial in-centivado, para fabricação de fios, telas, sacos de juta e/ou malva, produtos fitoterápicos, fitocosméticos e fármacos genéricos.

5) Crédito fiscal presumido de regionalização: benefício empregado a indústrias de bens finais, equivalente a alíquota interestadual do ICMS (7%), empregada nas vendas oriundas das regiões Sul e Sudeste (exceto Espírito Santo) ao Estado do Amazonas, aplicado sobre o valor de aquisi-

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76 PEDRO CâMARA JUNIOR / LUIZ FELIPE BRANDÃO OZORES

ção de bem intermediário (exclusivamente aquele beneficiado pelo diferi-mento previsto acima, no item 4.b); A apropriação deste crédito fiscal pre-sumido fica condicionada à prática, na operação, de preço FOB utilizado no mercado nacional, pela empresa fabricante dos referidos bens ou por empresas similares.

6) isenção: benefício empregado nas hipóteses abaixo citadas.

6.a) saídas internas de insumos produzidos no Amazonas ou importa-dos do exterior, abrangidas pelo Programa Especial de Exportação da Amazônia Ocidental – PEXPAM;

6.b) entradas de máquinas ou equipamentos (nacionais ou estrangeiros), destinados ao ativo permanente de indústria da ZFM, para utilização direta e exclusiva em seu processo produtivo, incluídas partes e pe-ças; para o aproveitamento deste benefício, o bem deve permanecer no estabelecimento da empresa pelo período mínimo de 05 anos, à exceção de saídas destinadas a outras indústrias localizadas no Amazonas, ao exterior ou ao emprego em treinamentos, pesquisas e desenvolvimento por instituições previamente cadastradas na SE-FAZ/AM;

6.c) nas saídas internas de insumos, efetuadas por empresa incentivada, destinados a treinamentos, pesquisas e desenvolvimentos em insti-tuição previamente cadastrada na Secretaria de Estado da Fazenda – SEFAZ, sem prejuízo do crédito fiscal correspondente.

7) Redução da base de cálculo:

7.a) percentual de 55%, quando da importação do exterior de matérias primas e materiais secundários, destinadas ao processo produtivo de placas de circuito impresso montadas; neste caso, a empresa deve possuir inscrição específica no Cadastro de Contribuintes do Ama-zonas, exclusiva para essas operações;

7.b) percentual de 64,5%, quando da importação do exterior de matérias primas e materiais secundários para emprego no processo produtivo de bens de capital;

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8) Contribuições Financeiras devidas em razão dos benefícios estaduais:

8.a) ao fmPeS – Fundo de Fomento às Micro e Pequenas Empresas, no valor de 6% (seis por cento) do crédito estímulo, calculado em cada período de apuração do ICMS;

8.b) À universidade do estado do amazonas – uea, nos percentuais de:

- 10% do crédito estímulo, calculado em cada período de apuração do ICMS, quando se tratar de empresa industrial beneficiada com nível de 100% de crédito estímulo;

- 1,3% sobre o faturamento bruto, sujeito a diferimento, quando se tra-tar das operações previstas no art. 14, II, da Lei Estadual 2.826/03 (bens intermediários empregados em processo produtivo de empresa incentivada);

- 1,5% do crédito estímulo, calculado em cada período de apuração do ICMS, nos demais casos.

8.c) ao fundo de fomento ao turismo, infraestrutura, Serviços e interiorização do desenvolvimento do amazonas – fti, nos per-centuais de:

- 2% sobre o valor FOB – importações de matérias primas, bens inter-mediários, materiais secundários, de embalagem e outros insumos empregados na fabricação de bens finais, consoante projeto aprova-do pela CODAM;

- 1% sobre o faturamento bruto das empresas industriais beneficiadas com nível de 100% de crédito estímulo;

- 1% sobre o faturamento bruto relativo aos bens intermediários com di-ferimento de que trata o inciso II do art. 14, da Lei Estadual 2.826/03 (bens intermediários empregados em processo produtivo de empresa incentivada);

- 1% sobre o valor das matérias primas, bens intermediários, materiais secundários e de embalagem procedentes de outras unidades da Federação e adquiridos pelas indústrias produtoras de bens finais

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incentivados (à exceção de terminais portáteis de telefonia celular, mo-nitor de vídeo para informática e aparelho telefônico por fio combinado com aparelho portátil sem fio, operando em frequência igual ou superior a 900 Mhz e bens de informática e automação, sujeitos a investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, conforme lei federal); .

− 2,5% sobre o valor do saldo devedor do ICMS, apurado em cada período, relacionado aos produtos incentivados com benefício de adicional de crédito estímulo, em razão de empreendimento agrope-cuário localizado no interior do Estado;

− 1,5% (um e meio por cento) sobre o faturamento bruto relativo aos concentrados e extratos de bebidas, à exceção das operações com diferimento indicadas no item 4.b acima;

− 5% (cinco por cento) sobre o valor FOB das importações do exterior de insumos destinados à fabricação de dispositivo de cristal líquido para televisores adquiridos por indústria de bem intermediário.

> legislação aplicável:

Convênio CONFAZ nº 65/88Lei Estadual nº 2.826/03 (Lei de Incentivos do Estado do Amazonas)Decreto Estadual nº 20.686/99 (Regulamento do ICMS do Estado do Amazonas)

Incentivos Municipais

1) isenção: por 10 anos de IPTU, a contar da data de aprovação do projeto na SUFRAMA, para empresas que gerem, no mínimo, quinhentos empregos diretos, no início de sua atividade, mantendo este número duran-te o gozo do benefício.

2) isenção: por 10 anos da Taxa de Licença para Funcionamento (Alva-rá), a contar da data de aprovação do projeto na SUFRAMA, para empre-sas que gerem, no mínimo, quinhentos empregos diretos, no início de sua atividade, mantendo este número durante o gozo do benefício.

obs.: esses benefícios demandam regulamentação até hoje não publicada.

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79A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS

> legislação aplicável:

Lei Municipal nº 427, de 08 de janeiro de 1998.

Tratamento específico para bens de informática.

Seguem os benefícios vinculados à produção de bens de informática no âmbito da ZFM:

1) Redução: do imposto de Importação (II) para matérias primas, pro-dutos intermediários, materiais secundários e de embalagem, componen-tes e outros insumos de origem estrangeira, empregados na fabricação de bens de informática por empresas da ZFM, quando da remessa para outras regiões do Brasil, mediante aplicação de coeficiente de redução, relaciona-do ao emprego de insumos e mão de obra nacionais.

2) isenção: de IPI para consumo interno na ZFM, bem como para inter-nação as demais regiões do território nacional.

obs.: Para concessão desses benefícios, a empresa que tenha como fi-nalidade a produção de bens e serviços de informática deverá empregar, anualmente, no mínimo 5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto no mercado interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de informática incentivados na forma desta Lei (deduzidos os tributos cor-respondentes a tais comercializações, bem como o valor das aquisições de produtos incentivados na forma do § 2o deste artigo, ou da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, ou do art. 4o da Lei no 11.484, de 31 de maio de 2007) em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), a serem reali-zadas na Amazônia, conforme projeto elaborado pelas próprias empresas, com base em proposta de projeto apresentado à SUFRAMA e ao Ministé-rio da Ciência e Tecnologia.

3) Redução: até 31 de dezembro de 2014, do percentual de investimento acima apontado, na proporção de 25% (vinte e cinco por cento), na fabri-cação de microcomputadores portáteis e de unidades de processamento digitais de pequena capacidade, baseadas em microcomputadores, de valor até R$ 11.000,00 (onze mil reais), unidades de discos magnéticos e ópticos, circuitos impressos com componentes elétricos e eletrônicos montados, gabinetes e fontes de alimentação, reconhecíveis como exclusiva ou prin-cipalmente destinados a tais equipamentos, e exclusivamente sobre o fatu-

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80 PEDRO CâMARA JUNIOR / LUIZ FELIPE BRANDÃO OZORES

ramento bruto decorrente da comercialização desses produtos no mercado interno.

> legislação aplicável:

Lei nº 8.387, de 30 de dezembro de 1991;

Pesquisa e Desenvolvimento

Como visto, a contrapartida dos benefícios vinculados à produção de bens de informática na ZFM consiste na promoção de investimentos anu-ais em pesquisa e desenvolvimento, com resultados voltados à Amazônia, correspondentes, no mínimo, a cinco por cento do faturamento bruto no mercado interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de in-formática incentivados na forma desta Lei (deduzidos os tributos corres-pondentes a tais comercializações, bem como o valor das aquisições de produtos incentivados na forma do § 2o deste artigo, ou da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, ou do art. 4o da Lei no 11.484, de 31 de maio de 2007).

No mínimo, 2,3% do faturamento bruto acima mencionado deverá ser aplicado da seguinte forma:

- Convênio com centros ou institutos de pesquisa, entidades brasileiras de ensino, oficiais ou reconhecidas, com sede ou estabelecimento principal na Amazônia Ocidental;

− Sob a forma de recursos financeiros, por meio de depósitos trimes-trais em favor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, com destinação não inferior a cinquenta por cento a universidades, faculdades, entidades de ensino ou centros ou institutos de pesquisa, criados ou mantidos pelo Poder Público na Amazônia Ocidental.

- Obs.: Estão excluídas dessa obrigação empresas cujo faturamento bru-to anual seja inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais).

As atividades de pesquisa e desenvolvimento, consideradas neste tópico, abrangem as seguintes atividades:

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81A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS

- Trabalho teórico ou experimental que resulte em conhecimento ino-vador;

- Trabalho sistemático, voltado à produção de novos materiais, disposi-tivos, programas de computador, implementação de novos processos, sistemas ou serviços, bem como para aperfeiçoar os já produzidos ou implantados;

- Formação e capacitação profissional (níveis médios e superior), prefe-rencialmente em tecnologias da informação;

- Serviço científico e tecnológico de assessoria, consultoria, gestão tec-nológica, fomento à inovação, gestão de propriedade intelectual, bem como implantação e operação de incubadora da base tecnológica.

Sob este aspecto, não se considera como atividade de pesquisa e desen-volvimento a doação de bens e serviços de informática.

O investimento em análise deve ser objeto de prestação de contas anual ao Poder Executivo, demonstrando o cumprimento, no ano anterior, das obrigações acima indicadas, através de relatórios descritivos das ativida-des de pesquisa e desenvolvimento.

> legislação aplicável:

Lei nº 8.387, de 30 de dezembro de 1991.

Processo Produtivo Básico – PPB

A produção de bens industrializados na ZFM, mediante projeto aprova-do junto à SUFRAMA, deve obedecer a Processo Produtivo Básico – PPB, cujos critérios são estabelecidos em ato conjunto do Ministério do Desen-volvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Compreende-se por Processo Produtivo Básico – PPB o conjunto mí-nimo de operações, no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva industrialização de determinado produto (art. 13, do Decreto 6.008/06).

A análise, fixação, alteração ou suspensão de etapas de um PPB, no âmbito da ZFM, ficam a cargo do Grupo Técnico Interministerial de Aná-

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82 PEDRO CâMARA JUNIOR / LUIZ FELIPE BRANDÃO OZORES

lise de PPB, composto por membros dos dois Ministérios. A alteração de um PPB implica o seu cumprimento por todas as empresas fabricantes do produto.

> legislação aplicável:

Decreto Federal nº 6.008, de 29 dezembro de 2006.

6. ConCluSão

As características do modelo Zona Franca de Manaus são únicas e re-presentam grande importância não só à Região Amazônica – por agregar desenvolvimento e ajudar a manter os elevados índices de conservação da floresta – mas também para todo o Brasil, especialmente no tocante à sua produção industrial e à ocupação demográfica que vem sendo impulsiona-da naquela região.

Todo este empenho e sucesso da ZFM só é possível com a manutenção – direta e indireta, frise-se – dos incentivos fiscais que lhe são inerentes, assegurados constitucionalmente, garantindo àqueles que nela investem boa dose de segurança jurídica, que, inclusive, por diversas vezes recebeu o referendum do Supremo Tribunal Federal, quando lhe tentaram questio-nar esta condição.

O objetivo do presente trabalho foi trazer, de forma resumida e sistê-mica, uma visão geral sobre a Zona Franca de Manaus, seja a título de informação, seja para auxiliar a compreensão quanto à sua sustentabili-dade, cuja maior prova é a permanência das empresas multinacionais nela instaladas há longo tempo.

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FuNdo de INVestIMeNto eM PartIcIPaÇÕes – FIP

luiz gustavo a. S. [email protected]

Ex-Presidente da ALAE, Vice-Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/RJ

Diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro - ABDF Membro do general council da International Fiscal Association - IFA

Sócio do Escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados (Aliado no Rio e Janeiro/RJ)

felipe de freitas RamosAssociado do Escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados

(Aliado no Rio e Janeiro/RJ)

bReve HiStóRiCo e

Os fundos private equity foram originalmente concebidos na década de 1980 nos EUA, país que, em virtude da adoção ao sistema de Com-mon Law, possui uma maior flexibilidade na criação de novos institutos jurídico-econômicos. O termo “private equity” está relacionado ao tipo de capital comumente empregado nos fundos, constituído pela comu-nhão de recursos privados e relações contratuais entre investidores e gestores.

Nesse contexto, os fundos de private equity surgiram como uma nova opção de financiamento de pequenas e médias empresas. Este instituto consiste basicamente na reunião, através da criação de um fundo de inves-timentos, de um grupo de investidores que adquire relevantes participa-ções em pequenas e médias empresas (geralmente de capital fechado), com as quais desenvolvem parcerias ativas, participando da administração e adicionando valor à empresa. Via de regra, no momento em que a socieda-de atinge maior grau de desenvolvimento, o fundo de private equity aliena a sua participação, obtendo expressivos retornos.

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84 LUIZ GUSTAVO A. S. BICHARA / FELIPE DE FREITAS RAMOS

A utilização de private equity em transações de M&A vem crescendo substan-cialmente nos últimos anos. Em 2007, período pré-crise, as operações no Brasil envolvendo tais fundos representaram 15,3% dos negócios divulgados, totali-zando 53 deals. No mesmo ano, esse percentual foi de aproximadamente 1/3 dos negócios nos EUA e na Europa. De 2005 a 2007, as firmas de private equity nos EUA gastaram aproximadamente US$ 1,6 trilhão em aquisições. No Brasil, também em 2007, apenas o segmento de imóveis comerciais movimentou R$ 3,7 bilhões, sendo que as operações envolvendo fundos private equity representaram 30% desse valor.

Superado o auge da crise financeira mundial, é possível identificar um maior movimento por parte dos fundos private equity em operações de compra de participações, seja no Brasil, seja nos EUA.

Diante desse breve quadro, passemos à análise dos aspectos legais que regulam os Fundos de Investimentos em Participações – FIP (“FIP” ou “Fundo”).

vantagenS do fiP

No Brasil, o FIP, surgiu para suprir a demanda existente por um ins-trumento adequado nos moldes do private equity estrangeiro. Antes da regulamentação do FIP, não havia meios satisfatórios para que recursos de investidores fossem agregados visando o investimento em companhias em desenvolvimento ou expansão.

No ano de 2003, foi publicada a Instrução n° 391, expedida pela Comis-são de Valores Mobiliários – CVM, estabelecendo as regras para constitui-ção, administração e funcionamento do FIP, sendo referido fundo definido como um condomínio fechado que se destina à aquisição de ações, debên-tures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conver-síveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, sejam estas abertas ou fechadas. Seu principal objetivo é a captação e investimento de recursos em ativos pré-selecionados, com a reversão dos resultados aos seus investidores ou direcionamento para outros investimentos.

Um dos atrativos do FIP diz respeito à flexibilidade de sua estrutura, onde os cotistas têm maior liberdade – respeitados determinados baliza-dores – para moldar o Fundo conforme seus interesses. Nesses Fundos é permitido disciplinar em seu regulamento o tratamento a ser dado a rele-

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85FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP

vantes questões, tais como, exemplificativamente, políticas de investimen-to, patrimônio líquido, chamada de capital, amortização de cotas, prazo de duração do fundo, entre outras. Isso permite uma melhor composição entre os diversos interesses dos investidores.

Até mesmo o registro dos FIPs na CVM é mais simples, o qual é conce-dido automaticamente mediante a apresentação dos documentos indicados na Instrução CVM n° 391.

Contudo, não resta dúvida de que são os benefícios fiscais oferecidos para os FIPs os grandes responsáveis pelo seu desenvolvimento no mer-cado brasileiro, principalmente como veículo para fomentar uma maior participação de capital estrangeiro, como se verá mais adiante.

PRoCeSSo deCiSóRio

A Instrução CVM n° 391 estabelece que o FIP deve participar do pro-cesso decisório das companhias nas quais investe, definindo as suas políti-cas estratégicas e atuando na gestão dessas companhias.

A participação do FIP no processo decisório da companhia investida pode ocorrer por meio dos seguintes mecanismos: (a) detenção de ações que integrem o respectivo bloco de controle, (b) celebração de acordo de acionistas, ou, ainda, (c) celebração de ajuste de natureza diversa ou ado-ção de procedimento que assegure ao Fundo efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão.

O objetivo da participação dos FIPs na administração das companhias investidas é proporcionar ao negócio em desenvolvimento ou expansão um modelo de gestão mais profissional e estratégico, buscando a maximiza-ção do valor de mercado destas companhias, para posterior realização do investimento.

ComPanHia feCHada. goveRnança CoRPoRativa

Conforme já mencionado, uma das inovações do regulamento do FIP foi a possibilidade de investimento em companhias fechadas. No entanto, para que a companhia fechada esteja apta a receber investimentos do Fundo, e preciso que esta observe as seguintes práticas de governança corporativa:

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86 LUIZ GUSTAVO A. S. BICHARA / FELIPE DE FREITAS RAMOS

(i) inexistência de partes beneficiárias; (ii) mandato unificado de um ano para os conselheiros de Administração; (iii) disponibilização de contratos com partes relacionadas, acordos de acionistas e programas de opções de aquisição de ações ou outros títulos ou valores mobiliários de emissão da companhia; (iv) adesão à câmara de arbitragem para resolução de conflitos societários; (v) compromisso formal de, no caso de abertura de capital da companhia investida, aderir a um dos segmentos especiais criados pela Bovespa; e (vi) auditoria das demonstrações financeiras.

ComPRomiSSo de inveStimento

O investimento no FIP poderá ser efetivado através de compromisso, median-te o qual o investidor ficará obrigado a integralizar o valor do capital compro-metido à medida que o administrador do fundo realizar chamadas, nos termos estabelecidos no compromisso de investimento. Isto permite que o desembolso ocorra apenas após a identificação de oportunidades de investimento.

Quem Pode inveStiR

Somente “Investidores Qualificados” podem investir nos FIPs, sendo estes classificados como: (i) instituições financeiras, (ii) companhias seguradoras e sociedades de capitalização; (iii) entidades abertas e fechadas de previdên-cia complementar; (iv) pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimen-tos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio; (v) fundos de investimento destinados exclusivamente a investido-res qualificados; e (vi) administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios.

O valor mínimo de subscrição de cotas por investidor é de R$100.000,00 (cem mil reais). As cotas correspondem a frações ideais do patrimônio líquido do fundo e devem ter a forma nominativa.

ConStituição

O FIP necessita de prévio registro na CVM, mas, conforme mencionado anteriormente, este é automaticamente concedido mediante o protocolo na CVM dos documentos listados na Instrução CVM n° 391.

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87FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP

A montagem de um FIP pode ser estruturado de forma que suas cotas sejam destinadas à distribuição pública, as quais são ofertadas a investi-dores no mercado de capitais, ou, alternativamente, que sejam detidas por investidor ou grupo de investidores privados que opte pela constituição de um FIP como veículo para a realização de determinado investimento, ou de investimentos com determinado perfil.

Nesta segunda modalidade, poderá ser requerida à CVM a isenção de certos requisitos referentes à distribuição pública de cotas. Aqui é comum a celebração, pelos investidores, de contratos de associação muito semelhan-tes aos acordos de acionistas, através dos quais se estabelece os direitos e obrigações de grupos de investidores num cenário de aplicação conjunta.

ClaSSeS de CotaS

É permitida a criação de uma ou mais classes de cotas, às quais poderão ser assegurados poderes políticos especiais para as matérias que venham a ser especificadas no regulamento. Adicionalmente, às cotas de determina-da classe podem ser assegurados direitos econômico-financeiros distintos, exclusivamente quanto à fixação das taxas de administração e de perfor-mance e respectivas bases de cálculo.

ReSgate de CotaS

Por se tratar de um condomínio fechado, o FIP não admite o resgate das cotas antes do prazo de encerramento do fundo. No entanto, o Regulamen-to do FIP pode permitir que as cotas sejam “amortizadas” durante o prazo de duração do Fundo, em caso de venda de algum ativo integrante de sua carteira, o que permite ao cotista receber retorno decorrente de desinvesti-mento antes do término do prazo de duração do Fundo.

adminiStRação do fiP

O FIP deverá ser administrado por pessoa jurídica autorizada pela CVM a exercer a atividade de administração de carteira de valores mobiliários, devendo esta indicar o diretor responsável pela representação do Fundo perante a CVM.

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88 LUIZ GUSTAVO A. S. BICHARA / FELIPE DE FREITAS RAMOS

As funções de administrador e de gestor poderão ser exercidas pela mesma pessoa jurídica legalmente habilitada, podendo, alternativamente, o administrador contratar terceira pessoa, igualmente habilitada para o exercício profissional de administração de carteira, para gerir a carteira do fundo.

Quando a administração do FIP não for exercida por instituição finan-ceira integrante do sistema de distribuição, o administrador deverá contra-tar instituição legalmente habilitada para execução dos serviços de distri-buição de cotas e de tesouraria, tais como: I – abertura e movimentação de contas bancárias em nome do fundo; II – recebimento de recursos quando da emissão ou integralização de cotas, e pagamento quando da amortiza-ção ou do resgate, pelo FIP, de cotas ou quando da liquidação do Fundo; III – recebimento de dividendos e quaisquer outros rendimentos; IV – liquida-ção financeira de todas as operações do Fundo.

A autorização para o exercício da atividade de administração de carteira de valores mobiliários somente é concedida a pessoa natural domiciliada no País que tiver: I – graduação em curso superior, em instituição reconhecida oficialmente, no País ou no exterior; II – expe-riência profissional de: a) pelo menos três anos em atividade específica diretamente relacionada à gestão de recursos de terceiros no mercado financeiro; ou b) no mínimo cinco anos no mercado de capitais, em ati-vidade que evidencie sua aptidão para gestão de recursos de terceiros; e III – reputação ilibada.

A CVM pode, excepcionalmente, dispensar o atendimento ao requisito previsto no inciso I (graduação em curso superior), desde que comprovada a experiência profissional exigida no inciso II de, no mínimo, sete anos.

A CVM pode, excepcionalmente, dispensar o atendimento ao requisito previsto no inciso II (prazo mínimo de experiência profissional), desde que o interessado possua notório saber e elevada qualificação em área do conhecimento que o habilite ao exercício da atividade de administração de carteira de valores mobiliários. Vale ressaltar que não é considerada como experiência profissional, para fins do atendimento aos requisitos previstos na norma da CVM, a atuação do interessado como investidor no mercado de valores mobiliários ou a administração de recursos de terceiros de forma não remunerada.

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89FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP

vedaçõeS

Naturalmente, existem vedações à conduta do administrador, enquanto representante do FIP, tais como, exemplificativamente:

(i) Contrair ou efetuar empréstimos, salvo nas modalidades estabeleci-das pela CVM;

(ii) Prestar fiança, aval, aceite ou coobrigar-se sob qualquer outra forma;

(iii) Aplicar recursos: (a) no exterior; (b) na aquisição de bens imóveis; e (c) na subscrição ou aquisição de ações de sua própria emissão.

(iv) Salvo aprovação da maioria dos cotistas, aplicar recursos em títu-los e valores mobiliários de companhias nas quais participem: (a) o administrador, o gestor, os membros de comitês ou conselhos cria-dos pelo Fundo e cotistas titulares de cotas representativas de 5% do patrimônio do fundo, seus sócios ou respectivos cônjuges, com porcentagem superior a 10% do capital votante e total; e (b) quais-quer das pessoas mencionadas no item (a) que (1) estejam, dieta ou indiretamente, envolvidas na estruturação financeira de operações de valores mobiliários a serem subscritos pelo Fundo, ou (2) façam parte do conselho de administração, consultivo ou fiscal da compa-nhia emissora dos valores mobiliários a serem subscritos pelo fundo, antes do primeiro investimento por parte do Fundo.

aSPeCtoS tRibutáRioS

Os rendimentos auferidos pelos investidores no resgate ou na alienação de cotas do FIP, inclusive quando decorrentes da sua liquidação, ficam su-jeitos à tributação do imposto de renda na fonte à alíquota de 15%, incidente sobre a diferença positiva entre o valor de resgate e o custo de aquisição das cotas (ganho de capital). Desta forma, diferentemente do que ocorre em outros tipos de fundos, no FIP não há a figura do “come-cotas” semestral, recaindo a tributação somente quando do resgate/alienação das cotas.

Para gozar do benefício da alíquota de 15% acima referida, o FIP deverá ter a sua carteira composta de, no mínimo, 67% de ações de sociedades anônimas, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição e ob-

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90 LUIZ GUSTAVO A. S. BICHARA / FELIPE DE FREITAS RAMOS

servar os limites de diversificação e regras de investimento estabelecidos pela CVM.

Não sendo observadas as mencionadas regras, a tributação dos ren-dimentos do FIP será feita com base na tabela progressiva de IRF (Lei 11.033/04), que varia de 15% a 22,5%.

dividendoS diStRibuídoS diRetamente ao CotiSta

Os dividendos e juros sobre o capital próprio gerados pelas companhias investidas do FIP podem ser distribuídos aos cotistas do FIP. No caso da distribuição de dividendos, a exemplo do que ocorre nas sociedades, o cotista do FIP não está sujeito ao pagamento de imposto de renda. No que se refere à distribuição de juros sobre capital próprio, este é tributado à alíquota de 15%, seguindo a regra geral.

inveStidoR eStRangeiRo

Nos termos da Lei 11.312/06, os rendimentos auferidos nas aplicações em FIP por investidor estrangeiro ficam sujeitos à alíquota zero do impos-to de renda, desde que respeitas as seguintes regras: (a) o FIP deverá ter a carteira composta de, no mínimo, 67% de ações de sociedades anônimas, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; (b) o investidor estrangeiro não poderá deter, isoladamente ou em conjunto com pessoas a ele ligadas, 40% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelo Fundo, ou as cotas detidas pelo investidor estrangeiro não poderão lhe conferir direi-to ao recebimento de rendimento superior a 40% do total de rendimentos auferidos pelos fundos; (c) o FIP não poderá deter em sua carteira títulos de dívida em percentual superior a 5% do seu patrimônio liquido, exceto títulos públicos federais; ou (d) o investidor estrangeiro não poderá ser residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota inferior a 20%.

Vale ainda ressaltar que o referido benefício fiscal apenas se aplica aos investidores qualificados, que realizam suas aplicações no FIP de acordo com as normas e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacio-nal – CMN.

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91FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP

ConSideRaçõeS finaiS

Os FIP s têm desenvolvido importante papel no desenvolvimento do mercado brasileiro, tendo se consolidado como atrativo veículo de investi-mento, ao permitir a diversificação da carteira de investimentos, composta tato por participações em companhias abertas como fechadas; além, é cla-ro, da maleabilidade de sua estrutura interna, o que permite uma melhor acomodação entre os interesses dos investidores.

Em relação aos investidores não residentes que se enquadram no requi-sitos legais que lhes assegurem tratamento fiscal diferenciado, os FIPs têm atraído especial atenção, em virtude dos benefícios fiscais já acima mencionados.

Por se tratar de instrumento jurídico relativamente recente no País, a tendência é que a utilização dos FIP s como veículo de investimento se desenvolva ainda mais nos próximos anos.

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FusÕes e aQuIsIÇÕes

Paula andrade R.ChavesGraduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Ex-advoga-

da estrangeira do escritório Holland & Knight LLP (Nova Iorque) LL.M Cum Laude pela Northwestern University School of Law

Especialista em Business Administration pela Kellogg School of Management. Sócia do Tostes & Coimbra Advogados

(Aliado em Belo horizonte/MG)

Paulo Roberto Coimbra SilvaDoutor e Mestre em Direito Tributário pela UFMG

Professor da Faculdade de Direito da UMFG Coordenador do Curso de Pós-Graduação do CEAJUFE

Sócio do Tostes & Coimbra Advogados(Aliado em Belo Horizonte/MG)

intRodução- fuSõeS e aQuiSiçõeS no bRaSil

O atual cenário econômico Brasileiro, aliado à economia globalizada, faz com que as fusões e aquisições no Brasil estejam cada vez mais em desta-que. A economia brasileira vive, sem dúvida, seu “boom econômico”.

A década de 1990 representou o início de uma nova era econômica para o Brasil, que deixou de ser uma economia fechada e sem competitividade para se tonar uma economia aberta e globalizada, caracterizada principal-mente pela redução da proteção tarifária.

O novo perfil econômico proporcionou o acesso a matérias-primas, má-quinas e equipamentos mais modernos e eficientes, fazendo aumentar a competitividade de grande parte dos segmentos da economia brasileira. Aliado a isso, o Plano Real reforçou o novo cenário, inserindo o Brasil no mundo globalizado.

Neste contexto, as fusões e aquisições são um meio eficaz das empresas obterem recursos para investimentos em novas tecnologias ou para adap-tação de seu porte e estrutura ao mercado globalizado.

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93FUSÕES E AQUISIÇÕES

De acordo com o relatório de abril de 2010 elaborado pela área de Cor-porate Finance da PricewaterhouseCoopers sobre as operações de fusão e aquisição no Brasil, o primeiro quadrimestre de 2010 registrou um total de 236 negócios, volume 39% maior que o mesmo período do ano anterior e recorde histórico.

O relatório analisou, ainda, o volume de transações realizadas desde 2003 e confi rmou a atratividade do Brasil no cenário mundial, bem como a recuperação do pós- crise. Vide quadro abaixo:

Outro dado interessante é que as aquisições de controle predominam como modelo de transação, representando 50% delas.

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94 PAULA ANDRADE R.CHAVES / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Os setores que se destacam com maior volume de transações são ali-mentos com 11%, Química/Petroquímica com 10%, TI com 9% e Banco e Serviços representam 16%.

Pretende-se, com este trabalho, apresentar questões jurídicas relevan-tes no processo de aquisição de empresas brasileiras e, em um segundo momento, focalizar as questões tributárias relacionadas a esse processo. Por certo que este breve artigo não tem por condão esgotar o assunto, mas tão somente expor aspectos jurídico-legais envolvidos em reestruturações societárias no Brasil e que devem ser considerados na tomada de decisão pelo investidor.

Fusões e Aquisições

No Brasil, utiliza-se a expressão fusões e aquisições ou M&A (mergers and acquisitions) para englobar não somente as operações de aquisição de ações, quotas ou ativos, mas também para tratar das operações de fusões propriamente ditas, incorporações ou cisões.

As operações de fusão, cisão e incorporação estão reguladas nas legisla-ções dos dois principais tipos societários brasileiros – sociedades limitadas e sociedades anônimas.

A sociedade limitada está regulada no Código Civil (Lei n.º 10.406/02), artigos 1.052 a 1.087 (“Código Civil”) e já as sociedades anônimas contam com legislação federal própria – Lei n.º 6.404/76 (“Lei das S.A”).

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95FUSÕES E AQUISIÇÕES

Até o advento do atual Código Civil, as fusões, cisões e incorporações eram reguladas exclusivamente pela Lei das S.A, que se aplicava para to-dos os tipos societários. Atualmente, esta lei se aplica para as sociedades limitadas somente em caso de omissão do Código Civil.

Os artigos 228 da Lei das S.A e 1.119 do Código Civil rezam que fusão é a operação em que se unem duas ou mais sociedades para formar socie-dade nova, que lhes sucederá em direitos e obrigações.

Já a incorporação, na definição dos artigos 227 da Lei da S.A e 1.116 do Código Civil, seria a operação em que uma ou mais sociedades são absor-vidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.

O legislador brasileiro optou por definir a incorporação diferente da fu-são. Conforme se observa, nesta última as duas sociedades dão origem a uma nova sociedade. Contudo, em ambas as operações dão-se a sucessão, ou seja, a nova sociedade ou a sociedade que absorve o patrimônio sucede a outra em todos seus direitos e obrigações.

Neste sentido, a lei prevê também regras para a preservação dos direitos dos credores na incorporação ou fusão. O art. 2321 da Lei das S.A, bem como o art. 1.1222 do Código Civil estabelecem que os atos relativos à incorporação ou fusão deverão ser publicados, cabendo aos credores, no prazo de 60 (sessenta) dias no caso de sociedade anônima ou de 90 (noven-ta) dias no caso de sociedade limitada, pleitear judicialmente a anulação da operação.

Observa-se, assim, que a sociedade não precisa de aprovação prévia dos credores para deliberar sobre uma operação de incorporação ou fusão. Contudo, se tal transação acarretar prejuízo para o credor, a operação po-derá ser anulada judicialmente.

Já a cisão, prevista no artigo 229 da Lei das S.A é uma operação em que a companhia transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais socieda-

1 Art. 232, da Lei das S.A: “Até sessenta dias depois de publicados os atos relativos à incorporação ou à fusão, o credor anterior por ela prejudicado poderá pleitear judicialmente a anulação da operação; findo o prazo, decairá do direito o credor que não tiver exercido.”

2 Art. 1.122, do Código Civil de 2002: “Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.”

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96 PAULA ANDRADE R.CHAVES / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

des já constituídas, extinguindo-se a companhia cindida se houver versão total do patrimônio ou dividindo-se seu capital se a versão foi parcial.

Afere-se da referida definição que a cisão também é um processo de sucessão, porém um pouco mais complexo. A cisão poderá ser total ou parcial e não implica necessariamente na extinção da sociedade cindida, que poderá continuar com parcela do patrimônio, no caso de cisão parcial, permanecendo com determinados direitos e obrigações.

Neste contexto, o art. 2333 prevê que no caso de cisão total (quando a so-ciedade cindida se extingue), as sociedades sucessoras responderão pelos passivos da sociedade extinta. Tratando-se de cisão parcial, a princípio, a sociedade cindida e as sociedades sucessoras responderão solidariamente pelas obrigações da sucedida.

Contudo, o parágrafo único do art. 233 permite que o ato de cisão par-cial estipule que as sociedades que absorverem parcela do patrimônio da cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem trans-feridas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, desde que nenhum credor se oponha no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data da publicação do ato.

Vale observar que no caso de cisão de sociedade anônima, o credor não poderá pleitear judicialmente a anulação da operação ou desfazimento do ato como na hipótese de incorporação ou fusão. Na cisão de sociedade anônima, o credor terá direito de se opor à regra de limitação da cláusu-la de responsabilidade. Outra diferença é que a oposição não precisa ser motivada, já na fusão ou incorporação o credor deve provar prejuízo para nulidade do ato. Destaca-se, contudo, que o art. 1.122 do Código Civil,

3 Art. 233, da Lei das S.A: “Na cisão com extinção da companhia cindida, as socie-dades que absorverem parcelas do patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia cindida. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obriga-ções da primeira anteriores à cisão.

Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que ab-sorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credo anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de noventa dias a conta da data da publicação dos atos da cisão.”

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97FUSÕES E AQUISIÇÕES

por sua vez, também permite a anulação da cisão no caso de sociedade limitada.

Neste sentido, a cisão parcial é muitas vezes recomendada quando há intenção de adquirir somente parte dos ativos de uma empresa ou parte do negócio, já que possibilita que a sucessão não seja integral, resguardando direitos e obrigações para o adquirente e para o vendedor.

De outro lado, a fusão ou incorporação é muito utilizada em reestrutu-rações societárias de empresas do mesmo grupo. Contudo, não há regras definidas. A escolha pela melhor operação societária depende da análise individual de cada caso. É fundamental que seja analisado o passivo de cada empresa, bem como a intenção das partes.

inStRumentaliZação ContRatual daS oPeRaçõeS

As fusões e aquisições no Brasil são realizadas, em sua maioria, obser-vando os mesmos procedimentos utilizados internacionalmente.

O processo se inicia com a negociação e assinatura de documentos pre-liminares, dentre eles, o acordo de confidencialidade, o memorando de entendimentos (MOU) e a carta de intenções (LOI).

Na maior parte das vezes, estes documentos são assinados anterior-mente à realização de uma auditoria legal na empresa alvo (ou Due Diligence) e estabelecem as condições preliminares básicas para a ne-gociação. Geralmente o MOU é utilizado quando se pretende a criação de uma nova empresa ou a estruturação conjunta de um novo negócio, ao passo que a Carta de Intenções é utilizada nas aquisições propria-mente ditas.

Além destes documentos, muitas vezes também é celebrado, após a re-alização da due diligence, um acordo de investimento ou term sheet (em especial nas operações de private equity), que consta todas as condições financeiras da transação.

Os documentos preliminares podem ser não vinculantes ou vinculan-tes, sendo imprescindível constar cláusula contratual que expressamente declare quais disposições contratuais são vinculantes e, por conseguinte executáveis.

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98 PAULA ANDRADE R.CHAVES / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Definidas as condições comerciais e contratuais, as partes, se for o caso, assinarão um contrato definitivo que poderá assumir a forma de Contrato de Compra e Venda de Quotas ou Ações, Contrato de Subscrição de Ações, Con-trato de Compra e Venda de Ativos ou os documentos exigíveis legalmente para fusão, cisão ou incorporação, quais sejam, protocolo e justificação.

No Direito Brasileiro, a Lei das S.A prevê os instrumentos contratuais e societários que devem formalizar as operações de fusão, cisão ou incor-poração.

O protocolo está previsto no art. 224 4da Lei das S.A e é basicamente uma proposta que estabelece as condições da operação e deverá ser firma-do pelos órgãos de administração ou sócios da sociedade interessada.

Modesto Carvalhosa esclarece que:

“(...) o protocolo constitui convenção de natureza pré-contratual que manifesta e vincula a vontade das sociedades envolvidas através dos órgãos de administração da companhia ou dos sócios gerentes das so-ciedades de pessoas. O protocolo está sujeito à aprovação pela Assem-bléia Geral (art. 225), porém, com efeitos próprios e autônomos no que respeita à responsabilidade por sua efetivação das sociedades”.5

4 Art. 224, da Lei das S.A: “As condições da incorporação, fusão ou cisão com in-corporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá:

I - o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição;

II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão;

III - os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores;

IV - a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das socie-dades possuídas por outra;

V - o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação;

VI - o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação;

VII - todas as demais condições a que estiver sujeita a operação. Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estimativa”5 CARVALHOSA, Modesto, “Comentários à Lei de Sociedades Anônimas”; Ed. Sa-

raiva; 2002; 3ª Ed., 2º vol., Revista e Atualizada; pg. 237.

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99FUSÕES E AQUISIÇÕES

Já a justificação é como se fosse uma exposição de motivos que os ór-gãos da administração devem apresentar aos sócios ou acionistas, na qual se justifica a proposta da reorganização societária e deverá conter todos os itens previstos no artigo 2256 da Lei das S.A.

due diligenCe

A auditoria legal ou due diligence é imprescindível em qualquer proces-so de compra e venda de empresas no Brasil para quantificação e mensu-ração do real passivo ou contingências da empresas alvo.

Neste mister, é recomendável que o processo seja conduzido por um advogado local, que tenha conhecimento da legislação brasileira e possa analisar com a devida cautela cada aspecto jurídico legal da empresa.

Dentre os aspectos jurídicos que merecem maior destaque para a análise em qualquer processo de compra, destacam-se aqueles de natureza traba-lhista, ambiental e tributária.

aSPeCtoS tRabalHiStaS

Sucessão Total

A legislação trabalhista brasileira é extremamente protetiva ao trabalha-dor, gerando uma justiça trabalhista tida como paternalista. A Constituição Federal de 1988 dá especial importância aos Direitos Sociais e atualmente os encargos trabalhistas e sociais são excessivos.

6 Art. 225, da Lei das S.A: “As operações de incorporação, fusão e cisão serão sub-metidas à deliberação da assembléia-geral das companhias interessadas mediante justificação, na qual serão expostos:

I - os motivos ou fins da operação, e o interesse da companhia na sua realização; II - as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modifi-

cação dos seus direitos, se prevista; III - a composição, após a operação, segundo espécies e classes das ações, do ca-

pital das companhias que deverão emitir ações em substituição às que se deverão extinguir;

IV - o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes.”

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100 PAULA ANDRADE R.CHAVES / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Neste contexto, em qualquer procedimento de due diligence a auditoria das obrigações trabalhista é uma tarefa de grande relevo. Merece atenção a verificação do cumprimento pela empresa de todas as obrigações traba-lhistas, tais como, mas sem se limitar, piso salarial e sua irredutibilidade, décimo - terceiro salário, aviso prévio, férias proporcionais, licença ges-tante e licença paternidade, jornada de trabalho, etc.

Os artigos 107 e 4488 da Consolidação das Leis do Trabalho tratam da sucessão trabalhista, e prevêem que os direitos adquiridos pelos emprega-dos não serão afetados por qualquer modificação na estrutura jurídica da empresa e que a mudança na propriedade da empresa não altera o contrato de trabalho dos empregados.

Os dispositivos consolidados visam à proteção do trabalhador em caso de alteração na estrutura jurídica da empresa ou na troca de sua titularidade. Os fundamentos da referida proteção são o “princípio da continuidade do contrato de trabalho” e a regra de que o risco do negócio é do empregador.

No Direito do Trabalho Brasileiro basta que ocorra a troca da pessoa do titular da Sociedade, que é a empregadora, para que se opere a sucessão, havendo ou não algum vínculo jurídico entre o sucessor e o sucedido. O que deve ocorrer para que se caracterize a sucessão de empregador é a manutenção da atividade econômica do sucedido pelo sucessor.

Em sendo assim, a sucessão trabalhista se opera no caso de fusão, incor-poração, transformação ou cisão total, bem como quando um estabeleci-mento de uma determinada empresa passa a ser controlado por outra em-presa, não importando por qual forma comercial se deu a transferência.

Seja qual for a forma utilizada, ocorrendo sucessão de empregador, os direitos dos empregados permanecem inalteráveis, mantidas todas as van-tagens adquiridas. A Jurisprudência também tem se manifestado no senti-do de que o sucessor é responsável não só pelos contratos de trabalho em vigor na ocasião da sucessão, mas também aqueles extintos antes desse fato, mas ainda não totalmente quitados.

7 Art. 10, da CLT: “Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.”

8 Art. 448, da CLT: “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.”

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101FUSÕES E AQUISIÇÕES

Desta forma, considerando as regras interpretativas da sucessão do em-pregador conclui-se que:

(i) Havendo transferência, o sucessor passa a ser responsável pelos con-tratos que estavam em vigor ao menos até o momento da sucessão, ficando, entretanto, o sucedido como responsável subsidiário por es-tes contratos;

(ii) O sucedido fica responsável pelos contratos encerrados antes da su-cessão, ficando, entretanto, o sucessor responsável subsidiário;

(iii) Ainda que tenha ocorrido apenas negociação em relação a algum estabelecimento, o sucessor fica responsável subsidiário pelos crédi-tos dos empregados de outro estabelecimento, se a transferência foi calcada em fraude contra os trabalhadores.

Responsabilidade do empregador e desconsideração da personalidade jurídica

No Direito do Trabalho existe a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para que as dívidas trabalhistas da empresa, no caso de inadimplência, sejam também quitadas pelo patri-mônio dos sócios ou empresas do grupo.

Neste sentido, o artigo o §2º do artigo 2º9 da Consolidação das Leis Tra-balhistas (CLT) estabelece que as empresas que estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, formando grupo, serão solidariamente responsáveis pelas obrigações trabalhistas à empresa principal e cada uma das subordinas.

Já o Código Civil, por sua vez, aplicado também nas relações empregatí-cias, estabelece no art. 5010 que, no caso de abuso da personalidade jurídi-

9 Artigo 2º § 2º, da CLT: “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solida-riamente responsáveis à empresa principal e cada uma das subordinadas.”

10 Art. 50, do Código Civil de 2002: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz

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ca, o juiz pode decidir que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores, ou sócios da pessoa jurídica.

Desta forma, concluiu-se que a legislação permite que o Juiz do Traba-lho desconsidere a personalidade jurídica, de acordo com as hipóteses per-mitidas em lei, recaindo o débito trabalhista sobre o patrimônio dos sócios, desde que a empresa não tenha bens suficientes para quitar a dívida.

aSPeCtoS ambientaiS

A Constituição Brasileira de 1988 (“CF/88”) trouxe um capítulo espe-cífico sobre questões ambientais, definindo o meio ambiente como direito de todos e conferindo-lhe a natureza jurídica de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, incumbindo ao poder público e à coletividade o dever de zelar e preservar para que as próximas gerações usufruam livremente de um meio ambiente equilibrado.

Nesse sentido, o art. 22511 da Constituição Federal de 1988 é a base e o perímetro legal para toda a legislação que trata do meio ambiente, vez que neste dispositivo constitucional estão inseridos os deveres do Ministério Público para fiscalizar e assegurar a efetividade daquele que é definido como o “direito de todos”, bem como estão também estipulados os deveres de quem exerce atividades poluidoras, as sanções penais e administrativas, bem como outras providências e estipulações para os entes públicos e pri-vados e o legislador infraconstitucional.

Neste contexto, a Lei nº 9.9605/98 e a Lei nº 9.985/2000 estabelecem, respectivamente, as sanções penais e administrativas no caso de condutas e atividades ilícitas ou lesivas ao meio ambiente, bem como dispõem sobre

decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber in-tervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

11 Art. 225, da Constituição Federal de 1988: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia quali-dade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”

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103FUSÕES E AQUISIÇÕES

o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, as ações que resultem em dano ao meio ambiente e suas sanções ao infrator.

Anteriormente à Constituição Federal de 1988, a Lei n º 6.938/81 já ha-via instituído a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA e criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, incorporando e apri-morando leis estaduais de proteção ambiental, tornando-se um dos mais importantes instrumentos normativos que tem por escopo proteger o meio ambiente, depois da Constituição Federal, pela qual foi recepcionada.

O art. 14, parágrafo 1º12, da referida lei criou o regime da responsabili-dade civil objetiva pelos danos causados ao meio ambiente, sendo neces-sários para estabelecer o dever de reparação somente o dano e nexo de causalidade, excluindo-se o requisito da culpa.

Já o parágrafo 3º do art. 22513 da Constituição Federal, prevê uma trí-plice responsabilização do poluidor, seja pessoa física ou jurídica, a saber: (i) sanção penal, decorrente da responsabilidade penal, (ii) sanção civil em razão da responsabilidade civil objetiva e (iii) sanção administrativa decorrente da responsabilidade administrativa.

Vale ainda ressaltar que o Poder Judiciário Brasileiro tem entendido que o adquirente de um terreno é responsável pela recomposição dos danos, ainda que por ele não causados. Grande parte das decisões reza que o dano ambiental não prescreve nunca e há ações movidas contra os donos de terrenos, cujo dano ou contaminação ocorreu há anos e foi causado por antigos proprietários.

Dito isso, é fácil perceber a importância de uma criteriosa verificação do cumprimento pela empresa das obrigações jurídicas ambientais, bem como de uma due diligence ambiental técnica in loco, com o intuito de

12 Art. 14 §1º, da Lei n 6.938/81: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.”

13 Art. 225 § 3º, da Constituição Federal de 1988: “As condutas e atividades con-sideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

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104 PAULA ANDRADE R.CHAVES / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

apurar o eventual passivo ambiental, seja de natureza administrativa, in-denizatória ou penal.

aSPeCtoS tRibutáRioS

Comuns a todas as operações

A legislação tributária e societária brasileira, no que tange a fusões, aquisições, cisões e transferências de ativos, procura incentivar tais ope-rações na medida em que as isenta de efeitos tributários se efetuadas para fins de re-organizações e planejamento societário.

Assim, operações de fusão e cisão, executadas com o objetivo de con-cretizar uma re-estruturação societária, são isentas de tributos sob a con-dição de que os ativos atingidos sejam avaliados pelo seu valor contábil. Há a possibilidade de alteração dos valores contábeis dos ativos através de avaliações feitas por peritos qualificados, caso em que tributos eventual-mente devidos poderão ser diferidos se presentes os requisitos legais.

Da mesma maneira, operações de integralização de cotas ou subscrição de ações efetuadas mediante a transferência de ativos são isentas de tributos. Caso o valor de alienação do ativo utilizado na integralização implique num ganho de capital apurado com relação ao seu custo contábil de aquisição, o tributo então devido poderá, nos casos em que a lei permite, ser diferido.

Operações de fusão, cisão e de transferência de ativos também não estão sujeitas, em quaisquer casos, a tributos indiretos ou sobre o valor agrega-do, assim como também não há taxação sobre o capital das pessoas físicas ou jurídicas. Em todo caso, porém, serão devidas taxas em função dos registros públicos necessários à concretização das operações, a exemplo das taxas das Juntas Comerciais e dos Cartórios de Registro de Imóveis e de Registro de Títulos e Documentos.

Para o alienante

O alienante de participações societárias no Brasil, seja ele pessoa jurídi-ca ou pessoa física, deve apurar se sua venda resulta em ganho de capital ou prejuízo, independente do local de sua residência.

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105FUSÕES E AQUISIÇÕES

Sendo o vendedor pessoa física residente, sua participação societária deve constar de sua declaração anual de bens com base no custo de sua aquisição, sem quaisquer ajustes inflacionários ou cambiais. É possível au-mentar o valor histórico de sua participação acionária caso haja conversão de dividendos ou reservas de lucro em capital. Nesses casos não há tributa-ção, pois, sendo a distribuição de lucros e dividendos isenta (desde 1995), a conversão de lucros e dividendos em capital equipara-se ao seu pagamento mediante a entrega de novas ações.

Se o alienante for pessoa física não residente, em princípio, estará ele su-jeito às mesmas regras aplicáveis aos residentes, com algumas particulari-dades. Os investimentos de não residentes em empresas brasileiras devem ser registrados como “investimento estrangeiro direto” perante o Banco Central do Brasil, de forma a se garantir a ulterior repatriação de seu mon-tante integral sem tributação. Por ocasião da venda de sua participação acionária, o custo de aquisição, para efeitos de apuração de eventual ganho de capital, equivalerá ao montante registrado perante o Banco Central em moeda estrangeira, convertido para reais na data da alienação.

O ganho de capital das pessoas físicas se sujeita ao imposto sobre a renda à alíquota de 15%. Caso seja não residente, o imposto sobre a renda deverá ser retido e recolhido pela compradora e, se tiver residência em um paraíso fiscal, a alíquota será de 25%.

Se o alienante for pessoa jurídica, o custo de sua aquisição deve cor-responder ao valor contábil de sua participação acionária, acrescido de eventual ágio pago por ocasião de sua aquisição. No Brasil, a avaliação contábil da participação acionária de uma pessoa jurídica em outras em-presas está sujeita ao método de equivalência patrimonial, de forma que o balanço da “investidora” reflita as mutações sofridas no patrimônio líquido da “investida”. O ganho de capital decorrente da alienação de participação acionária é intitulado como ganho de capital não operacional, sujeito ao IRPJ (Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas) e à CSL (Contribuição Social sobre o Lucro).14

14 Tais tributos estão expostos de forma sintética e conceitual no capítulo �A Tribu-tação no Brasil� da presente obra.

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Para o adquirente

Em diversos outros países do mundo, a responsabilidade tributária do adquirente por sucessão difere totalmente se o objeto da compra envolve as ações de uma empresa ou apenas seus ativos. No Brasil, a aquisição de ativos não impede que seja imputada ao comprador a responsabilidade pelo pagamento de débitos tributários do alienante.

No Brasil, do ponto de vista do comprador, outro aspecto relevante nas aquisições consiste na criação de “ágio”, assim entendido o montante do pre-ço pago pela compra que exceder o valor contábil do patrimônio líquido cor-respondente à participação acionária adquirida. Nessa hipótese, a empresa adquirente deverá escriturar o preço pago em duas contas distintas, a saber, a de (i) investimento (que deve refletir o favor do patrimônio líquido da em-presa adquirida), e a de (ii) ágio (utilizada para registro do valor excedente).

O ágio, para ser reconhecido contábil e fiscalmente, deve ser lastreado em laudo de expertos que justifiquem (a) a diferença entre o valor de mer-cado e o valor contábil dos ativos tangíveis; (b) o potencial de geração de lucros da empresa adquirida; ou (c) a existência de intangíveis e/ou outras razões econômicas não refletidas no balanço patrimonial da adquirida.

Para efeitos de apuração do ganho de capital em venda futura da parti-cipação acionária, enquanto coexistirem “investidora” e “investida” como pessoas jurídicas distintas, o ágio integra o custo de aquisição. No entanto, se ocorrer fusão ou incorporação entre ambas, o ágio será deslocado para conta de cada um dos ativos intangíveis que o tenham justificado. Após a fusão (ou incorporação), o ágio justificado com base (a) na diferença entre valor de mercado e valor contábil dos ativos passa a ser dedutível de acor-do com a depreciação, amortização ou baixa dos respectivos ativos; (b) no potencial de lucros futuros, a despeito das novas normas contábeis emitidas pelo Comitê de Procedimentos Contábeis (CPC) que vedam a sua amortiza-ção, para fins fiscais, entende-se ser permitida a sua amortização limitada a 1/60 ao mês; (c) em intangíveis e outras razões econômicas não estão sujeitos a nenhuma amortização ou dedução, seja ela contábil ou fiscal.

Aspectos específicos das operações de incorporação

Especificamente no que diz respeito a operações de incorporação, per-das que podem gerar dedução tributária, anteriores à data da fusão, por

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107FUSÕES E AQUISIÇÕES

parte da companhia absorvida, não poderão ser transferidas à empresa in-corporadora. No entanto, a empresa incorporadora poderá compensar suas perdas, sejam anteriores ou posteriores à fusão, com o lucro da companhia absorvida, sob a condição que não altere seu objeto social e não transfira seu controle. Reservas oriundas de diferimento de tributos da companhia absorvida também poderão ser aproveitadas pelas incorporadoras, salvo disposição legal em contrário.

Ainda, para evitar práticas tributárias lesivas ao erário, a legislação brasileira prevê uma série de regras específicas a serem aplicadas entre empresas que sejam partes vinculadas, estipulando normas relativas ao Imposto de Renda aplicáveis ao lucro obtido através de coligadas e contro-ladas no exterior, bem como concernentes preços de transferência de bens e serviços entre pessoas vinculadas situadas fora do país.

Aspectos específicos das operações de cisão

Com relação a operações de cisão, assim como nas fusões, reservas oriundas de diferimento de tributos da companhia cindida poderão ser aproveitadas pela companhia incorporadora, salvo se a lei dispuser de ou-tra forma. Em caso de cisão parcial, as perdas da companhia cindida que gerem deduções tributárias poderão nela remanescer para futura compen-sação com lucro tributável, proporcionalmente ao patrimônio líquido que couber à companhia cindida posteriormente à operação.

Aspectos específicos das operações de transferência de ativos

No caso de simples transferência de ativos entre empresas, salvo no caso de integralização de capital de sociedades, a companhia vendedora estará sujeita à tributação caso apure ganho de capital. Contudo, dependendo da natureza e dos propósitos da transferência, este regime poderá ser alterado.

Por outro lado, a companhia adquirente não estará sujeita a nenhuma tributação em função da operação de aquisição, salvo nos casos de transfe-rência de imóveis. Nesta situação, a empresa compradora será responsável pelo pagamento do tributo por transferência “inter vivos” de propriedade imobiliária bem como da taxa devida ao Cartório de Registro de Imóveis para o registro de alteração da propriedade.

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a recuPeraÇÃo JudIcIal de eMPresas e a alIeNaÇÃo de atIVos de eMPresas eM recuPeraÇÃo

maria victoria Santos [email protected]

Graduada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito da Empresa pelo CEPED/UERJMBA em

Direito Empresarial pelo IBMEC.Sócia fundadora de Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)

bruno Pinheiro [email protected] em 1991 pela Faculdade de Direito da UERJ.

Mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Pós-graduado em Direito das Telecomunicações pelo Instituto de Pesquisas Jurídicas da UniverCidade.

Sócio fundador do Bichara, Barata, Costa e Rocha & Advogados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)

1. intRodução

Estávamos no ano de 1945, quando o Brasil – e o Mundo – amarga-vam os efeitos da Segunda Grande Guerra. Na época, o País não tinha um parque industrial satisfatório e a economia sofria com o colapso das finanças globais, surgindo desse cenário a necessidade de regulamentar os processos de recuperação ou extinção das empresas que se encontrassem em dificuldades para honrar os seus compromissos.

Nasceu ali o Decreto 7.661/45, que ficou conhecido pelo seu título de “Lei de Falências”. Sua finalidade explícita era a de remediar a quebra, dispondo sobre o processo de execução coletiva do devedor comerciante que culminava na arrecadação de todo o patrimônio disponível e na satis-fação, tanto quanto possível fosse, dos créditos pendentes, sobretudo os trabalhistas e fiscais.

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109A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...

Mais do que a recuperação da sociedade devedora, portanto, a preocupa-ção era com a satisfação dos credores, restando em segundo plano a con-tinuidade da atividade econômica desenvolvida pela empresa em processo de falência.

Com o passar do tempo, obviamente, houve um desgaste no modelo e a necessidade de um novo regramento, condizente com a evolução da socie-dade e suas leis. Assim é que, após 11 longos anos em trâmite no Congres-so Nacional, finalmente a Lei 11.101/2005 recebeu a sanção do Presidente da República, entrando em vigor no dia 9 de fevereiro de 2005.

A nova Lei já inovou, em boa hora, deixando em segundo plano a falên-cia – expressão que carrega em si pesada carga negativa – para conferir maior destaque ao instituto da recuperação judicial. Recuperação, repita-se, não mais quebra ou liquidação.

Essa Lei veio trazer para o instituto da falência e da recuperação judicial uma nova visão, que leva em conta não mais apenas o direito dos credores de forma primordial, como ocorria com a lei anterior, mas, ao contrário, traz a visão que impera no Direito Americano conhecida como o bankrup-tcy code, segundo o qual a manutenção do funcionamento da empresa é de interesse social tão acentuado que permite até o afastamento dos sócios e a manutenção da empresa em funcionamento sob o comando de outros administradores.

Objetiva, assim, a superação da situação da crise econômico-financeira do devedor, de forma a permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Por outro lado, com esse novo cenário surgiram também oportunidades de investimentos nessas empresas em recuperação, tais como a aquisição de ativos, compra de créditos, concessão de créditos e constituição de fun-do de investimento em participações – FIPs. A possibilidade de investir numa empresa em recuperação, que espera-se venha a se traduzir numa empresa saneada e apta a reencontrar o seu lugar no mercado, trouxe so-bre o instituto olhares atentos, daqueles que viam ali boas perspectivas de negócios.

É disso que trataremos a seguir.

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110 MARIA VICTORIA SANTOS COSTA / BRUNO PINHEIRO BARATA

2. PRinCiPaiS inovaçõeS

Dentre as mudanças significativas para a recuperação da empresa, po-demos enumerar a criação do Plano de Recuperação Judicial, uma atuação mais efetiva da assembléia de credores, maior agilidade na realização do ati-vo, que poderá ter início independentemente da finalização do quadro geral de credores e a inocorrência da sucessão dos créditos trabalhistas e tributá-rios em quaisquer das modalidades de alienação judicial, dentre outras.

2.1. Plano de recuperação judicial

O plano é o cerne de todo o processo, eis que indicará as diretrizes e o planejamento para que a proposta apresentada seja cumprida efetivamente perante o Juízo e os credores.

Deverá trazer, obrigatoriamente, o detalhamento dos meios de recupe-ração e seu resumo, a demonstração da viabilidade econômica, o laudo econômico-financeiro e avaliação do ativo do devedor. Poderá, assim, en-volver a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor que deverão obedecer a regra geral de alienação de ativos. Tam-bém poderá prever a concessão de créditos e a constituição de fundo de investimento em participação – FIPs.

O plano, por força da lei, se submete a alguns condicionamentos ligados ao interesse social. Assim, não poderá estipular prazo superior a 1 ano para pagamento dos créditos trabalhistas e acidentários vencidos até a data do pedido de recuperação. Também não poderá fixar prazo superior a 30 dias para pagamento dos créditos estritamente salariais vencidos nos 3 meses anteriores ao pedido.

Deverá ser apresentado no prazo de 60 dias contados da decisão que deferir o processo da recuperação judicial, sob pena de ser decretada a falência da empresa. Assim, antes do pedido de recuperação convém que o devedor tenha o plano inteiramente desenhado, bem como o compromisso dos principais devedores para sua aprovação, assim considerados aqueles que detenham o quorum para tanto.

E isso porque, havendo objeção de qualquer credor ao plano, o juiz con-vocará a assembléia de credores que poderá, dentre outras providências, propor plano alternativo de recuperação judicial e indicar, eventualmente,

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os membros do comitê de recuperação judicial. Também poderá referendar o plano, emendá-lo ou rejeitá-lo.

Caso rejeitado pela assembléia de credores, o juiz decretará a falência do devedor, podendo, no entanto, conceder a recuperação na forma dos incisos I a III do parágrafo 1º do artigo 58 da lei.

Questão de relevo, que gerou inúmeras discussões em relação à ho-mologação do plano, se refere à apresentação das certidões negativas de débitos tributários, como estabelecem os artigo 57 e 58:

“Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credo-res ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei 5.172/66 – Código Tributário Nacional.

Cumpridas as exigências desta lei, o juiz concederá a recuperação ju-dicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor no termos do art. 55 desta lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.”

Tal disposição, no entanto, restou afastada pelos Tribunais, vez que se mostrava como impediente à recuperação da empresa. Afinal, e como de conhecimento geral, o devedor que se encontra em dificuldades financei-ras prefere suspender inicialmente o pagamento dos tributos para, somen-te após, descumprir as obrigações com seus fornecedores e empregados. Ademais, leve-se ainda em conta que, em sua maioria, são as os encargos fiscais e as dívidas provenientes de financiamento bancário, as pendências de maior monta das empresas em recuperação.

O dispositivo em questão tinha por objetivo obrigar o devedor a quitar suas dívidas fiscais antes do ajuizamento da recuperação judicial ou ao menos providenciar seu parcelamento nos termos da legislação, o que aca-bava por inviabilizar o processo de recuperação.

Para isso, a lei trouxe em seu artigo 68, disposição relativa às Fazendas Públicas e ao INSS, no sentido de que poderão deferir parcelamento de seus créditos em sede de recuperação judicial. A lei complementar 118, de 09.02.05, incluiu o parágrafo 3º no artigo 155-A do Código Tributário Na-cional, o qual estabelece que “lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial”.

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No entanto, até o momento tal dispositivo não foi regulamentado, razão pela qual são inúmeras as decisões dos Tribunais afastando tal exigência como condição para a aprovação do plano.

2.2. Assembléia de credores

A lei estabeleceu uma maior atuação da assembléia de credores, que embora já existisse na lei anterior, acabou caindo no esquecimento em razão do desinteres-se dos credores. Sua principal atribuição é aprovar, rejeitar ou modificar o Plano de Recuperação Judicial quando houver impugnação de algum dos credores.

2.3. Comitê de credores

Também se pode destacar, dentre as principais inovações da Lei, a criação do comitê de credores, que tem por objetivo fiscalizar a administração do devedor durante o processo e a execução do plano de recuperação, podendo ainda, con-vocar a assembléia de credores. Sua constituição se dará por deliberação de qual-quer das classes dos credores na assembléia geral e, em princípio, sua atuação somente se justifica na recuperação judicial ou falência de grande monta.

2.4. Manutenção do valor dos ativos

Outra significativa inovação se refere à preocupação com a manutenção do valor dos ativos da empresa, de forma a evitar sua deterioração, antes provocada pela demora na tramitação do processo, vindo assim, a dar prio-ridade na venda da empresa em bloco a fim de preservar o valor de seus bens intangíveis.

Também estabelece o artigo 66 que, havendo evidente utilidade na ven-da de bens de seu ativo permanente, poderá o juiz autorizar sua alienação, antes mesmo da aprovação do plano, excetuados aqueles relacionados no plano de recuperação judicial.

2.5. Inexistência de sucessão de débitos trabalhistas, previdenciários e tributários

Nessa esteira, e em boa hora, a Lei estabeleceu de forma inquestionável a inexistência de sucessão dos débitos de natureza trabalhista, previdenci-

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ária e tributária para os adquirentes, questão que gerou exaustivos debates, mas que ao final restou consolidada graças a decisão do Supremo Tribunal Federal que decidiu conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Estadual.

Logo após a entrada em vigor da Lei 11.101/05, a Justiça do Trabalho ainda entendia que permanecia a sucessão, mesmo ante a explícita ressalva no texto legal.

No caso mais notório até hoje tratado, os Tribunais Regionais do Traba-lho, em relação ao passivo trabalhista da “Varig”, entendiam que a “Gol Linhas Aéreas Inteligentes S/A”, na qualidade de sócia controladora da GTI S.A que, por sua vez, adquiriu como subsidiária a “VRG Linhas Aé-reas”, adquirente de parte dos ativos da “Varig”, deveria responder pelos débitos trabalhistas, em vista da sucessão estabelecida pelas alienações.

Argüida a incompetência da Justiça do Trabalho para decidir sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal firmou a competência da Justiça Es-tadual, através do Juízo responsável pela recuperação, para julgar a execu-ção de créditos trabalhistas das empresas em recuperação judicial.

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECU-ÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RE-CUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTA-DUAL COMUM, COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 11.101/05, EM FACE DO ART. 114 DA CF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.

I - A questão central debatida no presente recurso consiste em saber qual o juízo competente para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial.

II - Na vigência do Decreto-lei 7.661/1945 consolidou-se o entendimen-to de que a competência para executar os créditos ora discutidos é da Justiça Estadual Comum, sendo essa também a regra adotada pela Lei 11.101/05.

III - O inc. IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho.

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IV - O texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu al-vedrio a avaliação das hipóteses em que se afigure conveniente o julga-mento pela Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações que pretende regrar.

V - A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime an-terior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao julgamento do processo de conhecimento.

VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido.

(Tribunal Pleno, RE 583955/RJ, julg. 28/05/09)

Decidida a competência, os Tribunais Estaduais, por sua vez, vêm en-tendendo pela aplicação do parágrafo único do artigo 60, no sentido da inexistência de sucessão relacionada às obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária. Trata-se, também, de importante conceito a im-pulsionar as iniciativas de investimento em empresas em processo de re-cuperação judicial.

3. meioS de ReCuPeRação judiCial

A lei de recuperação judicial optou por trazer as indicações dos meios que poderão ser utilizados para a recuperação judicial da empresa, dispos-tos nos 16 incisos do artigo 50, sendo certo que são meramente exempli-ficativos, independentemente de outros que devedor estabeleça no plano, podendo destacar-se os seguintes:

a) concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obri-gações vencidas ou vincendas;

b) cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constitui-ção de subsidiária integral ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios;

c) alteração do controle societário;

d) aumento do capital social;

e) trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

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f) dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiros;

g) venda parcial de bens;

h) emissão de valores mobiliários;

Dentre os meios sugeridos pela lei, entendemos que os que têm gerado maior interesse para os investidores se referem a aquisição de bens e a emissão de valores mobiliários.

4. aQuiSição de benS

Os bens da empresa constituem a garantia das obrigações assumidas diante dos credores. Em regra, essa alienação é livre, desde que detenha condições de responsabilizar-se por suas obrigações. No entanto, se a em-presa se encontra em recuperação, a alienação de seus bens somente será possível se deferido o pedido.

Assim, a venda de bens poderá ser adotada como uma das formas para recuperação da empresa e poderá compreender apenas a transferência de ativos isolados ou até mesmo contratos, concessões específicas e marcas empresariais.

Como mencionado, após a distribuição do pedido de recuperação, o de-vedor fica proibido de alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo per-manente, exceto se houver evidente utilidade reconhecida pelo juiz, após a concordância do comitê dos credores.

No caso da falência, o artigo 140 estabelece que a alienação dos bens deverá observar a seguinte ordem de preferência :

a) alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos;

b) alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades pro-dutivas isoladamente;

c) alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabeleci-mentos do devedor;

d) alienação dos bens individualmente considerados.

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Se a alienação for de bem objeto de garantia real, a substituição ou su-pressão dessa garantia somente poderá ser admitida mediante expressa aprovação do respectivo credor.

O artigo 60 da Lei de Recuperação, por sua vez, estabelece que no caso do plano de recuperação envolver a alienação judicial de filiais ou unida-des produtivas, deverá ser observada para sua realização a disposição do artigo 142, o qual estabelece as modalidades de alienação, na hipótese de falência.

Tal elenco não é exaustivo, podendo o juiz homologar qualquer outra forma de realização de ativos aceita pela assembléia.

4.1. Modalidades de alienação

O citado dispositivo dispõe sobre as seguintes modalidades de alienação:

a) Leilão por lances orais;

b) Propostas fechadas;

c) Pregão.

4.1.1. Leilão por lances orais

Para tal modalidade de alienação deverá ser atribuída ampla divulgação, sendo necessária a publicação do anúncio em jornal de grande circulação com 15 dias de antecedência para bens móveis e 30 dias para imóveis. Neste procedimento é obrigatória a participação de membro do Ministério Público, e a preferência será do lançador que arrematar os bens de forma global. A alienação se realizará pelo melhor preço, ainda que inferior a avaliação.

4.1.2. Propostas fechadas

O interessado deverá entregar em cartório envelopes lacrados com a sua proposta, cuja abertura ocorrerá na data e hora designadas pelo juiz, lavrando-se a ata e juntando-se as propostas ao processo.

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4.1.3.Pregão

É modalidade que comporta duas fases: recebimento das propostas e o leilão por lances orais, do qual participarão somente as propostas não inferiores a 90% da maior proposta ofertada.

Recebidas e abertas as propostas, o juiz ordenará a notificação dos ofer-tantes, cujas propostas atendam ao requisito de não ser inferior a 90% da maior proposta apresentada, para comparecer ao leilão.

O valor da abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertan-te presente, considerando esse valor como lance, o qual fica ele obrigado.

Caso o ofertante da maior proposta não compareça ao leilão e não seja dado lance igual ou superior ao valor por ele ofertado, ficará obrigado a prestar a diferença verificada, constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a cobrança dos valores pelos administrador judicial.

Em síntese, definido um preço inicial em propostas fechadas, o processo é aberto para que sejam ofertados lances superiores ao maior lance fechado. Processo semelhante, mas mais sofisticado, é adotado nos Estados Unidos.

Assim, permite-se previamente ao leilão uma negociação privada entre vendedor e comprador. Definidos os termos do negócio, é assinado um contrato de compra e venda sob condições suspensiva e resolutiva. As con-dições negociadas são, então, abertas a terceiros pré-qualificados, que te-rão a oportunidade de cobrir essas condições. A decisão final cabe ao juízo e o preço ofertado não é o único critério de julgamento.

A modalidade de pregão de venda pública de ativos é menos formal e, consequentemente, mais célere.

4.1.4. Outras modalidades de alienação

O juiz poderá autorizar outras modalidades de alienação desde que jus-tificados os motivos para tal, consubstanciado em requerimento funda-mentado do administrador judicial ou do comitê de credores.

A seguir, homologará a realização de ativo desde que aprovada pela assembléia geral de credores, devendo se ater apenas aos aspectos for-mais, como o quorum de aprovação (2/3 dos credores presentes à as-

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sembléia) e desde que não haja oposição fundamentada à modalidade apresentada, caso em que deverá decidir sempre no interesse da massa e dos credores.

4.2. Impugnações

Em qualquer das modalidades de alienação poderão ser apresentadas impugnações por quaisquer credores, pelo devedor ou pelo Ministério Pu-blico, no prazo de 48 horas da arrematação.

Nessa hipótese, os autos serão conclusos ao juiz que, no prazo de 5 dias, decidirá sobre as impugnações e, se julgá-las improcedentes, ordenará a entrega dos bens ao arrematante.

As quantias serão imediatamente depositadas em conta remunerada de instituição financeira, atendidos os requisitos da lei ou das normas de or-ganização judiciária.

O objeto da alienação está livre de qualquer ônus e, como já menciona-do, não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclu-sive as de natureza tributária e as derivadas da legislação do trabalho e de acidentes de trabalho.

Excetua-se da regra acima, contudo, se o arrematante for sócio da so-ciedade falida ou sociedade controlada pelo falido, parente em linha reta ou colateral até o 4. grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida e identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

Além da aquisição de bens, também a aquisição de quotas em fundo de participações em investimento – FIP, vem se mostrando um eficiente meio para a recuperação judicial de empresas em dificuldades financeiras.

5. ConStituição de fundo de inveStimentoS em PaRtiCiPaçõeS

O Fundo de Investimento em Participações se constitui sob a forma de condomínio fechado e se destinam à aquisição de ações, debêntures, bô-nus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas.

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Sua estruturação é regulamentada pela Instrução 391 da CVM e é bastante flexível, permitindo a composição de interesses dos participantes.

O parágrafo 1º, do artigo 2º, da aludida Instrução, estabelece que se a aplicação dos recursos for realizada em companhias que estejam ou pos-sam estar envolvidas em processo de recuperação e reestruturação, será admitida a integralização de cotas em bens ou direitos, inclusive créditos, desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao processo de recupera-ção da sociedade investida e desde que o valor dos mesmos esteja respal-dado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada.

Uma das características do FIP, também chamado Private Equity e que o distingue dos demais fundos existentes no mercado é a participação efetiva na definição da política estratégica e na gestão das empresas investidas, especialmente na indicação dos membros do Conselho de Administração.

Nessa linha, o FIP poderá deter ações que integrem o bloco de controle da companhia e celebrar acordo de acionistas, inclusive no sentido de as-segurar sua prevalência na definição de política estratégica e na gestão da empresa investida.

Especialmente em relação às empresas em dificuldades econômicas, o FIP pode gerar significativos ganhos aos investidores, na medida em que possibilita não apenas o ingresso de recursos, mas principalmente a alte-ração substancial na gestão da companhia, diga-se, sem a necessidade de mudança do controle acionário, tudo com vistas à recuperação da empresa e conseqüentemente a valorização de suas ações.

Em suma, o FIP se mostra como um meio eficiente, na medida em que o que o credor transfere seus créditos em troca de cotas, podendo vendê-las para terceiros. O controlador, a seu turno, pode transferir suas ações ou parte delas para o FIP e desta forma reestruturar a situação do controle da companhia. Mostra-se como um meio capaz de atingir a recuperação da empresa, na medida em que possibilita o aporte de capital e a transforma-ção da gestão empresarial.

O FIP tem sido utilizado, como meio de recuperação, na quase tota-lidade dos planos de recuperação das empresas de grande porte, e tem se mostrado uma ferramenta de grande eficiência. Um bom exemplo é o recente processo de uma atuante rede de varejo de eletrônicos e utilidades domésticas no Rio de Janeiro. O plano de recuperação previu a criação de

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uma Holding que passou a ser controlada por um FIP administrado por um banco e do qual participam mais da metade de seus credores que trocaram os créditos por quotas, com um deságio aproximado de 50% (cinqüenta por cento), mas com possibilidade de obterem maiores ganhos do que se esti-vessem submetidos ao prazo de pagamento do plano de recuperação judi-cial. A administração do FIP segue estritamente as normas da Comissão de Valores Mobiliários, o que garante a necessária transparência na gestão e tem contribuído para a recuperação da empresa, que atualmente detém um faturamento de 75% daquele registrado antes da crise.

6. ConCluSão: algunS exemPloS de alienação de ativoS

Talvez o exemplo quintessencial de alienação de ativos por uma socieda-de em recuperação seja o caso da VARIG, já antes invocado.

Iniciado alguns poucos meses após a entrada em vigor da nova Lei, o processo de recuperação judicial da VARIG tramitou perante o Juízo da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde, graças ao talento e sensibilidade do seu titular, puderam ser colocados em prática os conceitos que levaram à sua criação.

O Magistrado encarregado de processar a recuperação teve que decidir sobre inúmeros pedidos e incidentes, navegando em mares até então des-conhecidos da Justiça Brasileira. Felizmente, a direção segura do processo permitiu o êxito da empreitada, sendo de vital importância neste processo a alienação das ações de duas companhias subsidiárias da VARIG, a Va-rigLog (braço logístico da VARIG) e a VEM (empresa de engenharia e manutenção de aeronaves).

Podemos citar, também, como exemplos bem sucedidos, a alienação dos ativos da Parmalat, dentre os quais a sua participação na Batávia (indústria de laticínios) para a Perdigão, e da sua unidade de vegetais, a Etti, para a Assolan. A venda de unidades produtivas isoladas da Agrenco e de ati-vos da Bombril também se mostrou atraente para eventuais investidores, e para finalizar este estudo podemos invocar o caso da venda dos slots (espaços usados pelas companhias de aviação para estacionar os seus avi-ões) da Pantanal, que acabou sendo obstado pela Justiça que entendeu pela competência da ANAC para regular a questão.

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121A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...

Em síntese, podemos afirmar que a alienação de ativos de empresas em recuperação se apresenta como interessante alternativa de investimento, na medida em que se pode adquirir uma sociedade livre de débitos e passivos e assim focar na sua reestruturação, permitindo a superação da sua difí-cil situação financeira e a manutenção da fonte produtora, estas que, nas palavras do legislador, constituem a essência do processo de recuperação judicial.

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Mercado de caPItaIs

Eduardo Simões [email protected]ós-Graduado em Direito de Empresa

pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MG. Advogado Associado no Tostes & Coimbra Advogados

aSPeCtoS geRaiS – SiStema finanCeiRo naCional

O Sistema Financeiro Nacional Brasileiro é regulado pela Lei nº. 4.595 de 31 de Dezembro de 1964, e posteriores alterações, que foi elaborada com o propósito de regular por completo o Sistema Financeiro Brasileiro sendo também responsável por sua atual estrutura.

De acordo com seu artigo 17, qualquer “entidade pública ou privada que tiver como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, assim como a custódia de valor de propriedade de terceiros” será considerada instituição financeira.

Ademais, a Lei do Sistema Financeiro Nacional estabelece que in-divíduos que exercerem, de forma regular ou ocasional, quaisquer das atividades acima mencionadas deverão ser tratados como instituições financeiras.

Conforme a Lei supra, o Sistema Financeiro Nacional é composto pelas seguintes instituições:

(a) Conselho Monetário Nacional (CMN);

(b) BACEN (“Banco Central do Brasil”);

(c) Banco do Brasil S.A.;

(d) Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); e

(e) Outras entidades financeiras públicas ou privadas.

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123MERCADO DE CAPITAIS

ConSelHo monetáRio naCional

O Conselho Monetário Nacional foi criado pela Lei nº. 4.595/64, tendo como objetivo estabelecer a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do Brasil, sendo suas atribuições específicas e funções melhor minuciadas no Artigo 3º da referida Lei1.

O Conselho Monetário Nacional é o controlador da circulação da mo-eda, sendo, portanto, responsável pela autorização da emissão do papel moeda e pela determinação de suas características.

Também são estabelecidas normas e diretrizes acerca da política de câmbio, aprovação dos orçamentos monetários, por meio dos quais esti-mar-se-á as necessidades globais de moeda e crédito, regulação das ope-rações de créditos em todas as suas formas, sendo também responsável pela regulação da constituição, do funcionamento e da fiscalização das instituições financeiras.

banCo CentRal do bRaSil

O Banco Central do Brasil tem como objetivo cumprir e fazer cumprir as normas legais editadas pelo Conselho Monetário Nacional.

1 Art. 3º A política do Conselho Monetário Nacional objetivará: I – Adaptar o volume dos meios de pagamento ás reais necessidades da economia

nacional e seu processo de desenvolvimento; II – Regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os

surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais;

III – Regular o valor externo da moeda e o equilíbrio no balanço de pagamento do País, tendo em vista a melhor utilização dos recursos em moeda estrangeira;

IV – Orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas, quer privadas; tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do País, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional;

V – Propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de re-cursos;

VI – Zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; VII – Coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida

pública, interna e externa.

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124 EDUARDO SIMÕES LANNA

Dentre as funções exercidas pelo Banco Central, cumpre citar algumas que se destacam em face do escopo do presente trabalho, qual seja: (i) controlar o capital e investimento estrangeiro (incluindo investimentos nos mercados de valores mobiliários); (ii) fiscalizar as instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; (iii) praticar operações e controle de câmbio; e (iv) quaisquer outros assuntos relacionados ao mercado de valores mobiliários que seja de sua competência, conforme determinado pelo CMN.

De acordo com a lei vigente, o Banco Central do Brasil operará exclusi-vamente com instituições financeiras públicas e privadas, vedadas opera-ções bancárias de qualquer natureza com outras pessoas de direito público ou privado, salvo as expressamente autorizadas por lei.

A Lei nº. 4.595/64, em seu artigo 13, determina que os deveres e serviços de competência do Banco Central do Brasil, quando por ele não executa-dos diretamente, devem ser efetuados em conjunto com o Banco do Brasil S.A., ou de modo alternativo com outra instituição financeira, desde que plenamente autorizado pelo Conselho Monetário Nacional.

o meRCado de Câmbio bRaSileiRo

Com o advento da Resolução nº 3.568, de 29 de maio de 2008, que revo-gou a de nº 3.265/05, do Conselho Monetário Nacional, ficou constituído o Mercado de Câmbio do Brasil, que engloba as operações de compra e venda de moeda estrangeira, as operações em moeda nacional entre re-sidentes, domiciliados ou com sede no país, residentes, domiciliados, ou com sede no exterior e as operações com ouro-instrumento cambial, reali-zados por intermédio das instituições autorizadas a operar no Mercado de Câmbio pelo Banco Central do Brasil.

O objetivo principal do contrato de câmbio é a compra e venda de moeda estrangeira, cuja entrega da moeda corresponde à liquidação do contrato. O contrato em si visa à prestação de um serviço por um banco ao seu cliente.

Cvm

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda do Brasil, instituída pela Lei nº 6.385, de 7 de

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125MERCADO DE CAPITAIS

dezembro de 1976, e suas alterações, a qual juntamente com a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº. 6.404/76) disciplinam o funcionamento do mercado de valores mobiliários e a atuação de seus protagonistas, assim classificados como principais personagens, as companhias abertas, os in-termediários financeiros e os investidores, além de outros cuja atividade gira em torno desse universo principal.

Ao se referir à CVM como ente disciplinador do mercado mobiliário é necessário aclarar possuir a mesma tais poderes, conferidos pela Lei, que lhe habilitam não só a disciplinar, como a normatizar e fiscalizar a atuação dos diversos integrantes do mercado, abrangendo seu poder normatizador a todas as matérias referentes ao mercado de valores mobiliários.

A competência da CVM se estende, portanto, para regulamentar as ati-vidades dos corretores, intermediários, instituições financeiras, bolsas de valores, Mercado de Balcão Organizado, companhias de capital aberto, fundos de investimento e companhias, carteiras de investimento e custo-diantes, auditores independentes, consultores e analistas de mercados.

O poder fiscalizatório e disciplinador da CVM implica na imposição de sanções administrativas às pessoas e entidades que violem a Lei dos Valo-res Mobiliários, a Lei das Sociedades Anônimas ou outras leis e regras das quais a CVM seja responsável pela fiscalização.

As principais sanções que podem ser impostas pela CVM são: (i) ad-vertências; (ii) multas; (iii) suspensão ou cassação da autorização ou re-gistro para o exercício das atividades relacionadas ao mercado de valores mobiliários; (iv) inabilitação temporária, até o máximo de 20 anos, para o exercício de determinadas atividades relacionadas ao mercado de valores mobiliários, e (v) suspensão do exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta ou de entidade do sistema de dis-tribuição de valores mobiliários, nunca se olvidando que a imposição de penalidade por parte da CVM de forma alguma elide eventual responsabi-lização civil e criminal do infrator.

Importante destacar que, a CVM detém uma personalidade moderna e integradora, percebida pela constante absorção e melhoria dos preceitos internacionais de governança corporativa, contribuindo para a unificação dos sistemas, métodos e padrões internacionais, bem como para elevação dos mesmos a um grau de excelência.

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Nesse passo, denotando sua característica integralizadora, a CVM é membro do Conselho dos Reguladores de Valores Mobiliários das Amé-ricas (“COSRA”), da Organização das Comissões de Valores Mobiliários (“IOSCO”) e do Mercosul.

E mais, a CVM celebrou, ainda, um protocolo de entendimento rela-cionado ao compartilhamento de informações e assistência jurídica aos reguladores de valores mobiliários nos seguintes países: Estados Unidos (Securities Exchange Comission e Commodities Future Trading Corpo-ration), África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Bolívia, Cana-dá/Quebec, Chile, China, Equador, Espanha, França, Grécia, Hong Kong, Itália, Luxemburgo, Malásia, México, Paraguai, Peru, Portugal, Romênia, Singapura, Tailândia e Taiwan.

valoReS mobiliáRioS

Para melhor entendimento das atribuições e funções de cada órgão, mister se faz a definição de valores mobiliários no Brasil, sendo que seu conceito formal é definido por lei, identificando como valor mobiliário o seguinte:

(i) ações, debêntures, bônus de subscrição, cupons dos referidos

(ii) valores mobiliários e garantias;

(iii) índices do mercado;

(iv) commercial papers;

(v) direitos de subscrição de valores mobiliários;

(vi) recibos de subscrição de valores mobiliários;

(vii) opções de valores mobiliários;

(viii) certificados de depósitos de ações;

(ix) títulos de investimentos em produção, distribuição, exibição e in-fra-estrutura técnica de filmes audiovisuais brasileiros;

(x) certificados a termo de energia elétrica;

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127MERCADO DE CAPITAIS

(xi) títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados ao públi-co que gerem direitos de participação, de parceria ou remuneração, incluindo direitos resultantes da prestação de serviços, cujos rendi-mentos decorrem de atividades empresariais ou de terceiros;

(xii) certificados de recebíveis imobiliários;

(xiii) os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; e

(xiv) quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, quando ofertados publicamente, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

Nesse diapasão, necessário destacar que não se confundem com valores mobiliários, sendo na verdade expressamente excluídos desta definição e, por conseqüência, sujeitos à supervisão do Banco Central: (i) títulos da dívida pública federais, estaduais e municipais e (ii) títulos cambiais de responsabilidade de instituições financeiras, exceto as debêntures.

leiS RelevanteS Que influenCiam o meRCado de CaPitaiS

A principal lei que trata dos mercados de valores mobiliários no Brasil é a Lei nº 6.385/76 (“Lei dos Valores Mobiliários”). Adicionalmente, a Lei nº 6.404/76 (“Lei das Sociedades Anônimas”), alterada pela Lei no 10.303/01, contém dispositivos relevantes para a regulamentação do mer-cado de capitais.

A Lei dos Valores Mobiliários cria a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e regulamenta o funcionamento geral do mercado de valores mobiliários, a distribuição pública de valores mobiliários, o registro de valores mobiliários em bolsas de valores, requisitos de divulgação de in-formações – disclosure, atividades dos corretores e intermediários, tipos de valores mobiliários negociados e tipos de companhias que podem ser negociadas no mercado de capitais. A Lei dos Valores Mobiliários também atribui poder regulamentar e de polícia à CVM.

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128 EDUARDO SIMÕES LANNA

A Lei dos Valores Mobiliários é regulamentada por meio de resoluções, circulares, instruções, pareceres de orientação, deliberações e outras nor-mas administrativas editadas pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”), pelo Banco Central do Brasil (“Banco Central”), pela CVM, pelas bolsas de valores e pelas entidades do mercado de balcão organizado (“Mercado de Balcão Organizado”).

auto-Regulamentação

Não obstante o poder regulatório e fiscalizatório da CVM, as entidades autorizadas por ela a funcionar, tipicamente bolsas de valores e Mercado de Balcão Organizado, são dotadas de competência de auto-regulamenta-ção, atuando desse modo como instituições acessórias à CVM nas melho-res práticas de mercado, restanto sujeitas, entretanto, à sua supervisão na auto-regulamentação.

Incumbe a tais entidades fiscalizar seus membros e assegurar o cumprimen-to das normas e regulamentos aplicáveis, designados em lei ou pela CVM.

Existem, também, entidades puramente auto-reguladoras, que não estão subordinadas à CVM, como a Associação Nacional dos Bancos de Inves-timento – ANBID, que estabelece as regras e requisitos mínimos para pu-blicação e veiculação de informação aos investidores.

RegRaS de PRoteção ao inveStidoR

As companhias de capital aberto devem elaborar demonstrações fi-nanceiras a cada trimestre (Informações Trimestrais – ITRs) e as de-monstrações financeiras anuais (Demonstrações Financeiras Padroniza-das – DFP e Informações Anuais – IAN). O ITR está sujeito a revisão limitada dos auditores independentes e a DFP deve ser objeto de revisão completa.

A companhia deverá, ainda, publicar anúncios de Fatos Relevantes sem-pre que atos ou fatos possam ter impacto relevante na negociação dos seus valores mobiliários.

Acionistas controladores e administradores de companhia de capital aberto devem notificar a CVM e a bolsa de valores ou mercado de balcão organizado onde os valores mobiliários de tal companhia podem ser co-

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129MERCADO DE CAPITAIS

mercializados caso haja um aumento de 5% em sua propriedade de qual-quer tipo ou classe de ações da companhia.

As informações a serem providenciadas incluem o número ações com-pradas, o preço pelo qual as ações foram adquiridas, as razões e os objeti-vos relacionados à negociação e uma declaração do comprador relacionada à existência de qualquer contrato relacionado ao exercício do direito a voto ou à transferência de valores mobiliários emitidos pela companhia.

Bolsas de Valores

A principal, para não dizer a oficial, bolsa de valores brasileira é a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBovespa S.A.), na qual são regularmente negociadas ações, commercial papers, debêntures,quotas de fundos e derivativos.

Sediada em São Paulo, a BM&FBovespa é a segunda maior bolsa de valores das Américas e a terceira maior do mundo. A BM&FBovespa está ligada a todos as bolsas de valores brasileiras, incluindo a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ), onde são negociados apenas títulos. O indicador de referência da BM&FBovespa é denominado Ibovespa e, em fevereiro de 2011, haviam 467 empresas negociadas na BM&Fbovespa.

Estão incluídas entre as funções das bolsas de valores organizar, manter, registrar e supervisionar operações com valores mobiliários. Para tanto, as bol-sas de valores podem estabelecer regras adicionais às emitidas pela CVM.

Em 11 de Dezembro de 2000, a Bovespa lançou um novo mercado para a negociação de ações (“Novo Mercado”) para companhias que aceitem estar vinculadas por regras de governança corporativa e societária de di-vulgação de informações (disclosure) mais rigorosas que as estabelecidas pela legislação brasileira, sendo que nesse segmento, as empresas regis-tradas se obrigam a (i) só emitir ações ordinárias, (ii) manter ao menos 25% das ações emitidas no mercado, (iii) estender a todos os acionistas os mesmos termos e condições obtidos pelos acionistas controladores no caso de venda do controle, (iv) disponibilizar balanço anual seguindo as nor-mas do US GAAP ou IAS GAAP; e (v) divulgar informações relativas à negociação com partes relacionadas (related party transactions). Segundo dados de fevereiro de 2011, já são 168 as companhias listadas nos segmen-

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130 EDUARDO SIMÕES LANNA

tos diferenciados de Governança Corporativa da Bolsa, sendo 112 no Novo Mercado, 18 no Nível 2 e 38 no Nível 1.

Importante destacar que, apesar do mercado de capitais brasileiro ser relativamente novo no comércio mundial de valores mobiliários ao se com-parar com os mercados europeus e norte-americano, o mesmo vem se des-tacando pela modernidade e maturidade nas suas operações, o que pode ser observado pela recuperação do mercado de capitais brasileiro em face da crise econômica mundial de 2008:

tipo de oferta

2008 2009nº de regis-tros

volume em R$nº de regis-tros

volume em R$

Ações 13 34.003.995.876,43 28 32.280.348.057,00Certificado audiovisual 115 110.269.545,00 95 124.191.783,00

Certificado de Depósito de Ações 2 875.007.007,00 2 14.850.375.000,00

Certificado de Recebíveis

Imobiliários28 830.736.816,29 36 1.223.975.134,25

Debêntures 25 37.458.538.000,00 20 11.080.348.105,00

Notas promissórias 44 25.907.750.000,00 35 9.510.629.300,80

Quotas FIDC/ FIC-FIDC/ FIDC-NP 72 10.020.850.000,00 32 8.212.657.727,10

Quotas FIP/ FIC-FIP 72 20.050.464.950,10 22 7.256.909.827,26

Quotas FUNCINE 3 130.000.000,00 5 190.000.000,00

Quotas de Fundo Imobiliário 23 560.715.520,00 23 2.877.621.401,44

Título de Investimento

Coletivo3 712.786.700,00 0 0,00

TOTAL 400 130.661.114.414,82 298 87.607.056.335,85

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131MERCADO DE CAPITAIS

Mercado de Balcão

O Mercado de Balcão Organizado é caracterizado como uma 2ª verten-te para negociação de valores mobiliários que não nas bolsas de valores, sendo constituído por sociedades ou companhias comerciais especifica-mente constituídas com o propósito de negociar valores mobiliários, em concordância com as regras da CVM e sujeitas à sua aprovação prévia.

O Mercado de Balcão, por seu turno, possui uma lista taxativa dos valo-res que podem ser objeto de negociação de sua competência, quais sejam:

(i) valores mobiliários registrados na CVM para negociação no Merca-do de Balcão Organizado;

(ii) certificados de investimentos em trabalhos audiovisuais;

(iii) quotas de fundos de investimento fechado, os quais estão sujeitos à distribuição pública (tais como fundos mútuos de investimento em ações, fundos mútuos de investimento imobiliário e outros); e

(iv) outros valores mobiliários expressamente autorizados pela CVM.As operações no Mercado de Balcão Organizado são usualmente rea-

lizadas por telefone pelos corretores/intermediários em seus escritórios e não são coordenados pela CVM, embora estejam sujeitas a sua supervisão. O preço e o volume das operações completadas no Mercado de Balcão Organizado não são publicadas regularmente.

Importante destacar que, dentro do gênero de mercado de balcão, existe, ainda, o mercado não organizado que é definido pelo Artigo 3º da Instru-ção nº 202 da CVM como compreendendo todo negócio conduzido fora das bolsas de valores com intermediação de membros do mercado de va-lores mobiliários.

Necessário que fique estanque, todavia, que, as ações que são negocia-das na bolsa de valores não podem ser negociadas no mercado de balcão, exceto no caso de distribuição pública.

eStRutuRa oRganiZaCional

A estrutura do Sistema Financeiro Nacional pode ser sintetizada confor-me representação do organograma abaixo, em que, no topo da “pirâmide”

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132 EDUARDO SIMÕES LANNA

se localiza o Conselho Monetário Nacional, responsável pelas diretrizes econômicas do país, até se alcançar a Bolsa de Valores em sua base, onde as diretrizes são sedimentadas na sua prática efetiva.

o CaPital eStRangeiRo no bRaSil

A Lei nº. 4.131, de 03 de setembro de 1962 (Lei de Capitais Estrangei-ros), e suas alterações, regulam o investimento estrangeiro no Brasil. De acordo com essa Lei, os investimentos estrangeiros no Brasil devem ser re-gistrados no Banco Central do Brasil para possibilitar a remessa de lucros e/ou juros sobre capital próprio aos investidores estrangeiros, bem como a repatriação de capital em moeda estrangeira investido no País e ainda o registro no Banco Central do reinvestimento de lucros e/ou juros sobre capital próprio.

O artigo 1º da Lei nº. 4.131/1962 considera como capitais estrangeiros: (i) os bens, máquinas e equipamentos detidos por indivíduos ou sociedades residentes ou domiciliados no exterior ingressados no Brasil sem dispên-dio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem

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133MERCADO DE CAPITAIS

como (ii) recursos financeiros ou monetários detidos por indivíduos ou sociedades residentes ou domiciliados no exterior, introduzidos no Brasil para aplicação em atividades econômicas.

Assim, investimento estrangeiro, para a legislação brasileira, inclui: (i) bens importados por sociedades sediadas no País, para contribuição de capital (e.g. máquinas e equipamentos); (ii) capitalização de créditos es-trangeiros remissíveis e (iii) o envio efetivo de fundos ao Brasil, como contribuição de capital.

