doenÇas infectocontagiosas e parasitÁrias

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P A

rofissionalizao deCadernos do Aluno

uxiliares de

Enfermagem

INSTRUMENTALIZANDO A AO PROFISSIONAL

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Ministrio da SadeSecretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade Departamento de Gesto da Educao na Sade Projeto de Profissionalizao dos Trabalhadores da rea de Enfermagem

P A

rofissionalizao deCadernos do Aluno

uxiliares de

Enfermagem

Srie F. Comunicao e Educao em Sade 2a Edio Revista 1a Reimpresso

INSTRUMENTALIZANDO A AO PROFISSIONALBraslia - DF 2003

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2001. Ministrio da Sade. permitida a reproduo total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte. Srie F. Comunicao e Educao em Sade Tiragem: 2. edio revista - 1.a reimpresso - 2003 - 100.000 exemplares Elaborao, distribuio e informaes: MINISTRIO DA SADE Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade Departamento de Gesto da Educao na Sade Projeto de Profissionalizao dos Trabalhadores da rea de Enfermagem Esplanada dos Ministrios, bloco G, edifcio sede, 7. andar, sala 733 CEP: 70058-900, Brasilia - DF Tel.: (61) 315 2993 Fundao Oswaldo Cruz Presidente: Paulo Marchiori Buss Diretor da Escola Nacional de Sade Pblica: Jorge Antonio Zepeda Bermudez Diretor da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio: Andr Paulo da Silva Malho Curso de Qualificao Profissional de Auxiliar de Enfermagem Coordenao - PROFAE: Leila Bernarda Donato Gttems, Solange Baraldi Coordenao - FIOCRUZ: Antonio Ivo de Carvalho Colaboradores: Ana Jlia Calazans, Ana Lucia Jesuino, Elda Coelho Azevedo Bussinger, Ethel Leonor Noia Maciel, Eula Mirtes Alves da Silva, Ftima Gislaine Cunha, Gustavo de Mello, Leila Bernarda Donato Gttems, Maria Antonieta Benko, Maria Del Carmem Bisi Molina, Maria Regina Arajo Reichert Pimentel, Marly Barbosa Coelho, Marta de Ftima Lima Barbosa, Rita de Cssia Duarte Lima, Sandra Ferreira Gesto Bittar, Solange Baraldi Capa e projeto grfico: Carlota Rios, Adriana Costa e Silva Editorao eletrnica: Carlota Rios, Ramon Carlos de Moraes Ilustraes: Marcelo Tibrcio, Maurcio Veneza Revisores de portugus e copidesque: Napoleo Marcos de Aquino, Marcia Stella Pinheiro Wirth Apoio: Abrasco Impresso no Brasil/ Printed in Brazil

Ficha Catalogrfica Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade. Departamento de Gesto da Educao na Sade.Projeto de Profissionalizao dos Trabalhadores da rea de Enfermagem. Profissionalizao de auxiliares de enfermagem: cadernos do aluno: instrumentalizando a ao profissional 2 / Ministrio da Sade, Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade. Departamento de Gesto da Educao na Sade, Projeto de Profissionalizao dos Trabalhadores da rea de Enfermagem. - 2. ed. rev., 1.a reimpr. - Braslia: Ministrio da Sade; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. 128 p.: il. - (Srie F. Comunicao e Educao em Sade) ISBN 85-334-0538-3 1. Educao Profissionalizante. 2. Auxiliares de Enfermagem. I. Brasil. Ministrio da Sade. II. Brasil. Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade. Departamento de Gesto de Educao na Sade. Projeto de Profissionalizao dos Trabalhadores da rea de Enfermagem. III. Ttulo. IV. Srie. NLM WY 18.8 Catalogao na fonte - Editora MS

SUMRIO

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Apresentao

pg. 9

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Estudos Regionais

pg. 11

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Higiene e Profilaxia

pg. 45

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Nutrio e Diettica

pg. 71

APRESENTAO APRESENTAO

MINISTRIO DA SADESECRETARIA DE GESTO DO TRABALHO E DA EDUCAO NA SADE PROJETO DE PROFISSIONALIZAO DOS TRABALHADORES DA REA DE ENFERMAGEM

O

processo de construo de Sistema nico de Sade (SUS) colocou a rea de gesto de pessoal da sade na ordem das prioridades para a configurao do sistema de sade brasileiro. A formao e o desenvolvimento dos profissionais de sade, a regulamentao do exerccio profissional e a regulao e acompanhamento do mercado de trabalho nessa rea passaram a exigir aes estratgicas e deliberadas dos rgos de gesto do Sistema. A descentralizao da gesto do SUS, o fortalecimento do controle social em sade e a organizao de prticas de sade orientadas pela integralidade da ateno so tarefas que nos impem esforo e dedicao. Lutamos por conquistar em nosso pas o Sistema nico de Sade, agora lutamos por implantlo efetivamente. Aps a Constituio Federal de 1988, a Unio, os estados e os municpios passaram a ser parceiros de conduo do SUS, sem relao hierrquica. De meros executores dos programas centrais, cada esfera de governo passou a ter papel prprio de formulao da poltica de sade em seu mbito, o que requer desprendimento das velhas formas que seguem arraigadas em nossos modos de pensar e conduzir e coordenao dos processos de gesto e de formao. Necessitamos de desenhos organizacionais de ateno sade capazes de privilegiar, no cotidiano, as aes de promoo e preveno, sem prejuzo do cuidado e tratamento requeridos em cada caso. Precisamos de profissionais que sejam capazes de dar conta dessa tarefa e de participar ativamente da construo do SUS. Por isso, a importncia de um "novo perfil" dos trabalhadores passa pela oferta de adequados processos de profissionalizao e de educao permanente, bem como pelo aperfeioamento docente e renovao das polticas pedaggicas adotadas no ensino de profissionais de sade. Visando superar o enfoque tradicional da educao profissional, baseado apenas na preparao do trabalhador para execuo de um determinado conjunto de tarefas, e buscando conferir ao trabalhador das profisses tcnicas da sade o merecido lugar de destaque na qualidade da formao e desenvolvimento continuado, tornou-se necessrio qualificar a formao pedaggica dos docentes

para esse mbito do ensino. O contato, o debate e a reflexo sobre as relaes entre educao e trabalho e entre ensino, servio e gesto do SUS, de onde emanam efetivamente as necessidades educacionais, so necessrios e devem ser estruturantes dos processos pedaggicos a adotar. No por outro motivo, o Ministrio da Sade, j no primeiro ano da atual gesto, criou uma Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade, que passa a abrigar o Projeto de profissionalizao dos Trabalhadores da rea de Enfermagem (PROFAE) em seu Departamento de Gesto da Educao na Sade. Dessa forma, o conjunto da Educao Profissional na rea da Sade ganha, na estrutura de gesto ministerial, nome, lugar e tempo de reflexo, formulao e interveno. As reformulaes e os desafios a serem enfrentados pela Secretaria repercutiro em breve nas polticas setoriais federais e, para isso, contamos com a ajuda, colaborao, sugestes e crticas de todos aqueles comprometidos com uma educao e um trabalho de farta qualidade e elevada dignidade no setor da sade. O Profae exemplifica a formao e se insere nesta nova proposta de educao permanente. imprescindvel que as orientaes conceituais relativas aos programas e projetos de formao e qualificao profissional na rea da sade tenham suas diretrizes revistas em cada realidade. Essa orientao vale mesmo para os projetos que esto em execuo, como o caso do Profae. O importante que todos estejam comprometidos com uma educao e um trabalho de qualidade. Esta compreenso e direo ganham mxima relevncia nos cursos integrantes do Profae, sejam eles de nvel tcnico ou superior, pois esto orientadas ao atendimento das necessidades de formao do segmento de trabalhadores que representa o maior quantitativo de pessoal de sade e que, historicamente, ficava merc dos "treinamentos em servio", sem acesso educao profissional de qualidade para o trabalho no SUS. O Profae vem operando a transformao desta realidade. Precisamos estreitar as relaes entre os servios e a sociedade, os trabalhadores e os usurios, as polticas pblicas e a cidadania e entre formao e empregabilidade. Sabe-se que o investimento nos recursos humanos no campo da sade ter influncia decisiva na melhoria dos servios de sade prestados populao. Por isso, a preparao dos profissionais-alunos fundamental e requer material didtico criterioso e de qualidade, ao lado de outras aes e atitudes que causem impacto na formao profissional desses trabalhadores. Os livros didticos para o Curso de Qualificao Profissional de Auxiliar de Enfermagem, j em sua 3 edio, constituem-se, sem dvida, em forte contribuio no conjunto das aes que visam a integrao entre educao, servio, gesto do SUS e controle social no setor de sade. Humberto CostaMinistro de Estado da Sade

E studosR egionais

P OFAE RNDICE

1 2

Apresentao Brasil! Que pas esse? 2.1 Espao geogrfico e cultural: a realidade brasileira 2.2 Organizao poltica do Brasil Processo sade-doena e indicadores sociais 3.1 Cidadania: conceitos e reflexes 3.2 Indicadores socioeconmicos: a busca de ambientes saudveis (Re)Conhecendo e construindo a Poltica Nacional de Sade 4.1 O processo de construo do Sistema nico de Sade(SUS) 4.2 Trabalho, cidadania e modos de vida na sociedade brasileira Referncias bibliogrficas

1516 16 22

3

25 25 29

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35 35

39

5

43

13

Identificando a ao educativa

P OFAE R

studos E st udos R egionais

1- APRESENTAO

N

este texto sero apresentados os contedos da disciplina Estudos Regionais, cujo objetivo primordial contextualizar o trabalhador nos espaos poltico, sociocultural e profissional.

Para tanto, iniciaremos discutindo o espao geogrfico brasileiro e a relao das pessoas com a organizao socioeconmica, desde o fim do Imprio at os dias atuais. Abordaremos as diversas lutas empreendidas pelos direitos de cidadania, bem como as conquistas delas decorrentes, destacando particularmente as da rea de sade. Discutiremos, ainda, os significados de direitos e deveres do cidado, ressaltando a utilizao dos indicadores sociais como dados imprescindveis promoo da sade. Conhecer essas conquistas no s lembrar de fatos ocorridos mas, antes de tudo, entender como se processaram e deles extrair valiosas lies para o futuro de nossos prprios processos evolutivos e profissionais. Observaremos, tambm, que cada regio tem suas especificidades e que suas caractersticas quase sempre influenciam o processo sadedoena de determinado grupo social.15

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Estudos Regionais

Como resultado final, esperamos que os ensinamentos ora repassados permitam que voc torne-se capaz de entender melhor como funciona a organizao do sistema de sade, sua legislao, limites e possibilidades. Boa aprendizagem!