Com o intuito de estimular os investimentos estrangeiros no País, o Governo Brasileiro vem eliminando restrições a tais investimentos em determinados setores da economia nacional, entretanto, alguns segmentos ainda estão sujeitos à restrições, devido à sua importância política, econômica ou de segurança nacional, tais como os exemplos dispostos abaixo:

(i) Exploração e aproveitamento de jazidas, minas e demais recursos minerais e potenciais de energia hidráulica;

(ii) Exploração, pesquisa e lavra de petróleo e gás natural;

(iii) Navegação de cabotagem para o transporte de mercadorias, salvo determinados casos;

(iv) Propriedade e administração de empresas jornalísticas e de ra-diodifusão sonora e de sons e imagens (limitado a 30% do capital votante, sendo que a participação de estrangeiros em tais empre-sas somente pode se dar de forma indireta, por meio de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no Brasil);

(v) Investimento em serviço de televisão a cabo (limitado a 49% do ca-pital votante);

(vi) Estabelecimento de indústrias que interessem à segurança nacio-nal e prática de determinadas atividades nas faixas fronteiriças;

(vii) Aquisição de imóvel rural por estrangeiro, se situado em área con-siderada indispensável à segurança nacional;

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134 EDUARDO SIMÕES LANNA

(viii) Investimento em empresas aéreas (a concessão somente será dada a pessoa jurídica brasileira com sede no Brasil, que pode ter até 1/5 do capital com direito a voto detido por estrangeiros);

(ix) Transporte rodoviário de cargas (limitado a 1/5 do capital com direi-to a voto);

(x) Assistência à saúde, salvo determinados casos; e

(xi) Constituição ou aquisição de instituições financeiras no Brasil.

inveStimentoS no meRCado de CaPitaiS

Importante destacar, de plano, que as regras para investimento estran-geiro direto não se confundem com o investimento no mercado de capitais, apesar de ambos serem necessariamente precedidos de registro perante o Banco Central.

A legislação brasileira permite o investimento no mercado de capitais, por parte de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no ex-terior, por meio de aquisição de ações e demais valores mobiliários. Estes investimentos, denominados “investimentos em portfólio”, quando reali-zados por não-residentes, estão sujeitos ao registro no Banco Central e na Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

A propósito, nos termos da Circular nº 3.492/10 do Banco Central, que dispõe sobre o módulo RDE – Portfólio, para registro dos investimentos externos nos mercados financeiro e de capitais, reza seu artigo 3º que o registro inicial deve ser efetuado para cada investidor, mediante declara-ção da instituição administradora, anteriormente ao primeiro ingresso de recursos no País, utilizando as transações previstas no Sistema de Infor-mações Banco Central – SISBACEN.

De acordo com a regulamentação em vigor, são considerados como in-vestidores não-residentes, individuais ou coletivos, as pessoas físicas ou jurídicas, os fundos ou outras entidades de investimento coletivo, com re-sidência, sede ou domicílio no exterior.

Atualmente, é permitido o ingresso e trânsito livre dos investidores não-residentes a todos os produtos disponíveis no mercado local. Previamente ao início de suas operações, o investidor não-residente deve nomear um ou

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135MERCADO DE CAPITAIS

mais representantes no País que ficará responsável, entre outras funções, pela prestação de informações e registros no Banco Central e na CVM. Este representante não se confunde com aquele exigido pela legislação tributária, embora, na prática, tenda a assumir também essa função.

O investidor não-residente deve, por intermédio de seu representante, obter registro na CVM, que é efetuado por meio eletrônico, bem como deve ser realizado o registro dos recursos ingressados no País como “in-vestimento em portfólio” no Banco Central, efetuado de forma declaratória e por meio eletrônico, através do SISBACEN. O registro eletrônico inicial (“RDE/ Portfólio”) e suas atualizações constituem requisito obrigatório para quaisquer movimentações com o exterior e devem ser providenciados com anterioridade em relação às mesmas.

Em 26 de janeiro de 2000, o Conselho Monetário Nacional aprovou a Resolução nº 2.689, pela qual qualquer investidor, inclusive pessoa física e jurídica, não residente, individual ou coletivo, pode investir nos mer-cados brasileiros (financeiro e de capitais), podendo ser aplicados nos instrumentos e modalidades operacionais dos mercados financeiro e de capitais disponíveis ao investidor residente, seja em renda fixa ou em renda variável.

O investidor não residente passa a ter o mesmo registro para operar nos mercados de renda fixa e variável, podendo migrar livremente de uma apli-cação para outra. Para ter acesso a tais mercados, o investidor estrangeiro deverá constituir representante no Brasil, que será responsável pelo regis-tro das operações, preencher o formulário anexo à Resolução nº 2.689/00 e obter registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De acordo com os incisos I e II do art. 6º da Resolução CMN nº 2.689/00, os títulos e valores mobiliários do investidor estrangeiro deverão estar cus-todiados em entidade autorizada pela CVM ou Banco Central a prestar tal serviço, ou, ainda, registrados, conforme o caso, no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) ou em sistema de registro e de liquidação financeira administrado pela Central de Custódia e de Liquidação Finan-ceira de Títulos (CETIP).

Deve constar, em campo apropriado no contrato de câmbio, o número de registro do RDE, em todas as operações realizadas em nome do investidor não residente.

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136 EDUARDO SIMÕES LANNA

Nas remessas ao exterior a título de juros, retorno e ganho de capital, o banco interveniente é responsável pela verificação dos documentos a serem apresentados, os quais devem comprovar a distribuição de juros, a propriedade e a venda dos ativos que os geraram ou foram alienados, bem como o recolhimento dos tributos devidos.

Observada a legislação aplicável, os investimentos no mercado de capi-tais brasileiro estão sujeitos a regime especial de tributação, salvo deter-minadas exceções.

RegiStRo de inveStimento eStRangeiRo no banCo CentRal

O registro de investimento estrangeiro em sociedades brasileiras é efetuado eletronicamente, através de sistema computadorizado de informações do Banco Central (“SISBACEN”), por meio de um registro declaratório eletrônico (conhe-cido como RDE), no módulo específico do investimento, que, portfólio.

Para que seja possível a efetivação de tal registro, a instituição adminis-tradora ou custodiante deverá previamente obter uma senha de acesso ao SISBACEN, pelo qual ficará responsável submeter até o 5º dia útil de cada mês um relatório constando a situação atualizada do portfólio até o último dia do mês imediatamente subseqüente.

As empresas responsáveis pelo registro do portfólio deverão manter os documentos comprobatórios das declarações prestadas através do SISBA-CEN à disposição do Banco Central, pelo prazo de 5 (cinco) anos contados da data de cada registro.

Conforme mencionado acima, o registro de investimento estrangeiro é estabelecido pela Lei nº. 4.131/1962, para permitir a remessa de juros e ou-tros valores aos investidores estrangeiros, com relação aos investimentos realizados por eles em empresas brasileiras.

RemeSSa de luCRoS, dividendoS RendimentoS

Via de regra, não existem restrições à distribuição de lucros e sua con-seqüente remessa ao exterior. Os lucros gerados a partir de 1.1.1996 estão isentos de imposto de renda retido na fonte.

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137MERCADO DE CAPITAIS

As remessas relativas a lucros, rendimentos, retorno e ganho de capital devem ter sua destinação registrada no Módulo RDE, sendo que o banco interveniente fica responsável pela verificação dos documentos a serem apresentados pela instituição administradora, pelo custodiante ou repre-sentante do investidor não-residente.

O regime de tributação incidente sobre as aplicações financeiras man-tidas por não-residentes no Brasil são estabelecidas pela lei nº 11.033, de 21/12/2004, que dispõe que a alíquota do imposto de renda sobre os ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mer-cadorias, de futuros e assemelhadas será em regra de 15%.

A referida alíquota não se aplica, entretanto, paa os ganhos auferidos em operações de day trade, que se sujeitam às alíquotas de 1% na fonte e de 20% no final de cada período de apuração.

Importante destacar que, para as aplicações e investimento de renda fixa, o regime tributário adotodado é de critério de tributação decrescente, de acordo com o prazo de permanência dos recursos na aplicação.

Vale destacar que a incidência ou não de tributação, bem como a sua alíquota, depende da origem do investimento, sendo diferenciada para aqueles provenientes de países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à uma alíquota inferior a 20%, sendo nestes casos denoi-minado na legislação brasileiro como “tributação favorecida”.

Assim, vale a pena conferir as tabelas abaixo.Alíquotas incidentes para investidores não residentes oriundos de loca-

lidades com “tributação não favorecida”

impostoAções outros derivativos Renda

Fixaem bolsa

fora de bolsa em bolsa fora de bolsa

Ganhos de capital Isento 15% Isento 10% 0% ou

15%**Fluxo cambial* Isento 0,38% 0,38% 0,38% 0,38%

* Entrada no Brasil ou remessas para o exterior de recursos financeiros. (A tributação ocorre de acordo com o destino dos recursos.)

** Os ganhos de capital de renda fixa (denominados “rendimentos” no Brasil) refe-rentes a títulos públicos federais possuem alíquota zero, e os demais, 15%. (Títulos públicos são títulos de dívida emitidos pelo tesouro nacional, cujo risco de crédito

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138 EDUARDO SIMÕES LANNA

é soberano (governo brasileiro). Os títulos públicos podem estar atrelados a inde-xadores como inflação, taxa de câmbio ou taxa de juros. Ou ainda simplesmente serem pré-fixados).

Alíquotas incidentes para investidores não residentes oriundos de loca-lidades com “tributação favorecida”.

impostoAções outros derivativos Renda

Fixaem bolsa fora de bolsa em bolsa fora de bolsa

Ganhos de capital 15% 15% 15% 10% depende do prazo**

Fluxo cambial* Isento 0,38% 0,38% 0,38% 0,38%Investimentos Isento 0,38% 0,38% 0,38% 0,38%

Day trades 20% 20% 20% 20% n.d.

* Entrada no Brasil ou remessas para o exterior de recursos financeiros. (A tributação ocorre de acordo com o destino dos recursos.)

** As alíquotas referentes a ganhos de capital de renda fixa (denominados rendimen-tos no Brasil) são:

- 22,5% para operações até 180 dias; - 20% para operações de 181 dias a 360 dias; - 17,5% para operações de 361 dias a 720 dias; e - 15% para operações de acima de 720 dias.ecida”.

O Brasil assinou tratados para evitar dupla tributação com os seguin-tes países: Alemanha; Argentina; Áustria; Bélgica; Canadá; Chile; China; Coréia; Dinamarca; Equador; Eslováquia; Espanha; Filipinas; Finlândia; França; Holanda; Hungria; Índia; Israel; Itália; Japão; Luxemburgo; No-ruega; Portugal; República Tcheca;; e Suécia.

inSCRição de PeSSoaS fíSiCaS e SoCiedadeS eStRangeiRaS no CPf e CnPj

De acordo com a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº.1.005, de 08 de fevereiro de 2010, as pessoas físicas e jurídicas domici-liadas no exterior, que possuam no Brasil bens e direitos sujeitos a registro público, estão obrigadas a se inscrever no CPF (Cadastro das Pessoas Físi-cas) e CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), respectivamente.

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139MERCADO DE CAPITAIS

• De acordo com tal Instrução Normativa, as pessoas jurídicas estran-geiras são obrigadas a se inscrever no CNPJ nas seguintes hipóteses:Se possuírem imóveis, veículos, embarcações, aeronaves, participa-ções societárias, contas-correntes bancárias, aplicações no mercado financeiro, aplicações no mercado de capitais, bens intangíveis com prazo de pagamento superior a 360 (trezentos e sessenta dias) e fi-nanciamentos;

• Se praticarem importação financiada, arrendamento mercantil exter-no (leasing), arrendamento simples, aluguel de equipamentos e afre-tamento de embarcações, importação de bens sem cobertura cam-bial, destinados à integralização de capital de empresas brasileiras, empréstimos em moeda concedidos a residentes no país, investimen-tos e outras operações estabelecidas pela Cocad (Coordenação-Geral de Gestão de Cadastros da RFB).

O procedimento referente à inscrição no cadastro das pessoas físicas (CPF) será realizado através da Receita Federal do Brasil, enquanto o re-ferente ao cadastro das pessoas jurídicas estrangeiras (CNPJ) será feito exclusivamente através do Sistema Eletrônico de Informações do Banco Central (SISBACEN).

RefeRênCiaS bibliogRáfiCaS

BRASIL, Lei n. 4.131, de 03 de setembro de 1962.BRASIL, Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964.BRASIL, Lei n. 6.385, de 07 de dezembro de 1976.BRASIL, Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976.BRASIL, Lei n. 11.033, de 21 de dezembro de 2004.Site do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br), no dia 24 de mar-ço de 2011.Site da BM&FBovespa (www.bmfbovespa.com.br), no dia 28 de março de 2011.Site Portal do Investidor (www.portaldoinvestidor.gov.br), no dia 28 de março de 2011.

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coNsIderaÇÕes acerca da oFerta PÚBlIca INIcIal de aÇÕes

juliano langaro da [email protected]. Especialista em Direito Societário

pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Advogado sócio de Lippert & Cia. Advogados (Aliado em Porto Alegre/RS)

Sumário: 1. Introdução – 2. A Ofeta Pública Inicial. – 2.1. Definição das Ca-racterísticas da Operação. – 2.2. Adequação Societária e Contábil. – 2.3. Registro como Companhia Aberta. – 2.4. Due Diligence - 2.5. Instituições Intermediárias (Underwriter). – 2.6. Prospecto e Estudo de Viabilidade Econômica. – 2.7. Regis-tro da Oferta Pública de Ações. – 2.8. Aviso ao Mercado, Road Show e Bookbuil-ding.- 2.9. Período de Reserva. - 2.10. Pricing – 3. Conclusão. – 4. Bibliografia.

1. intRodução

Após anos de recessão, planos econômicos fracassados e altos índices inflacionários, a economia brasileira emerge dentre as mais sólidas econo-mias mundiais. Por meio do Plano Real, a inflação foi contida e a indústria nacional iniciou um contínuo e sustentável processo de crescimento.

Em função da estabilização econômica e do aquecimento do mercado consumidor, aliado ao ingresso de recursos externos, tanto de forma direta, por meio da aquisição de participações societárias, como de forma indireta, por meio de operações financeiras, as empresas nacionais viram-se compeli-das a ampliar suas operações e procurar fontes de recursos financeiros. Para tanto, havia duas alternativas: buscar capital de terceiros via empréstimos ou recorrer ao mercado de capitais cuja função é justamente unir os poupadores que possuem excesso de recursos disponíveis, com os tomadores, que neces-sitam destes recursos para financiar seus projetos de investimento.

Tendo em vista o alto custo dos empréstimos, a busca de recursos por meio dos processos de abertura de capital com oferta pública de valores

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mobiliários tornou-se uma opção bastante atrativa1. Em 2006, por exemplo, houve recorde de ofertas públicas iniciais (IPOs). No total, 26 companhias abriram seu capital, número superior à soma dos dez anos anteriores, pe-ríodo em que apenas 20 companhias haviam realizado esse tipo de opera-ção, sendo 16 IPOs entre 2004 e 2005. No total, as captações atingiram R$ 15,2 bilhões, representando 50,3% do volume total de ofertas, contra R$ 4,36 bilhões captados em 2005, o que significou expansão de 248,62%.2

Dada a relevância do tema para os dias atuais, principalmente neste período de pós-crise econômica em que existe grande expectativa do mercado de ca-pitais no sentido de estabelecer novos recordes, o presente artigo apresenta breves considerações o funcionamento do processo de IPO.

2. a ofeRta PúbliCa iniCial3

O IPO é um processo que reúne etapas distintas e complementares, nas quais ocorre a análise de fatores operacionais, econômicos, financeiros,

1 “A captação de recurso por meio de fontes externas aumenta o nível de endivida-mento e, conseqüentemente, reduz a capacidade da empresa de reobtê-los. Já as fontes próprias melhoram o nível de endividamento, e além de possibilitarem no-vas obtenções de recursos, também reduzem o endividamento e ampliam a capaci-dade de obtenção de recursos externos, caso seja necessário. Quando uma empresa precisa fortalecer sua base de capital próprio, nem sempre os atuais acionistas são capazes de subscrever as ações de uma nova emissão. Nesse caso é preciso que mais gente se associe àquela empresa. [...] As necessidades satisfeitas pela abertura de capital, normalmente, estão ligadas à necessidade de financiamento dos projetos de expansão, como, por exemplo: ampliação da produção; modernização da empre-sa; criação de novos produtos; informatização; etc...” (PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de capitais : fundamentos e técnicas. Atlas: p. 98/99.)

2 Anuário Estatístico das Companhias Abertas 2007. Abrasca – Associação Brasilei-ra das Companhisa Abertas. Ano 3, n.3

3 Apesar o art. 19, § 1º, da Lei 6.385/76 defina como oferta pública de valores mobi-liários “a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários, quando os pra-tiquem a companhia emissora, seus fundadores ou as pessoas a ela equiparadas”, e o art. 3º da ICVM 400 complemente o diploma legal antes referido, relacionando uma série de hipóteses configuradoras da oferta pública, existem dois elementos sub-jetivos fundamentais que devem ser analisados para fins de configuração da oferta pública: o nível de sofisticação dos investidores e o acesso a informações sobre a companhia e os títulos em questão. Sobre o tema, consultar a obra EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

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contábeis, fiscais, societários e legais da companhia emissora e seus acio-nistas. Caso a companhia emissora integre um grupo societário de fato (si-tuações de controle ou coligação), a análise destas companhias comumente se faz necessária.

O cronograma básico de um processo de IPO é o seguinte:

Cronograma Ilustrativo para IPO

D-0Publicação de aviso ao mercado; Apresentação de prospecto preliminar; Início do procedimento de bookbuilding (coleta de intenções de investi-mento); Início do road show.

D+7Publicação do segundo aviso ao mercado (este com os logotipos das corretoras consorciadas); Início do período de reserva (investidores não institucionais).

D+14 Encerramento do período de reserva;

D+15Encerramento do road show; Encerramento do bookbuilding; Definição do preço por ação; Assinatura do contrato de distribuição, entre outros relacio-nados à oferta.

D+16 Registro da oferta pela CVM; Publicação do anúncio de início de oferta pública; Apresentação do prospecto definitivo.

D+17 Início da negociação das ações na Bovespa; Início do prazo de exercício da opção de lote suplementar de ações.

D+22 Data de liquidação da operação.

D+45 Encerramento do prazo para colocação do lote suplementar.

D+50 Prazo máximo para liquidação do lote suplementar.

D+52 Prazo máximo para publicação do anúncio D+52 de encerramento.1

De outro lado, como condição para o início das etapas descritas do crono-grama acima, a companhia passa por uma fase prévia de preparação.

A seguir, portanto, abordar-se-ão tanto os aspectos preliminares ao pro-cesso de IPO como as suas principais fases.

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2.1. Definição das Características da Operação

A etapa de preparação da companhia para o processo de IPO começa com a definição da melhor forma da operação a ser realizada. Nela são de-finidos, por exemplo, se a oferta será primária, secundária ou mista4, qual o volume de recursos envolvido, quais valores mobiliários serão ofertados ao mercado5, o público alvo, os procedimentos de distribuição, as garan-tias a serem oferecidas aos investidores, e, se for o caso, a remuneração que será atribuída aos títulos, o plano de repactuação ou de conversão em ações, no caso de debêntures, tipo e o preço do título, os custos de todo o processo e análise de viabilidade econômica.

É nesta etapa que a companhia deve definir qual será o padrão de gover-nança corporativa da Bolsa de Valores (“Bovespa”) que irá adotar. Neste sentido, abaixo é apresentado um quadro sintético relacionando as prin-

4 “Distinguem-se duas modalidades de ofertas públicas de distribuição: as chamadas ofertas primárias e as secundárias. Nas ofertas primárias, a companhia emite novos valores mobiliários, com o objetivo de proceder à sua colocação perante os investi-dores e os recursos obtidos são revertidos para a própria companhia emissora, fim de financiar seus projetos de desenvolvimento ou suas necessidades de caixa. (...) As ofertas secundárias, por sua vez, são aquelas em que os acionistas da companhia ou titulares de outros valores mobiliários de sua emissão vendem ao mercado, também mediante apelo ao público, os títulos de sua propriedade já emitidos pela compa-nhia. Nesse caso, os recursos pagos pelos investidores para adquirir as ações ou os outros valores mobiliários ofertados não são destinados à companhia emissora, mas aos próprios ofertantes. As ofertas secundárias constituem, normalmente, a forma utilizada pelos acionistas controladores ou outros investidores estratégicos que re-alizaram investimentos em companhias fechadas para obter retorno financeiro em seus investimentos e/ou dar liquidez aos títulos de sua propriedade. Note-se, ainda, que é bastante comum a existência, na prática do mercado, de ofertas mistas, isto é, aquelas em que parte dos valores mobiliários ofertados provém de uma nova emissão de companhia e outra parte tem origem em títulos já emitidos.” (in EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 133/134)

5 “A abertura plena do capital se dá através do lançamento de ações junto ao pú-blico, dado o volume de negócios resultante e as transformações por que passa a companhia. Poder-se-ia dizer que a abertura de capital através dos outros valores mobiliários aqui considerados, sobretudo as debêntures conversíveis e os bônus de subscrição, seria um estágio preliminar à plena abertura.” (in http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/publ_200.asp. Acesso em 30/06/2010)

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cipais características de cada um dos níveis de governança corporativa fixados pela Bovespa:

* Fonte: http://www.bmfbovespa.com.br/empresas/pages/empresas_governanca-corpo-rativa.asp. Acesso em 30/06/2010.

Bovespa Mais Novo Mercado Nível II Nível I Tradicional

Percentual Mínimo de

Ações em Cir-culação (free

float)

25% de free float até o

sétimo ano de listagem,

ou condições mínimas de

liquidez

No mínimo 25% de free

float

No mínimo 25% de free

float

No mínimo 25% de free float

Não há regra

Características das Ações Emi-

tidas

Somente ações ON

podem ser negociadas e emitidas, mas é permitida a existência de

PN.

Permite e existência so-

mente de ações ON

Permite e existência de

ações ON e PN (com direitos

adicionais)

Permite e existência de

ações ON e PN

Permite e existência

de ações ON e PN

Conselho de Administração

Mínimo de três membros

Mínimo de cinco membros dos quais pelo

menos 20% devem ser in-dependentes

Mínimo de cinco membros dos quais pelo

menos 20% devem ser in-dependentes

Mínimo de três membros

Mínimo de três mem-

bros

Demonstrações Financeiras Anuais em

Padrão Inter-nacional

Facultativo US GAAP ou IFRS

US GAAP ou IFRS Facultativo Facultativo

Concessão de Tag Along

100% para ações ON

100% para ações ON

100% para ações ON

80% para ações PN

80% para ações ON

80% para ações ON

Adoção da Câmara de

Arbitragem do Mercado

Obrigatório Obrigatório Obrigatório Facultativo Facultativo*

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Ajustados os aspectos macro da oferta, o próximo passo é realizar a reestruturação societária e contábil da companhia de forma a prepará-la e enquadrá-la aos requisitos legais.

2.2. Adequação Societária e Contábil

Os termos das adequações societárias e contábeis irão variar de opera-ção para operação, dependendo fundamentalmente das estruturas societá-ria e contábil existentes, do tipo de oferta pública desejada e dos interesses dos acionistas. Porém, é possível definir alguns pontos-chave deste perí-odo de reestruturação, comum a grande maioria das companhias que se preparam para o IPO.

Com relação à questão societária, em geral, a reestruturação da com-panhia compreende os seguintes atos e negócios jurídicos: (i) realização de uma assembleia geral de acionistas autorizando a abertura de capital; (ii) adaptação do estatuo social da companhia, a fim de criar o cargo de Diretor de Relações com Investidores (DRI), constituir ou adequar o con-selho de administração, organizar as classes e espécies de ações emitidas, regular o direito de voto, rever as competências da assembleia geral e do conselho de administração e constituir o conselho fiscal; (iii) criação de uma área de atendimento aos acionistas/debenturistas; (iv) implementação dos padrões de governança corporativa da Bovespa; (v) a celebração de acordo de acionistas entre os controladores, regulando direito de voto e veto, compra e venda de ações, inclusive com possibilidade de período de lock-up, forma de exercício do poder de controle, critérios para eleição dos administradores, etc.; (v) elaborar mecanismos de defesa para proteger os ofertantes/acionistas contra eventuais questionamentos e pedidos indeni-zatórios dos investidores supostamente prejudicados em função da falta ou erro de informações contidas no prospecto (due diligence defense).

No que tange aos aspectos contábeis, o mercado de capitais exige cada vez mais das companhias abertas um elevado nível de transparência de suas informações gerenciais, contábeis e financeiras, de forma que os in-vestidores tenham condições de avaliar a viabilidade econômica do empre-endimento e o risco que estão assumindo ( full disclosure).

Para se enquadrar às exigências legais, a companhia, assim como suas controladoras, controladas e coligadas, deverão observar não somente o

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disposto na Lei 6.404/76, que regula os padrões brasileiros contábeis, mas também os pronunciamentos do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), as normas e orientações expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e os pronunciamentos emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).6

Ademais, com o propósito de examinar os registros contábeis e demons-trações financeiras da companhia e do grupo societário do qual ela faz parte, no que tange à coerência e consistência das informações e à obser-vância dos princípios de contabilidade geralmente aceitos, a companhia deve contratar uma empresa de auditores independentes devidamente re-gistrados na CVM, conforme dispõem a Lei nº 6.385, de 07/12/76, e a Instrução CVM nº 308/99.

Todas estas mudanças impõem exaustivo trabalho aos agentes envol-vidos na operação, pois a forma de estruturação e processamento das in-formações contábeis toma um grau de sofisticação e detalhamento muito superior ao de companhia de capital fechado.

2.3. Registro como Companhia Aberta

A Instrução CVM 480 (“ICVM 480”) tem como objetivo regular o registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados e fixar as obrigações acessórias decorrentes de referido registro.

O emissor pode requer o registro de companhia aberta na CVM dentro de uma das seguintes categorias: A - autoriza a negociação de quaisquer valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores mobiliários; ou B - autoriza a negociação de valores mobiliários do emis-sor em mercados regulamentados de valores mobiliários, exceto de ações e certificados de depósito de ações e valores mobiliários que confiram ao titular o direito de adquirir ações e certificados de depósito de ações em consequência da sua conversão ou do exercício dos direitos que lhes são

6 Cumpre salientar que, após a entrada em vigor da Lei 11.638/07, que alterou a Lei 6.404/76, as informações contábeis das companhias abertas deverão ser estrutura-das de acordo com os padrões internacionais (IFRS) emitidos pelo International Accounting Standards Board (IASB).

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inerentes, desde que emitidos pelo próprio emissor dos valores mobiliários referidos ou por uma sociedade pertencente ao grupo do referido emissor.

A fim de instruir o pedido de registro, o emissor deve apresentar à Su-perintendência de Relações com Empresas – SEP da CVM um amplo rol de documentos societários, contábeis e financeiros, todos relacionados no Anexo III da ICVM 480.

Inexistindo problemas na documentação que instrui o pedido, o registro de companhia aberta deve ser concedido no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis contados do protocolo.

2.4. Due Diligence

O papel da due diligence é essencial em uma operação de abertura de capital, pois é por meio dela que todas as informações relativas a aspectos legais e contábeis da companhia são analisados de forma minuciosa por todos os agentes envolvidos na operação (advogados, contadores, empre-sas de auditoria, underwriters, etc.) antes de serem incluídas no Prospecto. Esta etapa tem como objetivo fazer com que o Prospecto do IPO cumpra com os requisitos impostos pela legislação, ou seja, que contenha informa-ção completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criterio-samente a sua decisão de investimento.

Um processo de due diligence bem elaborado dará segurança para am-bos os polos da operação: de um lado, os riscos de questionamentos e pedidos indenizatórios por parte dos investidores em face da companhia e/ou dos ofertantes será bastante reduzido, e, de outro lado, os investidores terão condições de formar a sua decisão de investimento.

Todas as informações necessárias para a due diligence são reunidas na comumente chamada “Sala de Informações” ou “data room”, que pode ser tanto físico como virtual. Lá são disponibilizadas informações rela-tivas a, por exemplo, contratos firmados pela companhia, ativos, situação fiscal, tributária e trabalhista, contingências, certidões relativas aos con-troladores, garantidores e ofertantes e documentos societários. Com base nos documentos fornecidos e nas reuniões havidas com os demais agentes envolvidos no IPO, é elaborada pelos advogados uma legal opinion, que se

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constitui em parecer jurídico contendo a análise das informações colhidas durante a due diligence. Os auditores independentes contratados, de seu turno, elaborarão uma carta de conforto com relação aos aspectos contá-beis da companhia.

2.5. Instituições Intermediárias (Underwriter)

O underwriting consiste na contratação pela companhia emissora dos valores mobiliários de um intermediário financeiro, autorizado pelo Banco Central do Brasil (BACEN) para esse tipo de operação, que será respon-sável pela colocação de uma subscrição pública de ações ou obrigações no mercado (“underwriter”).

Nos termos do art. 19, § 3º, da Lei 6.385/76 e dos arts. 33 a 37 da Instru-ção CVM 400 (“ICVM 400”), a presença do underwriter no processo de IPO é obrigatória.

A contratação do underwriter tem como finalidade suprir a inexperi-ência das companhias junto ao mercado de capitais, reduzindo assim os riscos inerentes ao processo da oferta pública, dentre os quais cita-se: (i) riscos de espera: reside nas eventuais mudanças mercadológicas e econô-micas ocorridas no lapso temporal decorrido entre os atos preparatórios (projeto da operação, elaboração de documentos econômicos, financeiros e legais) e o dia da oferta pública; (ii) erro na fixação do preço de lançamento dos valores mobiliários; (iii) falta de expertise na alienação dos títulos no mercado de capitais.7 Com efeito, o underwriter assume uma postura de

7 “O primeiro de tais riscos é o chamado ‘risco de espera’ (waiting risk), referente ao lapso temporal que transcorre entre o momento em que a companhia verifica a necessidade de captar recursos, projeta a operação, atende às exigências legais e administrativas, e a data do efetivo lançamento dos títulos no mercado. Durante esse interregno, é possível que as condições do mercado sejam substancialmente afetadas por questões políticas, econômicas ou de outra índole que impeçam que a oferta pública seja levada a cabo ou que dificultem a colocação dos títulos perante os investidores. Há também o risco proveniente da fixação do preço de lançamen-to dos títulos (pricing risk), que deve ser objeto de acurada análise, não somente por conta da complexidade técnica relativa à valorização – especialmente no caso de ofertas públicas primárias, já que os papéis a serem emitidos não apresentam cotação no mercado secundário – mas principalmente por casa do conflito por que passa toda companhia emissora entre, por um lado, obter o maior preço possível e,

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consultor da operação, servindo como ponte entre a companhia e o mer-cado de capitais.

A contratação do underwriter pode ser feita sob as seguintes categorias:

(i) underwriting de melhores esforços (best efforts): No underwriting “best efforts” (melhores esforços), a instituição financeira contratada se compromete a realizar os melhores esforços, no sentido de coloca-ção dos títulos emitidos pela empresa junto ao mercado. Não há, por parte do intermediário financeiro, nenhuma garantia de colocação da totalidade das ações do lançamento. A empresa corre o risco de não conseguir aumentar o seu capital no montante pretendido, uma vez que assume todos os riscos do lançamento.

(ii) underwriting de stand-by: Subscrição em que a instituição fi-nanceira se compromete a colocar as sobras junto ao público em de-terminado espaço de tempo, após o qual ela mesmo subscreve o total das ações não colocadas. Decorrido o prazo, o risco de mercado é do intermediário financeiro.

(iii) Underwriting firme (straight): Operação em que a instituição financeira subscreve integralmente a emissão para revendê-la poste-riormente ao público. Selecionando esta opção, a empresa assegura a entrada de recursos. O risco de mercado é do intermediário finan-ceiro.

Conforme a complexidade e o volume financeiro da oferta, instituiões financeiras podem se unir sob forma de consórcio a fim de reduzir os ris-

por outro, estabelecer um preço que seja atrativo para os investidores. Com efeito, a determinação de um preço muito baixo fará com que a companhia capte volume menor de recursos do que teria condições, ao passo que um preço muito alto poderá comprometer a colocação. Por fim, há o risco de distribuição pública dos títulos (marketing risk), resultante das dificuldades d venda dos papéis por quem não dis-põe de uma estrutura especializada e não tem condições de prever como evoluirá o mercado. Os underwriters , ao contrário da companhia emissora, possuem o cha-mado ‘poder de colocação’ (placing power) que lhes garante expertise na distribui-ção dos valores mobiliários, haja vista a estrutura profissional de que dispõem.” (EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008 p. 164/165)

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cos envolvidos na operação. Neste caso, uma das instituições é indicada como coordenador líder.

2.6. Prospecto e Estudo de Viabilidade Econômica

Documento elaborado pelo ofertante juntamente com a instituição líder da distribuição, o prospecto é o elemento mais importante de uma oferta pública inicial de valores mobiliários, pois contém toda a história da com-panhia, como funciona mercado em que ela está inserida, quais as expec-tativas do setor, as informações jurídicas, contábeis, fiscais e financeiras, enfim toda uma gama de dados8 para que os investidores possam formar criteriosamente a sua decisão de investimento, nos termos do art. 38 da Lei 6.385/76.9

Prática muito utilizada no mercado financeiro para ofertas públicas ini-ciais é a utilização dos prospectos preliminares, pois com eles a emissora e o coordenador líder da oferta podem anunciar a oferta ao mercado, pro-movê-la aos investidores e coletar as intenções de investimento, conforme será tratado adiante.

8 Sem prejuízo de outras informações exigidas pela CVM, os requisitos mínimos do Prospecto são: (i) a oferta; (ii) os valores mobiliários objeto da oferta e os direitos que lhes são inerentes; (iii) o ofertante; (iv) a companhia emissora e sua situação patrimonial, econômica e financeira; (v) terceiros garantidores de obrigações rela-cionadas com os valores mobiliários objeto da oferta; e (vi) terceiros que venham a ser destinatários dos recursos captados com a oferta

9 “Prospecto é o documento elaborado pelo ofertante em conjunto com a instituição líder da distribuição, obrigatório nas ofertas públicas de distribuição de que tra-ta esta Instrução, e que contém informação completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criteriosamente a sua decisão de investimento.” Nesta mesma li-nha, o artigo 15 do Real Decreto 261/92 dispõe: “El folleto se ajustará a los mo-delos aprobados por el Ministero de Economía y Hacienda o, con su habilitación expresa, por la Comisión Nacional del Mercado de Valores, previo informe en este último supuesto de los órganos competentes de la Administración tributaria en lo relativo a las precisiones en materia de régimen fiscal a incluir en el folleto infor-mativo. Contendrá los datos necesarios para que los destinatarios de la emisión puedan formarse un juicio completo y razonado sobre la misma, los valores que la integran y el emisor.” (http://www.derecho.com/l/boe/real-decreto-291-1992-emi-siones-ofertas-publicas-venta-valores/#A15. Acesso em 30/06/2010)

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Em alguns casos, além do Prospecto, é exigido que a companhia apre-sente Estudo de Viabilidade Econômica. Sua obrigatoriedade emerge quando: (i) a oferta tenha por objeto a constituição de companhia, (ii) a companhia exerça a sua atividade há menos de dois anos e esteja realizan-do a primeira distribuição pública de valores mobiliários, (iii) a fixação do preço da oferta baseie-se, de modo preponderante, nas perspectivas de ren-tabilidade futura da companhia, (iv) houver emissão de valores mobiliários em montante superior ao patrimônio líquido da companhia, considerando o balanço referente ao último exercício social, e (v) os recursos captados visarem à expansão ou diversificação das atividades ou investimentos em controladas ou coligadas companhia tenha apresentado patrimônio líquido negativo, ou tenha sido objeto de concordata ou falência nos três exercícios sociais que antecedem a oferta.

2.7. Registro da Oferta Pública de Ações

Obrigatório para a oferta pública de valores mobiliários nos mercados primário e secundário, o processo de registro perante a CVM é regulamen-tado pela ICVM 400, que tem como objetivo assegurar a proteção dos in-teresses do público investidor e do mercado em geral, deve ser apresentado pelos fundadores e/ou pela companhia, conforme o caso, em conjunto com a instituição líder da distribuição10.

10 A ICVM 400 dispensa automaticamente o registro, isto é, sem necessidade de au-torização da CVM, as ofertas públicas que envolverem (i) ações de propriedade de pessoas jurídicas de direito público e de entidades controladas direta ou indireta-mente pelo Poder Público, (ii) lote único e indivisível de valores mobiliários, e (iii) valores mobiliários de emissão de empresas de pequeno porte e de microempresas, limitado ao valor de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) para uma mesma emissora em cada período de 12 meses. Além disso, conforme os §§ 1º e 2º do art. 5º da ICVM 400, existe uma exceção à regra de dispensa automática de registro da oferta pública na CVM, que é no caso de oferta pública envolvendo lote único e indivisível de valores mobiliários. Nesta hipótese, a faculdade de dispen-sa do registro não poderá ser reutilizada pelo mesmo ofertante em relação a uma mesma espécie de valores mobiliários de uma mesma emissora dentro do prazo de 04 meses contados do encerramento da oferta, a não ser que a oferta se refira a certificados de recebíveis imobiliários ou certificados de recebíveis do agronegócio de uma mesma companhia securitizadora lastreados em créditos segregados em diferentes patrimônios por meio de regime fiduciário.

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Finalizada a análise do pedido de registro da oferta pública, a CVM poderá deferir ou não o pedido. Caso o defira, o líder da distribuição será comunicado juntamente com o ofertante.

A CVM poderá suspender ou cancelar a oferta desde que esteja se pro-cessando em condições diversas das constantes da ICVM 400, ou tenha sido considerada ilegal ou fraudulenta. Se for processado o cancelamento, o ofertante deverá dar ciência do fato aos investidores que já tenham acei-tado a oferta, facultando-lhes assim a possibilidade de revogar a aceitação até o 5º dia útil do comunicado.

A CVM pode acolher o pleito de modificação ou revogação da oferta, havendo alteração substancial nas circunstâncias de fato existentes quan-do da apresentação do pedido de registro de distribuição. Essa revogação tornará ineficazes a oferta e os atos de aceitação anteriores ou posteriores, devendo ser restituídos integralmente aos aceitantes os valores dados em contrapartida aos valores imobiliários.

Segundo as normas de conduta contidas na Instrução, a emissora, o ofer-tante e as instituições intermediárias deverão, até que a oferta pública seja divulgada no mercado, limitar a revelação de informações relativas à ofer-ta e limitar a utilização de informação reservada com fins relacionados.

2.8. Aviso ao Mercado, Road Show e Bookbuilding

Com a definição de todas as características da operação e com o proces-so de registro em pleno andamento na CVM, chega o momento de anun-ciar a oferta ao mercado, por meio da publicação do prospecto preliminar, promovê-la aos investidores e coletar as intenções de investimento.

O road show nada mais é do que a tentativa dos executivos e principais acionistas de vender o projeto de expansão da companhia que amparada operação de IPO. É uma etapa bastante cansativa e desgastante, pois o público alvo são investidores altamente qualificados e, geralmente, difí-ceis de serem convencidos. Porém ela é fundamental para o processo de formação de preço, também chamado no jargão do mercado de capitais de bookbuilding.

O banco coordenador procura fazer do road show um instrumento para atrair compradores, o que tem impacto direto no processo de for-

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mação de preço, o bookbuilding. Quanto mais interesse uma empresa é capaz de gerar nesse período, maior é a expectativa de que o preço fi-nal da oferta venha a se situar no topo da faixa inicialmente estimada11. Por fim, bookbuilding significa o processo por meio do qual o banco co-ordenador da oferta busca as intenções de compra de vários investidores para diferentes faixas de preço, a fim de avaliar e atrair demanda para valor mobiliário.

Tanto o road show como o bookbuilding iniciam no momento em que o aviso ao mercado for publicado.

2.9. Período de Reserva

O período de reserva tem início com a nova publicação ao mercado da oferta, porém desta vez são indicadas quais as corretoras consorciadas, com o objetivo de a possibilitar que os investidores façam suas reservas a partir da data referida neste anúncio.

2.10. Pricing

Após encerrados o road show e o bookbuilding, inicia-se a fase mais tensa de todo o processo de IPO, pois é quando a proposta do preço final dos valores mobiliários é apresentada pelo banco coordenador aos princi-pais acionistas da companhia. Nesta etapa, é firmado o contrato de distri-buição com o banco coordenador e, em geral, o primeiro pregão ocorre no dia seguinte.

3. ConCluSão

A oferta pública inicial de valores mobiliários pode ser vista sob vários enfoques, dependendo do objetivo da companhia emissora e dos ofertan-tes. O primeiro e mais divulgado deles é vê-la como uma fonte de financia-mento para projetos de expansão, conforme já referido. No entanto, cum-

11 Comumente antes do road show os bancos coordenadores da emissão ajustam reu-niões previas com alguns dos potenciais investidores, a fim de obter uma prévia da operação (pilot fishing)

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pre salientar que esta não é a única motivação que leva uma companhia a acessar o mercado de capitais.

Dentre outras vantagens decorrentes da abertura de capital podemos citar: (i) implementação do processo de profissionalização da gestão, que decorre não somente em razão de disposições legais (p.ex. a obrigatorie-dade de eleição de conselheiros representantes dos novos acionistas e a exigência da figura do Diretor de Relações com Investidores), mas tam-bém por exigência dos investidores; (ii) reestruturação societária: devido à necessidade de adequar os atos constitutivos à legislação em vigor, a abertura de capital é uma ótima possibilidade de equacionar questões ligadas a processos sucessórios e partilhas de herança, além de facilitar a celebração de contratos associativos com investidores internacionais; (iii) credibilidade à imagem institucional: a abertura de capital demanda um elevado grau de transparência e confiabilidade nas informações que fornece aos investidores. Isso gera maior facilidade nos negócios, atração do consumidor final e maior presença e prestígio no mercado. Além dis-so, o custo financeiro das operações bancárias de uma companhia aberta é normalmente inferior do que de uma companhia fechada; (iv) liquidez patrimonial: os controladores de uma companhia aberta aumentam a li-quidez de suas ações.12

De outro lado, o IPO também gera algumas desvantagens para a com-panhia, tais como maior demanda por crescimento no curto prazo, custo inicial da operação, perda de benefícios pessoais, restrições e aumento de responsabilidade dos administradores, cuja decisão pode gerar consequ-ências no preço da ação, e abertura de informações ao público. A admi-nistração passa a ser fiscalizada por novos acionistas e a trabalhar com a expectativa de dar o retorno aguardado por aqueles que nela investem uma parcela de suas economias.. Isso sem falar que o mercado de ações deixa as companhias dele integrantes mais expostas às oscilações econômicas. Prova disso foram os prejuízos gerados pela a crise econômica mundial detonada pelas perdas dos bancos americanos com os créditos imobiliários garantidos por hipotecas. Tal fato gerou não somente uma queda brutal

12 (SOUZA, André Tadeu P. Bolsa de valores como fonte de financiamento. Revista FAE Business, Rio de Janeiro, n.6, ago. 2003)

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no valor das companhias, mas também impossibilitou novas aberturas de capital13.

Por isso, a decisão de abrir capital e realizar uma oferta pública de ações tem que estar amparada por argumentos que justifiquem a assunção das responsabilidades e desvantagens oriundas do IPO.

4. bibliogRafia

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS COMPANHIAS ABERTAS (Abras-ca). Anuário Estatístico das Companhias Abertas 2007. Ano 5, n.5ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS COMPANHIAS ABERTAS (Abras-ca) Anuário Estatístico das Companhias Abertas 2007. Ano 3, n.3BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO (Bovespa). Disponível em<http://www.bmfbovespa.com.br/empresas/pages/empresas_governanca-corpo-rativa.asp.> Acesso em 30 jun. 2010.COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Abertura de Capital de Empresas. Rio de Janeiro: CVM. Disponível em <http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/publ_200.asp.> Acesso em 30/06/2010. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008ESPANHA. Real Decreto 291/1992. 1992. Dispõe sobre a Oferta Pública de Venda. Disponível em <http://www.derecho.com/l/boe/real-decreto-291-1992-emisiones-ofertas-publicas-venta-valores/#A15> Acesso em 30 jun. 2010PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de capitais : fundamentos e técnicas. AtlasSOUZA, André Tadeu P. Bolsa de valores como fonte de financiamento. Revista FAE Business, Rio de Janeiro, n.6, ago. 2003

13 “Os planos de várias empresas brasileiras de abrir o capital e negociar suas ações na BM&FBOVESPA foi adiado em 2008, por conta da instabilidade do merca-do financeiro. As emissões primárias, que bateram recorde em 2007, somando 64 Ofertas Públicas Iniciais (IPOs em inglês), ficaram resumidas a apenas quatro no ano passado, todas realizadas no primeiro semestre.” (in Anuário Estatístico das Companhias Abertas 2007. Abrasca – Associação Brasileira das Companhisa Aber-tas. Ano 5, n.5)

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ÓrgÃos regulatÓrIos

gladson Wesley mota [email protected]. Pós-graduado em Direito Constitucional

pela Universidade de Fortaleza. MBA em Direito Empresarial pela PUC-SP. Sócio do escritório Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)

flávia marques oliveira [email protected]. Pós-graduada em Direito Público pela

Faculdade Christus. Pós-graduada em Processo Civil pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará. Advogada do escritório

Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)

01. aS agênCiaS ReguladoRaS e áRea de atuação

Com a modernização da sociedade e o aumento dos fluxos comerciais, o Estado perde, em parte, sua capacidade de gerir, organizar e administrar todos os setores da sociedade com a agilidade e eficiência necessárias para acompanhar o rápido desenvolvimento dos setores privados da economia.

Por outro lado, a transferência destes serviços do Estado para entidades estatais levava a dicotomia de ter no mesmo pólo o executor do serviço e o fiscalizador daquele, evidenciando um nítido choque de interesses.

Conforme o magistério de Moreira Neto:1

“Ocorre que a regulação e a prestação desses serviços, que original-mente eram feitas pelo Estado, pouco a pouco passaram às próprias en-tidades estatais, considerando-se, a partir daí, a desnecessidade do que seria uma duplicidade de controle. Assim é que os órgãos estatais de controle centralizado foram perdendo força quando não desaparecen-do, confundindo-se na mesma entidade paraestatal tanto a prestação quanto o controle dos serviços”. (2001, p.149)

1 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Mutações do Direito Administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 149 p.

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É nesse momento que o Poder Público resolve descentralizar suas fun-ções, com o objetivo de manter a qualidade e diminuir os preços dos ser-viços públicos prestados. Criam-se, então, as agências reguladoras, braços do poder publico capazes de controlar e fiscalizar com eficiência e rapidez as atividades públicas desempenhadas pelas empresas privadas. A máqui-na estatal, assim, ao delegar parte de suas atribuições, passa a focar-se com mais afinco nos serviços públicos primordiais para a coletividade, sem, contudo, perder seus poderes estratégicos de gestão de toda a sociedade, podendo, inclusive, cassar os contratos de concessão que não estiverem dentro dos padrões exigidos.

Esse sistema de regulação adotado pelo Brasil tem como principal ob-jetivo, portanto, atender plenamente as necessidades da coletividade no anseio por serviços públicos mais eficientes.

Assim, conceituam-se as agências reguladoras como sendo órgãos criados pelo Governo para regular e fiscalizar os serviços prestados por empresas privadas que atuam na prestação de serviços, os quais, em sua essência, seriam públicos, tais como: telefonia, energia, transportes, rodo-vias, entre outros.

Como estes serviços são de relevante valor social e, portanto, primor-dialmente caberia ao Estado o seu fornecimento, a prestação deles exige eficiência e qualidade, cuja fiscalização deve ser feita através de algum órgão que manifeste imparcialidade em relação aos interesses do Estado, da concessionária prestadora dos serviços e dos consumidores.

Buscando tal fim, são constituídas as agências reguladoras, dotadas de estrutura funcional independente – autarquias especiais, entidades inte-grantes da administração indireta do titular da competência, legitimadas, na forma da lei, para o desempenho das funções reguladoras, de controle e de fiscalização dos serviços concedidos.

Por outro lado, a cobrança dos serviços e a qualidade da prestação por parte da concessionária devem ser também fiscalizadas, coadunando em um mesmo plano os interesses dos consumidores e os interesses da prestadora, que deve receber contraprestação adequada ao negócio de-senvolvido.

Para manutenção deste equilíbrio e fiscalização da prestação destes serviços, bem como a mediação entre os interesses dos consumidores e

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concessionárias, é imprescindível a criação de órgãos regulatórios, com independência político-administrativa, financeira e funcional.

Em suma, a atividade das agências reguladoras diz respeito, precipua-mente, à regulamentação e fiscalização da prestação de serviços públicos e outras atividades relevantes ou potencialmente nocivas à sociedade, cuja execução foi repassada à iniciativa privada.

Tais órgãos regulatórios foram introduzidos no direito brasileiro a par-tir da extinção, total ou parcial, do monopólio estatal de alguns serviços públicos e outras atividades, e com a transferência ao setor privado da execução de tais atividades.

A título de exemplo, cite-se a Emenda Constitucional n° 8, de 1995, que possibilitou que os serviços de telecomunicação fossem explorados tam-bém pelo setor privado.

As agências reguladoras são criadas sob a forma de autarquias com re-gime jurídico especial, tendo maior independência em quatro importantes aspectos:

1) Independência política de seus gestores – que são investidos de man-dato e têm estabilidade no cargo durante um prazo fixo;

2) Independência técnica de decisão – onde devem predominar moti-vações apolíticas para seus atos, que devem basear-se em decisões técnicas;

3) Independência normativa – necessária para o exercício da competên-cia reguladora dos setores de atividades de interesse público a seu cargo;

4) Independência gerencial orçamentária e financeira ampliada – com atribuição legal de fontes de recursos próprios.

No Brasil, as agências reguladoras passaram a integrar o ordenamento jurídico pátrio desde os meados de 1996, podendo destacar-se algumas de maior relevância atual, abaixo elencadas:

aneel (agência nacional de energia elétrica) - Criada pela Lei Fe-deral nº 9.427/96, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com fun-damento no artigo 21, inciso XII, alínea “b” da Constituição Federal, com

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159ÓRGÃOS REGULATÓRIOS

competência para regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, devendo atuar nas concessões e per-missões pertinentes.

ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) - Criada por in-termédio da Lei nº 9.472/97, com vinculação ao Ministério das Telecomu-nicações e tendo por fundamento o artigo 21, XI da CF, apresenta entre suas competências a regulação e fiscalização da execução do serviços de telecomunicações, devendo atuar nas licitações, contratos e estipulação ta-rifária, conforme dispõe o artigo 15 de sua lei criadora.

anP (agência nacional do Petróleo) - Criada pela Lei nº 9.478/97, com base no artigo 177, §2º, III da CF, vinculada ao Ministério das Minas e Energia. Traz como competências a regulação e fiscalização das ativida-des econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis.

anviSa (agência nacional de vigilância Sanitária) - Ente criado pela Lei nº 9.782/99, vinculado ao Ministério da Saúde, competente para promo-ver a proteção da saúde pública pela fiscalização e controle sanitários da co-mercialização de produtos e de tecnologias pertinentes. Uma das principais atribuições é a expedição de atos administrativos que complementam as nor-mas penais em branco que tipificam os crimes da Lei Antidrogas (Lei Fede-ral nº 11.343/06), tratando-se atualmente da Portaria nº 344/98, inicialmente editada pelo Ministério da Saúde e posteriormente atualizada por meio de Resoluções da Anvisa (atual Resolução RDC nº 18/2003), definindo as subs-tâncias a serem consideradas como drogas para fins penais.

anS (agência nacional de Saúde Suplementar) - Criada pela Lei nº 9.961/00, baseada no artigo 197 da CF, vinculada ao Ministério da Saúde, tendo por competência supervisionar os serviços de saúde, regula as ope-radoras de plano de saúde, inclusive nas suas relações com os consumido-res, consoante artigo 3º da lei mencionada.

ana (agência nacional de águas) - Criação pela Lei nº 9.984/00, com vínculo ao Ministério do Meio Ambiente e fundamento no artigo 225 da Carta Magna. Competente para implementar a política nacional de prote-ção e gestão dos recursos hídricos.

antt (agência nacional de transportes terrestres) e antaQ (agência nacional de transportes aquaviários) - Ambas criadas pela Lei

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nº 10.233/01, vinculadas ao Ministério dos Transportes, com fundamento no artigo 178 da CF. Conforme o artigo 20 da lei mencionada, têm competência para regular ou supervisionar a prestação de serviços e exploração da infra-estrutura de transportes terrestres e aquaviários, respectivamente.

anaC (agência nacional de aviação Civil) - Criada pela Lei nº 11.182/05, vinculada ao Ministério da Defesa, tem como atribuição regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária.

02. ComPetênCia PaRa legiSlaR e fiSCaliZaR

No que diz respeito às Agências Reguladoras, prevalece que o seu poder normativo deve se limitar à elaboração de regramentos de caráter estritamente técnicos e econômicos, restritos ao seu campo de atuação, sem invasão das matérias reservadas à lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade, pois os entes regulatórios, como órgãos administrativos que são, não têm compe-tência para atuar fora das normas que definem as suas atribuições.

Assim, as competências dos órgãos regulatórios derivam necessariamen-te da lei, em sentido formal, elaborada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo. Apenas por exceção, quando respaldada em razões de emergência ou urgência, pode ser exercida por intermédio de medidas provisórias ou, eventualmente, nos limites em que for cabível, de decretos contendo regulamentos.

Para a delegação de competências aos órgãos reguladores, há de ser pre-servado o Estado de Direito e mantida, sempre que possível, a regra geral de que as restrições às liberdades constituem uma exceção ao sistema de direitos e garantias constitucionais.

As leis, as normas regulamentares editadas pelas agências reguladoras e os próprios contratos de concessão constituem os meios aptos e necessá-rios a eficiente regulação e fiscalização, satisfatórias aos interesses públi-cos e às concessionárias.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro2:

2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Pau-lo: Atlas. 2009. p. 79

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“Como a administração, pela concessão, não transfere a titularidade do serviço, mas apenas sua execução, ela tem que zelar pela fiel exe-cução do contrato. Dentro desse poder de direção e controle, insere-se (...) o poder de fiscalizar, de forma ampla, a execução do contra-to”.(2009.p.79)

Às agências reguladoras são conferidas as atribuições administrativas relacionadas à fiscalização dos serviços e ao cumprimento das condições ditadas pelos contratos de concessão, abrangendo desde o controle sobre a fixação de tarifas até as sanções de natureza disciplinar, além das que têm por objeto a instituição de condutas competitivas, como mecanismo de estímulo à eficiência e forma de evitar os abusos do poder econômico.

Além disso, o quadro das competências atribuídas nos marcos regu-latórios oferece uma ampla gama de poderes regulamentares, tanto em matéria de segurança e de procedimentos técnicos, medição e faturamento dos consumos, controle e uso de medidores, acesso a imóveis de terceiros e qualidade dos serviços prestados, quanto em matéria de aplicação de sanções, que será explanado adiante. Também quanto a esses aspectos, devem ser respeitados todos os princípios que regem a atribuição de com-petências, especialmente o princípio da legalidade, pilar do ordenamento jurídico brasileiro.

No que tange à delegação para o exercício de funções normativas, ela encontra sua natural limitação em sede legislativa, cabendo à lei definir as atribuições delegadas, que irão traduzir-se em regulamentos baixados com base nos poderes atribuídos aos órgãos regulatórios.

Compete ao poder concedente, ainda, editar normas regulamentares cla-ras e completas sobre as etapas e instrumentos dos processos fiscalizatório, interventivo e punitivo, definindo os meios e os prazos para o exercício dos direitos à ampla defesa e ao contraditório, por parte do concessionário ou do permissionário, sempre com observância do devido processo legal (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal).

O poder concedente dos serviços públicos – sejam de competência da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, enquanto titular de tal competência, outorgada constitucionalmente, responde pela efetiva prestação desse serviço público, realizando-o diretamente, por meio dos órgãos da administração pública, ou indiretamente, delegando-o a empre-

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sas particulares, por meio dos institutos da concessão, permissão ou auto-rização.

Delegando a prestação de serviço de sua competência à empresa pri-vada, incumbe ao poder concedente, por intermédio dos órgãos que com-põem a sua estrutura administrativa, zelar pelo controle da qualidade do serviço e da sua regularidade, mediante mecanismos fiscalizatórios, além de assegurar aos usuários o atendimento a seus direitos ao serviço adequa-do e a uma tarifa módica (ou no mínimo razoável).

Como exemplo, cita-se a Lei de Concessões - Lei nº 8.987, de 13/2/95, que prevê no Capítulo VII, nos arts. 29 e 30, as atribuições do poder con-cedente, denominadas de “encargos”, abrangendo os seguintes pontos:

a) o controle e a fiscalização da execução dos serviços e das obrigações da concessionária;

b) a homologação de reajustes e revisões;

c) o zelo que a Administração deve ter para assegurar a prestação de serviço adequado e o atendimento aos direitos dos usuários;

d) as providências do Poder Público, necessárias à execução do serviço público ou da obra necessária para a sua realização (desapropriações e constituição de servidões);

e) a implementação de estímulos à qualidade, produtividade, preserva-ção do meio ambiente, competitividade e à formação de associações de usuários.

Ainda com base na Lei 8.987/95 que estipula, de forma genérica, as formas de controle da Administração Pública, temos em seu artigo 3°, a previsão geral de fiscalização pelo poder concedente, com a cooperação dos usuários.

O multicitado artigo 29, inciso I da mencionada lei, institui a competên-cia do poder concedente para regulamentar e fiscalizar permanentemente a prestação do serviço; já os incisos V e VII, do mesmo artigo, regulamen-tam a atribuição do poder concedente para desempenhar e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais e zelar pela boa qualidade do serviço público.

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Na sequência, o artigo 30 dispõe sobre o direito de acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária e o artigo 31, inciso V, prevê o direito de acesso, em qualquer hora, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como aos seus registros contábeis.

Todavia, cumpre evidenciar que a administração apenas fiscaliza os agentes econômicos que se encontram em seu âmbito de atuação, não lhe é permitido administrar a própria execução do serviço. Não se retira das concessionárias de serviço público sua autonomia em relação à atividade regulada.

Assim, a Lei de Concessões reforça esses preceitos de ordem pública, delegando ao Poder Concedente competência para exercer a atividade regulamentar, modificando, quando for necessário, as regras de serviço, sempre no sentido de zelar pela adequada e regular execução do objeto da concessão, com vistas ao seu constante aperfeiçoamento, para atendimen-to das melhores e mais modernas condições técnicas e operacionais.

Por oportuno, não se pode deixar de relatar que tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei para orientar a gestão e a fiscalização das agên-cias regulatórias, denominada Lei Geral das Agências Reguladoras (PL n.º 3374/2004), que busca precipuamente3:

“(a) aumentar a legitimidade, capacidade e transparência das institui-ções regulatórias e dar à sociedade melhores instrumentos para que seus interesses sejam efetivamente atendidos;

(b) Tornar claros os papéis, limites e responsabilidades das instituições reguladoras, nos marcos da Constituição Federal;

(c) Definir claramente a extensão e os limites da “autonomia” das agên-cias reguladoras, e permitir que o exercício dessa autonomia se dê em conformidade com a autoridade e legitimidade política do Poder Executivo no exercício de suas funções de supervisão ministerial e formulação de políticas;

3 Fonte: Governança Regulatória no Brasil e o Projeto de Lei Geral das Agências Reguladoras (extraído do site FIESP: www.fiesp.com.br/irs/coinfra/pdf/transpa-rencias_coinfra_21_08_09.luis_alberto_dos_santos.pdf)

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(d) Aperfeiçoar os mecanismos de coordenação e supervisão e imple-mentar análise de impacto regulatório, como resultado de um pro-cesso de envolvimento e parceria entre as instituições de governo e da sociedade;

(e) Aperfeiçoar a consolidação normativa e reduzir a fragmentação e obsolescência dos marcos regulatórios; e

(f) Ampliar esforços para promover a simplificação administrativa e reduzir os excessos burocráticos.”

03. aPliCação de SançõeS adminiStRativaS e PenaiS

A função sancionatória dos órgãos regulatórios provém da própria função fiscalizadora, posto que, uma vez observada desobediência dos prestadores de serviços públicos delegados (concessionárias, permissionárias ou auto-rizatárias) aos preceitos legais, aos regulamentos ou às regras contratuais, surge a necessidade de impor sanções e garantir o bom controle dos serviços delegados à iniciativa privada, mormente a sua adequação e eficiência.

Outra finalidade do poder sancionatório conferido às agências regulatórias está em solucionar conflitos provenientes de queixas dos usuários, cuja dispo-sição do artigo 29 da Lei 8.987/95 prevê: as agências reguladoras, autarquias especiais, são capazes de dirimir conflitos entre os prestadores de serviço pú-blico e entre esses e o usuário e aplicar-lhes sanções com respaldo legal.

Vale dizer que na aplicação de sanções, deve ser considerada pelos ór-gãos regulatórios a natureza e a gravidade da infração, os danos dela resul-tantes para o serviço e para os usuários, a vantagem auferida pelo infrator, as circunstâncias da infração, assim como a reincidência da conduta.

As medidas sancionatórias têm sua base legislativa na lei federal n.º 9.784/99 - Lei de Normas Básicas do Processo Administrativo da União, aplicável subsidiariamente às leis administrativas especificas (art. 69) e de-talha os princípios aplicados ao processo administrativo (art. 2.º), especial-mente a legalidade e o contraditório e ampla defesa, assim como os direito e deveres dos administrados (arts. 3.º e 4.º), garantindo o processamento sob a forma legalmente devida, vez que impõe o dever da Administração de decidir as pretensões dos administrados de forma motivada e expressa,

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disciplinando ainda a instrução, os prazos, a forma e lugar dos atos do pro-cesso administrativo que gerará a sanção, inclusive as hipóteses de recurso e revisão das decisões administrativas.

O capítulo XVII, que cuida especificamente das sanções, prevê de forma taxativa a aplicação de penalidades pecuniária (multa) ou a imposição de obrigações de fazer ou não fazer, assegurado em quaisquer casos, o direito à defesa (art.68).

Dito isto, em se tratando do poder sancionatório dos órgãos regulató-rios, tem-se que este obedece precipuamente aos limites impostos pela lei que criou o Órgão e que, constatada a desobediência do prestador do ser-viço público por si regulado, após o devido processo administrativo, lhe seja aplicada a penalidade competente, que pode resultar na imposição de uma multa ou obrigação de fazer ou não fazer, aplicadas em consonância à gravidade da conduta ilícita do prestador de serviços e abrangência do prejuízo causado aos seus usuários.

Em casos mais graves, e desde que justificada pelo interesse público, a agência reguladora poderá inclusive intervir na empresa prestadora de ser-viços (concessionária, permissionária), podendo encampar o serviço, que em termos práticos, significa a possibilidade de retomada coercitiva do serviço pelo poder concedente, com a decretação da caducidade do contra-to e a sua extinção, sem prejuízo das indenizações devidas e ressarcimento dos danos apurados em procedimento próprio.

Especificamente para as concessionárias do serviço público, o artigo 38 da Lei de Concessões – Lei n.º 8987/95 - disciplina que a inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do Poder Concedente, a decla-ração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo (art.38) e do artigo 27, e as normas convencionadas entre as partes.

Assim, resta concluir que cabe, então, às Agências reguladoras contro-lar e fiscalizar a execução do contrato de concessão ou permissão (e/ou autorização), utilizando-se amplamente de seus poderes, sendo-lhe facul-tado, caso a situação concreta exija, aplicar sanções às concessionárias de serviço público; intervir, se imprescindível, e providenciar a encampação e caducidade caso seja necessário e a reversão dos bens quando finda a delegação.

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INVestIMeNto estraNgeIro

Eduardo Simões [email protected]. Pós-Graduado em Direito de Empresa

pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MG. Advogado Associado no Tostes & Coimbra Advogados

luiza Pinto Coelho gonçalves de [email protected]. Advogada Associada no Tostes & Coimbra Advogados

1. intRodução

O capital estrangeiro é regulado pela Lei 4.131/62, com suas posterio-res alterações. São capitais estrangeiros bens, máquinas e equipamentos destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos finan-ceiros ou monetários introduzidos no país para aplicação em atividades econômicas, desde que pertençam a pessoa física ou jurídica residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.

O ordenamento jurídico brasileiro assegura ao capital estrangeiro igualdade de tratamento jurídico em relação ao capital nacional, em iguais condições, sendo expressamente proibida qualquer discriminação não prevista em lei.

Nota-se que a legislação que trata do assunto é bastante sólida, em vi-gor desde 1962 com poucas modificações, o que demonstra claramente a intenção de atrair investimento estrangeiro para o país, já que é, sem dúvi-da, uma importante fonte de capital para o desenvolvimento da economia brasileira.

É importante observar que, no ano de 2010, os investimentos estrangei-ros direitos no Brasil atingiram o maior valor da série histórica do Banco Central, chegando ao montante de R$ 80,98 bilhões (US$ 48,46 bilhões). Destaque para o crescimento do investimento chinês no país, que alcan-çou, em 2010, US$ 17 bilhões, representando um aumento significativo em relação ao ano anterior. A projeção do Banco Central para o ano de 2011 é que o investimento externo direito (“IED”) atinja US$ 55 bilhões.

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167INVESTIMENTO ESTRANGEIRO

Além disso, levantamento elaborado pela Conferência das Nações Uni-das para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) mostra que o Brasil ultrapassou os Estados Unidos na lista de mercados mais atraentes, estan-do em terceiro lugar no ranking de países prioritários para investimentos estrangeiros entre 2010 e 20121.

2. oRgãoS Que Regulam o SetoR

O setor de investimento estrangeiro é regulado pelos seguintes órgãos:

a. Banco Central do Brasil (BACEN)

O Banco Central é responsável pela execução da política monetária, pelo registro e controle do capital e do investimento estrangeiro, pela prática de operações e controle de câmbio e pela regulação de bancos e instituições financeiras.

O registro de capital estrangeiro é efetuado pelo Banco Central através do SISBACEN – Sistema de Informações do Banco Central, por meio do Módulo RDE – IED (Registro Declaratório Eletrônico – Investimento Ex-terno Direto), que será tratado em tópico próprio.

b. Comissão de Valores Mobiliários

A CVM é autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda. Trata-se de en-tidade pública voltada à orientação e à proteção do investidor e disciplina o funcionamento do mercado de valores mobiliários e atuação das compa-nhias abertas, dos intermediários financeiros e dos investidores.

c. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

O CADE é autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, cuja finalidade é orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exer-cendo papel tutelador da prevenção e da repressão a tais abusos. Cuida-se de órgão judicante, com jurisdição em todo o território nacional.

1 www.unctad.org/en/docs/diaeia20104_en.pdf

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168 EDUARDO SIMÕES LANNA / LUIZA PINTO COELHO GONÇALVES DE SOUZA

3. RegiStRo de CaPital eStRangeiRo

Estão sujeitos ao registro perante o BACEN os investimentos estrangei-ros que entrem no país à título de investimento externo direito, em moeda ou em bens; a conversão em investimento, os rendimentos auferidos por investidor não residente em empresas receptoras no Brasil; alienação a nacionais, redução de capital para restituição a sócio ou acervo líquido resultante de liquidação de empresa receptora de investimentos; o registro de reinvestimento; a reorganização societária, permuta e conferência de ações ou de quotas

Para todo e qualquer investimento estrangeiro no país, a legislação brasileira exige que seja feito o seu registro no Banco Central, indepen-dentemente da sua modalidade. O registro do capital estrangeiro para investimento direto e do empréstimo realizado que ingressa no Brasil é realizado através do Sistema de Informações do Banco Central – Sisba-cen, no sistema de Registro Declaratório Eletrônico (RDE), e tem caráter declaratório.

a. Capital Contaminado

Com promulgação da lei nº. 11.371/2006 e a sua regulamentação através da Resolução nº. 3.447 da CMN e da Circular nº. 3.344 do Banco Central, ambas também publicadas em 2006, os sócios estrangeiros deverão regis-trar os investimentos realizados por eles em pessoas jurídicas nacionais (o chamado “capital contaminado”), bem como estão obrigados a efetuar o registro, para garantir o controle do ingresso de capital estrangeiro pelo Bacen.

Os capitais estrangeiros são registrados de acordo com a sua classifi-cação, por exemplo, investimento direto, créditos externos (empréstimos, financiamento de importação com prazo superior a 360 dias), contratos de assistência técnica, royalties e aplicações no mercado financeiro e de capitais (portfólio).

O registro permite ao investidor estrangeiro efetuar remessas de dividen-dos, reduzir o capital e repatriar o capital em caso de venda ou liquidação do investimento. Para tais operações, é obrigatória a utilização do número de RDE, que é gerado para cada para investidor-receptora do capital.

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169INVESTIMENTO ESTRANGEIRO

4. RegiStRo do inveStidoR eStRangeiRo

Para o registro do capital estrangeiro no sistema de RDE, é imprescin-dível que o investidor estrangeiro, pessoa física ou jurídica, assim como seus representantes, estejam cadastrados no Cademp. O Cademp (Cadas-tro de Empresas Área Desig) é um cadastro de pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou não no país, mantido pelo Banco Central. O cadastramento é realizado pelo próprio interessado ou por seu representante, através do Sisbacen.

Uma vez verificada a regularidade do cadastro no Banco Central, os da-dos são enviados à Receita Federal, que atribui automaticamente um CNPJ ou CPF ao investidor.

A obtenção de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) é obriga-tória nas seguintes hipóteses, nos termos da Instrução Normativa RFB 1.005/10:

• Se a pessoa jurídica possui imóveis, veículos, embarcações, aerona-ves, participações societárias, contas-correntes bancárias, aplicações no mercado financeiro, aplicações no mercado de capital, bens intan-gíveis com prazo de pagamento superior a 360 dias, financiamentos; e

• Se a pessoa jurídica pratica importação financiada, leasing, arrenda-mento simples, aluguel de equipamentos de embarcações, importa-ção de bens sem cobertura cambial, destinados à integralização de capital de empresas brasileiras, empréstimos em moeda concedidos a residentes no país e investimentos.

Não é obrigatório, porém, se a empresa possui ou adquire direitos re-lativos à propriedade industrial ou investimentos estrangeiros através de Depositary Receipts emitidos no exterior;

5. inveStimento atRavéS de emPRéStimo exteRno

As operações de empréstimo externo contratadas de forma direta ou mediante emissão de títulos no mercado internacional, independentemente de prazo, devem ser registradas no módulo ROF do RDE.

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170 EDUARDO SIMÕES LANNA / LUIZA PINTO COELHO GONÇALVES DE SOUZA

No caso de títulos no mercado internacional, emitidos para as operações de empréstimo externo por entidades do poder público, o emissor deve obter a autorização da Secretaria do Tesouro Nacional, antes de iniciar as negociações com instituições financeiras no exterior. Após a autorização, o emissor deve providenciar o registro no RDE-ROF.

A propósito, digno de nota é a incidência de IOF (Imposto sobre Ope-rações Financeiras), com alíquota de 6% 2, nos empréstimos externos cap-tados de forma direta ou mediante emissão de títulos no mercado interna-cional com prazo médio mínimo de até 360 dias. Até março deste ano, o IOF só incidia sob os empréstimos externos com prazo médio mínimo de até 90 dias em 5,38%.

Para os empréstimos externos com prazo médio mínimo superiores a 360 dias, restou mantida a alíquota zero anteriormente vigente, exceto se forem liquidados antecipadamente, total ou parcialmente, situação em que o contribuinte estará sujeito ao pagamento do imposto calculado à alíquota de 6%, acrescido de juros moratórios e multa, sem prejuízo das penalida-des legais.

6. inveStimento exteRno diReto

O investimento externo direto no Brasil poderá ser realizado das se-guintes formas, de acordo com o Regulamento do Mercado de Câm-bio e Capital Internacionais – RMCCI – atualizado pela Circular 3.533/2011:

a. Investimento em Moeda e Bens

Realiza-se o registro do investimento em moeda no módulo de Investi-mento Estrangeiro Direto (IED) com base na entrada de recursos no país através de operações de câmbio ou de transferência internacional em Reais no Mercado de Câmbio. No entanto, o ingresso proveniente de sócio não residente no país com vistas a abater prejuízos não modifica o registro. Essa operação deve ocorrer por meio de utilização de natureza cambial específica.

2 Decreto 7.456/11.

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171INVESTIMENTO ESTRANGEIRO

De outra margem, o investimento em bens, tangíveis ou intangíveis, deve ser registrado no módulo Registro de Operações Financeiras (ROF), baseado na capitalização do valor correspondente a bens de propriedades de não residentes, em moeda constante do respectivo ROF.

Esse registro deve ser efetuado dentro de 30 dias, a contar do desemba-raço aduaneiro, em se tratando de bem tangível.

b. Conversão em Investimento

Conversão em investimento estrangeiro direto é, nos termos do RMC-CI, “a operação por cujo intermédio direitos e créditos passíveis de gerar transferência financeiras para o exterior, assim como bens pertencentes a não residentes, são utilizados para aquisição, integralização de partici-pação ou absorção de prejuízos em empresa no País”.

No caso de operações registradas, a conversão independe de autorização anterior do Banco Central. Nesta situação, deve-se dar baixa do valor con-vertido no RDE-ROF, com a consequente inclusão, no módulo RDE-IED, da operação correspondente, observadas as operações simultâneas de câmbio.

De se notar que o valor do registro não se altera se as conversões forem realizadas a fim de absorver prejuízos acumulados.

c. Reinvestimento

É considerado como reinvestimento de lucros os rendimentos auferidos por empresas estabelecidas no país e atribuídos a residentes e domiciliados no exterior que foram reaplicados nas mesmas empresas de que procedem ou em outro setor da economia.

Os rendimentos percebidos pelo investidor estrangeiro que forem rein-vestidos deverão ser registrados como capital estrangeiro, no sistema RDE – IED. Assim, se o lucro é reinvestido na mesma empresa ou em outro setor da economia, aumenta-se a base de cálculo para um futuro repatria-mento de capital, para fins de tributação.

d. Remessa de Lucros

Até 1996, os lucros obtidos no Brasil e remetidos ao exterior estavam sujeitos a tributação na fonte. Desde 1996, no entanto, a remessa de lucros

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172 EDUARDO SIMÕES LANNA / LUIZA PINTO COELHO GONÇALVES DE SOUZA

está isenta de imposto de renda retido na fonte, além de não integrar a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, domiciliado no país ou no exterior. Além disso, não é necessária autorização prévia do Banco Central, nem há limite de valor a ser remetido para o exterior, se o investi-mento foi registrado conforme determinações do Banco Central.

Deve ser registrado no sistema RDE – IED o destino do lucro remetido, auferido em razão da participação no capital social da empresa receptora do investimento.

O Brasil firmou acordos para evitar a dupla tributação com trinta países, dentre eles Argentina, Canadá, China, Coréia do Sul, Espanha, França, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal.

e. Repatriamento

Sem necessidade de autorização prévia do Banco Central, pode o capital estrangeiro registrado no BACEN ser repatriado a seu país de origem a qualquer tempo.

Nesse caso, os rendimentos que ultrapassarem a quantia registrada serão considerados ganhos de capital para o investidor estrangeiro, sujeitos, as-sim, à alíquota de 15% de imposto de renda retido na fonte.

f. Importação de Bens Sem Cobertura Cambial

Independem de prévia autorização do Bacen as operações de importação de bens sem obrigatoriedade de pagamento a não residente efetuadas para a integralização de capital social. Frise-se que os bens, sejam tangíveis, sejam intangíveis, devem ser destinados exclusivamente à integralização do capital para fins do registro no módulo RDE-IED.

O registro deve ser efetuado inicialmente no RDE-ROF e, posterior-mente, no módulo IED, como investimento estrangeiro direto, na forma do investimento em bens.

Em relação a bens tangíveis, o registro no módulo ROF se vincula à Declaração de Importação (DI) desembaraçada. Tratando-se de bens in-tangíveis, o registro é vinculado à fatura ou a documento equivalente que caracterize a importação do bem. Vale observar que a transferência de

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173INVESTIMENTO ESTRANGEIRO

tecnologia sujeita a averbação no INPI não é considerada bem intangível para os fins desse registro.

g. Royalties, Serviços Técnicos e Assemelhados, Arrendamento Mercantil Operacional Externo, Aluguel e Afretamento

Os contratos indicados no título dessa seção, quando firmados entre pes-soa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no país e pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no exterior, devem ser registrados no Bacen 3, no módulo RDE-ROF.

O registro desses contratos compete à parte do contrato residente, domi-ciliada ou com sede no país.

7. inCentivoS induStRiaiS

A importação de bens de capital, indisponíveis no mercado brasileiro, poderá sofrer redução no imposto de importação. Tal redução está sujeita a autorização do governo, a fim de estimular a expansão, a modernização e a reestruturação do parque industrial brasileiro.

Em abril deste ano, o governo reduziu temporariamente para 2% a alí-quota do imposto de importação para 212 bens de capital, informática e telecomunicação que não têm produção nacional. A redução das tarifas ocorreu depois do exame pelo governo dos projetos de investimentos apre-sentados pela iniciativa privada.

Esse mecanismo é utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento desde 2003, com vistas a estimular os investimentos ao reduzir os custos em compra de máquinas e equipamentos sem equivalente no país.

8. ReStRiçõeS a inveStimentoS eStRangeiRoS

Sabe-se que capital estrangeiro pode ser livremente investido no país, gozando, inclusive, de igualdade de tratamento jurídico ao capital nacio-nal, previsão constitucionalmente expressa. Contudo, o ordenamento ju-

3 De acordo com o Regulamento Anexo III à Resolução n. 3844/2010 do Banco Central.

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174 EDUARDO SIMÕES LANNA / LUIZA PINTO COELHO GONÇALVES DE SOUZA

rídico brasileiro prevê algumas restrições no que se refere à participação de capital estrangeiro em certas atividades. Trataremos de algumas das hipóteses em que é vedada a participação de capital estrangeiro e de outras em que o capital estrangeiro tem sua participação limitada.

a. Vedações

Nas atividades elencadas a seguir, a participação de capital estrangeiro é vedada:

• Atividades que envolvam energia nuclear;

• Indústria aero-espacial;

• Serviços de correios e telégrafos; e

• Serviços de saúde.

a. Restrições

• aquisição e arrendamento de terras rurais e de áreas de fronteira

A Constituição brasileira estabelece que a aquisição e o arrendamento de propriedade rural por estrangeiro deverá ser limitada. A Lei 5.709/71 regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurí-dica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. Por determinação legal, as pessoas supracitadas só podem adquirir imóveis rurais observados os proce-dimentos e restrições previstos em lei, bem como autorização do Congresso Nacional. Além disso, estabelece a lei que também se sujeitam ao regime ali estabelecido as pessoas jurídicas brasileiras da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenha sede no exterior. Este último dispositivo tem recebido críticas contundentes de estudiosos do Direito.

Não se pode olvidar que, além de propriedades rurais, também se res-tringe a aquisição, por estrangeiros, de propriedades que se situam em áreas de fronteira, sob o fundamento da segurança nacional. Para a con-cretização da aquisição dessas terras, necessário se faz o consentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional.

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175INVESTIMENTO ESTRANGEIRO

• Instituições FinanceirasHá restrições para a participação de capital estrangeiro em instituições

financeiras no país. Contudo, essa participação pode ser autorizada pelo governo brasileiro, em casos de interesse nacional.

• Jornais, revistas e outras publicações, redes de rádio e TVA restrição aos meios de comunicação social é expressamente prevista

na Constituição brasileira e tem regulação por lei específica. É determina-ção legal que a participação de estrangeiros deve ser de no máximo 30% do capital total e do capital votante e só pode se dar de forma indireta, através de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no país.

• Serviços aéreos públicosA exploração dos serviços aéreos públicos se dá através do regime de

concessão. No entanto, lei específica determina que a concessão somente será dada à pessoa jurídica brasileira que tiver sede no Brasil, com pelo menos 80% do capital com direito a voto pertencente a brasileiros e dire-ção confiada exclusivamente a brasileiros. Além disso, a participação de capital estrangeiro no limite de 20% depende de aprovação da autoridade aeronáutica.

Vale registrar que tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei que pretendem alterar a atual regulamentação dada aos serviços aére-os públicos. Alguns propõem a abertura do mercado de aviação, com a conseqüente extinção da limitação à participação do capital estrangeiro. Outros propõem a possibilidade de ampliação da participação do capital estrangeiro.

9. bibliogRafia

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outu-bro de 1988.BRASIL, Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962.BRASIL, Lei n. 4.390, de 29 de agosto de 1964.BRASIL, Lei n. 5.709, de 7 de outubro de 1971.BRASIL, Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986.

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176 EDUARDO SIMÕES LANNA / LUIZA PINTO COELHO GONÇALVES DE SOUZA

BRASIL, Lei n. 10.610, de 20 de dezembro de 2002.Site do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br) nos dias 12, 13 e 14 de abril de 2011.Site da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) no dia 14 de abril de 2011.Site da Comissão de Valores Mobiliários (www.cvm.gov.br) no dia 12 de abril de 2011.Site da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvi-mento (Unctad) (www.unctad.org) no dia 12 de abril de 2011.Site do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (www.cade.gov.br) no dia 12 de abril de 2011.Site da Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br) no dia 13 de abril de 2011.

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o sIsteMa BrasIleIro de deFesa da coNcorrÊNcIa

ubirajara Costódio filho [email protected]. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP.

Sócio fundador de Hilú, Costódio Filho & Caron Baptista Sociedade de Advogados (Aliado de Curitiba/PR)

intRodução

Pode-se definir o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) como sendo o conjunto de regras jurídicas infraconstitucionais1 e de au-toridades da Administração Pública federal, responsável pela prevenção e repressão às infrações à ordem econômica, na via administrativa2.

As regras jurídicas infraconstitucionais repousam sobre a Lei Federal n.º 8.884/94 e sua respectiva regulamentação administrativa por meio de porta-rias, resoluções e decretos expedidos no âmbito do Poder Executivo federal.

As autoridades administrativas federais são a Secretaria de Direito Eco-nômico (órgão do Ministério da Justiça), a Secretaria de Acompanhamento Econômico (órgão do Ministério da Fazenda) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça),

A atuação dessas autoridades administrativas compreende três grandes modalidades: a) preventiva, que envolve a análise de atos de concentração econômica; b) repressiva, voltada à punição de infrações da ordem econô-mica; c) educativa, também conhecida como “advocacia da concorrência”,

1 O fundamento constitucional da legislação do SBDC está nos arts. 170, IV, e 173, §4.º, da CF/88.

2 Evidentemente, por força do princípio constitucional de acesso à Justiça (CF/88, art. 5.º, XXXV), o Poder Judiciário também pode atuar, quando provocado, na prevenção e repres-são às infrações à ordem econômica, inclusive, revisando e reformando, no que couber, as decisões dos órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Nesse sentido, dispõe o art. 29 da Lei n.º 8.884/94.

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178 UBIRAJARA COSTÓDIO FILHO

correspondente às ações institucionais de difusão das regras de defesa da concorrência junto à população, por meio de eventos e campanhas publi-citárias.

Grosso modo, a divisão de tarefas entre os integrantes do SBDC dá-se desta maneira: a) a Secretaria de Direito Econômico se ocupa de instaurar os processos administrativos (de ofício ou por representação de interessa-dos) e emitir pareceres conclusivos, encaminhando os processos ao CADE; b) a Secretaria de Acompanhamento Econômico emite pareceres técnicos no decorrer dos processos3; c) o CADE julga os processos (tanto os de in-fração da ordem econômica, quanto os de atos de concentração), aplica as sanções legais e também executa seus julgados.

Os processos administrativos no âmbito do SBDC obedecem aos se-guintes ritos quanto à sua publicidade:

I – Público, quando acessíveis, sem restrições, por qualquer pessoa;

II – Confidencial, quando seu acesso for restrito à parte que apresen-tou informações e documentos e/ou aos Representados do processo, conforme for o caso, além de eventuais outras pessoas autorizadas pela Secretaria de Direito Econômico e as autoridades públicas res-ponsáveis por proferir parecer ou decisão;

III – Sigiloso, quando seu acesso for restrito às pessoas autorizadas pela Secretaria de Direito Econômico e às autoridades públicas responsá-veis por proferir parecer ou decisão;

IV – Segredo de justiça, de acesso restrito, nos termos de decisão judi-cial.

As regras do SBDC incidem tanto sobre atos praticados no território na-cional, quanto àqueles praticados no exterior, mas que produzam efeitos aqui, real ou potencial, e são aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que atuem no domínio econômico, inclusive as associa-ções de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, com ou sem personalidade jurídica.

3 A intervenção da Secretaria de Acompanhamento Econômico é obrigatória nos processos de análise de atos de concentração, e facultativa, naqueles que envolvem apuração de infrações à ordem econômica. Ver arts. 38 e 54, § 6.º, da Lei n.º8.884/94.

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179O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Em relação específica a empresas estrangeiras, a lei considera domiciliadas no Brasil aquelas que atuem diretamente aqui ou por meio de filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.

a RePReSSão ÀS infRaçõeS da oRdem eConômiCa

Nos termos exatos do caput do art. 20 da Lei n.º 8.884/94, “constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam pro-duzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – au-mentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante.”

Ao lado dessa noção geral, o art. 21 daquela mesma lei elenca os seguin-tes exemplos de condutas que podem ser tipificadas como infrações da ordem econômica, se gerarem ou puderem gerar algum dos efeitos listados nos incisos do art. 20:

I – fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;

II – obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

III – dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou pro-dutos intermediários;

IV – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

V – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desen-volvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

VI – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de dis-tribuição;

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180 UBIRAJARA COSTÓDIO FILHO

VII – exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa;

VIII – combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrên-cia pública ou administrativa;

IX – utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;

X – regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar inves-timentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distri-buição;

XI – impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, vare-jistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;

XII – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacio-nais de venda ou prestação de serviços;

XIII – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;

XIV – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de rela-ções comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificá-veis ou anticoncorrenciais;

XV – destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos in-termediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificul-tar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;

XVI – açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;

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181O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

XVII – abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou plantações, sem justa causa comprovada;

XVIII – vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo;

XIX – importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador, que não seja signatário dos códigos Antidumping e de subsídios do Gatt;

XX – interromper ou reduzir em grande escala a produção, sem justa causa comprovada;

XXI – cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;

XXII – reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção;

XXIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à uti-lização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;

XXIV – impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço.

Em razão da regra do art. 20, as autoridades administrativas consideram que a a responsabilização dos agentes econômicos investigados pela prá-tica de infrações da ordem econômica independe da comprovação de sua culpa ou dolo, aplicando-se-lhes a chamada responsabilidade objetiva4.

As empresas e seus dirigentes/administradores respondem solidariamente pela prática de infrações da ordem econômica, o mesmo ocorrendo entre empresas integrantes do mesmo grupo econômico, de fato ou de direito.

Os processos de apuração das infrações da ordem econômica são instau-rados pela SDE de ofício ou mediante representação por escrito de qual-quer interessado.

4 O assunto é controvertido, havendo quem considere a regra do art. 20 da Lei n.º 8.884/94 inconstitucional, por incompatível com a regra do art. 173, § 4.º da CF/88, da qual se extrai a tese de que a responsabilização por infração da ordem econômico exige comprovação de dolo ou culpa do agente. A questão é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.094, pendente de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

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182 UBIRAJARA COSTÓDIO FILHO

Se não houver indícios suficientes para a abertura de processo admi-nistrativo, a SDE começa a investigação por meio de averiguações preli-minares5, a serem realizadas durante o prazo máximo de 60 dias, após o que a SDE deve transformar a investigação em processo administrativo de apuração de infração da ordem econômica ou arquivar a investigação, se entender pela inexistência de mínimos indícios de infração da ordem econômica nas condutas investigadas.

Nestes processos de infração da ordem econômica, a SDE cuida da abertura e da instrução dos processos; a SEAE, facultativamente, emite pareceres técnicos em matéria econômica; e o CADE recebe os processos, ao final, para julgamento e eventual aplicação de penalidades, em caso de condenação.

Nos termos dos arts. 23 e 24 da Lei n.º 8.884/94, os condenados por infração da ordem econômica estão sujeitos a uma das seguintes penali-dades�:

I – no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do fatu-ramento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;

II – no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador;

III – no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresa-rial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento

5 Exceção à regra das averiguações preliminares encontra-se no art. 30, §2.º, da Lei n.º 8.884, segundo o qual a representação sobre prática de infração da ordem econômica, quando oriunda do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, deve ser processada desde logo como processo administrativo propriamente dito, dispensada a fase prévia das averiguações preliminares.

6 Em caso de reincidência, as multas são aplicadas em dobro.

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183O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.

E tais penalidade principais poderão ser cumuladas com uma ou mais das seguintes penalidades acessórias:

I – a publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas;

II – a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e parti-cipar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, junto à Admi-nistração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta, por prazo não infe-rior a cinco anos;

III – a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consu-midor;

IV – a recomendação aos órgãos públicos competentes para que seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infra-tor, ou não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos fede-rais por ele devidos, ou para que sejam cancelados incentivos fiscais ou subsídios públicos;

V – a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou pro-vidência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Finalmente, releva destacar que as infrações da ordem econômica pres-crevem em 05 anos, a contar da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.7

7 A Súmula n.º 7/2009 do CADE dispõe que “constitui infração da ordem econômica a prática, sob qualquer forma manifestada, de impedir ou criar dificuldades a que médicos cooperados prestem serviços fora do âmbito da cooperativa, caso esta detenha posição dominante.”

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184 UBIRAJARA COSTÓDIO FILHO

o ContRole doS atoS de ConCentRação

Atos de concentração de poder econômico, por sua vez, nos termos do art. 54 da Lei n.º 8.884/94, são “os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços.”8

Nota-se na redação da lei excessiva generalidade na definição do que seja ato de concentração, cuja submissão prévia ao CADE é dever legal im-posto aos agentes econômicos envolvidos no ato e precisa ser apresentado à SDE para exame e aprovação antes de celebrado ou até 15 dias após sua assinatura, sob pena de multa pecuniária e abertura de processo adminis-trativo de apuração de infração da ordem econômica9.

Atualmente, a taxa processual cobrada pelo protocolo de ato de concen-tração é de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) e seu recolhimento deve ser comprovado no momento do protocolo.10 Se não for recolhido neste prazo, seu valor será acrescido de juros de mora, contados do mês seguinte ao do vencimento, à razão de um por cento, calculados na forma da legislação aplicável aos tributos federais, mais multa de mora de vinte por cento11.

Para tentar restringir um pouco essa cláusula geral e dar aos agentes econômicos parâmetros mais objetivos de avaliação quanto ao seu dever de

8 A Súmula n.º 2/2007 do CADE veicula a seguinte orientação sobre o art. 54 da lei antitruste: “A aquisição de participação minoritária sobre capital votante pelo sócio que já detenha par-ticipação majoritária não configura ato de notificação obrigatória (art. 54 da Lei n. 8.884/94) se concorrerem as seguintes circunstâncias: (i) o vendedor não detinha poderes decorrentes de lei, estatuto ou contrato de (i.a) indicar administrador, (i.b) determinar política comercial ou (i.c) vetar qualquer matéria social e (ii) do(s) ato(s) jurídico(s) não constem cláusulas (ii.a) de não-concorrência com prazo superior a cinco anos e/ou abrangência territorial superior à de efetiva atuação da sociedade objeto e (ii.b) de que decorra qualquer tipo de poder de controle entre as partes após a operação”.

9 A Súmula n.º 3/2007 do CADE estabelece que, “nos atos de concentração econômica reali-zados com o propósito específico de participação em determinada licitação pública, o termo inicial do prazo deste §4.º é a data de celebração do contrato de concessão”.

10 A Súmula n.º 6/2009 do CADE enuncia que “o fato gerador das taxas processuais previstas na Lei n.º 9.781/99 é o protocolo do ato de concentração ou da consulta, sendo devidas ainda que a parte venha desistir do pedido em momento posterior.”

11 Ver Lei Federal n.º 9.781/99, com as alterações introduzidas pela Lei Federal n.º 10.149/2000.

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185O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

notificar o SBDC, ou não, a lei preestabelece duas situações nas quais sur-ge esse dever às partes envolvidas: primeira, quando está presente no ato de concentração empresa/grupo detentor de 20% de mercado relevante; se-gunda, quando uma das empresas partícipes do ato de concentração tenha apresentado faturamento bruto anual igual ou maior a R$ 400.000.000,00 no último balanço (§ 3.º do art. 54)12.

Uma vez apresentado à SDE o ato de concentração, a SEAE emitirá obrigatoriamente seu parecer técnico e o processo seguirá ao CADE, para uma de três decisões: a) desaprovação do ato; b) aprovação do ato; c) apro-vação do ato sob condições.

Com efeito, o CADE poderá autorizar atos de concentração, desde que atendam as seguintes condições:

I – tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou eco-nômico;

II – os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro;

III – não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços;

IV – sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.

Ainda poderão ser aprovados pelo CADE atos de concentração que sa-tisfaçam pelo menos três daquelas condições citadas anteriormente, se tal concentração empresaria for considerada necessária por motivo preponde-rante da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.

12 A Súmula n.º 1/2005 do CADE fixa que “na aplicação do critério estabelecido no art. 54, §3o, da Lei n.º 8.884/94, é relevante o faturamento bruto anual registrado exclusivamente no terri-tório brasileiro pelas empresas ou grupo de empresas participantes do ato de concentração”.

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Aprovado o ato de concentração, sob condições, as empresas celebram com o CADE um compromisso de desempenho, a ser explicado mais à frente.

o CumPRimento daS deCiSõeS do Cade

Tanto nos processos de apuração de infração da ordem econômica, quan-to nos de ato de concentração, a decisão do Plenário do CADE constitui título executivo extrajudicial, sua execução caberá ou à Procuradoria do CADE ou ao Ministério Público Federal (arts. 10, II, e 12, parágrafo único, da Lei n.º 8.884/94), a ação de execução será processada perante o foro da Justiça Federal do Distrito Federal ou da sede do domicílio do executado, conforme escolha do CADE, e poderá implicar até numa intervenção ju-dicial na empresa executada, hipótese em que as despesas resultantes da intervenção correrão por conta do agente contra quem ela tiver sido decre-tada (arts. 60, 63, 64, 69-78 da Lei n.º 8.884/94).

Diga-se de passagem, as decisões do CADE não comportam recurso no âmbito administrativo, restando aos interessados rediscuti-la apenas na via judicial.

O processo judicial de execução das decisões do CADE, quando visar apenas à cobrança de multa pecuniária, seguirá o rito processual das exe-cuções fiscais e, em qualquer caso, terá preferência na sua tramitação, sal-vo em relação a habeas corpus e mandado de segurança.

Finalmente, interessante destacar que o oferecimento de embargos ou o ajuizamento de qualquer outra ação que vise a desconstituição do tí-tulo executivo não suspenderá a execução, se não for garantido o juízo no valor das multas aplicadas, assim como de prestação de caução, a ser fixada pelo juízo, que garanta o cumprimento da decisão final proferida nos autos, inclusive no que tange a multas diárias (art. 65 da Lei Federal n.º 8.884/94).

tRanSaçõeS adminiStRativaS no âmbito do SbdC

As autoridades que formam o SBDC recebem da lei poderes para cele-brar acordos com as partes, verdadeiras transações administrativas, com vistas a otimizar os resultados de seu trabalho e atingir seus objetivos sem

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esperar longos anos pelo trâmite exaustivo dos respectivos processos ad-ministrativos e, quiçá, judiciais, dali derivados.

Nesse sentido, cabe explicar, resumidamente, o que são o Acordo de Le-niência, o Compromisso de Cessação, o APRO – Acordo de Preservação de Reversibilidade de Operação e o Compromisso de Desempenho.

o acordo de leniência (arts. 35B e 35C da Lei n.º 8.884/94) é espécie de transação pactuada entre a SDE e terceiro (o delator), nos processos de apuração de infração à ordem econômica, com vistas a receber do terceiro informações relevantes sobre a prática ilícita sob investigação, em troca de benefício de absolvição ou redução da pena administrativa concedido ao delator e também de extinção da punibilidade criminal do delator, se o acordo de leniência for por ele cumprido.