2- BRASIL! QUE PAS ESSE? 2.1 Espao geogrfico e cultural: a realidade brasileiraObserve seu lugar de trabalho. Por certo, voc j deve ter feito isso inmeras vezes. Mas procure observ-lo de maneira diferente da habitual. Ele localiza-se em um espao geogrfico determinado. E onde fica esse espao? Em um bairro que possui ruas, praas, monumentos, comrcio, indstrias e servios de sade. Em uma cidade que faz parte de um municpio, situado em um estado. O conjunto de estados compe o pas, o qual dividido em regies que agrupam estados afins segundo suas caractersticas e organizao econmica. Assim, o Brasil, do ponto de vista poltico-administrativo, constitudo por 26 estados e um Distrito Federal (Braslia), agrupados em cinco regies - Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste - com quadros caractersticos de clima, vegetao e relevo. E qual a importncia dessa diviso? Essa diviso tem por finalidade a descentralizao do poder e o controle, pelas autoridades, de dados socioeconmicos e culturais que auxiliem no planejamento do desenvolvimento regional. O Brasil um pas continental com 8.511.965 km2, cuja extenso territorial o classifica como o quinto do mundo. natural, portanto, que disponha de muita terra para ser cultivada, muitas jazidas de minrios a explorar. Enfim, nosso pas tem o privilgio de dispor de grande variedade e quantidade de recursos naturais, que podem ser aproveitados em benefcio de seus habitantes. Seguindo-se a lgica do desenvolvimento econmico, divide-se em trs macrorregies - Amaznia, Nordeste e Centro-Sul - que traam uma linha imaginria e, ao mesmo tempo, real da concentrao de riquezas do pas.16

P OFAE REm princpio, pode-se subentender que quanto maior a quantidade de indstrias, riquezas naturais e terras cultivadas, melhor a qualidade de vida das pessoas residentes na rea. Entretanto, na maioria das vezes, o resultado do desenvolvimento tem sido o crescimento desordenado das cidades, pois a urbanizao que vem sendo processada no pas foi acompanhada de um processo de metropolizao, isto , de uma constante aglomerao demogrfica nos principais municpios. Essa diviso geogrfica e econmica estabelece o perfil do pas, fazendo-nos perceber que, apesar das riquezas disponveis, h muita gente vivendo em situao de pobreza e misria. Em todas as regies, grandes parcelas de trabalhadores recebem um quarto do salrio- mnimo, as condies de saneamento bsico so deficientes e a esperana de vida ao nascer difere de acordo com cada local, sendo menor nas famlias de baixa renda, devido gravidade dos problemas por elas enfrentados. Mas se possumos regies ricas em recursos, o que impede que a populao brasileira tenha melhores condies de vida? Freqentemente, ouvimos falar que somos a oitava economia do mundo e, por conseguinte, que despontamos no cenrio mundial como uma potncia econmica. Contudo, cada vez que samos rua deparamonos com o aumento da misria e violncia - caractersticas e conseqncias do contraste social - quadro que nos faz repensar se realmente estamos to desenvolvidos economicamente. Esse conflito - potncia econmica e misria social - tem sua origem na nossa histria e razes no nosso desenvolvimento econmico, que vem de perodos anteriores dcada de 30. Durante a fase colonial o Brasil foi quase sempre explorado sem que houvesse qualquer preocupao quanto a seu desenvolvimento. Ao nascermos como nao independente ramos um pas essencialmente agrcola e assim permanecemos durante todo o Imprio. Com o advento da Repblica no mudamos nosso sistema econmico e continuamos com o modelo agrcola direcionado para a exportao. Nas primeiras dcadas da Repblica, perodo conhecido como Repblica Velha, setores da oligarquia ligada ao caf, nosso principal produto de exportao poca, dirigiram a vida poltica, social e econmica do pas. Durante aquele perodo houve diversos movimentos polticos e sociais: os primeiros, por conta das lutas de setores excludos da oligarquia dominante; os segundos, pelas lutas para garantir os direitos sociais e de cidadania. A crise social e poltica dos anos da dcada de 20, agravada pela crise econmica de 1929, desencadeou um movimento que culminou com a ascenso de Getlio Vargas ao poder. Tal movimento reunia diversos grupos polticos, econmicos e sociais, descontentes com o go17

Demogrfico relativo demografia; nmero de pessoas em determinada regio. Esperana de vida ao nascer durao mdia de vida humana, expressa em anos. Repblica - sistema de governo em que o povo exerce sua autoridade por intermdio do seu representante. Oligarquia - governo de uma minoria.

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Estudos Regionais

verno anterior. Dentre eles, destacava-se a indstria, marginalizada pelo sistema agrcola-exportador. Assim, o Brasil iniciava um processo de industrializao que o levaria ao patamar dos nveis atuais.Bens de consumo - tudo aquilo que o indivduo necessita para viver, como habitao, sade, educao, vesturio, lazer, alimentao, trabalho, etc.

Entretanto, se esse processo deu origem industrializao, que tornou possvel a existncia dos bens de consumo por ns conhecidos, como o desnvel socioeconmico prosseguiu e se acentuou at os dias de hoje? Aps atingir o poder, Vargas precisava cada vez mais do apoio popular. Para tal, necessitava enfraquecer as lideranas sindicais a fim de substitu-las por pessoas de sua inteira confiana. Assim, adotou uma srie de medidas que visavam atender a algumas das reivindicaes populares, instituindo as leis trabalhistas, a carteira de trabalho, a aposentadoria e o salrio-mnimo. Aclamado pelo povo, estabeleceu um regime ditatorial que se por um lado iniciou um processo de desenvolvimento econmico, por outro impediu a organizao sindical e a liberdade de imprensa, levando supresso dos direitos civis e ao controle dos Institutos de Aposentadoria e Penses, no campo da sade e assistncia social. Iniciada a industrializao e, por conseqncia, a urbanizao, o Brasil, a partir da dcada de 50, passou por profundas mudanas no seu perfil socioeconmico e poltico com a entrada de indstrias, o aumento de empregos e a redemocratizao, saindo da ditadura de Vargas. Entretanto, mesmo assim o setor primrio da economia (agricultura, pecuria, extrativismo mineral e vegetal, caa e pesca) continuou a ser o mais importante no perodo. Cerca de 60% da populao economicamente ativa (PEA) vivia no campo. Do restante, 13% eram empregados na indstria e 26% em diversos outros servios nas cidades. O grande impulso da industrializao ocorreu em 1956, no governo de Juscelino Kubitschek, que investiu na economia favorecendo o surgimento das indstrias multinacionais (eletrodomsticos e automobilsticas como Ford, Volkswagen, por exemplo) e, ao mesmo tempo, concedendo grandes emprstimos para impulsionar os setores nacionais (usinas siderrgicas e metalrgicas). Essas medidas facilitaram a produo e circulao de mercadorias em todo o territrio nacional, alm de propiciar a modernizao da agricultura com a compra de mquinas e adubos. Porm, se trouxe novas oportunidades o processo de industrializao gerou implicitamente a dispensa dos trabalhadores do campo, que eram substitudos por mquinas. Sem oportunidades reais, grandes massas de lavradores e pequenos agricultores dirigiram-se para os principais centros urbanos procura de melhores chances de trabalho movimento chamado de xodo rural. Por sua vez, as cidades no conseguiram absorver esses trabalhadores que, no possuindo qualificao profissional, passaram ao18

P OFAE Rsubemprego. Sem condies financeiras para ocupar moradias adequadas, essa populao aglutinou-se nas periferias, formando as favelas que caracterizam, de forma exemplar e metafrica, a falta de um crescimento urbano planejado. Alm disso, a mecanizao da produo no campo gerou outro problema. Para aqueles que no acompanharam o xodo rural, a opo passou a ser o emprego temporrio nas grandes fazendas em pocas de colheitas, transformando-se em bias-frias, sem benefcios sociais como carteira assinada, assistncia sade, etc., alm de baixos salrios. Em 1964, marcado por medidas autoritrias, ocorreu um movimento militar que resultou na excluso de grande parte da sociedade da participao e deliberao quanto aos fatos da vida poltica. A Era Militar, como ficou conhecida, expurgou e controlou sindicatos, partidos polticos, centros acadmicos e organizaes culturais que pudessem pr em risco as propostas do novo regime. Os governos militares desenvolveram uma poltica que pretendia transformar o pas em uma potncia econmica. Esse crescimento foi conseguido com a participao de capitais estrangeiros, em troca da permisso da explorao das riquezas minerais do subsolo brasileiro, e do prprio Estado, que oferecia subsdios para algumas indstrias nacionais, como leite, farinha de trigo, informtica, entre outras. Esse milagre brasileiro aprofundou as desigualdades sociais e econmicas, concentrando renda, propriedade e capital na mo de uma minoria ligada a esses diversos setores. A entrada desse capital, que possibilitou o consumo de bens durveis, foi acompanhada do aumento dos preos dos gneros alimentcios, transportes e aluguis. A crise mundial do petrleo, que elevou o preo mundial desse produto e, por conseqncia, o dos combustveis no Brasil, mostrou a fragilidade do milagre. A partir da, com o crescente endividamento do pas no mercado financeiro internacional e o aumento da inflao com a elevao dos preos, significativa parcela da populao passou a ter dificuldades para consumir bens indispensveis manuteno da qualidade bsica de vida. Nos longos perodos de autoritarismo no pas, os governos faziam o que bem entendiam, facilitando o enriquecimento das classes dominantes. O crescimento ocorrido na indstria foi excludente e concentrador de renda, negando maior parte da populao o acesso aos benefcios. Apesar de toda a industrializao, os desnveis de renda entre as classes sociais tornaram-se mais acentuados, com conseqente decrscimo no padro alimentar das camadas de baixa renda, o que deteriorou ainda mais suas condies de sade. A partir dos anos de 80, os movimentos sociais comearam a fazer presso, cobrando do Estado a adoo de polticas sociais que possibilitassem uma diminuio concreta das desigualdades sociais no pas.19

Subemprego emprego caracterizado como temporrio e precrio, por tempo determinado e sem direitos trabalhistas. Exemplos: biscates, estivadores, carregadores, etc.

O retorno dos exilados polticos, os metalrgicos do ABC, o movimento estudantil, a campanha pelas Diretas J, pela Reforma Sanitria, pela Reforma Agrria so alguns dos movimentos sociais da poca dos quais alguns ainda continuam.

Subsdios ajuda financeira do governo a empresas particulares para financiar parte da produo. Polticas sociais conjunto de objetivos que formam um programa de ao do governo para promover o bem-estar da sociedade.

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Estudos Regionais

Outro ponto importante a se ressaltar que a ocupao do territrio brasileiro no ocorreu de forma homognea, nem a um s tempo. A concentrao litornea data do perodo de colonizao, em funo da dependncia econmica de Portugal e de outros centros mundiais do capitalismo. Ao longo dos sculos, a preocupao foi muito mais com o mercado externo do que com o interno. Assim, o povoamento brasileiro caminhou de costas para o interior, sempre de olhos voltados para o litoral, pois como exportar era nossa principal meta precisvamos do mar. Se observarmos um mapa de densidade demogrfica, repararemos que a maior parte da populao brasileira agrupa-se em uma faixa litornea que se estende por 100 km para o interior. A quase totalidade das cidades mais populosas do pas encontram-se nessa faixa de terra. Como se sabe, a forma de crescimento urbano e o clima tm influncia na disseminao de determinadas doenas. Quanto maior o nmero de pessoas a ocupar um determinado espao, maior a probabilidade de escassez de alimentos, emprego, servios de sade e salrio. Portanto, em centros urbanos industrializados a poluio atmosfrica mais forte, e as doenas respiratrias mais freqentes. O clima e relevo podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento econmico regional e determinar a proliferao de doenas endmicas como, por exemplo, a bronquite, comum em regies frias e com alto ndice de poluio do ar. Outro fator a considerar so os hbitos alimentares, que variam de regio para regio, em funo da interao dinmica de clima, relevo, solo, vegetao e industrializao. Assim, deve-se levar em conta as caractersticas regionais fruto da posio geogrfica e da formao histrica -, tambm expressas nas diferenas culturais: sotaques prprios, devoo religiosa, culinria, etc. Comumente, o termo cultura associa-se a uma idia que no exprime seu verdadeiro significado. Ouve-se dizer que determinada pessoa desprovida de cultura ou que h indivduos com boa cultura. Nessa viso, o termo refere-se ao maior ou menor grau de escolaridade. Cultura , no entanto, toda a soma de conhecimento apreendido ou adquirido por uma pessoa durante a vida, inclusive o escolar. Sua forma de aquisio ou aprendizado ser to variada quanto as experincias individuais. Podemos deduzir que a cultura faz parte da essncia de todos os indivduos e que, na realidade, o que existe so culturas diferentes. Por esse raciocnio, cada regio brasileira apresenta caractersticas particulares em funo do tipo de populao que a colonizou. Foram trs os principais grupos tnicos que deram origem populao brasileira: o indgena, natural do continente poca da descoberta; o negro, trazido como escravo para ser utilizado como mo-deobra na lavoura; e o branco, como colonizador. A grande miscigenao entre esses grupos originou uma diversidade de aglutinaes culturais.20

Como se caracteriza a sua regio em termos de hbitos culturais, sotaques, clima, solo, vegetao, relevo? De que vivem as pessoas?

P OFAE RO prprio processo de insero dessas etnias processou-se de forma diferente. O colonizador, na quase totalidade de origem portuguesa, tinha em grande parte uma viso de explorao do Brasil. O interesse de Portugal consistia em explorar as riquezas que a colnia possua, ou poderia possuir. Desse modo, nossa colonizao foi iniciada como colnia de explorao, inexistindo preocupao com o desenvolvimento. Os colonizadores tentaram adaptar o ndio, morador no territrio, a seu sistema socioeconmico. A explorao de sua mo-de-obra no extrativismo do pau-brasil evoluiu para uma tentativa de utilizao de sua fora de trabalho como escravo nas lavouras. Todavia, o modo de vida nmade e a diferena cultural no qualificavam o indgena para esse tipo de trabalho donde surgiu a lenda de que o ndio no gostava de trabalhar. Essa viso distorcida e reduzida originou-se no desconhecimento, por parte dos colonizadores, da funo da mulher e do homem na cultura indgena. O plantio era de competncia das mulheres; ao homem competia a caa, pesca e a guerra. No sendo possvel utilizar a fora de trabalho indgena na lavoura, o negro foi trazido da frica para o Brasil, sem praticamente direito algum. Seus nomes eram trocados por outros, de origem portuguesa; a religio de seus ancestrais foi proibida e seus corpos eram usados indiscriminadamente por seus donos. Quando o modelo escravista teve fim, com o ato de abolio da escravido, essa parcela da sociedade continuou excluda do sistema econmico pois no dispunha de qualificao para ocupar as funes e empregos de um novo pas com a inteno de industrializao. Foram, ento, trocados pelos imigrantes - no recebendo qualquer compensao pelos anos de cativeiro a que foram submetidos - e passaram a aglutinar-se nas periferias das cidades, desamparados, jogados prpria sorte pelo poder pblico. Estes pontos demonstram que o Brasil se desenvolveu economicamente centrado na explorao da fora de trabalho e concentrao de riquezas. Esse modelo, denominado capitalista, sofre atualmente um processo de releitura com algumas idias modernizantes: a globalizao. Mas, afinal, o que vem a ser globalizao? Em rpidas palavras, o advento de uma nova era que combinaria abundncia econmica com estabilidade poltica. Segundo essa idia, o mundo se apresentaria como um grande mercado com estabilidade poltica, social e econmica, sem fronteiras, a partir da implementao21

Nmade - indivduo ou grupo de pessoas que no fixam moradia em um local.

Esses imigrantes, em sua maioria, eram italianos, suos e alemes, que saram de seus pases de origem fugindo da pobreza em busca de prosperidade.

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Estudos Regionais

de tecnologia que cria um sistema de informao veloz. Esse sistema divulga idias relacionadas com o desenvolvimento construdas por aqueles que dominam o mercado econmico. Todos devem adquirir novos modelos de gesto e equipamentos para informatizar e agilizar a produo de mercadorias e servios, com vistas ao atendimento de um mercado consumidor e competitivo, em nome do desenvolvimento global. Entretanto, essa forma de pensar desconsidera as diferenas e dificuldades regionais e individuais. Provoca o fim de ocupaes e empregos muito mais rapidamente do que o surgimento de novos - e estes, quando criados, direcionam-se a setores, ramos e espaos geogrficos diferentes dos extintos, impactando econmica e socialmente nos modos de viver de cidades e regies. Outro impacto ocorre nas relaes de trabalho, com a criao de formas de contratao que no garantem direitos trabalhistas como assinatura de carteira de trabalho, frias, FGTS, assistncia sade e outros. No setor sade, esse sistema econmico reflete-se na criao de cooperativas transitrias nas unidades de sade, em detrimento do concurso pblico, e no consumo exacerbado de tecnologia de ponta em detrimento do cuidar humanizado individual e coletivo.

Voc conhece algum que j foi chamado de ultrapassado por no saber usar o computador ou no ter acesso internet? Por no ter celular? Por no estar usando roupas e cortes de cabelo da moda?

As causas das desigualdades sociais advm de um processo desenrolado ao longo de dcadas no Brasil. Tal conhecimento possibilita-nos uma valiosa experincia para que possamos, por meio da participao direta no exerccio de nossa cidadania, reverter esse quadro histrico.

2.2 Organizao poltica do BrasilPara que um Estado ou nao possa ser politicamente organizado, pressupe-se que nele exista uma srie de direitos e deveres. No Brasil, como na maioria dos pases, esses direitos e deveres esto inscritos na Constituio Federal, lei fundamental de um Estado. Comumente, o termo poltica, associado a um alinhamento de ordem partidria, causa averso em significativa parcela da populao. A idia que se faz que, para ser politizado, o homem precisa estar filiado s propostas de determinado partido poltico. Contudo, a poltica est ligada ao homem. Voc sabe quantas Constituies surgiram em nosso pas? Ao longo da histria, foram elaboradas sete Constituies. A primeira, em 1824, dois anos aps a Independncia, preconizava que o Imprio do Brasil era a associao poltica de todos os cidados brasileiros que formavam uma nao livre e independente que no admitia, com qualquer outra, lao de unio ou federao que se opusesse sua independncia. A principal caracterstica dessa Constituio era a forte centralizao monrquica, isto , as provncias (antiga denominao dos atuais estados), ento subordinadas ao poder central exercido pelo Imperador.22

Poltica - em grego, plis significa cidade; assim, a definio de que o homem um animal poltico est relacionada necessidade de viver em cidade, ou melhor, em sociedade.

P OFAE RAlm da tradicional diviso dos poderes em Legislativo, Judicirio e Executivo - poder esse exercido pelo prprio Imperador -, somava-se o quarto poder: o Moderador. Efetivamente, a chave de toda organizao poltica estava no Poder Moderador. Tambm exercido pelo Imperador, esse Poder dava o direito de agir sobre o Legislativo, dissolvendo a Cmara, e sobre o Judicirio, suspendendo os magistrados de suas funes. Com o fim do Imprio, em 1889, surgiu a necessidade de uma nova Constituio, a qual foi promulgada dois anos aps a Proclamao da Repblica, em 1891. Nela, estabeleceu-se que a Nao adotaria como forma de governo a Repblica Federativa, com os poderes Legislativo, Judicirio e Executivo, constituda como unio indissolvel dos estados. O sistema constitucional federativo ento implantado enfraquecia o poder central exercido pelo presidente, pois a forma de federao concedia grande autonomia aos poderes estaduais. Como o poder central no poderia sustentar-se sem o apoio dos poderes estaduais, formulou-se uma poltica em que uma minoria detinha maior poder de opinar e influir sobre os destinos da nao. Nascia, assim, um governo oligrquico, isto , de uma minoria - nesse caso, os plantadores de caf de So Paulo. Essas oligarquias - representadas pelos coronis - impunham aos seus respectivos estados os governadores. De fato, o coronelismo foi o verdadeiro poder durante toda a primeira fase da Repblica, pois a Constituio de 1891 exclua a quase totalidade dos brasileiros do acesso ao voto que era censitrio, ou seja, somente quem possua uma renda acima de determinado nvel poderia votar e ser votado. Assim, o poder decisrio no Brasil ficava restrito a uma pequena parcela da populao, sob a tutela dos coronis. Insatisfeitos, os excludos politicamente pelo coronelismo levaram a cabo a Revoluo de 1930, que imps Getlio Vargas no poder. Quatro anos depois, uma nova Constituio era promulgada. Basicamente, mantinha as caratersticas da anterior quanto federao e diviso dos poderes, mas ampliava os poderes do Executivo em detrimento da autonomia dos estados. Ao lado de uma declarao de direitos e garantias individuais, tpicas do liberalismo, foram inseridos aspectos de ordem econmica e social, familiar e de educao e cultura. Frente aos problemas encontrados nessas reas, foram definidas pelo governo normas de interveno na sociedade. Nos anos seguintes, o governo de Vargas caminhou para uma ditadura e em 1937 foi apresentada uma nova Constituio, muito similar anterior mas que ampliava ainda mais o poder do Executivo. Com o Poder Legislativo enfraquecido e o Executivo em suas mos, Vargas governou ditatorialmente.23

O poder Legislativo (Cmara de Vereadores, Cmara de Deputados e Senado) cria as leis, o Executivo (prefeito, governador e presidente) as faz cumprir e o Judicirio (magistrados, juzes) julga de acordo com as leis.

Em 1831, durante o perodo da Regncia no Brasil, foi criada a Guarda Nacional, cuja maior patente era a de coronel. Esses coronis eram indicados pelo poder econmico local e, em sua maioria, eram fazendeiros latifundirios que dominavam a poltica local. Isto acontece ainda hoje?

Liberalismo na viso poltica, um conjunto de idias que estabelece liberdade poltica e oportunidades iguais para todos. Na viso econmica, o equilbrio dos preos em funo da livre concorrncia e da no-interveno do Estado.