O Compromisso de Cessação (art. 53 da Lei n.º 8.884/94) é acordo firmado pelo CADE, a seu juízo de conveniência e oportunidade, com re-presentados, nos processos de apuração de infração à ordem econômica, com vistas a fazer cessar de imediato a prática do ilícito antitruste sob in-vestigação. O processo administrativo fica suspenso enquanto estiver sen-do cumprido o Compromisso de Cessação e será arquivado, caso este seja adimplido integralmente pela parte.

O aPRo – acordo de Preservação de Reversibilidade da operação13 é um termo de ajustamento de conduta preventivo celebrado pelo CADE com empresas, no início dos processos de ato de concentração, criado pela jurisprudência do CADE com fundamento no art. 83 da Lei n.º 8.884/94 e na Lei n.º 7.347/85, art. 5.º, § 6.º. Sua finalidade é preservar as condições de mercado, prevenindo mudanças irreversíveis ou de difícil reversibilidade nos atos de concentração. Embora o pedido de assinatura de APRO possa partir das próprias empresas, cabe ao plenário do CADE a sua decisão e homologação.

O Compromisso de desempenho (art. 58 da Lei n.º 8.884/94) é o tipo de acordo ajustado entre o CADE e as empresas, ao final dos processos de ato de concentração, com vistas a viabilizar sua aprovação sob condições. Deverão constar dos termos de compromisso de desempenho as metas qualitativas ou quantitativas, em prazos pré-definidos, cujo cumprimento

13 O Regimento Interno do CADE trata do APRO especificamente nos seus arts. 139-141.

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188 UBIRAJARA COSTÓDIO FILHO

será acompanhado pela SDE. O descumprimento injustificado do com-promisso implicará a revogação da aprovação do CADE e a abertura de processo administrativo para adoção das medidas cabíveis.

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resPoNsaBIlIdade aMBIeNtal da Pessoa JurídIca: uMa BreVe

aNÁlIse de rIscos

Keyth Yara Pontes PinaSócia de Andrade & Câmara Advogados desde 2003. Graduada em Direito

pela Universidade Federal do Amazonas em 1999. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Integrado de Estudo Superior

do Amazonas – CIESA, em 2008. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC. Atua na área tributária e administrativa.

Pedro Câmara juniorSócio de Andrade & Câmara Advogados desde 1999. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas em 1996. Especialista em Direito

Civil pela mesma Universidade em 1998. Especialista em Direito Tributário e Social da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas –

FGV/ISAE-AM. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC. Gerencia a área tributária do escritório.

Diego Carvalho Texeira Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL;

Professor Universitário, Advogado e Consultor.

Helder gonçalves lima Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo – PUC/SP; Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Alagoas – UFAL; Advogado e Consultor.

eduardo Stecconi filho Especialista em Processo Civil pelo CESMAC; Advogado.

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TEXEIRA/HELDER GONÇALVES LIMA/ EDUARDO STECCONI FILHO

1 – bRaSil, CReSCimento eConômiCo e ReSPonSabilidade ambiental.

1.1. Primeiras Considerações

O presente texto se presta a apresentar ao investidor estrangeiro, com interesses no Brasil, os aspectos fundamentais relativos à responsabilida-de ambiental, tão em voga em nossos dias. O tema tem ganhado relevo insuspeito em nosso país, pródigo em riquezas naturais que interessam a todo o mundo. A questão ambiental tem sido objeto de todas as políticas empresariais modernas e voltadas para o futuro.

Neste contexto é que surge a necessidade de o investidor estrangeiro estar a par de um dos pontos mais nevrálgicos da moderna atividade em-presarial: a responsabilidade ambiental.

É de suma importância que o investidor esteja ciente de todas as impli-cações de sua atividade, no afã de que possa tecer um planejamento seguro e confiável para o seu negócio.

As previsões mercadológicas das mais diversas fontes indicam que a economia brasileira crescerá, em 2010, algo em torno dos 7% (sete por cen-to). Ou seja, será o maior crescimento em quase 25 anos1. Tal conjuntura abre, ainda mais, espaço para investimentos, não somente internos, mas, sobretudo, de capital estrangeiro. Dentro dessa perspectiva, questiona-se: quais as implicações, ou melhor, quais os requisitos a serem satisfeitos por quem deseja desenvolver negócios no Brasil, notadamente na seara ambiental?

Passando ao largo das, não menos importantes, exigências de ordem econômica, trataremos, no presente artigo, de algumas situações que se constituem não em entraves, mas em caminhos a serem trilhados por aque-les que pretendem surfar na onda de crescimento presente na economia brasileira. As leis brasileiras, criticadas, em algumas passagens, por sua ambigüidade e vagueza, não são, na verdade, nem melhores nem piores que aquelas encontradas nos outros países ao redor do globo. É o sistema

1 Caso confirmada, será a maior expansão do mercado financeiro brasileiro desde 1986 quando, segundo o IBGE, este cresceu 7,49%.

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jurídico brasileiro, em seu complexo contexto, e com todas as suas especi-ficidades, o ambiente no qual se desenvolverá um dos aspectos do planeja-mento empresarial de quem decide investir aqui.

Na esteira do que é feito em todo o mundo – e aqui não é, nem poderia ser diferente – há no Brasil um forte movimento de engrandecimento da proteção ambiental. E isto é observado em todos os aspectos, desde o so-cial, até o jurídico, passando pela organização empresarial e econômica em todos os setores.

Em sendo assim, requer-se do investidor, apenas – o que naturalmente ocorre em todos os demais países -, adaptação à realidade local. Melhor adaptação importa em melhores arranjos e, pois, em maior lucratividade.

Não seria de bom alvitre nos aprofundarmos no tema, como se preten-dêssemos esgotá-lo, mas tão somente apresentar seus contornos básicos, máxime no que diz respeito ao caráter jurídico que envolve o tema. Eis que alguns tópicos devem ser encarados e, ainda que de forma didática e não técnica, apresentados ao leitor – a fim de que este tenha uma visão ampla e sólida daquilo que envolve mais diretamente a questão da responsabilida-de ambiental no Brasil. Assim, passearemos por estes temas jurídicos, de uso de uma linguagem acessível e didática.

1.2. A Consciência Ambiental

Primeiramente, de se frisar a importância da proteção ambiental dentro da própria lógica de funcionamento do mercado, em âmbito global. E isto se mostra assente quando nos deparamos com a inegável relevância da obtenção de certificados verdes, atestando práticas protetivas e responsá-veis em relação ao meio ambiente, bem como a fabricação de produtos ou fornecimento de serviços a partir de sistemas voltados para o uso racional dos recursos naturais. Esta é uma premissa inescapável nos dias que se seguem e, para além disso, uma reivindicação intransigente do mercado consumidor global.

Dentro dessa lógica de proteção ambiental e de uso racional dos recursos naturais entra o princípio do desenvolvimento sustentável, cuja compre-ensão – inclusive legal – deve passar pela necessária observação de que o homem, no desenvolvimento em geral de suas atividades, interfere na

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TEXEIRA/HELDER GONÇALVES LIMA/ EDUARDO STECCONI FILHO

natureza, modificando-a, adaptando-a, dela extraindo os insumos necessá-rios para a produção dos bens da vida, os mais diversos.

Ou seja, o homem, no exercício de suas atividades cotidianas, interfere na natureza, seja de forma direta, seja de forma indireta. Basta pensar no presente texto. Produzido em meio digital, a partir de um complexo apa-relho confeccionado a partir de determinadas substâncias encontradas na natureza, materializa-se para ser distribuído numa outra espécie de bem fabricado pelo homem, mais simples, o livro.

Contudo, a própria distribuição e comercialização do livro pressupõe uma série de atividades que, para acontecer, dependem de uma interferên-cia direta e substancialmente modificativa da natureza. Nem sempre esta interação homem-natureza é benéfica para esta última.

O que se está a afirmar é que, o homem, essencialmente, altera a na-tureza. Ocorre que algumas atividades exercidas pelo homem detém um potencial maior de modificação (e porque não dizer degradação) do meio ambiente que outras, merecendo regulação específica, sob pena de, hoje já se sabe, esgotamento dos recursos naturais.

Nessa esteira, o ordenamento jurídico brasileiro traz uma série de exigên-cias a serem satisfeitas por atividades que sejam potencial ou efetivamente poluidoras. Dentre estas, cumpre sublinhar a necessidade de obtenção de licenças ambientais, previamente ao início da atividade e, a depender da natureza desta, em intervalos periódicos, havendo, assim, uma constante fiscalização do poder público sobre a atividade empresarial exercida.

Chega-se, aqui, ao segundo ponto do presente artigo. Muito embora, num primeiro momento, pareça de simples execução a sistemática das li-cenças ambientais – identifica-se se a atividade exercida está dentro da-quelas consideradas potencial ou efetivamente poluidoras, elaboram-se os estudos necessários e obtém-se a licença – na prática, o tema é truncado. Há se observar que, antes do início de qualquer atividade poluidora, ne-cessário se faz a obtenção da respectiva licença ambiental. Entretanto, a legislação é omissa quanto ao órgão competente para apreciar o caso e lavrar a licença.

Destarte, de ver está que a licença ambiental, longe de ser um proble-ma ou um entrave para a atividade empresarial, é, isto sim, um assunto que deve ser conduzido com especial atenção para fins de se evitar perda

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193RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA:...

de tempo e dinheiro, num entrelaçamento burocrático desnecessário. Uma boa consultoria nesta área é suficiente para evitar maiores transtornos.

Tem-se, ainda, um outro ponto cujo trato se mostra imprescindível. E este diz respeito àqueles casos em que a empresa age em desacordo com as exigências ambientais vigentes, em prejuízo do meio ambiente.

Em matéria de responsabilidade ambiental, a empresa pode vir a ser triplamente sancionada, sem que isto se constitua na injusta aplicação de diversas penas/sanções sobre uma mesma ocorrência.

De fato, aos praticantes de ilícitos ambientais, reserva a lei uma possível atribuição de três ordens de sanções: uma de ordem administrativa (mul-tas, embargos); outra de ordem civil (reparação da degradação ambiental); e ainda, se for o caso, a sanção decorrente do cometimento de crime am-biental (sanção penal).

Vale ainda destacar, ao fim, que hoje se tem uma série de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional voltados para a uniformização e racio-nalização da legislação ambiental brasileira, culminando na criação de um Código Ambiental.

Com efeito, o principal escopo de tal empreendimento codificador não é o de alterar profundamente o viés atualmente perseguido por nossa legis-lação, mas apenas o de sistematizá-la, aprimorando-a, de sorte a torná-la mais coesa e mais racional e, portanto, mais acessível e mais útil, afinal, a toda a sociedade. Tem-se o sentimento de que a lei nacional, em matéria ambiental, está no rumo certo, apenas reclamando algumas atualizações e ajustes que conformem de maneira mais eficaz o interesse social indisso-ciavelmente arraigado na questão ambiental.

O desafio que se nos impõe é concatenar e conciliar os mais diversos in-teresses envolvidos, sempre almejando alcançar a melhor solução que alie progresso com desenvolvimento sustentável. Não é tarefa fácil.

No que diz respeito ao elemento ambiental como valor de mercado, é pon-to já pacífico, atualmente, a necessidade de que as empresas agreguem valor aos seus produtos ou serviços – ou somente à sua marca – a partir da adoção de medidas ambientalmente corretas. E estas podem ser as mais diversas: desde o desenvolvimento de processos de produção menos poluentes até sis-temas compensatórios da poluição. As possibilidades são muitas.

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A relação desta questão com a responsabilidade ambiental – do ponto de vista da Lei – reside exatamente na necessária conexão que há de ser feita entre cumprir as medidas exigidas pela lei para que a empresa atue de acordo com os ditames do direito ambiental e as vantagens de mercado que podem ser daí extraídas.

Ora, em sendo verdadeira vantagem competitiva a responsabilidade ambien-tal, e mais, em sendo exigência legal o atendimento de alguns requisitos voltados para a proteção do meio ambiente, nada impede o desenvolvimento de estraté-gias de atuação que aliem estas duas situações, gerando lucros em situações que, até então, aparentemente, somente se consubstanciariam em gastos2.

Os motivos que levaram ao estabelecimento dessa nova ordem de funciona-mento das empresas – chamada de Onda Verde – podem ser assim resumidos:

Existem duas fontes de pressão por trás dessa Onda Verde. Primeiro, os limites do mundo natural poderiam restringir as operações de ne-gócios, realinhar mercados e quem sabe até ameaçar o bem-estar do planeta. Segundo, as empresas enfrentam um número cada vez maior de stakeholders preocupados com as questões ambientais3.

É exatamente dentro dessa perspectiva que as empresas – nacionais e es-trangeiras – utilizadoras, em maior ou menor grau, dos recursos naturais, estão se instalando no Brasil. Um país que apresenta uma tendência real de crescimento detém algumas vantagens com relação a outros países, prin-cipalmente em comparação a mercados já saturados. As empresas, por sua vez, possuem suas vantagens competitivas com relação às outras, e não podem descurar-se – sob pena de comprometer sua estratégia ambiental, importante ponto de obtenção de lucro – das determinações estabelecidas pela legislação ambiental local, sob pena de assistirem a todo um projeto de expansão e solidificação da marca ruir.

Isto se mostra de maior relevância quando temos em mente o caso da-quelas empresas que estão em vias de se instalar no mercado brasileiro,

2 Nesse sentido, vide TACHIZAWA, Takeshy. Gestão ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. 6 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009.

3 ESTY, Daniel C.; WINSTON, Andrew S. O verde que vale ouro: como empresas inteligentes usam a estratégia ambiental para inovar, criar valor e construir uma vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 08.

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e que têm nesse diapasão uma chance real de agregar ainda mais valor à sua marca e, sobretudo, um meio concreto de infiltração no mercado local – para o qual a questão ambiental é tão cara.

Mostra-se, pois, de vital importância para o fortalecimento de grandes marcas e de grandes empresas um completo planejamento ambiental. Não apenas em razão das consequências danosas decorrentes do descumpri-mento da lei, mas, sobretudo, em função do alto valor agregado à marca que representa o reconhecimento do caráter social e ambientalmente res-ponsável da empresa no contexto do atual cenário global de mercado.

2. o diReito ambiental: aPliCação ContemPoRânea

O Direito tem como inspiração o convívio justo e coordenado das rela-ções em sociedade, impondo, por isso, prerrogativas e deveres. No mais, como ciência, organiza-se em segmentos distintos.

Há segmentos clássicos, como o Direito Civil, que disciplina, em geral, a re-lação entre particulares. Outros, entretanto, são constituídos a partir de modi-ficações sociais, que demandam a necessidade de compor relações ainda mais específicas. Este é o caso do Direito Ambiental, conceituado por Luís Paulo Sir-vinkas4, como é “a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta”.

O Direito Ambiental, portanto, objetiva regulamentar a relação do ho-mem com o meio ambiente, baseado na aliança entre a preservação dos recursos naturais e a prática de um desenvolvimento sustentável.

Alguns valores permitem compreender quais objetivos influenciam a formulação e a aplicação das normas que compõem o Direito Ambiental. São os chamados princípios, dos quais interessa indicar:

− Princípio do direito à qualidade de vida – cuja essência aponta para percepção de que toda comunidade, inclusive as gerações futuras – merece desfrutar de um meio ambiente saudável;

− Princípio da prevenção – orienta a formulação das normas e a aplicação do di-reito para adoção de medidas capazes de avaliar previamente os efeitos da ação

4 Manual de Direito Ambiental, 6ª ed., SARAIVA, São Paulo, 2008, pág. 35.

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humana no meio ambiente, evitando ou minimizando a ocorrência de dano dessa natureza, bem como prestigiando a preservação frente ao interesse econômico;

− Princípio do equilíbrio – baseia-se na ideia da sustentabilidade, com a adoção de instrumentos que garantam o desenvolvimento da atividade humana em conjunto com medidas que anulem ou reduzam qualquer impacto ao meio ambiente;

− Princípio da responsabilidade – aponta para o dever de toda sociedade contribuir para uma relação equilibrada com o meio ambiente;

− Princípio do poluidor-pagador – de finalidade coercitiva, que visa a identificação e a concentração da responsabilidade em reparar o dano ambiental naqueles que lhes derem causa.

A Constituição Federal de 1988 foi a propulsora da matéria no Brasil, destacando o meio ambiente como uma garantia da coletividade. Essa é a expressão de seu artigo 2255, que consolidou as bases da política ambien-tal, dentre as quais a da responsabilidade tratada neste artigo.

São claros, no texto constitucional, os princípios da responsabilidade e do poluidor-pagador.

A legislação ambiental brasileira6 ainda é esparsa, vez que instituída não só pela União, mas também por legislações estaduais e municipais. Segundo a Comissão Especial do Congresso Nacional, que está a frente da reforma do Código Florestal, existem cerca de quarenta mil dispositivos regulamentando a matéria.

O Judiciário brasileiro, por sua vez, está na vanguarda e alcança expressão internacional, conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com destaque ao Superior Tribunal de Justiça, que jul-gou cerca de 3.000 processos de natureza ambiental, relacionados especial-mente às questões do licenciamento e da responsabilidade por infrações.

5 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, indepen-dentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

6 Destacam-se as Leis 6.938/81, 7.347/85 e 9.605/98.

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197RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA:...

Há, portanto, todo um movimento que coloca o Direito Ambiental em destaque e, por consequência, difunde a necessidade de se observar suas questões. Vejamos, neste contexto, os traços característicos da responsabi-lidade por danos ambientais.

3. a ReSPonSabilidade ambiental

O convívio em sociedade acaba por impor limites às nossas ações, que, se ultrapassados, podem ofender o direito do outro. Quando isto acontece, é justo que o ofensor responda por seus atos, reparando o prejuízo experi-mentado pelo ofendido.

Aqui, interessa-nos a responsabilidade ambiental, que visa resguardar o direito ao meio ambiente equilibrado e saudável, cujo titular poderá ser um indivíduo ou a coletividade, conforme a extensão do dano. Já o ofensor estará caracterizado naquele que interferir negativamente em suas condi-ções, ainda que por omissão.

Respondem pelo dano ao meio ambiente tanto o Poder Público, como as pessoas físicas e jurídicas, de acordo com o artigo 225, da Constituição Federal, que também esclarece as esferas alcançadas por esta espécie de responsabilidade – civil, administrativa e penal – analisadas a seguir.

3.1. Responsabilidade civil ambiental

Ao nosso estudo, importam situações que reúnam a prática de um ilí-cito, isto é, de uma ação contrária à ordem jurídica, cujo resultado é a ocorrência de um dano ao direito de alguém, demandando a obrigação do infrator em repará-lo.

Os elementos destacados formam a base da denominada responsabi-lidade civil, instituto típico do direito privado, com reflexos nas relações tuteladas pelo Direito Ambiental.

Ao definir quem deve reparar, as regras da responsabilidade civil podem considerar o comportamento do infrator, fixando, neste sentido, situações qualificadas pela responsabilidade subjetiva, nas quais o dano sofrido está atrelado a uma atitude caracterizada pela culpa. Há casos, no entanto, em que o dever de reparar não depende da intenção do infrator. Referimo-nos à responsabilidade objetiva.

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Algumas relações sociais podem ser consideradas prioritárias ao Es-tado, pela relevância de seu objeto ou por sua repercussão na sociedade. Outras podem ser tipificadas por uma desvantagem do ofendido diante de seu ofensor, seja pela dificuldade de identificá-lo, seja por um claro poder econômico, entre outros fatores.

Para assegurar a realização do direito nesses casos, a lei determina a aplicação da responsabilidade objetiva, nela prevalecendo o dever de re-parar independente da caracterização de culpa. Isto é, a vítima não está obrigada a provar a intenção do infrator e este responde pelo dano ainda que não tenha concorrido com o fim de causar um prejuízo.

Como exemplo de aplicação da responsabilidade objetiva, temos as rela-ções de consumo, a representação dos pais por atos de seus filhos incapa-zes e, também, as hipóteses de responsabilidade definidas nas normas de proteção ao meio ambiente.

Aqui, portanto, um primeiro aspecto da Responsabilidade Civil Ambien-tal, qual seja seu caráter objetivo7, cuja melhor expressão se identifica no § 1º, do artigo 14, da Lei 6.938/818.

7 Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro, 14ª edição, MA-LHEIROS, São Paulo, 2006, pág. 336/337) comenta a responsabilidade ambiental da seguinte forma: “Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente. (...) A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade. (...) A responsa-bilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A respon-sabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos ‘danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade’ (art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. (...)”.

8 “Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental su-jeitará os transgressores:(...)

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199RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA:...

A responsabilidade objetiva ambiental é aplicada, indistintamente, aos atos da Administração Pública, do cidadão comum e das empresas. Aliás, a orientação relativa à responsabilidade ambiental das pessoas jurídicas mereceu disposição específica na Lei 9.605/989.

Ou seja, vincula-se a responsabilidade à demonstração de que o dano ambiental partiu de uma decisão do representante legal ou do órgão cole-giado da empresa.

Contudo, no que se refere à responsabilidade civil ambiental, seu caráter objetivo acaba por generalizar a aplicação do dispositivo transcrito, permi-tindo compreender que o dever de reparar vai prevalecer desde que haja uma conduta em nome da empresa que possa ser vinculada à ocorrência do dano.

Neste sentido, traz-se outro elemento relevante, qual seja o nexo de cau-salidade. A responsabilidade objetiva está baseada na presunção de culpa do infrator, presunção esta que só persistirá se houver um vínculo entre sua conduta e o dano ambiental caracterizado.

Não há confusão entre a desnecessidade da prova de culpa com a neces-sária demonstração de que o agente indicado como poluente contribuiu, de alguma maneira, para a ocorrência do dano. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a responsabilidade civil ob-jetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.

O mesmo caráter objetivo fomenta discussão a respeito das denomina-das excludentes de responsabilidade em matéria de responsabilidade civil

§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Pú-blico da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” – grifos nossos.

9 Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penal-mente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.- grifos nossos.

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ambiental, as quais presumem que o dano provocado não teve a participa-ção do suposto infrator, ou melhor, ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade, não sendo razoável responsabilizá-lo.

É o exemplo do caso fortuito e da força maior, que se referem a fatos que não podem ser previstos ou, mesmo que previsíveis, não podem ser evita-dos, como os eventos naturais (tempestades, enchentes), greves e guerras. Cita-se, ainda, fatos de responsabilidade exclusiva de terceiros, isto é, da-queles que não possuem qualquer relação jurídica com o acusado.

Boa parte da doutrina brasileira, não admite o emprego dessas excluden-tes, defendendo que a responsabilidade em análise está baseada na teoria do risco integral, isto é, no entendimento de que a execução de determinada atividade importa ao infrator assumir todo e qualquer risco dela oriundo.

A aplicação prática do direito ambiental, contudo, caminha para flexibi-lizar o efeito extremo do risco integral, não no sentido de acatar, em qual-quer hipótese, as excludentes de responsabilidade, mas, sim, de vincular sua aplicação a uma apuração mais rígida, a fim de identificar se o poluidor (acusado) adotou medidas suficientes a evitar a ocorrência do dano, mesmo em situações que lhe são alheias.

No mais, dependendo da repercussão do dano ambiental, seus reflexos po-dem representar um prejuízo individual ou atingir o interesse da coletividade.

A hipótese mais comum equivale à atuação dos órgãos do Estado, com destaque ao Ministério Público, que possui legitimidade para agir como par-te na defesa do direito coletivo a um meio ambiente equilibrado e saudável.

Ao Ministério Público destinam-se as prerrogativas da Lei 7.347/85, dentre as quais a instauração de inquérito civil, pelo qual apura a respon-sabilidade do agente causador do dano e reúne os elementos que vão sub-sidiar as ações judiciais de sua titularidade.

Referidas ações podem ter natureza cautelar, quando são utilizadas para evitar a ocorrência de um dano ambiental, podendo o Poder Judiciário de-ferir medidas que vão sustar a continuidade de determinadas obras ou ati-vidades, vinculando-as à adoção de medidas que anulem, de imediato, o impacto ambiental.

Através da Ação Civil Pública – ACP será exigida a execução das me-didas necessárias à reparação ou mitigação de um dano ambiental efetivo,

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o que nem sempre é possível, permitindo, também, pleitear indenização dirigida ao infrator, cujo resultado financeiro será destinado a um fundo de preservação do meio ambiente.

Outra prerrogativa da referida Lei consiste na possibilidade de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, no decorrer do inquérito civil ou das ações judiciais mencionadas, no qual serão estabelecidas as condições necessárias à reparação do dano, contando, neste ato, com a manifestação de vontade do ofensor. Por isso mesmo, o TAC tem natureza de título executivo extrajudicial, o que dificulta a desconstituição posterior das obrigações nele fixadas.

Um último aspecto merece ser analisado, qual seja a solidariedade da responsabilidade civil, conforme os artigos 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/81.

O dano ambiental pode resultar da ação de várias empresas e/ou pesso-as, o que dificulta mensurar a contribuição de cada um na ocorrência do ilícito. O princípio do poluidor-pagador, nesses casos, aliado à objetivida-de, acaba por responsabilizar a todos. É remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela ideia de que na existência de múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsór-cio, uma vez que a responsabilidade entre eles é solidária pela reparação integral do dano ambiental (possibilidade se demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo).

Uma vez aplicada a solidariedade, cada um dos imputados poderá de-mandar contra os outros o ressarcimento pelos valores que dispensaram, desde que tenham condições de demonstrar qual a sua efetiva participação no dano, aplicando o direito de regresso nesses casos.

Essas, portanto, são as principais características que definem a respon-sabilidade civil ambiental.

3.2. Responsabilidade administrativa ambiental

Observamos, até aqui, a obrigação do poluidor reparar os danos ambien-tais, a partir da iniciativa dos titulares do direito prejudicado. Porém, as normas analisadas esclarecem que a reparação civil não impede a aplica-ção de medidas administrativas ambientais.

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Agora, as prerrogativas de atuação são destinadas às entidades que inte-gram o SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente (e às Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha), sendo definidas, especialmente, pela Lei 9.605/9810.

A apuração de infração administrativa pode ser motivada por qualquer cidadão, que, tomando conhecimento do ilícito, dirige denúncia aos órgãos mencionados, que estarão obrigados a apurar os fatos. No mais, procu-ra consolidar os instrumentos indispensáveis à Política Nacional do Meio Ambiente, a exemplo das exigências relacionadas ao licenciamento am-biental, à implementação de planos de manejo sustentável, dentre outros. É caracterizada pela atuação dos órgãos ambientais com o poder de polícia próprio à Administração Pública11.

É o poder de polícia que permite a apuração da responsabilidade am-biental administrativa e aplicação das respectivas penalidades, através de atos autônomos dos órgãos do SISNAMA.

Vale indicar uma distinção significativa em relação à responsabilidade civil ambiental: enquanto nesta domina o caráter objetivo do dever de re-parar, na responsabilidade administrativa deve ser considera a culpa do agente poluidor para poder penalizá-lo.

Daí o artigo 3º, da Lei 9.605/98, impor a caracterização de ato oriundo da direção da pessoa jurídica, para que a responsabilidade administrativa possa ser-lhe dirigida.

Neste sentido, a apuração do órgão ambiental deve seguir o roteiro típico de um processo administrativo, iniciado com a lavratura do auto de infra-ção, acompanhado de relatório fiscal, onde serão condensadas as informa-

10 Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

11 Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, MALHEIROS, 32ª ed., São Paulo, 2006, pág. 131) assim conceitua poder de polícia: “Em linguagem me-nos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado detém a ati-vidade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.”.

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203RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA:...

ções que remetem à culpa do infrator. No mesmo auto, devem constar al-guns requisitos formais, entre eles a tipificação da infração e a penalidade pretendida.

No procedimento administrativo, devem ser observados princípios es-senciais à conduta da Administração, com destaque à legalidade, que li-mita o ato de responsabilizar o infrator às condições estabelecidas em Lei, bem como deve ser assegurado ao administrado o direito ao contraditório e ao julgamento motivado.

As penalidades correspondentes às infrações administrativas estão pre-vistas no artigo 72, da Lei nº 9.605/98, das quais citam-se: multa simples; multa diária; apreensão de equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; demo-lição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; penas restritivas de direitos, como a perda ou restrição de incentivos fiscais, de linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito, além da proibição de contratar com a Administração Pública, por até 03 anos.

Foi clara a intenção do legislador ao fixá-las, impondo medidas de rela-tivo impacto às atividades de qualquer corporação, as quais, sem dúvida, foram as maiores degradadoras do meio ambiente, na evolução da história humana.

3.3. Responsabilidade penal ambiental

Resta a última esfera da responsabilidade ambiental. Mais uma vez, im-porta-nos as regras do artigo 225, da Constituição Federal, que implemen-tou no ordenamento brasileiro a responsabilidade penal das empresas, pela prática de crimes ambientais.

Essa orientação inspirou a promulgação da Lei 6.905/98, que fixou os tipos penais vinculados ao dano ambiental, os quais serão respondidos não só pela pessoa jurídica, mas também por seus dirigentes, conforme pres-creve o parágrafo único, do artigo 3º, da referida Lei.

Da mesma forma que a responsabilidade administrativa, importa na apuração penal a caracterização da culpa ou do dolo do agente, sendo in-compatível aqui o aspecto objetivo que define a responsabilização civil.

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A análise da Lei 9.605/98 revela dois elementos essenciais: a tendência em priorizar a aplicação de medidas restritivas de direito, no lugar de pe-nas privativas de liberdade, bem como a caracterização predominante dos tipos penais por condutas dolosas12.

Quanto à prevalência de crimes dolosos, importa esclarecer o que os distingue dos caracterizados pela culpa: naqueles, há a intenção do agente em cometer o dano ambiental, ou ao menos assumiu este risco; já os cri-mes considerados culposos são definidos por uma conduta negligente ou por imperícia do acusado. Predomina, assim, o interesse em reprimir as verdadeiras ações predatórias ao meio ambiente.

Cabe indicar quais as espécies de penas aplicáveis às pessoas jurídicas, fixadas pelo artigo 21, da Lei 9.605/98: multa; restritivas de direito; e pres-tação de serviços à comunidade.

As medidas restritivas de direito podem ser expressas: na suspensão parcial ou total de atividades; na interdição temporária de estabelecimen-to, obra ou atividade; na proibição de contratar com o Poder Público, bem como de obter subsídios, subvenções ou doações.

Já a prestação de serviços à comunidade equivale: ao custeio de pro-gramas e de projetos ambientais; à execução de obras de recuperação de áreas degradadas; à manutenção de espaços públicos; e a contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Importa observar, no que se refere aos dirigentes das empresas, que as penas aplicadas serão aquelas próprias às pessoas físicas, entre elas as res-tritivas de liberdade, conforme o crime tipificado.

Por fim, dentro do espírito de penalizar o real predador, a Lei 6.905/98 impôs penalidade extremamente gravosa às empresas utilizadas para a prática de crimes contra o meio ambiente13.

12 Vejamos os comentários de Sirvinkas (Ob. cit., pág. 585): “A moderna doutrina penal vem propugnando a abolição da pena privativa de liberdade com a conse-quente substituição por penas alternativas. Num futuro próximo, a pena privativa de liberdade será aplicada em casos extremos. Procura-se evitar, ao máximo, a sua aplicação ao caso concreto, impondo-se medidas alternativas aos infratores. O legislador da Lei n. 9.605/98 seguiu essa tendência moderna.”

13 Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada

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205RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA:...

Portanto, a responsabilidade penal pode resultar no fim das atividades da empresa degradadora.

4. ConCluSão

A natureza tríplice da responsabilidade ambiental não permite a desa-tenção de empresas quanto aos seus efeitos.

É cada vez maior a implementação de departamentos em corporações, dedicados exclusivamente à questão ambiental, motivados por uma pos-tura preventiva (sem dúvida, a maior finalidade das regras de repressão ao dano ambiental) ou por reflexo de um passivo derivado de autuações elevadas e de inúmeras obrigações assumidas.

Ao mesmo tempo, as ideias de sustentabilidade, de preservação e da própria responsabilidade ambiental (esta numa conotação positiva) acabam por agregar valores a produtos e serviços, num mercado consumidor que começa a despertar para essas questões.

Por todos esses aspectos, o agir com consciência ambiental, além de ser uma necessidade iminente, consiste uma postura inteligente às empresas que pretendem consolidar sua atuação no mercado competitivo.

sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

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resoluÇÃo de coNFlItos MedIaNte JurIsdIÇÃo e arBItrageM

francisco [email protected]. Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela

UFRGS. Professor de Direito Processual Civil. Advogado sócio de Lippert & Cia. Advogados (Aliado em Porto Alegre/RS)

Sumário: 1. Introdução – 2. Diferentes meios de resolução de conflitos. – 3. Jurisdição: a resolução estatal de conflitos. – 4. Arbitragem: a resolução privada de conflitos. – 5. Jurisdição e arbitragem: convívio e relações de com-plementariedade. – 6. Conclusão – 7. Bibliografia.

1. intRodução

O ideal seria se não fosse necessária tutela alguma às pessoas, se todos cumprissem suas obrigações e ninguém causasse danos nem se aventurasse em pretensões contrárias ao Direito. Como essa realidade é inevitavelmente utópica, faz-se necessário pacificar as pessoas de algu-ma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem e fazendo justiça.

Tradicionalmente, a jurisdição é o meio estatal de conduzir as pessoas à ordem jurídica justa, eliminando conflitos e satisfazendo pretensões. Nes-se contexto, insere-se o processo civil, enquanto instrumento de resolução de controvérsias.

No entanto, os estudiosos do Direito Processual Civil têm procurado, nas últimas décadas, formas ou meios alternativos para a solução dos li-tígios individuais ou coletivos.1 Trata-se de “os métodos ou as formas de solução de conflitos intersubjetivos que não envolvam ou, até mesmo, que

1 CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no qua-dro do movimento universal do acesso à justiça. Revista de processo. São Paulo: RT, nº 74, abr.-jun./1994, p. 82-97, passim.

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207RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

dispensem, em maior ou menor grau, a participação do Poder Judiciário e, conseqüentemente, o exercício da função jurisdicional”.2

Destaca-se que os métodos alternativos de solução dos conflitos, contex-to em que se insere a arbitragem, são compreendidos mais satisfatoriamen-te quando situados no movimento universal de acesso à Justiça, à medida que aparecem como novos caminhos a serem percorridos facultativamente pelos jurisdicionados que necessitam resolver seus litígios, de forma di-ferenciada dos moldes tradicionais da prestação de tutela oferecida pelo Estado-juiz.

O objetivo do presente artigo é apresentar aspectos gerais da jurisdição e da arbitragem no Direito brasileiro, enquanto métodos de resolução de conflitos, traçando as suas principais características e as relações existen-tes entre si.

2. difeRenteS meioS de ReSolução de ConflitoS

Tecnicamente, a resolução de conflitos pode ser obtida por três diferen-tes meios: a) autotutela; b) autocomposição; e c) heterocomposição.3

A autotutela é a solução de conflito de interesses que se dá pela im-posição da vontade de uma das partes, com o sacrifício do interesse do outro. É solução egoísta e parcial do litígio, pois o “juiz da causa” é uma das partes.4 Por isso, consiste em solução vedada no ordenamento jurídico brasileiro.5

Por sua vez, a autocomposição é a forma de solução de conflito em que os próprios sujeitos envolvidos encontram caminho apto à pacificação. Dá-

2 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teo-ria geral do direito processual civil. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 12.

3 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e jurisdição. Revista de processo. São Paulo: RT, n. 58, abr.-jun./1990, p. 33.

4 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol. 1. 10ª. ed. Bahia: Editora Podium, 2008, p. 74.

5 Como regra, a autotutela é vedada nos ordenamentos jurídicos civilizados. No Di-reito brasileiro, é conduta tipificada como crime: exercício arbitrário das próprias razões (se for um particular - art. 345 do CP) e exercício arbitrário ou abuso de poder (se for o Estado – art. 350 do Código Penal).

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208 FRANCISCO ROSITO

se pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio. Pode ocorrer fora (extraprocessual) ou dentro do processo jurisdicional (endo-processual).6

Em todas as suas modalidades, a autocomposição pode ser espontânea ou induzida. A espontânea é aquele em que obtida pelas partes. A induzida é aquela que se obtém mediante a intercessão de uma terceira pessoa, dita conciliador ou mediador. Daí surgem a conciliação e a mediação como meios de resolução de conflitos.

Por fim, a heterocomposição é a forma de solução de conflito em que um terceiro impõe a decisão às partes envolvidas, sendo espécies a jurisdição e a arbitragem, cujos aspectos gerais passam a ser examinados.

3. juRiSdição: a ReSolução eStatal de ConflitoS

O Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, no desempenho de sua finalidade de conservar e desenvolver as condições de vida em sociedade, exerce três funções distintas e harmônicas entre si, correspondentes aos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário (Constituição Federal, art. 2º).

A jurisdição decorre da atividade prestada pelo Judiciário. Em termos conceituais, é considerada a manifestação do poder estatal, destinada à so-lução imperativa de conflitos, que tem o objetivo de aplicar o direito, sendo o juízo investido de garantias funcionais que lhe outorgam imparcialidade e independência, dotado o seu pronunciamento de irreversibilidade exter-na.7 A sua finalidade é promover a justiça do caso concreto e a pacificação social, seja de conflitos individuais, seja de conflitos coletivos.

6 Autocomposição é o gênero, do qual são espécies: a) Transação (bilateral): é negócio jurídico bilateral pelo qual as partes interessadas, fazendo-se concessões mútuas, pre-vinem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas (art. 840 do Código Civil); b) Submissão (unilateral): dá-se quando aquele que vinha resistindo à exigência do adversário decide submeter-se a ela; é a hipótese de reconhecimento da procedência do pedido (art. 269, II, CPC); e c) Renúncia (unilateral): é a desistência do direito ou da pretensão; é uma atitude de resignação; não só determina a extinção do processo como do próprio direito supostamente existente (art. 269, V, e art. 794, III, CPC).

7 Essa é a concepção contemporânea de jurisdição, defendida ilustrativamente por: MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3ª edição. São Paulo: Re-

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209RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

No ordenamento jurídico brasileiro, a jurisdição, como poder ou função estatal, é una e abrange todos os litígios que se possam instaurar em torno de quaisquer assuntos de direito.8 É una tanto quanto o próprio poder so-berano, estando sujeita, entretanto, às normas constitucionais e infracons-titucionais, que disciplinam e organizam o seu exercício.

Nesse aspecto, a área de atuação do juiz brasileiro é mais extensa em relação aos seus colegas da Europa continental. Como se sabe, o processo civil brasileiro não se limita à realização da ordem jurídica privada como ocorre no Direito italiano e alemão, estendendo-se também à tutela do direito público9, sendo admitida, inclusive, a possibilidade de controle dos atos da administração pública pela Justiça comum, tendo em vista que a ordem político-constitucional brasileira teve sabida inspiração no modelo norte-americano, e não no europeu-continental.10

vista dos Tribunais, 2008, v. 1, p. 135-142; e ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alber-to; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: volume 1: teoria geral do processo civil e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010, p. 125.

8 “Nisso o processo civil brasileiro diferencia-se de importantes modelos europeus e latino-americanos em que há certas limitações relacionadas com o Estado em juízo. Nosso sistema é o da chamada jurisdição una e também o Estado se sujeita aos juízes integrantes do Poder Judiciário e às normas integrantes do direito processual civil. Aqui inexiste o contencioso administrativo e o processo diferenciado para certas causas regidas pelo direito público. Excluem-se do âmbito do processo civil brasileiro, exclusivamente, as causas de natureza penal” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Ma-lheiros, 2009, v. I, p. 40).

9 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 3ª ed. rev., atual. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 91.

10 As particularidades do ordenamento jurídico brasileiro, frente ao direito compa-rado, são expostas por LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. 8, t. 1, p. 94-5; e ALVARO DE OLI-VEIRA, Carlos Alberto. Jurisdição e Administração: notas de direito brasileiro e comparado. Rev. Informação Legislativa, Brasília. n. 30, v. 119, jul./set. 1993, p. 217-232. Ambos juristas ressaltam que o Direito romano tinha uma reconhecida inaptidão para o direito público, o que explica o fato de que, durante séculos, o direito privado tenha sido o único direito do continente europeu. Particularmente, o sistema alemão compreende o processo civil como aquele perante o Tribunal da jurisdição ordinária das lides civis, cabendo aos Tribunais administrativos os litígios de direitos públicos, entre cidadão e administração. Da mesma forma, o sistema italiano estabelece essa divisão de jurisdição, mas com a particularidade de

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Embora seja una, a jurisdição divide-se por meio de competências, a fim de obter a necessária organização para atender aos seus objetivos. Assim, tem-se a jurisdição, enquanto gênero, da qual decorrem a jurisdição civil, que versa sobre direitos não-penais (por exclusão), e a jurisdição penal, que abrange conflitos de natureza penal.

A jurisdição civil é exercida através de diversos procedimentos que pro-curam ajustar-se à natureza do conflito existente. Digno de destaque são os chamados Juizados Especiais Cíveis, regulados pelas Leis ns. 9.099/95 e 10.259/2001, nos âmbitos dos Estados e da União Federal, respectivamente. Cuida-se de um procedimento mais simplificado que aqueles conhecidos pelo Código de Processo Civil e pelas leis extravagantes. Caracteriza-se pelo que o art. 2º da Lei n. 9.099/95 chama de “oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” e que tem aplicação também para os “juizados federais”, de acordo com o art. 1º da Lei n. 10.259/2001. Em síntese, representa um procedimento simplificado no que diz respeito ao reconhecimento judicial do direito e de sua realização prática, para as cau-sas de menor valor econômico e de menor complexidade.11

estabelecer o critério com base na distinção entre a tutela dos direitos subjetivos e a tutela dos interesses legítimos, a primeira atribuída aos órgãos da jurisdição civil e a segunda à jurisdição dos órgãos da justiça administrativa. Embora haja particu-laridades, ambos sistemas (alemão e italiano) impedem que os órgãos da jurisdição civil exerçam algum poder cautelar de suspensão do ato administrativo e de anu-lação do ato administrativo, mesmo se declarado lesivo a um direito fundamental, devendo limitar-se à condenação da administração ao ressarcimento dos danos. Por derradeiro, cumpre destacar, à análise da atuação do sistema brasileiro em face dos demais sistemas, a obra de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil, p. 120 e 121.

11 Segundo o art. 3º da Lei n. 9.099/95, “o Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III - a ação de despejo para uso próprio; IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo”. Já o art. 3º da Lei n. 10.259/2001, dispõe que “compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”.

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211RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

O que se percebe, nos dias de hoje, é que a Justiça brasileira se demo-cratizou, tornando-se o processo judicial acessível a segmentos cada vez maiores da população, tendo sido superados obstáculos econômicos, orga-nizacionais e processuais.12

Destaca-se que a jurisdição, na atualidade, tem ganho importância cada vez maior, seja na chamada jurisdição constitucional13, seja no incremento

12 Mauro Cappelletti, ilustrativamente, é autor de célebre obra, na qual aponta os movimentos de reforma visando ao acesso à justiça. São as chamadas “ondas renovatórias” do Direito Processual para superar os obstáculos econômicos, or-ganizacionais e processuais, que fazem inacessíveis a tanta gente as liberdades civis e políticas. O jurista italiano aponta, no primeiro momento, os obstáculos enfrentados pelos cidadãos ao acesso à justiça: a) obstáculo econômico: a po-breza pode impedir o acesso à prestação jurisdicional, tornando aparentes os direitos; b) obstáculo organizacional: as instituições devem estar adequadamente estruturadas para defesa de novos direitos, especialmente dos chamados direitos coletivos e difusos; c) obstáculo processual: os procedimentos devem ser ade-quados à tutela desses novos direitos. Para superar esses obstáculos, foram pro-movidas certas reformas processuais, que, reunidas em torno de um fim comum, podem ser identificadas como “ondas”: 1ª onda - acesso à justiça aos pobres: foram realizadas reformas para viabilizar o acesso ao Judiciário àqueles que não tem condições de suportar as custas e os honorários advocatícios. Exemplos: ins-tituição da Defensoria Pública e concessão do benefício da assistência judiciária gratuita; 2ª onda – acesso à justiça para defesa de interesses difusos e coletivos: foram concebidas instituições capazes de promover a defesa desses interesses; e 3ª onda – acesso à justiça mediante reformas processuais: foram concebidos meios alternativos de solução de conflitos (mediação, arbitragem etc.) e constitu-ídas formas diferenciadas de tutela, na medida em que o procedimento ordinário mostrava-se inadequado às características e exigências das novas situações jurí-dicas (Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, p. 71 a 102; e Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal do acesso à justiça, p. 82-97).

13 O Poder Judiciário brasileiro, desde a Constituição Republicana de 1891, pode rea-lizar o controle (difuso) da constitucionalidade. O controle abstrato ou concentrado foi inserido pela EC 16/1965. Paulatinamente, a jurisdição constitucional foi ex-pandida: (i) ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, “a”, da CF); (ii) ação declaratória de constitucionalidade (arts. 102, I, “a”, e 103, § 4º, da CF); (iii) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da CF); (iv) arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º, da CF); (v) ação direta interventiva (art. 36, III).

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212 FRANCISCO ROSITO

dos poderes conferidos ao juiz14. Se no passado o Legislativo tinha predo-minância no funcionamento do Estado, hoje podemos dizer que vivemos numa época vocacionada à jurisdição.15

Isso não significa que o Judiciário brasileiro não tenha seus problemas. Muito antes pelo contrário, existe uma crise que é constantemente objeto de debates nos mais diversos segmentos. Nas últimas décadas, o tema da Justiça tornou-se uma preocupação da sociedade tanto civil como jurídica, dada sua relevância e a multiplicidade dos processos existentes. Estudos foram realizados, quer sob o enfoque de reformas estruturais, quer sob o enfoque de reformas processuais.

De um modo geral, há uma compreensão assentada de que a adequada prestação jurisdicional é fator determinante da satisfação dos direitos das partes e do desenvolvimento econômico e social do País.16 Por isso, a Jus-

14 Os poderes instrutórios do juiz são exemplo. Como se sabe, cabe ao juiz determinar a realização de todas as provas que julgue necessárias à instrução do processo, den-tro, porém, dos limites dos fatos extremados pelas partes. Quando do exercício da ação, a parte dispõe do seu interesse material e, por conseguinte, do poder de pedir a tutela jurisdicional. Já dentro do processo, tomam-se as iniciativas, especialmen-te de conteúdo probatório. Nesse contexto, atribui-se ao juiz poderes para melhor conhecimento dos fatos, ponto importante na formação de sua convicção.

15 Nicola Picardi ressalta, com propriedade, a vocação do nosso tempo à jurisdição. Destaca o processualista italiano que, enquanto no séc. XIX Savigny ressaltava a vocação do seu tempo à legislação e à ciência jurídica, no séc. XX passamos ao tempo da vocação à codificação, num primeiro momento, e, ao final do período, já para o caminho inverso, da descodificação, na conhecida expressão de Natalino Irti (PICARDI, Nicola. La vocazione del nostro tempo per la giurisdizione. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile. Milano: Giuffrè, v. 58, n. 1, mar./2004, p. 41 e 42).

16 É o que aponta José Eduardo Faria: “Justificada com base na premissa de que paí-ses com sistemas jurídicos e instituições judiciais eficazes tendem a crescer três vezes mais do que os países com um ordenamento legal e tribunais precários, no começo dos anos 90 essa reforma foi encarada pelo Banco Mundial como condição para a consecução de padrões mínimos de gestão racional e criação de um ambiente propício às inversões do setor privado, no sentido de que os tribunais deveriam ser modernizados para não travar a implementação da primeira geração de reformas (combate à inflação, rigor fiscal, estabilização monetária, desregulamentação da economia, liberalização das contas de capital, abertura comercial, remoção de bar-reiras protecionistas, reforma do Estado, revogação de monopólios públicos, priva-tização de serviços essenciais e flexibilização da legislação trabalhista). Mais tarde,

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213RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

tiça é importante bastante para que sejam buscadas medidas que visem à melhoria dos seus serviços prestados.

Desse modo, a preocupação principal tem sido a efetividade da tutela jurisdicional, “pois não é suficiente tão-somente abrir a porta de entrada do Poder Judiciário, mas prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa, mediante um processo sem dilações temporais ou formalis-mos excessivos, que conceda ao vencedor no plano jurídico e social tudo a que faça jus”.17 Esse tem sido o grande desafio da jurisdição brasileira, a fim de debelar não apenas a morosidade da Justiça senão obter serviços jurisdicionais de maior qualidade.

4. aRbitRagem: a ReSolução PRivada de ConflitoS

A arbitragem constitui forma alternativa para a solução dos litígios in-dividuais ou coletivos que pode ser adotada pelas partes, em casos que envolvem direitos patrimoniais disponíveis.18

já no final dessa mesma década, a reforma judicial passa a ser vista como instrumento de afirmação das “regras do jogo”, enfatizando a previsibilidade e a credibilidade institucionais, a executoriedade dos contratos, o respeito às garantias reais, a agilida-de na cobrança das dívidas, o reconhecimento dos direitos de propriedade material e imaterial, etc. Dito de outro modo, se no início dos anos 90 o Banco Mundial estava empenhado em fazer com que os diferentes setores e instâncias do Judiciário não comprometessem a good governance e pressionassem o assim chamado custo-país, no final da década a preocupação é com a construção de uma ordem legal clara, preci-sa e confiável. E com a conversão das instituições judiciais em cortes eminentemen-te técnicas, altamente profissionalizadas, desprovidas de preocupações com justiça ‘distributiva’ ou ‘compensatória’ – portanto, capazes de tomar decisões coerentes, previsíveis e não retroativas, de neutralizar a discricionariedade dos governantes, de afastar situações de ‘risco regulatório’ e de assegurar maior fluidez aos negócios” (Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 99 e 100).

17 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil, p. 87.18 A doutrina baliza os limites conceituais insertos dentro do que venham a ser os di-

reitos patrimoniais disponíveis: “Os direitos patrimoniais compreendem os direitos reais, direitos autorais, e os pessoais. Estes subdividem-se em direitos de crédito, ou obrigacionais, certos direitos de família e sucessões”. Já o direito disponível “é o alienável, transmissível, renunciável, transacionável. A disponibilidade significa que o titular do direito pode aliená-lo; transmiti-lo inter vivos ou causa mortis; pode, também, renunciar ao direito; bem como, pode, ainda, o titular transigir seu

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214 FRANCISCO ROSITO

Com esse propósito, as partes interessadas podem submeter a solução de seus conflitos ao juízo arbitral mediante a convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

No Brasil, a arbitragem está disciplinada na Lei nº 9.307/96, cuja cons-titucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, no julga-mento da Sentença Estrangeira nº 5206, em 12/12/2001, consoante a con-temporânea tendência de buscar meios alternativos à solução das lides.

Podem as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão apli-cadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Podem, também, convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio (art. 2º, Lei nº 9.307).

A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o pro-cedimento. Recomenda-se, no entanto, o modelo institucional devido às garantias que oferece quanto à segurança jurídica, ética e qualidade dos profissionais.

As principais vantagens da arbitragem são: a) especialidade: as partes nomeiam um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, indicando pesso-as que detenham o conhecimento técnico e científico necessários ao des-linde da questão (art. 13, Lei nº 9.307/96); b) celeridade: o procedimento arbitral é mais rápido do que o processo submetido à tramitação perante o Poder Judiciário. O prazo legal para conclusão do procedimento é de 6 (seis) meses, podendo as partes prorrogá-lo, de comum acordo (art. 23, Lei nº 9.307/96); e c) sigilo: o procedimento arbitral, ao contrário do judicial, não é público.

Admite-se, de forma ampla, a tutela arbitral de cognição e de urgên-cia. Nessas hipóteses, o árbitro limita-se a reconhecer o direito das partes, sem poderes, no entanto, de fazer exercê-lo. A satisfação no plano material

direito” (MATTOS NETO, Antonio José de. Direitos patrimoniais disponíveis e indisponíveis à luz da lei da arbitragem. Revista de processo. São Paulo: RT, n. 122, abr./2005, p. 153 e 156).

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215RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

estará na dependência da vontade do vencido de cumprir a decisão espon-taneamente. Na hipótese negativa, deve o interessado executar a sentença perante o Poder Judiciário, caso seja condenatória.

A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo (art. 31, Lei nº 9.307/96).19

Portanto, a sentença arbitral brasileira não está sujeita à homologação perante o Poder Judiciário para surtir os seus efeitos.

Ressalta-se que a sentença arbitral estrangeira é reconhecida no Brasil em conformidade com os três principais acordos multilaterais firmados so-bre a matéria: (a) Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 10 de junho de 1958; (b) Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional do Panamá, de 30 de janeiro de 1975; e (c) Convenção Interamericana sobre a Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros de Montevidéu, de 8 de maio de 1979.

O reconhecimento ou a execução no Brasil da sentença arbitral estran-geira está sujeito, unicamente, à homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, “i”).

5. juRiSdição e aRbitRagem: Convívio e RelaçõeS de ComPlementaRiedade

Jurisdição e arbitragem convivem no Direito brasileiro enquanto meios de resolução de conflitos. Geralmente, a escolha dos indivíduos e empre-sários, por um meio ou outro, depende de critérios de eficiência, próprios de uma perspectiva econômica. “Uma conclusão natural é que se recorre ao judiciário quando a utilidade esperada dessa ação é maior do que a de

19 Discute-se, a propósito, se o instituto da arbitragem reveste-se de caráter jurisdi-cional, ou se possui natureza marcadamente contratual. Há posições em ambos os sentidos, cuja exposição, entretanto, foge do escopo deste artigo. Para um exame da síntese da discussão doutrinária, consulte-se: CARNEIRO, Athos Gusmão. Ar-bitragem. Cláusula compromissória. Cognição e imperium. Medidas cautelares e antecipatórias. Civil law e common law. Incompetência da justiça estadual. Revista dos tribunais. São Paulo: RT, n. 839, set./2005, p. 131 e 132.

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agir de outra forma. Da mesma forma, as partes em litígio buscam uma solução fora dos tribunais quando a utilidade de ambas é maior seguindo esta alternativa do que uma outra.”20

O exame aponta que a utilidade advinda da utilização de um mecanismo específico de resolução de conflitos, como a jurisdição, por exemplo, de-pende dos custos envolvidos, da rapidez com que uma decisão é alcançada, da imparcialidade do julgador e da previsibilidade das decisões e do tempo até que elas sejam alcançadas.21

Meios alternativos de solução de conflito podem ser preferidos porque são mais rápidos e também porque os árbitros podem estar mais prepa-rados para interpretar a questão em disputa. Apesar de cara, a utilização da arbitragem no comércio internacional é bem vista pelos negociantes porque os árbitros são considerados mais competentes e confiáveis do que os tribunais.22

De qualquer maneira, uma vez pactuada a arbitragem, nenhuma das partes, isoladamente, poderá, de forma eficaz, substituir a arbitragem pelo procedimento judicial visando a solucionar o litígio. Busca-se, em última análise, o cumprimento das obrigações assumidas23, o que tem sido respei-tado pelo Judiciário.24

Aponta-se que “atualmente, segundo a imprensa especializada na área econômica, a resolução de mais de 80% dos conflitos mercantis internacio-nais já estaria sendo feita por mediação e arbitragem privadas, sobretudo no âmbito da Europa Ocidental e América do Norte. Nos Estados Unidos,

20 PINHEIRO, Armando Castelar (org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, 2000, p. 27.

21 Ibidem, p. 28.22 A tradição da arbitragem em matéria comercial é de longa data, sendo frequente-

mente utilizada por mercadores de cidades comerciais como Florença, Veneza e Barcelona (CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de confli-tos no quadro do movimento universal do acesso à justiça, p. 90).

23 FONSECA, José Arnaldo da. Jurisdição estatal e jurisdição arbitral: conflito apa-rente. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 23, out.-dez./2009, p. 57-59.

24 WALD, Arnoldo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em relação às sentenças arbitrais. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 9, abr.-jun./2006, p. 7-16.

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217RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

por exemplo, a American Arbitration Association, que é uma entidade pri-vada, conta com mais de 57 mil árbitros inscritos e distribuídos em 35 filiais no país. Cf. ‘Modernização dos sistemas jurídicos’, in Gazeta Mer-cantil, São Paulo, edição de 12 de março de 1996”.25

No Brasil, a arbitragem vem conquistando espaço cada vez maior, con-tando o país com boas câmaras arbitrais.26 A utilização da arbitragem tem sido expressiva no comércio exterior, mediante a celebração de contrato internacional, que é aquele que envolve um fluxo internacional de merca-dorias, uma operação de importação ou exportação.

Discute-se, a propósito, o que mais convém em contratos internacionais, se é a escolha do Judiciário, mediante a inserção no contrato da cláusula de eleição27, ou se a arbitragem, mediante a inserção da cláusula compromis-sória (arbitragem)28. A conclusão é que nesse tipo de contrato convém op-tar pela cláusula de arbitragem, por três fundamentos principais. Primeiro, o Judiciário brasileiro entende que a cláusula de eleição de foro não afasta a jurisdição concorrente das cortes nacionais, não assegurando, portanto, efetividade à escolha do Judiciário.29 Segundo, a cláusula compromissória

25 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 1ª ed., 4ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 36.

26 Ressalta-se que as Câmaras de Comércio binacionais costumam manter centros específicos de mediação e arbitragem, destacando-se o Centro de Arbitragem e Me-diação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Da mesma forma, existem câmaras de arbitragem e mediação mantidas pelas associações da indústria e comércio nos Estados, como a mantida, ilustrativamente, pela Federação das Associações Co-merciais e de Serviços do Rio Grande do Sul – Federasul.

27 A cláusula de eleição de foro, prevista no art. 111 do Código de Processo Civil bra-sileiro, é cláusula inserta em um contrato, a qual determina a escolha pelas partes de qual juízo exercerá jurisdição sobre um eventual litígio decorrente do contrato celebrado.

28 A cláusula compromissória (arbitral), segundo o art. 4º da Lei n. 9.307/96, “é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.

29 Ilustrativamente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp. 251.438-RJ, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro, j. 08.08.2000) não admite a exclusividade da cláusula de eleição de foro aposta ao contrato internacional, admitindo processar e julgar determinada matéria quando acionado o tribunal doméstico, ainda que a cláusula remete ao foro estrangeiro.

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é preferível pela facilidade do procedimento das câmaras arbitrais, evitan-do as comunicações de atos exigidas no procedimento jurisdicional (car-tas rogatórias), que são custosas e demoradas. Terceiro, a arbitragem per-mite a eleição de árbitros conhecedores do Direito Internacional e da lex mercatoria, evitando juízos poucos experientes em matérias específicas (contratos de joint ventures, transferências de tecnologia, cartas de crédito, incoterms etc.).30

No que se refere às relações de complementariedade entre arbitragem e jurisdição, admite-se, de forma ampla, a tutela arbitral de cognição, que tem o objetivo de conhecer e resolver o conflito de interesses. Reconhece-se, outrossim, a tutela de urgência arbitral, quer a tutela cautelar propria-mente dita, quer a tutela satisfativa de direito. Havendo necessidade de tutela de urgência, a parte interessada deverá dirigir-se ao árbitro (e não ao juiz togado), formulando seu pedido fundamentadamente. O árbitro, considerando estarem demonstrados os seus fundamentos, concederá a medida. Se a parte em face de quem for decretada a medida conformar-se com a decisão, a ela submetendo-se, não haverá qualquer interferência do Judiciário. Se, ao contrário, caracterizar-se a resistência, o árbitro solici-tará o concurso do juiz togado, para que este ordene providências para concretizá-la.31

Nessas hipóteses, entende-se que o árbitro limita-se a formular a norma jurídica que deve disciplinar o conflito de interesses. Não sendo cumprida a decisão, a execução deverá ser promovida perante o Judiciário, pois o juízo arbitral não detém os poderes inerentes ao imperium, ou seja, o po-der para ordenar ou efetuar modificações, independentemente da vontade da parte, no estado de fato em conformidade com a norma que haja sido declarada incidente (art. 22, § 4º, Lei n. 9.307/96).32

A justificativa para tal restrição consiste no fato de que o juízo arbitral não tem poder de coerção, próprio do Estado soberano, para ordenar esta

30 TIMM, Luciano Benetti. A cláusula de eleição de foro versus a cláusula arbitral em contratos internacionais: qual é a melhor opção para a solução de disputas entre as partes? Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 10, jul.-set./2006, p. 37.

31 Excepcionalmente, entende-se que a tutela de urgência poderá ser pleiteada direta-mente ao juízo estatal, caso o juízo arbitral ainda não houver sido instaurado.

32 CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem..., p. 134.

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ou aquela medida33, poderes estes tidos como decorrentes dos elementos da jurisdição.34

A questão envolvendo os limites entre os juízos arbitral e estatal resolve-se pela necessidade de se reservar ao Judiciário determinados procedimen-tos para preservação de maiores garantias aos jurisdicionados. É também por essa razão que cabe exclusivamente ao Judiciário a competência para processar e julgar a execução forçada com base em sentença condenatória, com a instauração de um procedimento próprio, respeitando-se todos os di-reitos em face dos agressivos atos de execução que serão implementados.

6. ConCluSão

Conclusivamente, pode-se dizer que a jurisdição e a arbitragem são os principais meios de resolução de conflitos no sistema jurídico brasileiro. Cada qual tem as suas particularidades. Enquanto a jurisdição abarca a grande maioria dos conflitos existentes, a arbitragem destina-se a certas controvérsias, principalmente oriundas do comércio internacional.

A jurisdição é a forma de resolução estatal de conflitos, que tem atribu-tos constitucionais que a particularizam, principalmente a independência e a imparcialidade (CF, art. 95, parágrafo único), sendo da preferência cul-tural dos brasileiros.

Dentre as formas ou métodos alternativos de conflitos insere-se a ar-bitragem, cuja importância não está apenas em desafogar o Judiciário ou oferecer mecanismos mais céleres para solução de controvérsias. A impor-tância preponderante da arbitragem reside em optar por uma forma mais qualificada e satisfatória de solução de certos conflitos, não se objetivando a mera substituição da jurisdição estatal, seja pela vontade das partes, seja pela especialidade da matéria controversa, o que não raro exige um am-biente de cooperação entre os juízos arbitral e estatal.

33 GARBAGNATI, Edoardo. Sull’efficacia di cosa giudicata del lodo arbitrale rituale. Rivista di diritto processuale, nº 40, p. 425; e LEMES, Selma M. Ferreira. Arbitra-gem na concessão de serviços públicos. Arbitrabilidade objetiva. Confidencialida-de ou publicidade processual? Revista de direito mercantil – industrial, econômico e financeiro, n. 134, abr.-jun. de 2004, p. 152, nota 13.

34 CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 35.

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220 FRANCISCO ROSITO

Independentemente da escolha, o que realmente importa é pacificar com justiça, tornando-se secundário o fato de a pacificação vir por obra do Es-tado ou por instituições particulares.

7. bibliogRafia

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 3ª ed. rev., atual. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 2009._____. Jurisdição e Administração: notas de direito brasileiro e compa-rado. Rev. Informação Legislativa, Brasília. n. 30, v. 119, jul./set. 1993, p. 217-232.ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: volume 1: teoria geral do processo civil e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010.BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Sa-raiva, 2008.CAPPELLETTI, Mauro. Dimensioni della giustizia nelle società con-temporanee. Studi di diritto giudiziario comparato. Bologna: Il Mulino, 1994._____. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do mo-vimento universal do acesso à justiça. Revista de processo. São Paulo: RT, nº 74, abr.-jun./1994, p. 82-97.CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e jurisdição. Revista de proces-so. São Paulo: RT, n. 58, abr.-jun./1990, p. 33-40._____. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993.CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cog-nição e imperium. Medidas cautelares e antecipatórias. Civil law e common law. Incompetência da justiça estadual. Revista dos tribunais. São Paulo: RT, n. 839, set./2005, p. 129-141.DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do pro-cesso e processo de conhecimento. Vol. 1. 10ª. ed. Bahia: Editora Podium, 2008.

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221RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 1.FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 1ª ed., 4ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004.FARIA, José Eduardo e KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos? Esta-do, mercado e justiça na reestruturação capitalista. São Paulo: Max Li-monad, 2002.FONSECA, José Arnaldo da. Jurisdição estatal e jurisdição arbitral: con-flito aparente. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 23, out.-dez./2009, p. 49-59.GARBAGNATI, Edoardo. Sull’efficacia di cosa giudicata del lodo arbitra-le rituale. Rivista di diritto processuale, nº 40/409.LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. 8, t. 1.LEMES, Selma M. Ferreira. Arbitragem na concessão de serviços públi-cos. Arbitrabilidade objetiva. Confidencialidade ou publicidade processu-al? Revista de direito mercantil – industrial, econômico e financeiro, n. 134, abr.-jun. de 2004.MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, V. 1.MATTOS NETO, Antonio José de. Direitos patrimoniais disponíveis e indisponíveis à luz da lei da arbitragem. Revista de processo. São Paulo: RT, n. 122, abr./2005, p. 151-166.PICARDI, Nicola. La vocazione del nostro tempo per la giurisdizione. Ri-vista trimestrale di diritto e procedura civile. Milano: Giuffrè, v. 58, n. 1, mar./2004, p. 41-71.PINHEIRO, Armando Castelar (org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré, 2000.TIMM, Luciano Benetti. A cláusula de eleição de foro versus a cláusula arbitral em contratos internacionais: qual é a melhor opção para a solução de disputas entre as partes? Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 10, jul.-set./2006, p. 20-38.WALD, Arnoldo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em re-lação às sentenças arbitrais. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 9, abr.-jun./2006, p. 7-16.

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coNtrato de traBalHo No BrasIl

agnes Corinaldesi geraldo [email protected]. Bacharel em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica de Campinas, 2001. Especializada em Direito do Trabalho pelo Instituto Germinal de Cursos Jurídicos, 2004. Coordenadora

da Área Trabalhista escritório Daniel Marcelino Advogados Associados (Aliado em Campinas/SP)

laura fanelli luchiari [email protected]. Bacharel em Direito pela FACAMP – Faculdades de Campinas. Especialização em Direitos Difusos pela FA-

CAMP, 2009. Possui Curso de Cálculos Trabalhistas, pelo Instituto Germi-nal de Cursos Jurídicos, 2010. Advogada do Daniel Marcelino Advogados

Associados (Aliado em Campinas/SP)

i. intRodução

O trabalho é a força motriz que impulsiona o desenvolvimento econômi-co e social, vindo a integrar o rol das figuras fundamentais para manuten-ção e avanço do sistema capitalista.

Diante de sua enorme importância no cenário desenvolvimentista, surgiu um ramo específico do direito para regulá-lo, conferindo especial atenção às peculiaridades e às necessidades que envolvem as relações de trabalho.

Trabalhador é definido, de maneira ampla, como aquele que presta al-gum tipo de serviço ou de atividade humana, seja por meio de força física ou intelectual. Essa ampla definição do gênero trabalhador dá origem a vá-rias espécies de figuras, tais como o empregado, o trabalhador autônomo, o trabalhador eventual, o representante comercial, o profissional liberal, o chapa, o empreiteiro, dentre outras.

No Brasil, a relação de trabalho é firmada, em regra geral, entre empre-gado e empregador, mediante registro na carteira de trabalho e encargos fiscais, nos termos da Constituição Federal, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e de legislação complementar.

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223CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

Há, ainda, as modalidades especiais de contratos laborais, distintos da relação de emprego, em sua forma, efeitos e encargos, e presentes no coti-diano do empresário, motivo pelo qual merecem especial atenção.

No presente artigo, serão delineados os principais aspectos dos contra-tos de trabalho no Brasil, destacando-se as principais características de cada espécie e atentando-se para os elementos que integram uma relação de trabalho.

ii. figuRa do emPRegado

Os empregados, em particular, integram o grupo de trabalhadores que recebe maior proteção da legislação trabalhista e seus direitos es-tão consagrados na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho.

A lei prevê quatro requisitos básicos1 para que um trabalhador possa ser enquadrado na categoria de empregado, quais sejam: subordinação, habi-tualidade, pessoalidade e onerosidade.

Esses requisitos são dinâmicos, na medida em que seus perfis evoluem de acordo com a oscilação do comportamento social e das atividades pro-dutivas, e intimamente interligados, pois o conjunto esvazia na medida em que um deles perde a importância.

Para melhor compreensão do tema, serão expostas as principais carac-terísticas dos requisitos necessários para configuração de uma relação de emprego.

A subordinação exerce papel central na definição de empregado e con-siste no fato de que é o perfil do empregador que será impresso no ambiente de trabalho, cabendo a ele o exercício exclusivo do poder diretivo, inclusive de aplicar penalidades administrativas ao empregado por infração contra-tual ou legal, tais como advertência, suspensão disciplinar e dispensa por justa causa.

1 Art. 3º da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único: Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

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224 AGNES CORINALDESI GERALDO / LAURA FANELLI LUCHIARI MILANI

Nesse diapasão, importante destacar que o conjunto de ordens emitidas pelo empregador deve sempre estar pautado no padrão da dignidade da pessoa humana e ser acatado pelo empregado, para própria manutenção do pacto laboral.

A habitualidade relaciona-se à não eventualidade, ao caráter contínuo, duradouro e permanente em que o empregado se integra aos fins sociais desenvolvidos pelo empregador.

Ressalta-se que o entendimento dos Tribunais é no sentido de que o tra-balho habitual não se resume, simplesmente, ao número de dias da semana em que o empregado exerce o labor, mas sim, na repetição razoável dessa prestação de serviços àquele determinado empregador.

A pessoalidade refere-se à impossibilidade de o empregado con-tratado se fazer substituir por outrem na prestação dos serviços ao empregador.

A onerosidade refere-se ao salário, à contraprestação pelos serviços executados e é figura inerente ao contrato de trabalho.

O salário é garantido constitucionalmente ao empregado vinculado, in-dependente dos riscos negociais assumidos pelo empregador.

Assim, presentes os requisitos da pessoalidade, da onerosidade, da não-eventualidade e da subordinação, configurada está a relação de emprego, a teor dos artigos 2º e 3º da CLT.

iii. figuRaS afinS

As espécies de trabalho que guardam maior afinidade com a relação de emprego, mas dela se distinguem, são a locação de serviços, a prestação de serviços – representação comercial autônoma, profissional liberal, emprei-tada e chapa – a sociedade, o mandato e a parceria rural, os quais passam a ser abordados em suas peculiaridades nos tópicos abaixo.

III.a – Locação de Serviços

A locação de serviços trata de contrato bilateral, oneroso e consensual, em que uma das partes se obriga para com a outra a fornecer-lhe a presta-

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225CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

ção de uma atividade lícita, não vedada pela lei e pelos bons costumes, que pode ser material ou imaterial, mediante remuneração.

Compreende, de forma ampla, o trabalho autônomo, o trabalho eventual e o trabalho a cargo de pessoas jurídicas, sob regulação dos artigos 5942 e seguintes do Código Civil Brasileiro.

O locador compromete-se a entregar o serviço feito, ao locatário, no espaço de tempo ajustado, assumindo os riscos do resultado, sendo-lhe permitido contratar auxiliares para execução do serviço.

III.b – Prestação de serviços

Os contratos de prestação de serviços não-subordinados, tais como o re-presentante comercial autônomo (agente); o profissional liberal; a emprei-tada e sub-empreitada e o chapa, distinguem-se do contrato de trabalho pela subordinação e pessoalidade.

III.b.1 – Representação comercial autônoma

A representação comercial autônoma “é o pacto pelo qual uma pessoa física ou jurídica se obriga a desempenhar, em caráter oneroso, não even-tual e autônomo, em nome de uma ou mais pessoas, a mediação para re-alização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos para os transmitir aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”3.

Instituto regulado pela Lei nº 4.886/65, com alterações introduzidas pela Lei nº 8.420/92, que recebeu repercussões normativas no Código Civil (“Da Agência e Distribuição” – arts. 710 a 721, CCB/2002).

De acordo com a tipificação legal, o contrato de representação comercial é consensual, bilateral, oneroso e personalíssimo.

As características próprias do contrato de representação ou de agên-cia são, por parte do representante, a profissionalização; a habitualidade;

2 Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.

3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho / Maurício Godinho Delgado. – 5. Ed. – São Paulo: LTr, 2006. fl. 594.

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226 AGNES CORINALDESI GERALDO / LAURA FANELLI LUCHIARI MILANI

a independência de ação (itinerários, horários, direção, etc); a autonomia financeira e a assunção dos riscos da atividade; a delimitação da área de atuação (zonas de trabalho), com ou sem exclusividade, conforme o caso; e a remuneração em função dos negócios efetivados, podendo ser variável, em percentual sobre o valor das operações concretizadas, ou fixa, em valor certo para determinadas operações.

Em que pese seja o registro no Conselho Regional dos Representantes Comerciais – CORE condição para o exercício do ofício da representação comercial autônoma4, a ausência não implica, por si só, no reconhecimento do vínculo empregatício, mas sim ser o trabalhador um simples vendedor autônomo.

A prestação de serviços do representante comercial autônomo é contí-nua, sob pena de ser considerado tão-somente vendedor autônomo eventual, sem a proteção da Lei n.º 4.886/65 e da CLT.

São elementos favoráveis à caracterização de “subordinação”, o re-embolso de despesas; a ajuda de custo; as metas de vendas; a fixação de horário de trabalho; o controle e a fiscalização de itinerários; a obri-gação de comparecimento à empresa em determinado lapso de tempo; a obediência a métodos de venda; a cota mínima de produção e a au-sência de apreciável margem de escolha de clientes e de organização própria, pois retiram a independência e a autonomia do representante comercial.

Se o trabalhador for considerado subordinado, na condição de empre-gado vendedor, viajante ou pracista, a relação jurídica ficará regulada pela Lei n° 3.207/57.

III.b.2 – Profissional liberal

Profissional liberal é o prestador de serviços de natureza intelectual (ad-vogado, médico, dentista, etc), de forma autônoma, com liberdade na con-dução técnica do exercício da profissão, sem subordinação e sem vínculo de emprego com o tomador.

4 Lei nº 4.886/65, art. 5º. Somente será devida remuneração, como mediador de ne-gócios comerciais, a representante comercial devidamente registrado.

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227CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

III.b.3 – Empreitada e Sub-empreitada

Empreitada é o contrato mediante o qual uma ou mais pessoas compro-metem-se a realizar ou mandar realizar uma obra certa e específica para outrem, sob direção e risco do próprio prestador, mediante remuneração determinada ou proporcional ao serviço executado.

Instituto regulado pelos artigos 610 a 626 do Código Civil Brasileiro, que pode objetivar a atividade autônoma (empreitada de mão-de-obra) ou um resultado (empreitada de obra certa).

III.b.4 – Chapa

Chapa é denominação de trabalhadores que ficam em pontos específicos na estrada, no mercado ou em locais de concentração aguardando serviço de carga e descarga de caminhões e guias urbanos, mediante o pagamento da diária, também conhecida por “chapada”.

Não configura a relação de emprego, em razão da eventualidade e da impessoalidade, própria da escolha aleatória de trabalhadores nos pontos de concentração ou na estrada.

Trata-se de modalidade excepcional de trabalho, comum em empresas do ramo de transporte, caminhoneiros, indústrias e armazéns onde haja manuseio de cargo, e que se assemelha à do avulso portuário, não tendo tal reconhecimento na legislação.

III.c – Sociedade

Contrato de sociedade é o pacto celebrado entre duas ou mais “pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”5. Dá origem a direitos e obrigações recíprocas entre os sócios e também entre esses e o ente societário.

Instituto regulado pelos artigos 981 e seguintes do CCB/2002, que pos-sui as seguintes características próprias: convergência de interesses jurí-dicos dos sujeitos da relação, na paridade entre os sócios, nos riscos do empreendimento e no objetivo comum de lucro.

5 Art. 981 do CCB/2002.

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228 AGNES CORINALDESI GERALDO / LAURA FANELLI LUCHIARI MILANI

III.d – Mandato

Mandato é o contrato mediante o qual uma pessoa “recebe de outrem poderes, para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses.”6 Pode ser outorgado por meio de procuração, autorização, delegação ou eleição, sem que haja impedimento legal para coexistência do contrato de mandato com o contrato de trabalho.

As características essenciais do mandato são a realização de atos jurí-dicos pelo mandatário, enquanto que o empregado só prática atos mate-riais (salvo os altos cargos de direção); a especificação prévia de poderes conferidos ao mandatário; a representação; a presunção de gratuidade do mandato; a relação tríplice entre mandante, mandatário e terceira pessoa; a possibilidade de substabelecimento dos poderes; e a revogabilidade dos poderes do mandato.

O mandato cessa pela revogação ou pela renúncia; pela morte ou inter-dição de uma das partes; pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; ou pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.7

III.e – Parceria rural

Parceria rural é o contrato agrário mediante o qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais previstos na Lei nº. 4.504/64 – Estatuto da Terra e Decreto regulamentador n° 59.566/66.

6 Art. 653 do CCB/2002.7 Art. 682, I a IV, CCB/2002.

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229CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

O parceiro rural não é empregado, pois produz por sua própria conta, sem o poder diretivo, hierárquico ou disciplinar do parceiro cedente – dono da terra, nem recebe salário ou remuneração fixa por seu trabalho.

As parcerias rurais mais comuns são a agrícola, que importa no cultivo da terra e divisão dos lucros da agricultura, e a pecuária, em que se faz a entrega de animais à outra para que sejam tratados e criados, mediante a retribuição de parte dos lucros.

Diante dessas figuras laborais, pode-se concluir que o traço caracterís-tico fundamental entre o contrato de trabalho e os demais contratos de atividade repousa basicamente no elemento subordinação jurídica ou hie-rárquica. Os demais elementos tipificadores da relação de emprego (pessoa-lidade, habitualidade e onerosidade) devem servir de subsídio à formação do convencimento do jurista, que buscará a primazia da realidade das re-lações, em detrimento de formalidades contratuais.

iv. figuRa do emPRegadoR

Ao delinear o conceito de empregador, o art. 2º da CLT8 o define, em li-nhas gerais, como aquele que pratica os atos de admissão, direção e remu-neração dos empregados, assumindo os riscos da atividade econômica.

Nesse espeque, confere-se atenção especial ao tema da assunção dos riscos da atividade econômica, pois a responsabilidade do empregador é plena e não comporta nem mesmo a exceção por onerosidade excessiva ou a escusa por motivo de força maior. Isso significa que, ainda que o empregador se veja envolvido em desastres de causas naturais ou tenha

8 Art. 2º da CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

§1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou ou-tras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

§2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personali-dade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empre-sa principal e cada uma das subordinadas.

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230 AGNES CORINALDESI GERALDO / LAURA FANELLI LUCHIARI MILANI

sua atividade proibida pelos poderes públicos, alvará de funcionamento cassado, rua interditada, capital de giro bloqueado ou matéria prima com importação suspensa, não será o bastante para justificar a sonegação de salários e demais vantagens do contrato de trabalho, pelo simples funda-mento de que a energia humana, uma vez empreendida, é irrecuperável, irretornável e inexorável9.

Vale destacar que, além da concepção básica delineada acima, o ordena-mento jurídico trabalhista, intensificou e dinamizou o conceito de empre-gador, na medida em que extinguiu a relação linear e estática envolvendo apenas empregado e empregador, estabelecendo novas figuras entre as par-tes do contrato de trabalho, em especial, quando há grupos econômicos, relações de terceirização e sucessão de empresas, cujas características e responsabilidades serão abordadas a seguir.

v. teRCeiRiZação

O fenômeno da terceirização surgiu no processo de modernização tecnológica e organizacional ocorrido no Brasil com grande intensi-dade a partir dos anos 80, sob o pretexto da necessidade de aumento da competitividade, resultando em mudanças significativas na relação entre empresas10.

A terceirização consiste em fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspon-dente. Por meio desse fenômeno, o trabalhador é inserido no processo produtivo do tomador de serviços sem que sejam estendidos a ele os laços justrabalhistas, vínculo empregatício e demais encargos advindos da relação de trabalho.

Nesse sentido, na terceirização é estabelecida uma relação “trilateral” composta por: trabalhador, empresa prestadora de serviços e empresa to-madora de serviços.

9 Homero Batista Mateus da Silva, Curso do Direito do Trabalho Aplicado, volume 1, Rio de Janeiro Elsevier: 2009.

10 Revista do TRT da 2ª Região, São Paulo, n. 3/2009

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231CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

Apesar da ampla utilização de atividades terceirizadas, a legislação traba-lhista brasileira carece de regulamentação sobre o instituto da terceirização. Por ora, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho trata da matéria11.

A utilização legal, legítima e eficiente do sistema de terceirização, pres-supõe a observância de alguns requisitos. Vejamos.

A relação deve ocorrer entre empresas idôneas com efetiva capacidade econômica, pois a empresa contratada deve suportar os riscos do negócio e ter condições econômicas de honrar seus compromissos econômicos com os trabalhadores, evitando problemas judiciais futuros para a tomadora dos serviços.

Destaca-se que, na terceirização regular, a empresa tomadora mantém apenas responsável subsidiária pela adimplência dos créditos trabalhistas da empresa prestadora de serviços.

Os serviços terceirizados podem estar relacionados somente à atividade-meio da empresa tomadora. Atividade-meio consiste nas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresa-rial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial

11 Súmula nº 331 do TST – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGA-LIDADE.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho tempo-rário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974);

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988);

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexis-tente a pessoalidade e a subordinação direta;

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, im-plica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obri-gações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Redação dada ao inciso pela Resolução TST nº 96, de 11.09.2000, DJU 18.09.2000).

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232 AGNES CORINALDESI GERALDO / LAURA FANELLI LUCHIARI MILANI

e econômico. Portanto, são atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, tais como os serviços especializados de vigilância, limpeza, refeições, assistência técnica e similares.

A atividade-fim é aquela relacionada às funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, ou seja, são atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.

Muitas empresas incorrem em fraude e desvirtuamento ao instituto da tercei-rização, nas seguintes situações: a) quando os funcionários da empresa presta-dora de serviços atuam na atividade-fim da tomadora, beneficiando a atividade econômica desta; b) quando o trabalho dos funcionários da prestadora de servi-ços é dirigido pela empresa tomadora, configurando-se subordinação à tomado-ra; e c) quando os funcionários da empresa prestadora de serviços atuam na ati-vidade-fim da tomadora, mas não possuem igualdade nas condições de trabalho e remuneração com os funcionários da empresa tomadora.

Em ocorrendo alguma das situações acima elencadas, caracterizar-se-á a terceirização ilícita e o vínculo de trabalho original, inicialmente estabeleci-do com a empresa prestadora de serviços, por ordem judicial, será rompido e reatado com a empresa tomadora dos serviços, a qual passará a ser a verda-deira responsável por todos os encargos decorrentes da relação de trabalho.

Por derradeiro, vale ressaltar que o Ministério do Trabalho e Emprego e as Procuradorias Regionais do Trabalho, órgãos responsáveis pela fiscali-zação do cumprimento das leis trabalhistas, atuam intensamente na fiscali-zação envolvendo atividades terceirizadas, sendo comum a autuação mais simples, com multas pecuniárias, podendo ocorrer autuações mais rigoro-sas, tais como suspensão das atividades, interdição de estabelecimentos, dentre outras punições às empresas que infringem a legislação.

vi. gRuPo eConômiCo

A figura de “grupo econômico” enunciada pelo Direito do Trabalho Bra-sileiro, através do artigo 2º, §2º, da CLT12 e do artigo 3º, § 2º, da Lei do

12 CLT, art. 2º, §2º. “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou admi-nistração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra

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233CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

Trabalho Rural13, trata de duas ou mais empresas favorecidas, direta ou indiretamente, pelo mesmo contrato de trabalho, por força dos laços de direção ou coordenação em atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais ou outra atividade econômica.

A configuração de grupo econômico, na seara trabalhista, não exige as formalidades jurídicas típicas ao Direito Econômico ou Direito Comercial, tais como holdings, consórcios, pools, etc, bastando que estejam presentes os elementos fáticos de integração – direção ou coordenação – entre entes com dinâmica e fins econômicos.

A legislação brasileira admite que o grupo de empresas possa ser inte-grado por entes econômicos que adotem diferentes formas societárias (so-ciedades anônimas, sociedades limitadas, etc.) e que atuem em diferentes ramos econômicos.

A responsabilidade que deriva para os entes que compõe o grupo econô-mico é solidária, por força da lei. Esse amplo efeito legal confere ao fun-cionário-credor o poder de exigir de todos ou de qualquer um dos compo-nentes do grupo econômico o pagamento total da dívida, ainda que tenha sido vinculado a apenas um deles.

A solidariedade passiva entre as entidades componentes do grupo eco-nômico, perante os créditos trabalhistas derivados de contrato de trabalho subscrito por uma ou algumas desses entes, é o efeito jurídico clássico e incontroverso da figura justrabalhista do grupo econômico.

Entretanto, a evolução do instituto propiciou uma extensão de seus objeti-vos e efeitos por além da mera garantia creditícia prevista em lei, alcançando aspectos contratuais e todos os entes integrantes do grupo econômico.

Nesse espeque, advém corrente de juristas que acrescenta, à solidarie-dade passiva, a solidariedade ativa das entidades componentes do grupo econômico, perante direitos e prerrogativas laborativas que lhes favorecem

atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.

13 Lei nº 5.889/73, art. 3º, §2º. “Sempre que uma ou mais empresas, embora tenha cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autono-mia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidaria-mente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.”

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em face do mesmo contrato de trabalho. Trata-se da solidariedade dual em face do conjunto do contrato de trabalho, o que, na prática, o grupo seria empregador único em face dos contratos laborais.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho firmou-se em direção à tese da responsabilidade dual (empregador único), através da Súmula 129, de 1982: “A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coe-xistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.”

Em conseqüência à responsabilidade dual (empregador único), haveria negociação coletiva ao nível do grupo; garantia de condições uniformes de trabalho (equiparação salarial); transferência de trabalhadores entre os entes quando houver real necessidade do serviço; extensão do poder de di-reção empresarial por além da especifica empresa em que esteja localizado o empregado; soma de períodos prestados a mais de uma empresa; garantia de reintegração do trabalhador em empresa matriz, quando o seu contrato rescinde junto à filial; distribuição de lucros; dentre outros.

No âmbito judicial, o reclamante pode acionar o empregador e res-pectivo grupo econômico, na fase inicial, produzindo as provas necessá-rias ao conhecimento do juízo e responsabilização solidária dos entes.

O reclamante pode, ainda, promover a verificação sumária de grupo eco-nômico apenas na fase tipicamente executória, em busca da solidariedade dos demais entes para o pagamento do crédito, desde que essa verificação não demande instrução probatória, nem implique em violação ao princípio constitucional do devido processo legal, eis que cancelada a Súmula nº 205 do TST14.

São exemplos clássicos de grupo econômico: as sociedades controladas, as holdings, os consórcios entre empresas, os grupos de direito, as socie-dades coligadas, dentre outros.

Por fim, importante mencionar que a responsabilização solidária do grupo econômico pode se estender, inclusive, às contribuições previden-

14 TST, Súmula nº 205. GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE (can-celada) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, por-tanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução. Histórico: Redação original – Res. 11/1985, DJ 11, 12 e 15.07.1985.

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235CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

ciárias, por força do artigo 124 do CTN15 e do artigo 30, inciso IX da Lei nº 8.212/9116.

vii. SuCeSSão de emPRegadoReS

Sucessão de empregadores é instituto do Direito do Trabalho previs-to nos artigos 1017 e 44818 da CLT, que assegura a intangibilidade dos contratos de trabalho existentes no conjunto da organização empresarial em alteração ou transferência, ou mesmo na parcela transferida dessa organização.

Os fundamentos do instituto sucessório trabalhista são resultado da con-vergência de três princípios informados do Direito do Trabalho: o princí-pio da intangibilidade objetiva do contrato empregatício, o princípio da despersonalização da figura do empregador e o princípio da continuidade do contrato de trabalho.

A relativa imprecisão e generalidade dos dois preceitos celetistas têm permitido à jurisprudência realizar contínuo e ágil processo de adequação do sentido do instituto da sucessão de empregadores às mutações sofridas pela realidade concreta, preservando a teleologia justrabalhista.

A figura sucessória comporta dois modelos principais, o tradicional, que envolve a maioria das situações fático jurídicas do mercado empresarial e trabalho, e o extensivo, que se apresenta em menor número, mas de grande relevância na atualidade empresarial do Brasil.

As situações tradicionais de sucessão operam-se quando há altera-ção na estrutura formal da pessoa jurídica titular do contrato de traba-

15 Art. 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse co-mum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei.

16 Lei nº 8.212/91, art. 30, inciso IX. “As empresas que integram grupo econômico de qual-quer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações previdenciárias.”

17 “Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adqui-ridos por seus empregados.”

18 “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.”

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236 AGNES CORINALDESI GERALDO / LAURA FANELLI LUCHIARI MILANI

lho ou quando há substituição do antigo empregador por outra pessoa física ou jurídica, prevalecendo a continuidade da prestação labora-tiva pelo obreiro, salvo singulares exceções. São exemplos: mudança na modalidade societária, processos de fusão, incorporação ou cisão, venda e compra de estabelecimentos isolados ou em conjunto, arren-damento, aquisições da própria empresa em sua integralidade, dentre outros desdobramentos concretos propiciados pela prática do merca-do empresarial.

As novas situações de sucessão surgiram com a profunda reestrutura-ção do mercado empresarial brasileiro, em especial nas privatizações e no mercado financeiro, no final do século XX, conduzindo a jurisprudência à maior amplitude na releitura dos artigos 10 e 448 da CLT, de forma a preservar os direitos do trabalhador em qualquer mudança intra ou inte-rempresarial, independentemente da continuidade efetiva da prestação dos serviços.

Dentre essas, a situação mais relevante trata da separação do patrimô-nio de um complexo empresarial, com objetivo de se alienar ou transferir parte relevante dos ativos saudáveis (direitos, obrigações e relações jurí-dicas) para outro titular, mantendo-se o restante dos ativos empobrecidos no antigo complexo, situação que afeta, de forma significativa, os direitos oriundos contratos de trabalho e atrai a responsabilidade do titular dos ativos saudáveis.

Importante destacar que a sucessão trabalhista se opera somente em si-tuações de transferência de unidades econômico-jurídicas (substabeleci-mento, filial, agência, etc), não estando abrangida a transferência de coisas singulares, como máquinas e equipamentos.

Qualquer título jurídico hábil a operar a transferência interempresarial é compatível com a sucessão de empregadores, dentre os quais destacamos três situações concretas que merecem nossa atenção:

1ª) Empresa concessionária de serviço público, ao assumir o acervo da concessionária anterior ou manter parte das relações jurídicas contratadas pela precedente, assume as obrigações e direitos traba-lhistas prévios, assim como nas privatizações, conforme as regras gerais da CLT;

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237CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

2ª) Em casos de arrendamento de empresas ou estabelecimentos, o novo titular provisório, assume as obrigações e direitos trabalhistas prévios, durante sua permanência como arrendatário; e

3ª) As aquisições de acervos empresariais em hasta pública fogem à regra geral da CLT, em razão da excepcional natureza de aquisição originária da hasta pública, entendimento esse mantido pelo Tribu-nal Superior do Trabalho.

Não será, pois, toda e qualquer transferência interempresarial que, isola-damente, será apta a provocar a sucessão trabalhista. Se vier acompanha-da da continuidade da prestação de serviços ao novo titular, ocorrerá a sucessão (modelo tradicional). No entanto, se não houver essa continui-dade, necessário haver a transferência que afete, de forma significativa, os contratos de trabalho, sob pena de extensão demasiada do instituto justrabalhista.

O instituto da sucessão trabalhista aplica-se a todo tipo de empregado, seja urbano, seja rural, exceto aos empregados domésticos.

Outra exceção importante foi criada pela Lei nº 11.101/2005, que regu-la o processo falimentar e de recuperação empresarial. Nas falências, não incidirá sucessão de empregadores no caso de alienação da empresa fali-da ou de um ou alguns de seus estabelecimentos (art. 141, II, § 2º, Lei nº 11.101/0519), sendo considerados como “novos” os contratos de trabalho iniciados com o empregador adquirente, ainda que se tratando de antigos empregados da empresa extinta.

19 Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:

(...) II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do ar-

rematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

(...) § 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos me-

diante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.

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Tal exceção não se aplica a alienações efetivadas durante processos de simples recuperação extrajudicial ou judicial de empresas, nos moldes da recente lei falimentar (art. 161, §1º20, art. 163, §1º21 e art. 8322, Lei nº 11.101/05).

É comum nas relações interempresariais de transferência de empresas a estipulação contratual de “cláusula de não responsabilização”. O adqui-rente – que se tornará o novo empregador – ressalva que sua responsabi-lidade trabalhista inicia-se somente no momento da efetiva transferência, firmando a responsabilidade do antigo empregador pelo passivo trabalhista existente até tal oportunidade.

Tais cláusulas são de grande importância prática para regulação das re-lações jurídicas civis ou comerciais entre as empresas, pois viabilizam o

20 Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§ 1º Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de tra-balho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3º, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

21 Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recu-peração extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos.

§ 1º O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homo-logação.

22 Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cin-

qüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; (...) VI – créditos quirografários, a saber: (...) c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limi-

te estabelecido no inciso I do caput deste artigo; (...) § 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirogra-

fários.

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239CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

mais ágil e funcional ressarcimento de gastos eventualmente realizados pelo adquirente com direitos trabalhistas adquiridos antes da transferência empresarial. Contudo, não produzem efeito na esfera trabalhista. A figura da sucessão trabalhista provoca automática transferência de direitos e obri-gações contratuais, por força de lei, do antigo empregador para o sucessor do empreendimento, ou seja, opera-se a imediata e automática assunção dos contratos trabalhistas pelo novo titular da organização empresarial ou de sua parcela transferida.

viii. CaRga tRibutáRia noS ContRatoS de tRabalHo

No presente tópico, revelaremos a carga tributária envolvida nos con-tratos de trabalho, item importante a ser avaliado pela empresa ao optar a modalidade contratual.

VIII.a – Carga tributária da empresa / empregadora

A carga tributária global da empresa compreende diversos tributos fede-rais, estaduais e municipais. Dentre os federais, destacam-se IRPJ, CSLL, COFINS, PIS, FGTS, Contribuição Social Patronal, Contribuição de Ou-tras Entidades e Fundos, Seguro Acidente de Trabalho e Fator Acidentário de Prevenção. Dentre os estaduais, ICMS, IPVA e ITCMD. Dentre os mu-nicipais, ISS, IPTU e ITBI.

A tributação global da empresa envolve outros impostos e contribui-ções, que incidirão em algumas atividades e setores e deixarão de ser apre-sentados, em razão da delimitação do objeto do presente estudo à carga tributária relativa à folha de pagamento.

A contratação de empregados vinculados (CLT) impacta no aumento da carga tributária da empresa nos tributos que possuem a folha de paga-mento como base de cálculo, quais sejam: FGTS (8% e multa rescisória de 40%); Contribuição Social Patronal (20%); Contribuição de Outras Entidades e Fundos (de 0,2% a 5,8%, conforme código FPAS da em-presa); Seguro Acidente de Trabalho (de 1% a 3%, conforme CNAE da empresa) e Fator Acidentário de Prevenção (de 0,5% a 2,0%, conforme metodologia de cálculo prevista nas Resoluções MPS/CNPS nº 1.308/09 e nº 1.309/09).

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VIII.b – Carga tributária do trabalhador autônomo

A carga tributária do trabalhador autônomo envolve tributos federais IRPF (de 0% a 27,5%, conforme tabela progressiva vigente) e Contribuição Previ-denciária (20%), ambos retidos pela fonte pagadora e repassados aos cofres públicos, além do tributo municipal ISSQN (de 2% até 5%, retido ou não na fonte, conforme legislação municipal do local da prestação do serviço).

VIII.c – Carga tributária do empregado vinculado – CLT

Na relação de emprego, a empresa assume os riscos da atividade eco-nômica, exerce seu poder diretivo e assalaria os empregados, observando salário fixo, submissão ao piso da categoria, gratificações, 13º salário, salário-família, salário–maternidade, auxílio doença, auxílio-doença acidentário, aviso prévio indenizado, férias acrescidas do terço consti-tucional, estabilidade gestacional, indenização por dispensa sem justa causa (40% do FGTS), vale transporte, vale refeição, plano de saúde, es-tabilidade acidentária, etc., além de outros direitos previstos na Conven-ção Coletiva, tais como vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde, PLR, etc.