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Com o trmino da 2 Guerra Mundial, comearam a surgir no Brasil movimentos de redemocratizao, que culminaram com a renncia de Vargas. Posteriormente, em 1946, foi promulgada uma nova Constituio. Para tal, serviram de modelo as Constituies de 1891 e 1934 - que nem sempre estiveram de acordo com as reais necessidades do pas. Aps o movimento militar de 1964, uma nova Constituio foi promulgada em 1967. A nova lei acrescentava e enfatizava os mecanismos de segurana nacional, isolando e cerceando os Poderes Legislativo e Judicirio, ampliando o poder presidencial. Contudo, as crises polticas e sociais continuaram mesmo depois de sua promulgao. Foi ento editado o Ato Institucional n 5 (AI 5), que ignorou a Constituio, suspendendo todo e qualquer direito poltico dos cidados - como o voto e a livre expresso. O Brasil passa a ser governado por meio de atos e decretos-lei, culminando com a Emenda Constitucional de 1969. A rigor, muito mais que uma emenda, ela foi tcnica e teoricamente uma nova Constituio, pois apresentava um texto prvio integralmente reformulado. Nesse contexto, foi fortemente reforada a centralizao do poder pelo governo federal, reduzindo em muito a autonomia dos estados e municpios. Ao final dos anos 70 e incio dos 80, os movimentos sociais pressionavam o governo para que o cidado tivesse o direito de intervir na vida poltica do pas - o que culminou com o movimento das Diretas J e, posteriormente, com a eleio de uma Assemblia Constituinte formada por deputados federais e senadores, eleitos para esse fim. Assim, foi elaborada a Constituio de 1988, chamada de Constituio Cidad, atualmente em vigor. Mas por que Cidad? Apesar das vrias crticas, a Constituio de 1988 representou, do ponto de vista dos direitos, grande avano, principalmente nas reas de sade, educao, previdncia e assistncia social, porque foi gerada pela sociedade. Diferencia-se das demais porque, pela primeira vez, foi elaborada do ponto de vista do cidado e no do Estado, expresso nos fundamentos que lhe deram origem, a saber: resgate dos direitos de cidadania, incluindo a participao popular na construo de uma nao soberana; dignidade da pessoa humana, respeitando a pluralidade poltica e garantindo os direitos de subsistncia; universalizao dos direitos sociais, descentralizando a gesto da execuo das polticas para estados e municpios; responsabilidade do Estado na garantia dos direitos sociais, como sade e educao.

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P OFAE RNa rea de sade, esses fundamentos, contidos na Constituio, esto delineando o processo de construo de um Sistema nico de Sade (SUS), universal, descentralizado e com intensa participao popular nos conselhos em nvel federal, estadual, municipal e distrital. Mesmo com as sucessivas perdas de direitos trabalhistas e do desvio do financiamento previdencirio para outras reas, essa Constituio resgata a voz do povo com a perspectiva de construo, de uma sociedade mais justa, mediante a manuteno de um Estado democrtico e de direito.

3- PROCESSO SADE-DOENA E INDICADORES SOCIAIS 3.1 Cidadania: conceitos e reflexesExiste um ditado popular que diz: os meus direitos terminam quando comeam os dos outros. Essa histria de direitos sempre foi um problema na convivncia entre as pessoas, seja a dois, em famlia ou na comunidade. Quem no tem um vizinho que no final de semana liga o som alto, s 5 horas da manh; ou que estaciona o carro em nossa garagem ou o lixo na frente de sua casa, um dia antes de a coleta passar? No trabalho, tambm comum aquele que ocupa o telefone o tempo todo, impedindo a comunicao dos demais ou que no cumpre adequadamente suas tarefas. Essas atitudes so, sem dvida, um desrespeito cidadania dos demais. Mas o que exatamente significam as palavras cidado e cidadania? Considera-se cidado todo aquele que est no amplo gozo de seus direitos; que no tem condenao e pode transitar em todos os espaos normalmente freqentados pelos demais; que pode votar e ser votado; que tem garantido o acesso aos bens de consumo. A esse conjunto de direitos, chamamos cidadania. Representa o direito vida em seu sentido pleno e irrestrito. Para consolid-la, faz-se necessria uma sociedade politicamente organizada, democrtica e preocupada com o bem-estar social. Quanto ao homem, cabe-lhe o exerccio da cidadania por meio da participao, passando de mero receptor de ddivas para um ser que interage com o meio, percebe as diferenas e transforma-se em sujeito daquilo que pode conquistar. Sem dvida, a cidadania o viver em sua plenitude, em sua essncia e, por isso, precisa ser construda coletivamente.25

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Sabe-se que essa conscincia coletiva no to fcil de ser construda numa sociedade em que o capitalismo globalizado cria e recria indivduos voltados para suas necessidades, sempre prontos a resolver apenas seus problemas. Para esses, o meu supera o nosso, impedindo sua participao em lutas por direitos universais e coletivos. Ento, a cidadania um direito que para ser conquistado deve ser construdo coletivamente, no s no sentido de atender a necessidades bsicas mas de acesso a todos os nveis de existncia do homem. Porm, como entender essa palavra de significado to amplo e distante da nossa realidade? Alguns autores, para facilitar a compreenso, desdobraram-na em trs tipos de direitos: civis, polticos e sociais. No entanto, no cotidiano de uma nao esses direitos no so vistos isoladamente, esto interligados, inseridos um no outro, dando forma e movimento ao conceito de cidadania. Com relao aos direitos civis, todos temos o direito de ir e vir, assegurado em nossa Constituio. Mas ser que isto realmente ocorre? Na verdade, esse um dos direitos mais transgredidos na histria da humanidade. Hitler, durante a 2 Guerra Mundial, para criar uma raa pura excluiu as demais que ameaavam seu projeto. Naquele momento, os judeus esconderam-se para que sua etnia no fosse extinta. Eles tinham seus corpos, podiam ir e vir, mas havia um regime ditatorial que os segregava. Outro exemplo foi o que ns, brasileiros, vivemos a partir de 1964, quando os cidados foram impedidos de expressar sua opinio, presos e eliminados por no ter a mesma convico poltica do grupo dominante. Nestes dois exemplos, as pessoas eram donas de seu corpo, mas no donas do direito. Outra experincia refere-se especificamente classe trabalhadora. Dizem que os trabalhadores podem escolher onde vo colocar seus corpos e em que condies e ritmo vo trabalhar, mas isso no realidade. Notamos que a histria do trabalho est repleta de contradies. A primeira delas o descompasso do mercado de trabalho com o sistema de educao. Parece que uns nasceram para ocupar cargos de destaque na sociedade; outros, para ser operrios. A falta de preparao na infncia, adolescncia e juventude impe ao trabalhador um esforo e um sofrimento desumanos, muitas vezes expressos no desemprego e subemprego. Na verdade, no basta que o corpo seja meu; ele tem que ter acesso a outros direitos para que eu possa exercer efetivamente o direito civil de transitar pela vida em toda a plenitude.26

Segregar - separar com a finalidade de isolar e evitar contato entre pessoas.

P OFAE RO segundo direito o social, cuja referncia o atendimento das necessidades humanas bsicas, como o direito alimentao, habitao, sade, educao e trabalho com salrio digno. O desrespeito a esse direito manifesta-se pelo nmero de analfabetos e de crianas fora da escola; pelo acesso restrito s universidades; pelo aumento gradativo da taxa de pobreza, com a conseqente proliferao de favelas e acampamentos; pela falta de polticas de assentamento urbano e rural de impacto na qualidade de vida da populao. Na verdade, a correo dos desvios no acesso aos bens de consumo s se efetivar com modificaes nas bases do capitalismo, que impedem a distribuio mais eqitativa do rendimento bruto do pas. Ou seja, preciso que os recursos gerados pelos impostos favoream a todos os cidados atravs da implementao de polticas pblicas. O direito poltico est relacionado com a deliberao do homem sobre sua vida. Utilizando-o sabiamente, garantiremos os direitos de livre expresso de pensamento e de prtica poltica e religiosa, de acesso de todos escola e de salrios dignos. Esse direito tem relao com a convivncia entre os homens, por intermdio de organismos de representao. Essas representaes podem ser exercidas diretamente, por meio dos sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolas, conselhos e associaes de bairro; ou indiretamente, pela eleio de presidente da Repblica, governador, parlamentares, prefeitos e vereadores. de forma indireta que resistimos s imposies dos Poderes, com greves ou de movimentos de presso como o dos sem-terra e sem-teto, dos indgenas pela demarcao das reservas, dos homossexuais pelo direito ao casamento e outros. Em todas as naes do mundo esses direitos esto garantidos nas Constituies, sendo que, em certos casos, alguns artigos requerem maior detalhamento para evitar dvidas de interpretao. Isso no quer dizer que, pelo fato de constar em lei, sero naturalmente respeitados. O que vimos justamente o contrrio - muitos no passam de letra morta, no saem do papel. Como exemplos, podemos citar grupos da populao cujos direitos esto garantidos na legislao mas que no cotidiano so desrespeitados: caso dos idosos, crianas, adolescentes, negros e mulheres. Quanto situao dos meninos e meninas de rua no Brasil, temos que considerar que suas famlias esto inseridas num contexto histrico caracterizado por aspectos econmicos, sociais, polticos e culturais. Essas famlias tm o seu cotidiano marcado pelas profundas desigualdades existentes na sociedade, que as restringem e mesmo excluem do acesso aos principais meios para uma vida digna: emprego e renda, educao, alimentao, sade, habitao, lazer, etc. No entanto, em nossa Constituio todos esses direitos so garantidos no captulo dos direitos sociais.27

Polticas pblicas conjunto de objetivos que formam um programa de ao do governo para problemas relativos coletividade.

Livre expresso a forma de expressar o pensamento que caracteriza um indivduo ou um grupo de pessoas baseada em uma viso de mundo; o que difere de opinio opinio, definida como manifestao sobre um certo assunto.