O empregador deverá reter na fonte a Contribuição Previdenciária, cujas alíquotas são de 8%, 9% ou 11% incidentes sobre as verbas de natureza salarial, recolhendo-a aos cofres públicos, conforme tabela de contribui-ção dos segurados em vigor desde 01.01.2010 – Portaria Interministerial nº 350/2009 c.c. artigo 90 do ADCT.

Salário de contribuição Alíquota para fins de recolhimento à União

até R$1.024,97 8%

de R$1.024,98 até R$1.708,27 9%

de R$1.708,28 até R$3.416,54 11%

O empregador deverá, ainda, reter, na folha de pagamento, o Imposto de Renda, cujas alíquotas são de 0%, 7,5%, 15%, 22,5% ou 27,5% incidentes sobre as verbas de natureza salarial, recolhendo-o aos cofres públicos, de acordo com a Lei nº 11.945/2009, em vigor desde 1º/1/2010:

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241CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

Bases de cálculo Alíquota Parcela a deduzir

até R$1.499,15 - -

de R$1.499,16 até R$2.246,75 7,5% R$112,43

de R$2.246,76 até R$2.995,70 15% R$280,94

de R$2.995,71 até R$3.743,19 22,5% R$505,62

acima de R$3.743,19 27,5% R$692,78

Tais valores são retidos pela fonte pagadora, ou seja, descontados na folha de pagamento do empregado.

VIII.d – Carga tributária da pessoa jurídica prestadora de serviços

Se a prestação de serviços ocorrer por pessoa jurídica, não haverá reten-ção do Imposto de Renda na fonte, na medida que esta será tributada em conformidade com o regime geral de tributação das empresas, sob respon-sabilidade da prestadora.

A pessoa jurídica prestadora de serviços receberá valores brutos e terá encargo dos recolhimentos de tributos federais, estaduais e municipais, de acordo com a base de cálculo e o percentual previsto no regime tributário da empresa. Não haverá retenção pela fonte pagadora, motivo pela qual é vantajoso ao prestador de serviços ser pessoa jurídica.

Impõe-se registrar que se o prestador de serviços autônomo, pessoa físi-ca, também executar negócios mercantis por conta própria, será tributado como pessoa jurídica por equiparação, nos termos do disposto no art. 150, §1º, inciso II e §2º, inciso III, do Regulamento do Imposto de Renda (De-creto n.º 3.000/99).

Observa-se, outrossim, que a atividade do representante comercial, na intermediação de operações por conta de terceiros, exclui a possibilidade de opção pelo regime tributário diferenciado do Simples Nacional, confor-me vedação expressa contida no artigo 17, inciso XI, da Lei Complementar n.º 7.123, de 14/12/2006.

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242 AGNES CORINALDESI GERALDO / LAURA FANELLI LUCHIARI MILANI

Em decorrência da prestação do serviço de Representação Comercial, será devido pelo Representante o pagamento do Imposto ISS (sobre servi-ços), ao Município de domicílio do Representante ou da sede da empresa, se por hipótese o representante for pessoa jurídica, de acordo com a Lei Complementar n.º 116 e a Lei tributária municipal.

Na hipótese de inobservância da obrigação de retenção na fonte dos tributos pela empresa tomadora de serviços, poderá esta ser compelida a responder pelos tributos não retidos (com os acréscimos de multas e juros) pelo Poder Público competente, por meio de Autos de Infração.

A não retenção dos tributos e o não repasse destes aos órgãos públicos competentes pela tomadora, poderá, inclusive, culminar com a instauração de um Inquérito Policial para investigar a prática do crime de sonegação fiscal pelos representantes legais da empresa, na forma da Lei n.º 8.137/1990 e Código Penal em vigor, cuja pena máxima é de 6 anos de reclusão.

A retenção, sem o devido aos órgãos públicos competentes, implica em crime de apropriação indébita, previsto nos artigos 168 e 168-A, do Código Penal em vigor, cuja pena máxima é de 5 anos de reclusão.

De tudo o que foi exposto, é possível concluir que, em relação aos en-cargos fiscais e à responsabilidade fiscal, é mais vantajoso à empresa con-tratar pessoas jurídicas prestadoras de serviços, desde que respeitadas as condições contratuais para a não caracterização do vínculo empregatício (subordinação).

No entanto, compete à empresa avaliar todas as considerações apresen-tadas acima e decidir qual é a melhor estratégia na condução dos seus negócios.

ix. ConCluSão

No Brasil, em que pese a alta carga tributária envolvida na relação de emprego, a maior formalização do mercado de trabalho, através do empre-go registrado em carteira profissional, representa fator importante para o crescimento do país e traduz-se no seguro mais barato do mercado, tendo em vista a gama de benefícios previdenciários garantidos pela legislação vigente, desde o salário maternidade, auxílios (doença, reclusão, doença previdenciário, acidente e doença de trabalhador rural), benefícios aciden-

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243CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL

tários (pensão por morte, aposentadoria por invalidez, auxílio doença por acidente do trabalho, auxílio acidente por acidente do trabalho, auxílio su-plementar por acidente do trabalho), aposentadoria por contribuição ou por idade, até o seguro desemprego.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relatou, no se-gundo trimestre de 2010, que mais da metade dos trabalhadores atuantes pelas empresas privadas nas metrópoles do Brasil possuem carteira de tra-balhado assinada, o que acontece, pela primeira vez, em 16 anos.

Segundo informações divulgadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), um dos fatores primordiais para o crescimento do trabalho formal deve-se a Lei do Microempreendedor Individual, que entrou em funcionamento em junho de 2009. Quando foi lançada, a estimativa era de que 100 mil micro-empresários seriam regularizadas, no entanto, 2009 fechou com aproxima-damente 110 mil, segundo o Ministério do Desenvolvimento e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

Outras pesquisas avaliam que além desse quesito, o ano e 2009 foi o primeiro em que o número de empreendedores por vocação ultrapassou aqueles que querem ter um próprio negócio simplesmente para a obtenção de seu sustento.

Embora os resultados sejam importantes para o governo brasileiro, a informalidade ainda continua em alta no país. Se houvesse maiores incen-tivos fiscais, certamente os percentuais apregoados aumentariam e per-mitiriam, inclusive, o aumento salarial. Contudo, inúmeros trabalhadores preferem, ainda, ter dinheiro incerto mas promissor, na informalidade, a emprego fixo, garantido e pouco rentável, em razão dos encargos retidos na fonte.

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IMIgraÇÃo e VIstos teMPorÁrIos

gerusa nunes de [email protected]. Pós-graduada em Direito e Processo

do Trabalho pela Universidade do Vale do Acaraú-UVA. Advogada do escritório Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)

Carmem Cecília barbosa [email protected]. Pós-graduada em Direito e Processo

do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú-UVA. Advogada do escritório Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)

01. intRodução

O aquecimento da economia brasileira e o aumento da sua participação no cenário econômico mundial, aliado as belezas naturais do país, têm cada vez mais ensejado o aumento do fluxo de ingresso de estrangeiros no Brasil.

O primeiro passo para todo e qualquer estrangeiro que deseja ingressar em outro país é tomar conhecimento das condições para o ingresso, os tipos de visto existentes e aquele que se adequa ao seu objetivo, bem como a forma para sua obtenção.

Por meio do presente estudo, buscar-se-á demonstrar as formas de in-gresso de estrangeiro no Brasil, os tipos de visto e, especialmente, o visto temporário, visando, assim, facilitar ao leitor o conhecimento inicial des-tes assuntos.

02. do ingReSSo de eStRangeiRoS no bRaSil

O ingresso e a permanência legal de estrangeiros no Brasil são regula-mentados pela Constituição Federal Brasileira; e, de forma mais específi-ca, pelo “Estatuto do Estrangeiro” (Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980) e Decreto nº 86.715/81. Além dessas normas, existem os tratados, conven-ções e acordos internacionais, assim como, leis, decretos, regulamentos e

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245IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS

normas administrativas especiais, estas últimas, estabelecidas pelos res-pectivos órgãos de imigração do Governo Brasileiro.

A coordenação das atividades dos imigrantes e o estabelecimento de normas de seleção daqueles para ingresso no território brasileiro é de com-petência do Conselho Nacional de Imigração – CNIg, o qual é presidido por um representante do Ministério do Trabalho, conforme estabelecido no Decreto n° 840, de 22 de Junho de 1993. Referidas normas do CNIg geralmente são materializadas através de Resoluções Normativas, as quais poderão ser consultadas através do sítio www.mte.gov.br.

Para ingressar no Brasil, em regra, o estrangeiro necessita obter auto-rização do Ministério das Relações Exteriores, materializada através da concessão de Visto, documento concedido pelas embaixadas e consulados brasileiros no exterior. Referida autorização exige sejam apresentados do-cumentos comprobatórios da situação do estrangeiro a permitirem o trân-sito no Brasil, os quais variam de acordo com a finalidade do ingresso e a situação especifica do estrangeiro no país.

O artigo 37 do Decreto n.º 88.715/81 apresenta exceção à regra descrita no parágrafo anterior, autorizando o estrangeiro natural de país limítrofe com o Brasil, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, in-gressar nos municípios fronteiriços ao respectivo país, desde que respeita-dos os interesses de segurança nacional. Nesse caso, será exigida apenas a apresentação de carteira de identidade válida, emitida por autoridade competente do país de origem.

Saliente-se que o visto consular configura mera expectativa de direito, vez que a entrada ou permanência do estrangeiro no Brasil pode ser veda-da pela Polícia Imigratória, segundo critérios de conveniência e oportuni-dade estabelecidos pelo Ministério da Justiça.

Isso porque a aplicação da lei que regulamenta a situação jurídica do estrangeiro no território brasileiro atenderá, precipuamente, à segurança nacional, à organização institucional, bem assim aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil. Outrossim, zelará pela defesa do trabalhador nacional.

O visto é individual e a sua concessão poderá estender-se aos depen-dentes legais. Ademais, o referido documento apenas será obtido, salvo no caso de força maior, na jurisdição consular na qual o interessado tenha

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246 GERUSA NUNES DE SOUSA / CARMEM CECÍLIA BARBOSA MOREIRA

mantido residência pelo prazo mínimo de um ano imediatamente anterior ao pedido (Decreto nº 86.715, de 10.12.81, art. 23, § 1º e art. 27 § 1º).

Insta esclarecer, ainda, que os documentos legalmente exigidos para a concessão do visto deverão ser apresentados em língua portuguesa, admi-tindo-se, em caso de impossibilidade, que estejam em francês, inglês ou espanhol.

Por outro lado, é válido salientar que a posse ou a propriedade de bens no Brasil não confere ao estrangeiro o direito de obter visto de qualquer natureza ou autorização de permanência no território nacional.

O visto não será concedido ao estrangeiro, segundo o disposto no artigo 5º do Decreto nº 86.715/81, se configuradas umas das seguintes hipóteses: menor de 18 (dezoito) anos, desacompanhado do responsável legal ou sem a respectiva autorização expressa; estrangeiro considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais; estrangeiro anteriormente expulso do País, salvo se a expulsão tiver sido revogada; condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira ou àquele que não satisfaça as condições de saúde estabelecidas pelo Mi-nistério da Saúde.

O estrangeiro também poderá ser impedido de ingressar no territó-rio brasileiro se, muito embora possua visto de entrada no país, não apresentar documento de viagem ou carteira de identidade – quando esta for admitida, ou apresentar documento de viagem inválido para o Brasil, com prazo de validade vencido ou com rasuras, ou com indícios de falsificação.

São vedadas pela legislação brasileira: a legalização da estada de es-trangeiro clandestino e em situação irregular; a transformação dos vistos de cortesia, trânsito e turista, em permanente; a transformação de visto temporário em permanente nos casos de viagens de estrangeiro em missão de estudos, de negócios e cultural, bem como nas condições de artista, desportista, estudante e correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira.

Apenas as situações não-previstas nas normas dos Ministérios das Rela-ções Exteriores, da Justiça e do Trabalho é que poderão, por estes órgãos, ser encaminhadas ao exame do Conselho Nacional de Imigração.

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247IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS

As situações especiais e os casos omissos serão avaliados pelo Governo Brasileiro, através dos órgãos de imigração, a partir de análise individual de cada situação apresentada pelo estrangeiro, e concederá a este visto permanente ou temporário. Serão consideradas como situações especiais aquelas que, embora não estejam expressamente definidas em lei, possuam elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a obtenção do vis-to. Por outro lado, serão definidas como casos omissos as hipóteses não previstas em leis de imigração.

No processo de avaliação de pedidos baseados em situação especial ou omissa serão observados os critérios, princípios e objetivos da imigração brasileira, fixados em lei.

O indivíduo que não é titular de qualquer nacionalidade, o apátrida, po-derá requerer visto para adentrar no Brasil, desde que apresente a documen-tação exigida pela lei, comprovando oficialmente que poderá regressar ao país de residência ou de procedência, ou ingressar em outro país. Tudo isso, condicionado à prévia avaliação do Ministério das Relações Exteriores.

Serão garantidos aos estrangeiros no Brasil o respeito à dignidade hu-mana e aos direitos privados; a concessão de direitos essenciais relativos à liberdade; direito de acesso ao Poder Judiciário e a proteção contra delitos que ameacem sua vida, liberdade, propriedade e honra; garantia de gozo de direitos civis e de família. Por outro lado, o estrangeiro não gozará de direitos políticos no Brasil.

Contudo, a obtenção do visto não conferirá ao estrangeiro o direito de exercer atividade política; ser proprietário, armador ou comandante de na-vio nacional; ser proprietário, sócio ou acionista de empresa jornalística de TV e radiodifusão; obter concessão ou autorização para pesquisa ou exploração de jazidas minerais e de potenciais de energia hidrelétrica; ser proprietário ou explorador de aeronave brasileira e participar de associa-ção ou sindicato profissional.

A legislação brasileira ainda estabelece alguns deveres básicos a serem observados pelo estrangeiro ao ingressar no Brasil, dentre os quais se des-tacam o respeito às leis e às autoridades; o pagamento de taxas e impostos que variam de acordo com a nacionalidade do estrangeiro; submissão à jurisdição civil, comercial e criminal, relativamente aos delitos cometidos dentro do Estado. O descumprimento dessas regras poderá ensejar em de-portação ou expulsão do estrangeiro.

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248 GERUSA NUNES DE SOUSA / CARMEM CECÍLIA BARBOSA MOREIRA

03. doS tiPoS de viSto

A legislação brasileira elenca sete categorias de visto que estão rela-cionadas diretamente com o motivo e a situação específica da viagem do estrangeiro para o Brasil, quais sejam, trânsito, turista, temporário, perma-nente, cortesia, oficial e diplomático, que serão devidamente explicitados a seguir.

Conceder-se-á o visto de trânsito ao estrangeiro que para atingir o país de destino, tenha que ingressar em território brasileiro. Terá validade má-xima de 10 (dez) dias. Exclui-se da referida hipótese a interrupção de via-gem contínua de estrangeiro. Nesse caso, deverá ocorrer a comunicação ao Departamento da Polícia Federal, por escrito.

O visto de turista será conferido aos estrangeiros que venham ao Brasil em caráter recreativo ou de visita. Mencionado visto proíbe expressamente a realização de qualquer atividade remunerada e não poderá ser transfor-mado em outro tipo. O prazo de permanência no Brasil autorizado por esse visto é, em princípio, de 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogado por igual período, limitado a 180 (cento e oitenta) dias por ano. A validade da mencionada autorização é de 5 (cinco) anos.

Esse visto poderá ser obtido em qualquer Consulado Brasileiro no ex-terior, apresentando passaporte, bilhete de viagem de ida e retorno, e de-monstração de meios para se manter durante a estada no território brasilei-ro. Devido ao princípio da reciprocidade, alguns países são dispensados da apresentação no passaporte do visto de turismo.

Será outorgado visto temporário aos estrangeiros que intentam perma-necer no Brasil, por determinado lapso de tempo, para a realização jus-tificada de viagem cultural ou missão de estudos, viagem de negócios, artistas e desportistas, estudantes, trabalhadores em empresas, jornalistas e ministros em missão religiosa que, em virtude de sua profissão, residem no país sem o intuito de ali se fixarem.

O prazo de concessão do mencionado visto é variável e está relacionado ao tipo de atividade a ser exercida, tendo o prazo máximo de 05 (cinco) anos. O exercício de atividade remunerada deverá ter relação com o con-trato de trabalho estabelecido entre o estrangeiro e a empresa para a qual prestar serviços. Caso o estrangeiro pretenda exercer atividade remunera-

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249IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS

da para empresa diversa daquela por quem fora contratado, deverá reque-rer a transformação do visto para permanente.

Válido informar que o estrangeiro registrado em caráter temporário que se ausentar do Brasil poderá regressar, independentemente do novo visto, se o fizer dentro do prazo de validade de sua estada no território nacional.

A validade para utilização dos vistos é de noventa dias, contados da data de sua concessão, podendo ser prorrogada pela autoridade consular uma úni-ca vez, por igual período. O pedido de prorrogação deve ser protocolado 30 (trinta) dias antes do término do respectivo prazo de validade. O requeri-mento de prorrogação de prazo do visto de turista, temporário de negócios, e temporário de artistas e desportistas deverá ser realizado na unidade de Polícia Federal mais próxima do local de residência do estrangeiro.

De outra sorte, os pedidos de prorrogações relativos aos demais tipos de vistos temporários (viagem cultural ou missão de estudos; –estudan-te;– trabalho;– jornalista; e missão religiosa) podem ser protocolados na Polícia Federal mais próxima do local de residência do estrangeiro ou no Protocolo Geral do Ministério da Justiça. Após a publicação do deferimen-to no Diário Oficial da União, o interessado deverá dirigir-se à unidade da Polícia Federal do local de residência para atualizar o registro.

Na hipótese de indeferimento do pedido de prorrogação, o estrangeiro possui o prazo improrrogável de 15 (quinze) dias, a contar da data da publi-cação no Diário Oficial da União, para solicitar a reconsideração do pleito junto à Polícia Federal ou no Protocolo Geral do Ministério da Justiça. Deverão ser apresentados documentos que modifiquem a decisão dene-gatória, bem como o comprovante do recolhimento da taxa GRU/Funapol referente ao pedido de reconsideração.

A concessão do visto permanente será realizada ao estrangeiro que pretenda estabelecer-se no Brasil de forma definitiva, sem a intenção de adquirir a nacionalidade brasileira. Para a obtenção desse visto é necessá-rio que o estrangeiro tenha um vínculo forte e estável com o Brasil, que deverá ser comprovado perante as autoridades de imigração. É o caso do visto por casamento, união estável, filhos brasileiros, investimento de ca-pitais, anistia.

Esse tipo de visto permite ao estrangeiro o exercício de qualquer ativida-de remunerada no país, desde que obedecidas às regulamentações do Con-

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250 GERUSA NUNES DE SOUSA / CARMEM CECÍLIA BARBOSA MOREIRA

selho Nacional de Imigração, as quais exigem, para determinadas espécies de vistos, a autorização do Ministério do Trabalho e Emprego.

Ao estrangeiro em gozo do visto permanente é vedado se ausentar do Brasil por prazo superior a 02 (dois) anos ininterruptos, sob pena de per-der a mencionada autorização. Poderá, contudo, requerer novo visto de permanência aquele que tenha se ausentado para realizar ou completar estudos universitários, treinamento profissional, atividade de pesquisa por entidade reconhecida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a serviço do Governo brasileiro, ou em razão de força maior ou caso fortuito, devida-mente comprovado, nos termos da Resolução Normativa 05/97 do Conse-lho Nacional de Imigração.

Os documentos necessários à obtenção desse tipo de visto estão direta-mente relacionados ao motivo da permanência do estrangeiro no Brasil, havendo, inclusive, procedimentos específicos dispostos em Resoluções Normativas expedidas pelo Conselho Nacional de Imigração, conforme a natureza da estada do estrangeiro no país.

É importante evidenciar que o estrangeiro registrado em caráter perma-nente e que se ausentar do Brasil poderá regressar, independentemente de visto, se o fizer dentro do prazo de dois anos.

Uma das espécies de visto permanente é o de investidor, cujas regras encontram-se dispostas na Resolução Normativa 84, do Conselho Nacio-nal de Imigração, e é concedido ao estrangeiro que pretenda se fixar no Brasil com a finalidade de investir recursos próprios de origem externa em atividades produtivas, através de empresa nova ou já existente.

Para se enquadrar na categoria de investidor e assim obter o respectivo visto, o estrangeiro deverá investir no mínimo R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Além do investimento, será examinado prioritaria-mente o interesse social, caracterizado pela geração de emprego e renda no Brasil, pelo aumento da produtividade, pela assimilação de tecnologia e captação de recursos para setores específicos. Será conferida atenção especial aos investimentos de empreendedores oriundos de países sul americanos.

O prazo de validade desse tipo de visto permanente será de três anos. Embora sempre designado “permanente”, esse visto é limitado por um prazo inicial que somente será renovado mediante comprovação de que o

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251IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS

estrangeiro continua como investidor no Brasil e cumpre as metas de inte-resse social do investimento.

Essa Resolução Normativa também contempla os investidores cujo valor a ser aplicado seja inferior à quantia acima especificada. Nesse caso, o vis-to será concedido se o estrangeiro investidor comprovar o interesse social do evento, cumprindo os critérios estabelecidos na mencionada regra, rela-cionados aos benefícios gerados, natureza e localização do investimento.

Outra espécie de visto permanente é aquela concedida ao estrangeiro ingresso no Brasil na condição de Refugiado ou Asilado e que pretenda permanecer no território nacional. Nesse caso, o ingresso deverá atender a um dos requisitos previstos na Resolução Normativa n.º 06/1997, do Con-selho Nacional de Imigração, quais sejam: residir no Brasil há, no mínimo, 06 (seis) anos na condição de refugiado ou asilado; ser profissional quali-ficado e contratado por instituição instalada no País; ser profissional com capacitação reconhecida por Órgão da área pertinente; ou estar estabeleci-do com negócio resultante de investimento de capital próprio, que satisfaça os objetivos de Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração, relativos à concessão de visto a investidor estrangeiro (Resolução Norma-tiva nº 84/2009).

O visto de cortesia será concedido aos empregados domésticos estran-geiros dos chefes de missão e de funcionários diplomáticos e consulares acreditados junto ao governo brasileiro; também às autoridades estrangei-ras em viagem não-oficial ao Brasil; e aos dependentes de portadores de visto oficial ou diplomático, maiores de 21 (vinte e um) anos ou até 24 (vinte e quatro) anos na condição de estudantes. Essa autorização é válida por 90 (noventa) dias, prorrogáveis por igual período junto ao Ministério das Relações Exteriores.

Aos funcionários de organismos internacionais em missão oficial e fun-cionários de embaixadas e consulados que não possuam status de diplo-mata, bem como aos seus cônjuges e filhos menores de 21 anos, será outor-gado o visto oficial, que possuirá validade de até 2 (dois) ou do período da missão, atendendo ao princípio da reciprocidade.

O visto diplomático destina-se, por óbvio, aos diplomatas e trabalhadores com status diplomático, bem assim aos chefes de escritórios de organismos internacionais e aos respectivos cônjuges e filhos menores de 21 anos.

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252 GERUSA NUNES DE SOUSA / CARMEM CECÍLIA BARBOSA MOREIRA

Válido esclarecer que os portadores dos vistos Diplomático, Oficial, Temporário V (com contrato de trabalho) e Temporário VII (missão reli-giosa) podem pleitear a transformação em permanente. Além disso, o visto Diplomático e Oficial podem ser convertido em Temporário I (viagem cul-tural ou missão de estudos), IV (estudante), V (trabalho) e VI (jornalista).

O pedido de transformação deverá ser feito até 30 (trinta) dias antes do ven-cimento da estada, junto ao Departamento de Polícia Federal. Para a obtenção de maiores informações sobre esse assunto, o interessado poderá acessar o sítio do Ministério da Justiça no seguinte endereço: www.mj.gov.br.

04. doS viStoS temPoRáRioS em eSPéCie

Várias são as espécies de vistos temporários no Brasil. O Decreto 86.715/81, no seu artigo 22 apresenta seis espécies: I – em viagem cultural ou em missão de estudos; II – em viagem de negócios; III – na condição de artista ou desportista; IV – na condição de estudante; V – na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob o re-gime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro; VI – na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa es-trangeira; VII – na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa.

O visto temporário abordado pelo inciso I do art. 22 do Decreto supracita-do, poderá ser concedido para pesquisadores de determinado assunto e con-ferencistas, possuindo validade de dois anos, prorrogável por igual período, caso as condições que deram ensejo à concessão do visto persistam.

Assim, o visto temporários é concedido ao professor ou pesquisador, sem que possua contrato de trabalho com uma instituição brasileira (Re-solução Normativa 16/98 CNIg), visitante que vem ao Brasil através de algum tipo de convênio de intercâmbio ou de cooperação com instituição estrangeira, ou ainda, como convidado para proferir palestras ou participar de seminários.

Essa autorização poderá ser concedida, ainda, para estagiário, atletas menores de 21 anos, não profissionais, para a prática intensiva de treina-mento (Resolução Normativa 26/98 CNIg), técnicos, prestadores de ser-viço, voluntários, especialistas, cientistas e pesquisadores, ao abrigo de

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253IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS

Acordo de Cooperação Internacional reconhecido pelo Ministério das Re-lações Exteriores (Resolução Normativa 43/99/CNIg), aos que pretendam vir ao país para, sem vínculo empregatício no Brasil, receber treinamento na operação e manutenção de máquinas e equipamentos produzidos em território nacional (Resolução Normativa 37/98) e estudante no âmbito de programa de intercâmbio educacional (Resolução 40/99).

Acrescente-se, ainda, que a concessão do visto temporário àqueles que pretendam realizar expedições científicas (coletar dados materiais, espéci-mes biológicas e minerais, peças integrantes da cultura nativa e popular, presente ou passada, obtidas por meio de recursos e técnicas que se des-tinem ao estudo, à difusão ou à pesquisa) e/ou operar em áreas indígenas, dependerá de autorização prévia do Conselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico - CNPq ou da Fundação Nacional do Índio, res-pectivamente, a ser apresentada à Repartição Consular pelo interessado, ao solicitar o visto.

A obtenção de visto temporário por componentes de missão de caráter assistencial às comunidades brasileiras, tipo “Flying Hospital” ou “ope-ration smile”, depende de autorização prévia dos Conselhos Federal ou Regional da categoria profissional envolvida na prestação dos serviços (odontologia, medicina, etc.)

Em continuidade, o inciso II do art. 22 do Decreto 86.715/81, trata da espécie de visto temporário concedido àqueles profissionais que venham ao Brasil para negócios, sem a intenção de imigrar, possibilitando a permanên-cia no país por até 90 (noventa) dias por ano, porém, sua validade pode ser de até 5 (cinco) anos, dependendo da reciprocidade, podendo ser prorrogado junto ao Departamento da Polícia Federal, antes de seu vencimento.

No Brasil o Direito Internacional é regido pelo princípio da reciprocida-de, o que possibilita aos estrangeiros cujos países tenham feito acordos de reciprocidade dispensando vistos para negócios, a entrada no país simples-mente marcando no cartão de entrada e saída o item “negócios”, é o caso dos argentinos, italianos, espanhóis e portugueses, por exemplo.

Outros acordaram pela necessidade do visto, tais como os norte-america-nos, canadenses, japoneses, mexicanos, etc. Assim, é importante verificar no consulado do país de origem a existência de acordos de reciprocidade, lembrando sempre que os estrangeiros que venham ao Brasil a negócios

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254 GERUSA NUNES DE SOUSA / CARMEM CECÍLIA BARBOSA MOREIRA

deverão entrar no País nesta condição e não a turismo, evitando assim que sua entrada no País seja obstada pelo funcionário da Policia Federal na fronteira ou aeroporto.

O visto para negócio viabiliza a vinda de estrangeiro ao Brasil para atos de comércio, divulgação de produtos e pesquisa de mercado. Esta modali-dade permite ainda a participação em feiras, eventos, reuniões, seminários e conferências, entre outros. O portador deste visto não está autorizado a trabalhar para empresa brasileira. O estrangeiro fica impedido de executar qualquer tipo de serviço, remunerado ou não, sob pena de incorrer em multa e expulsão. A empresa também fica sujeita à multa.

Os requerimentos para obtenção do visto de negócios variam de Consu-lado a Consulado. O Brasil possui Consulados Brasileiros em quase todos os países do mundo, podendo a lista ser consultada no site do Ministério das Relações Exteriores no seguinte endereço: www.itamaraty.gov.br. São comuns a todos os requerimentos as seguintes exigências: passaporte vá-lido por no mínimo seis meses, preenchimento do formulário pedido de visto, pagamento de taxas consulares, uma ou duas fotos 3x4 e carta da empresa que explique as atividades a serem desenvolvidas no Brasil, quan-do for o caso.

Com efeito, o artigo 23 do Decreto regulamentador explicita que para obter visto temporário, o estrangeiro deverá apresentar: I – passaporte ou documento equivalente; II - certificado internacional de imunização, quando necessário; III –revogado; IV – prova de meio de subsistência, e V – atestado de antecedentes penais ou documentos equivalentes, este a critério da autoridade consular.

O visto temporário para profissionais que vêm ao Brasil participar de eventos afins (artistas e desportistas), sem vínculo empregatício no País, valerá por 90 dias, podendo ser prorrogado junto ao Departamento de Po-lícia Federal, antes do seu vencimento. Neste caso, a instituição que rece-berá o estrangeiro deve ter a autorização prévia do Ministério do Trabalho e Emprego.

Para os estudantes de cursos regulares, tais como ensinos fundamental, médio, superior, pós-graduação e outros, a validade do visto temporário é de até 1 (um) ano, prorrogável por igual período até o fim do curso. Para obtenção da prorrogação deve ser apresentado requerimento na Polícia Fe-

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255IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS

deral local ou no Protocolo Geral do Ministério da Justiça até 30 (trinta) dias antes do prazo expirar. Neste tipo de visto é proibida a atividade re-munerada, sob pena de multa, notificação ou deportação.

O interessado deverá apresentar, para obter este visto, além do preen-chimento dos requisitos mencionados anteriormente, prova de meios de subsistência no Brasil, comprovante de matrícula ou de vaga em institui-ção de ensino pertinente e certidão negativa de antecedentes penais ou seu equivalente local.

Os estrangeiros que venham ao Brasil para exercer suas atividades junto às empresas brasileiras na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob o regime de contrato ou a serviço do governo brasileiro, devem ter autorização de trabalho de competên-cia do Ministério do Trabalho e Emprego.

Este tipo de visto temporário tem validade de 2 (dois) anos, sendo pror-rogável por igual período e ainda pode ser transformado em permanente. Caso o estrangeiro seja admitido no território nacional para prestar serviço em uma determinada empresa e pretenda transferir-se para outra, deve solicitar, previamente, através de protocolo junto à Polícia Federal ou no Protocolo Geral do Ministério da Justiça, a competente autorização ao Mi-nistério da Justiça que ouvirá o Ministério do Trabalho e Emprego acerca da solicitação.

Desta forma, o visto ora tratado pode ser concedido para prestação de serviço ao Governo brasileiro, em decorrência de contrato, convênio ou ato internacional de que o Brasil seja parte, assim reconhecido pelo Ministério das Relações Exteriores (Resolução Normativa 35/99/CNIg), bem como:

a) sob regime de contrato de trabalho com pessoa jurídica sediada no Brasil (Portaria 3.721 do Ministério do Trabalho e Emprego e Reso-lução Normativa 12/98/CNIg);

b) para prestação de serviço junto à entidade religiosa ou de assistên-cia social, sem vinculo empregatício com pessoa jurídica sediada no Brasil (Resolução Normativa 47/00/CNIg);

c) para prestação de serviço de assistência técnica, em decorrência de contrato, acordo de cooperação, convênio ou instrumento simila-

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256 GERUSA NUNES DE SOUSA / CARMEM CECÍLIA BARBOSA MOREIRA

res, firmado com pessoa jurídica estrangeira (Resolução Normativa 34/98/CNIg);

d) para treinamento profissional, sem vinculo empregatício, imediata-mente posterior a conclusão de curso superior ou profissionalizante (Resolução Normativa 37/99/CNIg);

e) para realização de residência médica em instituição de ensino cre-denciada pelo Ministério da Educação e do Desporto (Resolução Normativa 23/98/CNIg);

f) para funcionário de empresa estrangeira admitido no país como es-tagiário junto à subsidiária ou filial brasileira, desde que remunera-do exclusivamente no exterior pela empresa estrangeira (Resolução Normativa 42/99/CNIg);

g) para professor estrangeiro que pretenda vir ao País para estágio no ensino de línguas estrangeiras (Resolução Normativa 41/99/CNIg);

h) para tripulante de embarcação estrangeira que venha operar em águas jurisdicionais brasileiras, por força de contrato de afretamento, de prestação de serviços ou de risco, celebrado com empresa brasileira (Resolução Normativa 31/98);

i) para tripulante de embarcações de pesca estrangeiras arrendadas por empresas brasileiras (Resolução Normativa 46/00/CNIg);

j) para tripulante e outros profissionais que exerçam atividade remune-rada a bordo de navio de cruzeiro aquaviário na costa brasileira, na bacia amazônica ou demais águas interiores (Resolução Normativa 48/00/CNIg). (fonte dos itens: http://www.ufmg.br/dri/estrangeiro/le-gislacao-brasileira/vistos)

É possível, ainda, pelas normas brasileiras o visto temporário para cor-respondentes de jornais, revistas, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira, cuja remuneração provém do exterior e não de empresa bra-sileira. O visto terá validade de no máximo 4 (quatro) anos, prorrogável por igual período.

Por fim, o visto temporário poderá ser concedido àqueles que viajam com atribuições de ministro de confissão religiosa ou membro de insti-

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257IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS

tuto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa, sendo o prazo por até 1 (um) ano, prorrogável por igual período, findo este prazo, poderá ser pleiteado a transformação em permanente.

Os estrangeiros admitidos no país na condição de temporário devem re-gistrar-se dentro de 30 dias da data de sua entrada no país no Departamen-to da Polícia Federal, conforme exigido pelo art. 58 do Decreto 86.715/81. Tal registro se dá mediante apresentação do documento de viagem que o identifique e da cópia do formulário do pedido de visto consular brasileiro ou de certificado consular do país da nacionalidade, este quando ocorrer transformação de visto.

Crucial informar que os vistos temporários para viagem cultural ou em missão de estudos, viagem de negócios, na condição de estudante, na con-dição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob o regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro e na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa, só poderão se obtidos, salvo no caso de força maior, na jurisdição consular na qual o interessado tenha mantido residência pelo prazo mínimo de um ano imediatamente anterior ao pedido (§1º, art. 23, do Decreto 86.715/81).

Finalmente, é importante destacar que os estrangeiros que adentrarem no Brasil com visto temporário ou permanente deverão efetuar os respec-tivos registros no Departamento de Polícia Federal e Ministério da Justiça, requerendo a expedição da Carteira de Identidade do Estrangeiro no prazo de 30 (trinta) dias da chegada ao território brasileiro ou da publicação da permanência no Diário Oficial da União. O processo para expedição do referido documento poderá ser acompanhado no sítio: https://servicos.dpf.gov.br/SincreWeb/protocolo.

É necessário também o registro desses estrangeiros junto à Receita Fe-deral para fins tributários. Excetuam-se dessas obrigações de registro e obtenção de identidade de estrangeiro aqueles que possuírem vistos tem-porários das seguintes espécies: artistas, desportistas, turistas ou pessoas a negócios de curto prazo, vez que este será realizado de forma imediata.

Por ocasião da saída definitiva do estrangeiro do Brasil, este deverá re-querer o cancelamento do registro junto à Receita Federal, através de for-mulário próprio, intitulado “Declaração de Saída Definitiva”, com o obje-tivo de extinguir as cobranças de tributos após a saída.

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ProPrIedade INtelectual – asPectos geraIs e sua ProteÇÃo

luiz edgard montaury Pimenta [email protected]. Árbitro da Organização Mundial da Propriedade

Intelectual (OMPI) e do National Arbitration Fórum (NAF) para a Câmara de Arbitragem de Disputa de Nomes de Domínio, Membro da Câmara

Arbitral da INTA (International Trademark Association) dos E.U.A. Membro do Comitê de Propriedade Intelectual da Câmara Americana de Comércio. Sócio do Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de

Mello Advogados Associados (Aliado no Rio e Janeiro/RJ)

Clarissa Castro jaegger [email protected]. Graduada em Direito e Pós-graduada em Direito da Propriedade Intelectual pela UERJ. Advogada associada do Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello Advogados

Associados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)

1) a PRoPRiedade inteleCtual

A criatividade humana é o maior recurso natural de qualquer país e alavanca fundamental para o desenvolvimento econômico de uma nação, de modo que a proteção à propriedade intelectual é a ferramenta que traz à tona aquele recurso.

Assim, devemos entender o sistema de proteção à propriedade intelec-tual como um instrumento valioso para a evolução sócio-econômica e não simplesmente como uma questão de cunho comercial, ao compreender di-reitos sobre as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos industriais, as marcas, e os direitos autorais, bem como a repressão da concorrência desleal.

De fato, desde o desenvolvimento da capacidade criadora dos homens quando as criações intelectuais passaram a ser relevantes para a promoção econômica e da sociedade como grupo cultural e social organizado, pode-se falar em aparecimento da capacidade criadora. No entanto, artistas,

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259PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO

escritores, inventores ou cientistas não possuíam qualquer proteção para suas obras, as quais podiam ser copiadas e reproduzidas sem a autorização do autor.

Atualmente, esse tema é amplamente protegido no sistema jurídico bra-sileiro, tanto por leis ordinárias, como a Lei no. 9.279/96 (Lei da Proprie-dade Industrial – LPI), a Convenção da União de Paris (CUP) e o acordo TRIPs, como por disposições constitucionais. 1

A proteção assegurada em nosso ordenamento, entretanto, somente respal-da as criações industriais registradas perante o órgão nacional competente, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e somente após o ato con-cessivo correspondente – com a consequente expedição do certificado – nas-cerá o direito à propriedade e à exploração econômica com exclusividade.

Nesse cenário, passamos então a examinar os institutos protegidos no Brasil, incluindo o procedimento administrativo correspondente, direitos e efeitos gerados pelo respectivo registro.

2) o SiStema bRaSileiRo de RegiStRo de PRoPRiedade inteleCtual

No Brasil, o direito industrial era filiado ao sistema de exame prévio, desde 19232. No entanto, a Lei da Propriedade Industrial (LPI) nº 9.279/96 inovou adotando um critério misto submetendo os pedidos de marcas, pa-tentes e modelos de utilidade ao exame prévio, enquanto os registros de desenho industrial atendem à livre concessão.

Nesse sentido, os processos examinados sob a égide do exame prévio são analisados quanto aos requisitos legais de registrabilidade, antes de conceder ao seu titular os direitos sobre determinada marca, patente ou

1 Artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal de 1988, dispõe que “a lei assegu-rará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como para proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”.

2 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. 2 ed. Rev. e atu-al. por Luiz Gonzaga do Rio Verde e João Casimiro Costa Neto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, v. 2.

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desenho industrial; ao passo em que no exame pela livre concessão a regis-trabilidade é verificada em momento posterior, e em apenas alguns casos.

Importante salientar, no entanto, que, o ato administrativo praticado pelo INPI é sempre de natureza constitutiva do direito que assegura ao titular a exclusividade na exploração econômica do bem jurídico. Assim, em relação ao controle jurisdicional deste ato, podemos dizer que todos os interessados podem discutir em juízo se a concessão do direito industrial pela autoridade administrativa preencheu os requisitos legais da registrabilidade.

Pois bem, o sistema para o registro de uma marca no Brasil, perante o INPI, é bastante complexo e atende aos princípios constitucionais que nor-teiam nossa legislação pátria.

Quanto aos direitos autorais, vale ressaltar que sua proteção independe de registro como será exposto mais adiante.

Passamos então a examinar cada um dos institutos que compõem o es-tudo da propriedade intelectual.

2.1 Definição dos institutos e sua proteção no brasil

2.1.1 Patentes

Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação.

a) patentes de invenção – toda invenção não compreendida pelo estado da técnica.

b) modelos de utilidade – disposição ou nova forma introduzida em objetos conhecidos, desde que possuam uso prático.

2.1.2 Procedimento administrativo junto ao INPI para registro de patente

Pedido de Patente e seu depósito

Os pedidos de patente de invenção ou modelo de utilidade devem ser so-licitados em formulário específico e depositados junto ao INPI, juntamente

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com a respectiva carta-patente onde a invenção é detalhadamente descrita, determinando os limites da proteção.

Esse texto deverá conter o relatório descritivo, as reivindicações que definem seu escopo de proteção, além de desenhos ou fotos, que facilitam o entendimento da invenção, e um resumo identificando seus principais aspectos permitindo uma visão geral.

Antes de aceito o depósito, será efetuado um exame preliminar por téc-nicos do INPI, para verificar se o pedido está de acordo com as normas. Caso seja necessário, poderão ser elaboradas exigências, que deverão ser cumpridas em 30 (trinta) dias para patentes, a contar da notificação ao interessado, sob pena de não aceitação do depósito e devolução da docu-mentação.

Após o depósito, o pedido de patente é mantido em sigilo por no mí-nimo 18 (dezoito) meses, sendo posteriormente publicado na Revista da Propriedade Industrial, e disponibilizado para consulta pública no banco de patentes do INPI.

O exame do pedido de patente pelo INPI ocorre somente mediante re-querimento dentro de 36 (trinta e seis) meses contados a partir da data do depósito. Uma vez requerido, são verificados os documentos apresentados a fim de conferir se os requisitos de patenteabilidade estão presentes na-quela invenção ou modelo de utilidade, havendo a formulação de exigên-cias quando necessário.

Após o deferimento do pedido de patente, inicia-se o prazo para o pa-gamento da taxa final relativa à emissão da Carta-Patente, cuja data de notificação indica a data de concessão da patente.

Requisitos de patenteabilidade

O objetivo de uma patente é proteger inovações que determinam um melhoramento funcional de um produto ou processo, ou resolvam um pro-blema de caráter técnico.

Portanto, para que a uma patente seja passível de proteção, ela deve aten-der aos requitos fundamentais previstos nos artigos 8, 9 e 13 a 15 da Lei da Propriedade Industrial, quais sejam:

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Novidade absoluta: a patente não pode ter sido tomada de conhecimento público, em lugar algum do mundo;

Atividade Inventiva: a patente não pode ser uma modificação ou altera-ção óbvia daquilo que já se conhece; e

Aplicação Industrial: a patente deve se prestar para ser produzido ou utilizado em qualquer ramo da indústria, não podendo estar limitado a um conceito puramente abstrato.

Verificada a presença dos requisitos acima, o exame do pedido de pa-tente pode avançar a fim de que seja aferida se a invenção ou modelo de utilidade se encontra nas proibições previstas nos artigos 10 e 18 da LPI, os quais determinam que não são patenteáveis:

I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;

II – concepções puramente abstratas;

III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contá-beis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fis-calização;

IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qual-quer criação estética;

V – programas de computador em si;

VI – apresentação de informações;

VII – regras de jogo;

VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como méto-dos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos en-contrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o ge-noma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

Além de:

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I – o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à or-dem e à saúde públicas;

II – as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qual-quer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físi-co-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e

III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos trans-gênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novi-dade, atividade inventiva e aplicação industrial – e que não sejam mera descoberta.

Por oportuno, vale ressaltar que a proteção conferida às plantas está prevista na Lei de Proteção de Cultivares, Lei no. 9.456/97.

vigência: efeitos

Conforme exposto acima, a patente pode ser de invenção ou modelo de utilidade e sua vigência diverge também segundo esse critério; a sa-ber, patentes de invenção possuem vigência de 20 (vinte) anos contados a partir da data de depósito, ou no mínimo 10 (dez) anos a partir de sua concessão; modelos de utilidade são válidos por 15 (quinze) anos con-tados a partir da data de depósito, ou no mínimo 7 (sete) anos a partir de sua concessão.

Durante esse período, ao titular da patente é conferido o direito de im-pedir que terceiro, sem o seu consentimento, produza, use, coloque à ven-da, venda ou importe o produto objeto de patente ou processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado, conforme previsto no art. 42 da LPI.

Findo o período de vigência, o objeto da patente entra em domínio pú-blico, quando, salvo algumas excessões, não é mais passível de proteção exclusiva.

nulidade

A nulidade de uma patente pode ser requerida nas esferas administrati-va ou judicial, podendo ser total – incidindo sobre todas as reivindicações

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– ou parcial – quando apenas algumas reinvindicações são consideradas em desacordo com a LPI.

O processo de nulidade de uma patente, quando administrativo, pode ser instaurado por terceiros ou de ofício, pelo próprio INPI, no prazo de 6 (seis) meses contados da sua concessão.

A ação de nulidade – também interposta por terceiros ou pelo pró-prio INPI – pode ser interposta durante todo o prazo de vigência da patente.

Para ambas as hipóteses, uma vez declarada a nulidade da patente, essa produzirá efeitos a partir da data de depósito do pedido de patente.

Extinção

Uma patente pode ser extinta pela expiração do prazo de vigência, pela renuncia do titular, pela caducidade, pela falta de pagamento da retribuição anual e, em sendo o titular sediado ou domiciliado no exterior não tenha constituído procurador no Brasil.

De acordo com o art. 74 da LPI, após o termo final da vigência da paten-te, essa entra em domínio público, possibilitando que terceiros a explorem livremente.

A renúncia, requerida pelo titular da patente mediante instrumento pró-prio, poderá ser total ou parcial, desde que não interfira em direito de ter-ceiros que estejam explorando a patente de forma autorizada.

A caducidade, por sua vez, apresenta-se como outro fator de extinção da patente previsto no art. 80 da LPI, a medida em que o titular da patente – sem motivo justificado – não tenha iniciado sua exploração.

A falta de pagamento da retribuição anual, que deve ser efetuado a partir do terceiro ano contado da data de depósito do pedido de patente até o final de sua vigência, resulta na extinção da patente.

Por fim, a falta de manutenção de procurador domiciliado no país com poderes para representar o titular da patente administrativa e judicial-mente consiste em uma hipótese de extinção da patente, uma vez que isso impede sua citação e/ou notificação em casos de nulidade e/ou ca-ducidade.

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2.2 Desenho Industrial (DI)

O Desenho Industrial consiste na forma plástica ornamental de um obje-to ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configura-ção externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.

2.2.1 Procedimento administrativo junto ao INPI para registro de DI

Pedido de registro de di

O pedido de registro de desenho industrial deve ser solicitado em for-mulário específico e depositado junto ao INPI, juntamente com o relató-rio descritivo, reivindicações, desenhos ou fotografias e o campo de apli-cação do objeto (somente necessário para permitir a total compreensão do objeto).

Antes de aceito o depósito, será efetuado um exame preliminar por técnicos do INPI, para verificar se o pedido está de acordo com as nor-mas e se todos os documentos exigidos foram apresentados. Caso seja necessário, poderão ser elaboradas exigências, que deverão ser cumpri-das em 5 (cinco) dias para os desenhos industriais, a contar da notifica-ção do depositante, sob pena de não aceitação do depósito e devolução da documentação.

Após o depósito, o pedido recebe um número e é encaminhado para o exame formal, onde o INPI verifica se o mesmo pode ser objeto de dese-nho industrial (não sendo ele será indeferido); se a documentação exigida foi devidamente apresentada; se o pedido indica somente um objeto e suas variações; e se o pedido expõe de forma clara o objeto.

Na ausência de alguns dos requisitos acima, cabe ao INPI a formulação de exigências a serem cumpridas no prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir da data de sua publicação na Revista da Propriedade Industrial, sob pena de arquivamento.

Atendidos todos os pressupostos, o pedido será publicado, valendo essa publicação como concessão do registro de desenho industrial. Em seguida, o INPI emitirá o respectivo certificado.

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Requisitos necessários para o registro de di

O desenho industrial deve ser novo, ou seja, não compreendido no es-tado da técnica; e original, possuindo uma percepção visual distinta dos objetos que já existam.

Para que seja feita a verificação desses requisitos, aconselha-se uma bus-ca prévia no banco de dados do INPI, embora esse procedimento não seja obrigatório.

Vigência e extinção

O registro de desenho industrial é válido por 10 (dez) anos contados da data de seu depósito junto ao INPI, podendo ser prorrogado por mais 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos.

nulidade

O registro de desenho industrial é passível de nulidade, podendo ser requerida por terceiros ou de ofício pelo INPI dentro do prazo de 5 (cinco) anos após sua concessão. Decorrido esse prazo, a nulidade pode ser argui-da judicialmente durante todo o período de vigência do registro.

2.3 Marcas

Marca é todo o sinal distintivo, visualmente perceptível, não compreen-dido nas proibições legais, que identifica e distingue produtos e serviços de outros similares, de procedência diversa, bem como certifica a conformida-de dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas. Esses sinais podem ser palavras incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, nú-meros, formas tridimensionais, sons e até sinais olfativos ou sonoros (o tipo de sinais registáveis depende da legislação de marcas de cada país).

A reputação simbolizada pela marca constitui ainda um elemento es-sencial do seu valor. Sua reputação dá ao consumidor uma importante base de escolha entre produtos e/ou serviços concorrentes, particular-mente no caso de produtos de consumo cuja avaliação só possa ocorrer após o uso.

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Assim, ao analisarmos sua função no mercado, observamos que ela é ca-paz de tornar tangível para o consumidor as idéias, a filosofia e os objetivos de uma determinada instituição, reunindo e representando suas caracterís-ticas, apresentando-se, inclusive, como um importante aval de qualidade e competência dos produtos ou serviços que representa.

Portanto, é possível dizer que, a marca consiste em um privilégio legal concedido pelo Estado, através do INPI a quem a requerer, garantindo o direito de uso exclusivo em todo território nacional em determinado ramo de atividade. Como uma marca pode corresponder a uma parcela estável do mercado, pois se trata de um meio eficiente para a constituição de clien-tela, torna-se eventualmente, um ativo valioso ao seu titular, podendo ser considerada o maior patrimônio que uma empresa possui.

2.3.1 Procedimento administrativo para registro de marca junto ao INPI

a adoção do sistema eletrônico de marcas e-Marcas

Em 1º de setembro de 2006, o INPI lançou o e-MARCAS sistema que permite que os pedidos de registro e petições de marcas possam ser feitos e enviados pela Internet, por meio de formulário eletrônico, que o Instituto desenvolveu em parceira com o Serpro.

De acordo com o ex-Presidente do INPI, Roberto Jaguaribe, o objetivo desse sistema era não apenas gerar facilidade e rapidez para os usuários do INPI; mas com a informatização, conferir maior eficiência, qualidade e transparência nas análises e decisões dos processos. Juntamente com outras medidas já adotadas, como a contratação e treinamento de no-vos examinadores de marcas, a implementação do e-MARCAS permitiu a aceleração do exame dos milhares de pedidos de registro de marcas pendentes3.

Apesar da polêmica inicial, atualmente o usuário tem a opção de depo-sitar pedidos de registro e apresentar petições tanto por meio digital, como em papel, sendo as taxas oficiais do INPI em valor maior para as petições em papel, a fim de encorajar o uso do sistema online, muito mais prático

3 Disponível: http://inpi.gov.br [capturado em 01 dez. 2006].

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e em harmonia com o futuro no arquivamento e disponibilização das in-formações.

o pedido de registro

Escolhido um sinal hábil, feita a prévia classificação e as buscas preli-minares, procede-se ao depósito do pedido de registro pleiteado perante a Diretoria de Marcas do INPI, por meio de requerimento próprio.

Não é admitida a acumulação de pedido de diversos sinais distintivos em um só requerimento, o qual deve ser instruído com um exemplar descritivo da marca (etiqueta), indicando-se e qualificando o requerente, seu ramo de atividade e a classe correspondente4, juntando, outrossim, o comprovante de pagamento da guia de recolhimento da respectiva taxa e com outros documentos que se fizerem necessários. Tratando-se de pessoa jurídica, a indicação do arquivamento na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, é requisito essencial.

Apresentando o requerimento, sofrerá exame formal preliminar e, es-tando devidamente instruído, será protocolizado, com o efeito de se consi-derar a data da apresentação como a data do depósito.

Se a instrução, todavia, estiver incompleta, porém, atendendo às condi-ções mínimas exigidas, o INPI expede recibo datado e fixa exigências a serem atendidas dentro do prazo legal de 5 (cinco) dias, sob pena de não ser aceito.

Requisitos de registrabilidade

A Lei nº 9.279/96 ao tratar das marcas suscetíveis de registro acentuou os requisitos de que se devem revestir. Portanto, todos os signos podem ser marcas, desde que atendam certos requisitos que são, simultaneamente, de ordem jurídica e prática.

4 Para instrumentalizar o sistema de registro de marcas de acordo com o princípio da especialidade, os produtos e serviços foram agrupados em 43 classes de acordo com a Classificação de NICE, adotada em 1997. Cada registro de marca irá referir a uma única marca, sob uma única apresentação (nominativa, figurativa ou mista), em uma única classe. Essa limitação faz com que um mesmo titular tenha muitas vezes que solicitar vários registros para garantir uma proteção efetiva às suas marcas.

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269PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO

O registro de marca, desta forma, está sujeito às seguintes condições essenciais:

a) Novidade;

b) Originalidade;

c) Não-colidência com marca notoriamente conhecida;

d) Desimpedimento, isto é, que não estejam compreendidas nas proibi-ções legais;

e) Distintividade;

f) Veracidade, exigida para certas marcas e em certas circunstâncias;

g) Licitude; e

h) Visualmente perceptível.

É sutil a diferença entre originalidade e novidade. No conceito legal a marca não deve apresentar anterioridades, mas ser diferente de qualquer outra criada e registrada, na mesma classe.

Significa a originalidade que a marca deve ser intrinsecamente idônea e capaz de individuar os produtos de uma determinada atividade econômica. Não deve reproduzir indicações, denominações e nomes de uso comum.

A novidade é exigida para que a marca cumpra sua finalidade de identi-ficar, direta ou indiretamente, produtos e serviços, destacando-os dos seus concorrentes. Se a marca não for nova, ela não alcançará seu objetivo.

Portanto, além de original, a marca deve ser formada de elementos in-suscetíveis de causar confusão, não pode apresentar colidências com regis-tro já existente no mesmo ramo de atividade, devendo ser nova e diversa de qualquer outra anteriormente criada.

Destaque-se, ademais, uma observação importante: o serviço de regis-tros de marcas é organizado segundo classes, considerando-se a natureza peculiar dos produtos, das mercadorias, ou dos serviços5.

5 Até dezembro de 1999, o Brasil adotou uma classificação de produtos e serviços própria, divida em 41 classes. Cada classe abrangia produtos ou serviços perten-centes a um mesmo ramo mercadológico. A partir de janeiro de 2000, o Brasil ado-

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A conseqüência prática desse postulado permite que idêntica marca seja registrada em classes diferentes. O registro em uma classe não impede, de fato, que se registre marca idêntica para produto, mercadoria ou serviço de outra classe, porque a lei garante a exclusividade ao titular da marca somente na classe correspondente à sua natureza.

Em razão do caráter relativo da novidade, a proteção da marca registra-da é restrita à classe a que pertence o bem marcado (regra do direito mar-cário identificado pelo Princípio da Especialidade). A única exceção a essa regra diz respeito à marca de alto-renome, passível de proteção extensiva em todos os ramos de atividade6.

Outro requisito para o registro de marca consiste na não-colidência com marca notoriamente conhecida, que goza de proteção especial, com funda-mento legal no art. 126 da LPI, que atribui ao INPI poderes para indeferir de ofício pedido de registro de marca, que reproduza ou imite, ainda que de for-ma parcial, uma outra marca, que notoriamente não pertence ao solicitante.

Por outro lado, encontramos o desimpedimento, condição esta identifi-cada através de diversos incisos do art. 124 da LPI, que contém uma exten-sa lista dos signos que não são registráveis como marca. Trata-se, portanto, de uma proibição legal.

Na construção do conceito da marca, sua distintividade é fundamental, pois esta função diferenciadora auxilia o proprietário da marca ao anunciar seu produto ou serviço, bem como o consumidor na escolha dos produtos dentre os vários similares concorrentes.

Como a finalidade é identificar o produto ou serviço, é preciso que a marca tenha características que permitam tal identificação.

Outra condição, a licitude prevista no art. 122 da LPI7, diz respeito à proibição do registro de marcas que contenham expressão, figura ou de-

tou a Classificação Internacional de Produtos e Serviços, aprovada pela Convenção de Nice, a qual é constituída por 42 classes, também dividida de acordo com o segmento mercadológico dos produtos ou serviços cobertos.

6 Art. 125 da LPI: “À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade”.

7 Art. 122 da LPI: “São suscetíveis de registro como marca os sinais visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”.

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senho contrário à moral e aos bons costumes, e os que envolvam ofensa individual ou atentem contra culto religioso ou idéia e sentimento digno de respeito e veneração.

A veracidade constitui um elemento imanente da licitude. A marca deve ser honesta, não contendo palavras, figuras ou sinais com indicações que não sejam verdadeiras sobre a origem-falsa procedência ou sobre a qua-lidade das mercadorias, dos produtos/serviços, ou ainda que induzam a engano na escolha da coisa.

Por fim, trataremos da exclusão, pelo legislador, do registro de marcas sonoras, as aromáticas e gustativas.

Como bem enunciou o art. 122 da LPI, não podem ser marca, os signos que não sejam visualmente perceptíveis, ou seja, que se pode perceber pelos sentidos, que se conhece, que se nota, que se entende etc. através de nosso órgão de visão8.

a publicação e a possibilidade de oposição

A publicação do pedido de registro para conhecimento de terceiros na Revista da Propriedade Industrial, de periodicidade semanal, é fase essen-cial e automática do processo e prevista no art. 158 da LPI9.

A partir da publicação da marca, inicia-se um prazo de 60 (sessenta) dias para que interessados apresentem oposição, a qual terá fundamento na colidência, seja total ou parcial, de marca já registrada, na alegação de termo técnico ou de uso comum, entre outras hipóteses previstas em lei. Seu objetivo, portanto, é demonstrar ao examinador do INPI o grau de colidência entre marcas, solicitando o indeferimento do termo oposto.

Decorrido o prazo, o depositante será notificado da existência de even-tual oposição através de publicação correspondente para, nos 60 (sessenta) dias seguintes, defender sua pretensão ao registro, demonstrando de forma coerente, que não fere as prescrições legais, sejam elas genéricas ou espe-cíficas.

8 SOARES, José Carlos Tinoco. Op. cit. 179 p. 9 Art. 158 da LPI: “Protocolizado, o pedido será publicado para apresentação de

oposição no prazo de 60 (sessenta) dias”.

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A contra-argumentação não é prevista como um procedimento obrigató-rio, porém recomendado, pois se trata da oportunidade legal para reforçar a não-colidência da marca pretendida com aquela da oponente.

O exame dos requisitos de registrabilidade e as exigências

Ao término do prazo de oposição, ou encerrado o prazo para o depo-sitante se manifestar, será realizado o exame do pedido de registro, no qual se verificará se a marca pretendida atende aos requisitos de regis-trabilidade (já analisados neste estudo) à luz das proibições insertas no art. 124 da LPI.

Durante o exame poderão ser formuladas exigências, que deverão ser cumpridas dentro de 60 (sessenta) dias. Uma vez não obedecidas, o pedido de registro de marca será definitivamente arquivado; se respondida, ainda que não cumprida, o exame prosseguirá10.

Havendo ou não oposição, o pedido será então deferido ou indeferido, conforme os pareceres exarados no processo, cabendo recurso pela parte prejudicada (art. 212 da LPI). E, caso de deferimento da marca, tem o requerente o prazo de sessenta dias para recolher as taxas de proteção ao primeiro decênio e expedição do certificado de registro.

Na seqüência, portanto, cabe ao INPI expedir o certificado em ques-tão, documento este que comprova a existência da marca registrada, as-segurando ao seu titular o exercício dos direitos que lhe são próprios.

a concessão do registro: efeitos

O certificado de registro constitui documento formal, tendo seu conte-údo previsto no art. 164 da LPI11. O registro será válido por dez anos em todo o território nacional, contados da data da concessão, podendo ser prorrogado por períodos idênticos e sucessivos, desde que requerido no último ano de vigência.

10 REQUIÃO, Rubens. Op. cit. 230 p.11 Art. 164 da LPI: “Do certificado de registro deverão constar a marca, o número e

data do registro, nome, nacionalidade e domicílio do titular, os produtos ou servi-ços, as características do registro e a prioridade estrangeira”.

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Mormente ao registro da marca, o titular adquire sua propriedade limi-tada à utilização do sinal para os fins a que se destina. Representa, pois, um direito de uso exclusivo do sinal restrito ao ramo de atividade ou classe correspondente, podendo o titular impedir o eventual uso por terceiros, autorizá-lo ou transferir o título a outro que exercerá o direito nas mesmas condições.

A exclusividade concedida pela lei legitima ao titular lançar mão de todos os recursos legais, administrativos, judiciais e extrajudiciais, para impedir que outrem usufrua a marca registrada.

Ademais, salienta-se que a publicação da concessão de uma marca pelo INPI abre um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que terceiros in-teressados iniciem processo administrativo de nulidade do registro, com respaldo nas proibições do art. 124 da LPI, bem como, em hipóteses de infração aos princípios e requisitos pertinentes à matéria. Vale ressaltar que este procedimento não suspende os direitos assegurados pela lei, até que seja oficialmente declarada sua nulidade.

Perda dos direitos: hipóteses

O registro da marca extingue pela expiração do prazo de vigência ante a falta de prorrogação, pela renuncia ou pela caducidade.

De acordo com o art. 133, § 2º da LPI, caso o pedido de prorrogação não tenha sido efetuado até o termo final da vigência do registro, o titular po-derá fazê-lo nos seis meses subseqüentes, mediante o pagamento de retri-buição complementar. Decorrido o prazo de vigência, não sendo requerida sua prorrogação, o registro de marca será declarado extinto por meio de publicação na Revista da Propriedade Industrial.

A renúncia, requerida pelo titular do registro mediante instrumento pró-prio, poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assi-nalados pela marca.

A caducidade total ou parcial, por sua vez, apresenta-se como outro fator de extinção do registro, configurada quando após cinco anos da concessão do registro, e na data de seu requerimento, o uso da marca não tiver sido iniciado no mercado interno, tiver sido interrompido por igual período ou no caso de a veiculação da marca ter ocorrido com alteração de sua forma original.

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Conclui-se, portanto, que o uso da marca deverá ser imediato e completo, indicando todos os produtos ou serviços previstos no certificado, evitando que interessados, embora legitimados, possam interferir no exercício dos direitos exclusivos conferidos pelo INPI, cabendo, unicamente, ao seu titu-lar a conveniência e relevância da manutenção de sua marca.

ação de nulidade

Sem o rigor técnico necessário, pode-se dizer que a ação de nulidade é a versão judicial do processo administrativo de nulidade.

É claro que essa possibilidade de reconhecimento da nulidade do ato concessivo do INPI, pela via judicial, possui uma infinidade de aspectos específicos e relevantes, não abrangidos pelo PAN, todavia, o que move essa ação é justamente o mesmo fundamento.

A previsão legal está no artigo 175 da LPI, que atribui a qualquer inte-ressado, inclusive o próprio INPI a legitimidade para propor a ação. Aliás, o INPI sempre fará parte da ação, seja no pólo ativo (por liberalidade), ou no pólo passivo (por imposição legal).

O prazo para ajuizamento da ação é de 5 (cinco) anos, contatos da con-cessão do registro e não é necessário que o interessado tenha tomado me-didas na esfera administrativa, contra a concessão do registro anulando.

A exemplo do que ocorre no PAN, os efeitos da decisão que declaram nulo o ato de concessão do registro pelo INPI são ex tunc e erga omnes, observadas as regras processuais cíveis quanto à execução de sentença.

No entanto, nesse caso o poder judiciário poderá suspender, até mesmo liminarmente, os efeitos da concessão do registro, e do próprio uso da marca, resultado que não pode ser alcançado com a via administrativa (PAN).

2.4 Direitos Autorais

Esse instituto visa à proteção dos direitos de autor sobre suas obras inte-lectuais que pode ser literárias, artísticas ou científicas.

Atualmente, essa matéria é regulada pela Lei no. 9.610 de 19 de Feve-reiro de 1998, além de disposições previstas no art. 5º, incisos XXVII e

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275PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO

XXVIII da Constituição Federal. A lei brasileira abriga, sob a denomina-ção direitos autorais, os direitos de autor propriamente ditos, bem como os direitos conexos – que protegem intérpretes, executantes, produtores e empresas de radiodifusão.

Além disso, a lei deixa claro que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. Os direitos morais de natureza pessoal são inalienáveis e irrenunciáveis e estão listados de forma exaustiva na re-ferida lei. Os direitos patrimoniais listados de forma exemplificativa na Lei de Direitos Autorais são, por outro lado, relativos à utilização econômica da obra intelectual, sendo do autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor dos mesmos.

obras intelectuais passíveis de proteção

De acordo com o art. 7 da Lei de Direitos Autorais, são passíveis de proteção as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. Devem, portanto, ser obras originais, exteriorizadas das mais diversas formas, sejam músicas, obras literárias, dramáticas, audiovisuais, arquitetônicas, desenhos, programas de computador, etc.

Vale ressaltar ainda que a proteção aos direitos autorais independe de registro, podendo, no entanto, ser requerido seu registro de forma facultativa junto à Biblioteca Nacional ou à Escola Nacional de Belas Artes, através de procedimento extremamente simples e sem exame de mérito.

Direitos patrimoniais e limitações ao Direitos Autorais

Conforme exposto acima, os direitos patrimoniais do autor referem-se à utilização econômica da obra intelectual, sendo do autor o direito exclu-sivo de utilizar, fruir e dispor dos mesmos. Dessa forma, sua utilização requer autorização prévia e expressa do autor.

A Lei no. 9.610 exemplifica tais direitos em seu Capítulo III e determina sua vigência, dentre eles destacamos os direitos de reprodução, direito de distribuição, direito de edição, execução pública, etc.

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276 LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA / CLARISSA CASTRO JAEGGER

Nesse contexto e muito embora a proteção dos direitos autorais recaia sobre criações intelectuais, a lei impõe limitações a sua utilização evitan-do abuso por parte dos seus titulares e impedindo que esse direito tenha caráter absoluto12.

Tais limitações estão exaustivamente previstas nos artigos 46 a 48 da lei vigente e constituem verdadeiras autorizações legais para o uso de obras protegidas de terceiros.

vigência

No Brasil, a proteção aos direitos sobre obras intelectuais é conferida a pessoas físicas e jurídicas. Dessa forma, a proteção às obras artisticas, científicas e literárias é garantia ao longo de toda a vida dos autores, sendo seus direitos autorais transmissíveis aos sucessores por causa mortis.

Aos sucessores a perda dos direitos autorais expira somente setenta anos após a morte do autor, tal como indica o artigo 41 da Lei no. 9.610.

Após esse período, as obras entram em domínio público quando pode ser utilizada por todos sem prévia autorização, juntando-se às criações de autores sem sucessores e/ou autores desconhecidos.

12 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. P. 256 e 257

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lIcItaÇÕes PÚBlIcas e coNtrataÇÃo coM a adMINIstraÇÃo PÚBlIca

No BrasIl

Cauê vecchia luzia(*)

[email protected]. Mestrando em Direito do Estado pela UFSC. Especialista m Direito Público pelo CESUSC

Carolina Sena vieira(*)

[email protected]. Mestranda em Direito do Estado pela UFSC. Especialista m Direito Tributário pelo IBET. Professora

do Curso de Direito do CESUSC

gustavo amorim(*)

[email protected]. Especialista m Direito Tributário pela Fundação Boiteux/UFSC

(*) Sócios integrantes do escritório Farah, Gomes e Silva Advogados (aliado em Florianópolis/SC)”.

1. noçõeS intRodutóRiaS

No âmbito de atuação do Poder Público, a estruturação de um mínimo organizacional do Estado torna, imprescindível, a realização de atividades que permitam a prestação de serviços públicos e o funcionamento da buro-cracia estatal. Para tanto, dentre um sem-número de providências, tem-se a contratação de particulares como um dos instrumentos mais utilizados.

Paralelo a isso, as relações negociais apontam para uma interdepen-dência entre as pessoas e, por óbvio, o Estado encontra-se inserido neste contexto. Com efeito, quanto mais constantes e corriqueiras forem essas relações, mais se torna necessária a conceituação sobre temas que venham a intermediar a aproximação entre os agentes destas negociações.

A Administração Pública, sendo expressão da atividade estatal, necessi-ta interagir e celebrar negócios com os particulares.

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278 CAUÊ VECCHIA LUZIA/CAROLINA SENA VIEIRA/GUSTAVO AMORIM

Essa necessidade de travar relacionamento de interesses mútuos sub-mete-se, inexoravelmente, às regras gerais de trato da coisa pública, em especial aos princípios da isonomia e juridicidade. Como selecionar ade-quadamente a pessoa com a qual a Administração Pública irá contratar, é a pergunta de maior relevância frente aos deveres de impessoalidade e probidade.

Ademais, ressalvados casos excepcionais, as contratações públicas re-presentam volume significativo de relações. Os gastos e investimentos públicos são extremamente relevantes e ocupam parcela expressiva nas economias nacionais.

Todo esse contexto traz consigo a necessidade de manter rigor na seleção dos particulares que serão agraciados com a prerrogativa de contratarem com o Poder Público.

A preocupação é efetivar um ponto de afirmação do regime de jurídico público nas relações em que Administração Pública participe. E esse reco-nhecimento é o passo inaugural para equilibrar a inquietação dos diversos interesses que circundam qualquer aproximação contratual, notadamente a necessidade de conciliar interesses sociais e econômicos.

De um lado, a Administração buscando realizar seus objetivos sociais ou organizar sua burocracia, e, de outro lado, os interesses privados presi-didos primordialmente por motivos econômicos.

Como ressalta Juan Alberto Martínez, o que se deve buscar é sempre uma integração mais eficiente entre o Poder Público e a iniciativa privada, buscando evitar, obrigatoriamente, que os regimes de seleção e contra-tação públicos sofram indesejáveis interferências totais ou parciais pelos aspectos patrimonialistas que imperam no regime jurídico privado1.

Enfim, há que prevalecer o regime jurídico público, de modo que não existam interferências relevantes do direito privado.

Assim como outras nações, o Brasil elegeu o processo licitatório como meio adequado a solucionar tais conflitos. Com isso, autorizou-se ao admi-

1 MARTÍNEZ, Juan Alberto. Apud: PEREIRA, César A. Guimarães. O Regime Ju-rídico das Licitações no Brasil e o Mercosul. REDE. Salvador: IBDP, n° 22, abril/maio/junho de 2010. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br> . Aces-so em: 17/08/2010.

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279LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO...

nistrador público a prerrogativa de lançar mão de processo licitatório para alcançar a contratação desejada.

Abstraindo incursões históricas, que não constituem objeto deste singe-lo estudo, atualmente o tema merece relevância constitucional, onde estão assentadas as premissas basilares do instituto jurídico.

2. Regime juRídiCo daS liCitaçõeS PúbliCaS

(a) Regime Constitucional:

Como diretriz básica, a competência legislativa em matéria de licita-ções públicas é detida concorrentemente pelos entes políticos, apesar de, ressalte-se, pertencem exclusivamente à União Federal o ônus de regular seus aspectos gerais. Tal repartição decorrer, quase que naturalmente, da composição federativa adotada pelo Estado Brasileiro e da consequente autonomia político-administrativo dada aos entes federados (União, Esta-dos, Distrito Federal e Municípios).

Neste sentido, o artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, su-prindo o silêncio de regimes anteriores, elencou expressamente a seguinte competência legiferante:

Art. 22. Compete privativamente à União Legislar sobre:...

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

Note-se que a competência delimitada sob o manto da exclusividade diz respeito apenas à normas gerais. Assim, também incumbe aos demais en-tes federados a legislatura específica sobre o tema, desde que respeitadas as condições gerais.

A repartição de competências encontra, também, sustentação noutros dispositivos do texto constitucional: na disposição residual descrita no ar-tigo 25, § 1°, em relação aos Estados; na regra de interesse local inserida no artigo 30, inciso I, para os Municípios; e, na equiparação contida no artigo 32, § 1°, em relação ao Distrito Federal.

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280 CAUÊ VECCHIA LUZIA/CAROLINA SENA VIEIRA/GUSTAVO AMORIM

Ademais, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, que explorem atividades econômicas, poderão contar com regramento licitató-rio próprio, sujeitos exclusivamente aos princípios da administração públi-ca, conforme regra do artigo 173, § 1°, inciso III, do texto constitucional. Referido regramento diferenciado poderá ser inserido no estatuto jurídico da entidade.

Em teoria, essa difusão de competências poderia representar dificulda-des para compreender o instituto. Entretanto, na prática, a compreensão ampla independe de grandes investigações, principalmente porque a Lei instituída pela União Federal, abarcando tanto normas gerais como regra-mento específico para suas entidades, vem sendo amplamente utilizada pe-las diversas esferas governamentais, como será abordado posteriormente.

Como segunda diretriz básica, o texto constitucional também traça li-nhas gerais sobre a licitação pública propriamente dita, afirmando a essen-cialidade da existência de processo licitatório precedente às contratações administrativas. E o faz através da regra descrita no artigo 37, inciso XXI, nos seguintes termos:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, ser-viços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os con-correntes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Esses traços fundamentais dados pela indigitada regra permitem ressaltar, desde logo, alguns aspectos norteadores do regime licitatório no Brasil.

O primeiro deles reside na obrigatoriedade do procedimento, dispon-do que as contratações realizadas pela Administração Pública deverão ser precedidas de processo de licitação, salvo disposições legais. A essenciali-dade se repete no texto do artigo 175 da Constituição Federa, determinan-do que as concessões ou permissões contratadas junto ao Poder Público serão efetivadas “sempre através de licitação”, sendo, portanto, incisiva a aplicação destas normas.

Além disso, a norma fixa a primazia da igualdade de condições como um dos pilares do regime em questão. Em razão desse preceito, torna-se

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necessário que a legislação infraconstitucional discipline de forma deta-lhada os requisitos necessários e as condições em que as propostas serão avaliadas.

Em terceiro lugar, a consagração da manutenção das condições efetivas da proposta durante a integralidade da vigência contratual. Aliás, talvez um dos grandes diferenciais do regime licitatório brasileira seja, exata-mente, a proteção constitucional ao equilíbrio da equação econômico-fi-nanceira da relação, trazendo, como grande benefício, uma perspectiva de segurança aos licitantes quando da apresentação de suas propostas.

Ao final, o dispositivo estabelece uma limitação à exigências excessivas e desnecessárias, afirmando que a Administração Pública deve preocupar-se em exigir apenas as condições de habilitação indispensáveis a demons-trar capacidade operacional e executiva dos licitantes. Veda-se o excesso para garantir a mais ampla competitividade.

(b) Regime Legal:

Fazendo uso da atribuição outorgada pela Constituição Federal, a União editou a Lei Federal n° 8.666, de 21 de junho de 1993, cujo teor “regula-menta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”.

Posteriormente e de forma complementar ao regime legal existente, a União editou a Lei Federal n° 10.520, de 17 de julho de 2002, que “institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá ou-tras providências”.

O conteúdo daquelas leis não se limita apenas às normas gerais como aludido pelo artigo 22, inciso XXVII, da carta constitucional, mas, tam-bém, contempla normas específicas que devem ser obrigatoriamente ob-servadas pelas entidades vinculadas à esfera política federal e, de forma suplementar, pode ser observado pelos demais entes políticos que não pos-suam regramento próprio.

A Lei de Licitações e Contratos Administrativos, como usualmente chamada, estabeleceu o processo administrativo destinado à seleção do

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particular que irá contratar com o Poder Público. Na clássica acepção da doutrina, o regime jurídico das Licitações Pública é entendido como:

Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Adminis-tração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculados para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.2

E, com relação aos seus objetivos:

A licitação visa a alcançar duplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso (pois a instauração de competição entre os ofertantes preordena-se a isto) e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas governamentais pretendem realizar com os particulares.3

A despeito de algumas especificidades de alguns autores, a conceitua-ção do regime jurídico das licitações é bastante constante dentre os estu-diosos, que sempre procuram esmiuçar as diversas características deste procedimento complexo que é a licitação. Sem embargos, trata-se da forma mais equânime que encontrou o Estado em contratar, de maneira sempre a buscar a melhor proposta para a Administração Pública.

3. ComPReendendo o PRoCeSSo liCitatóRio

Como mencionado, a Administração Pública necessita celebrar contratos com entes privados e para fazê-lo deve preservar uma atuação íntegra. Isto porque, ao contrário dos particulares quando almejam realizar negócios, as contratações procedidas pelo Poder Público necessitam de um processo preliminar e suficientemente formal, com o intuito de afastar interesses pessoais dos administradores. Desta necessidade nasceu o instituto da li-citação pública.

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 247.3 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 481.

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283LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO...

Os princípios que harmonizam esta aproximação primária, antecesso-ra do negócio em si, são de suma relevância para que se tenha a justa e acertada medida de obrigações e deveres a serem contratados. Nesse contexto, a Lei de Licitações sustenta-se, dentre outros, em dois princípios primordiais, que devem irradiar seus comandos de otimização por todo o processo.

Inicialmente, o processo deve pautar-se pelo tratamento isonômico aos licitantes e entre eles. Em linhas gerais, o tratamento isonômico significa o livre acesso a todo e qualquer interessado que, preenchidos os requisitos indispensáveis à qualificação, tenham interesse em contratar com a Ad-ministração Pública. Ou seja, não se permite escolher um determinado particular à revelia do procedimento estabelecido.

Ao paralelo, além desse viés de garantia, a isonomia vista sob um en-foque subjetivo compreende o direito de cada particular de concorrer na disputa pela contratação administrativa.

O respeito à isonomia é o que dá suporte e legitimidade à Licitação Pública, pois, é através daquela que se pode contemplar com louvor a mo-ralidade, a impessoalidade, a eficiência e outros princípios e valores rela-cionados à Administração Pública4.

Cabe ressalvar, entretanto, que o tratamento isonômico não pressupõe a exclusão total de diferenciações. O simples fato de a Administração Públi-ca escolher, ao cabo do processo licitatório, um vencedor, já acarreta uma distinção entre os particulares. Mas esta medida de diferenciação é da pró-pria natureza do processo licitatório, de modo que a existência distinções é indissociável sob esse ângulo5.

Também de forma tangencial, durante todo o processo licitatório, apre-senta-se de extrema relevância o princípio da seleção da proposta mais vantajosa, que é a própria razão de ser da licitação. Isto porque, o processo busca, exatamente, selecionar o particular que detenha as melhores condi-ções para realizar o objeto licitado, sem desatender às exigências pertinen-tes (boa técnica, qualidade, preço, etc.).

4 NIEBUHR, Joel de Menezes. Princípio da Isonomia na Licitação Pública. Florianópolis: Obra Jurídica, 2000, p. 74.

5 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, pp. 67/68.

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284 CAUÊ VECCHIA LUZIA/CAROLINA SENA VIEIRA/GUSTAVO AMORIM

A vantagem significa a expectativa de uma adequada e satisfatória rea-lização, através da execução contratual, do interesse almejado pelo Poder Público. O conceito decorre do próprio princípio da República, que recla-ma do governante a melhor gestão e administração dos recursos e interes-ses da nação.

A maior vantagem não se confunde com menor preço, ou seja, a propos-ta mais vantajosa não é, em absoluto, aquela de menor preço. Isto porque o conceito não deve ser compreendido unicamente sob a luz de um único critério, como, por exemplo, a economia.

Em matéria de licitações, mais vantajosa ao interesse público é a propos-ta que melhor conjugar os requisitos essenciais de aptidão e os critérios de julgamento da oferta, de forma a garantir a melhor medida entre onerosi-dade aos cofres públicos e qualidade da prestação6.

Nenhum desses dois pilares pode ser encarado isoladamente como ab-soluto em si mesmo. Ao contrário, um serve ao outro reciprocamente, na medida em que a probabilidade da Administração Pública receber propos-ta que lhe garanta maiores vantagens cresce paralelamente à amplitude do universo de participantes, que, por sua vez, é aumentada sempre que garantida a igualdade de acesso a todos os interessados.

(a) Processo Licitatório e suas Modalidades:

O Processo de Licitação compreende o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa pública, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, mediante ampla convocação para que quaisquer interessados apresentem suas propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados7.

O processo de licitação pública comporta duas fases distintas e relati-vamente autônomas, tendo início numa etapa interna, promovida exclusi-

6 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, pp. 63/65.

7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. pp. 479/481.

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vamente pelo ente público, e sendo concluída noutra etapa externa, com a participação de todos os interessados com habilidades para cumprir os requisitos mínimos exigidos.

O marco inicial do processo de licitação é a verificação, por parte da Administração Pública, da necessidade e conveniência da contratação. Sua continuidade se dá através da caracterização do objeto a ser contratado, seguindo da cotação estimada de seus custos e verificação da disponibili-dade financeira8.

Configurada como processo, a Licitação Pública admite variações pro-cedimentais de acordo com a importância e/ou, principalmente, valor do objeto pretendido. Surgem, então, as diversas modalidades de licitação, contemplando formas específicas de processamento, elementos integrais do processo e formalidades essenciais.

Nos termos do artigo 22 da Lei de Licitações e da inclusão trazida pela Lei do Pregão, a Administração Pública poderá lançar mão de seis modalidades licitatórias, devendo utilizar aquela condizente com o objeto licitado.

A forma mais simples é aquela denominada Convite, que consiste na espécie de licitação entre interessados do ramo pertinente, cadastrados ou não, escolhidos e convidados pela entidade licitante em número mínimo de três. Como requisito complementar, a Administração Pública deverá afixa-rá, em local visível dentro da unidade, cópia do instrumento convocatório para estender a qualquer interessado que se manifeste com antecedência de até vinte e quatro horas.

O Convite pode ser adotado para as obras e serviços de engenharia or-çados em até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), assim como para as demais contratações estimadas em até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Permite-se, ainda, o uso desta modalidade em Licitações internacionais quando não houver fornecedor no país, observados os valores descritos.

Outra modalidade, a tomada de Preços ocorre entre os interessados previamente cadastrados perante a entidade licitante, ou, ainda, aqueles que venham a atender as condições exigidas para cadastramento até o ter-ceiro dia anterior à data do recebimento das propostas.

8 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 5.

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Referida espécie tem aplicação para as contratações em engenharia es-timadas em até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) ou, ainda, nas demais licitações provisionadas em até R$ 650.000,00 (seiscen-tos e cinqüenta mil reais). Ou, ainda, a espécie tem lugar em Licitações de abrangência internacional se a entidade possuir cadastro de fornecedores com esta amplitude.

A Concorrência configura a modalidade mais complexa de licitação e, em seu turno, é realizada entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução do objeto. A espécie envolve as contratações mais importantes, sendo aberta com ampla publicidade para permitir a participação do maior número de interessados.

A forma complexa é obrigatória para todas as contratações orçadas aci-ma dos valores estabelecidos para a Tomada de Preços. Entretanto, referida modalidade é facultativa para toda e qualquer contratação.

O uso dessa modalidade também é obrigatória nas compras e alienações de bens imóveis, nas concessões e direito real de uso e, ainda, nos registros de preços, independentemente do valor estimado para o bem.

A Concorrência também foi eleita como obrigatória para o regime de concessão da prestação de serviços públicos, conforme artigos 2° e 14 da Lei Federal n° 8.987/95, sendo processada nos termos do regulamento pa-drão com alguns acréscimos, como a necessidade de especificação de me-tas e a indicação dos bens reversíveis.

No mesmo norte, também se tem como obrigatória a adoção da Concor-rência nos casos de contratação sob o regime de Parceria Público-Privada, por força do artigo 10 da Lei Federal n° 11.079/04, também com especifici-dades, como, por exemplo, a necessidade de especificação da contrapresta-ção pecuniária suportada pelo parceiro público.

Por último, as Licitações internacionais devem preferencialmente adotar a Concorrência.

O Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a insti-tuição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios e valores definidos no instrumento convocatório. A adoção desta modalida-

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de depende exclusivamente do objeto, sem qualquer condicionante relativa a valores.

Outra modalidade que independe de valores é o leilão, promovido para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imó-veis de valor inferior a R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais), a quem ofertar o maior lance.

Por fim, o Pregão compreende a modalidade licitatória destinada à aqui-sição de bens e serviços comuns, qualquer que seja o valor da contratação, sempre atrelado ao menor preço ofertado. Sempre que o bem ou serviço for comum, será obrigatória a adoção desta modalidade licitatória, dando preferência para sua realização na forma eletrônica.

Entretanto, a modalidade não poderá ser utilizada para contratações de obras de engenharia, bem como locações imobiliárias e alienações em geral.

A própria natureza do objeto submetido a esta modalidade licitatória – bens e serviços comuns – permite a identificação da maior vantagem sempre na proposta de menor custo. Nesse contexto, são considerados bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade pos-sam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

O Pregão pode ser realizado de forma presencial (Decreto Federal n° 3.555/02) em sessão pública, em local específico, presidida pelo Prego-eiro e auxiliada, quando necessário, pelos membros da equipe de apoio. Ou, ainda, pode ser realizada sob a forma eletrônica (Decreto Federal n° 5.450/05) por meio de sistema que permita a comunicação de dados pela internet.

O Pregão trouxe significativo diferencial para os processos licitatório, garantindo maior celeridade e competitividade nos certames. O elemento central destes benefícios e, ao mesmo tempo, principal diferencial desta modalidade em relação às outras, é a inversão das etapas procedimentos, ou seja, primeiro ocorre a classificação das propostas e realização de lances, para, posteriormente, realizar a habilitação apenas do licitante vencedor.

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(b) Instrumento Convocatório e Critérios de Julgamento:

Uma vez superadas as etapas iniciais do procedimento e eleita a moda-lidade de seu processamento, o encerramento da fase interna ocorre com a confecção e divulgação do instrumento convocatório, denominado Con-vite para a modalidade de mesmo nome ou Edital para as demais modali-dades.

O instrumento convocatório compreende a matriz embrionária da con-tratação administrativa, onde estão descritos os desejos da Administração Pública e as condições para a apresentação de propostas adequadas. O instrumento convocatório compreende, não apenas o documento de di-vulgação pública da Licitação, mas, também, representa “a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tantos os licitantes como a Administração que o expediu”9.

Um dos elementos centrais do instrumento convocatório é a definição do critério que será utilizado no julgamento das propostas. Vale dizer, o instrumento conterá os elementos que identificarão a proposta mais ade-quada e vantajosa ao interesse público.

Nos certames que envolvam a alienação de bens ou a concessões de direito real de uso, o julgamento das propostas deverá, obrigatoriamente, privilegiar o tipo maior lance ou oferta.

Noutro norte, as Licitações que tem como objeto serviços de natureza predominantemente intelectual, poderá ser escolhido como critério de jul-gamento o tipo melhor técnica ou o tipo técnica e preço. Aquele critério (melhor técnica) será processado através de uma negociação, que poderá ocorrer na sucessão da maior à menor nota técnica, para que se contrate o particular mais apto pelo valor da menor proposta. Ao passo que, este cri-tério (técnica e preço) aponta como mais vantajosa a proposta que obtenha a melhor média ponderada entre a qualificação e o preço.

Por fim, o critério do menor Preço, segundo o qual a proposta mais adequada para a Administração Pública será determinada pela oferta de menor preço.

9 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitações e Contratos Administrativos. 10ª ed. São Paulo: RT, 1991, p. 29.

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289LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO...

O instrumento convocatório e os critérios nele contidos demandam ob-servância bastante rigorosa durante o processamento da Licitação, tanto que informam dois princípios setoriais do procedimento, o da vinculação ao edital e o do julgamento objeto das propostas. A eventual inobservância destes princípios pode comprometer toda a lisura e legalidade do procedi-mento.

A fase externa da licitação, aquela de efetiva disputa entre os interessa-dos, é processada através de uma sequência ordenada de atos.

No caso das modalidades tradicionais (Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Concurso e Leilão), o processo tem início com a etapa de habili-tação dos interessados, que objetiva comprovar que os licitantes possuem aquelas condições indispensáveis ao cumprimento do contrato. Esta etapa compreende a habilitação jurídica, aptidão técnica, qualificação econômi-co-financeira, regularidade fiscal e atendimento à proibição de trabalhos de menores.

Os licitantes que não comprovem possuir as condições exigidas no ins-trumento convocatório serão inabilitados e, consequentemente, impedidos de participarem das demais etapas do processo.

Os particulares regularmente habilitados seguirão na disputa, passan-do á etapa de efetivo julgamento das propostas, conforme critério de jul-gamento eleito no instrumento convocatório. Essa etapa de julgamento poderá compreender uma aferição de pontuação técnica quando do tipo “melhor técnica” ou “técnica e preço”, ou poderá limitar-se à aferição e julgamento dos preços ofertados.

A proposta que melhor vantagem traga ao interesse público, ou seja, aquela que melhor satisfaça o critério de julgamento, será declarada ven-cedora do certame, garantindo ao proponente o direito lhe ser adjudicado o objeto licitado e a expectativa jurídica de uma contratação.

Por seu turno, a modalidade Pregão é processada em ordem inversa, iniciando com o julgamento das propostas de preços, com uma etapa de lances sucessivos entre os concorrentes, para a identificação da proposta vencedora (menor preço). Segue-se, então, à etapa de habilitação com a verificação dos documentos apenas do licitante vencedor.

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290 CAUÊ VECCHIA LUZIA/CAROLINA SENA VIEIRA/GUSTAVO AMORIM

(c) Tratamento de Licitantes Estrangeiros e Licitações com Recursos Estrangeiros:

Ponto específico a ser tratado diz respeito á participação estrangeira nas Licitações Públicas promovidas pelo governo brasileiro.

Em primeiro lugar, importante investigar sobre a existência – ou não – de preferências por licitantes ou produtos nacionais em detrimento de estrangeiros. O que, desde já, responde-se de forma negativa.

Não existe na legislação aplicável qualquer espécie de preterição do lici-tante ou produto estrangeiro. Ao contrário, no âmbito da Lei de Licitações “é vedado aos agentes públicos (...) estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer ou-tra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais”. (artigo 3°, § 1°, inciso II, Lei n° 8.666/93).

Em recente alteração legislativa, apenas como critério de desempate a Lei de Licitações passou a prever a preponderância de bens ou serviços produzidos no País, independentemente da nacionalidade do produtor ou prestador.

Assim como, também como critério de desempate, a Lei de Licitações garante preferência à pessoa que invista em pesquisa ou desenvolvimento tecnológico no País. Note que, neste caso, a regra pode beneficiar até mes-mo uma empresa estrangeira em detrimento de um concorrente nacional, caso apenas aquela realize investimentos tecnológicos.

No passado, até houve determinadas diferenciações em razão da na-cionalidade do licitante. Entretanto, essas distinções perderam seu funda-mento após a promulgação da Emenda Constitucional n° 6, de 1995, que suprimiu do ordenamento jurídico brasileiro o conceito de empresa nacio-nal. Em outras palavras, após a revisão do texto constitucional, não mais existem distinções em razão da nacionalidade ou bandeira da empresa.

Existem, sim, distinções relacionadas aos bens e serviços produzidos no País; mas isso independe da nacionalidade do empreendedor. Até mesmo uma empresa estrangeira, que possua um estabelecimento no País poderá ser beneficiada pela regra.

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291LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO...

Enfim, em todas as licitações são admitidos licitantes nacionais e estran-geiros e, mais, tradados de forma absolutamente isonômica e imparcial.

Noutro prisma, também cabe investigar a hipótese de contração de bem ou serviço financiada com recursos provenientes de agência de cooperação estrangeira ou organismo financeiro multilateral.

Em casos como estes, a legislação pátria admite considerável flexibili-zação. Isto porque, a Licitação poderá ser processada com observância das regras e procedimentos adotados pela entidade estrangeira ou multilateral, inclusive com relação aos critérios de julgamento e seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, podendo contemplar fatores mais abrangentes que o preço.

Como requisitos para a adoção de regras diferenciadas, estas devem ser condição indispensável para a concessão dos recursos, assim como não podem conflitar com o princípio do julgamento objetivo e, ainda, devem ser devidamente justificadas em processo administrativo.

4. aSPeCtoS deStaCadoS e ContemPoRâneoS

Após mais de quinze anos de vivência, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos vem passando por algumas alterações, das quais três me-recem maior destaque.

A primeira decorre do regime jurídico diferenciado dispensado às Mi-croempresas e Empresas de Pequeno Porte10, como parte integrante das políticas públicas de incentivo e favorecimento daquelas espécies empre-sariais. O advento da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006, ampliou e inaugurou uma séria de favorecimentos para aquelas em-presas, inclusive dedicando um capítulo específico de vantagens quando participantes de processos licitatórios.

10 Lei Complementar n° 123/06: Art. 3°. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de peque-

no porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I – no caso de microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);

II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

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292 CAUÊ VECCHIA LUZIA/CAROLINA SENA VIEIRA/GUSTAVO AMORIM

Dentre as inovações, a comprovação de regularidade fiscal das MEs e EPPs, como usualmente chamadas, terá lugar apenas quando da assina-tura do contrato, ou seja, apenas quando a empresa vencedora tenha essa qualidade.

Destaque-se que, em nenhum momento a Lei Complementar dispensa a apresentação das certidões fiscais. O que acontece é que as MEs ou EPPs não serão inabilitadas e excluídas do certame caso possuam pendência fiscais, pois a elas é dada a oportunidade de regularizar tais pendências fiscais até o momento de assinatura do contrato, caso venha a ser declarada vencedora do certame.

Outra significativa inovação reside na criação do denominado “empate ficto”, assim assegurado às MEs e EPPs:

Art. 44. Nas licitações será assegurado, como critério de desempate, preferên-cia de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1°. Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresenta-das pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam igual ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

§ 2°. Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1° deste artigo será de 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.

Em outras palavras, considera-se empate mesmo quando a proposta de uma ME ou EPP seja superior – em até 5% nos pregões ou até 10% nas demais modalidades – à proposta de empresa que não detenha essas condição. Nestes casos, será oportunizado à ME ou EPP a revisão de sua proposta para ofertar preço inferior àquela menor, garantindo-lhe a vitória no certame. Mas, caso a ME ou EPP não revise sua oferta, o objeto será adjudicado em favor daquela proposta originalmente ven-cedora.

O segundo aspecto contemporâneo e, por sua vez, mais recente de todos, remete às intenções governamentais de uniformização do processo licita-tório no âmbito do MERCOSUL, cuja preocupação vem sendo manifesta-da desde o ano de 1994 pelo Conselho do Mercado Comum.

Os objetivos dessas políticas multilaterais foram fixados em 1998, atra-vés da Resolução n° 34/98 do Grupo Mercado Comum, que fixou três di-retrizes básicas a serem adotadas, a saber:

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293LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO...

(a) estender aos bens e serviços produzidos em qualquer dos Estados Partes do MERCOSUL, o mesmo favorecimento dado a produtos nacionais;

(b) intenção de identificar os entes políticos e os bens e serviços abran-gidos no regime multilateral; e,

(c) transparência plena dos procedimentos, de forma a garantir e permi-tir o acesso às informações e exercício de direitos.

Importante destacar que os trabalhos do MERCOSUL vem adotando, em grande medida, os padrões brasileiros das Licitações Públicas, dando ênfase e buscando estender aos demais Estados-Partes os princípios adota-dos pela legislação brasileira ao regime jurídico licitatório.

Em boa medida, as diretrizes foram internalizadas no ordenamento ju-rídico brasileiro, através da Edição da Medida Provisória n° 495/10. Em al-guns casos, há um alargamento das diretrizes iniciais, como, por exemplo, a determinação de que os bens e serviços produzidos pelos Estados-Partes do MERCOSUL terão tratamento idêntico aos nacionais, que foi alargada através da abertura para que o Poder Executivo Federal estenda essa lista a com os quais o Brasil venha a assinar acordos de compras governamentais.

Por derradeiro, o terceiro aspecto de grande destaque reside na forte tendência de desburocratização e flexibilização do processo licitatório na-cional. A partir do gérmen iniciado com a inclusão expressa do princípio da eficiência no âmbito constitucional, aliado aos agradáveis resultados obtidos com o Pregão, criaram ambiente nitidamente favorável à revisão de alguns conceitos.

O gradual desapego às formas, com a conseqüente valorização do con-teúdo, permitiu o alcance de resultados mais vantajosos à Administração Pública, autorizando uma análise mais substancial no processo. Esses dois ideais representam relevantes avanços ao processo licitatório, inserindo-o no campo de um direito administrativo constitucionalizado, na medida em que abandona a concepção rígida de legalidade formal e privilegia a idéia da Constituição como sistema aberto de princípios11.