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Tendo em vista o estado de misria, os pais colocam seus filhos precocemente no mercado informal de trabalho, o que representa possibilidade de aumento no oramento domstico. Se pensarmos que a criana deve ser protegida at que alcance a maturidade necessria para comear a trabalhar e que o Estatuto da Criana e do Adolescente (lei complementar) no permite o trabalho antes dos 14 anos, constatamos que a atitude dos pais, conseqncia da privao, de total desrespeito cidadania de seus filhos. O resultado a constituio de uma populao flutuante de meninas e meninos, que passam os dias nas ruas e voltam para casa, sendo por isso chamados de meninos(as) nas ruas; e aqueles que moram nas ruas, conhecidos como meninos(as) de rua. Ao contrrio do que pensa a maioria da populao, os meninos(as) que perambulam pelas ruas das grandes cidades do pas no so crianas abandonadas pelas famlias. Grande parte delas tem vnculo familiar, estando nas ruas por vrios motivos, dentre eles para fazer algo que possa contribuir para o sustento da famlia. A rua torna-se um espao de moradia permanente ou eventual, de brincadeira e de luta pela sobrevivncia, e por meio do trabalho (como no caso dos vendedores ambulantes, limpadores de pra-brisas de carros, guardadores de automvel, carregadores das feiras e de supermercados, dentre outros) ou mesmo dos pequenos delitos eles acabam adaptando-se a essa forma de viver. Onde esto os direitos dessas crianas e adolescentes? No deveriam ser assistidos pelo Estado, por estar desamparados? Outro grupo que vem sofrendo pela falta de infra-estrutura para atender a suas necessidades o da terceira idade. Nosso pas est despreparado para dar-lhe o apoio necessrio. Os poucos recursos que restaram dos sucessivos desvios da Previdncia no garantem sua aposentadoria. importante ressaltar que existem dois tipos de envelhecimento: o essencialmente biolgico e o social. Biologicamente, o organismo entra em decadncia, em declnio, porque se reduzem suas possibilidades de subsistir. A morte, embora possa advir a qualquer momento da vida, freqentemente chega na velhice. Socialmente, nossa populao est mais velha por duas razes: o declnio da mortalidade e a queda da natalidade. As vacinas e antibiticos, os avanos tecnolgicos, tornaram-se acessveis populao e os mtodos contraceptivos, antes restritos s pessoas de bom nvel sociocultural, so hoje disponveis s mulheres de baixa renda. Esse aumento do nmero de idosos exigir uma ateno especial dos servios de assistncia social e de sade. Desenvolver polticas28

P OFAE Rque atendam a essa demanda um desafio para os pases em desenvolvimento. As polticas sociais especficas devem estar voltadas para a integrao do idoso ao meio e para a sensibilizao da sociedade no sentido de combater o preconceito, estimulando a convivncia com os mesmos. Na sociedade brasileira, o idoso dispe da Lei n. 8.842, cujo objetivo assegurar seus direitos, criando condies de promoo de sua autonomia, de integrao e de participao efetiva na sociedade. Na rea de sade, suas aes so: garantir ao idoso a assistncia sade, atravs do SUS; prevenir, promover, proteger e recuperar a sade do idoso; adotar, aplicar e fiscalizar normas de funcionamento para instituies que cuidem do idoso; elaborar normas de servios geritricos hospitalares; treinar equipes interprofissionais; realizar estudos epidemiolgicos de determinadas doenas senis com vistas preveno, tratamento e reabilitao; criar servios alternativos de sade para o idoso.Diante desse contexto, restanos perguntar: Voc um cidado pleno? Est construindo a cidadania de nossa nao? Participa de sindicatos, conselhos, associao de moradores ou outras organizaes que lutam pelo direito de cidadania?

Demanda procura, busca. No caso especfico, a populao de idosos em busca de, ou procura de, servios de assistncia social e de sade. Doenas senis doenas que resultam do processo de envelhecimento, como artrose, artrite, arterioesclerose, entre outras.

Todos conhecemos os servios de sade e sabemos como difcil o acesso do idoso ao sistema. Geralmente, enfrentam filas quilomtricas para garantir uma consulta ou adquirir um medicamento. Na verdade, na sua totalidade esses direitos ainda no saram do papel. Finalizando, no podemos perder de vista que esses direitos esto interligados e um depende do outro. Para se construir a cidadania de um povo faz-se necessria a participao de todos, discutindo, votando, controlando o exerccio dos diversos poderes legalmente institudos. Os pontos comuns para a concretizao dessa conquista so a participao e o dilogo, para que sejam efetivadas determinadas polticas, criando consenso quanto a propostas e lutas.

3.2 Indicadores socioeconmicos: a busca de ambientes saudveisQual o significado de estar doente ou saudvel? Historicamente, esse assunto tem sido a principal preocupao dos grupos sociais. A condio de estar doente ou sadio, de acordo com o contexto social, vem sendo determinada pelo modo de viver de cada indivduo, principalmente em uma sociedade na qual o resultado do trabalho transformado obrigatoriamente em bens de subsistncia. Nesse espao social, sentir-se doente significa uma ameaa para o indivduo e seu grupo familiar.29

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A existncia de um senso comum definindo sade apenas como ausncia de doena reduz o organismo a uma mquina sempre pronta a produzir na juventude, parando na velhice. A falncia da engrenagem centrada na disfuno do organismo, ou seja, na doena. A influncia desse modo de pensar se expressa na procura crescente da populao por unidades de sade de alta complexidade, as quais dispem de recursos tecnolgicos avanados tais como ultrasonografia, ressonncia magntica, tomografia, etc.Pensando-se no caso do povo brasileiro, em particular na regio em que vivemos, como ocorre a distribuio das riquezas? A oferta de vagas no mercado de trabalho local est compatvel com o nmero de pessoas que precisam ser empregadas? E como est a qualidade do sistema de habitao, transporte, educao e servios de sade?

Aos poucos, esse modo de pensar o processo sade-doena vem sendo substitudo pela idia de que estar doente ou saudvel reflexo do modo de viver do homem, de forma individual e ou coletiva. As condies de sade esto relacionadas ao modo como o homem se estrutura para produzir meios de vida com o trabalho e satisfazer suas necessidades pelo consumo de alguns bens, como moradia, alimentao, educao e servios de sade o que podemos chamar de padro de vida. Percebe-se que existem diferenas, que as pessoas no tm o mesmo padro econmico, que as riquezas esto geralmente nas mos de poucos e que existe um dficit na oferta de emprego, levando-se em conta a disponibilidade de mo-de-obra em todo o pas. Guimares1 mostra-nos que os 10% mais ricos, que se apropriaram de 44,9% da renda nacional em 1980, aumentaram sua participao para 48,1% em 1991, enquanto os 50% mais pobres, que se apropriaram de 12,5 % da renda nacional em 1980, reduziram sua participao para 12,1% em 1991.

Latente - oculto e disfarado.

Esses dados demonstram que a sociedade brasileira est polarizada entre ricos e pobres e que existe um processo de empobrecimento latente, exigindo dos mais pobres constantes readaptaes para sua sobrevivncia. Um exemplo de readaptao a migrao constante procura de um espao para fixar-se prximo dos grandes centros industriais ou em reas rurais cuja produo agrcola tenha garantia de mercado. Todos procuram acesso aos meios de consumo.

Voc j ouviu esta histria antes?

Tal fato gera um crescimento desordenado das comunidades. Surgem as favelas e os acampamentos, verdadeiros aglomerados de pessoas em reas sem infra-estrutura bsica como gua, esgoto, energia eltrica, etc. De certa forma, o poder de compra um dos determinantes de maior influncia na escolha do espao em que o indivduo ou grupo familiar pretende residir. nossa renda que determina se o ambiente ser saudvel ou insalubre, se as ruas sero pavimentadas ou no, se o ar ser puro ou poludo, se o clima e as caractersticas territoriais sero adequadas vida.30

1 Guimares, 1994.

P OFAE RMas o que encontramos, em todo o pas, so bairros sem infraestrutura de servios pblicos, saneamento, habitao, escolas, transportes e servios de sade em quantidade e qualidade incapazes de atender s necessidades da populao. Aqueles que residem nas chamadas reas de risco, como favelas e acampamentos, so desprovidos quase que totalmente desses servios, o que resulta em maior risco de contrair doenas infecciosas e parasitrias transmitidas pela gua, esgotos e alimentos contaminados. Nas reas mais industrializadas, onde h recursos tecnolgicos, alm do problema de falta de infra-estrutura bsica (saneamento), h a questo do excessivo nmero de veculos nas ruas; da poluio sonora, visual e atmosfrica; da presena de animais como ratos, baratas e outros vetores; do aumento da violncia e da criminalidade e da falta de espao para lazer, em ambiente saudvel, fatores que aumentam ainda mais o risco de adoecimento das populaes. Outro fator imprescindvel subsistncia a alimentao adequada, uma vez que diversos estudos afirmam que a subnutrio pode causar debilidade mental e deficincia no crescimento do indivduo, propiciando maior susceptibilidade s doenas e minimizando suas oportunidades de efetiva participao nos diversos grupos sociais, na escola, no mercado de trabalho, etc. Isto pode ser facilmente percebido ao analisarmos a evoluo de vida entre uma pessoa desnutrida e outra que teve adequada alimentao. Geralmente, o primeiro apresentar um histrico escolar com sucessivas reprovaes, acabando, muitas vezes, por abandonar os estudos sem sequer completar o ensino fundamental. O outro, no mais das vezes, consegue concluir o ensino fundamental e mdio e chegar universidade. Como vimos, a insalubridade das cidades e a falta de acesso aos meios de consumo so os principais determinantes que levam indivduo, famlia e comunidade a adoecer. isto que faz a diferena entre pensar a sade restrita ao uso de prticas que cuidam do corpo adoecido e pens-la como um conjunto de aes e medidas de controle destinado a melhorar a qualidade de vida do indivduo e das populaes. Ento, os direitos ao saneamento, emprego e salrio digno, educao, transporte, lazer, moradia e acesso terra so bens universais, de todos, que devem ser consumidos sem privilgios de uma ou outra camada social, pois determinam o estado de sade ou de doena dos grupos sociais. Para mensurar a qualidade de vida de grupos populacionais so elaborados indicadores, ou seja, dados numricos que representam direta ou indiretamente as caractersticas do viver. Servem como parmetro de comparao entre pases pobres e ricos, agrrios e industrializados, entre o meio rural e o urbano.31

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Os profissionais de sade geralmente utilizam esses dados para melhor conhecer o padro de vida dos indivduos residentes na regio, servindo como um referencial para a enfermagem. Assim sendo, vrias organizaes investem na construo de indicadores para avaliar os nveis de desenvolvimento dos diversos grupos populacionais. A Organizao das Naes Unidas (ONU), por exemplo, sugeriu os seguintes indicadores para mensurar o nvel de vida de uma populao: 1) sade, incluindo condies demogrficas; 2) alimento e nutrio; 3) educao, incluindo alfabetizao e ensino tcnico; 4) condies de trabalho; 5) situao em matria de trabalho; 6) consumo e economia em geral; 7) transporte; 8) moradia com incluso de saneamento bsico; 9) vesturio; 10) recreao; 11) segurana social e 12) liberdade humana.2 Correlatamente, a Organizao Mundial da Sade (OMS) estabeleceu uma agenda especfica para o setor sade dividindo os indicadores em trs grupos, a saber: 1. aqueles que tentam traduzir diretamente a sade (ou a sua ausncia) em um grupo populacional; nesse grupo, os indicadores esto separados em dois tipos: - globais: razo de mortalidade proporcional; coeficiente geral de mortalidade; esperana de vida ao nascer; - especficos: coeficiente de mortalidade infantil e coeficiente de mortalidade por doenas transmissveis; 2. aqueles que se referem s condies do meio e que tm influncia sobre a sade: abastecimento de gua, rede de esgotos, contaminaes ambientais por diversos poluentes; 3. aqueles que procuram medir os recursos materiais e humanos relacionados s atividades de sade, tais como rede de postos de sade, nmero de profissionais e de leitos hospitalares em relao populao.3 Em 1990, o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) estabeleceu um novo ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) tendo como referncia o valor de igualdade entre as pessoas, a valorizao da igualdade de oportunidade no acesso educao, sade, emprego. Privilegia a ampliao da participao da maioria da populao na vida econmica, poltica e cultural de um pas. O Instituto Brasileiro de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) entende essa nova leitura como um desenvolvimento no pensado apenas para os integrantes do grupo dos 10% mais ricos, centrado na importao de novas tecnologias. Esse novo paradigma direciona polticas para a reestruturao do espao brasileiro, o que alguns autores chamam de nova regionalizao,32

Como ser que esses ndices se apresentam em cada regio do Brasil?

Paradigma - modelo.

2 Brasil, 1997. 3 Guimares, 1994.

P OFAE Rpois parte de outras dimenses do desenvolvimento humano, como a expectativa de vida, a escolaridade e a renda. Os estados brasileiros so classificados, segundo o ndice de Desenvolvimento Humano, a partir das medidas de privao dos trs fatores acima citados. Sua escala, que vai de 0 a 1, leva-nos seguinte leitura: quanto mais prximo de zero, maior a universalidade desses bens e quanto mais prximo de 1, maiores os sinais de desigualdade. Porm outros indicadores continuam sendo utilizados nas formas tradicionais, complementando os dados de desenvolvimento humano, a saber: coeficiente de mortalidade, coeficiente de morbidade e fatores de risco, assim como a cobertura assistencial alcanada pelas unidades de sade, tendo como referncia os procedimentos executados pela equipe de sade, etc. Comparando esses dados, entenderemos porque as pessoas residentes em reas sem saneamento bsico e com alto ndice de violncia esto mais vulnerveis morte do que aquelas que vivem em reas nobres, economicamente desenvolvidas. Medidas simples, como a implantao de rede de esgoto e orientao sobre evitar gua empoada em vasos, pneus e recipientes podem reduzir a mortalidade infantil e os casos de bito por dengue hemorrgica. Por sua vez, dados elevados de mortes por homicdios traduzem a falncia da segurana pblica. Outro fator importante a avaliao do sistema de sade, quando surgem nas regies significativas propores de bitos por causa no definida - dados que revelam a falta de assistncia mdica e ou atestados de bito incorretamente preenchidos. Como exemplo, tem-se a subnotificao dos casos de AIDS. O indicador esperana de vida, que expressa o tempo mdio de vida mensurado de um adulto ou recm-nascido, representa uma medida-resumo pois consegue sintetizar o efeito da mortalidade em todas as idades. Quando a esperana de vida de 64 anos, pode-se interpretar tal dado como uma demonstrao de que a sade pblica est desenvolvendo programas de impacto real na sobrevivncia do indivduo. Ao contrrio, quando abaixo de 50 anos, pode significar a falncia do sistema socioeconmico do pas. Na verdade, o homem s consegue viver mais quando o acesso aos meios de consumo compatvel com a qualidade de vida. Outro coeficiente muito utilizado o de mortalidade infantil. Alm de medir o nvel de sade de uma populao, est associado s condies econmicas e ambientais. Guimares4, ao analisar as tendncias de reduo da mortalidade infantil observada entre 1970 e 1980, destaca quatro fatores mais comuns:33

Op. cit, 2000.

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diminuio da natalidade, o que resulta num espaamento maior entre os nascidos, permitindo s mes darem ateno a seus filhos nos primeiros anos de vida, amamentando-os por um perodo maior; melhoria nas condies de saneamento bsico, o que ajuda a evitar uma srie de doenas infecciosas e parasitrias, dentre as quais as gastrenterites, que pioravam as condies nutricionais das crianas; aumento da cobertura vacinal da populao infantil, o que reduz a incidncia de doenas passveis de preveno por imunizao; melhoria do perfil educacional das mulheres em idade reprodutiva, o que permite s mes adotar procedimentos preventivos de proteo sade de seus filhos.

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Como a qualidade de vida de seu municpio? Ele saudvel? Voc conhece as clusulas mais importantes da PPI no seu municpio.

So muitos os indicadores de sade criados e construdos a partir do perfil epidemiolgico de cada regio, estado ou municpio. O importante que sirvam como indicativos para a implantao de polticas pblicas que visem a melhoria das condies de vida da populao, construindo cidades saudveis. Cidade saudvel aquela em que as autoridades polticas e civis, as instituies, os empresrios, trabalhadores e a sociedade dedicam esforos constantes para melhorar as condies de vida, trabalho e cultura da populao, estabelecem uma relao harmoniosa com o meio ambiente fsico e natural, alm de expandirem os recursos comunitrios para melhorar a convivncia, desenvolver a solidariedade, a co-gesto e a democracia. (OPAS/OMS) Dessa forma, no final dos anos 90, o Ministrio da Sade, em conjunto com as secretarias estaduais de sade, colocou recursos financeiros disposio dos municpios para que estes se inclussem na Programao Pactuada Integrada (PPI), visando dar o primeiro passo para que os problemas locais passassem a ter solues locais, tendo como referncia as relaes entre as pessoas, no importando seu cargo ou nvel social - essa dinmica de pactuao extrapola os espaos das secretarias de sade e ganha os Conselhos de Sade, Educao, Tutelares e outros. Na PPI, pactua-se a reduo ou aumento das taxas de alguns indicadores por meio de metas a serem alcanadas, revertendo em ganhos financeiros para os municpios. So exemplos a reduo da mortalidade infantil, o aumento da freqncia das gestantes ao atendimento prnatal, o aumento dos domiclios com sistema de gua e esgoto, etc.

Procure a Secretaria Municipal de Sade e o Conselho de Sade. Observe as condies do seu estado em relao a demografia, renda, mortalidade, morbidade e fatores de risco, recursos na rea de sade e cobertura de atendimento. Esses dados so importantes para sua ao como profissional de sade.

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P OFAE R4- (RE) CONHECENDO E CONSTRUINDO A POLTICA NACIONAL DE SADE 4.1 O processo de construo do Sistema nico de Sade (SUS)Ao longo de sua formao histrica, os modelos de desenvolvimento adotados no Brasil priorizaram as questes econmicas em detrimento das sociais, tendo como resultado o empobrecimento de parcelas significativas da populao, gerando excluso social e produzindo no meio ambiente um processo de fragmentao e diviso desordenada do espao territorial. Essa poltica reflete-se na organizao das aes e prticas de sade, cujo princpio a assistncia individual, em lugar da coletiva. Sua lgica garantir o corpo sadio em condies de produzir. O movimento da Reforma Sanitria, concebido durante os anos 70, contrape-se a essa forma de pensar e agir sobre as questes da sade. A estratgia de romper com o modelo assistencial - que prioriza o atendimento ao indivduo, desvinculado do meio em que este est inserido e encontrar um sistema de sade que atendesse s necessidades da populao sem distino de raa, gnero, faixa etria e renda era o grande desafio do movimento. Enfatizar que a Reforma Sanitria um processo significa compreend-la como algo em ebulio, criado e recriado a cada momento, dependendo da organizao, disponibilidade coletiva e da situao apresentada, por correlao de foras polticas, econmicas, sociais e institucionais. Assim pensando, no h condies de se imaginar que de um dia para outro se pudesse afirmar: Aqui comea a Reforma Sanitria. No caminho, houve lutas, transformaes, perdas, ganhos. Participao de movimentos de trabalhadores, polticos, estudantes, servidores pblicos, empresrios e outros atores sociais, compreendendo o poder dessa participao nas definies das polticas pblicas de educao, habitao, renda e lazer de uma nao. O que fundamentalmente caracteriza as mudanas na poltica de sade no perodo 1980/90 que elas ocorreram durante profunda crise econmica. O pas via-se mergulhado na inflao, recesso e desemprego, o que coincidia com seu processo de redemocratizao.35

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A partir de 1987, com a criao, por decreto federal, dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Sade SUDS, que deram origem a convnios especficos firmados entre a Unio e os estados, a sade passou a gozar de maior relevncia no cenrio nacional, culminando com a Carta Constitucional de 1988, que criou um sistema de seguridade social com trs reas solidrias mas distintas entre si: a sade, a previdncia social e a assistncia social. O direito sade definido como direito de todos e dever do Estado no artigo no 196 da Constituio Federal de 1988 - foi regulamentado no ato da publicao das Leis n 8.080 e 8.142, ambas de 1990 e que passaram a denominar-se, em conjunto, Lei Orgnica da Sade LOS. Leis de carter geral que traam diretrizes e garantem: a) polticas sociais e econmicas que visem a reduo do risco de doena; b) o acesso a servios de sade que visem a promoo, proteo e recuperao da sade. O Sistema nico de Sade (SUS), legalmente institudo no conjunto de leis referidas, ampliou o conceito de sade articulando-a fortemente questo ambiental, democratizao nas tomadas de deciso com participao popular e reafirmao do poder municipal. Essa ampliao limitou a expanso da assistncia mdico-hospitalar e a cultura da medicalizao, invertendo a idia de que sade a ausncia de doena.Na cultura da medicalizao se prioriza a utilizao de exames com equipamentos de alta tecnologia e o consumo de medicamentos industrializados para a sade.

Diretrizes - so os prncipios presentes nas leis.

A sade passa, ento, a ter como fatores determinantes e condicionantes, dentre outros, a alimentao, a moradia, o saneamento, o ambiente, o trabalho, a renda, a educao, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e servios essenciais. Assim, no mais o caso de se pensar em garantir sade, exclusivamente, pela ausncia de doena. A sociedade exige aes interativas, solidrias e integrais que associem as realidades locais, na rea econmica e poltico-institucional, assegurando direitos e deveres, liberdade e participao. Esse Sistema estabeleceu de forma inovadora trs conceitos basilares: a unificao das instituies que atuam na rea de sade como meio de integrar aes e servios; a democratizao como garantia a todo cidado do acesso igualitrio aos servios e a ateno sade; a descentralizao como possibilidade de direo nica em cada esfera de governo, com nfase na descentralizao dos servios para os municpios, colocando-os mais prximos do usurio. Desse modo, definiram-se as atribuies e competncias de cada esfera de governo: esfera federal a ela compete: formulaes de polticas nacionais de planejamento, normatizao, avaliao e controle do sistema em seu mbito; apoio ao desenvolvimento cientfico, tecnolgico e de recursos humanos; coordenao das aes de educao para a sade; regulao do SUS de abrangncia

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P OFAE Rnacional; cooperao tcnica e financeira; regulao das relaes entre rgos pblicos e privados; regulao da atividade privada; acompanhamento e anlise de tendncias do quadro sanitrio nacional, dentre outros. esfera estadual a ela cabe a formulao da poltica estadual de sade; a coordenao e o planejamento; a formulao e a coordenao da poltica de investimentos setoriais em seu mbito; a coordenao da rede de referncia estadual e a gesto do sistema de alta complexidade; a coordenao estadual das aes de vigilncia sanitria, epidemiolgica, de educao para sade, dos hemocentros e da rede de laboratrios de sade pblica; o estabelecimento de padres de ateno sade no seu mbito, dentre outras. esfera municipal a ela compete a proviso das aes e servios de sade, envolvendo a formulao de polticas de mbito local e o planejamento, execuo, avaliao e controle das aes e servios de sade, quer sejam voltadas aos indivduos, ao coletivo ou ao ambiente, inclusive a educao para a sade e os processos de produo, distribuio e consumo de produtos de interesse para a sade.5