11 BINENBOJM, Gustavo A. A Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventá-rio de avanços e retrocessos. RERE, Salvador: IBDP, n° 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10/08/2010.

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294 CAUÊ VECCHIA LUZIA/CAROLINA SENA VIEIRA/GUSTAVO AMORIM

Em primeiro plano, a tendência de melhoramento do processo caminha no sentido de concretizar, para todas as modalidades, a inversão das etapas de aferição das ofertas, colocando a classificação dos preços em primeiro plano, para posterior aferição da habilitação tão somente do vencedor.

De imediato, já se vislumbra que esta simples inversão procedimento propiciou, sem suprimir nenhuma etapa, duas grandes vantagens. A pri-meira consiste na drástica redução do número de litígios paralelos ao cer-tame. A segunda foi a desburocratização do processo, através da redução do número de documentos que serão submetidos à análise.

Essa salutar medida, de inversão das etapas, já é realidade em diversos casos, constituindo regra obrigatória no caso dos pregões (Lei n° 10.520/02) e, ainda, regra facultativa no caso das concorrências para concessão e per-missão de serviços públicos (Lei n° 8.987/95) e das concorrências para contratação de parceria público-privada (Lei n° 11.079/04).

Em segundo plano, o que se busca prestigiar é a possibilidade de sanea-mento de erros materiais irrelevantes, como por exemplo, a falta de rubrica em um documento. E, como resulta prático imediato dessa orientação, o aumento da competitividade nos certames.

A inversão das etapas procedimentos e a permissão de saneamento de propostas já estão presentes em algumas leis locais de licitações, como nos Estados da Bahia (Lei Estadual n° 9.433/05), Sergipe (Lei Estadual n° 5.848/06), Paraná (Lei Estadual n° 15.340/06) e São Paulo (Lei Estadual n° 13.121/08).

Assim, visando incorporar tais avanços ao regulamento federal das Li-citações Públicas, há Projeto de Lei em tramitação buscando incorporar aquelas inovações ao texto da Lei Federal n° 8.666/93.

Exatamente nesse contexto, onde se procura soluções que empreguem conteúdo prático ao princípio da eficiência e uma boa gestão dos recursos e políticas, que as inovações vem sendo realizadas e recebidas no ordena-mento jurídico brasileiro.

RefeRênCiaS

BINENBOJM, Gustavo A. A Constitucionalização do Direito Administra-tivo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. RERE, Salvador:

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295LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO...

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coNcessÃo de serVIÇos PÚBlIcos e as ParcerIas PÚBlIco-PrIVadas (PPP)

Saulo baqueiro [email protected]. Bacharel em Direito pela Universidade Católica

do Salvador (UCSal). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia. Especializando em Direito do Estado pela Universidade

Federal da Bahia. Nogueira Reis Advogados (Aliado em Salvador/BA)

intRodução

A sociedade hodierna necessita que o Estado – entendendo-se este como União, Estados e Municípios – preste-lhe serviços essenciais e indispensá-veis à sua manutenção, o que envolve, muita vez, a necessidade de aporte de recurso de grande vulto, o que impede que o Estado, de per si, preste este serviços.

Desta forma, para a realização de obras públicas de grande vulto e a prestação de serviços públicos mais complexos, a Administração Pública poderá socorrer-se do setor privado para a consecução do interesse pú-blico, por meio das Parcerias Público-Privadas, instrumento legal apto à consecução deste fim, transferindo a incumbência de prestar ou executar alguns serviços públicos ao setor privado.

A esta transferência da incumbência de prestar um serviço público ou realizar uma obra público, denomina-se delegação, que se opera por uma concessão deste mesmo serviço ou obra públicos, sendo a delegação de prestação de serviço ou obra pública para que terceiro, pessoa jurídica ou consórcio de empresas, o execute em seu próprio nome, sempre mediante licitação, por sua conta e risco e por prazo determinado, assegurando-se ao concessionário uma remuneração, normalmente decorrente da tarifa paga pelos usuários, sem excluir outras fontes de remuneração indiretas.

Por meio da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, restou estabele-cida a possibilidade da Administração Pública firmar parcerias público-privadas, que nada mais são que um contrato administrativo de concessão,

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297CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS E AS PARCERIAS...

operando-se pela modalidade patrocinada ou administrativa, que envolve, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

Poderá se configurar a parceria público-privada, ainda, na modalidade de concessão administrativa, que é contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens, podendo ter como objeto, desta forma, a prestação de serviço público, como ocorre com uma concessão comum, ou a prestação de serviços de que a Adminis-tração seja a usuária direta ou indireta, que também pode, mas não neces-sariamente, corresponder a serviço público, institutos cujos traços gerais serão analisados neste trabalho.

a ConCeSSão de SeRviço PúbliCo

Conforme antecipado, a concessão de serviço público é a delegação de prestação de serviço ou obra pública, feita pelo poder concedente para que o execute em seu próprio nome, sempre mediante licitação pela moda-lidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado, assegurando ao concessionário uma remuneração por tarifa paga pelos usuários ou por outras fontes de remuneração indiretas. Apenas para se apartar a concessão da permissão, esta configura-se tam-bém como delegação de execução de serviço público, porém a título pre-cário, mas mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco, que possui caráter precário, sem prazo definido como ocorre com a concorrência.

Somente existirá concessão quando se tratar de serviço de titularidade do Estado, sempre assim definidos por lei e que permita sejam prestados por terceiros, pela qual se transfere ao concessionário a execução do ser-viço, continuando o Estado o titular deste mesmo serviço, o que lhe per-mite dispor do serviço de acordo com o interesse público, donde decorre sua principal prerrogativa, qual seja a possibilidade de alterar as cláusulas regulamentares do contrato ou rescindí-lo por motivo de interesse públi-co. Decorre deste ponto, também, que o poder concedente possui diver-

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298 SAULO BAQUEIRO CEREJO

sas prerrogativas públicas, como a possibilidade de alterar o contrato de concessão de forma unilateral, a utilização dos institutos de encampação, intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais da empresa concessionária, poder de direção e controle sobre a execução do serviço, poder sancionatório e poder de decretar a caducidade do contrato, sendo algumas destas adiante demonstradas.

O concessionário executa o serviço em seu próprio nome e corre os ris-cos normais da atividade, sujeitando-se a princípios essenciais à prestação de qualquer serviço público, como os princípios da continuidade, muta-bilidade, igualdade dos usuários e prestação de serviço adequado. Pelo princípio da continuidade, todo serviço público deve ser prestado de forma contínua, evitando-se quaisquer interrupções, salvo em situação de emer-gência ou após prévio aviso, quando motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações e, por inadimplemento do usuário, consi-derado o interesse da coletividade.

O serviço público prestado pela empresa concessionária deverá ser ade-quado, entendendo-se como adequado o serviço que satisfaça as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade – esta compreendida como a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do ser-viço – além da generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. Por sinal, os atributos de generalidade, cortesia e modicidade das tarifas leva-nos ao princípio da igualdade dos usuários, pelo qual se visa resguardar o acesso de toda a população que necessite ou queria usufruir de um serviço público, mediante a fixação de tarifas módicas e a expansão, sempre que possível, do serviço ofertado.

Visando o melhor meio de atingir o interesse público, o poder conceden-te poderá alterar unilateralmente o contrato de concessão, mesmo após sua formalização e iniciada obra pública ou a prestação do serviço público, o que se denomina mutabilidade. Contudo, deve lhe ser preservado, como garantia, o equilíbrio econômico do contrato de concessão, o que é reali-zado por meio da constante atualização do valor da remuneração recebida, seja a decorrente de tarifas, seja a decorrente de outras fontes de receita, tais como a possibilidade de aluguel de áreas internas do local da conces-são etc. Isto quer dizer que o poder público pode alterar unilateralmente

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299CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS E AS PARCERIAS...

o contrato, no tocante a como será prestado o serviço, mas não poderá alterar o objeto do contrato de concessão, além de assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, majorando a tarifa ou compensando financeiramente o concessionário, na forma do art. 11 da Lei nº 8.987/95, por meio de outras fontes provenientes de receitas alternativas, comple-mentares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, que serão obrigatoriamen-te consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

No que tange à extinção da concessão e decorrente de prerrogativa es-pecial do poder público concedente, este pode rescindir o contrato de con-cessão antes do prazo estabelecido, ao que se denomina encampação, que é a retomada do serviço pelo ente público quando a concessão revelar-se contrária ao interesse público, cabendo ao concessionário direito ao res-sarcimento dos prejuízos regularmente comprovados, na forma do art. 37 da Lei nº 8.987/95.

Na hipótese de eventual inadimplemento das obrigações contratuais, o poder público pode também rescindir o contrato de concessão, quando ocorrerá a denominada caducidade deste contrato e não caberá qualquer indenização ao concessionário, exceto no que tange à parcela não amorti-zada do capital, representada pelos equipamentos necessários à prestação do serviço e que serão revertidos ao poder concedente, sujeitando-se, ain-da, às penalidades administrativas cabíveis. São hipóteses de declaração de caducidade do contrato de concessão: (a) quando o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço; (b) quando a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; (c) quando a conces-sionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóte-ses decorrentes de caso fortuito ou força maior; (d) quando a concessioná-ria perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido; (e) quando a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos; (f) quando a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e (g) quando a concessio-nária for condenada em sentença transitada em julgado por sonegação de

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300 SAULO BAQUEIRO CEREJO

tributos, inclusive contribuições sociais, todas hipóteses previstas em lei, precisamente no art. 38, §1º, da Lei nº 8.987/95. Neste ponto é interessante destacar que a decretação de falência da concessionária acarretará na de-claração de caducidade da concessão, pois resume-se que a concessionária perdeu as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido, mas o pedido de recuperação judicial, na forma da Lei nº 11.101/05, não produzirá este efeito.

Todavia, esta rescisão não poderá ser efetuada de pronto e de forma automática; o art. 38, §2º, da Lei nº 8.987/95, exige que a declaração de caducidade seja previamente verificada da real inadimplência do conces-sionário em processo administrativo, no qual é assegurado o direito de ampla defesa, sendo que este processo somente poderá ser instaurado após a comunicação oficial à concessionária de seu eventual descumprimento de qualquer obrigação, de forma detalhada, inclusive com a concessão de prazo para que corrija as supostas falhas. Por fim, urge destacar que, de-clarada a caducidade, o poder concedente não será responsável em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária, limitando a indenização do poder público à parcela correspondente aos bens reversíveis e ainda não amortizados.

Outro ponto importante que decorre do poder de fiscalizar do poder público concedente é a possibilidade deste decretar uma intervenção na empresa concessionária, que não terá caráter de sanção ou punição, mas de averiguação, a fim de apurar eventuais irregularidades na prestação do serviço público, assegurar a continuidade do serviço e propor, ao fi-nal, medias necessárias e convenientes para este mister. Esta também não ocorre de forma automática, devendo o interventor, no prazo de trinta dias, instaurar procedimento administrativo destinado a apurar eventuais irre-gularidades, no qual a concessionária terá ciência de tudo o que for averi-guado e emitir defesa sobre o que for levantando, devendo ser concluído o procedimento no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção.

A propósito, interessa notar que o poder concedente, no exercício de sua prerrogativa de fiscalização, terá acesso aos dados relativos à administra-ção, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da conces-sionária, sendo esta fiscalização feita por intermédio de órgão técnico do

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301CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS E AS PARCERIAS...

poder concedente ou por entidade com ele conveniada e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de re-presentantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.

A concessão vincula o concessionário à prestação de serviço público ou realização de obra pública, podendo-se inferir que, em tese, o contrato de concessão não poderá ser transferido a terceiro. Entretanto, existem exceções a esta regra. A primeira diz respeito à possibilidade de subcon-cessão, na qual uma parte do próprio objeto da concessão é delegada para outra empresa – subconcessionária, que deverá ser autorizada pelo po-der público concedente e está sujeita a nova licitação, por concorrência, implicando ao subconcessionário a assunção de todos os direitos e obri-gações do subconcedente. Outra possibilidade é a subcontratação, que corresponde à terceirização de serviços ou obras ligados à concessão, não necessitando de procedimento de licitação, tampouco autorização do poder concedente. Por fim, tem-se a transferência da concessão, que significa a entrega do objeto da concessão a outra empresa, sendo neces-sário apenas a anuência do poder concedente, sob pena de declaração de caducidade da concessão, e que o pretendente satisfaça os requisitos de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal, necessárias à assunção do serviço, bem como comprometa-se a cumprir as cláusulas do contrato de concessão que está a assumir, sen-do desnecessário novo procedimento de licitação. É salutar destacar que esta hipótese não se confunde com a transferência do controle societário da empresa concessionária, eis que não existe alteração desta, sendo ne-cessária apenas prévia autorização do poder concedente e que a aludida transferência não afete as exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal fundamentais para a prestação do serviço ou conclusão da obra.

Caso seja necessário ao cumprimento do objeto do contrato de conces-são, o financiamento por terceiro, existe a possibilidade que o concessioná-rio ofereça como garantia os direitos emergentes da concessão, até o limite que não comprometa a operacionalização e a continuidade da prestação do serviço. Todavia, ao oferecer estes direitos, especialmente pecuniários, decorrentes da concessão, torna-se possível ao agente financiador assumir o controle da empresa concessionária, para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, o que não

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alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores perante o poder público concedente. E nos contratos de empréstimo com prazo su-perior a cinco anos, desde que destinados a investimentos relacionados ao contrato de concessão, permite-se que a concessionária cedam ao financia-dor, como garantia, não somente os direitos que eventualmente possuam, mas futuros créditos operacionais e desde que não afete a continuidade do serviço público.

À parte da extinção anormal do contrato de concessão, conforme expla-nado, extingue-se a concessão também por advento do termo contratual, anulação e falência ou extinção da empresa concessionária, sendo funda-mental destacar que a decretação de falência da concessionária acarretará na declaração de caducidade da concessão, mas o pedido de recuperação judicial, na forma da Lei nº 11.101/05, não produzirá este efeito. A extinção da concessão por anulação decorre da verificação posterior, pelo poder público concedente, de algum vício no procedimento de licitação ou na feitura do contrato administrativo de concessão e caberá indenização à empresa concessionária de quaisquer gastos que tenha efetuado, desde que não tenha dado azo à anulação.

Em qualquer hipótese de extinção, retornam ao poder concedente to-dos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessio-nário, conforme previsto no edital e estabelecido no contrato, havendo a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários, o que autori-za a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis. Esta reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.

Por fim, urge destacar que a responsabilidade por eventuais danos cau-sados a terceiros, em decorrência da execução do serviço público, espe-cialmente a usuários do serviço, é objetiva, tornado-a independente de culpa e serão suportados pela concessionária, que somente se eximirá se demonstrar a ausência do dano ou a falta de ligação causal entre o dano sofrido por terceiro e qualquer ato ou omissão sua.

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aS PaRCeRiaS PúbliCo-PRivadaS

Por meio da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, restou estabe-lecida a possibilidade da Administração Pública firmar parceria público-privada, que nada mais é que um contrato administrativo de concessão, operando-se pela modalidade patrocinada ou administrativa.

A parceria público-privada na modalidade de concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Por sua vez, a parceria pela modalidade de concessão administrativa é o con-trato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuá-ria direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens, podendo ter como objeto, desta forma, a prestação de serviço público, como ocorre com uma concessão comum, ou a prestação de serviços de que a Administração seja a usuária direta ou indireta, que também pode, mas não necessariamente, corresponder a serviço público. Pode-se dizer que a concessão administrativa constitui-se a um só tempo em empreitada, eis que o serviço, ainda que prestado a terceiros, é remune-rado pela própria administração pública e de concessão de serviço público, uma vez que o serviço prestado sujeita-se à muitas normas previstas para a concessão comum.

E não é todo contrato de prestação de serviço público ou de construção de obra pública que será possível fazer-se uma parceria público-privada, eis que a Lei nº 11.079, em seu art. 4º, vedou a celebração da parceria para contratos: (a) cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); (b) cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou (c) que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

Um traço marcante da distinção entre as duas modalidades de parceria público-privada é que na concessão patrocinada, a remuneração do par-ceiro privado (concessionária) compreende a tarifa do usuário e contra-prestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, ao tempo em que a remuneração do parceiro privado, na concessão administrativa, decorre exclusivamente da contraprestação pecuniária advinda do parcei-

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ro público. Esta contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por: ordem bancária; cessão de créditos não tributários; outorga de direitos em face da Administração Pública; outorga de direitos sobre bens públicos dominicais e outros meios admitidos em lei, podendo o contrato prever o pagamento ao parceiro pri-vado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade.

A concessão patrocinada possui um regime jurídico parcialmente dis-tinto do previsto à da concessão de serviço comum, especialmente pela previsão de remuneração do parceiro privado pelo parceiro público. Outra distinção fundamental é referente quanto à obrigatoriedade de constitui-ção de sociedade de propósito específico para implantar e gerir o objeto da parceria, que poderá assumir a forma de companhia aberta, com valo-res mobiliários admitidos a negociação no mercado e obedecer a padrões de governança corporativa, além de adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas. É importante destacar que é vedado à Adminis-tração Pública ser titular da maioria do capital votante destas sociedades, exceto à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Públi-co em caso de inadimplemento de contratos de financiamento. Porém, toda e qualquer transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato.

Na concessão patrocinada, diferentemente da concessão comum, as obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contra-to de parceria público-privada poderão ser garantidas: (a) mediante a vin-culação de receitas, salvo as decorrentes de impostos; (b) por instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; (c) por contratação de se-guro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; (d) garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; (e) garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade ou por (f) outros mecanismos admitidos em lei.

Outro aspecto marcante da concessão patrocinada é o compartilhamen-to de riscos e ganhos econômicos efetivos do parceiro privado, decorrentes

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da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado.

Na contratação de parceria público-privada, serão ainda observadas as seguintes diretrizes: (a) eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; (b) respeito aos interesses e di-reitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; (c) indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Es-tado; (d) responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; (e) transparência dos procedimentos e das decisões e (f) sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

As cláusulas dos contratos de parceria público-privada deverão prever o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investi-mentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cin-co) anos, incluindo eventual prorrogação, além das penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemen-to contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida e às obrigações assumidas.

Deverão constar no contrato de concessão, ainda, as formas de remune-ração e de atualização dos valores contratuais, baseadas em índices e fór-mulas matemáticas, quando houver, que serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresen-tação da fatura, razões fundamentadas para a rejeição da atualização; os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços; os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acio-namento da garantia; os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado; a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos e a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas.

No tocante às garantias dos financiadores, os contratos poderão prever, adicionalmente, os requisitos e condições em que o parceiro público auto-

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rizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, bem como a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública e a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.

Por meio do Decreto nº 5.385, de 2005, a União Federal criou o Comi-tê Gestor de Parceria Público-Privada Federal - CGP, nos termos do art. 14 da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que é integrado por um representante, titular e suplente, dos seguintes órgãos: I - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que o coordenará; II - Ministério da Fazenda; III - Casa Civil da Presidência da República, cabendo ao Minis-tro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão designar os membros do CGP, indicados pelos titulares dos órgãos referidos neste artigo.

O Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal possui competên-cia para: definir os serviços prioritários para execução no regime de parce-ria público-privada; disciplinar os procedimentos para celebração desses contratos; autorizar a abertura da licitação e aprovar seu edital e apreciar os relatórios de execução dos contratos.

O início de qualquer projeto de parceria público-privada competirá aos Ministérios e às Agências Reguladoras, nas suas respectivas áreas de com-petência, submetendo o edital de licitação ao referido órgão gestor e, pos-teriormente, proceder à licitação, acompanhando e fiscalizando os contra-tos de parceria público-privada.

A Lei nº 11.079 trouxe ainda a autorização para que a União, suas autarquias e fundações públicas participem, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parce-rias Público-Privadas – FGP, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais. Este fundo terá natureza privada e patrimônio próprio, separado do patrimônio dos cotistas, sendo sujeito a direitos e obrigações próprios.

A integralização das cotas do fundo poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive

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ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial e será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por propos-ta do Ministro da Fazenda.

O FGP será criado, administrado, gerido e representado judicial e extra-judicialmente por instituição financeira controlada, direta ou indiretamente, pela União e seu estatuto, bem como seu regulamento, serão aprovados em assembléia dos cotistas. As garantias do FGP serão prestadas proporcional-mente ao valor da participação de cada cotista, sendo vedada a concessão de garantia cujo valor presente líquido, somado ao das garantias anteriormente prestadas e demais obrigações, supere o ativo total do FGP, nas seguintes modalidades: fiança, sem benefício de ordem para o fiador; penhor de bens móveis ou de direitos integrantes do patrimônio do FGP, sem transferência da posse da coisa empenhada antes da execução da garantia; hipoteca de bens imóveis do patrimônio do FGP; alienação fiduciária, permanecendo a posse direta dos bens com o FGP ou com agente fiduciário por ele contrata-do antes da execução da garantia; outros contratos que produzam efeito de garantia, desde que não transfiram a titularidade ou posse direta dos bens ao parceiro privado antes da execução da garantia; garantia, real ou pessoal, vinculada a um patrimônio de afetação constituído em decorrência da sepa-ração de bens e direitos pertencentes ao FGP.

O FGP poderá ainda prestar contra-garantias a seguradoras, instituições financeiras e organismos internacionais que garantirem o cumprimento das obrigações pecuniárias dos cotistas em contratos de parceria público-privadas.

A quitação pelo parceiro público de cada parcela de débito garantido pelo FGP importará exoneração proporcional da garantia e no caso de cré-dito líquido e certo, constante de título exigível aceito e não pago pelo par-ceiro público, a garantia poderá ser acionada pelo parceiro privado a partir do 45o (quadragésimo quinto) dia do seu vencimento.

O parceiro privado poderá ainda acionar a garantia relativa a débitos constantes de faturas emitidas e ainda não aceitas pelo parceiro público, desde que, transcorridos mais de 90 (noventa) dias de seu vencimento, não tenha havido sua rejeição expressa por ato motivado.

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É importante notar que o FGP não pagará rendimentos a seus cotistas, assegurando-se a qualquer deles o direito de requerer o resgate total ou parcial de suas cotas, correspondente ao patrimônio ainda não utilizado para a concessão de garantias, fazendo-se a liquidação com base na situa-ção patrimonial do Fundo.

A dissolução do FGP, deliberada pela assembléia dos cotistas, ficará condicionada à prévia quitação da totalidade dos débitos garantidos ou liberação das garantias pelos credores e uma vez dissolvido o FGP, o seu patrimônio será rateado entre os cotistas, com base na situação patrimo-nial à data da dissolução.

Por fim, urge destacar que a União somente poderá contratar parceria público-privada quando a soma das despesas de caráter continuado deri-vadas do conjunto das parcerias já contratadas não tiver excedido, no ano anterior, a 1% (um por cento) da receita corrente líquida do exercício, e as despesas anuais dos contratos vigentes, nos 10 (dez) anos subsequentes, não excedam a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios.

ConCluSão

Conforme visto, a sociedade hodierna necessita que o Estado preste-lhe serviços essenciais e indispensáveis à sua manutenção, tais como servi-ços de segurança e saúde pública. A prestação destes serviços públicos pelo Estado pode ser feita diretamente por este ou pode-se transferir a incumbência de prestar ou executar alguns serviços públicos a terceiros, visando o melhor atendimento à população e a entrega de serviço público adequado.

Neste sentido, para a realização de obras públicas de grande vulto e a prestação de serviços públicos mais complexos, a Administração Pública poderá socorrer-se do setor privado para a consecução do interesse públi-co, configurado na entrega duma obra ou serviço adequado e especializa-do à população, satisfazendo-a plenamente.

E quando a obra ou serviço público importar na necessidade de mobili-zação de capital vultuoso, existe a possibilidade de ser firmada uma par-ceria público-privada, excelente meio para conseguir o mister pretendido

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pela Administração Pública – a consecução do interesse público, por meio da entrega de serviço adequado à população e a construção de obra pública de acordo com padrões internacionais de qualidade, tanto que a própria lei que instituiu e regulou as PPP, somente permite sua utilização quando o valor do contrato seja superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e o período de prestação do serviço não seja inferior a 5 (cinco) anos, desde que não tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o forne-cimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

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asPectos geraIs do dIreIto das relaÇÕes de coNsuMo No BrasIl

mário Roberto Pereira de araú[email protected] Advogado na área empresarial com

ênfase no Direito do Consumidor; Professor de Direito do Consumidor na Graduação e na Pós-Graduação; Palestrante em Congressos e Seminários na área do Direito do Consumidor; Titular do escritório Mário Roberto Pereira

de Araújo – Sociedade de Advogados (Aliado em Teresina/PI)

1. intRodução

O direito consumerista brasileiro é relativamente recente, tendo surgido tardiamente em relação ao dos países de primeiro mundo. Até o início da década de 90 não existia um diploma específico sobre a matéria, e as re-lações de consumo eram reguladas pelos Códigos Civil, Comercial e por leis esparsas.

Contudo, em 1990 foi elaborado o Código de Defesa do Consumidor – CDC, um evoluído sistema de proteção ao consumidor, que é um verda-deiro microssistema-jurídico. O CDC aborda diversas facetas das relações de consumo, desde a criação de órgãos de proteção ao consumidor, até a responsabilização civil, administrativa e penal de fornecedores que des-cumprirem as normas de consumo.

De fato, a própria Constituição Brasileira alçou a defesa do consumidor à condição de princípio basilar da Ordem Econômica ao inseri-la no rol do art. 270. Também a elevou à categoria de direito fundamental da pessoa humana, ao determinar, no art. 5º, que é dever do Estado Brasileiro promo-ver, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Todo o protecionismo da legislação consumerista brasileira parte do princípio de que o consumidor é a parte vulnerável da relação, visto seu desconhecimento técnico do produto e sua absoluta falta de controle sobre estes quando são postos no mercado. Dentre os aspectos mais vulneráveis do consumidor estão: a sujeição à publicidade enganosa e abusiva; a sub-

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missão às cláusulas impostas pelo fornecedor no contrato de adesão; e a possibilidade de ocorrência de vícios e defeitos do produto ou serviço, que podem inclusive lhe acarretar danos.

Diante de tal desequilíbrio entre consumidor e fornecedor, é necessá-ria a criação de regras mais benéficas ao primeiro, de forma a garantir a igualdade de forças entre as partes. Também se faz importante a presença do Estado Brasileiro no mercado de consumo para regular e fiscalizar a qualidade e segurança dos produtos e serviços disponibilizados.

Pelo princípio da Ação Governamental é dever do Estado promover a defesa do consumidor, inclusive facilitando seu acesso ao poder judiciá-rio. Assim, além da previsão de normas de direito material, que regem de forma geral o instituto das relações de consumo, há também a previsão de vários mecanismos que garantem efetivamente esta tutela.

Como exemplos de instrumentos utilizados pelo Poder Público atual-mente na promoção da defesa do consumidor estão a manutenção de as-sistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente e a insti-tuição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público. No último caso, a criação dos PROCONS se revelou um enorme sucesso na efetivação dos direitos consumeristas.

Os PROCONS são órgãos do Ministério Público especializados na de-fesa e proteção do consumidor. Atuam em diversas frentes: orientação e educação dos consumidores quantos aos seus direitos e deveres; fiscaliza-ção de eventuais violações de normas administrativas; e legitimação para a propositura de ações coletivas em matéria de consumo.

É fato que o CDC oferece uma gama de vantagens ao consumidor, mas assim o faz apenas por causa da vulnerabilidade daquele. Por isso, a apli-cação das normas do aludido diploma estão necessariamente adstritas a este tipo de relação contratual, em que uma parte está necessariamente em desvantagem em relação a outra. O Código de Defesa do Consumidor só será aplicado, portanto, em se tratando de relação de consumo.

2. CaRaCteRiZação da Relação de ConSumo

Relação de consumo é exclusivamente aquela desenvolvida entre um consumidor e um fornecedor, consistente na comercialização de produtos

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e serviços. É necessário, portanto, caracterizar e tecer breves comentários acerca do que seja consumidor, fornecedor, produtos e serviços.

Segundo o art.2º, do CDC, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Assim, não é considerado consumidor aquele que adquire ou utiliza produto para revender, transformar ou incorporar.

Também se discute se podem ser considerados consumidores aqueles que adquirem o produto ou serviço para fins profissionais. Neste caso, três critérios são adotados para se verificar a destinação final do produto:

1) Deve haver o desconhecimento do mecanismo de produção e fun-cionamento do produto por quem o adquiriu. Este critério frisa a importância do conceito de vulnerabilidade para definir quem é con-sumidor.

2) O produto deve estar disponível para a aquisição do público em ge-ral. Assim, não se poderia considerar que uma fábrica de aviões fos-se consumidora de uma mineradora, pois os minérios em seu estado bruto não estão disponíveis para a massa.

3) O produto não deve ser utilizado diretamente na atividade-fim de quem os adquiriu. Desta forma, não haveria relação de consumo en-tre uma companhia de táxis e uma revendedora de automóveis.

Em relação à possibilidade das pessoas jurídicas figurarem como consu-midoras, é necessário interpretar este dispositivo de acordo com o princí-pio da vulnerabilidade do consumidor e a conseqüente desvantagem deste na relação.

Assim, como explica José Reinaldo de Lima Lopes (1992:78-79), é pos-sível que uma pessoa jurídica seja consumidora em relação à outra, mas se faz necessário a presença de dois requisitos: primeiro, os bens adquiridos devem ser bens de consumo, e não de capital; segundo, deve haver entre fornecedor e consumidor um desequilíbrio que favoreça o primeiro.

Portanto, em uma relação contratual estabelecida entre pessoas jurídicas em que não haja uma posição de desvantagem de uma em relação à outra, o CDC não deverá ser utilizado, e as regras a serem observadas são as constantes do Código Civil ou Comercial.

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313ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL

Além disso, o CDC ainda estendeu o conceito de consumidor para além daquele que utiliza o produto ou serviço, prevendo casos de equiparação.

Para fins de responsabilização por danos provocados por defeito do pro-duto ou serviço, são considerados consumidores todas as vítimas do even-to. Da mesma forma, em se tratando de publicidade enganosa ou abusiva, toda pessoa que possa ser atingida pelo anúncio é legitimada como parte na relação de consumo. Por último, são ainda consideradas consumidoras todas as pessoas expostas à produtos e serviços que possam provocar risco à segurança e saúde.

Os dois últimos casos prevêem a coletividade indeterminada como con-sumidora. Na prática, isto significa que, nestes casos, o Ministério Público está legitimado a ajuizar uma ação contra os fornecedores em nome de toda a sociedade, mesmo que não chegue ao seu conhecimento a identida-de de alguém que realmente se sentiu ofendido.

Desta forma, o Código Consumerista protege não apenas o consumidor individual, mas também os direitos difusos e transindividuais da socieda-de coletiva.

O fornecedor, por sua vez, pode ser pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira e entes despersonalizados, que integre a linha de fornecimento do produto ou serviço, desde a produção até a etapa final de comercialização. Pode ser, portanto, tanto o fornecedor da maté-ria-prima, quanto o comerciante do produto final.

O consumidor pode demandar em juízo qualquer um e todos os forne-cedores, pois a responsabilização solidária é imprescindível para a efetiva proteção do consumidor.

Como objeto da relação de consumo estão os produtos e serviços. Os produtos podem ser móveis ou imóveis, materiais ou imateriais. Já servi-ços são quaisquer atividades oferecidas no mercado de consumo mediante remuneração, com exceção das de natureza trabalhista.

Importante ressaltar que a remuneração ao qual se refere o conceito anterior não é apenas pagamento em dinheiro. A remuneração pode ser indireta, ou estar embutida no preço do produto. Desta forma, eventuais serviços gratuitos tais como estacionamento, amostras e manobristas sub-metem-se às regras do CDC.

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314 MÁRIO ROBERTO PEREIRA DE ARAÚJO

3. ReSPonSabilidade do foRneCedoR

Sobre o instituto da responsabilidade civil, o Código Consumerista mais uma vez demonstrou a preocupação em proteger o consumidor dos possíveis danos provocados por defeito do produto ou serviço.

Em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade do fornece-dor é objetiva, ou seja, este terá o dever de indenizar o consumidor pelos danos provocados por seus produtos ou serviços, independentemente da existência de culpa. Esta culpa abrange tanto os conceitos de dolo, quanto os de negligência, imperícia e imprudência.

O instituto da responsabilidade objetiva se revelou um grande avanço no direito consumerista. Antes, a responsabilização do fornecedor se apurava mediante a comprovação de culpa, mas tal comprovação, no campo pro-cessual, era extremamente difícil. O consumidor, como parte vulnerável, tinha acesso restrito às provas, e muitas vezes, estas nem existiam mais. Na prática, dificilmente o fornecedor era responsabilizado.

Atualmente, como a culpa não é mais um dos elementos necessários para a responsabilização do fornecedor, basta que o consumidor comprove que adquiriu o produto ou serviço, e que sofreu um dano em decorrência deste, para ter garantido o seu direito à indenização.

Ressalte-se que, ainda assim, o consumidor tem o dever de provar os fatos que alega. O que não será necessário é demonstrar que o fornecedor agiu com negligência, imprudência ou imperícia.

O fornecedor, contudo, pode se eximir da responsabilidade se conseguir comprovar: a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; que não colo-cou o produto no mercado; que, tendo colocado, o defeito inexiste. Ainda assim, cabe ao fornecedor provar estas eximentes de responsabilidade.

Também é importante frizar que o CDC não contempla o caso fortuito e a força maior neste rol. Os prejuízos advindos nestes dois casos deverão ser suportados pelo fornecedor.

Ainda sobre a responsabilidade do fornecedor, vale ressaltar a existência de uma exceção. A culpa dos profissionais liberais é subjetiva, e não obje-tiva. Neste caso, é necessária a verificação de culpa para que haja o dever de indenizar.

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315ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL

Como dito anteriormente, a regra é a solidariedade de fornecedores na responsabilização civil. Desta forma, respondem conjuntamente pelos da-nos o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o im-portador.

O comerciante, entretanto, não responde de forma solidária pelos defei-tos do produto. Ele só irá ser responsabilizado se algum outro fornecedor não puder ser identificado ou se não tiver conservado adequadamente os produtos perecíveis.

Em qualquer caso, os fornecedores têm a possibilidade de ingressar pos-teriormente em juízo uns contra os outros para o ressarcimento de preju-ízos, via Ação Regressiva. É óbvio, contudo, que as leis utilizadas para resolver o litígio serão as do Código Civil, e não do consumidor.

Além da imputação da responsabilidade objetiva aos fornecedores, o CDC ainda trouxe mais uma inovação no campo processual da defesa do consumidor: a inversão do ônus da prova.

Em regra, no direito brasileiro, a prova dos fatos cabe a quem os alega. Assim, o autor deve provar a veracidade de suas alegações.

Contudo, a legislação consumerista trouxe a possibilidade inversão do ônus da prova. Basicamente, o consumidor não precisará provar o que ale-ga. Cabe ao fornecedor demonstrar o contrário. Se este não conseguir, en-tão se presumirá como verdadeiros os fatos alegados por aquele.

Por privilegiar o consumidor ao extremo, a inversão do ônus da prova não é regra. O juiz poderá deferi-la ante a existência de algum dos dois requisitos: a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança das ale-gações.

O consumidor hipossuficiente é aquele que tem a sua condição de vul-nerabilidade agravada por questões de ordem econômica ou intelectual. É o consumidor de baixa renda, que não teve acesso a uma educação privi-legiada, e, portanto, é ainda mais indefeso que os consumidores médios. Todos os consumidores são vulneráveis, mas só os mais desfavorecidos são também hipossuficientes.

Para satisfazer o requisito da verossimilhança, é necessário que da nar-ração dos fatos o juiz se convença que há uma grande probabilidade de existência do direito.

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316 MÁRIO ROBERTO PEREIRA DE ARAÚJO

A inversão do ônus da prova só será regra em se tratando de informa-ção publicitária. Neste caso, sempre caberá ao patrocinador da campanha provar a veracidade da informação veiculada. Por esta razão, os fornece-dores são obrigados a guardar os dados fáticos, técnicos e científicos da propaganda.

Na esteira do protecionismo, o CDC não poderia deixar de prever tam-bém o instituto da desconsideração da personalidade jurídica da empresa para fins de reparação de danos causados ao consumidor.

As pessoas jurídicas têm personalidade própria, dissociada das de seus diretores e representantes. Por isso, a regra no direito brasileiro é que o patrimônio dos sócios não pode ser alcançado para satisfazer as obrigações da pessoa jurídica.

Uma vez que esta impossibilidade de se atingir o patrimônio dos sócios prejudicava a satisfação dos direitos dos consumidores, o CDC previu a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica, e responsabilizar diretamente os sócios.

O Código do Consumidor, no art.28, elencou várias situações em que o juiz deverá tomar tal atitude. Como exemplos, há o estado de falência e de insolvência, o abuso de direito e o excesso de poder.

Mas é no §5º, do mencionado artigo, que o Código praticamente determina que sempre irá ocorrer a desconsideração da personali-dade jurídica. Aduz o referido parágrafo que “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que a sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

De fato, o Código do Consumidor foi por demasiado severo com os for-necedores ao transformar em regra o que deveria ser exceção.

4. PRoteção ContRatual

Um dos princípios basilares do direito civil é o que reconhece que o contrato faz lei entre as partes. Este princípio está muito ligado ao da auto-nomia da vontade. Conjugando ambos, temos que as partes são livres para contratar nos termos que desejarem e estes termos deverão ser respeitados como se fossem leis.

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317ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL

Contudo, a sociedade está em constante evolução, e o fornecimento de serviços e produtos em massa exige agilidade no momento de contratar. Neste aspecto, os contratos de adesão oferecem a rapidez e organização que os fornecedores necessitam no ato da contratação, mas prejudicam o direito do consumidor de conhecer plenamente as cláusulas obrigacionais e de modificá-las quando não se agrada.

Levando em consideração esta nova situação no direito obrigacional, em que a parte contraente pode não perceber inteiramente as implicações do contrato que está firmando, o CDC estabeleceu alguns princípios para proteger os consumidores no campo contratual.

Um dos princípios diz respeito à interpretação do contrato. Esta deve ser feita sempre da forma mais favorável ao consumidor. O outro trata sobre a possibilidade de mudança das cláusulas contratuais.

Este último princípio relativiza a autonomia da vontade, sendo possível, em vários casos, a anulação pelo juiz de cláusulas que estabeleçam obriga-ções desproporcionais e onerosas ao consumidor, tais como a incidência de juros muito elevados. Esta obrigação onerosa pode ser, inclusive, oriunda de um fato superveniente.

Além disto, o consumidor só estará obrigado em relação às cláusulas perfeitamente compreensíveis e legíveis. Um contrato redigido de forma a dificultar a compreensão do consumidor poderá ser inteira ou parcial-mente anulado ou modificado. Quanto às cláusulas limitadoras de direitos, estas precisam ser grafadas em destaque para obrigar o consumidor ao seu cumprimento.

5. PubliCidade

A publicidade representa o principal fator de estímulo ao consumo na socie-dade, por isso há uma rigorosa regulamentação desta no ordenamento brasilei-ro, como forma de proteger a sociedade de anúncios enganosos ou abusivos.

O princípio basilar da publicidade no ordenamento brasileiro é do da Ética, estando inclusive previsto na Constituição Federal, no art.37 e 221, inciso IV.

A propaganda de acordo com a ética é aquela de conteúdo verdadeiro e claro o suficiente para não induzir o consumidor em erro. Desta forma, não

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318 MÁRIO ROBERTO PEREIRA DE ARAÚJO

são admitidos anúncios com conteúdo ambíguo, discriminatório, ou que sejam, de qualquer forma, ofensivos à moral social.

A publicidade enganosa ou abusiva sofre sanções de ordem administra-tiva e penal. Administrativamente, a sanção mais gravosa é a imposição de uma contra-propaganda, que deve ser divulgada da mesma forma, freqü-ência e dimensão do anúncio abusivo, como forma de remediar o malefício causado. No campo penal, as sanções sempre cumulam detenção e multa.

Outro aspecto relevante sobre a publicidade é a sua natureza contratual. A partir do momento em que o fornecedor veicula uma oferta, está obriga-do a cumpri-la nos exatos moldes divulgados.

Inclusive, já houve casos em que um anúncio impresso de forma errada, em que o produto deveria custar, por exemplo, R$100,00, mas foi divul-gado como custando R$1,00, obrigou o fornecedor a vendê-lo pelo preço mais barato divulgado.

6. açõeS ColetivaS

Anteriormente, mencionamos que o CDC, além de proteger o consumi-dor individual, protege também os interesses da coletividade. Explica-se.

Algumas vezes, o produto ou serviço colocado no mercado causa da-nos a vários consumidores indeterminados, não sendo possível precisar exatamente todas as vítimas do evento. É o que ocorre, por exemplo, com medicamentos nocivos à saúdes disponibilizado em várias redes de far-mácia, ou então com serviços de telefonia em que as taxas cobradas são consideradas abusivas.

Nestes casos, o Código do Consumidor previu, no art.82, a possibilidade de pessoas legalmente legitimadas ajuizarem uma ação coletiva em nome de todas as possíveis vítimas do evento. São legitimados, dentre outros, o Ministério Público e as associações de defesa do consumidor.

A ação coletiva apresenta algumas vantagens em relação à ação indi-vidual. Juntos, os consumidores são mais fortes, pois há a conjugação de provas e uma maior visibilidade política, além da diminuição dos custos individuais. Em relação ao judiciário, há uma economia de tempo e a uni-formização das decisões.

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319ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL

A ação coletiva pode trazer o nome de algumas das vítimas do evento, mas este rol não é taxativo. Assim, outras pessoas que não tenham figu-rado na ação, mas que também tenham sofrido danos pelo mesmo fato, podem posteriormente ser inclusos no rol de consumidores aptos a serem indenizados.

Diante desta impossibilidade de se precisar todos os litigantes da ação, a sentença procedente da ação coletiva estabelece apenas uma condenação genérica do fornecedor. Isto significa que este terá a obrigação de indenizar todos os consumidores vítimas do evento, mas o valor desta indenização para cada indivíduo será estipulado posteriormente, conforme a extensão do dano sofrido no caso concreto.

6. ConCluSão

Como demonstrado, a defesa do consumidor está salvaguardada pela Constituição, e, portanto, a legislação específica tem a clara finalidade de proteger os interesses destes, criando regras e mecanismos que o benefi-ciem na relação do consumo.

O Código de Defesa do Consumidor forneceu os meios necessários para que o consumidor se tornasse mais consciente dos seus direitos. Assim, cresce o ingresso ao judiciário para responsabilizar os fornecedores por danos provocados por seus produtos e serviços, ao mesmo tempo em que há uma incessante procura pelos de maior qualidade.

Como conseqüência desta nova atitude do consumidor, os fornecedores precisaram se adequar às novas exigências da lei, condicionando as suas práticas comerciais aos princípios éticos e da boa-fé, tornando, inclusive, a concorrência mais saudável e leal. Além disto, os fornecedores nacionais agora têm mais chances de competir no mercado externo, pois estão ade-quados aos altos padrões de exigência internacional.

Por fim, a prosperidade do mercado de consumo fortalece a economia nacional, pois esta gira em torno basicamente da produção e comerciali-zação de bens e serviços. É uma regra básica: consumidores satisfeitos tendem a consumir mais.

Assim, apesar de à primeira vista parecer que a legislação consumerista brasileira favorece apenas o consumidor, uma análise mais profunda revela

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que há uma melhora nas relações de consumo como um todo, beneficiando to-dos os envolvidos: consumidores, fornecedores e a própria economia do país.

RefeRênCiaS bibliogRáfiCaS

CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. guia legal para o investidor estrangeiro no brasil, 8 ed., Imprensa Oficial do Es-tado de São Paulo, São Paulo, 2006FILOMENO, José Geraldo Brito. manual de direitos do Consumidor, 9 ed., Atlas, São Paulo, 2007NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de defesa do Consumidor, Saraiva, 2000GARCIA, Leonardo de Medeiros. direito do Consumidor, Impetus, Ni-terói – RJ, 2008.

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a arBItrageM No BrasIl

ana Paula Corrêa da Silveira [email protected]. Pós-graduada em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação Continuada PUC/MG. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela

Universidade Clássica de Lisboa. Sócia do Tostes & Coimbra Advogados

1. intRodução

A arbitragem é uma exceção ao monopólio estatal da jurisdição. Ná-dia de Araujo define a arbitragem , como “um meio jurídico de solução de controvérsias, presentes ou futuras, baseado na vontade das partes envolvidas, as quais elegem por si mesmas e diretamente, ou através de mecanismos por elas determinados, árbitros para serem os juízes da con-trovérsia, confiando-lhe a missão de decidir de forma obrigatória o litígio através da prolação de um laudo arbitral”1.

Esse método, que subtrai dos tribunais do Estado a decisão sobre deter-minados conflitos, tem sido cada vez mais utilizado em âmbito interna-cional, majoritariamente em disputas oriundas de transações comerciais, seguidas de conflitos nas áreas de construção, propriedade intelectual e joint ventures, conforme dados da PriceWaterHouseCoopers.

Estudo recente, elaborado pela White & Case em 20102, demonstra que 81% (oitenta e um por cento) das empresas pesquisadas possuem a política

1 ARAÚJO, Nádia de. A nova Lei de Arbitragem Brasileira e os princípios uni-formes dos contratos comerciais internacionais, elaborados pelo UNIDROIT. In CASELLA, Paulo Borba (Coord). Arbitragem – A Nova Lei Brasileira e a Praxe Internacional. 2º Ed. São Paulo: LTr, 1999, p.91.

2 WHITE & CASE. International arbitration: corporate attitudes and practices, 2010. Disponível em <http://www.whitecase.com/files/upload/fileRepository/2010-In-ternational-Arbitration-Survey-Choices-International-Arbitration.PDF>. Acesso em 04 de maio de 2011.

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interna de adotar, em seus contratos internacionais, cláusula que reme-te eventuais conflitos aoo tribunal arbitral no lugar do Poder Judiciário local/nacional. Além disso, 86% (oitenta e seis por cento) das empresas estão satisfeitas com as arbitragens internacionais, segundo pesquisa da PriceWaterHouseCoopers desenvolvida em 20083.

No Brasil, a arbitragem tem se consolidado como caminho inovador para a solução de disputas de forma rápida e eficaz, notadamente nos con-tratos internacionais. A prática da solução arbitral tem crescido de maneira vigorosa desde a promulgação da Lei Brasileira da Arbitragem, em 1996. Tanto é que o país alcançou, no ano de 2009, a quarta posição no ranking da International Chamber of Commerce – ICC entre os países que pos-suemmais partes em procedimentos arbitrais no mundo e a primeira posi-ção na América Latina4.

Esse crescimento contínuo tem como principais motivos a expansão da economia brasileira e a abertura comercial vivenciadas nas últimas déca-das, bem como do processo de desestatização da economia do país.

Ademais, o Poder Judiciário brasileiro passa por profunda crise, incapaz de solucionar, em virtude da ausência de estrutura física e humana adequa-das, os milhares de novos casos que lhe são submetidos.

2. evolução HiStóRiCa no bRaSil

A arbitragem surgiu no Brasil na sua primeira Constituição (1824), ainda durante o regime monárquico brasileiro. Naquele texto, restou estabelecido que as partes poderam nomear juízes-árbitros para solucionar litígios cíveis, sendo suas decisões executadas sem recurso, se previamente combinado.

3 PRICEWATERHOUSECOOPERS. International arbitration: corporate attitudes and practices. 2008. Disponível em <http://www.pwc.co.uk/pdf/PwC_Internatio-nal_Arbitration_2008.pdf>. Acesso em 04 de maio de 2011.

4 As estatísticas da ICC em relação ao ano de 2009 foram divulgadas pelo Sr. Em-manuel Jolivet, Conselheiro Geral da Corte Internacional de Arbitragem da ICC, e pelo Sr. José Ricardo Feris, Conselheiro da Secretaria da Corte Internacional de Arbitragem para a América Latina da ICC, respectivamente, durante o seminário “Opportunités et risques juridiques en matière d’investissements au Brésil”, e o Treinamento Avançado em Arbitragem Internacional (PIDA), ambos ocorridos na Sede do ICC em Paris, de 14 a 18 de Junho de 2010.

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323A ARBITRAGEM NO BRASIL

A primeira Constituição republicana (1891) não previu a arbitragem em âmbito particular, mas apenas entre Estados soberanos. O tema voltou a ser inserido no ordenamento jurídico brasileiro na Constituição de 1934, mas foi novamente esquecido nas Cartas de 1937, 1946 e 1967.

A atual Constituição brasileira de 1988 reinseriu a arbitragem na ordem jurídica nacional. Já no preâmbulo se prevê como fundamento da socie-dade brasileira o compromisso com a solução pacífica das controvérsias, tanto na ordem interna quanto na internacional.

No âmbito infraconstitucional, a primeira lei a tratar da arbitragem foi em 1831. O Código Comercial brasileiro de 1850 também previa a arbitra-gem para os conflitos existentes entre comerciantes. O Código de Processo Civil de 1939 regulou o tema, sendo que as disposições ali constantes fo-ram reproduzidas no atual CPC (1973).

No entanto, o marco da disciplina ocorreu em 1996, quando a arbitra-gem passou a ter regulação específica através da Lei 9.307/96. Essa lei permite a solução dos conflitos fora do âmbito do Poder Judiciário, que se limita a atuar no sentido de garantir o êxito da arbitragem como solução pacífica na área privada. Tal garantia se dá em dois momentos: na remessa ou instalação de um juízo arbitral no caso de existência de cláusula contra-tual com tal previsão e/ou na execução do laudo arbitral.

Nos últimos anos, os mecanismos de resolução de conflitos alternati-vos têm ganhado força e importância não só em razão da morosidade da Justiça brasileira, mas também pelo fato de que esses mecanismos trazem soluções mais negociais e convenientes. Além disso, o crescimento do co-mércio internacional brasileiro gerou a necessidade de decisões rápidas e eficientes, de forma a assegurar um ambiente mais seguro e propício aos negócios.

Desta forma, o sistema legal brasileiro se reestruturou, de modo a in-centivar a arbitragem como mecanismo alternativo de solução de conflitos. Além da entrada em vigor da lei específica supracitada, o Brasil ratificou, em 2002, a Convenção de Nova Iorque, assinada em 1958, que trata da homologação e do reconhecimento de laudos arbitrais estrangeiros. Esse tratado foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro logo em segui-da, garantindo que laudos arbitrais estrangeiros tenham validade no país, salvo se ofenderem a ordem pública. A ratificação desta convenção revela

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324 ANA PAULA CORRÊA DA SILVEIRA GOMES

o empenho do país em formar um ambiente propício e atrativo para a ado-ção da arbitragem.

Há outros diplomas legais que preveem uma maior utilização desse mo-delo de solução do conflito, inclusive na atuação conjunta entre os setores público e privado:

• A Lei 9.478/97, que dispõe sobre a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo e gás natural – con-cessão de exploração, desenvolvimento e produção, estabelece que o contrato de concessão terá como cláusulas essenciais “as regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional”.

• A Lei 10.233/01, que trata da reestruturação dos transportes aquavi-ário e terrestre, prevê que o contrato de concessão para a exploração de infraestrutura ou de prestação de serviços de transporte ferroviá-rio também terá como cláusulas essenciais “as regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, in-clusive conciliação e arbitragem”.

• A Lei 10.848/04, que cuida da comercialização de energia elétrica, determina que “as regras para a resolução das eventuais divergên-cias entre os agentes integrantes da CCEE [Câmara de Comercia-lização de Energia Elétrica] serão estabelecidas na convenção de comercialização e em seu estatuto social, que deverão tratar do me-canismo e da convenção de arbitragem”.

• A Lei 11.079/04, que institui normas gerais para licitação e contra-tação de Parcerias Público-Privadas (PPPs), prescreve a arbitragem como mecanismo privado de resolução de conflito a ser empregado para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

• A Lei 11.196/05 alterou a Lei de Concessões (Lei 8.987/95), para permitir que os contratos públicos de concessão possam dispor sobre a utilização de mecanismos privados de resolução de disputas advin-das ou relacionadas ao contrato, entre elas a arbitragem.

• A Lei 11.909/09, que discorre sobre as atividades relativas ao trans-porte, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseifi-

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325A ARBITRAGEM NO BRASIL

cação e comercialização de gás natural, estatui que o contrato de concessão de transporte de gás natural terá como cláusulas essen-ciais “as regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive conciliação e a arbitragem”.

3. a lei bRaSileiRa de aRbitRagem – lei 9.307/96

Inspirada na Model Law on International Commercial Arbitration5 da United Nations Commission on International Trade Law – UNCITRAL, a Lei 9.307/96 representou grande avanço no sistema de resolução alternati-va de conflitos. A lei brasileira dá grande importância à autonomia da von-tade, além de desburocratizar o procedimento arbitral até então vigente.

Quando de sua promulgação, discutiu-se se a lei violava o direito fun-damental previsto na Constituição de acesso a justiça. Contudo, a Lei de Arbitragem teve sua constitucionalidade reconhecida em 2001 pelo STF. A Suprema Corte considerou que, segundo o princípio da autonomia da von-tade, as partes são livres para renunciar ao processo judicial, escolhendo a arbitragem como meio de solução de disputas. Em outras palavras, cabe às partes optar entre o Poder Judiciário e a jurisdição privada para resolver conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

A lei, portanto, tem como base o princípio da autonomia da vonta-de. Assim, as partes podem escolher a modalidade da arbitragem, os árbitros, o direito processual aplicável, o direito material aplicável ao caso e o local da arbitragem. Verifica-se que a arbitragem possui um procedimento bastante flexível e dinâmico, cujo objetivo é a celeridade. A resolução do conflito através da arbitragem pode ser escolhida pelas partes, por meio da convenção de arbitragem, em dois momentos: (i) numa cláusula presente no contrato firmado entre elas – chamada cláusu-la compromissória; ou (ii) mediante um compromisso arbitral, antes do início dos procedimentos.

5 A lei modelo, adotada em 1985 e aditada em 2006, trata de todas as fases do proce-dimento arbitral, desde o compromisso arbitral até a execução da sentença arbitral. A UNCITRAL sugere a ampla utilização da lei, visando a uniformizar do tema, já que refletiu, na sua elaboração, um consenso em âmbito mundial em relação aos princípios e questões relevantes à arbitragem internacional.

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326 ANA PAULA CORRÊA DA SILVEIRA GOMES

As partes podem nomear um ou mais árbitros, sempre em número ím-par. Segundo a lei, o laudo arbitral deve ser emitido no prazo estipulado pelas partes. No silêncio delas, a sentença deve ser proferida, pelo menos tecnicamente, num prazo máximo de seis meses a contar da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro, de acordo com a Lei de Ar-bitragem6.

Essa lei igualou o status do laudo arbitral ao da sentença proferida no âmbito do Poder Judiciário, sem a necessidade de homologação pelo juiz, constituindo-se título executivo, se condenatório for. Isto significa que a sentença arbitral é uma decisão obrigatória, que vincula as partes de forma definitiva7. No entanto, diferentemente da sentença judicial, não são admi-tidos recursos contra o laudo arbitral.

O Poder Judiciário só interferirá nos casos em que a lei prevê a nulida-de da sentença arbitral. São eles: (i) o compromisso arbitral é nulo; (ii) a sentença foi emanada por quem não podia ser árbitro; (iii) a sentença não preenche os requisitos (relatório, fundamentação, dispositivo, data e local); (iv) a sentença ultrapassa os limites estabelecidos na convenção arbitral; (v) todo o litígio submetido não restar decidido; (vi) a sentença ter sido comprovadamente proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; (vii) a sentença foi proferida fora do prazo estipulado; e (viii) não forem observados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do seu livre convencimento.

Proferido e válido o laudo, se espontaneamente a parte vencida e conde-nada não o cumprir não tem o tribunal arbitral, porém, o poder de polícia para obrigar o vencido à entrega do bem tutelado. O tribunal arbitral não pode praticar os atos comuns à execução forçada: penhora expropriação,

6 “Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.Parágrafo único. As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.”

7 O Ministro Francisco Rezek ensina que “da arbitragem diz-se, com acerto, que é um mecanismo jurisdicional não judiciário” (REZEK, J. Francisco. Direito In-ternacional Público – Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 353). É ju-risdicional porque as decisões proferidas pelos árbitros são obrigatórias. Porém, não é judiciária porque a arbitragem não é implementada diretamente por órgãos judiciários permanentes.

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imposição de multas, entre outros. Estes atos continuam exclusivos do Es-tado, fazendo com que seja necessário recorrer ao juízo estatal para o cum-primento forçado do laudo.

4. inStituiçõeS aRbitRaiS no bRaSil

Quando da convenção arbitral, as partes devem escolher entre a arbitra-gem ad hoc e a arbitragem institucional.

A primeira modalidade se desenvolve sem qualquer vínculo com uma instituição específica. As arbitragens envolvendo valores menos expressi-vos tendem a adotar esse modelo. Contudo, quando o interesse econômico é mais expressivo, as empresas preferem adotar a arbitragem institucional, tendo em vista que as entidades responsáveis detêm experiência nesse tipo de processo.

A arbitragem institucional, portanto, é aquela que ocorre no âmbito das Instituições Arbitrais, instituições privadas que administram o procedi-mento arbitral, sem emitir qualquer julgamento sobre o conflito. Elas são responsáveis pela comunicação entre as partes e os árbitros, pelos docu-mentos e pelas providências em geral. Cada instituição tem um regula-mento, com as regras que devem ser obedecidas tanto pelas partes quanto pelo árbitro durante o processo.

A ICC – Internacional Chamber of Commerce é responsável por cer-ca de 70% da arbitragem internacional envolvendo partes brasileiras. Os 30% restantes são administrados por outras instituições internacionais, tais como a AAA – American Arbitration Association e a LCIA – London Court of International Arbitration, ou outras instituições. Câmaras arbi-trais regionais tem se tornado cada vez mais populares, principalmente dentre as empresas sul-americanas.

O Brasil possui instituições arbitrais que vêm obtendo reconhecimen-to no exterior. São algumas delas: a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo – CIESP, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá – CCBC, a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem, o Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos – AMCHAM e a Câmara Empresarial de Arbitragem da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo – Fecomércio Arbitral.

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328 ANA PAULA CORRÊA DA SILVEIRA GOMES

Algumas dessas instituições arbitrais brasileiras firmaram convênios com instituições estrangeiras, a exemplo da Fecomércio Arbitral, que assi-nou convênio com a Câmara Arbitral Internacional de Paris.

A definição, em uma convenção arbitral, da instituição que administra-rá o procedimento é de extrema importância, devendo ser levado em conta elementos como o regulamento, a estrutura, a experiência e os custos da respectiva entidade. Em contratos internacionais, outros fatores como a lo-calização geográfica da câmara, a composição de eventual lista de árbitros e a nacionalidade das partes envolvidas também não podem ser ignorados.

A convenção arbitral, portanto, é bastante técnica e sua discussão exige cautela. A consultoria de advogados especializados num momento anterior à negociação da arbitragem é interessante não só para fins de redação da cláusula arbitral, que possui conteúdo econômico, mas também no acom-panhamento do processo arbitral em si.

5. ReConHeCimento e exeCução de SentençaS aRbitRaiS eStRangeiRaS

O Brasil ratificou, em 2002, a Convenção de Nova Iorque de 19588. Tal Convenção é o diploma internacional multilateral mais importante no que se refere à arbitragem, não só pela sua amplitude mundial, mas também por ter tido enorme influência no desenvolvimento da arbitragem interna-cional, porquanto garante aos seus signatários a efetividade das sentenças arbitrais, através do procedimento de reconhecimento e execução.

Apesar da Lei da Arbitragem já trazer disposições sobre o reconheci-mento e homologação de decisões arbitrais estrangeiras, a ratificação da Convenção pelo Brasil, ainda que tardia, revela a consolidação do instituto no país, bem como aumenta a segurança jurídica de partes estrangeiras de participarem de procedimentos arbitrais com partes brasileiras.

Assim, quando uma sentença arbitral estrangeira deve ser executada no Brasil, faz-se necessário o seu reconhecimento no país, por meio de sua homologação pelo Supremo Tribunal Federal. Uma vez homologada pelo STF, a sentença arbitral passa a ter força de título executivo judicial, po-

8 O Decreto n. 4.311/02 promulga a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execu-ção de Sentenças Arbitrais Estrangeiras.

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329A ARBITRAGEM NO BRASIL

dendo ser executada no Brasil pelos tribunais estatais. Esclarece-se que a ratificação da Convenção pelo Brasil não dispensa a homologação da sentença arbitral pelo STF, tendo em vista que tal exigência decorre de previsão constitucional.

6. vantagenS da aRbitRagem

Entre a conciliação e a arbitragem, a conciliação é preferível à arbitra-gem na medida em que normalmente um acordo é mais rápido e barato do que uma longa demanda. No entanto, nem sempre o ambiente está propício para um entendimento entre as partes. Nesses casos, tornam-se necessá-rias as vias jurisdicionais: arbitral ou judiciária.

Além do formalismo, da publicidade, da lentidão e do custo, a via judici-ária é temida também pela falta de especialização do juiz para o conheci-mento do conflito. Assim, uma sentença judicial pode se caracterizar como de imprevisível desenlace, tecnicamente incorreta e cara. Muitas vezes fica o juiz, já assoberbado, dependente de peritos também assolados por outros vários trabalhos. Além da ausência de aptidão técnica (o juiz é um técnico do direito, e não das outras ciências), há ainda a questão do excesso de demandas x escassez de tempo.

Por outro lado, o procedimento arbitral é flexível e rápido. Trata-se de um procedimento que se desenvolve com discrição, atendendo aos interes-ses das partes, por razões mercantis e fiscais. Ademais, a escolha do árbi-tro, feita pelas partes ou por uma instituição arbitral responsável, garante a dedicação e a perícia.

Também é cediço que a arbitragem é mais célere , se comparada com o procedimento judiciário. O valor das custas judiciais varia de Estado para Estado, mas não é incomum que esse valor corresponda a um percentual do valor da causa. Se o valor da causa é alto, o valor das custas também o será. Normalmente, o dispêndio financeiro com a arbitragem é maior, porém sua rapidez e efetividade compensam o tempo de espera e incerteza em relação à ação que tramita no judiciário. Dez anos de espera por um julgamento pode significar bastante dinheiro que se perde ou que se deixa de receber. No caso da arbitragem, o valor também é variável. Em uma arbitragem institucional, por exemplo, costuma-se pagar não só por des-

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330 ANA PAULA CORRÊA DA SILVEIRA GOMES

pesas dos árbitros e peritos, mas também pelos serviços administrativos prestados pela instituição arbitral. Efetivamente, o custo de cada uma das vias só pode ser calculado após uma criteriosa análise.

Mas em relação à celeridade, não é necessária uma análise mais pro-funda. Indubitavelmente, o procedimento arbitral é mais rápido do que o judiciário, já que o processo arbitral evolui de acordo com as regras pro-cessais estabelecidas pelas partes. Além disso, a sentença arbitral é final, diferentemente da sentença judicial, que comporta recursos, o que pode atrasar, ainda mais, a solução da disputa.

7. ConCluSão

O processo arbitral tem evoluído de maneira exponencial no Brasil, fa-cilitando a inserção do país no comércio internacional. A consolidação desse instituto no ordenamento brasileiro é resultado de três marcos: (i) a promulgação da Lei Brasileira de Arbitragem, em 1996; (ii) o reconheci-mento, pelo Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade da referida lei, em 2001; e (iii) a ratificação da Convenção de Nova Iorque de 1958, em 2002.

Esses três fatos foram fundamentais para a ampliação da atuação do país em arbitragens internacionais, o que ajudou sobremaneira na solidifi-cação do instituto no ordenamento nacional. Hoje as empresas brasileiras não apenas têm buscado a solução arbitral no exterior e no Brasil, como possuem também, entre o staff das câmaras estrangeiras, juristas e exper-tos pátrios.

Além disso, o crescimento da demanda de contratos de infraestrutu-ra, joint ventures e parcerias público-privadas nos próximos anos abre espaço para uma aplicação cada vez maior do instituto da arbitragem no país.

8. bibliogRafia

ARAÚJO, Nádia de. A nova Lei de Arbitragem Brasileira e os princípios uniformes dos contratos comerciais internacionais, elaborados pelo UNI-DROIT. In CASSELA, Paulo Borba (Coord.). Arbitragem – A Nova Lei Brasileira e a Praxe Internacional. 2ª Ed. São Paulo: LTr, 1999.

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331A ARBITRAGEM NO BRASIL

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outu-bro de 1988.BRASIL, Decreto (Federal) n. 4.311, de 23 de julho de 2002.BRASIL, Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.BRASIL, Lei. n. 9.307, de 23 de setembro de 1996.BRASIL, Lei. n. 9.478, de 06 de agosto de 1997.BRASIL, Lei. n. 10.233, de 05 de junho de 2001.BRASIL, Lei n. 10.848, de 15 de março de 2004.BRASIL, Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004.BRASIL, Lei n. 11.196, de 11 de novembro de 2005.BRASIL, Lei n. 11.909, de 04 de março de 2009.BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Homologação de Sentença Estrangeira n. SE-AgReg 5206/EP–Espanha, Relator Min. Sepúlveda Per-tence. Acórdão de 12.12.2001. DJ 30.04.2004.CORREA-LIMA, Sergio Mourão. Convenção de Arbitragem. Tese de doutorado. Orientador: Prof. Dr. Aroldo Plínio Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 2001.PITOMBO, Eleonora; STETNER, Renato. A convenção de Nova Iorque: ratificação pelo Brasil. Disponível em <http://www.cbsg.com.br/pdf_publi-cacoes/a_convencao_de_nova_iorque.pdf> Acesso em 05 de maio de 2011.PRICEWATERHOUSECOOPERS. International arbitration: corporate atti-tudes and practices, 2008. Disponível em <http://www.pwc.co.uk/pdf/PwC_International_Arbitration_2008.pdf>. Acesso em 04 de maio de 2011.REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 1995. Site da International Chamber of Commerce – ICC (www.iccwbo.org) no dia 04 de maio de 2011.Site da United Nations Commission on International Trade Law – UNCI-TRAL (www.uncitral.org) no dia 04 de maio de 2011.STENGER, Irineu. Arbitragem comercial Internacional. São Paulo: LTr, 1996.WALD, Arnoldo. The Arbitration Review of the Americas 2011. Brazil. Disponível em <http://www.globalarbitrationreview.com/reviews/32/sec-tions/115/chapters/1203/brazil/> Acesso em 05 de maio de 2011.

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332 ANA PAULA CORRÊA DA SILVEIRA GOMES

WHITE & CASE. International arbitration: corporate attitudes and practices, 2010. Disponível em <http://www.whitecase.com/files/upload/fileRepository/2010-International-Arbitration-Survey-Choices-Internatio-nal-Arbitration.PDF>. Acesso em 04 de maio de 2011.

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Parte II

PrINcIPaIs Mercados

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a MINeraÇÃo No BrasIl – asPectos MaIs releVaNtes

Paulo Roberto Coimbra [email protected].

Professor de Direito Tributário da UFMG e do CEAJUFE. Doutor e Mestre em Direito pela UFMG Sócio do

Tostes & Coimbra Advogados

1. A VOCAÇÃO MINERÁRIA BRASILEIRA

Em virtude da crescente demanda por commodities minerais, grande destaque no cenário mundial recente foi reconquistado pela exploração mineral, especialmente sob a ótica do desenvolvimento socioeconômi-co dos países em cujo território são desenvolvidas as atividades de extração.

O Brasil, titular de extensão territorial e de geodiversidade privilegia-das, historicamente possui posição de relevância na indústria mundial de mineração. Em 2010, em notável recuperação da crise mundial ocorrida em 2009, a Produção Mineral Brasileira (PMB), estimada em US$35 bi-lhões, atingiu novo recorde, registrando um aumento de 45% em relação ao ano anterior. Estima-se que a PMB manterá um crescimento anual entre 10% a 15% nos próximos três anos.1

1 Segundo a 5ª. Edição do Estudo intitulado Informações e Análises da Economia Mineral Brasileira, promovido pelo IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração), de 2000 a 2008 houve um aumento de 250% na produção mineral brasileira. De 2008 para 2009, verificou-se um decréscimo de 14%, totalmente recuperado em 2010, como revela o gráfico transcrito. Estudo disponível em http://www.ibram.org.br/sites/1300/1382/00000957.pdf, acessado em 07/03/2011.

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335A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES

O Brasil é um importante player mundial no Setor Mineral. Titular de um dos maiores patrimônios minerais do planeta, estando entre um dos maiores produtores e exportadores de minérios.

No Brasil, os Estados em cujo território se concentra a indústria de ex-tração de minerais são Minas Gerais (MG) e Pará (PA), responsáveis, res-pectivamente por 48% e 28% da produção nacional.2 Certamente, por essa mesma razão, são os Estados que mais atraem investimentos no setor de pesquisa e processamento de minérios.

2 Ob et loc cit.

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336 PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

O interesse de empresas transnacionais e, mais recentemente, de fun-dos de investimento, pelo Setor Mineral Brasileiro decorre de sua Geo-diversidade e da qualidade de suas reservas, associadas ao crescimento pela demanda (nos mercados interno e externo) por commodities mi-nerais. As vantagens comparativas das jazidas brasileiras, estribadas na combinação de qualidade (volumes e teores), custo operacional e disponi-bilidade de energia, fornecem as condições básicas de competitividade ao País no mercado internacional.

Nota 3

Por tais razões, observa-se forte tendência de concentração no mercado brasileiro, onde ainda é predominante a presença de empresas de minera-ção de menor porte e com grande carência de investimentos e potencial de alavancagem. Nesse cenário, destaca-se a existência de muitas opor-

3 Sumário Mineral, 2009, DNPM.

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337A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES

tunidades e propensão para a concretização de operações de aquisições, fusões e formação de joint ventures.

Dentre as diversas conseqüências positivas da vocação brasileira para a indústria da mineração, merecem destaque no crescimento e na com-petitividade crescente da indústria de bens de capital brasileira voltados para a atividade de extração e processamento de minérios4, bem como na qualificação de mão de obra qualificada.5.

2. MARCO REGULATÓRIO

2.1 A propriedade do subsolo, do solo, das reservas minerais e do produto mineral extraído.

De acordo com a Constituição da República, o subsolo, inclusive os re-cursos minerais nele existentes, são bens da União. Desta forma, são considerados “bens públicos”, que podem ser classificados, segundo o Código Civil de 2002, como (i) bens de uso comum, assim entendidos aqueles destinados ao uso indistinto de todos, (ii) bens de uso especial, os quais são afetados a um serviço ou estabelecimento público, e os (iii) bens dominiais, que “são próprios do Estado como objeto de direito real”, não afetados e sobre os quais o Estado possui a senhoria, como qualquer proprietário particular6.

Os recursos minerais são considerados bens dominiais. Por sua pró-pria natureza, em virtude da ausência de qualquer destinação essencial ao Poder Público, e da necessidade de investimento de capital intensivo para

4 Os maiores players mundiais da cadeia de fornecimento de equipamentos e insumos para a indústria da mineração, bem como empresas de engenharia especializadas na infraestrutura e montagem de unidades produtivas (turn-key, built to suit, etc.) estão instaladas no país. A par disso, há diversas são as empresas locais dedicadas, há anos, a assegurar o fornecimento para as mineradoras.

5 A título exemplificativo, citem-se o tradicional curso de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), criado em 1875; e o Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2006, p. 867.

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338 PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

a pesquisa, abertura e exploração de lavras, podem e devem ser alienados pelo Estado. Com efeito, a viabilização de sua exploração, com a partici-pação do Estado no produto da lavra, mediante a cobrança de “royalties” intitulados CFEM (Compensação Financeira sobre a Exploração de Mine-rais)7, desde que adotadas as medidas voltadas à preservação ambiental, é entendido como um dever do Estado, de forma a converter tal riqueza natural em benefícios à sociedade.

Importante destacar, ainda que brevemente, serem distintas a propriedade do solo e a do subsolo. O solo, via de regra, é de propriedade particular, nos termos do Código Civil brasileiro. O subsolo, por sua vez, conforme já exposto, é de propriedade da União e pode ser explorado pelos parti-culares mediante concessão, permissão ou licenciamento8. Assim sendo, a propriedade do solo (de titularidade do superficiário) e a titularidade de autorização para pesquisa ou do direito de concessão para exploração (direitos minerários) não se confundem. Havendo titulares distintos, o superficiário não pode impedir que as atividades de pesquisa e de lavra autorizadas pelo Poder Público sejam desenvolvidas em sua propriedade, mas fará jus a percepção de royalties, como forma de indenização legal, correspondentes a cinquenta por cento do valor total de CFEM9.

O produto da lavra (minério extraído), por sua vez, é de propriedade do particular titular do direito minerário, seja de concessão, da permissão ou licenciamento. Assim, segundo a Constituição Brasileira, a reserva mineral, que era de propriedade da União enquanto disposta de forma bruta na natureza (no subsolo), após a atividade extrativista, uma vez extraída e convertida em produto mineral, passa a ser propriedade do particular. De se ver, mais uma vez, razões para a exigência da CFEM,

7 A CFEM será objeto de uma breve exposição mais adiante, neste capítulo. A res-peito do tema, vide nosso CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos e Minerais: Natureza Jurídica e Questões Correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010

8 Os diferentes regimes de exploração, comumente aludidos como direitos minerári-os (ou títulos minerários) serão abordados mais adiante (item 2.3 infra).

9 A participação (royalties) do superficiário corresponde a 50% dos royalties da Un-ião, intitulados CFEM, que variam em função do tipo de minério extraído e, atual-mente, pode chegar até 3% (a CFEM é objeto de item específico mais abaixo).

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339A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES

como forma de indenizar a dilapidação do patrimônio público através da retirada de bens naturais não renováveis de seu subsolo.

2.2 Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM

Em março de 1934 foi criado o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), então considerado um órgão integrante do Ministério da Agricultura, substituto da Diretoria-Geral de Pesquisas Científicas. Em 1992, com a recriação do Ministério de Minas e Energia, pela Medi-da Provisória nº 302, o DNPM se incorpora a esse ministério.

Apenas em 1994, com a edição da Lei nº 8.876, o DNPM foi transformado de autarquia pública federal vinculada ao Ministério das Minas e Energia, possuindo, desde então, autonomia patrimonial, administrativa e financeira.

O DNPM tem por finalidade “promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superinten-der as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional”. É o DNPM responsável pela emissão e registro dos direitos de pesquisa e de exploração de lavra, tendo também competência para fiscalizar o desenvolvimento das atividades de explora-ção de minérios, bem o cumprimento do plano econômico de aproveita-mento da lavra.

Atualmente, inserido na proposta de modificação do marco regulatório da mineração no Brasil, o Governo Federal tem a intenção de transfor-mar o DNPM em uma agência reguladora, de forma a lhe conferir maior autonomia e independência.

2.3. Direitos e títulos minerários

As espécies de direitos minerários (ou regimes de atividades minerado-ras), e seus respectivos títulos, são:

• Autorização: autoriza a fase de pesquisa mineral, cuja finalidade consiste na localização, qualificação e quantificação da substância mineral de interesse. Tem prazo pré-determinado, podendo ser obje-to de prorrogação. É concedida por ato administrativo de competên-

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340 PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

cia do Diretor-Geral do DNPM, consistente em alvará de pesquisa. Precede o Regime de Concessão (fase de lavra) que, para ser con-cedido, depende da demonstração (no relatório final de pesquisa) da exequibilidade técnico-econômica da lavra.

• Concessão: autoriza a fase de lavra ou o aproveitamento indus-trial da jazida cuja viabilidade técnica e econômica tenha sido demonstrada no relatório final de pesquisa. É concedida por ato do Ministro de Estado das Minas e Energia, mediante a expedição do título Portaria de Lavra. Outorga ao concessionário o direito de lavrar e comercializar o mineral extraído, conforme o plano de apro-veitamento econômico arquivado perante o DNPM.

Nota 10

• Permissão: o regime de permissão de Lavra Garimpeira autoriza o aproveitamento imediato de jazidas minerais garimpáveis (explorá-veis mediante processos mais rústicos ou artesanais), independen-temente de prévios trabalhos de pesquisa. É concedida pelo Dire-tor-Geral do DNPM, formalizado no título de Permissão de Lavra Garimpeira.

10 MineralNegócios – Guia do Investidor no Brasil. DNPM. 2006.

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341A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES

• Licenciamento: o regime de licenciamento autoriza o aproveitamento de substâncias minerais in natura de aplicação imediata na construção civil, e outras especificadas na legislação (ex.: areia, cascalho, saibro, rochas e argilas), independente de prévios trabalhos de pesquisa. Sua concessão, mediante licença(s), é condicionada à prévia autorização da atividade pelos órgãos municipais e de meio ambiente.

• Extração: o registro de extração autoriza o aproveitamento das substâncias minerais de emprego imediato na construção civil por órgão da Administração Direta ou Indireta da União, Estados, DF e Municípios para emprego exclusivo em obras públicas.

O Código Minerário Brasileiro (Decreto-Lei nº 227/67), para a concessão dos direitos minerários, adotou o chamado “direito de prioridade”. Por esse critério, o interessado que primeiro apresentar o requerimento de autoriza-ção (pesquisa), concessão (lavra), permissão (garimpo) ou licenciamento (emprego direto de certas substancias minerais na construção civil) e preen-cher os requisitos definidos em lei receberá o respectivo título minerário.

Antes de ocorrer a atividade extrativa, os recursos minerais são insus-cetíveis de qualquer valoração, porquanto se revela impossível qualquer aproveitamento econômico antes de sua extração da jazida. Neste diapa-são, considera-se ser o minerador o responsável pela atribuição de valor e utilidade econômica aos minerais, na medida em que aplica seus próprios recursos nas atividades de pesquisa (de alto risco) e de lavra. Por essa peculiar característica dos recursos minerais em relação aos demais bens públicos, somada aos investimentos intensivos jungidos à atividade mine-radora e ao seu alto risco, recorde-se, a Constituição Brasileira garante ao concessionário a propriedade do produto de sua lavra.

2.4 Licenciamento ambiental

Qualquer instalação de empreendimento ou atividade mineraria, en-quanto potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente deve ser necessariamente precedida do respectivo licenciamento ambiental. Após realização de audiências públicas, uma vez atendidas às condições previstas em lei, a licença deverá ser concedida pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA.

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342 PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Considera-se licenciamento ambiental o procedimento administrativo a partir do qual o “órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencial-mente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental”.11

Dentre as atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento am-biental, encontra-se, em sentido amplo, a “extração e tratamento de minerais”, compreendendo a pesquisa mineral com guia de utilização, a lavra a céu aberto, inclusive de aluvião, a lavra subterrânea com ou sem beneficiamento, a lavra garimpeira e a perfuração de poços e produção de petróleo e gás natural.

Por meio da licença ambiental, o órgão responsável define as condi-ções, restrições e medidas de controle ambiental necessárias para que o empreendedor possa localizar, instalar, operar e ampliar os empreendi-mentos ou atividades objeto do licenciamento. Essas licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, o que varia de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade.

Três são os tipos de licença ambiental, concedidos em sequência, a saber:

• A Licença Prévia (LP), concedida na fase inicial do planejamento do empreendimento ou atividade. Essa licença corresponde a uma aprovação da localização e concepção da atividade, confirmando a viabilidade ambiental e definindo os requisitos básicos e condicio-nantes que deverão, obrigatoriamente, ser atendidos nas próximas fases de sua implementação;

• A Licença de Instalação (LI) autoriza a instalação do empreendimen-to ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados. Nesse caso também há a definição de medidas de controle ambiental e condicionantes; e, por fim,

• A Licença de Operação (LO) autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a constatação do efetivo cumprimento das

11 Resolução CONAMA nº 237/1997, art. 1º, inciso I.

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343A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES

condicionantes previstas nas licenças anteriores. Além disso, novas medidas de controle ambiental e condicionantes podem ser erigidas para viabilizar a operação.

2.5 Proposta de mudança

O Ministério de Minas e Energia divulgou, em fevereiro de 2011, o Plano Nacional de Mineração – 2030, cujo objetivo é guiar as políticas de médio e longo prazos, a fim de que o setor mineral seja mais atrativo ao investimento de capital intensivo e se firme como um alicerce para o desenvolvimento sustentável do país nos próximos 20 anos.

Para tanto, o Plano Nacional de Mineração estabeleceu objetivos estraté-gicos, a serem alcançados através de programas e projetos, com a definição de metas e indicadores de acompanhamento, dentre os quais se destacam:

1) assegurar a governança pública eficaz do setor mineral;

2) garantir a ampliação do conhecimento geológico do território na-cional;

3) estabelecer diretrizes para minerais estratégicos;

4) estabelecer diretrizes para mineração em áreas com restrições legais;

5) ampliar os programas de formalização e fortalecimento de MPEs;

6) ampliar o conteúdo de P,D&I nas atividades de Geologia, Mine-ração e Transformação Mineral;

7) estimular programas de formação e qualificação de Recursos Hu-manos;

8) promover a ampliação de infraestrutura e logística;

9) promover a produção sustentável do setor mineral;

10) estimular a agregação de valor na cadeia produtiva de bens mine-rais com competitividade;

11) promover o desenvolvimento sustentável em regiões de base mine-radora.

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344 PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

Para o cumprimento dos objetivos supracitados, o governo brasileiro en-tende ser imprescindível a articulação governamental com o setor privado e a sociedade civil.

A Secretaria de Geologia Mineração e Transformação Mineral do Mi-nistério de Minas e Energia (SGM/MME), por sua vez, elaborou projeto de lei denominado de “Novo Marco Regulatório da Mineração”, cujos objetivos básicos são o fortalecimento da eficiência do Estado no proces-so regulatório, o estímulo ao aproveitamento das jazidas, às medidas de segurança nas minas e ao aumento do controle ambiental nas atividades extrativistas.

Ademais, o governo federal pretende atrair mais investimentos para o setor mineral e aumentar a atividade mineraria formal. Nesse sentido, ve-rifica-se a tendência de um cenário mais favorável à concorrência entre as empresas mineradoras e de maior estimulo ao desenvolvimento do merca-do nacional relacionado à mineração.

O projeto prevê a determinação de prazos fixos para pesquisa e exploração, além da maior fiscalização e verificação de gastos durante as pesquisas.

Caso seja aprovado tal qual como encaminhado pelo Poder Executivo, a autorização de pesquisa terá o prazo de 5 anos, prorrogável uma vez por até três anos, desde que o autorizado comprove a necessidade de realização de trabalhos complementares por meio de laudo técnico. Será obrigatória a apresentação de um relatório final, e, a partir da sua aprovação, iniciar-se-á a contagem do prazo de 1 ano para requerimento da lavra. O contrato de concessão de lavra possuirá, dentre outras cláusulas, a obrigação de o contratado assumir os riscos das atividades de aproveitamento mineral, o direito do contratado à propriedade do produto da lavra, definição dos procedimentos para acompanhamento e fiscalização das atividades de mi-neração e para auditoria do contrato e o prazo de vigência limitado a 35.

Ainda, caso aprovado o projeto de lei, o DNPM será transformado em Agência Reguladora, cujo objetivo será regular e fiscalizar a atividade mineraria com maior independência.12

12 Nos termos do projeto, os Diretores da Agência Brasileira de Mineração serão indi-cados pelo Presidente da República e autorizados pelo Senado Federal.

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345A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES

O Ministério de Minas e Energia ainda elaborou projeto de altera-ção das regras concernentes à CFEM, com o intuito de garantir a jus-ta redistribuição dos das receitas dela decorrentes entre todos os atores que compõem o setor minerário. Pretende-se alterar a forma de cálculo da CFEM, assim como as alíquotas para cada produto mineral, e in-crementar a fiscalização do recolhimento mediante o compartilhamento de informações entre os órgãos municipais, estaduais e federais, bem como pela atribuição exclusiva à nova agência reguladora (substituta do DNPM) da função fiscalizadora.

3. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELO RESULTADO DA ExPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS – CFEM

Desde os primórdios da civilização brasileira, diante da relevância da exploração mineral no cenário nacional, foram instituídos mecanismos que permitiam ao Estado participar do resultado das atividades envolven-do os recursos minerais. A referida participação já podia ser observada desde os tempos de Colônia, mediante a exigência, pela Coroa Portuguesa, do chamado “quinto do ouro”, previsto na legislação de 1603.

Diversas alterações legislativas e constitucionais acerca do tema sur-giram até ser consolidado o modelo atual de tributação dos recursos pro-venientes da exploração mineral. A Constituição da República de 1988 limitou a tributação do setor a, basicamente:

• Tributos indiretos (VAT):

o Imposto sobre a circulação de mercadorias (ICMS)13;

o Tributos sobre a receita bruta das empresas (COFINS e PIS)14;

• Tributos diretos:

13 Imposto não cumulativo (VAT estadual), de competência dos Estados, podendo suas alíquotas variar de um Estado para outro. Não incide sobre operações que des-tinem produtos e mercadorias ao exterior.

14 Tributos não cumulativos (VAT federal), de competência da União, cujas alíquotas, via de regra, somam o percentual de 9,25%. Também não incidem sobre operações de exportação, onerando tão somente as vendas para o mercado interno.

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346 PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

o Imposto sobre a renda (IR)15; e no caso de pessoas jurídicas,

o Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)16.

Parra viabilizar a participação do Estado na exploração dos recursos minerais (ou a compensação financeira por essa exploração) prevista na constituição da República17, o legislador infraconstitucional, instituiu a compensação financeira pelo resultado da exploração de recursos mine-rais – CFEM.18

A CFEM é devida a partir da saída, por venda, do produto mineral das áreas da extração ou o de quaisquer estabelecimentos do minerador, sem-pre após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação ndustrial.19

A alíquota da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM varia de 0,2% a 3%, de acordo com a substância mi-

15 De competência exclusiva da União, sua alíquota é de 15%, à qual se soma um adi-cional de 10% para o lucro anual que exceder o valor de R$240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais).

16 De exclusiva competência da União, sua alíquota é de 9% sobre o lucro líquido das pessoas jurídicas.

17 “Art. 20. (...) § 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Munic ípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo ter-ritório, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

18 Lei n. 7.990/89, posteriormente alterada e regulada, respectivamente, pela Lei n. 8.001/90 e Decreto n. 01/91.

19 Dec. nº 01/91: “Art. 15. Constitui fato gerador da compensação financeira devida pela exploração de recursos minerais a saída por venda do produto mineral das áreas da jazida, mina, salina ou de outros depósitos minerais de onde provêm, ou o de quaisquer estabelecimentos, sempre após a última etapa do processo de ben-eficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.

“Parágrafo único. Equipara-se à saída por venda o consumo ou a utilização da substância mineral em processo de industrialização realizado dentro das áreas da jazida, mina, salina ou outros depósitos minerais, suas áreas limítrofes ou ainda em qualquer estabelecimento.”

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347A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES

neral explorada20 e se aplica sobre o valor do faturamento líquido, assim entendido o total das receitas de venda do produto mineral, excluídos os tributos incidentes sobre sua comercialização, as despesas de transporte e as de seguros21.

Caso a substância mineral seja consumida, transformada ou utilizada pelo próprio titular dos direitos minerários, o faturamento líquido sobre o qual incidirá a exação será o valor total do produto mineral apurado até a data de elaboração do produto final, antes de sobre ele incidir o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.

A repartição das receitas auferidas pelo Estado com a arrecadação da CFEM se realiza na seguinte proporção:

• 23% para o Estado,

• 65% ao Município e

• 12% à Administração Pública Indireta da União (inclusive ao próprio DNPM, responsável pela fiscalização do recolhimento da CFEM).

20 Decreto nº 01/91: “Art. 13. A compensação financeira devida pelos detentores de direitos minerários a qualquer título, em decorrência da exploração de recursos minerais para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamen to líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.

§ 1º O percentual da compensação, de acordo com as classes de substâncias min-erais, será de: I – minério de alumínio, manganês, sal-gema e potássio: 3% (três por cento);

II – ferro, fertilizante, carvão e demais substâncias minerais: 2% (dois por cen-to), ressalvado o disposto no inciso IV deste artigo;

III – pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonados e metais nobres: 0,2% (dois décimos por cento);

IV – ouro: 1% (um por cento), quando extraído por empresas mineradoras, isentos os garimpeiros.”

21 Dec. nº 01/91: “Art. 14. Para efeito do disposto no artigo anterior, considera-se: II – faturamento líquido, o total das receitas de vendas excluídos os tributos

incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as de seguro;”

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348 PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Decreto (Federal) n. 62.934, de 2 de julho de 1968. BRASIL, De-creto (Federal) n. 01, de 11 de janeiro de 1991. BRASIL, Decreto (Federal) n. 3.358, de 2 de fevereiro de 2000.BRASIL, Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967 – Código de Minas.BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Economia Mi-neral do Brasil. Brasília: DNPM, 2009.BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. MineralNegócio. Guia do Investidor. Brasília: DNPM, 2006.BRASIL, Lei n. 7.990, de 28 de dezembro de 1989. BRASIL, Lei n. 8.001, de 13 de março de 1990. BRASIL, Lei n. 9.827, de 27 de agosto de 1999.BRASIL, Ministério de Minas e Energia. Plano Nacional de Mineração 2030. Brasília: MME, 2011.FREIRE, William. Direito Ambiental Aplicado á Mineração. Belo Ho-rizonte: Mineira, 2005.MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Org.). CFEM – Compensação Financei-ra pela Exploração de Recursos Minerais. Natureza Jurídica e Questões Correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010.Site do Departamento de Engenharia de Minas da UFOP (www.ufop.br/demin) no dia 25 de fevereiro de 2011.Site do DNPM (www.dnpm.gov.br), nos dias 30 de junho de 2010 e 06 de março de 2011.Site do DNPM – Superintendência de Pernambuco (www.dnpm-pe.gov.br), no dia 25 de fevereiro de 2011.Site da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) (www.poli.usp.br), no dia 25 de fevereiro de 2011.Site do IBRAM (www.ibram.org.br), nos dias 23 de fevereiro e 07 de mar-ço de 2011. Site do Ministério das Minas e Energia (www.mme.gov.br), nos dias 2 de julho de 2010 e 06 de março de 2011.

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o Mercado de eNergIa elÉtrIca No BrasIl

luiz geremias de aviz [email protected]. Ex-Superintendente de Assuntos Jurídicos

da Companhia Paranaense de Energia – Copel. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Sócio

responsável pela área de energia do escritório Hilú, Costódio Filho & Caron Baptista Sociedade de Advogados (Aliado em Curitiba/PR)

1. intRodução

O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, através da Reso-lução n. 005/2003, aprovou o Relatório “Proposta do Modelo Institucional do Setor Elétrico”, de 4 de julho de 2003, contendo as seguintes diretrizes básicas para sua implementação:

I) prevalência do conceito de serviço público para a produção e distri-buição de energia elétrica aos consumidores cativos;

II) modicidade tarifária;

III) restauração do planejamento da expansão do sistema;

IV) transparência no processo de licitação permitindo a contestação pública, por técnica e preço, das obras a serem licitadas;

V) mitigação dos riscos sistêmicos;

VI) manter a operação coordenada e centralizada necessária e inerente ao sistema hidrotérmico brasileiro;

VII) universalização do acesso e do uso dos serviços de eletricidade; e

VIII) modificação no processo de licitação da concessão do serviço pú-blico de geração priorizando a menor tarifa.

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350 LUIZ GEREMIAS DE AVIZ

Essas diretrizes se encontram consolidadas na legislação que decorreu do Relatório aprovado, conforme pode ser constatado do contido na Lei n. 10.848/2004 e no Decreto n. 5.163/2004, que a regulamentou.

Vinculadas à implementação e operacionalização do modelo aludido as instituições que conformam a estrutura básica setorial são as relacionadas e descritas no quadro a seguir:

Ministério de Minas e Energia – MME

O MME encarrega-se da formulação, do planejamen-to e da implementação de ações do governo federal no âmbito da política energética nacional.

Conselho nacional de Po-lítica energética – CnPe (Lei n. 9.478/1997)

Órgão de assessoramento do Presidente da Repúbli-ca para formulação de políticas nacionais e diretrizes de energia, que visa, dentre outros, o aproveitamento racional dos recursos energéticos do país, a revisão periódica da matriz energética e o estabelecimento de diretrizes para programas específicos. É órgão inter-ministerial presidido pelo Ministro de Minas e Energia – MME.

empresa de Pesquisa energética – ePe (Decre-to n. 5.184/2004)

Empresa pública federal vinculada ao MME. Tem por finalidade prestar serviços na área de estudos e pes-quisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético. Elabora os planos de expansão da geração e transmissão da energia elétrica.

Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE

Constituído no âmbito do MME e sob sua coordenação direta, tem a função de acompanhar e avaliar perma-nentemente a continuidade e a segurança do suprimen-to eletroenergético em todo o território do país.

operador nacional do Sistema elétrico – onS (Decreto n. 5.081/2004)

Pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sob regulação e fiscalização da ANEEL, responsável pelas atividades de coordenação e controle da operação da geração e da transmissão de energia elétrica do Sis-tema Interligado Nacional (SIN).

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351O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

Câmara de Comerciali-zação de energia elétri-ca – CCee (Decreto n. 5.177/2004)

Pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sob regulação e fiscalização da ANEEL, que tem a fi-nalidade de viabilizar a comercialização de energia elé-trica no SIN e de administrar os contratos de compra e venda de energia elétrica, sua contabilização e liqui-dação.

agência nacional de energia elétrica – ane-el (Lei n. 9.427/1996)

Autarquia sob regime especial, vinculada ao MME, tem a finalidade de regular e fiscalizar a produção, a trans-missão, a distribuição e a comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes da União Federal.

Em bases econômicas, o mercado de energia elétrica brasileiro pode ser compreendido a partir da segmentação das atividades abrangidas pelo De-creto n. 2655/1998, a saber:

Art 1º A exploração dos serviços e instalações de energia elétrica compreende as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização, as quais serão desenvolvidas na conformidade da le-gislação específica e do disposto neste regulamento. (Destaques acres-centados).

Em realidade esse é o primeiro ato normativo a formalizar a existência do segmento de comercialização de energia elétrica de forma autônoma.

A atividade de comercialização especificamente é conferida ao autori-zado na forma da Resolução n. 265/1998, expedida pela Aneel.

O presente visa oferecer elementos para compreender melhor o mer-cado de energia elétrica no Brasil e os seus segmentos específicos, bem como identificar os sujeitos de direitos e obrigações que orbitam no seu âmbito.

Considerado que a comercialização de energia elétrica entre concessio-nários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, se dá no Sistema In-terligado Nacional - SIN, mediante contratação regulada ou livre, incor-pora-se o SIN à análise em razão de ser elemento fundamental para que as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica se desenvolvam no país.

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352 LUIZ GEREMIAS DE AVIZ

2. geRação

O primeiro é o segmento da geração, também chamado de produção, processo através do qual transforma-se um outro tipo qualquer de energia em energia elétrica.

É o que dispõe o Decreto n. 41.019/1957, no artigo 3º: “o serviço de pro-dução de energia elétrica consiste na transformação em energia elétrica de qualquer outra forma de energia, seja qual for a sua origem”.

As fontes são variadas, sendo que a predominante no Brasil é a hídrica (atualmente cerca de 85% (oitenta e cinco por cento)), sendo a energia elé-trica obtida com a utilização da força das águas, através dos represamentos dos cursos d’água. Refere-se aos potenciais de energia hidráulica, cujos bens pertencem à União e constituem propriedade distinta da do solo.

As fontes térmicas para geração de energia elétrica podem ser dividi-das em convencionais, as mais comumente utilizadas, que são as que se baseiam na queima de combustíveis conhecidos e empregados há mais tempo, como o gás, o óleo e o carvão mineral, e outras, ditas não-conven-cionais como a decorrente da fissão nuclear. Esta, não convencional até porque merece tratamento restritivo previsto na Constituição Federal.

No desdobramento dos processos de geração térmica tem-se a chamada co-geração, que em termos técnicos, propicia o melhor aproveitamento tér-mico do combustível para a produção simultânea de energia elétrica e de vapor industrial. Os processos de co-geração são amplamente utilizados.