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Esse grau de unio entre as trs esferas determina um modelo de ateno sade para o SUS que tem por objetivo estruturar as prticas de sade propostas para a sociedade brasileira. Em termos prticos, o modelo de ateno contm as orientaes bsicas para o desenvolvimento das prticas de sade em nvel local, regional e nacional. Nessa dinmica, a construo do SUS sustenta-se nos princpios de eqidade, integralidade, universalidade, descentralizao e controle social da ateno sade. O princpio da eqidade dispe sobre a igualdade no direito a assistncia sade, definida com base nas situaes de risco, condies de vida e estado de sade da populao.6 O princpio da integralidade orienta as prticas de sade pela viso integral do homem, de tal forma que o estado dos indivduos e da coletividade sejam considerados como resultantes das condies de vida expressas em aspectos como educao, lazer, renda, alimentao, liberdade, condies de trabalho, relao com o meio ambiente, habitao, etc. O princpio da universalidade garante o acesso de todo cidado aos bens e servios produzidos na rede de ateno sade, independente de vnculo empregatcio ou de contribuio previdenciria, sem preconceitos ou privilgios. Pelo processo de descentralizao promove-se a redistribuio do poder, nas suas vertentes tcnica, poltica e administrativa no mbito das prticas de ateno sade, entre os trs nveis poltico-administrativos do SUS federal, estadual e municipal, cujas atribuies foram37

5 Brasil, 1990. 6 Op. cit.

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Estudos Regionais

anteriormente detalhadas. Portanto, compreende-se a descentralizao como um processo de transferncia de responsabilidade e recursos da Unio para os estados e destes, principalmente, para os municpios, onde deve constituir-se a maior parte da estrutura assistencial em sade. Segundo as diretrizes do SUS, a redistribuio de poder entre as esferas de governo complementa-se pela participao popular e o controle social. Entende-se controle social como um conjunto de prticas que visam ao exerccio da cidadania e garantia do acesso do cidado a informaes sobre sade. Imaginemos que cada cidado, nesse novo contexto, possa formular propostas de reestruturao para o sistema de sade, do planejamento execuo, intervindo na definio das polticas de sade nas trs esferas de governo, bem como na gesto e execuo das aes e servios de sade. O controle social se efetiva com a participao nos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal legalmente legitimados nas Conferncias de Sade, que devem ser realizadas a cada dois anos. Nos municpios, alm do Conselho Municipal pode-se encontrar dois outros fruns de participao: o Conselho Distrital - que representa determinada regio local - e o Conselho Gestor - que controla o funcionamento das unidades de sade. Desde a criao do SUS, dois pontos polmicos marcam as discusses: o financiamento do Sistema e a composio paritria dos Conselhos. O art. 35, vetado na lei n 8.080/90 e reeditado na 8.142, dispe sobre o financiamento para a sade no oramento fiscal de cada esfera de governo, atrelando a liberao de recursos criao de plano de cargos, carreiras e salrios; existncia de fundos e de Conselhos; ao plano de sade e elaborao anual de um relatrio de gesto. As dificuldades de adequao do poder municipal para cumprir as exigncias acima descritas levaram os gestores de sade a idealizar normas operacionais redefinindo toda a lgica do financiamento e, conseqentemente, da organizao do SUS, consolidando um sistema de pagamento por produo de servios ao setor pblico. Atualmente, o financiamento do sistema de sade regulado atravs de critrios que levam em considerao o nmero de habitantes por regio, os tipos de doenas que mais acometem a populao, o quantitativo de unidades de sade, e o desempenho tcnico, econmico e financeiro do municpio no perodo anterior.Como as normas que estabelecem as mudanas nas formas de repasse financeiro de recursos para gerenciar o sistema de sade tm sido aplicadas em seu municpio?38

Paritria - constitudo por igualdade de representaes, tanto dos rgos de governo como da sociedade em geral.

Os valores hoje pagos por procedimentos - vacinas, curativos, inspeo sanitria, visita domiciliar, consultas em especialidades mdicas bsicas (clnica mdica, pediatria, gineco-obstetrcia e pequena cirurgia ambulatorial) - e os procedimentos preventivos de odontologia seriam repassados a todos os municpios habilitados na gesto plena do bsico, a partir de um valor por pessoa residente em um determinado municpio.

P OFAE RDesse modo, os municpios teriam condies de articular o conjunto das propostas, programas e estratgias que vm sendo definidos no nvel federal e em vrios estados, tomando como referencial instrumentos financeiros como o PAB (Piso de Ateno Bsica); gerenciais e tcnico-operacionais, a exemplo da Programao Pactuada Integrada (PPI), do Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS), do Programa Sade da Famlia (PSF) e do Programa de Vigilncia Sade (VIGISUS), que possibilitam a construo de um modelo fundamentado na promoo da qualidade de vida. Uma das formas mais atuais de reorganizao do sistema de sade local a estratgia de Sade da Famlia, que tem como objetivo deslocar o enfoque da assistncia hospitalar individualizada para uma assistncia coletiva, nos diversos nveis de ateno sade. Uma condio bsica para o sucesso dessa estratgia a mudana na poltica de formao de recursos humanos na rea de sade e outras afins. Enfim, toda a reorientao e os princpios legais estabelecidos na Poltica Nacional de Sade no Brasil so instigantes e provocam reflexes, tais como: o que desejvel e necessrio no sistema de sade de seu municpio? Quais os grandes obstculos na implantao do SUS e como super-los? preciso sonhar, mas com a condio de crer em nosso sonho, de examinar com ateno a vida real, de confrontar nossa observao com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Lnin Sonhos, acredite neles

A gesto plena da ateno bsica corresponde ao conjunto de responsabilidades que devem ser cumpridas pelo municpio para conseguir sua habilitao no Sistema de Financiamento.

4.2 Trabalho, cidadania e modos de vida na sociedade brasileiraPodemos falar, refletir, analisar e ter nossa opinio sobre o trabalho sem conhecer a sociedade em que vivemos? Qual a origem e o significado da palavra trabalho? Qual a participao da mulher no mundo do trabalho? E das nossas crianas e adolescentes? Buscaremos alguns estudiosos do assunto a fim de entender nossa responsabilidade, ou seja, reconhecer melhor o papel de cada um de ns, trabalhadores-cidados, na sociedade moderna e poder identificar, no campo do saber-fazer, as possibilidades de crescimento e reivindicaes nos ambientes de trabalho. Na Europa Ocidental, durante os sculos XVII e XVIII, nasceu a idia moderna de sociedade - ponto de partida da anlise e aprofundamento do tema. Tal entendimento inseparvel, por um lado, da crescente diviso do trabalho; por outro, da representao do indiv39

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duo como singular, tico e criador da vida sociocultural. Esses dois eixos de transformao esto vinculados ordem econmica e a valores culturais que nos ajudam a compreender os diversos significados da nova sociedade em construo. Mas onde surgem essas transformaes? A Revoluo Industrial trouxe, ao mesmo tempo, novas tcnicas e maior explorao do homem para o universo da produo fabril. O mundo do trabalho modificou-se completamente. Iniciou-se um acelerado processo de industrializao, com crescimento da produo, ampliao do mercado e do consumo. interessante ressaltar como o trabalho (a palavra origina-se do termo tripalium, instrumento de tortura usado na Idade Mdia) se transforma em meio e condio de se chegar modernizao e ao progresso do mundo industrializado. considerado um fenmeno, fruto da capacidade criativa do homem, capaz de gerar, em tese, toda a riqueza e desenvolvimento sociocultural, caminho possvel de superao da pobreza e das desigualdades sociais. Nos anos 70, o maior conhecimento e envolvimento do saber operrio ao processo de produo comeou a influenciar a gesto da poltica de sade do trabalhador. quando se percebe que a morbimortalidade tem relaes com o mundo do trabalho, ressalta Lacaz7, o que pode ser considerado como avano, pois at o final do sculo agravos sade eram enfocados somente fora do ambiente de trabalho. Com as lutas e conquistas dos sindicatos e do Sistema nico de Sade no que diz respeito participao da sociedade, surgem os Programas de Sade do Trabalhador - inicialmente em So Paulo; depois, nos demais estados e municpios. Hoje, prevalecem transformaes na organizao da produo e do trabalho. Novas tecnologias, dentre elas a informtica como grande propulsora e as telecomunicaes, tm permitido agilizar as relaes de produo e modificar as formas de contratao da mo-de-obra. Essas mudanas esto presentes nas relaes de trabalho, em que se definem a poltica salarial, a jornada de trabalho e a produtividade/ qualidade. Podem, de um lado, contribuir para a revalorizao do trabalhador e, de outro, significar a possibilidade de um controle mais sutil sobre o trabalho. O Brasil, segundo Mdici8, um pas que ainda convive com grande heterogeneidade nas relaes de trabalho e produo. Ao lado do avano das relaes flexveis de trabalho encontram-se formas de produo onde o assalariamento clssico ainda uma novidade. Isso faz com que convivam em nosso pas uma multiplicidade de realidades com tempos que avanam com intensidades distintas, aumentando ainda mais a diversidade das condies de trabalho.40

Relaes flexveis nova forma de definir as condies contratuais de trabalho, das quais a terceirizao, a contratao por tempo determinado e os sistemas de cooperativa so alguns exemplos.

7 Lacaz, 1997. 8 Mdici, 1993.

P OFAE RE a mulher trabalhadora, onde se situa nesse cenrio? Enfocaremos o trabalho da mulher na rea de sade e sua articulao com outras categorias de trabalhadores. Lutas e conquistas marcam os novos cenrios desbravados pela mulher na sociedade. Elas continuam cumprindo diversas jornadas, pelo fato de serem me, mulher, trabalhadora e cidad, com talento, habilidade e competncia; esto envolvidas em diversas instncias - na poltica, na indstria, na administrao e nos servios, principalmente nas reas de sade e educao. A presena preponderante de mulheres na rea de sade fato conhecido. Estima-se que cerca de 80% da ocupao do setor seja feminina - nas categorias de enfermagem, o peso relativo do gnero feminino ultrapassa esse percentual. Entretanto, como se sabe, a mulher sofre diversos tipos de discriminao sexual (sexo frgil), racial, educacional (maior restrio de acesso educao) e religiosa, o que a situa em patamares diferenciados em relao ao homem. Os dados da Relao Anual de Informaes Sociais (RAIS 1994) fornecem-nos claramente duas informaes: as mulheres, em mdia, estariam recebendo salrios mdios mensais menores que os homens; h maior concentrao de empregos do gnero feminino, comparativamente ao masculino, em faixas salariais inferiores e vice-versa h menor concentrao de empregos femininos, comparativamente aos masculinos, nas faixas superiores. Considerando-se as categorias profissionais nos servios de sade, se pensarmos apenas nas aes restritas assistncia bsica, possvel uma aproximao em relao a apenas trs, a saber: mdicos, enfermeiros e pessoal de enfermagem (incluem-se nesse grupo: auxiliar de enfermagem, visitador sanitrio, auxiliar de banco de sangue, instrumentador cirrgico, parteira prtica e atendente de enfermagem e similares). Em relao aos direitos sociais, a Constituio Federal de 1988 assegura como direitos do trabalho, dentre outros: relao de emprego protegido contra demisso arbitrria ou sem justa causa; seguro-desemprego e fundo de garantia por tempo de servio; salrio mnimo nacional unificado; dcimo-terceiro salrio; remunerao superior para trabalho noturno; participao nos lucros e excepcionalmente na gesto das empresas;41

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jornada de trabalho normal no superior a oito horas dirias e quarenta e quatro semanais; gozo de frias anual e direito a repouso semanal; aposentadoria por tempo de trabalho e idade; proteo ao trabalho da mulher e dos jovens; reconhecimento das convenes e acordos coletivos de trabalho.9 Um dos graves problemas de nosso pas so os contingentes de crianas e jovens precocemente inseridos no mercado de trabalho. Dadas as condies de pobreza e muitas vezes de misria a que so submetidos, cedo deixam de brincar e passam a ser explorados. Os postos de trabalho so, geralmente, de alto risco, como em olarias, carvoarias, oficinas mecnicas, canaviais. O Estatuto da Criana e do Adolescente define os direitos dessa parcela da populao. Mesmo vigente h alguns anos, assistimos diariamente na mdia denncias sobre a existncia de trabalho de menores de 14 anos, em todas as regies. Tal fato comprova a falta de polticas pblicas que garantam condies aos pais para que no precisem contar com o trabalho infantil como complementao da renda familiar.

A Constituio de 1988 garante em seu art. 8 a livre associao profissional ou sindical sem necessidade de autorizao do Estado. Assegura, ainda, o direito de greve a todos os trabalhadores e a presena dos sindicatos estabelecida como obrigatria nas negociaes coletivas de trabalho. Mas as conquistas referidas no captulo das polticas sociais prevem que se estruturem e adotem modelos inovadores na educao e formao profissional. Devem orientar-se por uma viso do todo, multidisciplinar, na qual a articulao do homem e do meio favoream novos conhecimentos, prticas e tcnicas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB n 9.394/ 96), aprovada em dezembro de 1996, deu incio ao projeto de reformulao da poltica nacional de educao. Redefiniu os papis e as responsabilidades dos sistemas educacionais federal, estadual e municipal -, delegando maior autonomia escola e permitindo o desenvolvimento de contedos curriculares conforme a realidade de cada regio ou escola. Segundo informaes do Ministrio da Educao, em 1999 contabilizou-se cerca de 53 milhes de estudantes, em todos os nveis da educao bsica (educao infantil, fundamental e mdio) e modalidades (educao de jovens e adultos e educao especial), alm da educao superior (graduao e ps-graduao). Em 1970, o nmero de estudantes era de 28,1 milhes; em 1991, 39,8 milhes: em 1998, 49,8 milhes.42

9 Girardi, 1995.

P OFAE RHouve tambm progresso do ponto de vista pedaggico. A taxa de repetncia, embora ainda elevada, diminuiu no ensino fundamental de 30,2%, em 1995, para 23,4%, em 1997; no ensino mdio, atingiu 26,7% em 1995, declinando para 18,7% em 1997, conforme informaes do Ministrio da Educao12. Falar em condies de trabalho, seja da mulher, da criana, do adolescente ou de qualquer trabalhador, significa refletir sobre as condies de vida e de sade, conseqentemente, sobre qualidade, modos e estilos de viver das populaes. Particularmente em pases como o Brasil e outros da Amrica Latina, a pssima distribuio de renda, o analfabetismo e o baixo grau de escolaridade, assim como as condies precrias de habitao e ambiente, tm um papel muito importante nas condies de vida e sade, ressalta Buss.10 inegvel a forte relao existente entre os problemas sanitrios que afetam as comunidades e o meio ambiente. Exemplo tpico a diarria - com mais de 4 bilhes de casos por ano, a doena que mais aflige, na atualidade, a humanidade. Conforme relata Nassif 11, a partir de informaes do Ministrio da Sade, a cada 24 horas morrem no Brasil 20 crianas, devido falta de saneamento bsico, especialmente esgoto sanitrio, e que 25% dos 41,8 milhes de domiclios brasileiros no so atendidos por rede de abastecimento de gua, 55% no tm acesso a esgoto sanitrio, ou seja, 88 milhes de brasileiros no so assistidos por esgoto sanitrio. Os problemas desastrosos e degradantes, indicados por essas informaes, associados a outros relativos a informao, educao, hbitos, cultura, participao popular, controle social, etc., dificultam a melhoria na qualidade de vida, apesar de estarmos ingressando no sculo XXI. Portanto, na articulao entre trabalho e economia, educao e sade, homem e ambiente, com vistas qualidade de vida da populao em geral, faz-se necessrio questionarmos nossa participao como trabalhadores com colegas, vizinhos, parentes e outros atores sociais responsveis por assegurar e manter a vida com qualidade no planeta.

5- REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAbranches, SH, Santos, W, Coimbra, MA. Poltica social e combate pobreza. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1987. Anexo I. Alencar, MMT. A poltica de atendimento infncia e juventude no Brasil, no contexto neoliberal. Em Pauta: Revista da Faculdade de Servio Social da UERJ, 1996.43 10 Buss, 2000. 11 Nassif, 2000. 12 Rev. Jornal do Brasil, 2000.

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Estudos Regionais Bodstein, RCA. Complexidade da ordem social e contempornea e redefinio da responsabilidade pblica. In: Rozenfeld, Suely (Org.). Fundamentos da Vigilncia Sanitria. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ (pp. 63-97). BRASIL. Ministrio da Sade. Estatuto da Criana e do Adolescente, 1998. BRASIL. Indicadores e Dados Bsicos IDB. Rede Interagencial de Informaes para a Sade, OPAS/OMS, 1997. BRASIL. Ministrio da Sade. Lei Orgnica da Sade Lei n 8.080/90. BRASIL. Ministrio da Sade. Norma Operacional Bsica NOB 01/96. Portaria n 2.203, de 5 de novembro de 1996. BRASIL. Ministrio do Trabalho. Relao Anual de Informao Social. 1994. Buss, P. Qualidade de vida e sade. Cincia e Sade Coletiva. ABRASCO. V. 4, n 1. 2000. Carvalho, GI, Santos, L. Aspectos jurdicos da gesto de servios de sade no Brasil. So Paulo, [s.d.]. Mimeografado. Castro, MHA. Educao desata, um a um, seus muitos ns. Revista Jornal do Brasil. Educao 2000. 25 de junho de 2000. Dallari, DA. O que so direitos da pessoa. 5a ed. Coleo Primeiros Passos. So Paulo: Brasiliense, 1985. Froft, EL. Antrologia cultural e social. 2a ed. So Paulo: Cultrix, 1983. Gentile, M. Os desafios do municpio saudvel. Programao da Sade/Municpio Saudvel: Ministrio da Sade, no 1, ago./out. 1999. Girardi, SN. A situao atual dos recursos humanos em sade no Brasil. Relatrio Final. Belo Horizonte, jun. 1995 (mimeografado). Guimares, R, Tavares, R. Sade e sociedade no Brasil anos 80. In: ABRASCO; IMS/UERJ. Rio de Janeiro. Relume Dumar, 1994. Lacaz, FAC. Prioridade para quem produz. Revista Radis Tema, n 15, out. 1997. Klintowitz, J. Como salvar nossas crianas. Veja, set. 1999, pp. 116-121. Manzini-Covre, ML. O que cidadania. Coleo Primeiros Passos. So Paulo: Brasiliense, 1991. Mdici, AC. Mercado de trabalho em sade no Brasil: desafios para os anos noventa. In: Ministrio da Sade. II Conferncia Nacional de Recursos Humanos para a Sade: textos apresentados. Cadernos RH. Ano 1, V. 1, n 3. Braslia: 1993. Mendes, EV. et al. Distrito sanitrio: o processo social de mudana das prticas sanitrias do Sistema nico de Sade. Rio de Janeiro: Hucitec; ABRASCO, 1993. Nassif, L. Problema de saneamento no contbil. Jornal do Brasil. 22 de outubro de 2000. Salgado, MA. Envelhecimento populacional: desafio do prximo milnio. Revista da Terceira Idade, no 14, So Paulo, 1988, pp. 31-37. Silva, EMA. Alguns aspectos das relaes familiares dos adolescentes da comunidade de Rio Pequeno/Jacarepagu. UERJ, 1995. Silva, JA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9a ed. So Paulo: Malheiros Editores, 1992.44

H igieneflxa e Pro i a i

P OF AE RNDICE

1 2

Apresentao Higiene individual e coletiva 2.1 Responsabilidade pessoal versus responsabilidade governamental Sade, meio ambiente e educao 3.1 Problemas decorrentes da urbanizao A sade, o trabalho e o trabalhador 4.1 A busca de qualidade de vida no trabalho 4.2 Auxiliar de enfermagem: um trabalhador da sade Vigilncia sanitria 5.1 Vigilncia sanitria: um trabalho a muitas mos 5.2 O papel do municpio 5.3 Atuao da vigilncia sanitria Saneamento 6.1 6.2 6.3 6.4 6.5

4950 51

3

51 53

4

55 58 59 61 62 63 64

5

6

65

Sistemas de abastecimento de gua Esgotamento sanitrio O lixo e o controle de vetores Destino do lixo Reciclagem do lixo

67 67 68 69 69

7 8

Educao em sade Referncias bibliogrficas

70 70

47

Identificando a ao educativa

P OF AE R

Higiene eProfilaxia Profilaxia

1- APRESENTAO

Em um primeiro momento, desenvolvemos os contedos de forma a apresentar os fatores pertinentes ao conceito de higiene. Logo aps, observamos, em uma perspectiva histrica, de que forma a humanidade vem enfrentando as doenas, bem como a importncia da sade, do meio ambiente e da educao na profilaxia das mesmas. A seguir, abordamos o tema da sade do trabalhador e sua associao com o adoecimento. Posteriormente, enfatizamos como o governo controla, pelas prticas de vigilncia sanitria, as condutas humanas, de modo a que no venham causar riscos sade. Por fim, discutimos as alternativas para melhorar a qualidade de vida mediante medidas especficas de utilizao e tratamento da gua e esgoto - e de que modo podemos dar melhor destino ao lixo, visando a preveno de doenas. O contedo foi elaborado com a pretenso de que, ao final do estudo, o aluno adquira a compreenso de que a sade, mais que o noadoecimento, conseqncia da relao estabelecida entre o homem e o meio ambiente.49

O

presente texto de Higiene e Profilaxia visa contribuir para a formao do auxiliar de enfermagem. Ao estud-lo, este profissional apreender os componentes envolvidos nas medidas de manuteno e controle da sade.

2

Higiene e Profilaxia

Objetivamos fornecer noes bsicas de higiene e profilaxia para possibilitar a esse profissional melhor aptido em sua atuao, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo.

2- HIGIENE INDIVIDUAL E COLETIVAnicialmente, discorreremos sobre os principais meios de que dispomos para ter ou manter uma sade adequada, tanto individual como coletivamente, segundo uma perspectiva que privilegia a sade da coletividade. Muitas pessoas acreditam que para se ter sade basta manter uma boa alimentao e evitar vcios que afetam o organismo. Outras, que a sade depende de acesso a bons servios de prestao de assistnci