Muito em voga na atualidade, em face do apelo ambiental, são as chama-das fontes alternativas para geração de energia elétrica, a saber: a) eólica: baseada na força dos ventos; b) solar: obtida a partir do aproveitamento da luz e do calor do sol; c) biomassa: mediante o emprego de resíduos resultan-tes de processos de transformação naturais ou humanos, que ensejam, com sua queima, a produção de energia elétrica. Existem outras que poderiam ser mencionadas, como as marés e hidrogênio, mas ainda incipientes.

Cumpre aludir na sequência ao regime jurídico de exploração da gera-ção de energia elétrica.

Três regimes legais de produção de energia elétrica são identificados, sendo o primeiro consistente no regime de serviço público, voltado ao

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353O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

atendimento do publico em geral, de toda a sociedade. O segundo é o regi-me da autoprodução, explorado por quem deseja ou precisa autoconsumir, isto é, utilizar energia elétrica para finalidades próprias, comumente em atividades industriais. O terceiro é o regime da produção independente de energia elétrica, criado através da Lei n. 9.074/1995. É caracterizado como intermediário entre a concessão de serviço público e a autoprodução. En-volve tanto a possibilidade de comercialização da energia produzida como seu autoconsumo, estabelecendo a legislação que o titular da outorga assim qualificada é aquele que produz energia elétrica para consumo próprio ou para comercialização, por sua conta e risco.

A titulação das outorgas para cada um desses regimes se formaliza me-diante instrumentos de concessão ou autorização, não havendo no setor elétrico o uso da permissão para produção. Entretanto, aos aproveitamen-tos de pequeno porte para a geração de energia elétrica, assim os compre-endidos abaixo de 1MW (um megawatt) para a geração hídrica e os abaixo de 5MW (cinco megawatts) para a geração térmica, basta uma comunica-ção à Aneel.

O agente gerador caracterizado como de serviço público pode ser conces-sionário, autorizado ou titular de registro (comunicação) junto à Aneel.

Detém contratos de concessão de geração de energia elétrica que sofre-ram prorrogação de prazo conforme o Decreto n. 1717, de 1995.

Com o advento da Lei n. 10.848/2004 aqueles concessionários devem, por um lado informar oportunamente ao poder concedente a energia de que dispõem para fins de leilões de venda a serem realizados no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, e por outro lado, podem comercializar disponibilidades na mesma Câmara.

O agente gerador concessionário ou autorizado produtor independente de energia elétrica é conceituado como a “pessoa jurídica ou consórcio de empresas titular de concessão, permissão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produ-zida, por sua conta e risco”, conforme o contido no Decreto n. 2003/1996.

O mesmo Decreto n. 2003 define autoprodutor como a “pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo”, determinando que o aproveitamento de potencial hidráulico será outor-

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354 LUIZ GEREMIAS DE AVIZ

gado a título oneroso, cujos critérios, condições e forma de pagamento devidos deverão estar configurados no respectivo edital de licitação, sendo que a comercialização de energia elétrica (a contratação) dependerá dos contratos de concessão ou dos atos de outorga.

No que tange ainda à titulação das outorgas, estabelece o Decreto n. 2003/1996 que dependem de autorização a implantação de usina termelé-trica de potência superior a 5.000 kW, destinada a autoprodutor e a produ-tor independente, e o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 10.000 kW, por autoprodutor, en-quanto o aproveitamento de potencial hidráulico igual ou inferior a 1.000 kW e a implantação de usina termelétrica de potência igual ou inferior a 5.000 kW independem de concessão ou autorização, devendo, entretanto, ser comunicados para fins de registro.

A geração de energia elétrica no Brasil é caracterizada legalmente como sendo uma atividade competitiva, e não mais uma atividade regulada e pro-tegida. É o que determina o art. 2º. do Decreto n. 2655/1988: “As atividades de geração e de comercialização de energia elétrica, inclusive sua importa-ção e exportação, deverão ser exercidas em caráter competitivo, (...)”.

Portanto, os empreendedores de geração têm que competir no mercado para vender a sua energia, ou seja, têm que buscar vender pelo melhor pre-ço, uma vez que os geradores poderão comercializar energia no mercado regulado (ao agente de distribuição), mediante contratação precedida de leilão público, ou, se disponível, ao mercado de livre negociação.

2.1 Itaipu Binacional

A importância na menção não está apenas no fato de esta decorrer de tratamento legal especial, mas também no fato de que a sua produção constitui-se em cerca da quarta parte de toda a capacidade de geração de energia elétrica do País.

Trata-se de empresa binacional criada a partir de tratado celebrado en-tre Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973, aprovado pelo Decreto-Legis-lativo n. 23/73 e promulgado pelo Decreto n. 72.707/73, com o objetivo de realizar o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do rio Paraná pertencentes, em condomínio, aos dois países.

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355O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

Em 05 de julho de 1973, foi editada a Lei n. 5.899 dispondo sobre a aquisição dos serviços de eletricidade da usina de Itaipu, com base no su-pracitado Tratado, o qual estabeleceu o seguinte: (i) Furnas e Eletrosul, na qualidade de subsidiárias da Eletrobrás, ficaram designadas para a aquisi-ção da totalidade dos serviços de eletricidade de Itaipu (art. 4º); e (ii) algu-mas concessionárias de distribuição, expressamente nomeadas, deveriam celebrar contratos com Furnas ou Eletrosul para a utilização em conjunto da totalidade da potência contratada com Itaipu (art. 8º).

Por causa da legislação especial a comercialização de energia elétrica proveniente da Itaipu Binacional não se dá da forma usual operada no âmbito da CCEE, mas no âmbito da Centrais Elétricas Brasileiras S. A. – Eletrobrás..

No presente encontra-se em tramitação no Congresso Nacional Brasilei-ro proposição resultante de acordo entre os países para alterar o mencio-nado Tratado.

3. tRanSmiSSão

A transmissão é compreendida como a transferência por meios físicos da energia elétrica do sistema do produtor ao sistema de distribuição. Ou seja, a energia elétrica gerada (produzida) precisa ser levada aos locais de consumo.

Existem dois segmentos de transporte, diferenciados conforme o nível de tensão utilizada, sendo um o da transmissão, que na maior parte dos casos leva a energia da geração para o segmento seguinte que é o da dis-tribuição, e que também pode ser entendido como transporte, porém com características distintas.

A transmissão é feita através de linhas de transmissão, compostas por torres, cabos, isoladores e outros equipamentos, inclusive subestações, que operam com tensões médias, altas e extra-altas.

Conceitualmente, como sabido, a energia elétrica produzida não pode ser armazenada.

Beneficiado por sua geografia e recursos hídricos abundantes o Brasil construiu desde há muito um sistema de geração e transmissão de energia elétrica de base hidrotérmica de grande porte, com forte predominância de

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356 LUIZ GEREMIAS DE AVIZ

usinas hidrelétricas e com múltiplos proprietários, com tamanho e caracte-rísticas que permitem considerá-lo único em âmbito mundial.

Tem dimensão continental. Grandes usinas hidroelétricas distantes dos centros de carga (como São Paulo, por exemplo) são interligadas com lon-gas redes de transmissão, cujas instalações constituem a chamada “rede básica do sistema elétrico”, tratada na Lei n. 9.074/1995.

As usinas de geração hidroelétricas brasileiras estão localizadas em pelo menos 12 (doze) bacias hidrográficas. Estas, junto com a Itaipu Binacional, devem representar equilíbrio sistêmico no âmbito do Sistema Interligado Nacional – SIN, a que faz referência diretriz específica do CNPE mencio-nada ao início.

A estrutura do SIN, com suas usinas de geração, redes de transmissão e outras instalações correlatas, permite regular a vazão defluente das usinas rio acima. tornando a geração de energia elétrica em cadeia e otimizada, de forma a evitar que ocorra desperdício de água por vertimento.

Para tanto, torna-se imprescindível o sistema de transmissão que sus-tenta o SIN.

Por sua vez, a interligação das bacias hidrográficas faz com que a trans-missão de energia elétrica no SIN seja um fator de expansão da oferta de energia elétrica, já que permite a relocação da geração para as usinas onde, num certo período de tempo, haja melhor abastecimento de água aos reservatórios, retirando de atividade aquelas usina de geração com reser-vatórios de água com dificuldades de abastecimento.

Justamente pelo exposto o SIN é concebido para ser operado de modo integrado, e graças ao sistema de transmissão de grande porte que o integra através da mencionada “’rede básica de transmissão” a sua ope-ração foi definida e estruturada para funcionar segundo processo condo-minial, regido por normas técnicas e gerenciais severas sob fiscalização do CMSE e da Aneel. Por lei cumpre ao Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS referido ao início, a tarefa de coordenação e de controle o SIN.

Enfim, vale mencionar que a própria Lei n. 10.848/2004, em seu Art. 1º,. § 4o,, acabou por normatizar que na operação do Sistema Interligado Nacional – SIN serão considerados:

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357O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

I) otimização do uso dos recursos eletroenergéticos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econô-micas para o despacho das usinas;

II) as necessidades de energia dos agentes;

III) os mecanismos de segurança operativa, podendo incluir curvas de aversão ao risco de deficit de energia;

IV) as restrições de transmissão;

V) o custo do deficit de energia; e

VI) as interligações internacionais.

Considerada a multiplicidade de agentes setoriais transacionando energia elétrica no SIN, visa a lei assegurar que todos tenham garan-tido o direito de acesso às redes (conforme § 6º, do art. 15, da Lei n. 9074/1995, e Decreto n. 2655/1998), podendo optar pelo melhor forne-cimento de energia elétrica que o mercado ofereça, seja nos ambientes de contratação livre ou.regulada, pagando pelos encargos de uso cor-respondente.

No que respeita ao regime de exploração, a transmissão está submetida úni-ca e exclusivamente ao regime de serviço público, titulada sob concessão.

Importante característica da transmissão é que ela se constitui em ati-vidade neutra, isto é, não comercial e nem competitiva. Ocorre que a con-cessionária de transmissão não gera, não compra e nem vende energia elé-trica. Ela apenas realiza a transmissão de energia elétrica, caracterizada como um serviço, sendo que a remuneração por este é definida como preço público, isto é, tarifa de uso dos sistemas de transmissão e/ou de distribui-ção, reguladas e fixadas pela Aneel, em bases anuais, esob a denominação de receita anual permitida (RAP).

Existem no Brasil dezenas de concessionárias de transmissão. Não obstante as mais antigas titulares e algumas das principais serem esta-tais, é fato que com advento das necessárias expansões de instalações de transmissão no SIN, têm ingressado de forma expressiva agentes priva-dos arrematando leilões levados a efeito pelo poder concedente, a União Federal.

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358 LUIZ GEREMIAS DE AVIZ

4. diStRibuição

Como visto, a transmissão de energia elétrica é feita em tensões eleva-das, que não são as usuais para consumidores finais, não obstante existi-rem alguns grandes consumidores sendo supridos em tensões similares às da transmissão.

O comum é que consumidores finais sejam atendidos em tensões de for-necimento menores, em sistema capilarizado, que possibilite a circulação e entrega da energia elétrica. Neste segundo nível de transporte da energia elétrica há a caracterização do serviço de distribuição.

Além de levar energia elétrica aos consumidores finais (chamados cati-vos) de sua área de concessão agrupada, (a natureza da concessão de dis-tribuição é territorial), o agente de distribuição, como já referido no tópico sobre a transmissão, deverá observar o princípio do livre acesso às redes de sua titularidade, eis que também ele gerencia redes elétricas das quais dependem interessados em se conectar.

A partir da vigência da Lei n. 10.848/2004 o regime jurídico da explo-ração da atividade de distribuição sofreu alterações, definindo-se restrita-mente como de serviço público, inclusive para efeitos de comercialização da energia elétrica fornecida aos seus consumidores cativos, a qual passou a ser caracterizada como regulada, tanto na aquisição dos geradores (quando recebe suprimento), quanto no fornecimento aos seus consumidores finais.

A citada Lei n. 10.848/2004 dedica o art. 2º. integralmente à contratação regulada e portanto ao agente de distribuição, no que se refere ao suprimen-to, isto é, à aquisição de energia elétrica para revenda. Já o fornecimento aos consumidores finais está regulada na Resolução Aneel n. 456/2000 que estabelece as “Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica”.

Em sintonia com as diretrizes básicas ressaltadas ao início, estipula a Lei que os agentes de distribuição: (i) deverão garantir o atendimento à totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de licitação; e (ii) a contratação regulada deverá ser formalizada por meio de contratos bilaterais denominados Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado – CCEAR, celebrados entre cada concessionária ou autorizada de geração e todas as concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição.

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359O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

Ao agente de distribuição cumpre a exploração empresarial da atividade que compreende a concessão dos serviços públicos de distribuição de ener-gia elétrica que está definida no contrato ou no ato de outorga que celebrou ou detém com a União Federal.

São objeto das concessões territoriais reagrupadas, sendo o município, ou parte dele, a menor porção territorial de uma concessão individualizada.

É obrigatório, garantida a exclusividade, o atendimento a ser oferecido pela distribuidora na sua área territorial, ressalvado o atendimento a con-sumidores de energia elétrica que, por força de lei, são livres ou potencial-mente livres para adquirir energia elétrica de outro fornecedor.

A partir de 2004 a referida Lei n. 10.848 restringiu as atividades das concessionárias, e permissionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica que atuem no SIN, as quais não podem desenvolver ativi-dades de geração, de transmissão, de venda a consumidor livre e de parti-cipação em outras sociedades.

Por outro lado, pela mesma normatização, os agentes de distribuição com mercado próprio superior a 500 GWh/ano (quinhentos gigawatts hora ano) devem obrigatoriamente participar da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.

Ao agente de distribuição está afeta a chamada geração distribuída, que é regulamentada no Art. 14, do Decreto n 5.163/2004, nos seguintes termos: “a) considera-se geração distribuída a produção de energia elétrica prove-niente de empreendimentos de agentes concessionários, permissionários ou autorizados, conectados diretamente no sistema elétrico de distribuição do comprador, exceto aquela proveniente de empreendimento hidrelétrico com capacidade instalada superior a 30 MW (trinta megawatts), e termelé-trico, inclusive de co-geração, com eficiência energética inferior a setenta e cinco por cento, conforme regulação da ANEEL”.

A contratação de energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração distribuída não poderá exceder a dez por cento da carga do agente de distribuição.

Complementarmente à energia contratada no ambiente regulado, a partir do Decreto n. 6.353/2008, passou-se a contar com a contratação da chama-da energia de reserva. Seu objetivo é elevar a segurança no fornecimento

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360 LUIZ GEREMIAS DE AVIZ

de energia elétrica do SIN com energia proveniente de usinas especialmen-te contratadas para este fim.

Atualmente no Brasil são mais de 60 (sessenta) as concessionárias agen-tes de distribuição de energia elétrica, abrangendo toda área territorial do país, sendo usual a existência de uma delas com preponderância na atua-ção em cada estado membro da federação. Muitas dessas concessionárias passaram por procedimentos de “privatização” a partir da segunda metade dos anos 1990, decorrentes da reforma setorial ocorrida, conforme ampla legislação editada a partir do ano de 1995.

Em face da legislação e atuação da agência setorial de regulação e fis-calização, a Aneel, que por atribuição regulamentar passou a monitorar os contratos de concessão de distribuição celebrados com os agentes desse segmento, atualmente são acompanhados índices envolvendo a qualidade técnica do serviço de distribuição, reajustes e revisões tarifárias, satisfação dos consumidores, e outros.

5. ComeRCaliZação

Como já adiantado, a comercialização de energia elétrica por agente co-mercializador autônomo constitui-se em inovação setorial regulamentada com a Resolução Aneel n. 265/1998, após legislação autorizativa (Lei n. 9648/1998).

Esta atividade está sujeita ao regime competitivo, do qual diversos agen-tes podem participar. Relembre-se que as concessionárias de transmissão não podem comercializar energia elétrica, de modo a manter a neutralida-de setorial, enquanto que as concessionárias ou permissionárias de distri-buição podem comercializar apenas com seus consumidores ditos “cati-vos”, sendo também vedado a estas participar societariamente de empresas comercializadoras.

O que faz um agente comercializador?Atuam basicamente de três maneiras: (i) como “trader” na compra e

venda de energia elétrica em nome próprio, em mercados livres e organiza-dos, assumindo os riscos do mercado; (ii) como “broker” na intermediação das negociações e dos contatos entre o vendedor e o comprador, utilizando seus conhecimentos do mercado para gerar novos negócios; e (iii) como

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361O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

“dealer” representando outros agentes ou interessados em participar do mercado livre, associando a seus serviços outras utilidades e funcionalida-des, envolvendo a customização ou a personalização dos produtos típicos.

Ainda, atuam como consultores sobre o setor elétrico, analisando arran-jos comerciais de empreendimentos, auxiliando em negociações de finan-ciamentos, fazendo gerenciamento de risco.

A comercialização tem por objeto tanto o atendimento aos consumidores livres quanto a realização de negócios de compra e venda entre agentes se-toriais, não envolvidos com o uso final da energia. Nesta segunda hipótese o negócio pode decorrer de uma relação obrigacional direta entre dois agen-tes, um vendedor e outro comprador, por meio do que a legislação setorial denomina contrato bilateral, ou ser realizado sem contato direto entre eles, através da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.

Mas como ocorrem essas transações na CCEE?É o Decreto n. 5163/2004 que regulamenta a forma e a sistemática de

contratação regulada e livre e determina para qual dos ambientes da CCEE deve ser remetida a operação.

Tal contratação é afeta à CCEE segundo a convenção de comercializa-ção (aprovada através da Resolução ANEEL n. 109/2004), bem como das regras e procedimentos de comercialização que compõem a normatização da CCEE, também aprovados e fiscalizados pela Aneel.

Conforme o Decreto n. 5.163/2004 e a Convenção de Comercialização, entende-se como Ambiente de Contratação Regulada - ACR o segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de ener-gia elétrica entre agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas de licitação, ressalvados os casos previstos em lei, conforme regras e pro-cedimentos de comercialização específicos.

Igualmente compreendido no âmbito da CCEE o Ambiente de Contra-tação Livre - ACL é o segmento do mercado no qual se realizam as opera-ções de compra e venda de energia elétrica, objeto de contratos bilaterais livremente negociados, conforme regras e procedimentos de comercializa-ção específicos.

Quem usualmente se utiliza do agente comercializador, quando ele pró-prio não constitui uma comercilizadora, são os consumidores livres e os

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consumidores especiais, agentes fundamentais na consolidação do merca-do de livre contratação de energia elétrica

O consumidor livre é definido como: “aquele que, atendido em qual-quer tensão, tenha exercido a opção de compra de energia elétrica, con-forme definida nos arts. 15 e 16 da Lei n. 9.074/1995”. É o consumidor que adquire energia elétrica de qualquer fornecedor, conforme legislação e regulamentos específicos. Ou seja, são consumidores que, atendendo aos requisitos da legislação vigente, podem escolher seu fornecedor de energia elétrica (geradores e comercializadores) por meio de livre nego-ciação.

As condições para que o consumidor de energia elétrica possa se tornar livre, saindo do atendimento e fornecimento de energia elétrica pelo concessionário do serviço público de distribuição de energia elétrica são as seguintes: (1) se a data de ligação originária do consumidor ca-tivo junto ao agente de distribuição ocorreu antes de 08.07.1995 (data de publicação da Lei n. 9074/1995), a demanda mínima exigida para se tornar livre é de 3 mW (três megawatts) em tensão de 69 kv (ses-senta e nove quilovolts); (2) no caso de a data de ligação originária do consumidor cativo junto ao agente de distribuição ter ocorrido após 08.07.1995, a demanda mínima exigida é de 3 MW (três megawatts) em qualquer tensão.

Com a edição da Resolução Aneel n. 247/2006, passou a ser regulamen-tado o chamado Consumidor Especial, definido como consumidor respon-sável por unidade consumidora ou conjunto de unidades consumidoras do Grupo “A”, integrante(s) do mesmo submercado no Sistema Interligado Nacional - SIN, reunidas por comunhão de interesses de fato ou de direito, cuja carga seja maior ou igual a 500 kW (quinhentos quilowatts) e que po-dem adquirir energia de agente gerador incentivado.

As condições para tal comercialização é prevista na Lei n 9.427/1996 (Art. 26, § 5º, com a redação dada pela Lei n. 11.943/2009), para os con-sumidores com demanda mínima de 500 kW, atendidos em qualquer tensão de fornecimento, têm o direito de adquirir energia de qualquer fornecedor, desde que a energia adquirida seja oriunda de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) ou de fontes alternativas (eólica, biomas-sa ou solar).

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363O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

Tanto os consumidores livres como os especiais deverão, celebrar os contratos de conexão e uso dos sistemas de transmissão ou distribui-ção, conforme o caso.

No âmbito do agente comercializador usualmente podem ocorrer ope-rações envolvendo o agente importador e o agente exportador de energia elétrica.

A propósito, registre-se que a importação de energia elétrica é conside-rada como se fora uma usina de geração na fronteira do País, atribuindo-se-lhe todos os requisitos regulatórios correspondentes.

As relações contratuais de compra e venda entre esses agentes são esta-belecidas no âmbito da CCEE, no ambiente de contratação livre (ACL), o que exige a participação deles na Câmara, por si ou representados.

Vale ressaltar que a CCEE não compra ou vende energia e não tem fins lucrativos, mas viabiliza as transações de compra e venda de energia elé-trica entre os agentes do mercado, inclusive no que respeita ao mercado de curto prazo que opera e no estabelecimento do preço de liquidação de diferenças (PLD), que estabelece em base semanal.

6. SínteSe

A implementação e operacionalização do Modelo Institucional do Setor Elétrico a partir de 2003 contemplou as diretrizes básicas aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, consagradas na Lei n. 10.848/2004 e no Decreto n. 2003/2004, assegurando ao mercado de ener-gia elétrica: a) prevalência do conceito de serviço público para a produção e distribuição de energia elétrica aos consumidores cativos dos agentes de distribuição; b) modificação no processo de licitação da concessão do serviço público de geração priorizando a menor tarifa; c) um ambiente de contratação regulada (ACR) e outro de contratação livre (ACL) no âmbito da CCEE; d) regime jurídico de serviço público para as atividades de dis-tribuição e transmissão de energia elétrica; e) competição de preços para as atividades de geração e comercialização de energia elétrica; f) mercado livre para atuação de geradores (produtores independentes de energia elé-trica e autoprodutores), consumidores livres e especiais e agentes comer-cializadores de energia elétrica na forma da Resolução Aneel n. 265/1998.

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A atividade de geração, compreendendo os regimes de serviço públi-co, autoprodução ou produção independente, é o principal elo de uma imaginária cadeia energética composta pelas outras atividades, a saber: i) de transmissão, compreendida como a transferência por meios físicos da energia do sistema do produtor ao sistema de distribuição; ii) de dis-tribuição, consistente no fornecimento de energia elétrica a consumidores finais, em uma determinada área territorial concedida; e iii) da atividade de comercialização de energia elétrica decorrente do portfólio de contratos de suprimento para revenda de que seja titular o agente comercializador, ou o gerador que assim disponha para venda.

As atividades setoriais de forma preponderante (exceção feita a siste-mas isolados) se realizam no Sistema Interligado Nacional (SIN), elemento fundamental para que as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica se desenvolvam num país de dimen-sões continentais e matriz hidroelétrica preponderante.

Cumpre à CCEE viabilizar a comercialização de energia elétrica no SIN e administrar os contratos de compra e venda de energia elétrica, sua con-tabilização e liquidação, enquadrando as operações em face de sua nature-za em dois ambientes de contratação: i) livre (ACL); e ii) regulado (ACR).

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coMBustíVeIs FÓsseIs No BrasIl: uM PaNoraMa regulatÓrIo

e aMBIeNtal

antonio augusto [email protected]. Graduado em Direito e pós-graduado em Direito

Ambiental pela PUC–Rio. Mestre em Direito Ambiental pela Pace University Law School – NY. Professor de cursos de pós-graduação em

Direito Ambiental da PUC-Rio e da FGV. Professor convidado da disciplina de Direito Ambiental Comparado – Brasil/EUA da Pace University Law School – NY. Sócio responsável pela área de meio ambiente de Bichara,

Barata, Costa & Rocha Advogados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)

aline Cardoso de [email protected]. Especialista em Direito dos Contratos pela

Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Graduada em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF -2001). Co-autora de artigos publicados na área de contratos Associada do Escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha

Advogados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)

1. intRodução

A economia mundial está fortemente atrelada à utilização em massa de combustíveis fósseis, i.e. petróleo, gás natural e carvão mineral. As fontes mais significativas de demanda são a geração de energia (usinas termoelétri-cas a óleo, gás natural e carvão), os setores de transporte e siderurgia, etc.

Combustíveis fósseis são sustâncias formadas basicamente por com-postos de carbono, usados para alimentar e/ou potencializar a combustão. Como são originados a partir da conjugação de diversos fatores, como a decomposição de materiais orgânicos, temperatura, pressão, por um prazo muito extenso, são considerados recursos naturais não renováveis, ainda que ao longo de uma escala de tempo geológica consideravel esses

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366 ANTONIO AUGUSTO REIS / ALINE CARDOSO DE BARROS

combustíveis continuem a ser formados na natureza. A transformação é observada pelo acúmulo de grandes quantidades de matéria orgânica com-primida, sob fortes condições de temperatura e pressão, durante um vasto decurso de tempo.

Com as descobertas realizadas nas últimas décadas, em destaque o início da produção na camada pré-sal, o Brasil hoje desponta como um dos gran-des produtores mundiais de petróleo e gás, tendo sido até mesmo especulada a possibilidade de o país se tornar membro da Organização dos Países Ex-portadores de Petróleo – OPEC. Somados, petróleo e gás natural respondem por aproximadamente 46,5% da oferta interna de energia no país.1

O carvão mineral é o combustível fóssil mais disponível no mundo (a reserva total mundial é estimada em aproximadamente 847,5 bilhões de toneladas)2. Diferentemente do que ocorre com petróleo e gás natural, em que há grandes concentrações em poucas regiões do globo, as reservas de carvão estão bem distribuídas geograficamente, com especial ênfase no hemisfério norte. O Brasil ocupa posição relevante, com reservas estima-das de 32 bilhões de toneladas3.

Apesar da aparente grande disponibilidade de recursos, a demanda mundial é também extremamante elevada. Nesse contexto, o preço dos combustíveis fósseis está ligado em proporcionalidade inversa à quantida-de disponível para extração e, consequentemente, sua venda. Quanto mais se observe a dificuldade de se conseguir tais combustiveis, ou, quanto mais perto se chegue do esgotamento de suas reservas, mais elevado se apresen-ta seu preço.

Paralelamente, em função do significativo aumento do preço dos com-bustíveis fósseis e da poluição causada pelo seu uso ininterrupto, o mundo busca soluções alternativas viáveis. No entanto, a relativa abundância dos citados recursos naturais no país, conjugada com a ausência de tecnolo-gias economicamente viáveis para subtituição completa dos combustíveis

1 Empresa de Pesquisa Energética – EPE, Balanço Energético Nacional 2010, dispo-nível em https://ben.epe.gov.br/downloads/Resultados_Pre_BEN_2010.pdf.

2 ANEEL, Atlas de Energia Elétrica do Brasil, disponível em http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/atlas_par3_cap9.pdf.

3 CPRM – Serviço Geológico do Brasil, informação disponível em http://www.cprm.gov.br/coluna/carvaomineral0.html.

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367COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...

fósseis, faz com que seu uso, ao menos no curto e médio prazos, seja uma realidade indiscutível.

Nesse cenário, este breve estudo apresenta um panorama objetivo sobre o mercado de exploração de combustíveis fósseis no Brasil. Para tanto, apresenta-se um quadro resumido do marco regulatório vigente e as pers-pectivas futuras, além de uma visão geral sobre as questões ambientais associadas às atividades de exploração e produção de petróleo e gás e mi-neração de carvão.

2. legiSlação aPliCável e agênCiaS goveRnamentaiS envolvidaS:

Tanto petróleo e gás natural, quanto carvão mineral são classificados, nos termos do art. 20 da Constituição Federal (“CF”), como bens da União, ente ao qual incumbe, portanto, sua adequada gestão.

Para cumprir tal missão institucional, em 1960 foi instituído, e poste-riormente recriado em 1992, o Ministério de Minas e Energia (“MME”), com as seguintes áreas de competência: geologia, recursos minerais e ener-géticos, aproveitamento da energia hidráulica, mineração e metalurgia, e petróleo, combustível e energia elétrica, incluindo a nuclear.

Em 2004, foi regulamentada4 a estrutura do MME, criando-se as Secre-tarias de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis, e de Geologia, Mineração e Transformação Mineral.

Estão vinculadas ao MME a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras, socie-dade de economia mista, além das autarquias Agência Nacional do Petróleo (“ANP”) e o Departamento Nacional de Produção Mineral (“DNPM”).

A seguir descreve-se, resumidamente, o quadro regulatório aplicável à exploração de petróleo, gás natural e carvão mineral no Brasil.

2.1. Petróleo e Gás

O texto original da CF manteve o monopólio estatal sobre as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, conforme dispôs seu art. 177:

4 Decreto n. 5.267/04.

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368 ANTONIO AUGUSTO REIS / ALINE CARDOSO DE BARROS

“Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resul-tantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o trans-porte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem (...)”.

A Emenda Constitucional n. 9/95, no entanto, abriu caminho para a flexi-bilização do monopólio, estabelecendo que: “a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos inci-sos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei”.

Finalmente, em 1997, com a edição da Lei n. 9.478 (“Lei do Petróleo”) estava aberta a possibilidade de empresas privadas participarem em todos os elos da cadeia produtiva do petróleo e gás natural (do poço ao posto). A lei criou ainda o Conselho Nacional de Política Energética (“CNPE”) e a Agência Nacional de Petróleo (“ANP”), à qual caberia gerenciar as conces-sões para exploração das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural.

Com a edição do Decreto n. 2.455/98, a ANP foi implantada como autar-quia especial vinculada ao MME, com a finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, de acordo com o estabelecido na legislação, nas dire-trizes emanadas do CNPE e em conformidade com os interesses do País.

Merece destaque, ainda, a publicação, em 2009, da Lei n. 11.909, que instituiu normas para a exploração das atividades econômicas de trans-porte de gás natural por meio de condutos e da importação e exportação de gás natural, bem como para a exploração das atividades de tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural.

Assim, a ANP regula, contrata e fiscaliza as atividades relacionadas à cadeia produtiva do petróleo e gás natural. No âmbito da regulação, a ANP

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369COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...

estabelece regras por meio de portarias, instruções normativas e resolu-ções. Na esfera contratual, a ANP promove licitações (“Rodadas de Lici-tação”) e celebra contratos em nome da União com os concessionários em atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Ademais, a ANP fiscaliza as atividades das indústrias reguladas, diretamente ou mediante convênios com outros órgãos públicos.

Em conformidade com o marco regulatório vigente, a participação nas Rodadas de Licitação promovidas pela ANP é a única forma de se obter a concessão do direito de exercício das atividades de exploração e produção de petróleo e gás.

Cabe à ANP, como órgão regulador do setor, promover estudos visando à delimitação de blocos e também promover licitações para concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrar, em nome da União, os contratos delas decorrentes, além de fiscalizar a sua execução. Os blocos são partes de uma bacia sedimentar onde são desenvolvidas atividades de exploração ou produção de petróleo e gás natural.

A delimitação dos blocos oferecidos nas Rodadas de Licitações é con-dicionada à disponibilidade de dados geológicos e geofísicos que demons-trem indícios da presença de petróleo e gás natural e a considerações pre-liminares sobre condicionantes ambientais, entre outros itens técnicos. A seleção final é feita de acordo com as diretrizes do CNPE.

Empresas nacionais e estrangeiras devidamente habilitadas podem par-ticipar das Rodadas de Licitação. Entretanto, para se tornarem concessio-nárias, devem ser constituídas sob as leis brasileiras, com sede e adminis-tração no País. Os processos licitatórios transcorrem sob regras claras e ampla transparência.

Como informa a ANP, a organização de uma Rodada de Licitações in-clui as seguintes etapas: (i) definição de blocos; (ii) anúncio da rodada; (iii) publicação do pré-edital e da minuta do contrato de concessão; (iv) realiza-ção da audiência pública; (v) recolhimento das taxas de participação e das garantias de oferta; (vi) disponibilização do pacote de dados; (vii) semi-nário técnico-ambiental; (viii) seminário jurídico-fiscal; (ix) publicação do edital e do contrato de concessão; (x) abertura do prazo para a habilitação das empresas concorrentes; (xi) realização do leilão para apresentação das ofertas; e (xii) assinatura dos contratos de concessão.

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370 ANTONIO AUGUSTO REIS / ALINE CARDOSO DE BARROS

Importante destacar as contribuições devidas pelos concessionários. Além dos impostos rotineiros, as sociedades vinculadas à produção de petróleo e gás natural pagam royalties a municípios, estados e à União. Para campos de produção e rentabilidade significativas, pagam também participações especiais. Os concessionários de blocos terrestres pagam, adicionalmente, a participação ao proprietário da terra. As alíquotas são definidas pela Lei n. 9.478/97 e os critérios a serem utilizados para os cál-culos e cobrança estão determinados no Decreto n. 2.705/98.

No contexto, pode-se resumir a atuação da ANP no setor de petróleo e gás da seguinte forma, levando-se em consideração as etapas do processo produtivo:

a) Exploração e Produção – Upstream: a ANP administra e fornece dados técnicos, promove estudos delimitando áreas para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural; promove li-citações para a concessão das áreas e fiscaliza o cumprimento dos contratos de concessão, que estabelecem as seguintes fases: (i) Ex-ploração: os vencedores nas licitações adquirem estudos, buscam petróleo e gás promovendo avaliações sobre as descobertas e suas viabilidades comerciais; (ii) Produção: caso o concessionário ava-lie ser comercialmente viável a sua descoberta, deverá submeterá à ANP seu plano de desenvolvimento, contemplando a potencialidade do campo, a proposta de trabalho e previsão de investimentos para, só então, iniciar a produção.

b) Refino, Processamento, Transporte e Armazenamento – Midstre-am: a construção, operação e ampliação de refinarias, instalações de processamento de gás natural, de armazenamento e transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, inclusive o liqüefeito (GNL) depende de autorização a ser emitida pela ANP. Dependem também de autorização a importação e exportação de petróleo, gás natural e biodiesel, as atividades de distribuição de gás natural comprimido (GNC) e de GNL, bem como as de produção e estocagem de biodie-sel, fiscalizando todas as atividades acima mencionadas.

c) Distribuição e Revenda – Downstream: a ANP regula todas as ativi-dades de distribuição, revenda, importação e exportação de combus-

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tíveis líquidos, gás liqüefeito de petróleo (GLP), solventes e lubrifi-cantes. É responsável ainda pelo estabelecimento das especificações dos produtos vinculados, pelo acompanhamento da qualidade e dos preços praticados no mercado. Ademais, cabe à ANP a fiscalização e medidas no intuito de restringir infrações ou irregularidades na comercialização de combustíveis. Com relação à fiscalização, a ANP atua juntamente com a Polícia Federal, os Ministérios Públicos de todos os estados e do Distrito Federal, Corpo de Bombeiros, secreta-rias estaduais de Fazenda e prefeituras.

Vale destacar, ainda, a atuação da ANP no que se refere ao monitora-mento da qualidade dos combustíveis comercializados em todo e território nacional, assim como o levantamento dos preços praticados, com vistas a identificar possíveis infrações à ordem econômica.

Por fim, importante destacar que estão em análise no Congresso Nacio-nal os projetos de lei enviados pelo Governo Federal que, uma vez aprova-dos, formarão o novo marco regulatório para as atividades de exploração e produção na camada pré-sal. Caso a proposta do Governo Federal venha a ser aprovada, o modelo de exploração da camada pré-sal deverá ser o de partilha de produção (e não de concessão, como ocorre atualmente em relação às atividades de exploração e produção não inseridas na camada pré-sal). Há previsão de que no novo modelo a Petrobras detenha partici-pação de, no mínimo, 30% nos consórcios formados para a exploração e produção, atuando como operadora única da camada pré-sal. Está prevista ainda a formação de uma nova estatal, a Petrosal, e do Fundo Social, com objetivo de investir no desenvolvimento social nacional os recursos advin-dos das referidas atividades de exploração e produção.

2.2. Carvão Mineral

Assim como petróleo e gás natural, os recursos minerais, dentre eles o carvão mineral, são bens da União Federal, conforme art. 20, IX, da Cons-tituição Federal.

Nos termos do art. 176 da CF, “as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem proprie-dade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e

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pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.

O mesmo dispositivo esclarece, em seu parágrafo primeiro, que “a pes-quisa e a lavra de recursos minerais somente poderão ser efetuados me-diante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por bra-sileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de frontei-ra ou terras indígenas”.

Nesse contexto, a gestão macro do patrimônio mineral nacional está subordinada às decisões do MME. Para a atuação específicamente voltada à área mineral, em 09.11.04, foi editado o Decreto n. 5.267/04, por meio do qual foi instituída a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral (“SGM”).

A SGM é responsável por assuntos relacionados à geologia, recursos minerais; mineração e metalurgia, cabendo, dentre outros: (i) implementar, orientar e coordenar as políticas para geologia, mineração e transformação mineral; (ii) coordenar os estudos de planejamento setoriais, propondo as ações para o desenvolvimento sustentável da mineração e da transforma-ção mineral; (iii) promover e apoiar atividades de pesquisa e desenvolvi-mento tecnológico nos domínios da geologia e da indústria mineral; (iv) coordenar o processo de concessões de direitos minerários e supervisionar o controle e a fiscalização da exploração e produção dos bens minerais.

Como autarquia responsável pela execução da política mineral nacional, foi criado em 19345, e recriado em 19946 como autarquia federal vincula-da ao MME, o Departamento Nacional de Produção Mineral (“DNPM”), com sede e foro em Brasília, Distrito Federal, e circunscrição em todo o território nacional.

O DNPM tem por finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração mineral e do aproveitamento dos recursos minerais e supe-rintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mine-

5 Decreto n. 23.979/34.6 Decreto nº 1.324/94, em conformidade com a Lei n. 8.876/94.

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ração em todo o território nacional, na forma do que dispõem o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamen-tos e a legislação que os complementam competindo-lhe, em especial: (i) promover a outorga, ou propô-la à autoridade competente, quando for o caso, dos títulos minerários relativos à exploração e ao aproveitamento dos recursos minerais e expedir os demais atos referentes à execução da legislação minerária; (ii) coordenar, sistematizar e integrar os dados geo-lógicos dos depósitos minerais, promovendo a elaboração de textos, cartas e mapas geológicos para divulgação; (vi) fiscalizar a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e a comercialização dos bens minerais, podendo realizar vistorias, autuar infratores e impor as sanções cabíveis, na conformidade do disposto na legislação minerária; (vii) baixar normas, em caráter com-plementar, e exercer a fiscalização sobre o controle ambiental, a higiene e a segurança das atividades de mineração, atuando em articulação com os demais órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene, segurança e saúde ocupacional dos trabalhadores; (ix) baixar normas e exercer fisca-lização sobre a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais.

A principal norma legal a regular a atividade de mineração no Brasil é o Código de Mineração, instituído pelo Decreto-Lei n. 227/67. De acordo com o Código de Mineração, a exploração de recursos minerais no Brasil far-se-á de acordo com os regimes de (i) concessão; (ii) autorização; (iii) licenciamento; (iv) permissão de lavra garimpeira; e (v) monopolização. O Código de Mineração estabelece procedimentos e atos específicos para a exploração de recursos minerais, de acordo com as etapas do processo produtivo (i.e. pesquisa e lavra).

Assim, o carvão mineral só poderá ser explorado por particulares por meio de ato administrativo específico (e.g. concessão de lavra) outorgado pela União Federal, em conformidade com os procedimentos previstos no Código de Mineração. No item 3.2 abaixo são brevemente descritas as eta-pas de licenciamento de um projeto de mineração no Brasil (procedimento regulatório e ambiental).

Nos termos do art. 20, § 1º, da Constituição Federal, “é assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da

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exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de ge-ração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo terri-tório, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”.

Nessa linha foi instituída, pela Lei n. 8.876/94, a Compensação Finan-ceira pela Exploração de Recursos Minerais (“CFEM”), administrada pelo DNPM. A CFEM é devida por quem exerce atividade de mineração em decorrência da exploração ou extração de recursos minerais e tem por fato gerador (i) a saída por venda do produto mineral das áreas da jazida, mina, salina ou outros depósitos minerais e, ainda, (ii) a utilização, a transforma-ção industrial do produto mineral ou mesmo o seu consumo por parte do minerador.

A CFEM é calculada sobre o valor do faturamento líquido7, obtido por ocasião da venda do produto mineral. No caso do carvão mineral, a alíquo-ta aplicada sobre o faturamento líquido será de 2% (dois por cento).

Por fim, cumpre destacar que está em análise uma proposta do MME/SGM de novo marco regulatório para a atividade de mineração no Brasil, com o objetivo principal de modernizar a gestão dos recursos minerais no país. Dentre as propostas incluídas no novo marco regulatório estão: (i) a criação do Conselho Nacional de Política Mineral e uma Agência Reguladora de Mineração e também (ii) mudanças na outorga de título mineral, garantindo-se melhor acompanhamento, fiscalização e gestão pelo órgão gestor. Outra importante decisão é a participação federativa na fiscalização e gestão dos recursos minerais que constam no artigo 23 da Constituição Federal (participação efetiva de Estados e Municípios).

3. aSPeCtoS ambientaiS RelevanteS

A despeito de sua inegável importância para o desenvolvimento econô-mico no Brasil e no mundo, a utilização em massa de combustíveis fósseis acarreta impactos relevantes sobre o ambiente. Tais impactos são verifi-cados tanto durante o processo de exploração e produção, que, em razão

7 Entende-se por faturamento líquido o valor da venda do produto mineral, deduzin-do-se os tributos (ICMS, PIS, COFINS), que incidem na comercialização, como também as despesas com transporte e seguro.

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da característica rigidez locacional8 da atividade, implicam significativa alteração dos ecossistemas, quanto na sua queima para geração de energia, associada a emissões atmosféricas relevantes (e.g. emissão de gases do efeito estufa – dióxido de carbono, etc.).

Exatamente para equilibrar-se a imprescindibilidade da utilização de combustíveis fósseis com a também inafastável necessidade de proteção do meio ambiente é que surge a necessidade de controle rígido associado ao desenvolvimento de tais atividades. Note-se que não se trata aqui da criação de restrições infundadas, mas sim da busca, com base no princípio da prevenção, de medidas que garantam, de forma razoável, a sustentabi-lidade das atividades.

Dentre os instrumentos que visam a garantir a sustentabilidade da ex-ploração, produção e utilização de combustíveis fósseis, pode-se citar o zoneamento ambiental (com a indicação de áreas adequadas à exploração), a criação de padrões de qualidade (para o ar, água, solo, etc.), a avaliação de impactos ambientais, etc.

Merece especial destaque, como instrumento de prevenção, o processo de licenciamento ambiental, por meio do qual caberá ao órgão ambiental competente9 analisar os impactos da atividade proposta (e.g. exploração e produção de petróleo, mineração de carvão, etc.) e decidir sobre sua via-bilidade ambiental, estabelecendo as respectivas medidas de mitigação e compensação dos impactos ambientais associados.

3.1. Licenciamento Ambiental para Exploração e Produção de Petróleo e Gás

A preocupação com a proteção ambiental é elemento fundamental do processo de concessão para exploração e produção de petróleo e gás con-

8 Diferentemente de outras atividades industriais – onde se pode optar pela melhor localidade para implantação de projetos –, a exploração de combustíveis fósseis precisa ocorrer onde há disponibilidade do recurso natural (i.e. carvão, petróleo, gás, etc.), sendo que em não raras vezes os recursos são encontrados em áreas con-sideradas sensíveis do ponto de vista ambiental.

9 Considerando a inexistência, até o momento, de norma legal válida para repartição de competências em matéria ambiental, a definição da competência para condução do processo de licenciamento ambiental é, em regra, definida em função de crité-rios de abrangência dos impactos ambientais decorrentes e titularidade (i.e. federal, estadual ou municipal) dos bens ambientais afetados.

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duzido pela ANP. O trabalho tem início com os estudos conduzidos con-juntamente com o IBAMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO e órgãos ambientais estaduais, com vistas a de-finir eventuais zonas de exclusão para licitação (áreas consideradas sensí-veis do ponto de vista ambiental, tal como unidades de conservação, etc.).

Além disso, os editais e os contratos de concessão celebrados entre a ANP e as empresas vencedoras nos processos licitatórios prevêem exigên-cias referentes à conservação e proteção do meio ambiente, sendo certo que, atualmente, a variável ambiental inclusive contabiliza pontos para a empresa concorrente.

No que se refere ao licenciamento ambiental das atividades de explo-ração e produção, tendo em vista as suas peculiaridades, a legislação na-cional estabeleceu um sistema específico de licenciamento, que leva em consideração as etapas de pesquisa, perfuração, produção para pesquisa, instalação e operação dos sistemas de produção de petróleo e gás.

As regras gerais para o licenciamento ambiental de atividades de ex-ploração e produção estão estabelecidas principalmente nas Resoluções CONAMA n. 23/94, 237/97 e 350/04.

No que se refere à competência para condução do processo de licencia-mento das atividades de exploração e produção, em regra as atividades conduzidas em terra (“onshore”) são licenciadas pelos órgãos ambientais estaduais. As atividades realizadas na plataforma continental (“offshore”), no entanto, são licenciadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, por meio de sua Coordena-ção Geral de Licenciamento de Petróleo e Gás (CGPEG). Como no Brasil as atividades de exploração e produção são majoritariamente conduzidas offshore, há um grande volume de processos de licenciamento em curso perante o IBAMA.

Para adequar-se às atividades de exploração e produção de petróleo e gás, o processo de licenciamento ambiental contempla a emissão das se-guintes licenças:

(i) Licença de Pesquisa Sísmica (LPS) – que deve ser solicitada para a realização de atividades de aquisição de dados sísmicos marítimos e em zona de transição.

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(ii) Licença Prévia para Perfuração (LPper) – que autoriza a perfuração de poços para identificação de jazidas e suas extensões.

(iii) Licença Prévia de Produção para Pesquisa (LPpro) – que autoriza a produção para pesquisa da viabilidade econômica da jazida.

(iv) Licença de Instalação (LI) – que autoriza a instalação das unidades e sistemas necessários à produção e ao escoamento.

(v) Licença de Operação (LO) – que autoriza o início da operação do em-preendimento ou das suas unidades, instalações e sistemas integrantes.

Para a emissão das licenças referidas acima, o órgão ambiental licen-ciador exigirá a elaboração, pelo empreendedor, dos seguintes estudos ambientais, de acordo com a fase e características do licenciamento: (i) Estudo de Sísmica; (ii) Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA; (iii) Relatório de Controle Ambiental – RCA; (iv) Estudo de Viabilidade Am-biental – EVA; (v) Relatório de Avaliação Ambiental – RAA; (vi) Projeto de Controle Ambiental – PCA.

O processo de licenciamento ambiental de projetos de exploração e pro-dução de petróleo e gás, em regra, contará com participação popular atra-vés de audiências públicas coordenadas pelo órgão licenciador, as quais normalmente contam com a participação de outros órgãos e entidades inte-ressados, como representantes do(s) município(s) afetado(s), do Ministério Público, representantes de ONGs, associações de trabalhadores, etc.

As licenças serão concedidas por prazo determinado e caberá ao empre-endedor a estrita observância dos termos e condições nelas estabelecidos, além de requerer sua renovação nos prazos previstos.

O processo de licenciamento das atividades relacionadas aos setores de midstream e downstream em regra seguem as normas gerais de licencia-mento ambiental (licenciamento em três etapas: licença prévia, de instala-ção e de operação).

3.2. Licenciamento da Atividade de Mineração

A atividade de mineração no Brasil, por ser considerada atividade po-tencialmente poluidora, está sujeita a prévio licenciamento junto ao DNPM (cf. item 2.2 acima) e ao órgão ambiental competente.

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As regras gerais para o licenciamento ambiental de atividades minerá-rias estão estabelecidas, principalmente, na Constituição Federal, na Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) e nas Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA de n. 01/86, 09/90 e 237/97. Regras estaduais e municipais específicas poderão ser aplicáveis de acordo com a competência para a condução do processo de licenciamento ambiental.

O processo de licenciamento ambiental para a atividade de mineração está intimamente ligado ao processo de licenciamento junto ao DNPM, e, assim, segue as etapas de pesquisa, análise de viabilidade, implantação e operação do projeto mineral.

3.2.1. A Pesquisa Mineral

Em regra, não é exigido o licenciamento ambiental para as atividades de pesquisa mineral. A princípio tal licenciamento somente será exigível nas seguintes hipóteses: (i) quando o empreendedor desejar extrair mi-nério durante a fase de pesquisa (mediante prévia obtenção de “guia de utilização” junto ao DNPM), ou (ii) quando a pesquisa mineral, por si só, for capaz de causar significativo impacto ambiental (e.g. necessidade de se remover vegetação, etc.).

Caso, nos termos acima expostos, seja necessário o licenciamento am-biental, caberá ao empreendedor requerer uma “Licença de Operação para Pesquisa Mineral” junto ao órgão ambiental competente antes do início da pesquisa (cf. Resolução CONAMA n. 09/90).

Naturalmente, o empreendedor deverá obter, também, o Alvará de Pes-quisa junto ao DNPM (cf. art. 15 do Decreto-Lei nº 227/67 – Código de Mineração).

3.2.2. A Viabilidade Econômica e Ambiental do Projeto

Uma vez finalizada a pesquisa mineral, deve ser apresentado ao DNPM um Relatório de Pesquisa. Sendo aprovado o Relatório (ou seja, caso cons-tatada a existência de recursos minerais potencialmente aproveitáveis), o empreendedor deverá requerer e obter do DNPM a respectiva Concessão de Lavra. O requerimento de lavra deve ser instruído, entre outros ele-

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mentos, com um Plano de Aproveitamento Econômico (“PAE”), contendo um memorial explicativo e projetos ou anteprojetos relativos, por exemplo, ao método de mineração a ser adotado (cf. art. 38, VI, e art. 39, II, do Có-digo de Mineração). Esse requerimento de lavra deve ser apresentado ao DNPM no prazo de 1 ano contado da data de apresentação do relatório de pesquisa, admitida a prorrogação desse prazo por igual período mediante aprovação do DNPM (cf. art. 31 do Código de Mineração).

Assim, caso a pesquisa mineral revele a existência de recursos minerais e a viabilidade econômica de seu aproveitamento, caberá ao empreendedor dar início aos processos de obtenção do seu título de lavra (a concessão) e de licenciamento ambiental (ou dar-lhe seguimento, caso já tenha sido expedida uma licença de operação para pesquisa mineral).

Primeiramente, o empreendedor deverá contratar a elaboração de um estudo ambiental10 a ser definido pelo órgão ambiental licenciador, o qual identificará os potenciais impactos do projeto sobre os meios físico, biótico e sócio-econômico na região e proporá as correspondentes medidas miti-gadoras e compensatórias cabíveis.

O órgão ambiental, com base nas conclusões do estudo ambiental, de-cidirá sobre a viabilidade ambiental do empreendimento. Caso entenda possível, o órgão expedirá a respectiva Licença Prévia para o projeto, aprovando a localização e a viabilidade do projeto proposto (cf. art. 4º, Parágrafo único, da Resolução CONAMA n. 09/90 c/c o art. 8º, I, da Reso-lução CONAMA n. 237/97).

Ademais, nos termos do Decreto n. 97.632/8911, os empreendimentos de mineração deverão, quando da apresentação do EIA/RIMA, submeter à aprovação do órgão ambiental competente um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD). O PRAD é instrumento fundamental para

10 Caso o projeto implique em significativo impacto ambiental, o estudo aplicável será o Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA (cf. art. 225, § 1º, IV, da Constituição Fe-deral, art. 2º, IX, da Resolução CONAMA n. 1/86, e do 4º da Resolução CONAMA n. 09/90). Na hipótese de não ser constatado potencial de impacto ambiental significativo poderá ser exigida a elaboração de estudo ambiental menos complexo (e.g. Relatório de Controle Ambiental/Plano de Controle Ambiental – RCA/PCA, etc.).

11 Esse Decreto regulamentou o art. 2º, VIII, da Política Nacional de Meio Ambiente, que estabelece como um dos princípios da PNMA a recuperação de áreas degradadas.

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a orientação dos trabalhos de reabilitação ambiental das áreas mineradas após o encerramento do período de explotação.

3.2.3. A Implantação do Projeto

Sendo viável do ponto de vista econômico e ambiental, o projeto deverá seguir para a fase de implantação, cujo início dependerá (i) da expedição da Licença de Instalação (“LI”) pelo órgão ambiental competente e (ii) da outorga da Concessão de Lavra pelo DNPM. A LI autoriza o início das obras de implantação da estrutura física do projeto.

Para expedir a LI, o órgão ambiental exigirá a apresentação do Plano de Controle Ambiental (PCA), estudo que detalhará os projetos ambientais previstos no Estudo Ambiental para a mitigação e a compensação dos im-pactos do empreendimento.

Somente após a emissão da LI, o DNPM outorgará a Concessão de La-vra, por meio de Portaria do Ministro de Estado de Minas e Energia (cf. art. 43 do Código de Mineração e art. 6º da Resolução CONAMA n. 09/90).

3.2.4. O Início da Operação do Projeto

Após a outorga da concessão de lavra e tendo implantado integralmente os projetos previstos no PCA, o empreendedor deverá requerer ao órgão ambiental a expedição da respectiva Licença de Operação (“LO”). Só com a expedição da LO estará autorizado o início da operação de lavra mine-ral. A lei mineral determina que as operações previstas no PAE devem ter início dentro do prazo de 6 (seis) meses contados da data de publicação da portaria de lavra.

Durante toda a fase de operação o empreendedor deverá observar as restrições constantes das condicionantes previstas na licença de operação (e.g. monitoramento ambiental, etc.).

4. ConCluSõeS

Projeções internacionais indicam que os combustíveis fósseis devem seguir como as principais fontes energéticas ao menos no curto e médio prazos. Tal cenário é igualmente verdadeiro em âmbito nacional, conside-

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rando a abundância dos referidos recursos naturais – notadamente a partir das descobertas recentes de petróleo e gás e a presente ausência de alter-nativas economicamente viáveis.

Alguns fatores fazem do Brasil uma interessante opção em termos de in-vestimento na exploração e produção de combustíveis fósseis. Dentre eles, pode-se destacar, além da própria estabilidade política e econômica do país e da já citada abundância dos recursos naturais, uma sólida indústria local, com disponibilidade de materiais, equipamentos e serviços, e um mercado interno bem desenvolvido.

Em geral, o marco regulatório nacional, apesar da necessidade de mo-dernização em alguns aspectos, notadamente no que se refere à atividade de mineração, garante segurança jurídica aos que investem na exploção de combustíveis fósseis. Não por outro motivo, já é significativa a presença de investimentos estrangeiros, por exemplo, no setor de exploração e pro-dução de petróleo (quase 40 grupos internacionais atuam hoje no setor de exploração e produção de petróleo e gás no Brasil).

De todo modo, com vistas a garantir um licenciamento célere e com a necessária segurança jurídica, os interessados em explorar combustíveis fósseis no Brasil deverão estar atentos aos aspectos regulatórios e também de natureza ambiental associados a tais atividades, principalmente à vista das alterações em estudo (i.e. novo marco regulatório da mineração e mar-co regulatório para as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural na camada pré-sal).

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os coNtratos de INFraestrutura No BrasIl

Paulo Roberto Coimbra SilvaProfessor de Direito Tributário da UFMG e do CEAJUFE. Doutor e Mestre

em Direito pela UFMG. Sócio do Tostes & Coimbra Advogados

Paula andrade R. ChavesGraduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos.

Ex-advogada estrangeira do escritório Holland & Knight LLP (Nova Iorque). LL.M Cum Laude pela Northwestern University School of Law. Especialista em Business Administration pela Kellogg School of Management. Sócia do

escritório Tostes & Coimbra Advogados

marcelo tostes de Castro maiaGraduado em Direito pela Faculdade de Direito da PUC/MG.

Sócio do escritório Tostes & Coimbra Advogados

1. intRodução

A prestação eficiente de serviços de infraestrutura é fundamental para proporcionar condições de desenvolvimento e crescimento da economia de um país. A infraestrutura tem grande impacto nas atividades produtivas, uma vez que pode contribuir para aumentar suas remunerações, elevar a sua produtividade, e tornar os investimentos mais atrativos.

Com vistas à obtenção de bom desempenho econômico, o país deve con-tar com setores de infraestrutura modernos e em bom estado de conser-vação, de forma que estes sejam capazes de dar suporte ao crescimento dos demais setores, não sobrecarregando ou inviabilizando a produção e comercialização dos bens.

Neste contexto, o Brasil tem se apresentado como um dos principais alvos de investimentos internacionais e o setor de infraestrutura é a “bola da vez” para estrangeiros. O atual cenário brasileiro é bastante favorável, e a comparação com o exterior aumenta o interesse do investidor estrangeiro

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383OS CONTRATOS DE INFRAESTRUTURA NO BRASIL

no Brasil não só pela segurança, mas também pelo retorno das aplicações de longo prazo.

De fato, os investimentos nas áreas de transporte, energia, sanea-mento, habitação e recursos hídricos, fundamentais para o desenvolvi-mento do Brasil, têm se tornado grandes oportunidades para o capital privado.

Em primeiro lugar porque o governo federal anseia atrair investimentos para o setor, através do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. O PAC é um programa do governo brasileiro que pretende investir recursos em determinados setores do Brasil, visando: (i) ao desenvolvimento sus-tentável no país; (ii) à superação dos gargalos na economia; (iii) ao estí-mulo ao aumento da produtividade; e (iv) à diminuição das desigualdades regionais e sociais1.

Além do mais, os investimentos no setor de infraestrutura tendem a se intensificar com a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olím-picos de 2016, principalmente no que diz respeito à construção e reforma de rodovias, portos e aeroportos.

A experiência internacional mostra que a ampliação dos investimentos em infraestrutura é essencial para o crescimento dos países. Em anos recentes, países asiáticos como China, Vietnã, Tailândia e Índia aumen-taram significativamente os seus investimentos, por meio tanto do setor público quanto do setor privado, visando à modernização de sua infra-estrutura.

Até algumas décadas atrás, a infraestrutura do Brasil foi desenvolvida quase exclusivamente com investimentos públicos. Contudo, com as priva-tizações e parcerias entre os setores público e privado, a partir da década de 1990, grandes empresas nacionais e internacionais passaram a investir no setor de infraestrutura.

Apesar disso, é notório que a infraestrutura brasileira se encontra em es-tado precário. O Brasil atravessa momentos de caos aéreo, apresenta altos custos logísticos, passa por uma grave crise energética e revela problemas de saneamento básico.

1 http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r220107-PAC.pdf

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MARCELO TOSTES DE CASTRO MAIA

Tais deficiências têm ocorrido em função de décadas de falta de uma política nacional coordenada que consolide uma infraestrutura nacional. Problemas na infraestrutura não faltam, o que abre espaço para ótimas oportunidades de investimentos.

2. ContRatoS de infRaeStRutuRa

Diante do atual cenário brasileiro, impende tratar dos contratos de infra-estrutura, a fim de que aquele que é parte do negócio compreenda e utilize de maneira adequada as ferramentas que se encontram ao seu dispor.

Atualmente, com o apoio de organismos internacionais (BID, Banco Mundial) e de bancos estatais de fomento (BNDES e outros regionais), no-vas formas de contratação foram criadas e aperfeiçoadas, buscando mini-mizar custos, encurtar prazos e dar garantia aos investidores no intuito de atender as novas formas de negociação exigidas pelo mercado, bem como estimular o contratante e atrair o contratado.

Em geral, as partes contratantes estabelecem, por meio de um contra-to, os direitos e obrigações que cabem a cada uma delas. Devem restar claros o escopo contratual, seu prazo de execução e o seu preço. Além disso, dentre as matérias tratadas, estabelecem-se ainda as responsa-bilidades de cada parte, questões ambientais, contratação de terceiros, confidencialidade, penalidades, etc. As questões técnicas atinentes ao objeto da contratação são estipuladas por meio de um Cronograma Fí-sico-Financeiro, o que gera um controle rigoroso sobre o cumprimento da execução do objeto. A partir dessas definições, surgem infindáveis negociações sobre temas como Teoria da Imprevisão, Onerosidade Ex-cessiva, Responsabilidade Objetiva e Formas de Resolução de Confli-tos, definindo-se tanto o que diz respeito a consequências contratual-mente previstas como a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.

Urge mencionar, ainda, que nesses complexos contratos de infraestrutu-ra é extremamente comum se deparar com a subcontratação. Com vistas a proteger o contratado, costuma-se adotar, no Brasil, a figura do back-to-back basis, que se resume no deslocamento proporcional de respon-sabilidades, garantias, multas e limitações do contrato principal para os contratos de subcontratação.

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385OS CONTRATOS DE INFRAESTRUTURA NO BRASIL

2.1. Garantias, Seguros e Riscos

Um ponto de grande relevância para a estruturação do contrato de in-fraestrutura é a identificação das garantias e riscos incorridos. Imprescin-dível, para tanto, observar não só o custo de cada garantia, mas também o benefício gerado por ela e quais os riscos cobertos. Isto porque, por vezes, as contratantes ultrapassam o limite da razoabilidade ao exigir seguros e garantias já presentes em empreendimentos, o que torna o projeto muito caro e até mesmo economicamente inviável a determinados contratantes.

Convém dizer, no entanto, que a maioria das garantias utilizadas nos projetos de infraestrutura é formalizada por meio de contratos atípicos 2 ou de tipos contratuais advindos de outros sistemas legais e adaptados ao ordenamento jurídico brasileiro.

Uma dessas adaptações é o chamado escrow agreement, ou contratos de conta vinculada de garantia. Esse instrumento regula a criação de uma conta bancária em conjunto entre as partes contratantes, e estabelece as condições em que cada parte tem permissão para realizar saques dessa conta. Esse contrato, com as devidas condições, gera um sentimento de segurança tanto para os titulares da conta, quanto para aqueles envolvidos no projeto.

Vale mencionar, ainda, que tal modelo de garantia, em razão de sua versatilidade, pode ser empregado em diversas modalidades de contratos de infraestrutura, sendo utilizado eficaz e constantemente em contratos de construção. Nessas hipóteses, por exemplo, pode-se estipular que somente a apresentação ao banco de um laudo de conclusão assinado pelo contra-tante permite o recebimento do pagamento pela construtora, ao mesmo tempo em que garante à construtora que a quantia a ser recebida já esteja depositada.

Além disso, também muito usuais são os contratos de venda de longo prazo do tipo take or pay. Através de tais instrumentos, o contratante se compromete a pagar um preço fixo por uma quantidade mínima do produ-

2 Contratos típicos são aqueles que têm previsão na lei, sendo disciplinados pelo legislador. Os contratos atípicos, por sua vez, são aqueles não previstos na lei, advindos da criatividade e necessidade nos negócios jurídicos, não havendo regu-lamentação em lei.

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to, ainda que não o utilize. O objetivo desse mecanismo - que é amplamen-te utilizado no mercado brasileiro de gás natural –, é amenizar os riscos, oferecendo estabilidade ao contratado.

Outro ajuste que merece ser mencionado é o step in shoes, através do qual a contratante tem o direito de substituir a contratada por outra de sua escolha, caso esta não observe o cronograma de conclusão da obra.

Além das garantias, insta citar os seguros mais utilizados nos contratos de infraestrutura, a saber:

(i) performance bond, espécie de seguro-garantia, em que uma segura-dora passa a garantir a performance mínima do objeto do contrato;

(ii) completion bond, que garante a própria conclusão da obra; e

(iii) all risk insurance, que, embora pareça cobrir todos os riscos, englo-ba extenso rol de riscos, sem esgotá-los.

No que tange aos riscos envolvidos nos contratos de infraestrutura, é importante mencionar que os mesmos são constituídos pela possível su-perveniência de acontecimentos extraordinários que desequilibrem a exe-cução do contrato firmado. Trata-se da Teoria da Imprevisão, que pode ser invocada em hipóteses determinadas, a saber: (i) alteração radical no am-biente objetivo existente ao tempo da contratação, advinda de circunstân-cias imprevistas e imprevisíveis; (ii) onerosidade excessiva para uma das partes, não compensada por outras vantagens auferidas ou esperáveis nos termos do ajuste; ou (iii) enriquecimento inesperado para uma das partes, decorrente da superveniência imprevista.

Por fim, considerando que o objeto, o preço e o prazo são elementos essen-ciais dos contratos, qualquer variação circunstancial, qualitativa ou quan-titativa em tais dados influencia o resultado dos demais. Tais variações, a depender da forma e dos prejuízos causados, podem ocasionar desde a re-pactuação do contrato até a sua rescisão. Daí a importância do gerenciamen-to jurídico de projetos de infraestrutura, tema que será tratado adiante.

2.2. Contratos de Infraestrutura em espécie

O método de contratação tem grande influência não só na gestão do empreendimento, mas também na definição das relações contratuais e

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387OS CONTRATOS DE INFRAESTRUTURA NO BRASIL

funcionais entre as partes. A escolha imprópria do tipo de contrato pode acarretar reivindicações e disputas, além, é claro, da perda da qualidade do investimento. O contrato utilizado define também o grau de envolvimento do contratante sobre a direção dos trabalhos, a sua disposição de assumir parte ou todos os riscos, bem como a importância que se dá aos elementos do contrato – escopo, preço e prazo.

Os contratos de infraestrutura mais comuns são o EPC – Engineering, Procurement and Construction, Turn-Key, BOT – Build, Operation and Transfer e o Contrato de Aliança.

Cumpre destacar, entretanto, que tais contratos não são tipificados no ordenamento jurídico brasileiro, o que faz com que as acepções doutri-nárias e os cases tornem-se ainda mais relevantes para sua conformação jurídica.

2.2.1. EPC – Engineering, Procurement and Construction

Uma das mais habituais formas de gestão de contratos de engenharia, o contrato de EPC – Engineering, Procedurement and Construction guarda, à luz do direito brasileiro, pontos em comum com os contratos de emprei-tada global, previstos no Código Civil Brasileiro, embora não seja, de fato, contrato de empreitada.

Aqui, normalmente o projeto básico e a tecnologia ficam por conta do cliente, responsabilizando-se a empresa contratada pelo fornecimento dos serviços de engenharia, equipamentos, construção e montagem, executan-do-os ela mesma ou subcontratando partes do trabalho.

Em tal tipo de contratação, normalmente a empresa contratada assume o risco do projeto em termos de prazos e custos, exigindo, em contrapartida, um montante prefixado, que deve abranger, dentre outros, os custos para a execução e administração do projeto, os custos financeiros, a carga tribu-tária incidente e o lucro da contratada.

2.2.2. Turn Key (Chave na Mão)

Por sua vez, o contrato de Turn Key, que normalmente também é cele-brado a preço fixo, é bastante similar ao contrato de EPC e à empreitada

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MARCELO TOSTES DE CASTRO MAIA

global prevista pelo Código Civil Brasileiro, mas este é um método de contratação por meio do qual a empresa contratada se obriga por toda a execução do objeto, ficando responsável por entregar a obra em condições de pleno funcionamento. Assim, o contratante fica isento do pagamento de qualquer gasto extra, além daquele já ajustado no contrato.

Apesar de ser muito similar ao EPC, deste se diferencia, pois o seu ob-jeto é mais amplo, tendo em vista que na modalidade Turn Key o contra-tante adquire a prestação completa dos serviços, incluindo a tecnologia, o comissionamento, ou seja, o teste das máquinas e equipamentos e até mesmo o treinamento da equipe e testes de desempenho, enquanto no EPC a contratação termina com a entrega do bem adquirido.

2.2.3. BOT – Build, Operation and Transfer

Modalidade que se expandiu como mecanismo de financiamento pri-vado para obras públicas de infraestrutura, através da qual a contratada financia a obra desde seu projeto, aportando recursos financeiros, tecnolo-gia e estrutura próprios, para, então, explorar o empreendimento durante a vigência contratual e, ao final do prazo estipulado no contrato, entregá-lo ao contratante, o que pode ocorrer por meio de uma taxa de reversão.

O financiamento do projeto a ser realizado pela contratada compreende o treinamento de equipe, operação e manutenção durante o prazo contra-tual, sendo que nesse período esta recebe os rendimentos pela exploração comercial ou, no mínimo, um pagamento assegurado pelo contratante, de modo a garantir a amortização do investimento inicial.

Durante a execução contratual, as responsabilidades e os ônus financei-ros são integralmente suportados pela contratada, que tem a faculdade de instituir tarifas de uso e arrendar os estabelecimentos, ou seja, a execução contratual não se limita a simples execução material do objeto, mas tam-bém a sua gestão.

O prazo de vigência geralmente é de dez ou vinte anos, e, caso o período contratual não seja suficiente para suportar o investimento realizado pela contratada, pode haver previsão de pagamento de taxa de reversão ao tér-mino de vigência contratual. Nesse ponto, importante destacar a relevância de um planejamento financeiro coerente com o lapso temporal, no intuito de assegurar a viabilidade do projeto.

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389OS CONTRATOS DE INFRAESTRUTURA NO BRASIL

2.2.4. Contrato de Aliança

O contrato de Aliança é uma recente modalidade de contratação em obras de infraestrutura. Pactuado entre os contratados que estão em um mesmo plano, como uma espécie de consórcio, este contrato tem a finali-dade única de assegurar a cooperação para a plena conclusão do projeto, garantindo os lucros os contratados e minimizando o custo total do projeto para o contratante.

Trata-se de um modelo de gestão eficiente e transparente, com alto grau de flexibilidade, criando um ambiente propício à inovação e troca de expe-riências, em busca da melhoria contínua e do atendimento aos objetivos do projeto. Ademais, é um meio de controle eficaz de prazos e custos, com um elevado grau de comprometimento e previsibilidade, cuja responsabilidade é sempre da Aliança.

2.3. Resolução de Conflitos3

Como anteriormente descrito, a complexidade do contrato de infraestrutura pode ensejar intermináveis negociações. Além disso, é extremamente comum que, independente do interesse contrário dos envolvidos, outros fatores gerem conflitos entre as partes. Alteração de escopo por interesse do contratante, descumprimento de obrigações e inúmeros outros imprevistos podem ocorrer após a formação do contrato, requerendo atenção especial das partes.

Neste contexto, de suma importância também é a forma de resolução de conflitos escolhida pelos contratantes. Dentre os diferentes meios exis-tentes para sanar as controvérsias originadas, emerge a arbitragem, forma alternativa para a solução de conflitos que pode ser adotada pelas partes em casos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis.

Indubitavelmente, diante da complexidade dos contratos de infraes-trutura, a arbitragem desponta não apenas como um meio de solução de conflitos. Deve-se, mais, ser vista como um mecanismo de mitigação de custos, otimizando resultados, de forma a poupar o comprometimento do cronograma físico-financeiro da obra.

3 Neste ponto, remete-se o leitor aos capítulos “Resolução de Conflitos mediante Jurisdição e Arbitragem” e “A Arbitragem no Brasil”.

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Ademais, a busca por uma solução mais rápida e eficaz, nos moldes definidos pelas próprias partes, pode ajudar a evitar situações indesejadas como o atraso no projeto, o prejuízo do resultado final e a quebra das rela-ções profissionais.

2.4. Gerenciamento Jurídico de Obras de Infraestrutura

Diante da complexidade dos contratos de infraestrutura, seja pelas par-ticularidades técnicas que os envolvem, seja pelos altos custos gerados, o gerenciamento jurídico das obras pode proporcionar a otimização dos resultados pretendidos no projeto, a saber:

(i) Primeiramente, contornando os embaraços do cotidiano das obras, assim como das particularidades do método de contratação esco-lhido, de forma a melhor resguardar os interesses do contratante e evitar maiores impasses;

(ii) Em segundo lugar, prestando auxílio durante todas as fases de ne-gociação, implementação e operação do projeto contratado, moni-torando não apenas o instrumento contratual, mas também toda a documentação a ele relacionada, oferecendo orientação na forma de elaboração das mesmas e, por consequência, permitindo que todos os direitos sejam melhor delimitados e comprovados;

(iii) Além disso, o gerenciamento jurídico presta assistência durante a execução do contrato, que, inevitavelmente, sofre alterações, au-xiliando, assim, com maior propriedade, a renegociação contratual decorrente dessas mudanças.

(iv) Por fim, o gerenciamento jurídico mostra-se imprescindível em ca-sos de conflitos provenientes do contrato, orientando a discussão dos pontos controversos e buscando a melhor forma para a sua resolução, quer por meio de uma ação judicial, arbitragem, mediação ou conci-liação, conforme o caso.

Tais pontos se revelam valiosos e de grande valia para as empresas, ten-do em vista que, somada à expertise técnica normalmente apresentada pela equipe de gestão e execução de obras, a gestão jurídica dos projetos revela-se de grande utilidade para a redução de custos, prazos, simplificação de

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391OS CONTRATOS DE INFRAESTRUTURA NO BRASIL

procedimentos e, o mais importante, provê uma melhora considerável dos resultados, diminuição de controvérsias, bem como uma efetiva defesa dos interesses da parte contratante durante toda a vigência contratual.

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estudos soBre as telecoMuNIcaÇÕes

Hermano gadelha de Sá[email protected]. Especialista em Direito Econômico pela

Fundação Getúlio Vargas (FGV). Especialista em Direito do Trabalho – ESMAT. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/FCM).

Vice-Presidente do CESA – Seccional Paraíba. Sócio-gestor do escritório Coriolano Dias de Sá Sociedade de Advogados (Aliado em João Pessoa/PB)

● TELECOMUNICAçõES E TECNOLOgIA DA INFORMAçãO

intRodução:

O texto a seguir busca trazer uma visão objetiva e abrangente do setor de telecomunicações no Brasil: os avanços, os aspectos jurídicos, normativos e tributários.

Para tanto, num primeiro momento, será realizada uma breve análise dos aspectos históricos, a evolução do setor pós-privatização e a forma de regulação.

Buscar-se-á, portanto, demonstrar o papel da agência reguladora – ANA-TEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e a participação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nas práticas de anticon-corrência após o marco regulatório, que tem como termo inicial a privati-zação do extinto Sistema Telebrás, buscando um paralelo com o princípio da universalização.

Em ato contínuo, serão abordadas as principais mudanças no setor, com vistas aos aspectos normativo e jurídico, e ênfase ao regime de outorgas.

Será, ainda, avaliada a criação dos fundos para fomentar o acesso uni-versal da telecomunicação à sociedade e, finalmente, será abordada a res-ponsabilidade das prestadoras e operadoras do serviço, os aspectos tribu-tários e seus reflexos nas tarifas e desenvolvimento do setor.

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393ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

− evolução do SetoR (PóS-PRivatiZação)

As transformações sofridas pelo setor de telecomunicações e tecnolo-gia da informação pós-privatização, implantado nos anos noventa, trou-xeram expressivos avanços, continuando presentes até os dias atuais, frente à dinâmica e especificidade deste setor, o qual tem características especialísticas.

O marco legal, quando da reestruturação deste seguimento, se operou na segunda metade dos anos noventa, com a edição da Emenda Constitu-cional número 8 de 1995 (modificou a redação do artigo 21, IX), previs-ta pelo Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, que objetivou, como principal aspecto, reorganizar a participação do Estado na economia (deixa de ter participação direta e passa a regular e promover o desenvolvi-mento econômico), transferindo à iniciativa privada algumas atividades de grande relevo social, até então exploradas com insucesso pelo poder públi-co brasileiro. Apressou-se, então, o legislativo, em aprovar a denominada Lei Mínima das Telecomunicações (Lei nº 9.295, de 19 de julho de 1996).

A referida Lei tinha como plano de emergência abrir alguns segmentos do atrativo mercado de telecomunicações à iniciativa privada, haja vista a clara defasagem existente entre a grande demanda e a insuficiente e inefi-ciente oferta.

Não obstante, no âmbito da necessidade proeminente de mudanças de-correntes da atividade do Estado, era imperioso ao Brasil criar mecanismos e sistemas jurídicos que pudessem, de maneira rápida e eficiente, exercer o papel de agente regulador e fiscalizador. Decorre daí a necessidade de uma nova alteração legislativa que pudesse possibilitar este cenário, a qual foi concretizada com a promulgação da Lei nº 9.472/97 (LGT – Lei Geral das Telecomunicações), que revogou quase toda Lei nº 9.295/96, e passou a dis-ciplinar o regime da prestação dos serviços, a criação da Agência Regula-dora (ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES) e a privatização do Sistema Telebrás.

As reformas introduzidas abriram o caminho para o leilão da Banda B de telefonia celular, em 1997, e para a operação de privatização do Sistema Telebrás, em 1998, ocorrendo, naquela oportunidade, a cisão parcial da TELEBRÁS em doze empresas, estabelecendo-se o seguinte modelo:

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394 HERMANO GADELHA DE SÁ

• Três concessionárias explorariam os serviços de telefonia local e de longa distância intra-regional em cada uma das três regiões dividi-das pelo PGO – Plano Geral de Outorgas;

• A Embratel prestaria os serviços de longa distância nacional e inter-nacional em uma quarta região, de âmbito nacional, também estabe-lecida pelo PGO;

• Oito holdings restantes prestariam os serviços de telefonia celular em dez áreas de concessão.

A privatização foi realizada com base na alienação onerosa das ações do Estado, tendo as empesas vencedoras assinado contratos de concessões, como estabelece o artigo 207 da LGT.

Mais adiante, houve a autorização de exploração de telefonia fixa pelas empresas-espelho, cada uma concorrendo com a concessionária em sua respectiva região de concessão, sendo que, não teriam metas de universa-lização, como as concessionária locais, tampouco teriam seus preços re-gulados.

Em julho de 1999, foi possibilitada a competição na longa distância, completando-se, assim, as feições gerais do sistema, definindo um novo modelo. Porém, o grande desenvolvimento se dá a partir de 31 de dezem-bro de 2001, quando deixou de existir um limite para o número de presta-dores de STFC por região.

Desde então, a ANATEL passou a outorgar novas autorizações, não mais existindo limite para o número de prestadores de STFC por região. Estas autorizações têm sido concedidas para novas empresas e para as conces-sionárias/espelhos ampliarem sua área de atuação, sendo importante frisar que, até março de 2010, tais serviços eram prestados no Brasil por mais de 140 (cento e quarenta) empresas.

Por outro tanto, em igual período, o sistema de telecomunicações móvel, que conta com 08 (oito) operadoras, dentre elas 04 (quatro) com atuação em todo território nacional, teve espantoso crescimento, de modo que os dados oficiais mostram que, a continuar o número de adições líquidas pe-las operadoras, até outubro de 2010 o Brasil entrará no grupo de países que possuem, pelo menos, um celular por habitante.

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395ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

Outro relavante aspecto, diz respeito ao PNBL (PLANO NACIONAL DE BANDA LARGA), que além de prever uma operadora voltada a oferecer acesso à internet rápida com preços populares contém várias outras medidas de incentivo, tanto no campo fiscal a redes, serviços e equipamentos.

Destaca-se, por último, que este serviço tornará uma ferramenta cada vez mais demandada pelos mais diferentes públicos, sendo certo que, num futuro próximo, terá uma presença semelhante à da televisão, que abrange cerca de 95% dos domicílios brasileiros.

Em resumo, o fascinante ritmo de progresso tecnológico que vem sendo incorporado aos diversos segmentos do setor de telecomunicações e tec-nologia da informação, embora com algumas falhas para estabelecer um ambiente de concorrência eficaz, tem se revelado um meio valioso para os investidores nestes seguimentos.

− Regulação

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 21, inciso XI e 22, IV, atribui definitivamente à União Federal, a competência para explorar e legislar sobre telecomunicação no Brasil. Vejamos o que rezam os dispos-tivos citados:

Art. 21. Compete à União:

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou per-missão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que dispo-rá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

A redação primeira do artigo 21 confirmava o monopólio estatal sobre o serviço, ao prever expressamente que a prestação dos serviços públicos de telecomunicações deveriam ser explorados pela União, de maneira direta, ou mediante concessão.

Somente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 8 de 1995 é que se vislumbrou a possibilidade do fim do monopólio estatal e, finalmen-te, a viabilidade de exploração do setor pelas empresas privadas.

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396 HERMANO GADELHA DE SÁ

A partir de então, inicia-se todo o compendio legislativo que estabeleceu a base para exploração dos serviços de telecomunicações, tendo como prin-cipal marco a edição da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/97), a qual buscou instituir uma regulação autônoma do setor e reunir as varia-das disposições legais que tratavam da matéria.

Com efeito, a Lei Geral de Telecomunicações previu a criação de uma agência com poder normativo-regulatório, de fiscalização e sanção. A Agên-cia Nacional de Telecomunicações – ANATEL, portanto, recebeu autonomia e independência regulatória, justamente com o intuito de promover a univer-salização dos serviços considerados essenciais, aumentar a participação da iniciativa privada, garantindo a livre concorrência do setor.

Portanto, o marco regulatório da LGT busca não apenas disciplinar o regime de prestações de serviços, mas criar metas de universalização, qua-lidade e continuidade da prestação do serviços de telecomunicações, como também estabelecer a livre e justa concorrência entre as prestadoras.

Não se pode deixar de mencionar, destarte, que embora a Lei Geral das Telecomunicações traga um ambiente regulatório totalmente autônomo para o setor, a positivação do princípio da livre concorrência, aproxima a necessidade de participação e intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica em determinadas práticas, sobretudo, quando da fusão e incorporação das prestadoras.

Pode-se afirmar, assim, que o direito das telecomunicações encontra-se no campo do direito administrativo econômico, todavia, de forma indepen-dente, já que rompeu com padrões anteriores, criando uma nova realidade normativa e regulatória, em que a regulação autônoma e a competição en-tre os entes de regime público ou privado convivem em simetria, fato que se torna evidente quando a LGT afasta, de forma expressa, a aplicabilidade das leis gerais de licitação e concessão ao setor.

É importante que se diga que há tempos que o Congresso Nacional estu-da a realização de um novo marco regulatório, com amplas modificações na legislação das telecomunicações, cujo principal objetivo é atualizar e adequar a legislação à nova realidade do setor, que cresce num ritmo e passa por constantes transformações.

O maior desafio atualmente encontrado pela agência e pelo Ministério da Comunicação, é criar mecanismos de expansão do acesso à Banda Lar-

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397ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

ga a toda população, bem como que possibilitem a convergência dos vários serviços de comunicação e telecomunicação, a exemplo do denominado triple play, que oferece, de forma agregada, de serviços de voz, dados e conteúdo audiovisual.

Há, sobretudo, acirradas discussões sobre este último aspecto, visto que, embora o setor caminhe a passos largos para a convergência de serviços, houve, na Emenda Constitucional nº 8/95, clara distinção entre os servi-ços de telecomunicações e de radiodifusão, sendo, este último, sujeito a normas constitucionais específicas quanto ao regime de outorgas e con-cessões, bem como, às normas do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 (Lei nº 4.117/62), cabendo à ANATEL apenas regular e fiscalizar o espectro de rádio frequência e as estações transmissoras. Além disso, o serviço de TV a Cabo continua sendo regulado por legislação específica (Lei nº 8.977/95).

Todas essas especificidades atribuídas pelo legislador, cria, num contex-to geral, um ambiente institucional e regulatório distintos, com aplicação de normas diferentes e às vezes incompatíveis, inclusive de mercado, que podem gerar diversos problemas num futuro próximo, visto que, a aproxi-mação dos variados serviços se demonstra uma realidade presente, mas, que poderá ser bastante prejudicada, dada a incidência de normas distintas.

− oS óRgãoS de ContRole daS PRátiCaS antiComPetitivaS e oPeRaçõeS de ConCentRação SetoRiaiS.

No sistema atual de regulação concorrencial, podemos afirmar que o mo-delo praticado no setor de telecomunicações é o de competências concorren-tes, cabendo assim, tanto ao CADE quanto a ANATEL sua regulação.

A própria LGT, em seu parágrafo segundo, do artigo 7º, prevê a submis-são ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, de determinadas práticas, sobretudo dos atos das prestadoras que visem concentração de poder. Vejamos o texto do dispositivo em referência:

Art. 7º. As normas gerais de proteção à ordem econômica são apli-cáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta Lei.

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§ 2º. Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apre-ciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, por meio de órgão regulador.

O CADE tem fundamental importância em sua atribuição judicante, examinando atos de concentração econômica tais como fusões, aquisições, joint ventures ou incorporações. Este controle no Brasil foi instituído pela Lei federal 8.884 de junho de 1994, a lei de Defesa da Concorrência.

Objetivando maior efetividade, o CADE promoveu relevantes mudanças no procedimento de análise de atos de concentração em colaboração com a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanha-mento Econômico (SEAE). Entre tais mudanças, destacam-se: a criação de um procedimento simplificado (quando os casos não são muito complexos e requerem um volume menor de informação para a decisão) e uma maior articulação entre os órgãos de Defesa da Concorrência (a nova sistemática promove audiência inicial com os três órgãos, reduzindo a ineficiência ge-rada pelo sequenciamento temporal dos pareceres).

Por seu turno, a ANATEL, na qualidade de agência reguladora setorial, também se utiliza de seus instrumentos em prol da concorrência setorial e do bem-estar dos usuários dos serviços de telecomunicações no Brasil.

Como já afirmado, a legislação setorial não atribui competência exclu-siva ao CADE ou ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, ao contrário, atribui, também, obrigações ao regulador setorial, no caso, a ANATEL.

Neste compasso, a Lei Geral de Telecomunicações (Lei Nº 9.472, de 16 de julho de 1997), em seu art. 70, ao tratar do papel da ANATEL quanto a concorrência, assim estabeleceu:

Art.70º – Serão coibidos os comportamentos prejudiciais à competição livre, ampla e justa entre as prestadoras do serviço, no regime público ou privado, em especial:

I – a prática de subsídios para redução artificial de preços;

II – o uso, objetivando vantagens na competição, de informações ob-tidas dos concorrentes, em virtude de acordos de prestação de serviço;

III – a omissão de informações técnicas e comerciais relevantes à pres-tação de serviços por outrem.

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399ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

Mais adiante, o legislador, no artigo subsequente, de forma clara, atribui a competência da ANATEL para julgamento de atos de concentração, as-sim estabelecendo:

Art.71º – Visando a propiciar competição efetiva e a impedir a concen-tração econômica no mercado, a Agência poderá estabelecer restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto à ob-tenção e transferência de concessões, permissões e autorizações

Assim, qualquer fator que venha impactar diretamente no seguimen-to em estudo, será submetida a uma análise pró-concorrencial, cabendo, tanto ao CADE quanto a ANATEL, cumprir seus papéis, evitando con-centrações, operações que possuem caráter anti-concorrencial, ainda que de forma preventiva ou cautelar, preservando a reversibilidade de atos que possam vir a ser avaliados como nocivos à concorrência.

− Regime juRídiCo da PReStação de SeRviçoS daS oPeRadoRaS de teleComuniCaçõeS e outoRgaS (SmP e StfC)

A LGT, em seu art. 83, assim dispõe sobre a exploração da atividade de telefonia em regime Público.

Art. 83. A exploração do serviço no regime público dependerá de prévia outorga, pela Agência, mediante concessão, implicando esta o direito de uso das radiofreqüências necessárias, conforme regulamentação.

Parágrafo único. Concessão de serviço de telecomunicações é a dele-gação de sua prestação, mediante contrato, por prazo determinado, no regime público, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais, remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras receitas alternativas e respondendo diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos que causar.

Há de se destacar que, no regime Público a exploração do serviço se opera mediante concessão, sendo, em caso excepcional, realizado através de per-missão, nos termos do art. 118, da LGT, que assim se encontra redigido:

Art. 118. Será outorgada permissão, pela Agência, para prestação de serviço de telecomunicações em face de situação excepcional com-prometedora do funcionamento do serviço que, em virtude de suas

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400 HERMANO GADELHA DE SÁ

peculiaridades, não possa ser atendida, de forma conveniente ou em prazo adequado, mediante intervenção na empresa concessionária ou mediante outorga de nova concessão.

O prazo máximo estipulado nos contratos para exploração dos serviços de telefonia em regime Público será de 20 (vinte) anos, podendo ser reno-vável por igual período.

Quanto a extinção do contrato, as regras se encontram prescritas no art. 1121, da LGT.

No que pertine ao serviço de telefonia em regime privado, o art. 116, da LGT, estabelece:

Art. 126. A exploração de serviço de telecomunicações no regime priva-do será baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica.

Ao contrário do regime Público que se opera através de concessão ou permissão, no regime privado a exploração dos serviços se opera por meio de autorização, nos termos do art. 131, da LGT, ressaltando as hipóteses excepcionais. Assim reza o referido artigo e seus parágrafos:

Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de pré-via autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofre-qüências necessárias.

§ 1º. Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições ob-jetivas e subjetivas necessárias.

§ 2º. A Agência definirá os casos que independerão de autorização.

§ 3º. A prestadora de serviço que independa de autorização comunica-rá previamente à Agência o início de suas atividades, salvo nos casos previstos nas normas correspondentes.

§ 4º. A eficácia da autorização dependerá da publicação de extrato no Diário Oficial da União.

1 Art. 112. A concessão extinguir-se-á por advento do termo contratual, encampação, caducidade, rescisão e anulação.

Parágrafo único. A extinção devolve à União os direitos e deveres relativos à pres-tação do serviço.

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401ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

Frise-se que, na modalidade do regime privado, não há um prazo previa-mente estabelecido para exploração dos serviços, ou seja, sua vigência não se sujeita a termo final, extinguindo-se, no entanto, quando da cassação, caducidade2, decaimento3, renúncia4 ou anulação5.

Afora as diferenças constantes nas regras acima citadas, destacam-se três grandes diferenças entre os regimes público e privado. PRIMEIRO – a denominada telefonia fixa (STFC), executada em regime público tem como impositivo a universalização dos serviços, sendo tratado tal aspec-to, também, no Dec. 2.592/98, art. 3º, III, e art. 79, da LGT ; SEGUNDO – este mesmo serviço rege-se pelo princípio da continuidade (art. 79, §2º, LGT)6, pontos que diferem em muito da telefonia móvel (SMP), executado em regime privado; TERCEIRO – No regime público impera a responsa-bilidade objetiva.

Como se denota, a telefonia móvel é de exploração em regime privado7, logo, tem um regime próprio, com características diferenciadas e sem as obrigações peculiares e impositivas aos serviços públicos (telefonia fixa – STFC), ou seja, os serviços são exercidos em caráter privado não têm natureza pública, não sendo alcançado pelo princípio da universalização e da continuidade e, como conseqüência, não podendo ser tratado como serviço essencial.

2 Art. 140. Em caso de prática de infrações graves, de transferência irregular da au-torização ou de descumprimento reiterado de compromissos assumidos, a Agência poderá extinguir a autorização decretando-lhe a caducidade.

3 Art. 141. O decaimento será decretado pela Agência, por ato administrativo, se, em face de razões de excepcional relevância pública, as normas vierem a vedar o tipo de atividade objeto da autorização ou a suprimir a exploração no regime privado.

4 Art. 142. Renúncia é o ato formal unilateral, irrevogável e irretratável, pelo qual a prestadora manifesta seu desinteresse pela autorização.

5 Art. 143. A anulação da autorização será decretada judicial ou administrativamen-te, em caso de irregularidade insanável do ato que a expediu.

6 Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público. § 2º. Obrigações de con-tinuidade são as que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso.

7 Art. 126. A exploração de serviço de telecomunicações no regime privado será baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica.

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402 HERMANO GADELHA DE SÁ

Portanto, distingue-se, essencialmente, o regime público do priva-do, quando ao primeiro, prestado mediante concessão ou permissão, é submetido ao interesse da coletividade, em que a prestadora é sub-metida por imposição legal às metas de universalização e de conti-nuidade.

Já o regime privado, prestado mediante autorização, sujeita-se a regras menos inflexíveis, por não haver tanta interferência da União na sua regu-lação, vigorando, em regra, a liberdade de atuação das prestadoras, inclu-sive, sem controle de tarifas.

− CaRaCteRíStiCaS do Regime de outoRgaS naS teleComuniCaçõeS: ConCeSSão, PeRmiSSão e autoRiZação

Como visto no tópico anterior, via de regra, os serviços prestados em regime público serão sempre objeto de contrato de concessão, sendo, ape-nas em situação excepcional que comprometa a funcionalidade do serviço, outorgada a permissão.

Portanto, podemos definir concessão como o ato em que a União dele-ga à concessionária, através de contrato por tempo determinado, a pres-tação do serviço de telecomunicação em regime público. Neste caso, a concessionária está submetida aos riscos inerentes da atividade empre-sarial, sendo remunerada através da cobrança de tarifas dos usuários do serviço. Dada a natureza e essencialidade do serviço, a concessionária responde direta e objetivamente pelas obrigações legais e danos a que der causa.

Já pela permissão, entende-se o ato em que a União atribui a terceiro o dever de prestar serviço de telecomunicação em regime público, em cará-ter provisório, até que uma situação excepcional surgida, que tenha dado causa à permissão, seja regularizada.

Finalmente, por autorização, deve-se entender pelo ato vinculado da ad-ministração pública que autoriza a exploração do serviço de telecomuni-cação em regime privado, àquele que preencher as condições objetivas e subjetivas estabelecidas em lei.

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403ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

Tais condições estão previstas nos artigos 1328 e 1339 da LGT, sendo a disponibilidade de radiofrequências necessária, quando o serviço utilizar, e a apresentação de um projeto viável, as objetivas. As subjetivas são a necessidade de a autorizatária ser constituída sob as leis brasileiras; a não proibição de licitar e/ou contratar com o poder público; qualificação téc-nica, capacidade econômico-financeira e regularidade fiscal; e, por fim, não deter mais de uma autorização para prestar a mesma modalidade de serviço na mesma área.

− fundoS (fuSt, fiStel, funttel)

Neste item trataremos das denominadas Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, prevista no art. 14910, da Constituição Federal, as quais possuem diferenças quanto ao fato gerador, base de cálculo e finalidade.

O FUST (Fundo de Universalização das Telecomunicações), tem como fato gerador a prestação de serviço de telecomunicação pública ou privada; por base de cálculo a receita operacional bruta, excluídos o iCmS, o PiS e a CofinS , e a alíquota no percentual de 1% (art. 6º, VI, da referida lei). O objetivo é o de promover a universalização dos serviços de telefonia e inclusão digital a todos os brasileiros, atendendo ao

8 Art. 132. São condições objetivas para obtenção de autorização de serviço: I – dispo-nibilidade de radiofreqüência necessária, no caso de serviços que a utilizem; II – apre-sentação de projeto viável tecnicamente e compatível com as normas aplicáveis.

9 Art. 133. São condições subjetivas para obtenção de autorização de serviço de interesse coletivo pela empresa: I – estar constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País; II – não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a decretação da caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de direito de uso de radiofreqüência; III – dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacidade econômico-financeira, regularidade fiscal e estar em situação regular com a Seguridade Social; IV – não ser, na mesma região, localidade ou área, encar-regada de prestar a mesma modalidade de serviço.

10 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de in-tervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e eco-nômicas, como instrumento de atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, par. 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

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404 HERMANO GADELHA DE SÁ

disposto no artigo 2.º da Lei 9.472/97 – Lei Geral das Telecomunicações. Ao instituir o referido fundo, nossos legisladores externaram a necessida-de de garantir a toda população brasileira o acesso às telecomunicações.

Já a Lei n. 10.052/2000 instituiu o funttel (fundo Para desen-volvimento Tecnológico das Telecomunicações), cujo fato gerador é ser prestador de serviço de telecomunicação pública ou privada, base de cálculo a receita operacional bruta, excluídos o ICMS, o PIS e a CofinS, e alíquota de 0,5% (art. 4º, III). O FUNTTEL, que tem sua gestão submetida ao Ministério das Comunicações, tem como fi-nalidade estimular o processo de inovação tecnológica, incentivando a capacitação de recursos humanos, fomentando a geração de empregos e promovendo o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, permitindo e ampliando a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações.

O FISTEL (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), criado pela Lei 5.070, de julho de 1996, criado pela Lei 5.070/66 e alterado posterior-mente pela Lei Geral de Telecomunicações, é um fundo que se destina a custear as despesas realizadas pelo Governo Federal no exercício da fisca-lização das telecomunicações, como também, serve para custeio da cria-ção de novos meios e técnicas para o exercício desta fiscalização.

Em suma, a criação dos fundos das telecomunicações busca garantir a aplicação de três princípios primordiais da Lei Geral das Telecomuni-cações: Universalização e Continuidade do serviço, além do estimular o Desenvolvimento Tecnológico.

− ReSPonSabilidade objetiva fRente aoS ClienteS

Antes de abordarmos o tema inerente ao capítulo em estudo, necessário estabelecer o conceito de responsabilidade civil no direito brasileiro.

Segundo, MARIA HELENA DINIZ, “poder-se-á definir a responsabi-lidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do pró-prio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”.

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405ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

Feita a pequena digressão acerca da responsabilidade civil, observan-do a ordem cronológica da nossa legislação infraconstitucional, a Lei 8.078/90, denominado Código de Defesa do Consumidor, em seus arts. 4º e 22, estabelece:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por obje-tivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses eco-nômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transpa-rência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consu-midor:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Seguindo os princípios contidos no Código Consumerista, a Lei nº 8.987/1995, que cuida das concessõs públicas, em seu art. 7º e incisos, dispõem:

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I – receber serviço adequado;

II – receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos;

III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente.

IV – levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado;

V – comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço;

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406 HERMANO GADELHA DE SÁ

VI – contribuir para a permanência das boas condições dos bens públi-cos através dos quais lhes são prestados os serviços.

Ainda, a Lei em testilha, em seu art. 23 e inc. VI, reza:

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:

VI – aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço;

No mesmo trilhar, a Lei nº 9.472/1997, denominada de Lei Geral das Telecomunicações, em seu art. 3º, cuidou de estabelecer os direitos dos usuários dos serviços de telecomunicações, sendo importante destacar o contido no inciso XII. Vejamos:

Art. 3º. O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:

XII – à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.

Mais adiante, outra relevante incursão na LGT se encontra previsto no art. 5º11, ao declarar que nas relações econômicas no setor de telecomu-nicações, vários pincípios constitucionais deverão ser observado, dentro deles, para o tópico em estudo, destacamos a defesa do consumidor.

Como podemos notar, da leitura das normas infraconstitucionais, ex-traimos, de forma bastante incisiva, a defesa dos usuários dos serviços de telecomunicações, os quais atendem ao comando da nossa Carta Magna, que assim estabelece em seu art. 175:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de servi-ços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da con-cessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

11 Art. 5º. Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações obser-var-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consu-midor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

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407ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

Da leitura dos dipositivos supracitados, observamos que as normas in-fraconstitucionais obedeceram rigorosamente os preceitos Constitucionais quando da defesa do interesse dos consumidores, ou seja, os serviços pú-blicos a partir da Constituição Federal tiveram uma nova roupagem.

O mais relevante aspecto, foi traçado pela Constituição Federal do Bra-sil, quando do art. 37,§6º, que cuida da responsabilidade objetiva:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Po-deres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

No que diz respeito à responsabilidade objetiva, SÉRGIO CAVALIERI FILHO, destaca as teorias do risco-proveito, do risco profissional, do ris-co excepcional, do risco criado e do risco integral.

A construção das teorias decorrrem do liame entre a atividade nor-malmente desenvolvida pelo agente com fins lucrativos – conduta humana, e o dano, além do nexo de causalidade, justificando-se o dever de indeni-zar, ainda que inexistente a ilicitude ou a culpa.

Exatamente neste escopo, assimilando a regra Constitucional, o Código Civil Brasileiro, em seu parágrafo único do art. 92712, do Código Civil, também cuidou de se manifestar sobre a responsabilidade objetiva.

Como podemos observar, tanto a norma Constitucional quanto a infra-constitucional, deram tratamento diferenciado a responsabilidade civil, cabendo à concessionária responder de forma objetiva, nos termos dos ar-tigos acima mencionados.

12 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, inde-pendentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

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408 HERMANO GADELHA DE SÁ

No entanto, é importante destacar que, a teoria do risco, pelos danos causados aos usuários, ao poder concedente ou a terceiros, sem que haja qualquer diminuição da exclusão ou diminuição da responsabilidade, é aplicável aos serviços de natureza pública devendo haver distinção com os serviços de natureza privada.

Desta forma, a responsabilidade do fornecedor do serviço público inde-pende de qualquer discussão sobre a extensão da culpa, porém, não afasta a possibilidade de exclusão de responsabilidade quando prestado o ser-viço, o defeito inexiste, ou quando a culpa for exclusiva do usuário ou de terceiro, como também, a análise quanto a sua natureza.

− aSPeCtoS tRibutáRioS

De imediato, sobre a receita bruta das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações incidem os seguintes tributos: COFINS, PIS-PASEP, FUST, FUNTTEL e ICMS e, neste compasso, os quatro primeiros tributos, diferentemente do ICMS são invariáveis, tendo como alíquotas, os percen-tuais de 3,0%, 0,65%, 1,0% e 0,5%, respectivamente. Já o ICMS, este tri-buto varia de acordo com as alíquotas estabelecidos pelos Estados da nossa Federação, as quais vão desde 25% a 35%, caracterizando uma distorção absolutamente injustificável. Vejamos o quadro abaixo:

TRIBUTO – ICMS – ALÍQUOTA ESTADO35% (trinta e cinco por cento) Rondônia

30% (trinta por cento) Mato Grosso, Pará, Rio de Janeiro e Paraíba

29% (vinte nove por cento) Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná

28% (vinte e oito por cento) Pernambuco

27% (vinte e sete por cento) Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Sergipe

25% (vinte e cinco por cento)

Acre, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Piauí, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins

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409ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

Diante da discrepância existentes entre os Estados, a conta dos serviços de telecomunicações oscilam entre 30,15% e 40,15% de tributos incidentes sobre a receita bruta, o que corresponde à 43,16 % ou 53,16% sobre a recei-ta líquida, ou seja, a cada um real pago pela utilização dos serviços, entre 30 ou 40 centavos, aproximadamente, serão destinados ao pagamento de tributos.

Importante, ainda, frisar que a falta de isonomia deste tributo “ICMS”, conduz a distorções e influenciam no preço final, especialmente quando subsistem serviços de valor adicionado, locação de equipamentos, manu-tenção de equipamentos/redes, serviços de ativação e instalação, hosting/housing/aluguel de espaço etc..

Por outro tanto, além das obrigações incidentes sobre a receita bruta, as empresas de serviços de telecomunicações se sujeitam aos seguintes tribu-tos: Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas – IRPJ, Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSSL, Imposto sobre Operações Financeiras, IOF, Encargos trabalhistas, Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – Fistel e a contribuição de intervenção de domínio econômico destina-da a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Em-presa para o Apoio à Inovação, conhecida como Cide-Royalties.

Embora as condições atuais da economia brasileira sejam bastante fa-voráveis, e o setor apresente evidentes sinais de amadurecimento em sua regulação, com regras mais claras e objetivas, a elevada carga tributária é apontada pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, como o grande gargalo para maior desenvolvimento do setor, especialmente, para levá-lo às camadas mais baixas da população. Porém, este último aspecto não tem impedido que o setor de telecomunicações seja capaz de atrair investimentos vultosos, propiciando riquezas àqueles que acreditam neste seguimento.

RefeRênCiaS:

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econcômico. 2ª ed. Forense. Rio de Janeiro, 2006.BIBLIOTECA on-line. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br > Acesso em: 20 jun.2010.

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410 HERMANO GADELHA DE SÁ

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.Constituição Federal BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilida-de Civil. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.Emenda ConstitucionalBRASIL. Constituição (1998). Emenda constitucional nº. 8, de 1995. Dá nova redação ao art. 21, XI, da Constituição Federal.ESCOBAR, J. C. Mariense. Serviços de Telecomunicações – Aspectos Ju-rídicos e Regulatórios. Porto Alegre, 2005.FARACO, Alexandre Ditzel. Regulação e direito concorrencial: as teleco-municações. São Paulo: Livr. Paulista, 2003. FARACO, Alexandre Ditzel. Direito e Economia na Regulação Setorial, v. pág. 35/101. Série GVlaw. Ed. Saraiva, 2009. FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: RT.GONÇALVES, Pedro. Direito das Telecomunicações. Coimbra: Almedi-na, 1999.JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independen-tes. São Paulo: Dialética, 2002.LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕESBRASIL. Lei nº 9 de 16 de julho de 1997. Lei Geral das Telecomunicações. Brasília, DF, Congresso Nacional, 1997.MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O novo Estado Regulador no Brasil: eficiência elegitimidade. São Paulo: Singular.Relatório de Gestão – Fundo de Universalização dos serviços de Teleco-municações – FUST. Superintendência de Universalização (SUN). Dispo-nível em http://www.anatel.gov.br.SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. São Pau-lo: Malheiros.SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros.

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411ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES

SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica. São Paulo: Malheiros.SCHAPIRO, Mario Gomes (org.). Direito e economia na regulação seto-rial. São Paulo: Saraiva.Temas específicos: Novos serviços e novos contratos públicos.LEHFELD, Lucas de Souza, As novas Tendências na Regulamentação do Sistema de Telecomunicações pela Agência Nacional de Telecomunica-ções: Biblioteca de Teste – RenovarESTUDOS, http://www.telcomp.org.br . Acesso em: 20 de junho de 2010.DADOS, http://www.teleco.com.br e http://www.anatel.gov.br. Acessos em: 20 de junho de 2010.

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Mercado IMoBIlIÁrIo�

Ricardo lacaz [email protected]. Doutor e Mestre em Direito Econômico e

Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Jurídico do Secovi – Sindicato da Empresas de

Compra, Venda e Administração de Imóveis de São Paulo . Pro-fessor do curso da GV de Private Equity. Sócio do escritório Lacaz

Martins,Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados (Aliado em São Paulo/SP)

joão victor guedes [email protected]. Advogado associado de Lacaz Martins,

Halembeck, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados (Aliado em São Paulo/SP)

i. a imPoRtânCia do meRCado imobiliáRio na eConomia

O mercado imobiliário, também conhecido por setor imobiliário, vem ad-quirindo progressiva importância na economia nacional. Representando em 2008 13,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro,2 é setor que mais possui empresas abertas participantes do mercado de capitais brasileiro, que, como se sabe, possui como primordial função a mobilização da poupança nacional. Em razão de sua relevância para o desenvolvimento sócio-econô-

1 O presente estudo expõe alguns dos principais aspectos do mercado imobiliário analisados pelo autor em: MARTINS, Ricardo Lacaz. Tributação da Renda Imobi-liária. Tese de doutoramento apresentada junto à Faculdade de Direito da Univer-sidade de São Paulo. São Paulo, 2009.

2 FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Proposta de Política Industrial para a Construção Civil: Edificações. Caderno 1. São Paulo, 2008.

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413MERCADO IMOBILIÁRIO

mico do País, as autoridades governamentais passaram a dedicar cada vez mais atenção ao mercado imobiliário.

Trata-se do segmento da economia que tem como um dos seus principais produtos a construção de habitações residenciais, possibilitando à popula-ção alcançar o almejado sonho da casa própria. Neste sentido, destaque-se que a suma importância da habitação não foi ignorada pelo legislador brasileiro, o qual, por meio da Emenda Constitucional nº 26/00, conferiu à moradia o status de direito social fundamental do cidadão, ao lado de educação, saúde e segurança, entre outros.

Adicionalmente, aspecto que atribui ao mercado imobiliário papel de des-taque na seara social é o seu alto potencial de geração de empregos, espe-cialmente no que se refere aos trabalhadores de menor qualificação técnica situados em grandes centros urbanos. A título exemplificativo, pode-se men-cionar que em 2006 foram empregados no Brasil pela construção civil cerca de 1,5 milhão de pessoas.3 De forma semelhante ao que ocorreu com relação à moradia, também existe norma constitucional objetivando a busca do ple-no emprego, nos termos do artigo 170, VIII, da Constituição Federal.

Destaque-se ainda que os produtos desenvolvidos pelo mercado imobi-liário, dentre os quais podem ser mencionados os imóveis para habitação residencial ou para destinação comercial, são bens cuja produção e ven-da independem das economias estrangeiras. Da mesma maneira, a maté-ria-prima empregada, as empresas participantes e os clientes finais estão normalmente situados no Brasil, atribuindo ao setor em referência maior independência vis-à-vis a economia mundial.

Apenas essas razões já justificariam, por si só, uma regulamentação le-gislativa especialmente direcionada ao mercado imobiliário. Há, contudo, outro aspecto que merece ser destacado: a atipicidade do ciclo produtivo da indústria imobiliária. O ciclo que começa do processo de planejamento do

3 A média de remuneração por trabalhador no setor imobiliário em 2006 foi de 2,5 salários mínimos, o que demonstra o potencial gerador de empregos na camada da população de menor qualificação profissional. Cumpre ressaltar que os números apresentados referem-se à construção civil como um todo e não somente ao mer-cado imobiliário. Vide dados extraídos de: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEO-GRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Anual da Construção Civil, v. 6, 2006.

Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/paic/2006/comentario.pdf (acesso em 26.06.2010)

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414 RICARDO LACAZ MARTINS / JOÃO VICTOR GUEDES SANTOS

produto a ser ofertado, passando pela sua viabilização financeira, produ-ção e venda, demanda em média de três a cinco anos. Mesmo após a entre-ga da obra, remanescem relações econômicas e jurídicas entre a empresa vendedora e o adquirente do produto vendido, existindo créditos a serem recebidos e obrigações relativas ao produto vendido, conforme dispõe o artigo 618 do Código Civil.

Em decorrência da conjugação de todos esses fatores, observou-se no Brasil uma verdadeira profusão de leis especiais visando à regulamenta-ção do setor imobiliário, tais como a Lei nº 4.591/64 (versando sobre in-corporações imobiliárias), a Lei nº 6.766/79 (disciplinando os loteamentos urbanos) e a Lei nº 10.931/04 (regulamentando o patrimônio de afetação), dentre outros atos legais e infralegais.

A legislação tributária também destinou especial atenção ao mercado imobiliário. Seus objetivos foram tanto de adequar as regras de imposição tributária às especificidades apresentadas pelas atividades econômicas de-senvolvidas neste setor como de atender aos objetivos da Ordem Econômi-ca e Social previstos na Constituição Federal, induzindo comportamentos dos agentes participantes de tal mercado com vistas a atingir objetivos de política fiscal, financeira, econômica e social.

ii. meRCado imobiliáRio: atividadeS, agenteS e inStRumentoS

A fim de que se possa avançar no estudo do mercado imobiliário, torna-se fundamental a apresentação de noções preliminares acerca da natureza dos negócios desenvolvidos e dos agentes que participam do referido seg-mento da economia.

Mercado imobiliário, indústria da construção civil ou setor imobiliário são termos imprecisos que não refletem com exatidão as operações, agen-tes e instrumentos que atuam neste ramo econômico. Dentre as variadas atividades desenvolvidas no setor podem-se citar: (i) incorporação imobi-liária; (ii) venda de imóveis próprios; (iii) venda de imóveis de terceiros; (iv) loteamento; (v) locação de imóveis próprios, de acordo com o regime da Lei nº 8.245/91, ou nas operações de sale lease back ou de built-to-suit; e (vi) construção civil para terceiros, excluído o regime tributário aplicável à construção de obras públicas.

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415MERCADO IMOBILIÁRIO

Por sua vez, os principais agentes que atuam no mercado imobiliário são: (i) pessoas físicas; (ii) pessoas jurídicas; (iii) não-residentes em geral; (iv) fundos de investimento imobiliário (FII); (v) companhias securitiza-doras; e (vi) companhias hipotecárias. Além dos FII, outros fundos de in-vestimento regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) atuam direta ou indiretamente no mercado imobiliário. Exemplos mais comuns desses outros fundos são os fundos de investimento em participa-ções (FIP) e os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), os quais, no entanto, podem atuar em diferentes mercados, não se limitando a operar no mercado imobiliário.

Dado o escopo restrito do presente estudo, passa-se a apresentar de for-ma sucinta os principais conceitos e definições do mercado imobiliário, reservando-se para outra oportunidade comentários sobre operações re-lativas à securitização de recebíveis imobiliários e concernentes a valores mobiliários e fundos de investimento.

II.1. Conceito de bem imóvel

Costuma-se definir bem imóvel como sendo as coisas que não podem ser movidas ou outros objetos que o Direito equipara a bens imóveis. Em razão disso, o Código Civil segrega os bens imóveis em quatro categorias distintas: (i) imóveis por natureza; (ii) imóveis por acessão física; (iii) imó-veis por acessão intelectual; e (iv) imóveis por definição legal.

São imóveis por natureza as coisas que não podem ser transportadas, de um lugar para outro, sem que haja a sua destruição (ex.: solo, árvore).

Os imóveis por acessão física são aqueles que o homem incorpora de maneira permanente ao solo (ex.: pontes, viadutos), ao passo que os imó-veis por acessão intelectual são os bens que por natureza são móveis, não havendo uma adesão física propriamente dita ao imóvel, mas vínculo me-ramente intelectual (ex.: animais em uma propriedade rural). Por isto se diz que nos imóveis por acessão intelectual é a vontade humana que imo-biliza os bens móveis.

Por fim, há os imóveis que apenas são considerados como tal porque lei assim os define independentemente de haver relação direta ou indireta com um bem imóvel (ex.: direito à sucessão aberta).

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II.2. Incorporação imobiliária

O incorporador figura como aglutinador de interesses. Em primeiro lugar, aproxima o proprietário do terreno aos interessados na aquisição de uma unidade imobiliária. Além disso, o incorporador atua como corretor, ven-dendo o produto que desenvolveu. É chamado também de engenheiro ou arquiteto, pois elabora um projeto e executa a construção da obra, seja de modo direto ou por meio de terceiros. Mostra-se também o incorporador como financiador, na medida em que pode parcelar o preço do imóvel a ser alienado. Dito de outra forma, utilizando a definição legal existente na Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/64), o incorporador é aquele que promove a construção para a venda de unidades imobiliárias autônomas.

Tendo em vista essa multiplicidade de tarefas do incorporador, o insti-tuto da incorporação imobiliária acabou sendo legalmente definido como a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas por unidades autônomas.

A Lei de Incorporações Imobiliárias não restringe a execução da ativi-dade de incorporação às pessoas jurídicas, também podendo as pessoas físicas exercer tal atividade. Sob a ótica econômica e tributária, a renda decorrente da incorporação imobiliária deve ser tratada como decorrente da venda de imóvel. Sendo essa renda auferida por pessoa jurídica, a re-ceita deverá ser tratada como operacional, observada as normas que regem essa atividade. Se o agente econômico for pessoa física, em princípio a ren-da tributável deveria ser o ganho de capital existente, porém a legislação tributária equipara às pessoas jurídicas as pessoas físicas que promovam incorporação de unidades imobiliárias para venda.

II.3. Venda de imóveis próprios

Entende-se por venda de imóveis próprios a atividade segundo a qual o agente econômico executa a construção, em nome próprio, de unidade imobiliária autônoma que, posteriormente, será oferecida ao mercado, bem como a compra de imóvel em nome próprio para posterior revenda.

Nessas situações não há o exercício de atividade de incorporação imo-biliária, já que a venda é realizada após a obtenção de registro individuali-

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zado da unidade autônoma em cartório. Neste sentido, as operações de re-trofit, as quais consistem em remodelar um empreendimento normalmente antigo com a finalidade de adequá-lo às exigências tecnológicas atuais, nada mais são do que parte do processo de viabilização da venda ou loca-ção do produto.

II.4. Loteamento

Considera-se loteamento a atividade de subdivisão, para venda, de gleba em lotes, com a abertura de novas vias de circulação ou com a modificação das porventura já existentes, além da instituição de logradouros públicos. Portan-to, o lote nada mais é que o terreno atendido por uma infra-estrutura básica.

O loteamento constitui, pois, a venda de imóvel com benfeitorias execu-tadas pelo loteador, o qual não se confunde com o proprietário do terreno. O loteador atua de maneira similar ao incorporador, identificando o produ-to adequado ao mercado, desenvolvendo e coordenando os projetos para a implementação do loteamento, executando o planejamento de venda, etc.. No entanto, diferentemente do que acontece nas incorporações imobiliá-rias, em que geralmente o incorporador adquire a propriedade do imóvel em que será erigido o empreendimento, o loteador associa-se ao proprietá-rio da gleba que será dividida em lotes.

Diante disso, numa primeira análise poder-se-ia considerar que o lote-ador seria um mero prestador de serviços, porquanto a venda dos lotes é efetuada pelo proprietário original da gleba. Contudo, haja vista as espe-cificidades do desenvolvimento dos projetos de loteamento, em especial o risco envolvido nas vendas e o prazo de maturação do negócio, o loteador associa-se ao proprietário da gleba, comumente num contrato de parceria, recebendo sua remuneração em função do sucesso do empreendimento. Para fins tributários, o loteador é equiparado ao vendedor dos lotes.

II.5. Intermediação imobiliária

Também conhecida como corretagem imobiliária, essa atividade con-siste em exercer a intermediação de compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo ainda caracterizar atividade opinativa acerca da comer-cialização imobiliária.

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Trata-se, pois, de verdadeira prestação de serviços, figurando o corretor como mero intermediário entre o comprador e o vendedor, não participan-do do negócio final realizado.

II.6. Locação de imóveis próprios e as operações de sale lease back e de built-to-suit

Além da modalidade tradicional de locação de imóveis, surgiram no mercado as operações de sale lease back e de built-to-suit. Trata-se de mo-dalidades similares à locação que, pelas demandas de mercado, possuem fundamentos econômicos diversos dos aluguéis ordinários.

Nas operações de sale lease back as empresas que necessitam de capital de giro para suas atividades operacionais vendem seus imóveis, normal-mente aqueles que ocupam, para investidores imobiliários, que os alugam para a mesma empresa vendedora. Assim, cada agente econômico atinge seus objetivos com o negócio pactuado: a empresa vendedora/locatária ob-tém recursos para seu capital de giro, mantendo-se no mesmo imóvel ante-riormente ocupado, e o investidor imobiliário adquire imóvel com garantia de locação por longo período.

As operações de built-to-suit seguem lógica econômica similar. Uma empresa que pretende instalar-se em determinada localidade e não possui recursos para a construção da unidade pretendida contrata com investido-res imobiliários, que se obrigam a construir o referido imóvel e a locá-lo à empresa por prazo determinado desde o momento da primeira contratação entre as partes.

iii. tRibutação da Renda imobiliáRia naS PeSSoaS juRídiCaS: PRinCiPaiS aSPeCtoS

A tributação do setor imobiliário é dotada de um número infindável de peculiaridades que, em face do escopo limitado do presente estudo, não serão expostas com os detalhes que mereceriam. Essas peculiaridades en-volvem não apenas os tributos que incidem sobre o lucro imobiliário, como o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social so-bre o Lucro (CSL), mas também as contribuições sociais que incidem sobre a receita – Contribuição ao PIS e COFINS –, e em algumas situações o im-

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419MERCADO IMOBILIÁRIO

posto que incide sobre prestações de serviços – ISS – e o imposto incidente sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos – ITBI.

Nesta ocasião, serão delineados os principais aspectos relativos à tri-butação da renda imobiliária quando auferida pelas pessoas jurídicas e pessoas a elas equiparadas, expondo ao leitor um cenário geral acerca das sistemáticas de incidência do IRPJ e da CSL que são adotadas pelas entida-des que atuam no mercado imobiliário: o lucro real, o lucro presumido e o regime especial de tributação (RET). Ademais, quando for exposto quadro sinótico comparando esses três regimes tributários, será feita menção à Contribuição ao PIS e à COFINS apenas para se apresentar de forma mais clara a carga fiscal incorrida no mercado imobiliário.

III.1. Lucro real

Todas as pessoas jurídicas submetidas à tributação com base no lucro real deverão sofrer incidência do IRPJ e da CSL sobre o lucro líquido do exercício ajustado por adições, exclusões e compensações admitidas ou previstas em lei. Com relação às pessoas jurídicas que exercem atividades imobiliárias, este cenário não se modifica, havendo apenas algumas im-portantes peculiaridades relativas ao reconhecimento de receitas e custos e despesas para a apuração da renda imobiliária, haja vista as especifici-dades do setor.

Em razão da atipicidade dos contratos de compra e venda de unidades imobiliárias, a legislação tributária prevê algumas sistemáticas especiais que visam a emparelhar receitas e custos e despesas tanto na hipótese de recebimento à vista do preço antes da construção do imóvel negociado (venda na planta) como na hipótese de o preço ser recebido de forma par-celada, já que o prazo de recebimento do preço nesse setor é normalmente longo. Vê-se na legislação tributária que regulamenta a imposição fiscal sobre o lucro decorrente das operações imobiliárias que o emparelhamento entre receitas e custos e despesas é um dos pilares básicos do sistema.

Exemplo clássico da primeira hipótese (recebimento à vista do preço antes da construção) é a sistemática do “custo orçado”, em que a legis-lação permite que se a venda for contratada antes de completado o em-preendimento, o contribuinte compute, no custo total do imóvel vendido, além dos valores pagos, incorridos ou contratados, os custos orçados para

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a conclusão das obras ou dos melhoramentos a que estiver contratualmente obrigado. É importante destacar que a sistemática do “custo orçado” é uma mera opção do contribuinte, não sendo obrigatória a sua adoção para fins de apuração do resultado tributável referente aos empreendimentos imobi-liários de que participe.

Além disso, no que tange à segunda hipótese aventada (recebimento par-celado), no caso de vendas a prazo ou a prestações existe a possibilidade de diferimento do reconhecimento do lucro imobiliário. Com vistas a con-trapor as receitas auferidas aos custos e despesas, a legislação fiscal prevê a possibilidade de submissão do lucro imobiliário à tributação tão somente quando do reconhecimento de parcela do preço contratado.

Importante se faz salientar que para efeito de apuração do lucro real, os juros e correção monetária decorrentes do financiamento de imóvel, com a conseqüente venda de forma parcelada, são considerados pela legislação tributária como sendo receita financeira, não recebendo o mesmo trata-mento previsto para o reconhecimento das demais receitas imobiliárias. Merece críticas a ausência de previsão legislativa específica com relação a esse aspecto, diferentemente do que ocorre para efeitos de determinação do lucro presumido e do RET, pois no setor imobiliário os juros e correção monetária nada mais são que parte do preço da unidade vendida, sendo o financiamento direto meramente um meio para que o negócio possa se efetivar.

Sobre o lucro tributável apurado incidem o IRPJ e a CSL, às alíquotas de 25%4 e de 9%, respectivamente.

III.2. Lucro presumido

A tributação do lucro conforme uma base presumida é mecanismo mui-to utilizado por pessoas jurídicas que atuam no mercado imobiliário, es-pecialmente pelas que se dedicam às atividades de incorporação, compra e venda de imóveis próprios, loteamento e locação de imóveis.

4 Alíquota base de 15% acrescida do adicional de 10% sobre o lucro que ultrapassar o montante de R$ 20.000,00 multiplicados pelo número de meses do período de apuração.

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As razões para a opção pelo lucro presumido são diversas. Primeiro, o percentual de margem de lucro estabelecido para venda de imóveis pró-prios, incorporados ou loteados é de 8% e de 12% sobre a receita, respecti-vamente para a incidência do IRPJ e da CSL, o que se mostra vantajoso se comparado com as margens de lucro normalmente praticadas no mercado. No caso de locação de imóveis próprios, a margem de presunção de lucro é de 32%, tanto para a apuração do IRPJ como para a determinação da CSL devida.

Outra razão é a simplificação existente em relação ao adimplemento das obrigações tributárias por parte dos contribuintes, aliada ao fato de que as pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido que exerçam atividades imobiliárias têm em regra carga tributária menor relativamente à incidên-cia de Contribuição ao PIS e de COFINS.

Fator que acaba por auxiliar os empreendedores imobiliários na possibi-lidade de tributação pelo lucro presumido é o fato de instituições financia-doras dos projetos normalmente exigirem que o empreendimento imobili-ário seja desenvolvido por meio de sociedades constituídas exclusivamente para esse único fim: as denominadas sociedades de propósito específico (SPE). Isto porque a opção pelo lucro presumido apenas pode ser exercida por pessoas jurídicas que tenham auferido, no ano-calendário anterior, re-ceita anual máxima de R$ 48.000.000,00. Destarte, à medida que é cons-tituída uma pessoa jurídica para abrigar cada empreendimento imobiliário a ser desenvolvido, torna-se factível que o lucro imobiliário seja tributado conforme o lucro presumido, pois o limite acima mencionado deve ser computado individualmente por pessoa jurídica.

Em regra, as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas op-tantes pela sistemática do lucro presumido são tributadas integralmente pelo IRPJ e pela CSL, sem a aplicação de qualquer percentual de presun-ção de lucro (diz-se que se presume que o lucro é de 100%). Atento para as peculiaridades do setor imobiliário e para a incongruência que seria sub-meter as receitas decorrentes de juros e correção monetária concernentes a financiamentos imobiliários a carga tributária deveras elevadas, o legis-lador previu a aplicação dos mesmos percentuais ordinários de presunção de lucro à receita financeira das pessoas jurídicas que exploram atividades imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária,

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construção de prédios destinados à venda e venda de imóveis construídos ou adquiridos para a revenda. Para tanto, devem ser observados índices ou coeficientes previstos em contrato.

Tal como ocorre na sistemática do lucro real, o lucro tributável aferido de acordo com a sistemática do lucro presumido é tributado pelo IRPJ e pela CSL às alíquotas respectivas de 25%5 e de 9%.

III.3. Regime especial de tributação (RET)

O patrimônio de afetação das incorporações imobiliárias traduz um mecanismo legal que possibilita maior proteção aos credores e facilita da obtenção de financiamento para empreendimentos imobiliários. Na seara tributária, a Lei nº 10.931/04 regulamentou o tratamento a ser conferido ao patrimônio de afetação das incorporações imobiliárias, tendo sempre como objetivo fomentar o mercado imobiliário.

Instituiu-se com o aludido ato legal o RET, regime especial de tributação de caráter opcional e irretratável concernente à segregação patrimonial re-lativa aos empreendimentos executados, enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação.

Criado originalmente para ser uma forma de antecipação da tributação devida pelo incorporador imobiliário ao Fisco federal, em razão de altera-ção promovida em 2005 o RET tornou-se uma sistemática de tributação definitiva que abrange o IRPJ, a CSL, a Contribuição ao PIS e a COFINS, quando a incorporadora passou a sujeitar-se a pagamento equivalente a 7% da receita mensal recebida.

Mediante modificação legislativa ocorrida em 2009, esse percentual de 7% foi reduzido para 6%, mostrando-se o RET, ao menos em princípio, como sendo uma sistemática tributária mais vantajosa ao incorporador imobiliário do que o lucro presumido, o qual, em relação a esses quatro tributos, confere-lhe carga tributária aproximada de 6,73%. Vale ressaltar que, tal como ocorre no lucro presumido, incluem-se na receita sujeita ao

5 Alíquota base de 15% acrescida do adicional de 10% sobre o lucro que ultrapassar o montante de R$ 20.000,00 multiplicados pelo número de meses do período de apuração.

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423MERCADO IMOBILIÁRIO

RET as receitas com juros e com variação monetária referentes às opera-ções de incorporação.

Cumpre finalmente mencionar que como forma de estímulo a projetos de incorporação de imóveis residenciais de interesse social cuja construção tenha sido iniciada ou contratada a partir de 31 de março de 2009, reduziu-se, até 31 de dezembro de 2013, para 1% o percentual referente à incidência fiscal conforme o RET. Consideram-se projetos de incorporação de imó-veis de interesse social os destinados à construção de unidades residenciais de valor comercial de até R$ 60.000,00, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV).

III.4. Quadro comparativo

Ante todo o exposto, apresentam-se abaixo as principais semelhanças e diferenças entre o lucro real, o lucro presumido e o RET:

Lucro Real lucro Presumido Ret

Quanto ao objeto

Aplicável a todo o mercado imobiliário

Aplicável a todo o mercado imobi-liário

Limitado às incor-porações imobiliá-rias

Quanto à receita

Não há limite de recei-ta para a opção

Limite de R$ 48 milhões em relação ao ano anterior

Não há limite de re-ceita para a opção

Carga fiscal (IRPJ, CSL,

Contribuição ao PIS e COFINS)

- IRPJ + CSL: 34% so-bre o lucro- PIS + COFINS: so-bre a receita, 9,25% ou 3,65% (contratos de longo prazo firmados antes de 31.10.2003)

6,73% sobre a re-ceita (exceto ativi-dades de locação e prestação de ser-viços)

6% sobre a receita

Momento da opção

Anual (no primeiro pa-gamento do exercício)

Anual (no primei-ro pagamento do exercício)

Quando da opção pelo RET (a qual-quer momento no curso da incorpo-ração)

Alteração do regime de tributação

Facultada a cada exer-cício

Facultada a cada exercício

Definitivo, a partir da opção

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424 RICARDO LACAZ MARTINS / JOÃO VICTOR GUEDES SANTOS

iv. PeRSPeCtivaS futuRaS

Viu-se com as breves considerações apresentadas no decorrer deste es-tudo que a evolução do mercado imobiliário brasileiro na última década esteve estritamente vinculada às modificações ocorridas no sistema tribu-tário vigente: o legislador nacional vem se utilizado do instrumento fiscal como meio de induzir comportamentos, introduzindo uma série de incen-tivos tributários visando a fomentar o setor imobiliário.

A tendência que se observa é que cada vez mais sejam retirados entra-ves tributários para os investimentos no mercado imobiliário, fazendo com que empresários sejam estimulados a aportar recursos em setor de extrema relevância para a sociedade brasileira.

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o traNsPorte rodoVIÁrIo No BrasIl

luís fernando HasegawaAdvogado, com Capacitação Empresarial em Gestão de Negócios

e Liderança, pela Universidade da Indústria – Unindus.

intRodução – imPoRtânCia do tRanSPoRte de PaSSageiRoS PaRa a eConomia bRaSileiRa

O transporte de passageiros no Brasil é um serviço público essencial, cuja outorga é efetuada através de licitação pública.

A exploração do serviço é realizada, quase em sua totalidade, pela ini-ciativa privada. Entretanto, em certas situações, na área urbana, a explora-ção pode ser feita por empresas públicas.

O transporte rodoviário de passageiros representa quase 95% do total de deslocamentos interestaduais realizados no Brasil, com uma movimenta-ção superior a 140 milhões de usuários ao ano, nos 13.400 ônibus utiliza-dos pelas empresas prestadoras desse tipo de serviço.

Estima-se a existência de 1.211 empresas atuantes no transporte de pas-sageiros, intermunicipal e interestadual. O faturamento anual dessas em-presas do setor supera R$ 2,5 bilhões, segundo informações da agência reguladora.

Além disso, a malha rodoviária no Brasil compreende cerca de 1,8 mi-lhões de quilômetros.

Diante da grandiosidade dessa operação, restou imperiosa a divisão de competências de regulamentação e de fiscalização, cabendo dizer, em li-nhas gerais, que (i) as prefeituras municipais são responsáveis pelo trans-porte urbano, (ii) os governos estatuais pelas linhas intermunicipais e (iii) o governo federal pelo transporte interestadual e internacional de passa-geiros.

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426 LUÍS FERNANDO HASEGAWA

da agênCia ReguladoRa e aS SuaS ComPetênCiaS

A gestão dos serviços de transporte rodoviário interestadual e interna-cional coletivo de passageiros era realizada pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER, até o ano de 1990.

Em 1990, com a edição da Lei n.º 8.028, de 12 de abril e do Decreto n.º 99.244, de 10 de maio, foram transferidas as competências para o Ministé-rio da Infra-Estrutura – MINFRA. Nasceu, então, o Departamento Nacio-nal de Transportes Rodoviários – DNTR.

Em 1991, extinguiu-se o DNTR, por meio do Decreto n.º 35, de 11/02/1991, que criou a Coordenação Geral de Transportes, ainda na es-trutura do MINFRA. Em 1992, foi criado o Departamento Nacional de Transportes Terrestres – DNTT, na estrutura do Ministério dos Transpor-tes e Comunicações que, em outubro do mesmo ano, foi transformado em Ministério dos Transportes.

Em 1993, com a edição do Decreto n.º 731, de 25/01, foi transferida a competência do DNTT para a Secretaria de Produção, que incluiu, em sua organização, o Departamento de Transportes Rodoviários – DTR.

Em 1995, foi retomado o Ministério dos Transportes e instalada a Se-cretaria de Transportes Terrestres – STT. O DTR passou a integrar a es-trutura da STT e recebeu delegação de competência, para praticar os atos relativos à organização, coordenação, controle, outorga e fiscalização dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional coletivo de passageiros, bem como aplicar o Acordo sobre o Transporte Internacional Terrestre – ATIT.

Com a publicação da Lei n.º 10.233, de 05 de junho de 2001, a regulação e a supervisão da prestação dos serviços de transporte rodoviário interestadu-al e internacional coletivo de passageiros passou para a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, que determinou a reestruturação dos trans-portes aquaviário e terrestre, com a implantação do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Ter-restres – ANTT, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT.

Com o Decreto n.º 4.130, que regulamentava a Lei n.º 10.233/2001, ocor-reu, efetivamente, a instalação da ANTT, com foro no Distrito Federal.

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427O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL

São competências da Agência Reguladora a concessão de ferrovias, rodovias e transporte ferroviário associado à exploração da infra-estru-tura; a permissão de transporte coletivo regular de passageiros pelos meios rodoviários e ferroviários e a autorização de transporte de pas-sageiros, sob regime de fretamento, transporte internacional de cargas e terminais.

Além disso, cabe à ANTT, por lei, in verbis:

I – promover pesquisas e estudos específicos de tráfego e de demanda de serviços de transporte;

II – promover estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e os benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados;

III – propor ao Ministério dos Transportes os planos de outorgas, ins-truídos por estudos específicos de viabilidade técnica e econômica, para exploração da infra-estrutura e a prestação de serviços de trans-porte terrestre;

IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;

V – editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de infra-estrutura e de prestação de serviços de transporte terrestre, ce-lebrando e gerindo os respectivos contratos e demais instrumentos administrativos;

VI – reunir, sob sua administração, os instrumentos de outorga para exploração de infra-estrutura e prestação de serviços de transporte terrestre já celebrados antes da vigência desta Lei, resguardando os direitos das partes e o equilíbrio econômico-financeiro dos respec-tivos contratos;

VII – proceder à revisão e ao reajuste de tarifas dos serviços prestados, segundo as disposições contratuais, após prévia comunicação ao Mi-nistério da Fazenda;

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428 LUÍS FERNANDO HASEGAWA

VIII – fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens ar-rendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descum-primento;

IX – autorizar projetos e investimentos no âmbito das outorgas estabe-lecidas, encaminhando ao Ministro de Estado dos Transportes, se for o caso, propostas de declaração de utilidade pública;

X – adotar procedimentos para a incorporação ou desincorporação de bens, no âmbito dos arrendamentos contratados;

XI – promover estudos sobre a logística do transporte intermodal, ao longo de eixos ou fluxos de produção;

XII – habilitar o Operador do Transporte Multimodal, em articulação com as demais agências reguladoras de transportes;

XIII – promover levantamentos e organizar cadastro relativos ao siste-ma de dutovias do Brasil e às empresas proprietárias de equipamen-tos e instalações de transporte dutoviário;

XIV – estabelecer padrões e normas técnicas complementares relativos às operações de transporte terrestre de cargas especiais e perigosas;

XV – elaborar o seu orçamento e proceder à respectiva execução finan-ceira.

XVI – representar o Brasil junto aos organismos internacionais e em convenções, acordos e tratados na sua área de competência, obser-vadas as diretrizes do Ministro de Estado dos Transportes e as atri-buições específicas dos demais órgãos federais.

XVII - exercer, diretamente ou mediante convênio, as competências ex-pressas no Código de Trânsito Brasileiro, nas rodovias federais por ela administradas.

Dentro da organização criada para a regulamentação, fiscalização dos transportes rodoviários de pessoas no Brasil temos a figura do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT, criado no artigo 5.º, da Lei n.º 10.233, de 2001.

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429O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL

O CONIT é um órgão de assessoramento, vinculado à Presidência da República, que possui como objetivo a proposição de políticas nacionais de integração dos diferentes modos de transporte de pessoas e bens, em conformidade com as seguintes diretrizes:

I - as políticas de desenvolvimento nacional, regional e urbano, de de-fesa nacional, de meio ambiente e de segurança das populações, for-muladas pelas diversas esferas de governo;

II – as diretrizes para a integração física e de objetivos dos sistemas viários e das operações de transporte sob jurisdição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

III – a promoção da competitividade, para redução de custos, tarifas e fretes, e da descentralização, para melhoria da qualidade dos servi-ços prestados;

IV – as políticas de apoio à expansão e ao desenvolvimento tecnológico da indústria de equipamentos e veículos de transporte;

V – a necessidade da coordenação de atividades pertinentes ao Sistema Federal de Viação e atribuídas pela legislação vigente aos Ministé-rios dos Transportes, da Defesa, da Justiça, das Cidades e à Secreta-ria Especial de Portos da Presidência da República.

O Conselho CONIT é formado por Conselheiros de diversos Mi-nistérios e também pelo Secretário Especial de Portos da Presidência da República. A critério do presidente do CONIT, podem participar de reuni-ões do colegiado outros Ministros de Estado, dirigentes de outros órgãos ou entidades públicas, dirigentes de entidades não governamentais da área de transportes e representantes da sociedade civil, de conformidade com a pauta a ser apresentada.

da Regulamentação da exPloRação de SeRviçoS de tRanSPoRteS de PaSSageiRoS

A regulamentação da exploração dos serviços de transporte rodoviário, interestadual e internacional coletivo de passageiros, é realizada através de normas aprovadas, em Resolução pela Diretoria Colegiada da ANTT, pelo

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430 LUÍS FERNANDO HASEGAWA

Decreto nº 2.521/1998, sob a égide da Lei n.º 10.233/2001 e da Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

O Decreto de n.º 2.521/1998 dispõe sobre a exploração, mediante per-missão e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, sendo que, em seu artigo 1.º, expõe a compe-tência privativa da União para exploração dos serviços rodoviários interes-tadual e internacional de transporte coletivo de passageiros.

A delegação dos serviços está condicionada ao princípio da prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários. Por serviço ade-quado, a legislação entende que “é o que satisfaz as condições de pontu-alidade, regularidade, continuidade, segurança, eficiência, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.

A delegação tratada pelo decreto é realizada por meio de permissão, nos casos de transporte rodoviário de passageiros interestadual e internacional e por meio de autorização, nos seguintes casos:

a) transporte rodoviário internacional em período de temporada turística;

b) prestação de serviços em caráter emergencial;

c) transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, sob regime de fretamento contínuo;

d) transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, sob regime de fretamento eventual ou turístico;

Referida norma está em consonância com o determinando pela Consti-tuição Federal, que rege os serviços públicos:

Art. 175:Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime

de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Além disso, temos o artigo 21, da Constituição, que se refere especi-ficamente ao serviço público de transporte rodoviário de passageiros, in verbis.

Art. 21 da Constituição Federal do Brasil

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431O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL

Compete à União:

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou per-missão:

d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasi-leiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Es-tado ou Território;

e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.

As permissões são sempre precedidas de licitação, na forma da lei, pos-suindo duração de 15 anos. Ainda, não há caráter de exclusividade e são formalizadas por meio de contrato de adesão.

Por sua vez, as autorizações são formalizadas mediante termo de autoriza-ção, no qual resta indicada a forma e o período de prestação dos serviços.

Para evitar a formação de monopólios e, também, com vistas a estimular a concorrência, a legislação veda a exploração de serviços, em uma mesma linha, por transportadoras que mantenham, entre si, vínculo de interde-pendência econômica, entendido como:

I – participação no capital votante, um das outras, acima de dez por cento;

II – diretor, sócio gerente, administrador ou sócios em comum, estes com mais de dez por cento do capital votante;

III – participação acima de dez por cento no capital votante de uma e outra das empresas, de cônjuge ou parente até o terceiro grau civil;

IV – controle pela mesma empresa “holding”. Como dito, as permissões são concedidas por meio de licitações, que

seguem, grosso modo, as regras gerais de contratação da administração pública. Entretanto, o referido decreto esclarece os critérios para o julga-mento das licitações afeitas ao transporte público, sendo:

I – o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado após quali-ficação de propostas técnicas;

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432 LUÍS FERNANDO HASEGAWA

II – melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de pro-postas técnicas;

Ill – a combinação dos critérios referidos nos incisos I e II deste artigo.O critério a ser adotado é sempre o descrito no item III, entretanto, em

casos excepcionais, pode ser aceito apenas um dos critérios anteriores.É importante destacar que, nas licitações, em igualdade de condições,

será dada preferência às propostas de empresas brasileiras, em detrimento das estrangeiras, por se tratar de serviço público essencial.

da Regulamentação da exPloRação de SeRviçoS de tRanSPoRteS RodoviáRioS de CaRgaS

Pelo destaque que também possui na economia nacional, não podemos deixar de discorrer sobre o serviço de transporte rodoviário de cargas.

O transporte rodoviário de cargas está embarcado na esfera de compe-tência da ANTT, conforme artigo 21, da Lei n.º 10.233/2001. Ao contrário do transporte de passageiros, não é competência privativa da União, assim, não necessita de permissões e autorizações.

Entretanto, para a realização de tais serviços, a ANTT exige que as Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas, as Cooperativas de Transporte de Cargas e os Transportadores Autônomos de Cargas, que praticam atividade econômica de transporte rodoviário de cargas no Bra-sil, por conta de terceiros e mediante remuneração, estejam regularmente inscritas, no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Car-gas – RNTRC.

O registro foi regulamentado pela Resolução n.º 3056, de 12 de março de 2009, que dispõe sobre o exercício da atividade de transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração, estabelece procedi-mentos para inscrição e manutenção no Registro Nacional de Transporta-dores Rodoviários de Cargas – RNTRC.

A resolução divide a atividade em duas categorias:

I – Transportador Autônomo de Cargas – TAC;

II – Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas – ETC;

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433O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL

Os transportadores autônomos de cargas, para regularização de sua si-tuação, devem preencher os seguintes requisitos:

a) possuir Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ativo;

b) possuir documento oficial de identidade;

c) ter sido aprovado em curso específico ou ter ao menos três anos de experiência na atividade;

d) estar em dia com sua contribuição sindical;

e) ser proprietário, co-proprietário ou arrendatário de, no mínimo, um veículo ou uma combinação de veículos de tração e de cargas com Capacidade de Carga Útil – CCU, igual ou superior a quinhentos quilos, registrados em seu nome no órgão de trânsito como de cate-goria “aluguel”, na forma regulamentada pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN.

Por sua vez, as Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas devem preencher as exigências de sua categoria, sendo:

a) possuir Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas – CNPJ ativo; b) estar constituída como Pessoa Jurídica por qualquer forma prevista em

Lei, tendo no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal;c) ter sócios, diretores e responsáveis legais idôneos e com CPF ativo;d) ter Responsável Técnico idôneo e com CPF ativo com, pelo menos,

três anos na atividade, ou aprovado em curso específico;

e) estar em dia com sua contribuição sindical; e

g) ser proprietário ou arrendatário de, no mínimo, um veículo ou uma combinação de veículos de tração e de cargas com Capacidade de Carga Útil – CCU, igual ou superior a quinhentos quilos, registrados em seu nome no órgão de trânsito como de categoria “aluguel”, na forma regulamentada pelo CONTRAN.

Importante destacar que essas categorias não comportam o transporta-dor de carga própria, o qual nunca cobra frete e, por conseguinte, está dis-pensado da inscrição no RNTRC. Quem somente transporta carga própria

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434 LUÍS FERNANDO HASEGAWA

deve ter seus veículos emplacados como categoria “particular” (placa com fundo cinza e letras pretas).

O Transporte de Carga Própria é identificado, quando a Nota Fiscal dos produtos tem como emitente ou destinatário a empresa, entidade ou indi-víduo proprietário ou arrendatário do veículo.

Solicitado o registro e preenchidos os requisitos, será emitido o Cer-tificado de Registro Nacional de Transportador Rodoviário de Cargas – CRNTRC, sendo obrigatória a identificação dos veículos de propriedade, co-propriedade ou arrendados pelo transportador registrado, mediante fixação do código do registro, nas laterais externas da cabine de cada veículo automotor e de cada reboque ou semi-reboque. O Certificado de Registro deverá ser renovado, a cada 05 anos, a contar da data de sua expedição

A fiscalização será realizada pela Polícia Rodoviária Federal, nas rodovias federais, bem como por fiscais da ANTT, nas rodovias con-cedidas à iniciativa privada. Os transportadores que não possuírem o Certificado ou com irregularidades no registro estarão sujeitos à multa e às sanções.

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e-coMMerce

marianna furtado de mendonça [email protected]. Graduada em Direito e Pós-graduada em

Direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Mestranda em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI . Associada do Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira

de Mello Advogados Associados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)

eduardo magalhães machado [email protected]. Mestre em Propriedade Intelectual pela MIPLC – Munich Intelectual Property Law Center. Árbitro da Organização Mundial

da Propriedade Intelectual (OMPI) e do National Arbitration Fórum (NAF) para a Câmara de Arbitragem de Disputa de Nomes de Domínio.

Sócio do Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello Advogados Associados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)

doS aSPeCtoS geRaiS:

O e-commerce pode ser definido como a compra e venda de produtos, ou a prestação de serviços, ofertadas e efetuadas através de sites na Inter-net, que atuam como verdadeiros estabelecimentos comerciais virtuais.

As transações comerciais realizadas em ambiente virtual vêm crescen-do consideravelmente nos últimos anos e ainda possui grande potencial de crescimento no Brasil. De acordo com levantamento feito pela consultoria e-bit, de cerca de um milhão de consumidores online registrados em 2001, o Brasil chegou a 2009 com um número de 17,6 milhões de pessoas que preferem consumir bens e serviços pela internet.

Fator que contribui para o crescimento do comércio eletrônico é, sem dúvida, o aumento do acesso das classes populares devido a ampliação do crédito e as facilidades oferecidas através do parcelamento das compras. O comércio eletrônico brasileiro vem evoluindo de forma consistente e atual-mente apresenta índices de crescimento superior a 18% ao ano.

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436 MARIANNA FURTADO DE MENDONÇA / EDUARDO MAGALHÃES MACHADO

Segundo pesquisa do Ibope/Instituto Nielsen, realizada em dezembro

de 2009, existem no Brasil 67,5 milhões de internautas, aproximadamente 40% da população brasileira. E de cada dez internautas, sete visitam regu-larmente sites de compra.

Assim, não restam dúvidas de que com a expansão e disseminação da internet, o comércio eletrônico tornou-se um segmento importante do se-tor de varejo no Brasil.

doS aSPeCtoS legaiS:

Não há no Brasil qualquer Lei que esteja em vigor com o objetivo de regular especificamente os fatos ocorridos no ambiente virtual e as transa-ções avençadas por meio da Internet.

Alguns projetos de lei referentes ao tema tramitam nas casas do legislati-vo brasileiro, dentre eles: o Projeto de Lei nº 1.589/991 (apensado ao Projeto de Lei n.º 1483/99); o Projeto de Lei nº 3.303/002 (apensado ao Projeto de

1 O projeto de lei nº 1.589/99, em síntese, trata dos seguintes aspectos: a) desnecessidade de autorização prévia para oferta de bens e serviços em razão do

meio eletrônico; b) obrigatoriedade de identificação do ofertante, do armazenador, do provedor de

acesso e dos sistemas de segurança para o arquivamento do contrato eletrônico; c) regras de utilização de informações de caráter privado; d) segurança e certificação eletrônica das transações; e) responsabilidades dos intermediários, transmissores e armazenadores de infor-

mações; f) aplicabilidade das normas de proteção e defesa do consumidor ao comércio ele-

trônico; g) eficácia jurídica das assinaturas eletrônicas e dos documentos eletrônicos; h) certificações eletrônicas públicas e privadas; i) responsabilidade de tabeliães relacionada á atividade de certificação eletrônica; j) registros eletrônicos; l) competência do Poder Judiciário para autorizar, regulamentar e fiscalizar o exer-

cício das atividades de certificação; m) competência do Ministério da Ciência e Tecnologia para regulamentar os aspec-

tos técnicos das certificações; n) as sanções administrativas e penais aplicáveis.2 As principais inovações trazidas pelo projeto de Lei nº 3.303/00, dentre outras

são:

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437E-COMMERCE

Lei n.º 3016/2000) e o Projeto de Lei n.º 672/993, tendo como substitutivo o Projeto de Lei n.º 4.906/01.

Com o Projeto de Lei nº 4.906/01 que tem como objeto principal o comércio eletrônico, pretendeu-se, de certa forma, unificar todas as principais propostas trazidas pelos outros Projetos, tendo em vista a necessidade de uniformização das normas de comércio eletrônico não só para o território nacional, como também para atender as transações eletrônicas de uma modalidade de comér-cio cada vez mais globalizado, criando regras para a aplicação de requisitos legais às mensagens eletrônicas, para que pudesse ser validada a celebração de contratos celebrados através da Internet, por exemplo.

Todavia, apesar de todo o esforço despendido até o momento, nenhuma outra iniciativa para a regulamentação da Internet no Brasil, contou tanto com a colaboração popular quanto o projeto do Marco Regulatório Civil da Internet no Brasil.

A primeira fase da consulta pública do Marco Civil Regulatório da In-ternet foi iniciada no dia 29 de outubro de 2009 e, segundo a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça – a responsável pela cria-ção do Marco Civil Regulatório em questão –, contou com a colaboração de 822 pessoas físicas e jurídicas, tais como a Ordem dos Advogados do

a) a classificação do provedor de acesso como prestador de serviços de valor adi-cionado ao serviço de telecomunicação;

b) a instituição de mecanismos de segurança, cadastro de usuários juntos aos pro-vedores de acesso e meios adequados para a identificação de práticas ilícitas na Internet;

c) a realização dos registros e a coordenação dos nomes de domínio pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil; e

d) a criação de Conselho de Ética da Internet.3 Os principais pontos trazidos pelo projeto de Lei nº 672/99, são os seguintes: a) reconhecimento de efeitos jurídicos às mensagens de dados; b) equiparação da mensagem eletrônica à mensagem impressa; c) equiparação dos métodos de identificação eletrônicos à assinatura; d) autenticidade de informações em meio eletrônico; e) conservação de mensagens eletrônicas; f) validade das declarações de vontade e formação de contratos através de mensa-

gens eletrônicas; g) princípios aplicáveis à determinação do remetente, do destinatário, do tempo e

do lugar relativos ao envio e ao recebimento das mensagens eletrônicas.

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438 MARIANNA FURTADO DE MENDONÇA / EDUARDO MAGALHÃES MACHADO

Brasil (OAB), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasilei-ra de Internet (ABRANET), Instituto Brasileiro de Defesa de Consumidor (IDEC), Câmara de Comércio Eletrônico, dentre outras entidades.

Entre as sugestões trazidas pelas discussões, há a proposta de obrigar a empresa prestadora de serviço ou que comercialize produtos através da Internet, a informar seus dados, tais como: Razão Social, CNPJ, endereço físico e telefone para que o consumidor tenha acesso a seus dados.

Há também a sugestão de que o provedor de serviço de internet seja isento da responsabilidade sobre conteúdo gerado por seu usuário que ofenda direito de terceiros.

Note que tal sugestão hoje já ocorre na prática, vez que os Tribunais Brasileiros têm entendido que o provedor de serviços de Internet não pode ser responsabilizado por conduta de seu usuário que prejudique terceiros.

Ressalte-se, nesse sentido, que o provedor de serviço só será isento de responsabilização se não tiver sido notificado da ofensa. O provedor pode-rá ser responsabilizado na hipótese ter sido notificado e se omitido.

Outra sugestão - talvez para evitar decisões de censura absurda, tal como a do caso Cicarelli em que um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o bloqueio do Youtube para os internautas brasilei-ros - foi a de que um site só pode ser retirado do ar se colocar em risco a segurança nacional.

Quanto ao tema aqui tratado é importante observar o que foi discutido no chamado segundo eixo do Marco – O Marco Regulatório Civil da In-ternet no Brasil tem 3 eixos – que tem como objetivo delimitar as respon-sabilidades dos diversos atores encarregados de viabilizar processos de comunicação e transação através da internet.

Um dos questionamentos desse tema é relacionado ao tipo de respon-sabilidade que devem ser imputadas aos provedores de internet: respon-sabilidade objetiva, onde basta que se evidencie a ocorrência de um dano e um nexo de causalidade ou responsabilidade subjetiva, onde além da ocorrência do dano e da existência de nexo de causalidade entre conduta e resultado, é necessária a conduta culposa do agente.

A nosso ver, imputar aos provedores de serviço de internet regra de responsabilidade civil tão ampla inviabilizaria a prestação do serviço, vez

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439E-COMMERCE

que tais provedores, para evitar ao máximo sua responsabilização, seriam obrigados a monitorar cada passo de seus usuários quando da utilização de seus serviços.

As discussões em torno desse tema demonstraram grande preocupação, no sentido de se evitar eventuais ofensas a direitos fundamentais, como por exemplo, a liberdade de expressão e o direito de acesso à informação sob a alegação de necessidade de implantação de filtros para afastar a res-ponsabilização dos provedores.

Segundo a proposta4 de debate do Marco Civil ofertada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) e a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça “... do ponto de vista tecnológico, uma neutrali-dade “absoluta” é impraticável. Critérios técnicos, por exemplo, podem exigir determinado privilégio de tráfego. No entanto, permitir formas de favorecimento ou discriminação por motivos políticos, comerciais, reli-giosos, culturais ou de qualquer outra natureza, que não seja fundada em valores técnicos, significa degradar a rede e seu próprio valor como bem público – sem falar em uma potencial ofensa a valores fundamentais, como a liberdade de expressão e o direito ao acesso e à comunicação. A delimitação de eventual legislação que tenha por objetivo impedir tais práticas de filtragem indevida e outros obstáculos à circulação de dados pela rede, garantindo sua neutralidade, é o principal objeto deste tópi-co” e acrescenta “Tais procedimentos – administrativos ou extrajudiciais judiciais para resolução de conflitos ou para salvaguardar uma limitação de responsabilidade dos provedores de serviço de internet – precisam ser adequadamente calibrados, para não gerarem prejuízo à privacidade, à liberdade de expressão e à própria natureza da rede. Um desequilíbrio em tais procedimentos pode levar, por um lado, a um cerceamento a direitos fundamentais. Um desequilíbrio em direção oposta pode causar, por sua vez, uma total falta de responsabilização ou sobrecarga dos magistrados com questões que poderiam ser decididas sem que fosse necessário o re-curso ao Poder Judiciário.”

Aliás, a preocupação com os direitos individuais e coletivos são tratados no eixo 1 da proposta para a discussão do Marco Regulatório. De acordo

4 http://www.ccsl.ime.usp.br/files/anexo_9.pdf . Acessado em 07.06.2010

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440 MARIANNA FURTADO DE MENDONÇA / EDUARDO MAGALHÃES MACHADO

com a proposta5 de debate acima mencionada “o primeiro eixo da discussão busca identificar direitos individuais e coletivos relacionados ao uso da in-ternet atualmente não previstos de forma explícita no ordenamento jurídico nacional. Embora passíveis de proteção por derivarem de princípios cons-titucionais, a ausência de previsão legal específica para sua proteção acaba por prejudicar sua tutela e exercício. Também busca adaptar os direitos fundamentais existentes a um contexto de comunicação eletrônica.”

Além do direito à liberdade de expressão e do direito à informação e comunicação, as discussões do Marco Civil Regulatório da Internet no Brasil cuidoaram de outros direitos fundamentais garantidos por nossa Constituição, como por exemplo, o direito à intimidade e à vida privada e à inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegrá-ficas, telefônicas e de dados.

Quanto ao eixo 3 da discussão do Marco Regulatório, o mesmo visa o debate para que se alcance diretrizes governamentais “que possam servir de referência para a formulação de políticas públicas e para a posterior regu-lamentação em nível infralegal de aspectos relacionados à internet.”6

O terceiro eixo trata também do acesso a dados e informações públicos, ampliação das redes de banda larga e inclusão digital e de inciativas públi-cas e privadas para a cultura digital e para o desenvolvimento social.

Assim, é inquestionável que a discussão do Marco Regulatório Civil da Internet no Brasil é de extrema importância se firmar uma legislação espe-cífica para a Internet no Brasil e para o crescimento e desenvolvimento do Comércio Eletrônico no País, vez que a ausência de regras formais claras dá margem a decisões judiciais díspares que gera grande insegurança jurídica para a implementação de novos negócios online, face a falta de parâmetros para se avaliar o real risco jurídico envolvido no novo empreendimento.

da aPliCação daS noRmaS geRaiS de diReito bRaSileiRo no ambiente viRtual

Enquanto diversas discussões são travadas acerca das regras que devem nortear ou não, o uso do espaço cibernético no Brasil, as relações jurídicas

5 http://www.ccsl.ime.usp.br/files/anexo_9.pdf . Acessado em 07.06.20106 http://www.ccsl.ime.usp.br/files/anexo_9.pdf . Acessado em 07.06.2010

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441E-COMMERCE

originadas das relações virtuais não podem ficar sem regulamentação, até mesmo porque os atos e fatos ocorridos no chamado “mundo virtual” re-fletem diretamente no mundo real.

Sem dúvida que para cerca de 95% de todos os atos praticados em am-biente virtual já temos uma legislação aplicável que pode e deve ser utilizada para embasar o julgamento das condutas adotadas em ambiente virtual.

Assim, devem ser aplicadas ao comércio eletrônico no Brasil, seja no caso concreto ou através da analogia, os preceitos das legislações atual-mente em vigor no território nacional, pertinentes aos negócios e práticas tradicionais do comércio. Da mesma forma devem ser aplicados, os prin-cípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil no que for relevante, face ao caráter internacional do comércio eletrônico.

Tratando-se de comércio eletrônico, um primeiro ponto que deve ser observado são as normas aplicáveis à formação dos contratos (artigos 427 a 435 do Código Civil Brasileiro). Assim como ocorre no mundo real, onde os atos jurídicos para serem válidos devem apresentar agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, os atos ocorridos no mundo virtual para serem válidos devem da mesma forma, atender os referidos requisitos, conforme preceitua o nosso Código Civil.

Assim, conforme o inciso I do artigo 428 do Código Civil, considera-se a contratação eletrônica entre presentes efetivada quando a proposta e a aceitação realizarem-se de forma imediata ou on-line, na linguagem da Internet. Já de acordo com o teor do artigo 434 do Código Civil, a contra-tação eletrônica entre ausentes ocorrerá, por exemplo, quando a proposta e a aceitação forem mediante troca de mensagens eletrônicas desde que as partes não estejam conectadas no momento da transação.

Quanto à lei aplicável e a competência jurisdicional há que se observar que o artigo 435 do Código Civil brasileiro estabelece que o contrato repu-ta-se celebrado no lugar em que foi proposto. Aqui há um impasse, vez que não existem fronteiras no mundo virtual. Pessoas de diversos países po-dem transacionar através da internet sem qualquer limitação geográfica.

Nesse caso, há que se recorrer a Lei de Introdução ao Código Civil que em seu artigo 9º dispõe: “Para qualificar e reger obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1.º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta obser-

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442 MARIANNA FURTADO DE MENDONÇA / EDUARDO MAGALHÃES MACHADO

vada, admitidas as peculiaridaesda lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2.º A obrigação resultante do contrato reputa-se con-tituída no lugar em que residir o proponente”.

Dessa forma, uma transação comercial eletrônica celebrada entre partes situadas em países diferentes será regulada pela lei do país onde residir o proponente. Portanto, se a proposta é feita por empresa ou pessoa residente no estrangeiro e aceita por empresa ou pessoa residente no Brasil, a lei aplicável será a do país estrangeiro e, vice-versa, se a proposta for feita por empresa ou pessoa residente no Brasil, e aceita por empresa ou pessoa residente no estrangeiro, a lei aplicável será a lei brasileira.

No tocante à competência internacional do judiciário brasileiro, quando o contrato for celebrado entre partes situadas em países diferentes, deve-se atentar ao disposto nos artigos 88, 89 e 90 do Código de Processo Civil que estabelecem que a autoridade judiciária brasileira será competente em três hipóteses.

A primeira hipótese se dará quando o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil. Conforme o parágra-fo único do acima mencionado artigo 88, “reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal”.

A segunda hipótese é quando a obrigação tiver que ser cumprida no Brasil e a terceira é quando a ação se originar de fato ocorrido ou prati-cado no Brasil.

Portanto, quando o contrato eletrônico for celebrado por duas pessoas físicas ou jurídicas situadas em países diferentes, sendo a proponente se-diada no estrangeiro, sem possuir agência, filial ou sucursal em território brasileiro, a lei aplicável será a do país estrangeiro.

Caso a obrigação decorrente do contrato deva ser cumprida no Brasil, a justiça brasileira será competente para processar e julgar o caso.

Por fim, quanto às normas aplicáveis à responsabilidade dos ofertan-tes de bens e serviços deve se atentar ao fato de que a responsabilidade por bens e serviços comercializados por meios eletrônicos se submete às mesmas normas legais aplicáveis à comercialização por outros mé-todos.

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443E-COMMERCE

Quando os bens e serviços são ofertados ao público consumidor7, es-tarão as respectivas transações eletrônicas sujeitas às normas do Código Brasileiro de Proteção e Defesa Consumidor (Lei nº 8.078/90).

A aplicação deste se dará quando se tratar de relação de consumo, carac-terizada simplesmente pela presença da figura do consumidor e do forne-cedor8 de bens ou serviços em cada um dos pólos da transação.

No que se refere às transações eletrônicas firmadas entre empresários, seja através do uso da Internet, seja através do uso do correio eletrônico não se aplicam as regras do Código Brasileiro de Proteção e Defesa Consu-midor, uma vez que o empresário não é o destinatário final do produto.

7 Pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatá-rio final.

8 Pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou co-mercialização de produtos ou prestação de serviços

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coMÉrcIo e serVIÇos

eder fasanelli Rodrigues [email protected]. Especialista em Direito das obrigações pela FAPERP/

UNESP. Ex-professor de Direito Civil. Advogado formado pela UEL – Universidade Estadual de Londrina. Sócio do escritório Fasanelli

Advogados Associados (Aliado em São José do Rio Preto-SP)

Ricardo Carneiro mendes [email protected]. Advogado formado pela UFU – Universidade

Federal de Uberlândia – MG. Especialista em administração de empresas pela Kent Institute of Business and Technology – Sydney –

Austrália. Advogado atuante na área de Direito Empresarial do Fasanelli Advogados Associados (Aliado em São José do Rio Preto-SP)

intRodução

Inegavelmente, as atividades de comércio e serviços são o cerne da eco-nomia e das atividades da sociedade atual, sendo responsáveis por atender às demandas do grande mercado consumidor final, o mercado de varejo, não se podendo desprezar, ainda, toda a atividade de comércio e serviços desenvolvida paralelamente entre os entes intermediários envolvidos na cadeia de produção.

Devido ao crescimento do volume e da complexidade das atividades de comércio e serviços, foi desenvolvido e aprimorado o sistema jurídico visando oferecer eficácia e segurança jurídicas sem prejudicar a dinâmica e a liberdade das atividades.

Assim é que houve de se encontrar um equilíbrio na disposição de toda a estrutura legal que regula as atividades de comércio e serviços, no sentido de se preservar a liberdade dinâmica inerente à execução de tais ativida-des pelo setor privado, mas ao mesmo tempo impor responsabilidades e conseqüências legais para garantir o interesse público e o cumprimento e a execução das obrigações contraídas pelas partes.

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445COMÉRCIO E SERVIÇOS

No caso brasileiro, seguindo tendência mundial para a organização de novos mercados, desde o início da década de 1990, iniciou-se a retirada do estado do setor de serviços públicos essenciais, tais como energia, teleco-municações, transportes e outros, transferindo a execução de tais serviços para a iniciativa privada mediante a concessão estatal da exploração de tais serviços. Tal movimento foi seguido da criação de agências federais regula-doras dotadas de poder de vigilância (ANATEL, ANEEL, ANTT e outras), com competência para a regulamentação legal de seus setores e imposição de sanções e penalidades na hipótese de descumprimento das normas, lesões ao interesse público ou privado. As sanções e penalidades são advertência, assinatura de termos de compromisso para ajuste de condutas, multas, e até perda da concessão pública para a exploração privada do serviço.

Além da privatização do setor de serviços públicos essenciais, era ne-cessária a elaboração de lei específica com o objetivo de regular as relações de consumo de bens e serviços, instaurando-se garantias ao consumidor final de forma a obter-se um equilíbrio entre a maior capacidade técnica e econômica dos fornecedores de bens e serviços e os direitos do consu-midor final em obter bens e serviços que atendam a bons padrões de uso, fruição, qualidade e segurança, respondendo legalmente os fornecedores e fabricantes na hipótese de que tais parâmetros não sejam atendidos. Deu-se, então, a elaboração da Lei nº 8.078/90, intitulada de Código de Defesa do Consumidor, bem como a criação da Fundação de Proteção ao Consu-midor – PROCON, entidade estatal com poder de fiscalização e sanção no que se refere às atividades no mercado de consumo de bens e serviços.

Por seu turno, com o objetivo de disponibilizar aos fornecedores de bens e serviços informações sobre as condições daqueles com os quais estão contratando o fornecimento, existem os cadastros de proteção e restrição ao crédito (SERASA, SPC, SCPC, CADIN), nos quais é possível checar a existência de informações sobre a eventual inadimplência anterior em nome daqueles para quem serão fornecidos os bens ou serviços. E, da mes-ma forma, é possível se verificar a idoneidade comercial de quem está a fornecer bens e serviços, sendo possível aferir se possuem bons antece-dentes, estando assim disponíveis para ambas as partes informações que podem minimizar os riscos inerentes a qualquer contratação.

Cumpre mencionar, ainda que sua atuação se dê de forma mais geral e abrangente a todos os ramos da economia, e não apenas aos setores de

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comércio e serviços, a existência do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia federal com atribuições fixadas pela Lei nº 8.884/94. Sua finalidade geral é prevenir o monopólio e atividades de “dumping” comercial, acompanhar atos que possam causar concentração do controle de um mercado específico nas mãos de um mesmo grupo em-presarial (fusões, aquisições, “joint ventures”) e proteger, assim, a livre concorrência em igualdade de condições.

Dando-se prosseguimento às adequações legais reguladoras das ativida-des privadas, especificamente as atividades de comércio e serviços, cabe mencionar a aprovação do novo Código Civil em 2.002, ratificando e ade-quando as modalidades de contratos celebrados na esfera privada aplicá-veis às atividades de comércio e serviços.

Vale mencionar, ainda, que no sentido de se conceder e aumentar a efi-cácia dos dispositivos legais e dos organismos acima definidos, no que se refere ao atendimento judicial da demanda oriunda das atividades de comércio e serviços de pequeno valor prestadas no âmbito do varejo, mas que representam o maior volume das operações, houve a elaboração da Lei nº 9.099/95, ou Lei dos Juizados Especiais Cíveis, prevendo a resolução judicial de conflitos que envolvam pequenos valores de forma mais rápida e informal e que não dependem de maiores provas, desonerando assim a chamada justiça comum, para a qual se direciona a resolução dos conflitos judiciais de maior valor e complexidade de prova.

Para encerramento desta breve introdução e ainda discorrendo sobre efi-cácia e efetividade do controle legal das atividades de comércio de bens e serviços, há de se mencionar a recente reforma da parte do Código de Processo Civil, que alterou os procedimentos das execuções de títulos ju-diciais e extrajudiciais, visando dar maior celeridade e efetividade aos pro-cessos judiciais. As alterações trouxeram maior garantia de que o credor venha a receber efetivamente o quanto lhe é devido.

ContRatoS não eSCRitoS – aCeitação táCita

Cabe, inicialmente, mencionar que como as atividades de comércio de bens e serviços se dão em grande volume, cotidianamente, tais atividades se desenvolvem de acordo com a livre aceitação das partes envolvidas, sem que seja necessário celebrar qualquer instrumento escrito.

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Assim, visando dar a agilidade necessária às atividades de comércio é que a legislação brasileira regulamenta, por meio do Código Civil, que a validade da declaração de vontade não depende de forma especial, ressal-vados os casos em que a lei assim o exige1.A compra e venda de imóveis é uma exceção na qual o instrumento público e o seu registro são requisitos formais essenciais à transmissão da propriedade.

Contudo, como acima já se disse, dada a natureza comum e à rapidez e volume com que se desenvolvem as atividades de comércio, é dispensável que todas se façam acompanhar de instrumentos escritos, sendo certo que a legislação lhes confere validade bem como atribui direitos e deveres às partes, de forma independente de qualquer formalidade.

ContRatoS – validade anulação e nulidade

Por definição legal expressa contida no Código Civil, a validade dos con-tratos em geral está condicionada à capacidade das partes (partes maiores de idade, em pleno uso de seu discernimento e com condição de expressar livremente a sua vontade) e à licitude do objeto do contrato (proibição de contratos para atividades ilegais).

Contudo, ainda que formalizados os contratos com observância aos seus requisitos legais básicos, existe a previsão legal contida no Código Civil sobre as causas que podem determinar a sua anulação e a sua nulidade.

Como causas de anulação dos contratos, o Código admite a comprova-ção de erro sobre as condições contratuais, caso em que uma das partes equivoca-se quanto aos termos essenciais do contrato, podendo assim ser o contrato submetido a uma apreciação judicial para o reconhecimento de sua nulidade.

Também como causas de anulação o Código prevê mecanismos de re-conhecimento do uso do contrato para que uma das partes contratantes obtenha vantagem econômica exagerada ou desproporcional, benefician-do-se das condições em que a outra parte encontrava-se por ocasião da contratação, podendo ser situação de extrema necessidade a prejudicar-lhe

1 Código Civil Brasileiro. “Art. 107. A validade da declaração de vontade não depen-derá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

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a livre vontade, ou até mesmo grave ameaça praticada contra a parte no sentido de obrigá-la a firmar o contrato.

São ainda anuláveis, nos termos do Código Civil, os contratos firmados com o objetivo de fraudar terceiros, como por exemplo os que têm por objeto a venda dos bens de pessoa devedora, no sentido de que o vendedor passe a não mais responder com os bens objeto da venda para o pagamento de dívidas anteriores a terceiros.

Por derradeiro, também nos termos do Código Civil, os contratos são nulos e não surtem quaisquer efeitos legais nas hipóteses em que tenham sido firmados por pessoas incapazes, cujo objeto contratual é impossível ou ilícito, que tenham sido simulados com o objetivo de prejudicar tercei-ros, ou que não cumpram com outros requisitos legais formais de validade previstos em leis específicas, em caso de contratos solenes.

Portanto, observados os requisitos de validade e as causas de anulação e nulidade dos contratos, o que vigora é a plena liberdade entre as partes para a fixação das previsões contratuais que melhor se adequarem à ativi-dade a ser desempenhada.

PoSSibilidade de ReviSão x “PACTA SUNT SERVANDA”

Tradicionalmente no Brasil, no que se refere aos contratos, sempre vi-gorou a aplicação do enunciado romano “pacta sunt servanda”, ou seja, o contrato faz lei entre as partes que o firmam e suas cláusulas, depois de aceitas, não comportam modificações pela vontade de apenas uma das partes.

Certamente tal princípio é necessário para que se preserve a força vin-culante e a eficácia dos direitos e obrigações previstos nos contratos, ins-taurando-se um regime de segurança jurídica.

No entanto, o princípio de sua imutabilidade não é absoluto, havendo a previsão legal das hipóteses em que suas cláusulas poderão ser revistas.

Assim, tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor, no âmbito de seu alcance, definem que poderão ser revistos os contratos quando houver a influência de fatores externos imprevisíveis ou de força maior, que coloquem uma das partes do contrato em desvantagem exa-gerada em relação à outra parte. Nesses casos, deve haver a revisão dos

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termos do contrato no sentido de se promover o re-equilíbrio econômico e financeiro, o qual, se inatingível, pode gerar, até mesmo, a rescisão do contrato.

multa e CláuSula ReSolutiva exPReSSa

No que se refere à celebração dos contratos, ainda há de se mencionar que as partes podem estipular cláusulas que estimulam o seu cumprimento e a observências das obrigações mútuas.

Tais cláusulas são dotadas de previsão legal e, uma vez expressas no contrato, conferem maior segurança para as partes contratantes.

Assim, principalmente nos contratos de prestação continuada, há a pos-sibilidade da elaboração do contrato com a chamada cláusula resolutiva expressa, ou seja, havendo o descumprimento de qualquer obrigação ou cláusula por uma das partes, a rescisão do contrato se opera de forma ime-diata e independente de declaração judicial2.

Também no sentido de se fortalecer o vínculo contratual e a estimular as partes a lhe dar cumprimento, pode ser instituída a chamada cláusula penal, por meio da qual a parte que der causa à rescisão contratual ou des-cumprir qualquer de suas cláusulas pagará a outra uma pena pecuniária, pré-estipulada.

ComPRa e venda

Sem dúvida, no que se refere às atividades de comércio de bens, o con-trato de compra e venda é a modalidade de avença que se apresenta em maior volume, dando-se a todo o tempo e em seus mais variados níveis. desde aqueles bens que pela sua natureza singela e baixo valor não reque-rem a existência de um contrato formal escrito, até as transações nas quais estão envolvidos altos valores e o fornecimento de bens de grande comple-

2 Código Civil Brasileiro. Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. Art. 475. A parte le-sada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos

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xidade ou em grande quantidade, passando a ser importante a celebração de contratos escritos.

O Código Civil regula expressamente este tipo de contrato, conferindo ampla liberdade às partes no que se refere à fixação de parâmetros como preço e prazo. As partes são livres para elaborarem os termos entre si, des-de que não violem a lei, devendo ainda o contrato, como exigência legal, estabelecer equilíbrio entre as partes, sendo vedada, por exemplo, a fixa-ção de preço de forma posterior e ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Também são vedadas cláusulas abusivas, que coloquem uma das partes em desvantagem e favoreça exageradamente a outra, caso em que tais cláusu-las poderão ser discutidas judicialmente no sentido de se re-conduzir as partes a uma situação de equilíbrio econômico.

Ainda através de previsão contida no Código Civil3, como opção ao con-trato de compra e venda em sua forma comum, é possível a instituição de outras garantias, tais como a venda com reserva de domínio, na qual bem móvel é entregue ao comprador, mas a propriedade do bem permanece sendo do vendedor até que haja o total pagamento do preço. Com esta garantia, caso não haja o pagamento do preço, a posse do bem poderá ser reavida pelo vendedor.

PReStação de SeRviçoS

No que se refere à contratação de prestação de serviços, cumpre obser-vá-las principalmente na esfera dos serviços prestados por empresas, uma vez que os serviços tomados de pessoas físicas, acabam por se sujeitar à legislação trabalhista, ou às leis específicas que regulam a prestação de serviços autônomos por meio de profissionais liberais especializados.

Contratos de prestação de serviços visam a execução de atividade que implique em obrigação de fazer mediante o pagamento de um preço res-pectivo. Diferencia-se do contrato de trabalho pela ausência de subordina-ção entre as partes.

Quanto à necessidade de contrato escrito para a realização e reconhe-cimento legal de uma relação de prestação de serviços, aplica-se a mesma

3 Código Civil Brasileiro. Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reser-var para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

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regra dos contratos de compra e venda. Não há forma exigida em lei, sendo conveniente a forma escrita em casos de maior valor ou complexidade. Vale destacar, ainda, que na contratação da prestação de serviços conti-nuados por prazo determinado, por disposição expressa do Código Civil, tal contrato não poderá vigorar por período superior a quatro anos. E, na hipótese de rescisão sem justo motivo de contrato por prazo determinado, será devido ao prestador contratado o pagamento de metade do valor do período remanescente.

RePReSentação ComeRCial e diStRibuição

No que se refere ao tema ora abordado, comércio e serviços, por certo não poderiam deixar de serem abordadas as atividades meio que possibili-tam a circulação e a venda de bens e serviços, quais sejam a representação comercial e a distribuição.

A figura dos representantes ou agentes comerciais ou das empresas que exercem tais atividades é tradicional no Brasil, exercendo a função es-sencial de promoção das vendas de produtos e serviços, submetendo os pedidos e as propostas para a empresa representada. Assim, no caso de efetivação da venda o agente ou representante terá direito ao recebimento de um percentual sobre o valor da venda, previsto em contrato. O contrato também define o território de atuação do representante, onde serão desen-volvidas as vendas.

A atividade de representação comercial ou agência é regulamentada no Brasil pelas Leis 4.886/65 e 8.420/92, bem como de forma conjunta pelo Código Civil. E os representantes devem registrar-se perante o Conselho de Representantes Comerciais, o qual tem a atribuição de regulamentar e fiscalizar o exercício da atividade.

Conforme previsão legal, a atividade de representação comercial deve ser exercida de acordo com condições expressas em um contrato formal. Além das cláusulas que as partes podem livremente dispor, existem algu-mas cláusulas obrigatórias como a descrição das características dos produ-tos ou serviços que serão objeto de representação, o tempo de duração do contrato, a definição da área ou território no qual o representante exercerá a atividade, permissão ou proibição de que a empresa realize vendas dire-tas (sem a interveniência do representante), exclusividade do representante

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como sendo o único a representar a empresa no território de vendas, e a fi-xação do direito do representante em receber o valor equivalente a 1/12 sobre o valor de todas as vendas realizadas sob seu intermédio durante o contrato na hipótese de rescisão injustificada do contrato pela representada.

É relevante que se observe que as características da atividade de repre-sentação comercial, quando o representante atue para uma só ou poucas representadas, podem se aproximar dos requisitos para a caracterização de uma relação de emprego, tais como dependência salarial, habitualidade e pessoalidade. Nesses casos, a diferença entre o representante e o emprega-do seria a autonomia do primeiro e a subordinação do segundo. Em casos de dúvida sobre o enquadramento, pode haver riscos para a representada, já que a configuração do vínculo trabalhista faria incidir encargos mais onerosos que os pagos em função da atividade de representação.

Por esta razão, até mesmo em cumprimento ao artigo 1º da Lei 4.886/65 é que se recomenda que as empresas representadas firmem contratos com empresas de representação, evitando que ordens diretas sejam dadas aos representantes, devendo tais ordens serem direcionadas para a empresa de representação e daí para os seus funcionários.

Por fim, há de se diferenciar as atividades de representação comercial ou agência da atividade de distribuição.

Na distribuição as partes contratantes são livres para a estipulação das condições do contrato, mediante o qual o distribuidor compra e armaze-na os produtos de uma determinada empresa, mas não realiza qualquer intermediação de venda em nome da fornecedora. O distribuidor apenas compra e estoca os produtos, e a partir daí realiza a sua distribuição ven-dendo-os a terceiros em seu próprio nome, arcando o distribuidor com os riscos de mercado, já que adquire os produtos para uma revenda sujeita às variações de mercado e até a eventual inadimplência.

De forma específica, cabe mencionar que quando a distribuição envolver veículos automotores, suas peças e serviços de manutenção, o contrato de distribuição é regulado pela Lei nº 6.729/79. Esta lei traz definições ex-pressas quanto à definição da área abrangida pela distribuição, a distância mínima entre distribuidores diferentes, a exclusividade na distribuição dos produtos da mesma marca, a vedação à distribuição de veículos novos de outras marcas, a obrigação do distribuidor manter um estoque mínimo

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para atender ao fluxo de revendas e a proibição de revenda para outros re-vendedores, autorizada a revenda apenas para o consumidor final.

Nas demais atividades de distribuição de produtos que não envolvam veículos automotores e suas partes ou peças, a liberdade na definição das cláusulas entre as partes é plena, sendo reguladas pelas definições gerais do Código Civil e ainda pelo que restou de vigente no Código Comercial Brasileiro de 1.850.

efiCáCia doS ContRatoS inteRnaCionaiS

O Brasil, no contexto do comércio internacional, por certo desde há muito já adotou diversas padronizações formais para viabilizar as suas operações, bem como faz uso dos INCOTERMS, termos técnicos interna-cionais referentes ao trânsito das mercadorias.

Ainda, foi grande a evolução obtida com o início da vigência da Lei 9.307/96, Lei de Arbitragem, que regulamenta a homologação de senten-ças estrangeiras estatais ou arbitrais no Brasil, fazendo-as executáveis em território nacional e, portanto, forçosamente recebíveis os pagamentos ou adimplemento contratual devidos por empresas situadas no Brasil.

Contudo, a ratificação de outros princípios internacionais de uniformi-zação de interpretação dos contratos complementará sobremaneira tal evo-lução, concedendo segurança aos negócios internacionais com o Brasil. Além da possibilidade de homologação das sentenças estrangeiras, tam-bém facilita a interpretação, por parte de nossa jurisdição, dos contratos internacionais de acordo com entendimentos uniformes, conferindo maior segurança aos meios de pagamento utilizados por exportadores e importa-dores, diminuindo riscos de eventuais divergências interpretativas.

O Brasil, acompanhando a evolução das disposições internacionais so-bre a arbitragem, assinou o Protocolo de Genebra em 1923, reconheceu em 2002, a Convenção de Nova Iorque de 1958 – CNY, e é signatário da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1975, além de outros acordos e convenções bilaterais tal como o firmado com a Comunidade Européia em 1994, sendo ainda membro da Organiza-ção Mundial de Comércio – OMC.

Quanto à Lei Modelo sobre Arbitragem Internacional da UNCITRAL, o Brasil não adotou seu texto irrestritamente, como fizeram muitos países

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que a adotaram expressamente, mas os seus termos influenciaram forte-mente a elaboração do texto da Lei 9.307/96.

O dispositivo legal brasileiro guarda certas condições específicas, den-tre as quais a de que a sentença arbitral proferida em outro país esteja de acordo com a legislação daquele país para que possa ser executada no Bra-sil, nos termos do artigo 38 da Lei 9.307/96.

Ainda, nos termos do “caput” do artigo 34 de referida Lei, o reconheci-mento e a execução de sentença arbitral estrangeira no Brasil se dá, prefe-rencialmente, nos termos dos tratados internacionais com eficácia no orde-namento jurídico pátrio, e somente na ausência destes, prevalece os termos da Lei 9.307/96. É certo que o Brasil, em menos de uma década, aprovou e promulgou três dos mais importantes tratados internacionais sobre a homo-logação de sentença estrangeira, quais sejam a Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional do Panamá e a Convenção Interamericana sobre a Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros de Montevidéu, além de outros tratados bilaterais, latino-americanos e do MERCOSUL.

Para as empresas estrangeiras que mantém contratos e relações de co-mércio com o Brasil, é recomendável que as mesmas, ao elaborar seus contratos, levem em consideração as peculiaridades e requisitos exigidos pela legislação brasileira para a homologação da eventual sentença arbitral no território brasileiro.

Assim, no que tange à execução da sentença arbitral estrangeira, depois de homologada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, será emitida Carta de Sentença pelo referido Tribunal, que deverá ser encaminhada ao Juízo Federal com jurisdição no território do executado, conforme disposição do artigo 12 da Resolução nº 9 – STJ, procedendo-se então à solução econô-mica do litígio, compelindo a parte devedora ao pagamento, sob pena de bloqueio e leilão judicial de seus bens.

o Código de defeSa do ConSumidoR

No que se refere ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), sua abordagem já é objeto de análise mais detalhada em capítulo próprio desta obra.

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No entanto, convém fazer breves considerações sobre pontos relaciona-dos ao tema deste capítulo

O principal fator limitador da incidência do Código do Consumidor é a condição de destinatário final do produto ou serviço, ou seja, o produto ou serviço há de ser empregado de forma definitiva pela pessoa ou pela empresa adquirente. Assim, sendo o produto ou serviço empregado como meio ou matéria prima para a produção de outros bens ou serviços, o seu utilizador ou adquirente não mais se enquadra na condição de consumidor final, e por conseqüência deixa também de ser titular dos direitos fixados pelo Código.

Ainda quanto à abrangência, há que se mencionar que durante anos instaurou-se controvérsia jurídica quanto à sua aplicação às atividades de crédito e serviços financeiros oferecidos pelos bancos e outras entidades de crédito integrantes do Sistema Financeiro Nacional – SFN, controvér-sia que já foi pacificada pela Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que determinou a plena aplicabilidade do Código às atividades ofe-recidas no mercado pelas instituições financeiras.

O Código de Defesa do Consumidor instaura um regime de direitos dos quais são titulares os consumidores de produtos e serviços, garantindo-se pa-drões de sua qualidade e quantidade, bem como havendo a previsão legal ex-pressa de indenização caso os produtos e serviços não ofereçam tais padrões.

Os bens e serviços oferecidos no mercado de consumo devem ser se-guros à saúde, conter instruções sobre suas características e uso corretos, informações sobre sua quantidade, qualidade, composição e preço, sendo vedada a publicidade enganosa ou abusiva de produtos e serviços, e méto-dos comerciais desleais.

O fabricante, produtor, importador ou fornecedor, bem como o comer-ciante, brasileiro ou estrangeiro, de produtos ou serviços, respondem de forma abrangente e independente de prova de sua culpa, pela reparação de eventuais danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes do projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas e acondicionamento de seus produtos e serviços.

oS óRgãoS de PRoteção e ReStRição ao CRédito

Ante a necessidade de informações cadastrais sobre os parceiros comer-ciais ou clientes, para minimizar os riscos do negócio, as pesquisas podem

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ser feitas mediante consultas a cadastros unificados de abrangência nacional, vinculados aos números fiscais únicos de Cadastro de Pessoa Física-CPF, no caso de pessoas, ou Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, sendo os cadastros de maior abrangência o SERASA, mantido pelas instituições financeiras de crédito, e o Serviço de Proteção ao Crédito – SPC.

Tais cadastros oferecem informações sobre a existência de obrigações comerciais descumpridas cadastradas em nome da pessoa ou empresa sob análise, sendo possível aferir as condições daquele com o qual se está a manter relação comercial.

É certo que a inscrição do nome de pessoas ou empresas em tais cadas-tros requer, de forma imprescindível, que haja a prévia notificação sobre a inserção de dados negativos no cadastro, com a concessão de prazo razo-ável para que a inscrição seja questionada caso a obrigação já tenha sido cumprida. Somente após o decurso de tal prazo a inserção da informação de inadimplência passa a constar dos cadastros.

O Código de Defesa do Consumidor delimita as condições legais para a inserção do nome de consumidores em tais cadastros, que manterão tais informações pelo prazo máximo de cinco anos.

É possível, ainda, haver o questionamento administrativo ou judicial sobre a negativação, caso os dados não correspondam à realidade, com possibilidade de emissão de ordem para que referidos órgãos retirem de imediato as infor-mações negativas indevidamente lançadas, inclusive com risco de indenização por perdas e danos contra o fornecedor dos dados de desabono indevidos.

a exeCução judiCial daS obRigaçõeS

De todo inútil é a celebração de contratos comerciais, se não houverem dis-positivos legais que lhe dêem real eficácia na hipótese de descumprimento.

Assim, descumprido o contrato comercial, e desde que em sua celebra-ção tenha sido observada a formalidade legal de assinatura de duas teste-munhas, sendo líquida, certa e exigível a obrigação, é possível iniciar de imediato ação de execução judicial contra o devedor inadimplente. Com isso, pode-se ingressar na esfera patrimonial do devedor para que sejam bloqueados bens de sua propriedade avaliados em valor suficiente ao pa-gamento do devido.

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A mesma possibilidade de imediata execução judicial e bloqueio de bens do devedor existe no que se refere à cobrança dos valores lançados nos títu-los de crédito, (cheque, duplicata mercantil e outros), utilizados como meio de pagamento nas transações comerciais. E também para a execução de sentenças judiciais ou arbitrais estrangeiras no Brasil, após a sua regular homologação pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ e expedição de Carta de Sentença, documento hábil a ser então executado judicialmente.

Evidente que, nos termos das cláusulas fundamentais da Constituição Federal do Brasil, é oferecido ao devedor direito à ampla defesa judicial e ao devido processo legal, podendo apresentar provas e justificativas legais em sua defesa que demonstrem os motivos do descumprimento contratual. Nesse caso, o bloqueio e a alienação judicial de seus bens po-derão ser revistos e cancelados, caso as justificativas sejam judicialmente declaradas legítimas.

ConCluSão

Conforme demonstra o presente capítulo, bem como os demais da pre-sente obra, o aparato legal necessário para a regulamentação das ativi-dades de comércio de bens e serviços no Brasil já se encontra vigente e adaptado, principalmente no que se refere aos contratos e sua eficácia. Tem se observado, ainda, a aceleração das atividades nos meios judiciais de so-lução de controvérsias, criando-se juizados especiais, tribunais arbitrais e a introdução de uma cultura de conciliação como melhor opção na solução de controvérsias.

No âmbito das atividades de comércio de bens e serviços, são inegáveis as oportunidades atualmente presentes no Brasil.

O país opera com inflação baixa e controlada há dezesseis anos, com a adoção de uma política econômica responsável, fundada na flexibilidade do câmbio, responsabilidade fiscal e cumprimento das metas inflacionárias.

Completando o panorama de segurança econômica, em junho de 2010 o país atingiu o recorde em suas reservas externas, atingindo o patamar de US$ 250 bilhões4.

4 Fonte: www.tendenciasemercado.com.br/financas/reservas

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A democracia representativa opera plenamente e com estabilidade, sem risco de rompimento do pacto constitucional, observando-se ainda, como é resumido neste capitulo, a existência de um regime de segurança jurídica no que se refere ao cumprimento das obrigações ligadas ao exercício do comércio.

Ainda, nos próximos anos o produto interno bruto – PIB deverá crescer em torno de 5% a 6%, havendo de se observar que o Brasil é um dos dois maiores produtores e exportadores de “commodities” agropecuários, tais como a carne bovina, soja, café e etanol, sem menção ainda do início da exploração comercial das novas jazidas de petróleo localizadas em águas profundas5.

No setor de serviços, a necessidade de criação e adequação de infra-estrutura, conforme dados governamentais, irá requerer investimentos no valor aproximado de 840 bilhões de reais até 2014.

Os fatos econômicos demonstram a relevância do desenvolvimento do setor de comércio e serviços nos próximos anos no Brasil, desenvolvimen-to que por certo estará amparado por um sistema legal sólido no que se re-fere ao regime jurídico contratual vigente, bem como por regulamentação eficaz dos direitos, deveres, garantias e informações inerentes às ativida-des comerciais.

RefeRênCiaS bibliogRáfiCaS

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5 Fontes: Revista VEJA – Edição 2165, ano 43, nº20, 19 de maio de 2010, BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN, BOVESPA, FUNDAÇÃO GETÚLIO VAR-GAS – FGV.

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459COMÉRCIO E SERVIÇOS

valéRio, Marco Aurélio Gumieri. Homologação e execução de sen-tença arbitral estrangeira no STJ . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8098>.bRaSil. Lei Ordinária n°. 9.307, de 24.9.96. Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial, Brasília, 24.9.1996.bRaSil. Lei Ordinária n°. 8.078, de 11.9.90. Código de Defesa do Consu-midor. Diário Oficial, Brasília, 11.9.90.bRaSil. Lei Ordinária n°. 10.406, de 10.1.2002. Código Civil. Diário Ofi-cial, Brasília, 10.1.2002.

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a educaÇÃo No BrasIl

emmanuel CasagrandeAdvogado, pós-graduado em Regime Democrático de Direito,

pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná. Especialista em Direito Processual Civil, pelo Instituto de

Direito Constitucional e Cidadania

luís HasegawaAdvogado, com Capacitação Empresarial em Gestão de Negócios e

Liderança, pela Universidade da Indústria – Unindus.

1. eduCação – o PRinCiPal inStRumento PaRa o CReSCimento de um PaíS

Há consenso quanto à importância da educação para o crescimento e a sustentabilidade de qualquer nação. Sem uma educação robusta e ampla, o país jamais alcançará níveis desejáveis de desenvolvimento.

Embora o Brasil tenha avançado neste campo, nas últimas décadas, ainda há muito a ser feito. De outro lado, é notório o crescimento do país e a sua escalada para deixar de ser um país emergente e ingressar no rol das principais potências mundiais. Esse objetivo não será totalmente cumprido, enquanto não forem resolvidos vários problemas no sistema de educação e, por isso, a busca por um ensino de qualidade deve se tornar cada vez mais intensa. E, sempre que se apresenta uma situação como a ora vivenciada, surgem inúmeras oportunidades de negócios e experiências.

Pesquisas apontam que um terço dos brasileiros freqüenta diariamente a escola (professores e alunos). São mais de 2,5 milhões de professores e 57 milhões de estudantes matriculados, em todos os níveis de ensino. Estes números apontam um crescimento no nível de escolaridade da população, fator primordial para a melhoria do nível de desenvolvimento.

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461A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Outro ponto importante diz respeito ao índice de analfabetismo. Em 1992, o número de analfabetos correspondia a 16,4% da população. Esse índice caiu para 10,9%, em 2002, e continua em declínio. Outro dado mos-tra que, em 2006, 97% das crianças de sete a quatorze anos frequentavam a escola.

Partindo dessa visão inicial de necessidade de investimento no setor da educação, o presente artigo buscará trazer as principais diretrizes do siste-ma educacional brasileiro, através de uma compilação das normas e insti-tutos que regulam a atividade.

1.1. A Educação no sistema legal brasileiro

O Ministério da Educação (MEC) é o órgão do Governo Federal res-ponsável pelo estudo e despacho de todos os assuntos relativos ao ensino, saúde pública e assistência hospitalar. O MEC foi criado pelo Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930, com o nome de “Ministério dos Ne-gocios da Educação e Saúde Publica”, no governo do então presidente Ge-túlio Vargas.

Em 13 de janeiro de 1937, passou a se chamar Ministério da Educa-ção e Saúde e suas atividades passaram a ser limitadas à administração da educação escolar/educação extra-escolar e da saúde pública/assistência médico-social.

Em 1953, o Governo Federal cria o Ministério da Saúde e tira do Mi-nistério da Educação e Saúde as responsabilidades de administração des-tinadas a ela. A partir daí, é que passa a se chamar oficialmente de MEC – Ministério da Educação e Cultura (com o advento da Lei n.° 1.920, de 25 de julho de 1953).

Em 15 de março de 1985, foi criado o MinC, Ministério da Cultura, pelo decreto 91.144. Curiosamente, a sigla MEC continua, porém, passa a se cha-mar Ministério da Educação – como é conhecido até hoje este ministério.

Em 8 de novembro de 1990, as atividades do MEC passaram a integrar a política nacional de educação; a educação, ensino civil, pesquisa e exten-são universitárias; o magistério e a educação especial.

Em 12 de junho de 2000, após muitas mudanças em sua estrutura orga-nizacional e a criação de secretarias como o INEP e o FNDE, por exem-

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462 EMMANUEL CASAGRANDE / LUÍS HASEGAWA

plo, o MEC passa a ter as seguintes competências: política nacional de educação; educação infantil; educação em geral, compreendendo ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, ensino de jovens e adultos, educação profissional, educação especial e educação a distância, exceto ensino militar; avaliação, informação e pesquisa educacional; pesquisa e extensão universitária; e magistério.

A estrutura regimental do MEC, como conhecemos, só ficou estabeleci-da realmente pelo Decreto n° 4.791, de 22 de julho de 2003, o qual estabe-lece como área de competência do MEC:

- política nacional de educação;

- educação infantil;

- educação em geral, compreendendo ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, ensino de jovens e adultos, educação pro-fissional, educação especial e educação a distância, exceto ensino militar;

- avaliação, informação e pesquisa educacional;

- pesquisa e extensão universitária;

- magistério;

- assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de seus filhos ou dependentes.

Entre algumas áreas ligadas ao Ministério da Educação podem-se citar:

- educação especial

- educação superior

- educação profissional e tecnológica

- educação infantil

- educação à distância

- educação do campo

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463A EDUCAÇÃO NO BRASIL

- educação indígena

- educação ambiental

Em nível de legislação, o direito à educação está inserto no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, da Constituição da República Federa-tiva do Brasil de 1988, no Capítulo dos Direitos Sociais:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materni-dade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Consti-tuição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

Na sequência, encontram-se as regras jurídicas infraconstitucionais: a Lei Federal n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as di-retrizes e bases da educação nacional e a Lei Federal n.º 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.

1.1.1. A Lei n.º 9.394/1996

Referida lei, promulgada no primeiro governo do então Presidente Fer-nando Henrique Cardoso, estabelece as diretrizes e bases da educação na-cional. Contempla, pois, desde o conceito de educação, os seus princípios, fins e direitos, até a sua forma de financiamento, passando por sua organi-zação, níveis e modalidades de ensino.

Importante destacar o contido em seu artigo 7º:

Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I – cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respec-tivo sistema de ensino;

II – autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;

III – capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal.

Daí a conclusão de que qualquer nível de ensino pode ser mantido e ofertado pela iniciativa privada, sem exceção.

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464 EMMANUEL CASAGRANDE / LUÍS HASEGAWA

Ainda, a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, previu a criação do Plano Nacional de Educação, que será tratado no tópico seguinte.

1.1.2. A Lei n.º 10.172/2001 – Plano Nacional de Educação

A referida Lei, promulgada no segundo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, traz em anexo um plano, uma política nacional para a educação, com uma série de explanações, conceitos e dados, que traçam o retrato e o que se pensa para o futuro de cada nível ou modalidade de en-sino no Brasil, partindo de um diagnóstico, para depois indicar diretrizes e fixar os objetivos e as metas.

Em síntese, o Plano tem como objetivos, entre outros:

- a elevação global do nível de escolaridade da população;

- a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis;

- a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública e

- democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a par-ticipação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

- Estabelecer um amplo sistema interativo de educação a distância, utilizando-o, inclusive, para ampliar as possibilidades de atendimen-to nos cursos presenciais, regulares ou de educação continuada.

E, para alcançar tais objetivos, o Plano Nacional de Educação define:

- as diretrizes para a gestão e o financiamento da educação;

- as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de ensino e

- as diretrizes e metas para a formação e valorização do magistério e demais profissionais da educação, nos próximos dez anos.

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465A EDUCAÇÃO NO BRASIL

- expandir a oferta de programas de educação a distância na modali-dade de educação de jovens e adultos, incentivando seu aproveita-mento nos cursos presenciais.

As informações contidas no Plano Nacional de Educação, mais do que servirem como fonte fidedigna da realidade do ensino, podem trazer ele-mentos bastante úteis para direcionarem o início ou o caminho dos tra-balhos, para a análise de um mercado gigantesco, o da educação em um país continental e populoso, que ainda possui um ensino extremamente deficitário, que precisa ser corrigido a passos largos, a fim de suportar o crescimento buscado e experimentado pelo Brasil, nos últimos anos.

2. outRoS dadoS do eStágio da eduCação no bRaSil

O Brasil, como um grande país de rendimento médio, possui várias regi-ões subdesenvolvidas. Seu sistema de educação apresenta muitas deficiên-cias e disparidades, com grandes oscilações entre as suas regiões.

Dados de 2007, constataram taxas de alfabetização de 90%, para pesso-as com 15 anos ou mais de idade. A escolaridade média do brasileiro é de 6,9 anos, contra 12 anos, nos EUA; 11 anos, na Coréia do Sul e 8,8 anos de educação formal, na Argentina.

A nação investe 4,3% do PIB em Educação, sendo que o Governo Fede-ral pretende aumentar, progressivamente, esse número para 7%.

O sistema de ensino público brasileiro foi o pior colocado, em um estudo promovido pelo Banco Mundial, a respeito das condições dos principais países emergentes, para se inserirem na chamada “sociedade do conheci-mento”, estágio mais avançado do capitalismo.

Em 26 de outubro de 2006, a Unesco publicou o relatório anual “Educa-ção para Todos”, no qual colocou o país na 72ª posição, em um ranking de 125 países. Com a velocidade de desenvolvimento atual, o país só atingiria o estágio atual de qualidade dos países mais avançados, em 2036.

O grau de educacional da população brasileira é ínfimo, perto dos outros países latino-americanos, bem como de outras economias emergentes. O ensino médio completo no país atinge apenas 22% da população, contra 55% na Argentina e 82% na Coréia do Sul.

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466 EMMANUEL CASAGRANDE / LUÍS HASEGAWA

De acordo com o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), o Brasil está sempre em último lugar em leitura, matemática e ciências.

Estudos da Fundação Getúlio Vargas afirmam que 35% das desigualda-des sociais brasileiras podem ser explicadas pela desigualdade no ensino.

Como visto, apesar dos esforços do governo, é pouco provável que suas políticas sejam suficientes para conduzir o Brasil a um nível de educação capaz de satisfazer as demandas de um país em franco desenvolvimento. Certamente, as necessidades, inerentes ao crescimento, precisarão ser su-portadas pela iniciativa privada, abrindo-se um enorme mercado potencial.

3. o enSino a diStânCia

Além de apresentar a regulamentação e um panorama geral do ensino no Brasil, esse artigo tem como objetivo trazer informações ao investidor, nacional ou estrangeiro, que possam auxiliá-lo na pesquisa e na identifica-ção de oportunidades de negócio.

Com o avanço tecnológico, a educação a distância (EAD) teve acentua-do crescimento em sua utilização e vem desenvolvendo importante papel na educação do Brasil. Todavia, referido avanço ainda é muito pequeno, em face do potencial da sociedade brasileira e à demanda existente deste tipo de serviço.

A metodologia ganhou força com a popularização do uso dos computa-dores e da internet, ao longo da última década. As atividades viabilizadas pela EAD contemporânea nas instituições de ensino, sejam de caráter fun-damental, superior ou de caráter livre como apoio extraclasse, permitem ao professor presencial continuar sua atividade de ensino, resolvendo pro-blemas de calendário escolar, carga horária de disciplinas ou, até mesmo, vencer conteúdos programáticos extensos.

Hoje, vários educadores valem-se do recurso da internet para programar estudos e atividades para os alunos, com agendamento de atendimentos virtuais, via programas de mensagem instantânea ou fóruns de discussão em ambientes virtuais de aprendizagem, possibilitando que os alunos en-viem trabalhos por e-mail, para posterior correção, com objetivo de resol-verem um problema comum do nosso século, o tempo.

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467A EDUCAÇÃO NO BRASIL

A elaboração de programas de educação a distância, para um grande número de estudantes, encerra desafios relacionados às necessidades de logística, suporte de tutoria, produção de material, dentre outros. A dis-tância é um desafio brasileiro, pois somente os grandes centros ou cidades com maior desenvolvimento contam com a estrutura física de grandes ins-tituições, dificultando o acesso ao conhecimento para os centros e cidades menores.

Pensar em termos de escala, principalmente quando se trata de geração e transferência de conhecimento, traz benefícios e oportunidades inco-mensuráveis.

Quando se projeta uma perspectiva de economia de escala, muito pró-pria das instituições particulares de ensino, pressupõe-se uma abordagem profissional de gestão, que necessariamente deverá contar com infra-es-trutura tecnológica, planejamento eficaz, dinâmico e adequado, frente às demandas de atendimento, não só dos clientes externos (alunos e comu-nidade), como relativas às necessidades de coordenação e de satisfação dos clientes internos (docentes e equipe técnico-pedagógica) e, por fim, o acompanhamento e a coordenação de cada etapa do trabalho.

Na última década, as instituições de ensino, diante deste novo mercado, forçaram o MEC a rever a legislação existente, tendo por base experiências já consolidadas, em países desenvolvidos, dando início ao processo de re-gulação desta modalidade de ensino.

Ainda remanescem desafios, como estruturação e planejamento estraté-gico, professores capacitados, tutores, equipes de produção de mídias, su-porte técnico e gestores, que estarão na linha de frente do funcionamento do projeto a distância, incluindo-se também os programas, os cursos e os materiais.

Instituições privadas e públicas investem na educação a distância, ge-ralmente preocupadas com a escolha do ambiente de aprendizagem e com as tecnologias a serem adotadas. Entretanto, muito mais do que a escolha tecnológica ou da plataforma, o planejamento e a execução de um projeto de educação a distância requerem um trabalho de organização detalhado, multidisciplinar. As exigências variam de acordo com a natureza do cur-so, o tipo de aluno, as tecnologias envolvidas, e se alteram ao ritmo das múltiplas situações. Isto impede que uma instituição educacional possa

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468 EMMANUEL CASAGRANDE / LUÍS HASEGAWA

construir um modelo único de EAD, que apresente solução para toda a gestão do projeto.

Conforme o porte da instituição de ensino ou a sua abrangência e diver-sidade de atuação, uma solução única pode não se mostrar adequada. A tendência é pela adoção de desenhos diversos de cursos a distância e esta diversidade de soluções de EAD pressiona para a necessidade de um domí-nio, de todas as etapas de produção e de operação do curso. Principalmen-te, quando a instituição trabalha com variados níveis e tipos de educação profissional e/ou ensino superior.

Assim, uma mesma instituição de ensino poderá ter cursos na moda-lidade a distância com características diferenciadas, baseadas em supor-tes midiáticos e de tipos de interação distintos, com estruturas de tutoria diversas e com logísticas de aulas, estratégias pedagógicas e professores diferenciados.

A reflexão sobre a importância da estruturação de todo aprendizado a distância leva a entender que as instituições, ofertadoras desta modalidade, devem levar em conta os múltiplos cursos, públicos e níveis, bem como a gestão dos clientes internos da instituição, buscando a construção de mo-delos próprios, com características de soluções flexíveis, equacionando a relação custo benefício, tanto para a instituição como para o cliente aluno, sem perder o foco das questões pedagógicas e, principalmente, da natureza dos conteúdos complexos e de exigência cognitiva elevada.

4. a eSCola bilíngue

Por fim e sem perder o foco dessa visão negocial, uma situação bastante sin-gular nos chamou a atenção: a das escolas bilíngues, que oferecem currículo brasileiro completo, acrescido das vantagens do currículo internacional.

O Brasil engatinha nesse tipo de educação, mas sentiu um crescimento razoável, nos últimos anos, se considerarmos que, até a década passada, havia apenas 08 (oito) escolas com esse modelo, reconhecido mundialmente. Já em 2007, esse número era de 145 e saltou para 180, em 2009, registrando um aumento de 24% no período.

Especialistas apostam num crescimento vigoroso. Marcas da globalização, que, em conjunto com o desenvolvimento que o Brasil vem enfrentando, pres-sionam e demandam por profissionais mais capacitados e aptos a se comunica-

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469A EDUCAÇÃO NO BRASIL

rem em vários idiomas, a fazerem negócios em outros países, a atenderem novos mercados. Esse tipo de ensino passa a atrair, cada vez mais, as classes brasileiras média e alta.

É importante destacar que as escolas bilíngues não possuem legislação espe-cífica e estão, pois, vinculadas ao mesmo regramento das escolas tradicionais, já tratado aqui.

Diante desse cenário, há muito a ser explorado nessa área, pois, apesar de nossa envergadura continental e de nossa imensa população, mesmo em números absolutos, o Brasil ainda está bastante atrás de países muito menores e menos populosos da América Latina, como o Chile, o Uruguai e a Argentina.

RefeRênCiaS bibliogRáfiCaS

fabRi, José Augusto; CARVALHO, Marly Monteiro de. QFD Estendido em ambiente de gerenciamento de informações para ensino a distância. Revista Produção Online. ISSN1676–1901, Vol. 5, Num.2, Junho de 2005. Disponível em: http://www.producaoonline.ufsc.br/v05n02/artigos/205_2005.htm Acesso em 13/02/2007.fReeman, Richard. Planejamento de sistemas de educação à distância: Um manual para decisores. The Commonwealth of Learning – COL. Van-couver, Canadá, 2003. Disponível em: < http://www.col.org/> Acesso em: 10/01/2007.meC/Seed. Referenciais de qualidade para cursos de graduação a dis-tância. Brasília, DF: 2003. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/ ReferenciaisdeEAD.pdf> Acesso em:11/02/2007.

outRoS SiteS ConSultadoS

http://www.suapesquisa.com/educacaobrasil/http://abt-br.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=394&Itemid=2http://pt.wikipedia.org/wiki/ISTO%C3%89http://portal.mec.gov.br/http://www.estadao.com.br/noticias/geral

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Parte III

teMas esPecIaIs

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a rePercussÃo trIButÁrIa No regIMe de adMIssÃo teMPorÁrIa Pelo NoVo

regulaMeNto aduaNeIro

josé Henrique CabelloPós-Graduado em Direito Tributário pela PUC/Campinas. Pós-Graduado

em Direito Constitucional pela PUC/Campinas. Pós-Graduando em Direito do Comércio Internacional pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.

Coordenador das Áreas Tributária e Aduaneira do Daniel Marcelino Advogados Associados

1. intRodução

Conforme bem sintetiza o Conselho Federal de Economia – COFECON, em artigo intitulado de o poder da inovação no Brasil1, “há uma relação simbiótica entre a inovação e o mundo dos negócios, visando o sucesso dos empreendimentos, sejam eles públicos ou privados. Os países desenvolvi-dos possuem um alto grau de inovação das companhias, com substanciais investimentos em P&D – pesquisa e desenvolvimento – e, num outro ex-tremo, encontramos os países em desenvolvimento, com baixo nível de inovação, tornando-se um dos principais obstáculos para o crescimento da produtividade e, por conseqüência, da economia da nação.”

É fato, quanto mais as empresas inovam tecnologicamente, mais o país desenvolve economicamente.

Sob esta perspectiva, se comparado com os outros países, como os Esta-dos Unidos, o Japão e a Europa, o Brasil ainda ostenta baixíssimo nível.

Em razão desta desigualdade, afigura-se inequívoco que o comércio in-ternacional se apresenta como um importante meio para que as empre-sas brasileiras, por meio da importação de produtos melhores, com menor

1 http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1357&Itemid=99

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472 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

custo, estejam aptas a fabricarem produtos mais competitivos no mercado internacional, repercutindo positivamente na balança comercial2.

Utilizando como fonte as informações fornecidas pelo INMETRO, Câ-mara Americana de Comércio, IBGE, Revista Banas Qualidade, o Con-selho Federal de Economia relata, dentre outros dados comparativos, que, no ano de 2000, de um milhão de peças fabricadas no Brasil, entre 2.000 a 4.000 estavam com defeitos (foram rejeitados), enquanto que no EUA e Europa, na mesma quantidade de peças fabricadas, 200 estavam com de-feito, e no Japão, em apenas 10 delas.

Ocorre que, em muitos casos, seja em razão da natureza, alto custo de aquisição ou até mesmo pela política da empresa (fundado no princípio da “liberdade de contratar”3), estes “produtos4” estrangeiros, ao invés de serem comprados, são apenas alugados pelas empresas brasileiras para se-rem economicamente utilizados, ou seja, permanecerão no território na-cional apenas no período determinado em que for acordado em contrato internacional (temporariamente).

Estas importações devem ser feitas segundo regime aduaneiro especial de “admissão temporária para utilização econômica”, instituído pelo ar-tigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, através do qual os impostos incidentes na importação devem ser pagos “proporcionalmente ao tempo de sua per-manência em território nacional”, haja vista o conteúdo dos Princípios da Legalidade, da Capacidade Contributiva e da Isonomia.

Até 06/09/2009, sob a vigência do Decreto n. 4.543/2002, a proporciona-lidade desta tributação era obtida utilizando-se como critério de cálculo o

2 Conforme divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento, atualmente o resultado é positivo: “Na 2ª semana de julho, a balança comercial apresentou exportações de US$ 4,161 bilhões e importações de US$ 3,439 bilhões, resultando em superávit de US$ 722 milhões. Até a 2ª semana de julho, as exportações acumulam US$ 5,687 bilhões e as importações, US$ 4,741 bilhões, com superávit de US$ 946 milhões. No ano, as exportações totalizam US$ 94,874 bilhões e as importações, US$ 86,049 bilhões, com saldo positivo de US$ 8,825 bilhões.” Fonte http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=567.

3 Código Civil – Lei n.º 10.406/2002: Art. 421. A liberdade de contratar será exerci-da em razão e nos limites da função social do contrato.

4 Neste texto, os termos “bens”, “mercadorias” e “produtos”, foram utilizados sem considerar a natureza jurídica que os diferencie, eventualmente.

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473A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

potencial tempo de vida economicamente útil do bem, em relação ao tempo em que este permanecerá no território para produção de riquezas, utilizan-do de forma integrativa, o disposto no artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964, bem como Instrução Normativa SRF n.º 162/98, de 31 de dezembro de 1998. Nada mais justo, pois se uma máquina com vida economicamente útil de 6 anos é alugada por 3 anos, deve o tributo desta operação corresponder a 50% do valor devido naquela, para que o tributo incida proporcionalmente em ambas as operações, tratando-as de forma isonômica.

Com o advento do Decreto n.º 6.759/2009 (novo Regulamento Aduanei-ro), esta forma de cálculo mudou, passando o importador a ter que pagar 1% do tributo que é devido na importação definitiva, por cada mês em que permanecer no país para ser economicamente utilizado, tornando indife-rente o natural tempo de vida útil do bem importado, o que, na prática, acabou por dar tratamento jurídico diferenciado entre as empresas que fa-zem uso deste regime especial, bem como importam definitivamente.

Por exemplo, a empresa que importa ferramentas por meio da Admissão Temporária foi beneficiada pela nova regra, pois quando esta mercadoria não puder mais ser economicamente utilizada (5 anos), ocasião em que poderá ser destruída ou devolvida, o tributo pago corresponderá apenas a 60% do que seria devido na hipótese de ter sido comprada no exterior, embora também neste caso a utilidade do bem esgotar-se-ia também em 5 anos. Neste caso, a nova regra desestimula, inclusive, a compra destes bens, vez que o comprador suportará uma carga tributária maior do que a do locatário.

Por outro lado, a empresa que importa temporariamente equipamentos foi prejudicada pela nova regra, pois, ainda que a locação seja pelo prazo de 10 anos, em 8,3 anos de locação o tributo já terá sido 100% pago do tributo (tal como se tivesse sido comprada), embora ainda possa ser econo-micamente utilizada por mais 1,7 anos.

Assim, este trabalho analisará, primeiramente, como se põe o regime aduaneiro especial da Admissão Temporária no sistema jurídico de forma contextualizada, bem como demonstrará que a nova forma cálculo, ins-tituída pelo Decreto n.º 6.759/2009, padece de inconstitucionalidade, por não consistir método que garanta a proporcionalidade da tributação (não apenas entre locatários, como também entre estes e os compradores), ofen-

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474 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

dendo, sobremaneira, os Princípios da Legalidade, da Capacidade Contri-butiva e da Isonomia.

2. do Regime de admiSSão temPoRáRia

É sabido que quando da importação de bens ou produtos, há a incidência dos tributos federais II5, IPI6, PIS/COFINS7, bem como do ICMS, imposto este de competência dos Estados8 e do Distrito Federal, todos tendo como pressuposto fático-lógico a respectiva entrada destes no território nacio-nal, em razão (1) da exteriorização de riqueza manifestada pelo importa-dor com esta compra, (2) da necessidade de o Estado captar recursos para que possa atender às exigências e necessidades da coletividade, em prol do desenvolvimento econômico do País, o que se afiguram em harmonia com o Princípio da Capacidade Contributiva9, que “é um conceito econômico e de justiça social, verdadeiro pressuposto da lei tributária”, valendo-se das palavras de Ruy Barbosa Nogueira10.

Conforme esclarece Ives Gandra da Silva Martins11, a Capacidade Con-tributiva é a capacidade do contribuinte relacionada com a imposição do ônus tributário. É a dimensão econômica particular da vinculação do con-tribuinte ao poder tributante, ao Estado, de forma geral.

Todavia, há situações em que determinados bens ou mercadorias são importados temporariamente (por prazo determinado) para serem utili-zados economicamente pelos importadores, no exercício de determinada atividade (empresarial ou negocial) com fins lucrativos. É o que ocorre, por

5 Artigo 153, inciso I, da CF de 1988 e artigos 1º e 2º, do Decreto-Lei n.º 37/1966.6 Artigo 153, inciso IV, da CF de 1988 e artigos 2º e 13, da Lei n.º 4.502/1964.7 Artigos 149, § 2º, inciso II, e 195, inciso IV, da CF/88 e artigos 3º e 7º, da Lei n.º

10.865/2004.8 Artigo 155, da Constituição Federal de 1988 e Lei n. 6.374/1989, no Estado de São

Paulo.9 Artigo 145, §1 , da Constituição Federal de 1988.10 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. São Paulo: Sarai-

va, 1999. p.12.11 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Caderno de Pesquisas Tributárias Vol. 14 – Ca-

pacidade Contributiva. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1989. p. 35.

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475A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

exemplo, na locação12 de máquinas estrangeiras ou na importação de ani-mais reprodutores por criadores (em razão dos descendentes ostentarem melhores índices de desempenho em prol da base da criação), em que não ocorre a transferência de propriedade da máquina locada.

Além da questão quanto à transferência de propriedade, necessário re-gistrar distinção que existe entre o valor (preço) que é pago na locação de um bem se comparado com de sua compra, o que conseqüentemente refle-te quantitativamente nos fatores “exteriorização de riqueza” e “condições econômicas de suportar a tributação”, a teor do que prescreve o já visto Princípio da Capacidade Contributiva, considerando que a base de cálculo dos tributos, para ambos os casos, consubstancia-se no valor aduaneiro do bem, ou seja, o valor da mercadoria importada13.

Objeto das Ciências Contábeis, o preço é a expressão monetária do valor de um produto ou serviço. É o valor agregado que justifica a troca de bens ou serviços, cuja formação deve “atingir o equilíbrio correto entre as ne-cessidades dos consumidores, as soluções alternativas e a necessidade da empresa em cobrir seus custos”14.

Grosso modo, pode-se afirmar que o cálculo do preço de venda se dá fi-xando uma margem de lucro como porcentagem do capital empregado pela empresa, ao passo que o cálculo do preço de locação é fixado com base na depreciação do bem locado segundo seu tempo de vida útil, ou seja, a perda do valor com base em critério objetivo (valor de mercado) em função de causas físicas (desgaste pelo uso e a ação dos elementos da natureza) ou causas funcionais (obsolescência e inadequação).

12 Contrato de Locação de Bens Móveis é aquele pelo qual o locador se obriga a ceder ao locatário, por certo tempo, o uso e gozo de bem móvel infungível, mediante pagamento de aluguel, nos exatos termos do artigo 565, do vigente Código Civil (Lei n.º 10.406/2002). Trata-se, pois, de uma OBRIGAÇÃO DE DAR por parte do Locador, bem como, por outro lado, de uma OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR, por parte do Locatário, nos exatos termos dos artigos 233 e 238, da referida Lei.

13 Conforme definido no Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994 (Acordo de Valoração Aduaneira), promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

14 FERREL, O.C., HARTLINE, Michael D., JUNIOR, George H. L. e LUCK, David. Op cit. Pag 154

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476 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

Motivo pelo qual, afigurar-se inconstitucional imputar ao locador de um bem a obrigação de efetuar o pagamento da mesma carga tributária que deve ser suportada pelo comprador deste mesmo bem, razão pela qual, em atenção ao Princípio da Proporcionalidade (conforme lições do plenário do Supremo Tribunal Federal15), a União instituiu, em 1996, o Regime Adua-neiro Especial de Admissão Temporária, através do qual as importações de caráter temporário para utilização econômica são tributadas proporcional-mente ao tempo de permanência no território nacional (o artigo 75, do De-creto-lei n.º 37/6616, combinado com o artigo 79, da Lei n.º 9.430/199617).

15 Segundo Supremo Tribunal Federal: O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essen-cialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação ma-terial à ação normativa do Poder Legislativo. O Estado não pode legislar abusiva-mente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da propor-cionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qua-lificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento posi-tivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos edita-dos pelo Estado.” (ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-03, Plenário, DJ de 20-4-06)

16 Art.75 – Poderá ser concedida, na forma e condições do regulamento, suspensão dos tributos que incidem sobre a importação de bens que devam permanecer no país durante prazo fixado. § 1º – A aplicação do regime de admissão temporá-ria ficará sujeita ao cumprimento das seguintes condições básicas: I – garantia de tributos e gravames devidos, mediante depósito ou termo de responsabilidade; II – utilização dos bens dentro do prazo da concessão e exclusivamente nos fins pre-vistos; III – identificação dos bens.

17 Art. 79. Os bens admitidos temporariamente no País, para utilização econômica, ficam sujeitos ao pagamento dos impostos incidentes na importação proporcional-mente ao tempo de sua permanência em território nacional, nos termos e condições estabelecidos em regulamento. Parágrafo único. O Poder Executivo poderá excep-cionar, em caráter temporário, a aplicação do disposto neste artigo em relação a determinados bens.

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477A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

Sendo que, por meio do CONVÊNIO CONFAZ n.º 58/199918 (publicado no DOU de 28/10/1999 com ratificação Nacional no DOU de 17/11/1999), introduzido no ordenamento jurídico na forma do artigo 155, inciso II, §2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal de 198819 e da Lei Comple-mentar n° 24/197520, os Estados21 e o Distrito Federal foram autorizados a

18 Cláusula primeira Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder isenção do ICMS incidente no desembaraço aduaneiro de mercadoria ou bem importado sob o ampa-ro do Regime Especial Aduaneiro de Admissão Temporária previsto na legislação federal específica. Cláusula segunda Em relação a mercadoria ou bem importado sob o amparo de Regime Especial Aduaneiro de Admissão Temporária, quando houver cobrança propor-cional, pela União, dos impostos federais, poderão as unidades federadas reduzir a base de cálculo do ICMS, de tal forma que a carga tributária seja equivalente àquela cobrança pro-porcional. Cláusula terceira O inadimplemento das condições do Regime Especial previsto nas cláusulas anteriores tornará exigível o ICMS com os acréscimos estabelecidos na legis-lação de cada unidade federada. Cláusula quarta O disposto neste convênio não se aplica às operações com mercadorias abrangidas pelo Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás (REPETRO), disciplinado no Capítulo XI do Decreto federal nº 4.543, de 26 de dezembro de 2002.

19 Artigo 155 – (...) XII – cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e be-nefícios fiscais serão concedidos e revogados.

20 Art. 1º As isenções do Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica: I – à redução da base de cálculo; (...) IV – a quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto sobre Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.; Art. 2º Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal. § 1º As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação. § 2º A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados repre-sentados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro-quintos, pelo menos, dos representantes presentes. § 3º Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União; Art. 3º Os convênios podem dispor que a aplicação de qual-quer de suas cláusulas seja limitada a uma ou algumas Unidades da Federação. (...)

21 Segundo estabelece o artigo 155, inciso II, §2º, inciso IX, alínea “a”, da Constitui-ção Federal de 1988, quando da importação de bens ou mercadorias, os ICMS que

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conceder isenção ou redução da base de cálculo do ICMS incidente nestas importações, “de tal forma que a carga tributária seja equivalente àquela cobrança proporcional” pelo Poder Público Federal (o que, no Estado de São Paulo, encontra-se disciplinado no artigo 38, do Anexo II, do RICMS/SP).

Valendo-se da definição dada pela Receita Federal22, a “Admissão Temporária é o regime aduaneiro que permite a entrada no País de cer-tas mercadorias, com uma finalidade e por um período de tempo de-terminados, com a suspensão total ou parcial do pagamento de tributos aduaneiros incidentes na sua importação, com o compromisso de serem reexportadas”.

O período de permanência no território nacional corresponderá, neces-sariamente, ao prazo de vigência previsto no contrato internacional que fundamenta a importação sob o regime especial, na forma prescrita no artigo 374, do Decreto n.º 6.759/09, artigo 326, do Decreto n.º 4.543/09 e artigo 10, §1º, inciso I, alínea “a”, da IN/SRF n.º 285/03.

Trata-se de verdadeira regra de isenção parcial condicionada de cará-ter individual, cujo regime jurídico geral encontra-se consubstanciado nos artigos 17523 à 17824 e 17925, do Código Tributário Nacional, como causa de “exclusão do crédito tributário”, exigindo (ainda que desnecessário), observância ao princípio da legalidade.

incide sobre a operação é devido “ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”.

22 www.receita.fazenda.gov.br/aduana/RegAdmExportTemp/RegAdm/RegEspAdmTemp.htm.

23 Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em fun-ção de condições a ela peculiares.

24 Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determina-das condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, obser-vado o disposto no inciso III do artigo 104.

25 Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. (...)

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479A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

Essa legislação isentiva, conforme lições de Paulo de Barros Carvalho, pertence à classe das regras de estrutura, “que intrometem modificações no âmbito da regra matriz de incidência”26, no caso, artigos 1º e 2º, do DL n.º 37/1966, artigos 2º e 13, da Lei n.º 4.502/1964 e artigos 3º e 7º, da Lei n.º 10.865/2004.

Assim, trata-se do encontro de duas normas jurídicas que tem por resultado a inibição parcial da incidência do tributo sobre o fato ju-rídico “importação temporária de bens para utilização econômica”, comprometendo parcialmente os efeitos prescritivos da conduta “pagar tributo na importância de”, modulando-a no sentido de que o valor seja “proporcional ao tempo de permanência no território nacional”, desde que atendidas as “condições e requisitos exigidos para a concessão do benefício”.

Tratando-se de isenção parcial condicionada ao cumprimento de deter-minadas condições (condição suspensiva), o beneficiário pagará os tributos referentes ao período de permanência (exemplo: por 06 meses, 01 ano, etc), mas o valor dos tributos referentes ao período futuro (além dos 06 meses, 01 ano, etc) estará isento desde que cumpridas as condições para o gozo do benefício.

Se ao final do período, a importadora tiver cumprido, integralmente, todas as condições e requisitos prescritos na legislação, o valor recolhido “proporcionalmente ao tempo de permanência no território nacional” re-veste-se, de causa extintiva, da totalidade do crédito tributário devido, na forma do artigo 156, inciso I, do CTN27, tornando definitivamente isento o valor da diferença que até então estava suspenso.

Por outro lado, descumpridas as condições para fruição da isenção (como, v.g., efetuar a venda do bem no mercado nacional ou não apresentar este para reexportação no prazo legal), a importadora perderá o direito de beneficiar-se deste regime especial, sendo obrigada a efetuar o pagamen-to dos tributos calculados de forma integral (até então suspensos), com a imediata execução do Termo de Responsabilidade e Garantia, na hipótese

26 Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª Ed.. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 521.

27 CTN: Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento;

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de inadimplemento, na forma dos artigos 7228 e 7529, do Decreto-Lei n.º 37/1966, bem como dos artigos 36930 e 37331, do Decreto n.º 6.7959/2009 (cuja redação é idêntica à do artigo 320, do Decreto n.º 4.543/2002, ora revogado).

Ou seja, descumpridas as condições e os requisitos, perde-se o direito à isenção e os tributos voltam a ser exigidos integralmente, passando a ope-ração a ser tratada como importação definitiva (compra).

28 Art.72 – Ressalvado o disposto no Capítulo V deste Título, as obrigações fiscais relativas à mercadoria sujeita a regime aduaneiro especial serão constituídas em termo de responsabilidade. § 1º – No caso deste artigo, a autoridade aduaneira poderá exigir garantia real ou pessoal. § 2º – O termo de responsabilidade é título representativo de direito líquido e certo da Fazenda Nacional com relação às obri-gações fiscais nele constituídas. § 3º – O termo de responsabilidade não formaliza-do por quantia certa será liquidado à vista dos elementos constantes do despacho aduaneiro a que estiver vinculado. § 4º – Aplicam-se as disposições deste artigo e seus parágrafos, no que couber, ao termo de responsabilidade para cumprimento de formalidade ou apresentação de documento.

29 Art.75 – Poderá ser concedida, na forma e condições do regulamento, suspensão dos tributos que incidem sobre a importação de bens que devam permanecer no país durante prazo fixado.

30 Art. 369. O crédito tributário constituído em termo de responsabilidade será exi-gido com observância do disposto nos arts. 761 a 766, nas seguintes hipóteses: I – vencimento do prazo de permanência dos bens no País, sem que haja sido requerida a sua prorrogação ou uma das providências previstas no art. 367; II – vencimento de prazo, na situação a que se refere o § 9º do art. 367, sem que seja iniciado o despacho de reexportação do bem; III – apresentação para as providências a que se refere o art. 367, de bens que não correspondam aos ingressados no País; IV – uti-lização dos bens em finalidade diversa da que justificou a concessão do regime; ou V – destruição dos bens, por culpa ou dolo do beneficiário. (...)

31 Art. 373. Os bens admitidos temporariamente no País para utilização econômica ficam sujeitos ao pagamento dos impostos federais, da contribuição para o PIS/PA-SEP-Importação e da COFINS-Importação, proporcionalmente ao seu tempo de permanência no território aduaneiro, nos termos e condições estabelecidos nesta Seção (Lei no 9.430, de 1996, art. 79; e Lei no 10.865, de 2004, art. 14). (...) § 3o O crédito tributário correspondente à parcela dos tributos com suspensão do pagamento deverá ser constituído em termo de responsabilidade. § 4o Na hipóte-se do § 3o, será exigida garantia correspondente ao crédito constituído no termo de responsabilidade, na forma do art. 759, ressalvados os casos de expressa dispensa, estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

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3. da “PRoPoRção” Como CRitéRio de CálCulo fixado em lei, Que exige o “temPo de vida eConomiCamente útil do bem” em RaZão do fatoR “temPo de PeRmanênCia”.

O artigo 79, da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996, prescreveu que, no caso da Admissão Temporária “para utilização econômica, ficam sujeitos ao pagamento dos tributos incidentes na importação (II, IPI, PIS/PASEP e COFINS) proporcionalmente ao tempo de sua permanência em território nacional”, o que também se aplica face o ICMS, por força do Convênio n.º 58/1999.

Destarte, o legislador ordinário, de maneira habilidosa e objetiva, confi-gurou a proporcionalidade da isenção sob análise (artigo 79) por meio da vinculação dos critérios “tempo de permanência no território nacional” e “importação para utilização econômica”.

Afigura-se inequívoco que a “proporcionalidade” (núcleo do conseqüen-te da regram matriz de incidência da norma isentiva) é conceito da lógica matemática que exprime uma relação de equivalência entre grandezas, ou seja, uma fração sobre o total.

Conforme é ensinado desde os bancos escolares, a “proporção é uma igualdade dentre duas razões”, possuindo, em síntese, as seguintes pro-priedades:

• Propriedade fundamental: Qualquer que seja a proporção, o produ-to dos extremos é igual ao produto dos meios. Assim sendo, dados os números a, b, c e d, todos diferentes de zero e formando, nesta ordem, uma proporção, então o produto de a por d será igual ao pro-duto de b por c:

• Segunda propriedade: Qualquer que seja a proporção, a soma ou a diferença dos dois primeiros termos está para o primeiro, ou para o segundo termo, assim como a soma ou a diferença dos dois últimos termos está para o terceiro, ou para o quarto termo.

Então temos:

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ou

Ou

ou =

• Terceira propriedade: Qualquer que seja a proporção, a soma ou a diferença dos antecedentes está para a soma ou a diferença dos con-seqüentes, assim como cada antecedente está para o seu respectivo conseqüente. Temos então:

ou Ou

ou

• Quarta proporcional: Dados três números a, b, e c, chamamos de quarta proporcional o quarto número x que junto a eles formam a proporção, vez que, tendo o valor dos números a, b, e c, podemos ob-ter o valor da quarta proporcional, o número x, recorrendo à proprie-dade fundamental das proporções, tal como é utilizado na resolução de problemas de regra de três simples:

Objetivamente, por fazer parte da lógica, a proporcionalidade ostenta propriedade que permite confirmar, de forma inquestionável, se a afirma-ção de que “duas razões são iguais” é verdadeira (caso de proporção) ou falsa (de desproporção).

Deste modo, a investigação da proporcionalidade na regra isentiva da Admissão Temporária parte da seguinte indagação: Quanto tempo deter-minado bem pode ser potencialmente utilizado economicamente na fun-ção a que se destina, por ocasião da compra? A resposta refletirá o “tempo” correspondente à “permanência definitiva” no território nacional, vez que, ao final deste período, não terá mais utilidade, na qualidade de referencial indissociável no cálculo da proporção sob análise.

Destarte, a proporcionalidade tributária resulta da relação temporal que há entre a “permanência temporária do bem locado” e a “permanência

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definitiva do mesmo bem comprado”, sob a perspectiva do quanto este determinado bem pode ser economicamente utilizado, conforme quadro abaixo:

Vale ressaltar, novamente, que o artigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, não deixa dúvidas de que a proporcionalidade diante do tempo de permanência tem por referência a importação do bem para temporária utilização eco-nômica.

É justamente pelo fato “do tempo de vida economicamente útil do bem” estar para a importação temporária assim como também para a importa-ção definitiva, que se afigura possível obter, matematicamente a relação de proporcionalidade do tributo que é devido em razão do tempo de per-manência no território nacional para utilização econômica. É a lógica da matemática, no caso, da matemática tributária.

Neste sentido, o tributo deverá ser 100% pago na hipótese de permane-cer no território nacional por 100% de sua “vida economicamente útil”, ao passo que se o bem permanecer por apenas 40% de sua “vida útil” no território nacional, haverá a isenção tributária à ordem de 60% por força da lei instituidora do benefício.

Se for excluído o “tempo de vida economicamente útil do bem”, afigu-ra-se inquestionavelmente impossível calcular o tributo de forma “propor-

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cional ao tempo de permanência para utilização econômica” no território nacional, nos exatos termos do artigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, que insti-tuiu a regra de isenção parcial condicionada, hipótese em que a proporcio-nalidade terá sido substituída pela arbitrariedade.

4. da “PRoPoRCionalidade” PReSCRita no Regulamento aduaneiRo PaRa o CálCulo doS tRibutoS na admiSSão tRibutáRia – ofenSa aoS PRinCíPioS da legalidade e da iSonomia.

O Poder Executivo, no exercício de sua competência regulamentar (ar-tigo 84, inciso IV, da Constituição Federal de 198832), disciplinando a ma-téria no Decreto n.º 2.889/199833, conforme redação dada pelo Decreto n.º 3.328/2000, foi fiel ao princípio da legalidade, prescrevendo que a “tribu-tação proporcional” seria obtida com a conjugação dos elementos “tempo de permanência no território nacional” e “tempo de vida útil do bem”, nos termos da legislação do “imposto de renda”, ou seja, do artigo 57, da Lei n.º 4.506/6434, que atribuiu aos bens um “tempo de vida útil” em razão do

32 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

33 Art. 1º Poderão ser importados, em regime de admissão temporária, bens desti-nados à utilização econômica no País. Art. 2º Os bens submetidos ao regime de admissão temporária sujeitam-se ao pagamento dos impostos federais exigidos na importação, proporcionalmente ao seu tempo de permanência no território nacio-nal. § 1o – A proporcionalidade a que se refere este artigo será obtida pelo percen-tual representativo do tempo de permanência do bem no País em relação ao seu tempo de vida útil, determinado nos termos da legislação do imposto de renda.

34 Art. 57. Poderá ser computada como custo ou encargo, em cada exercício, a im-portância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da natureza e obsolescência normal. § 1º A quota de depre-ciação registrável em cada exercício será estimada pela aplicação da taxa anual de depreciação sôbre o custo de aquisição do bem depreciável, atualizado monetària-mente, observadas nos exercícios financeiros de 1965 e 1966, as disposições cons-tantes do § 15 do artigo 3º da Lei nº 4.357 de 16 de julho de 1964. § 2º A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção dos seus rendimentos. § 3º A administração do Impôsto de Renda publicará periódicamente o prazo de vida útil admissível a partir de 1º de janeiro de 1965, em condições normais ou

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respectivo desgaste pelo uso no exercício da atividade econômica, objeti-vando mensurar o valor dedutível a título de quota de depreciação.

Trata-se da aplicação por analogia da legislação, por meio do necessá-rio raciocínio lógico-integrativo-indutivo diante da “realidade econômico-matemática da tributação proporcional em sede de admissão temporária”, nos exatos termos do artigo 108, inciso I, do Código Tributário Nacional, que prescreve, expressamente, que “na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará suces-sivamente, na ordem indicada: I – a analogia;”

No trato da matéria, leciona Amílcar de Araújo Falcão35 que: “a analogia é meio de integração da ordem jurídica, através do qual, formulando ra-ciocínios indutivos com base num dispositivo legal (analogia legis), ou em um conjunto de normas ou dispositivos legais combinados (analogia juris), se preenche a lacuna existente em determinada lei. Nesse caso, há criação de direito, ainda que o processo criador esteja vinculado à norma ou às normas preexistentes levadas em consideração.”

Necessário observar que a lacuna não está na conceituação de propor-cionalidade, mas sim na quantificação do tempo de vida útil dos bens, razão pela qual a questão foi importada da Instrução Normativa n.º 162/98, da Secretaria da Receita Federal, alterada pela Instrução Normativa n.º 130/99, as quais levaram em consideração, inclusive, o desgaste real de cada tipo de bem (natureza) pelo uso no exercício da atividade econômica (binômio: natureza do bem / tempo de vida útil), como, por exemplo, 5 anos para o animais vivos, 2 anos para correias de transmissão e 10 anos para máquinas.

E isto porque este dado não é imputado discricionariamente pela admi-nistração pública, mas fixado com base nas informações técnicas que são prestadas pelo “Instituto Nacional de Tecnologia – INT” (órgão público federal da administração direta, pertencente à estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT), ou “outra entidade oficial de pesquisa cientí-

médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação dos seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente.

35 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Interpretação e Integração da Lei Tributária, Introdução ao Direito Tri-butário, Rio de Janeiro:Editora Rio, 1976, p.73/74.

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486 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

fica ou tecnológica”, o que garante, sobremaneira, a necessária efetividade do Princípio da Capacidade Contributiva. Conforme consta no site INT36, este “trabalha de forma integrada com o setor empresarial, promovendo o desenvolvimento de pesquisas nas áreas de Química, Tecnologia dos Ma-teriais, Engenharia Industrial, Energia e Meio Ambiente. Realiza consul-toria tecnológica, serviços técnicos especializados certificação de produtos e atua na formação e capacitação profissional, através de programas de educação continuada e treinamento.”

Posteriormente, o regime especial da “Admissão Temporária” pas-sou a ser disciplinado pelo Regulamento Aduaneiro de 2002 (Decreto n. 4.543/2002), dispondo sobre a forma de cálculo nos artigos 30637 e 32438 à 334, também nos exatos termos da Lei n.º 4.506/1964 (e conseqüentemente das Instruções Normativas n.º 162/1998 e 130/1999).

Sendo que a Secretaria da Receita Federal, por sua vez, prescreveu mais detalhadamente sobre a forma de cálculo na IN/SRF n.º 285/03, também atendendo os critérios da Lei n.º 4.506/1964 (inclusive fazendo expressa referência à IN/SRF n..º 162/98). Embora o cálculo aritmético seja simples,

36 http://www.int.gov.br/Novo/INT/Apresentacao/int_apresentacao.html37 Art. 306. O regime aduaneiro especial de admissão temporária é o que permite

a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos, ou com suspensão parcial, no caso de utilização econômica, na forma e nas condições deste Capítulo (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 75, e Lei no 9.430, de 1996, art. 79).

38 Art. 324. Os bens admitidos temporariamente no País, para utilização econômica, ficam sujeitos ao pagamento dos impostos de importação e sobre produtos indus-trializados, proporcionalmente ao seu tempo de permanência no território adua-neiro, nos termos e condições estabelecidos nesta Seção (Lei no 9.430, de 1996, art. 79). § 1o Para os efeitos do disposto nesta Seção, considera-se utilização eco-nômica o emprego dos bens na prestação de serviços ou na produção de outros bens. § 2o A proporcionalidade a que se refere o caput será obtida pelo percentual representativo do tempo de permanência do bem no País em relação ao seu tempo de vida útil, determinado nos termos da legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. § 3o O crédito tributário correspondente à parcela dos impostos com exigibilidade suspensa deverá ser constituído em termo de res-ponsabilidade. § 4o Na hipótese do § 3o, será exigida garantia correspondente ao crédito constituído no termo de responsabilidade, na forma do art. 675, ressalvados os casos de expressa dispensa, estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal.

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487A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

é inegável sua pouca praticidade, conforme se denota pela fórmula extraí-da do artigo 6 :

Onde:

V = valor a recolher;

I = imposto federal devido no regime comum de importação;

P = tempo de permanência do bem no País, correspondente ao número de meses ou fração de mês; e

U = tempo de vida útil do bem, de acordo com o disposto na Instrução Normativa SRF n.º 162/98, de 31 de dezembro de 1998.

Contudo, com o advento do Decreto n.º 6.759/2009, publicado no DOU de 06/02/09 (novo Regulamento Aduaneiro), com vigência imediata, esta forma de cálculo mudou. Neste, ao invés do cálculo ter como parâmetro a necessária conjugação do período de permanência proporcionalmente ao tempo de vida útil do bem importado (conforme exigido pelo artigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, e de forma integrativa, pelo artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964), estipulou-se, no artigo 37339, §2º, que o tributo seria devido no

39 Art. 373. Os bens admitidos temporariamente no País para utilização econômica ficam sujeitos ao pagamento dos impostos federais, da contribuição para o PIS/PA-SEP-Importação e da COFINS-Importação, proporcionalmente ao seu tempo de permanência no território aduaneiro, nos termos e condições estabelecidos nesta Seção. § 1º Para os efeitos do disposto nesta Seção, considera-se utilização eco-nômica o emprego dos bens na prestação de serviços ou na produção de outros bens. § 2º A proporcionalidade a que se refere o caput será obtida pela aplicação do percentual de um por cento, relativamente a cada mês compreendido no pra-zo de concessão do regime, sobre o montante dos tributos originalmente devidos. § 3º O crédito tributário correspondente à parcela dos tributos com suspensão do pagamento deverá ser constituído em termo de responsabilidade. § 4º Na hipótese

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valor fixo de 1% a cada mês de permanência no país, em relação ao tribu-to que seria devido na hipótese de se tratar de uma importação definitiva (100%).

Grosso modo, o que fez o artigo 373, §2º, do Decreto n.º 6.759/2009, ressalta-se, autonomamente pelo Poder Executivo, foi exigir que a cada 8 anos e 3 meses40, 100% do tributo deveria ser pago pelo importador (tal como se fosse importação definitiva), dando por irrelevante a distinção no que tange à natureza dos bens e produtos, bem como ao “prazo durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção dos seus rendimentos”41, ou seja, dando por irrelevante o �tempo de vida útil”, sem prejuízo do prazo fixado no contrato de locação entre o importador e o exportador.

Destarte, é inegável que a nova regra facilitou o trabalho dos Auditores Fiscais no dia-a-dia, todavia, consubstancia-se numa “falsa proporciona-lidade”.

Se analisada a nova regra de acordo com a lógica da matemática, so-mente tratar-se-ia de uma “proporção”, se por hipótese todos os bens, in-dependentemente de sua natureza e particularidades (animais, máquinas, correias de transmissão, etc.), possuíssem, de fato, vida economicamente útil de 8 anos e 3 meses, ou se, por outro lado, determinada Lei (sentido es-trito) instituí-se uma ficção jurídica, criando uma verdade legal como refe-rência contrária à verdade natural (fenomênica), respeitados, obviamente, os princípios norteadores pertinentes ao Direito Tributário.

Ora, como sabido, apesar de a produção legislativa ser tarefa típica do Poder Legislativo, em virtude da descentralização do sistema jurídico bra-sileiro, também o Poder executivo possui competência para produção de atos normativos, dentre os quais as medidas provisórias, leis delegadas e regulamentos.

do § 3o, será exigida garantia correspondente ao crédito constituído no termo de responsabilidade, na forma do art. 759, ressalvados os casos de expressa dispensa, estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

40 Divisão de 100% do tributo pela quantidade de meses do ano, considerando que pela nova regra o valor do tributo corresponde à 1% aplicado a cada mês de permanência no país, sobre o montante dos tributos originalmente devidos (100%).

41 Transcrição da redação do §2º, do artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964.

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489A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

Contudo, o artigo 373, §2º, do Decreto n.º 6.759/2009, ao mudar a forma de cálculo do tributo, desconsiderando o artigo 57, da Lei n.º 4.506/64, ou seja, do “tempo de vida economicamente útil do bem que importado temporariamente para utilização econômica”, criou autonomamente uma nova regra, contrariando o Princípio da Legalidade e o da Separação de Poderes, constantes dos artigos 242, 5º, inciso II43 e 3744, caput, da Cons-tituição Federal de 1988 (e reiterados no Código Tributário Nacional, em seus artigos 97, inciso VI45, 9946, 17647, 17848 e 17949), motivo pelo qual se afigura inconstitucional, conforme já foi alertado pelo Supremo Tribunal Federal50.

Quanto ao Princípio da Legalidade na doutrina, sempre pertinente são os ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Melo51, segundo qual “é livre de qualquer dúvida ou entredúvida que, entre nós, por força dos ar-tigos 5º, II, 84, IV, e 37 da Constituição, só por lei se regula liberdade e

42 Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário

43 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasilei-ros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

44 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publici-dade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada ao caput pela Emenda Constitucional nº 19/98)

45 Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: (...) VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

46 Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.

47 Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. (...)

48 Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do artigo 104.

49 Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despa-cho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão.

50 ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso De Mello, DJ 27/06/03 e ACO 1.048-QO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 31-10-07.

51 Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros: São Paulo, 2000. p. 302.

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490 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

propriedade; só por lei se impõem obrigação de fazer ou não fazer. Vale dizer: restrição alguma à liberdade ou à propriedade pode ser imposta se não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Poder Executivo pode expedir decretos e regulamentos.”

É certo, todavia, que a nova regra acabou por beneficiar os importadores de bens cujo tempo de vida economicamente útil é inferior a oito anos e três meses, como por exemplo, importação de animais vivos (5 anos), cor-reias de transmissão (2 anos), tapetes (5 anos), caixas de madeira (5 anos), artigos para acampamento (4 anos), ferramentas (5 anos), fitas magnéticas (3 anos), dentre outros.

Contudo, muitos foram severamente prejudicados, tais como os impor-tadores de construções pré-fabricadas (25 anos), construções de alumínio (25 anos), elementos de pontes (25 anos), aparelhos de navegação (10 anos), motores (10 anos), máquinas (10 anos), centrifugadores (10 anos), empilha-deiras (10 anos), dentre outros.

A desigualdade no tratamento é evidente, inclusive se compararmos dois importadores de determinado bem com tempo de vida útil de 4 anos, um de forma definitiva e outro de forma temporária. Por ocasião da im-prestabilidade do bem, o que importou temporariamente poderá rescindir a locação e devolver ao proprietário estrangeiro, tendo feito o pagamento de, aproximadamente, 50% do tributo, ao passo que o que comprou, na mesma data (4 anos), já terá pago 100% do tributo, não obstante tenham utilizado da mesma forma.

Ora, como sabido, o ordenamento jurídico pátrio52 expressamente pres-creveu que a Lei não pode ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar igualmente todos os cidadãos e empresas. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e jurisdicizado pela Magna Carta de 1988. Em síntese, vislumbra-se inequívoco que, ao se cumprir a lei, todos os abran-gidos por ela hão de receber tratamento parificado, sendo-lhes defeso dis-ciplinar diferentemente situações equivalentes.

52 Conforme preâmbulo, artigo 5, caput, inciso I e artigo 150, inciso II, da Constitui-ção Federal de 1988, já transcrito – pg. Do presente Writ.

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491A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

Conforme ensinamentos do professor Celso Antonio Bandeira de Mello, em sua clássica obra “O conteúdo jurídico do princípio da igualdade”53, os critérios jurídicos justos para se aferir quando a diferenciação, (a de-sequiparação legal), não ofende o princípio da igualdade, percorrem três questões:

1. A primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

2. A segunda reporta-se à correlação lógica e abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

3. A terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interes-ses absorvidos no sistema constitucional e destarte jurisdicizados;

Em síntese, “para se verificar se uma norma respeita ou não o princípio da igualdade, vislumbra-se necessário verificar de um lado o que foi ado-tado como critério discriminatório e de outro se há justificativa racional (fundamento lógico e razoável), para, à vista do traço desigualador acolhi-do, atribuir tratamento jurídico diferenciado em função da desigualdade proclamada. E por último, verificar se a justificativa evidencia-se não só de forma abstrata, mas sim em concreto, com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional”.

Nas palavras do ilustre administrativista54: “Só a conjunção dos três as-pectos é que permite análise correta do problema. Isto é: a hostilidade ao preceito isonômico pode residir em quaisquer deles. Não basta, pois, reco-nhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao princípio da igualdade no que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o seja, também, com relação ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a requisitos do primeiro é suficiente para desqualificá-la. O mesmo, eventualmente, sucederá por desatenção a exigências dos demais, porém, quer-se deixar bem explícita a necessidade de que a norma jurídica observe cumulativamente aos recla-mos provenientes de todos os aspectos mencionados para ser inobjetável em face do princípio isonômico.”

53 O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Editora Malheiros: São Paulo, 1999. P. 21.

54 Idem, p. 22.

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492 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

Sendo que interessa para o presente as conclusões do referido e renomado jurista55, com o brilhantismo que lhe é peculiar, mais especifica-mente no sentido de que há ofensa ao princípio constitucional da igualdade quando:

• a norma adota como critério discriminador, para fins de diferencia-ção de regimes, elementos não residentes nos fatos, situações ou pes-soas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial;

• a norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucio-nalmente; e

Ora, se a regra isentiva tem como pressuposto a diferença temporal que há entre a potencial utilização econômica de determinado bem por ocasião da compra deste por uma empresa a aquela por ocasião do prazo em que o mesmo bem foi alugado, afigura-se incontroverso e indispensável que, no cálculo do tributo, seja considerada a distinção que existe entre bens de natureza distinta, em decorrência do respectivo tempo de vida econo-micamente útil, sob pena de ser dado tratamento jurídico distinto entre importadores temporários e definitivos de um mesmo bem.

É o que ocorre com a nova regra do artigo 373, §2 , do Decreto n. 6.759/2009, o que atesta sua inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da isonomia.

5. da CoRReta inteRPRetação do aRtigo 111, do Código tRibutáRio naCional, em RaZão do PRinCíPio da CaPaCidade ContRibutiva.

Necessário registrar que, provavelmente, há quem argumentará a im-possibilidade de se aplicar o artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964 bem como IN/SRF n.º 162/1998 e IN/SRF n.º 130/1999, por força do enunciado no

55 Idem, p. 47.

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493A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional56, que exige seja inter-pretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção:

Todavia, entendemos de outro modo, principalmente pelo fato de que no próprio artigo 79, da Lei n. 9.430/96, está embutido, por necessidade, que a proporcionalidade está no potencial período total em que determinado bem pode ser utilizado economicamente, em relação ao tempo em que este será locado para ser utilizado da mesma forma.

Conforme enaltece a melhor doutrina no que tange ao alcance do artigo 111, do Código Tributário Nacional, a observância estrita e isolada de qual-quer regra de isenção não pode distorcer gravemente a aplicação da norma, levando a resultado oposto do desejado pelo legislador, bem como não pode afrontar o Princípio da Capacidade Contributiva, basilar do sistema jurídico-tributário e deixar de consagrar, na aplicação prática, valores so-ciais e jurídicos implícitos no texto (qual seja, de que a cobrança do tributo justifica-se quantitativamente no fato de alguém “exteriorizar riqueza”, os-tentando ter “condições econômicas de suportar a tributação”).

Destarte, o professor Vicente Ráo, já na década de 50, afirmou que “a ignorância dos princípios quando não induz a erro, leva à criação de rá-bulas em lugar de juristas”57. Ou seja, não basta ao operador do direito saber dos artigos de lei, mas sim saber para que eles sirvam de acordo com os princípios que lhe fundamentam, sob pena de não serem corretamente aplicados.

Ora, se a regra de isenção tem por finalidade garantir que o pagamento na importação temporária para utilização econômica seja feito de forma proporcional ao valor que é pago por ocasião da importação definitiva des-te mesmo bem, o que importa, efetivamente, é que esta proporcionalidade seja alcançada, ainda que, para tanto, seja necessário valer-se do processo integrativo, já que se afigura impossível efetuar um cálculo objetivando obter um resultado proporcional no caso sem considerar o tempo de vida economicamente útil do bem.

56 Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: II – outorga de isenção;

57 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, 5a ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999.

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494 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

A interpretação literal da legislação é quanto ao bem jurídico tutelado, e não quanto à mera construção sintática do texto, não raras vezes em de-sacordo com a gramática.

Sobre o tema, leciona Hugo de Brito Machado58: “O elemento literal é de pobreza franciscana, e utilizado isoladamente pode levar a verda-deiros absurdos, de sorte que o hermeneuta pode e deve utilizar todos os elementos de interpretação, especialmente o elemento sistemático (inter-pretação observado o sistema em que a norma se insere), absolutamen-te indispensável em qualquer trabalho sério de interpretação, e ainda o elemento teleológico (finalistico: captar a finalidade a qual a norma se destina), de notável valia na determinação do significado das normas jurídicas. Há quem afirme que a interpretação literal deve ser entendi-da como interpretação restritiva. Isto é um equívoco. Quem interpreta, literalmente, por certo não amplia o alcance do texto, mas com certeza também não o restringe.”

No mesmo sentido, enuncia Luciano Amaro59: “Artigo 111 do CTN: Nes-sas matérias, quer o Código que o intérprete se guie preponderantemente pela letra da Lei, sem ampliar seus comandos nem aplicar a integração analógica ou a interpretação extensiva. Não obstante se preceitue a inter-pretação literal nas matérias assinaladas, não pode o intérprete abandonar a preocupação com a exegese lógica, teleológica, histórica e sistemática dos preceitos legais que versem as matérias em causa.”

O que é corroborado por Carlos da Rocha Guimarães60: “Quando o art. 111 do C.T.N. fala em interpretação literal, não quer realmente negar que se adote, na interpretação das leis concessivas de isenção, o processo normal de apuração compreensiva do sentido da norma, mas simplesmente que se estenda a exoneração fiscal a casos semelhantes.”

58 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19 ed. São Paulo: Ma-lheiros, 2001. p. 98

59 AMARO, Luciano.Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo:Saraivas, 2003. p. 217

60 GUIMARÃES, Carlos da Rocha.Interpretação das isenções tributárias. In. Propo-sições Tributárias, p. 61. Apud AMARO, Luciano.Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo:Saraivas, 2003. p. 217

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495A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

Sendo que Leandro Paulsen, complementando o raciocínio tecido por Guimarães61, enaltece que “nos julgados que deram origem à súmula 100 do STJ muito se discutiu sobre a interpretação das normas concessivas de isenção, tendo restado consolidada posição no sentido de que descaberia raciocinar-se analogicamente para o efeito de estender benefício de isen-ção a situação que não se enquadraria no texto expresso da lei.”

Diante de tudo o que foi exposto no presente trabalho, inexiste ofensa ao artigo 111 do CTN, o fato da regra isentiva, por necessidade obvia, ser integrada ao enunciado no artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964 (em atenção ao princípio da legalidade), e consequentemente nos índices fixados na IN/SRF n.º 162/1998 e na IN/SRF n.º 130/1999, com base nas informações contidas em estudos feitos pelos órgãos técnicos.

6. da QueStão RefeRente aoS PedidoS de PRoRRogaçõeS foRmaliZadoS aPóS vigênCia do aRtigo 373, §2 , do deCReto n. 6.759/2009, RefeRente ÀS admiSSõeS temPoRáRiaS ConCedidaS anteRioRmente À inStituição da nova RegRa.

À evidência que o recolhimento dos tributos, seja sob o regime da isen-ção parcial ou o do recolhimento integral (na hipótese de execução do termo de responsabilidade), tem como objeto a relação jurídico-tributária instaurada com a importação dos bens ou produtos, mais especificamente com o registro da Declaração de Importação (no caso do II62, PIS/CO-

61 PAULSEN, Leandro. In Direito Tributário – Código Tributário Nacional anotado, Ed. Livraria do Advogado, 6ª ed. 2004, p. 881.

62 Decreto-Lei n.º 37/1966 (Lei do II): Art.1º – O Imposto sobre a Importação incide sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Na-cional. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988); Art. 23 – Quan-do se tratar de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro, na repartição aduaneira, da declaração a que se refere o artigo 44. Parágrafo único. No caso do parágrafo único do artigo 1°, a mercadoria ficará sujeita aos tributos vigorantes na data em que autoridade aduaneira apurar a falta ou dela tiver conhecimento. Art.24 – Para efeito de cálculo do imposto, os valores expressos em moeda estrangeira serão convertidos em moeda nacional à taxa de câmbio vigente no momento da ocorrência do fato gerador.

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496 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

FINS63) ou com o Desembaraço Aduaneiro (no caso do IPI64), conforme se verifica da legislação.

Trata-se de fato instantâneo, que se esgota e se completa no momento do Desembaraço Aduaneiro ou do registro da Declaração de Importação, tornando-se ato jurídico e perfeito, e constitucionalmente protegido de modificações, na forma dos artigos 5º, inciso XXXVI65 (proteção ao ato jurídico perfeito) e artigo 150, inciso III66, da Constituição Federal de 1988, que estabelecem o Princípio de Direito Intertemporal da Irretroatividade Tributária, o que restou reforçado nos artigos 10567 e 11668, do Código Tri-butário Nacional.

63 Lei n.º 10.865/2004 (Lei do PIS/COFINS – Importação): Art. 3º. O fato gerador será: I – a entrada de bens estrangeiros no território nacional; ou (...); Art. 4º. Para efeito de cálculo das contribuições, considera-se ocorrido o fato gerador: I – na data do registro da declaração de importação de bens submetidos a despacho para consumo;

64 Lei n.º 4.502/1964 (Lei do IPI): Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto: I – quan-to aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço aduaneiro; (...); Art . 19. O impôsto será lançado pelo próprio contribuinte: I) na guia de reco-lhimento; a) por ocasião do despacho de produtos de procedência estrangeira, nos casos de importação e de arrematação em Ieilão;

65 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

66 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...) III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

67 Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futu-ros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

68 Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se da situação jurídica,

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497A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...

Assim, por último, insta consignar que, se a nova regra estivesse de acordo com o sistema jurídico afigurando-se constitucional, obviamen-te somente incidiria sobre as Declarações de Importação de Admissão Temporária registradas após sua entrada em vigor, não disciplinando os pedidos de prorrogação das Admissões Temporárias protocolizados após esta data, mas concedidas na forma da legislação anterior ao Decreto n. 6.759/2009. E isto, porque, mesmo estando revogados os decretos ante-riores, permanecem estes com sua plena vigência no que tange aos fatos acontecidos anteriormente à sua revogação, conforme lições de Paulo de Barros Carvalho69 e Tércio Sampaio Ferraz Jr70.

Atinando-se aos três planos da análise semiótica (sintático, semântico e pragmático), a frase declarativa “requerer a prorrogação do ato conces-sório de admissão temporária” denota mensagem deôntica referente ao “adiamento do prazo de algo que já existe”.

Dos conceitos de De Plácido e Silva, em sua elementar obra Vocabulário Jurídico71, extrai-se mais claramente quanto os efeitos da prorrogação de um ato, como sendo o que “exprime, originalmente, o aumento de tempo, a ampliação do prazo, o espaçamento de tempo, prestes a extinguir, para que certas coisas possam continuar [...].” Só há, portanto, prorrogação de algo que ainda não se extinguiu. “Não se prorroga ou o que já se mostra terminado ou acabado, isto é, fora da vigência ou do exercício de um pra-zo, que não mais existe. Aí ocorreria coisa nova...”

Assim, considerando que o ato de prorrogar o regime de admissão tem-porária refere-se ao alongar no tempo os efeitos do ato já concedido, deve seguir, portanto, as regras e normas vigentes à época do aspecto material da hipótese de incidência tributária, motivo pelo qual as novas regras de recolhimento proporcional dos tributos somente valerão para as Declara-ções de Importação registradas posteriormente à 05/02/2009.

desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

69 Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. Ed, Noeses, 2008: São Paulo. P. 404.

70 Introdução ao estudo do direito, 3ª Ed., São Paulo, Atlas: 2001, pp. 193-199.71 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 21ª. edição. Ed. Forense, Rio de Janei-

ro: 2008, p. 653.

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498 JOSÉ HENRIQUE CABELLO

Ademais, incide, na espécie, o comando contido expressamente no arti-go 17872, combinado com artigo 10473, inciso III, do CTN, segundo qual, a alteração da isenção concedida por prazo certo (no caso, vinculado à vi-gência o contrato de arrendamento internacional, inclusive suas prorroga-ções) e em função de determinadas condições (cumprimento dos requisitos da admissão temporária) entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a alteração legislativa:

7. ConCluSão

Não é possível aplicar a regra isentiva prescrita no artigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, ou seja, de forma que a carga tributária na importação tempo-rária seja proporcional à definitiva, sem considerar o “tempo de vida que o bem pode ser economicamente utilizado”, afigurando-se plenamente não só possível, como obviamente necessária, aplicar, por meio da integração analógica permitida pelo artigo 108, inciso I, do Código Tributário Nacio-nal, o disposto no artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964 e, consequentemente dos índices fixados na IN/SRF n.º 162/1998 e na IN/SRF n.º 130/1999, com base nas informações contidas em estudos feitos pelos órgãos técnicos.

Sendo que, por ofender, de forma inequívoca, os Princípios da Lega-lidade, da Capacidade Contributiva e da Isonomia, o artigo 373, § 2º, do Decreto n. 6.759/2009, consubstancia-se inconstitucional, principalmente na hipótese de sua regra ser aplicada em face dos pedidos de prorrogações formulados após 05/02/2009, nos autos dos processos administrativos em que Admissão Temporária foi concedida anteriormente à sua vigência, em que o “fato gerador”, inquestionavelmente está garantido pela proteção ao ato jurídico perfeito (artigo 5º, XXXVI, da CF1988, e artigos 105 e 116, do CTN).

72 Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determina-das condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, obser-vado o disposto no inciso III do artigo 104.

73 Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o pa-trimônio ou a renda: (...) III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.

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regIMes aduaNeIros esPecIaIs

bruno Coelho da SilveiraMestre em Negócios Internacionais pela Universidade de Barcelona.

Pós-graduado em Comércio Exterior e Economia Internacional pela Universidade de Barcelona. Sócio do Coelho da

Silveira & Rodrigues Alves Advogados

oPeRaçõeS eSPeCiaiS de ComéRCio exteRioR

Existem algumas operações no Brasil que visam estimular a produção nacional, favorecendo, consequentemente, transações internacionais com redução ou isenção de tributos. Pode-se citar dentre elas o chamado draw-back e os ex-tarifários.

dRaWbaCK – imPoRtação Sem tRibutoS?

O Drawback é um regime aduaneiro especial, previsto no Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759 de 05 de fevereiro de 2009) e regulamentado pela Portaria Secex nº 10, de 24 de maio de 2010. Através do mesmo as empresas instaladas no Brasil podem promover a importação de vários componentes, como peças, insumos e mesmo matérias-primas1. Essas

1 Regulamento Aduaneiro: Decreto 6.759 de 05 de fevereiro de 2009. “ Art. 384. O regime de drawback poderá ser concedido a: I – mercadoria importada para beneficiamento no País e posterior exportação; II – matéria-prima, produto semi-elaborado ou acabado, utilizados na fabricação

de mercadoria exportada, ou a exportar; III – peça, parte, aparelho e máquina complementar de aparelho, de máquina, de

veículo ou de equipamento exportado ou a exportar; IV – mercadoria destinada a embalagem, acondicionamento ou apresentação de

produto exportado ou a exportar, desde que propicie comprovadamente uma agre-gação de valor ao produto final; ou

V – animais destinados ao abate e posterior exportação. § 1º O regime poderá ainda ser concedido:

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500 BRUNO COELHO DA SILVEIRA

operações podem receber isenção ou suspensão dos tributos incidentes, mas para isso, deve-se utilizar o que for importado para fabricar novos produtos e exportar o produto acabado.

A razão de ser do drawback reside exatamente na lógica que não se deve inserir tributos em produtos importados se estes servirem de base ou estiverem inseridos na operação de fabricação de produtos exportados bra-sileiros. O drawback permite às empresas que sejam adquiridos insumos/peças/matéria prima ao exterior com preços semelhantes a concorrência internacional. A introdução de tributos nos produtos importados, portanto, só serviria para aumentar o custo do produto acabado exportado brasileiro, retirando-lhe a competitividade. Essa é a razão da existência deste regime aduaneiro especial.

O incentivo do drawback pode ser requerido pelas empresas que promo-vem a industrialização de bens para exportação, promovendo operações sobre bens importados ou que tais bens sejam industrializados para fabri-car produtos intermediários que venham a integrar uma mercadoria a ser exportada, ou mesmo para empresas comerciais, nesse caso a mercadoria deve ser importada por uma operação chamada de “conta e ordem” para que a segunda empresa, esta inscrita no benefício do drawback, promova a exportação.

Dessa forma, há duas formas de drawback aceitas pela Receita Federal:

- drawback suspensão: Nesse tipo de operação a empresa brasileira pode importar bens do exterior com suspensão de alguns tributos2,

I – para matéria-prima e outros produtos que, embora não integrando o produto exportado, sejam utilizados na sua fabricação em condições que justifiquem a con-cessão; ou

II – para matéria-prima e outros produtos utilizados no cultivo de produtos agríco-las ou na criação de animais a serem exportados, definidos pela Câmara de Comér-cio Exterior.

II – para matéria-prima e outros produtos utilizados no cultivo de produtos agríco-las ou na criação ou captura de animais a serem exportados, definidos pela Câmara de Comércio Exterior.”

2 São os seguintes os tributos que são suspensos nas operações de drawback suspen-são:

a) Imposto de Importação – II. b) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.

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501REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS

no momento em que se comprovar a exportação, a empresa não pre-cisa mais efetuar o pagamento dos tributos que estavam suspensos. É necessário um excelente controle administrativo e contábil para se evitar problemas com a Receita Federal.

Além da compra de produtos importados, há a possibilidade da empresa se utilizar do drawback suspensão com a compra de produtos no mercado interno brasileiro, essa operação também é chamada de drawback inte-grado ou verde-amarelo e nela gera-se suspensão dos tributos: IPI, PIS e COFINS. Também nessa operação os tributos ficam suspensos, perdendo sua exigibilidade apenas após a comprovação do processo de exportação.

Normalmente as operações de drawback podem ser se estender por um prazo de 2 (dois) anos, mas, em caso de bens de capital, o prazo pode ser ampliado para 5 (cinco) anos.

- drawback isenção: Nesse tipo de operação, a empresa tendo im-portado bens (componentes para sua produção), com o recolhimento dos tributos incidentes e que poderiam ser objeto de drawback, tendo fabricado produtos com os bens importados em sua cadeia de produ-ção e, posteriormente, exportado o produto acabado, é permitido às empresas efetuarem a importação de novos bens com isenção de tri-butos (IPI, PIS, COFINS e AFRMM) para reposição do estoque. Há um período de 2 (dois) anos para que se possa efetuar tal importação sem os tributos incidentes, após isso perde-se o direito de se creditar dos valores pagos anteriormente.

O Drawback possui a gestão do Ministério Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior (MDIC) e seus órgãos: Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), Departamento de Operações de Comércio Exterior (DECEX) e ao Banco do Brasil, em seu departamento de Comércio Exterior. As operações de Drawback são fiscalizadas pela Secretaria da Receita Federal.

c) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços – ICMS. d) Programa de Integração Social – PIS. e) Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS. f) Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.

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502 BRUNO COELHO DA SILVEIRA

Por ser um mecanismo complexo, o Drawback deve ser utilizado de forma cautelosa, para evitar problemas futuros. Dentre as maiores dificuldades em uma operação de drawback estão as abaixo apontadas, em gráfico preparado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI).

Dessa forma, comprovado está que o drawback é uma operação comple-xa, mas bastante rentável para as empresas que realizarem procedimentos de importação de mercadorias para posterior exportação.

ex-tRaRifáRioS – diminuição de CuSto de imPoRtação de benS de CaPital

Uma das formas para o crescimento econômico de um país reside em sua força industrial. Às vezes, entretanto, há a necessidade de se promover a adequação do parque industrial à competitividade internacional e não se possui o tempo necessário para que as o maquinário de base possa ser projetado e construído. Para tais situações o Estado brasileiro criou o cha-mado “Ex-tarifário”, esse regime visa a redução de custo na aquisição de bens de capital, de informática e de telecomunicação, setores imprescindí-veis para o crescimento econômico ordenado e com isso aumentam o grau tecnológico de setores estratégicos nacionais e gera uma maior oferta de emprego e renda nesses segmentos.

O regime de Ex-tarifário é está regulamentado pela Resolução Camex nº 35 de 22 de novembro de 2006 e pela Portaria MDIC/GM nº 20, de 26

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503REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS

de janeiro de 2007, consiste na redução temporária do Imposto de Impor-tação para tais bens (normalmente redução do imposto de 14 para 2%) e apresenta-se como exceção à Tarifa Externa Comum (TEC), apresentando a condição essencial de que não haja produção nacional do produto bene-ficiado com o regime, garantindo proteção a indústria de bens de capital nacional, por sua importância estratégica.

Para a concessão do regime é necessário um parecer do Comitê de Análise de Ex-Tarifários (CAEX) e após sua aprovação o mesmo é concedido por meio de Resolução da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX).

Para se beneficiar dessa redução tributária a empresa deve encaminhar seu pleito para à Secretaria do Desenvolvimento da Produção, acompanha-dos de informações relativas a:

• Empresa ou entidade de classe pleiteante.

• Informações técnicas sobre o produto.

• Previsão de importação.

• Informações sobre os investimentos e objetivos vinculados ao pleito.

O Comitê de Análise de ex-tarifários – CAEX3, promoverá a análise de mérito dos pleitos apresentados ao Ministério, segundo os seguintes critérios:

• Compromissos nos Fóruns de Competitividade das Cadeias Produtivas.

• Política para o desenvolvimento do setor a que pertence o pleiteante.

• Impactos sobre a exportação e substituição competitiva de importações.

• Absorção de novas tecnologias.

• Investimento em melhoria de infra-estrutura.

3 O CAEX é formado no âmbito do MDIC, composto por representantes da Secre-taria de Desenvolvimento da Produção, que o presidirá, da Secretaria de Comércio Exterior e da Secretaria Executiva da CAMEX.

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504 BRUNO COELHO DA SILVEIRA

Supondo que o CAEX verifique que os pleitos apresentados possuem mérito, seguirá o seguinte fluxo4:

• Protocolo do Pleito no MDIC.

• Análise Preliminar da Documentação.

• Análise da Secretaria da Receita Federal (Nomenclatura e Classifi-cação do Produto).

• Verificação de Inexistência de Produção Nacional.

• Análise de Mérito.

• Elaboração de Parecer.

• Análise pelo GECEX/CAMEX.

• Publicação.

Considerando que a redução de imposto de importação pode gerar diver-sos problemas à indústria nacional, o regime de ex-tarifário é muito seleti-vo, sendo necessária a prova conclusiva de que não há produtores nacionais do bem beneficiário da redução. Sendo assim, são esses os procedimentos básicos para verificação da inexistência de produção nacional:

• Atestado ou declaração de comprovação de inexistência de produção nacional, para o produto solicitado, emitido por entidade idônea e qualificada para emitir documentos desta natureza.

• Consultas aos fabricantes nacionais de bens de capital, informática e telecomunicações, ou às suas entidades representativas, estabelecen-do prazo de até 15 (quinze) dias corridos para a resposta e alertando aos interessados que, na ausência de manifestação, poderá ser consi-derado atendido o requisito de inexistência de produção nacional.

4 O prazo médio para análise de pleito é de noventa dias. Entretanto, esse prazo pode variar por várias razões, dentre elas:

a) Rigor das empresas na elaboração do pleito e no fornecimento dos documentos e informações exigidos.

b) Dificuldade em comprovar a inexistência de produção nacional.

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505REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS

• Mecanismo de consulta pública com vistas a reunir subsídios para o exame de inexistência de produção nacional.

• Laudo técnico elaborado por entidade tecnológica de reconhecida idoneidade e competência técnica, na hipótese de divergência quanto à existência de produção nacional.

Na verificação de inexistência de produção nacional, são considerados os seguintes fatores comparativos, quando pertinentes:

• Qualidade do produto final ou do serviço executado.

• Produtividade do equipamento ou sistema integrado.

• Fornecimentos anteriores efetuados.

• Garantia de performance.

• Consumo de energia e de matérias-primas.

• Prazo de entrega usual para o mesmo tipo de mercadoria.

• Outros fatores de desempenho (específicos do caso).

Dessa forma, demonstrada a importância do benefício de ex-tarifário na aquisição de bens de capital importados.

imPoRtação de linHa de PRodução uSada

A importação de bens de capital, conforme demonstrado no item ante-rior, é um meio bastante eficaz para o desenvolvimento do país. Há casos, porém, de necessidade de uma modificação ainda mais radical na questão de importação de maquinário para o setor industrial interno, uma vez que a questão tempo pode se revestir de um fator primordial na escolha do lo-cal de implantação de um parque industrial. Para esses casos, as empresas atualmente podem importar toda linha de produção, com isso viabiliza-se a transferências para o país de uma linha de produção completa e já usada. Essa importação estimula investimentos produtivos nas empresas e para o país, pois como há uma redução dos custos envolvidos, uma vez que tal importação é efetuada baseando-se em valores depreciados, além da rapi-dez da implantação dessas unidades, tais transferências têm se revelado

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506 BRUNO COELHO DA SILVEIRA

oportunas do ponto de vista das empresas e porque não se dizer, para os países que usufruem do aumento de oferta de mão-de-obra e de tributos incidentes.

Como toda moeda possui duas faces, a transferência de unidades de pro-dução não deixa de ser uma forma de desestímulo, também, ao investimen-to, implicando no deslocamento de máquinas e equipamentos usados de um país para outro. Dessa forma, tanto a transferência como a implantação de uma fábrica nova são responsáveis por geração de emprego e de renda, mas, logicamente, os efeitos benéficos da transferência para a economia normal-mente são menores do que no caso da nova implantação, uma vez que não há movimento econômico de compra e venda das maquinas no país transferido, com suas repercussões econômicas, financeiras, tributárias e de emprego.

Assim, para estimular os efeitos positivos do procedimento e evitando os negativos, a legislação para o caso é bastante específica e segura. No Brasil a importação de linha de produção usada é regida pela Portaria5 Decex nº 8, de 13 de maio de 1991 e pela Portaria MDIC nº 235, de 7 de dezembro de 2006, exigindo que a análise das citadas transferências seja efetuadas pela Secretaria de Defesa da Produção – SDP e pela Secretaria de Comércio Exterior – SECEX, sempre vinculando-as a projetos especí-ficos de interesse da economia nacional, desde que confiram redução de custos, promovam aumento da geração de emprego e elevem o nível de produtividade/qualidade.

Em termos de procedimentos, a SDP, em seu parecer final, analisa a transferência sobre os seguintes critérios para a aprovação do pleito:

• Se a importação está vinculada a um projeto que gere emprego e eleve o nível de produtividade/qualidade da produção nacional6.

• Se a idade máxima das máquinas e equipamentos integrantes da uni-dade linha de produção é inferior ao limite de sua vida útil, e que isso devidamente comprovado nos laudos técnicos de vistoria e ava-liação apresentados junto com o processo.7

5 Portaria Decex nº 8/1991, arts. 22 ao 27.6 Portaria Decex nº 8/1991, art. 25, “f”.7 Portaria Decex nº 8/1991, art. 25, “f1”.

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507REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS

• Se há produção nacional dos bens usados a serem importados, e se foi assinado compromisso com entidade representativa da indústria, de âmbito nacional, contrapartida de aquisição de equipamentos de fabricação doméstica no mínimo no mesmo montante e apresentado no processo.8

Dessa forma, na análise de mérito será visto os possíveis impactos da importação da linha de produção usada para a empresa importadora, para o setor ao qual ela pertence e também para a indústria nacional de bens de capital, conforme compromisso assinado com a Associação. Para a aprova-ção do pleito podem ser integradas informações relevantes, como a balança comercial do país, os efeitos da transferência na cadeia produtiva do bem a ser produzido no País com a linha que será importada e a importância dos bens de capital que fazem parte do rol a ser produzido no País.

8 Portaria Decex nº 8/1991, art. 25, “f2”.

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a coPa do MuNdo de FuteBol (20�4) e as olIMPíadas (20�6):

oPortuNIdades e INceNtIVos legaIs

daniel marcelinoSócio e Advogado de Daniel Marcelino Advogados Associados.

Mestre em Direito Internacional. Especialista em Direito Tributário

O Brasil vive um grande momento na sua história econômica, política e social, talvez o melhor de todos os tempos. É reconhecido como um país seguro para se investir.

Durante e depois da crise econômica dos “subprimes” de 20081 que afe-tou praticamente todo o globo terrestre, o Brasil e outros poucos países emergentes, foram os que se destacaram tanto no que concerne a pouca avaria em sua economia durante o período, quanto pela retomada rápida e vigorante da produção, do emprego, da renda e das exportações; todos esses campos com índices em crescimento até o presente, cujo prognóstico futuro também é de crescimento.

Vários são os fatores que possibilitaram esta grande mudança no país, que estava acostumado há repetições de planos econômicos ou reformas a cada 04 anos, em média, com extrema insegurança política e econômica. Mas, desde 1994, com o plano Real2 criado e implementado no governo do Presidente Itamar Franco, sob a gestão do Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, o Brasil mostrou-se gestor responsável, cumpridor de suas responsabilidades internas e externas, inclusive transformando-se de devedor a credor de instituições de fomento internacional.

Nesses 17 anos de estabilidade fiscal, cambial, econômica, política e so-cial, o mercado consumidor cresceu, bem como o percentual de mão-de-obra economicamente ativa, que se transformou em maior número, com-parando com os jovens e velhos. Assim, utilizando uma boa metáfora de alguns economistas, o Brasil pode ser comparado a um jovem de 24 anos, com formação completa, com vigor para o trabalho e para empreender pe-los próximos 30 anos. É a geração da consolidação da classe média brasi-

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509A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL (2014) E AS OLIMPÍADAS (2016)...

leira que, nos recentes 08 anos, teve novos 30 milhões de pessoas inclusas neste status econômico.

Claro que, como muitos outros países emergentes o fardo de problemas não é pequeno, existem inúmeros percalços a serem vencidos, nos princi-pais pilares da nação, como educação, saúde, segurança, cultura, habita-ção, meio ambiente, infraestrutura de portos, aeroportos, estradas, etc.

O caminho para a solução dos problemas listados passa pela burocracia dos governos federal, estadual e municipal, ainda inchados por pessoas incompetentes, falsas autoridades nos assuntos sob suas responsabilida-des, pois o sistema político-estatal de preenchimento dos cargos técnicos é movido, ainda, por interesses corruptos, na maioria das vezes.

A imprensa brasileira, as instituições de classe como OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, associações dos magistrados, do Ministério Público, Tribunais de Contas, entre outros, aliados aos focos de qualidade e honra-dez dentro da máquina estatal, levam a passos largos, mudanças na legis-lação que facilitam a fiscalização e punição dos corruptos. Nos últimos 08 anos, aproximadamente 3.000 servidores públicos foram demitidos, ape-nas no âmbito federal.3

Indiscutivelmente são boas notícias para nós brasileiros, para os estrangei-ros que aqui vivem e para os novos investidores que chegam a cada dia.

Para coroar esses anos recentes de bons índices, mais duas magníficas notícias agitaram o nome do Brasil no mundo, as escolhas para que a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e as Olimpíadas de 2016 se realizassem no Brasil. A Copa do Mundo de Futebol, pela característica própria, utilizará diversas cidades e pólos importantes de economia e turismo e as Olimpía-das terão o Rio de Janeiro como sede.

Além dos motivos inerentes ao dia a dia de um país, que necessita melho-rar suas condições de infraestrutura, agora, a obrigatoriedade tem data de vencimento, os dois eventos com datas marcadas, cujas estruturas devem es-tar prontas para receber os milhões de turistas para os respectivos períodos.

Nesse sentido, além dos estádios, arenas esportivas, instalações de atle-tas, espaços olímpicos, etc, o país deve ainda preparar estrutura urbana, aumentar aeroportos, fomentar o crescimento da rede hoteleira, reforçar o sistema de transporte, o turismo, etc.

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510 DANIEL MARCELINO

As cifras de investimento ao longo dos próximos anos são bilioná-rias e as obras já começaram, mas estamos apenas no início. Muitas empresas já chegaram ao Brasil para participar desta festa econômica e de desenvolvimento, algumas procuram parcerias com empresas bra-sileiras, outras preferem atuar sozinhas ou em parcerias com player internacionais, mas, uma análise preliminar da legislação brasileira se faz necessária para minimamente esclarecer o investidor estrangeiro sobre um elemento predominante no custo do serviço ou do produto, a carga tributária.

No Brasil, o sistema tributário é tão complexo que um grande estudioso sobre o tema o classificou de “manicômio tributário” 4, portanto, não se pretende no presente artigo explicar nosso manicômio, mas tão somente alertar o que é importante, ou seja, a lógica da nossa loucura.

O sistema, a bem da verdade, são três, o federal, estadual e municipal e, se submetem a um conjunto de princípios prescritos na Constituição Federal, cada qual cria, fiscaliza e cobra tributos sobre as operações eco-nômicas da vida privada.

Exemplo: numa mesma operação de construção civil (obras em geral) há tributos cobrados por cada um dos entes públicos. O Federal cobrará IRPJ, CSLL, IPI (incluso no custo das matérias primas industrializadas), PIS, COFINS, INSS; o Estadual, ICMS (incluso na cadeia na aquisição dos materiais) e o Municipal, ISS sobre a prestação de serviço.

Claro que não vamos aqui explicar cada um desses tributos, seria um curso completo de direito tributário, o que de longe não é este espaço, o local e, nem o leitor deseja tal objetivo, mas, é importante registrar que cada um dos tributos tem detalhamentos no seu procedimento de cálculo que, geralmente, levam empresas idênticas a recolher tributos de forma e valor diferentes.

Em outras palavras, no exemplo da construção civil, acima, o simples fato de determina empresa ser contratada para entregar um produto acaba-do com preço certo e ajustado, ou o mesmo produto, mas com preço dividi-do entre mão-de-obra e materiais, modifica consideravelmente a forma e o valor de apurar e recolher os tributos. Loucura?! Sim, caso contrário, nosso jurista citado no início do artigo não seria lembrado até hoje pela célebre frase, do manicômio tributário.

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511A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL (2014) E AS OLIMPÍADAS (2016)...

Esse exemplo é o mais simples dentre os inúmeros casos de incongruên-cias jurídicas e econômicas para visualizar a selva de regulamentação em que o sistema tributário brasileiro está inserido e exige, das empresas na-cionais ou estrangeiras, tempo e conhecimentos jurídicos profundos na es-colha do seu formato societário, de seu objeto social (atividade econômica) e, conseqüentemente das repercussões tributárias incidentes, diminuindo sobremaneira a carga tributária e aumentando a rentabilidade do negócio.

Mas, mesmo antes deste planejamento necessário, o Poder Executivo tomou a iniciativa de amenizar o custo tributário, especialmente para as operações, negócios, direta e/ou indiretamente ligados aos eventos de 2014 e 2016.

inCentivoS fiSCaiS fedeRaiS

No âmbito Federal o Brasil criou há algum tempo o Reidi – Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura. Para se beneficiar do REIDI a pessoa jurídica deve ter o projeto aprovado para implantação de obras de infraestrutura nos setores de transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação.

Assim, nas operações de venda ou de importação de máquinas, apare-lhos, instrumentos e equipamentos novos e de materiais de construção para utilização ou incorporação em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado da empresa, fica suspensa a exigência de contribuição para o PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor) e da COFINS (Contribuição para o Financiamen-to da Seguridade Social) incidentes sobre a venda no mercado interno.

Os referidos bens ou materiais de construção devem ser adquiridos por pessoa jurídica beneficiária do REIDI.

Na mesma linha, mas em se tratando da área de serviços, as hipóteses de venda ou importação de serviços destinados às obras de infraestrutura para incorporação ao ativo imobilizado, fica suspensa a exigência dos mesmos tributos, desde que referidos serviços sejam prestados à pessoa jurídica beneficiária do REIDI, e ainda do PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação incidentes sobre serviços, quando os referidos serviços forem importados diretamente por pessoa jurídica beneficiária do REIDI.

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512 DANIEL MARCELINO

Há também a Lei 12.350/10 que concede isenção de tributos federais, inclusive sobre importações, de produtos e serviços utilizados pela FIFA e prestadores de serviços internacionais ligados a FIFA, bem como das Confederações de Futebol. A isenção tributária refere-se a toda operação econômica para instalação e execução das atividades no Brasil até o ad-vento da Copa do Mundo de Futebol.

inCentivoS fiSCaiS eStaduaiS

No que concerne aos tributos de competência dos Estados, o órgão legal competente em regular a matéria de isenção, assim estabeleceu:

Conv. iCmS ConfaZ 108/08 - Autoriza até 31.07.2014, aos Estados e ao Distrito Federal a concessão de isenção do ICMS nas operações com mercadorias e bens destinados à construção, ampliação, reforma ou mo-dernização de estádios a serem utilizados na Copa do Mundo de Futebol de 2014. Condições: a) isenção ou tributação com alíquota zero pelo Im-posto de Importação ou IPI (Federal); e b) desoneração das contribuições para PIS/PASEP e da COFINS (Federal).

Conv. iCmS ConfaZ 39/09 - Concede isenção do ICMS às operações relacionadas à Copa das Confederações de 2013 e à Copa do Mundo de 2014.

Na forma do referido convênio, ficam isentas do ICMS as operações e prestações promovidas pela FIFA ou destinadas a ela, inclusive as impor-tações do exterior, desde que vinculadas às competições. Condições: a) isenção ou tributação com alíquota zero pelo Imposto de Importação ou IPI; e b) desoneração das contribuições para PIS/PASEP e da COFINS.

Conv. iCmS ConfaZ 133/08 - Autoriza os Estados e o Distrito Fede-ral a conceder isenção do ICMS nas operações com produtos nacionais e estrangeiros destinados aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Os Estados e o Distrito Federal estão autorizados a conceder isenção do ICMS nas operações com aparelhos, máquinas, equipamentos e demais instru-mentos e produtos, nacionais ou estrangeiros, inclusive animais, destina-dos à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Condição:

a) isenção ou tributação com alíquota zero pelo Imposto de Importa-ção ou IPI; e b) desoneração das contribuições para PIS/PASEP e da CO-FINS.

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513A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL (2014) E AS OLIMPÍADAS (2016)...

inCentivoS fiSCaiS muniCiPaiS

As principais cidades brasileiras também estabeleceram incentivos tri-butários, como São Paulo/SP, pela Lei nº 14.863/2008; Belo Horizonte/MG, pela Lei nº 9.721/2009; Manaus/AM pela Lei nº 1.353/2009; Porto Alegre/RS, pela LC nº 605/2008; Recife/PE pela Lei nº 17.553/2009; Salvador/BA pelas Leis nºs 7.721/2009 e 7.722/2009; Cuiabá/MT pela Lei nº 191/2009; Fortaleza/CE pela Lei nº 9.439/2008.

ConCluSão

O Brasil pelo seu momento econômico, acompanhado dos históricos de sucesso das empresas nacionais e estrangeiras, representa a terra da opor-tunidade econômica para todos e, ainda que tenhamos mazelas como buro-cracia e alta carga tributária, há indiscutíveis incentivos fiscais que afastam qualquer impeditivo ao investidor e podem representam ganhos na ordem de 15% a 30% em relação as outras empresas não ligadas a estes regimes.

notaS

1 Em agosto e setembro de 2008, a crise, acumulada deste 2007, chegou ao auge, com a estatização dos gigantes do mercado de empréstimos pessoais e hipotecas - a Federal National Mortgage Association (FNMA), conhecida como “Fannie Mae”, e a Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC), apelidada de “Freddie Mac” - que estavam quebradas. Logo em seguida, veio o pedido de concordata do tradicional banco de investimentos Lehman Brothers, com mais de 150 anos de existência e um dos pilares financeiros de Wall Street, e a venda, ao Bank of Ame-rica, da corretora Merrill Lynch, uma das maiores do mundo.[5]

A cascata de falências e quebras de instituições financeiras provocou a maior queda do índice Dow Jones e de bolsas de valores internacionais desde os atentados de 11 de setembro de 2001.

2 Plano Real foi um programa brasileiro com o objetivo de estabilização econômica, ini-ciado oficialmente em 27 de fevereiro de 1994 com a publicação da Medida Provisória nº 434 no Diário Oficial da União. Tal Medida Provisória instituiu a Unidade Real de Valor (URV), estabeleceu regras de conversão e uso de valores monetários, iniciou a desindexação da economia, e determinou o lançamento de uma nova moeda, o Real.

3 Segundo balanço divulgado pela CGU, nos últimos oito anos, o governo federal expulsou do serviço público 2.969 pessoas pela prática de corrupção. Luiz Navarro explica que várias hipóteses previstas na lei podem resultar na expulsão de um servidor que pratica improbidades no exercício da função

4 Expressão cunhada nos idos 1963 por Augusto Becker.