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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Rio de Janeiro 2017
O CÉREBRO E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA
LEITURA E ESCRITA NA CRIANÇA
ORIENTADORA:
Prof.ª. Dra. Marta Pires Relvas
Kathleen Floriano de Souza Irizaga
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UTORAL
O CÉREBRO E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA
LEITURA E ESCRITA NA CRIANÇA
Apresentação de monografia à AVM como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Neurociências Pedagógicas. Por: Kathleen Floriano de Souza Irizaga
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Rio de Janeiro 2017
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe e ao meu pai, por minha vida.
À professora Marta Relvas pela excelência com que
trouxe a Neurociência em cada ensinamento, para
mim.
À equipe de professoras e professores do curso de
Especialização em Neurociência Pedagógica da
AVM, que oportunizou novas conexões neurais em
minha vida.
Às amigas e aos amigos que sempre me incentivam
a ampliar meus horizontes e aprendizados
acadêmicos.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu marido e companheiro de tantos
anos, Márcio, por todo o apoio emocional, financeiro e
presença certa ao meu lado ou ao lado das crianças, para
que eu pudesse realizar este curso.
Ao primogênito Maurício, por ser o filho que me desperta
diferentes desafios maternos e profissionais.
À filha Manuela, por ser a filha que me apoia e comigo tece
caminhos e oportunidades em nossos futuros.
Ao caçula, Pedro Bernardo, por ser o filho que veio para
trazer energia, amor, sabedoria e companheirismo na vida da
nossa família.
Ao filho Freddy e às filhas: Meggy, Fridda e Zidda, por terem
sido quem foram e quem são e trazerem muito amor para
minha vida também.
RESUMO
A presente monografia tem como objetivo apresentar como ocorre o processo
de alfabetização no cérebro da criança.
É sabido que os processos de aprendizagem da leitura e escrita acontecem no
início do período da escolarização das crianças, mas não se costuma
aprofundar pesquisas a nível de sua relação com a neurociências.
Aprender a ler e a escrever é produto da linguagem no processo de
comunicação cultural, que inicia nos olhos, temo seu funcionamento e
estruturação nas áreas de Broca e Wernicke, estendendo-se para outras
regiões cerebrais que executam movimentos corporais e o processo cognitivo
em si.
O estudo deste aprendizado está relacionado com a elucidação de como o
cérebro estabelece condições e promove o desenvolvimento de tais processos.
Visa responder à pergunta: “Como o cérebro aprende a ler?” e investigar o
percurso da estruturação de aprendizagem nos conhecimentos de leitura e
escrita.
Por fim, pretende apresentar os aportes estudados como possíveis
contribuições da Neurociência para o entendimento e fluidez do processo de
Alfabetização das crianças.
Palavras-chave: Leitura, Escrita, Linguagem, Alfabetização, Cérebro, Neurociência
METODOLOGIA
A presente monografia trata-se de uma revisão bibliográfica, na qual o objetivo
foi buscar substrato teórico para elucidar o processo de aprendizagem da
leitura e escrita na criança, através da neurofisiologia e neuroanatomia.
O procedimento técnico foi realizado através da leitura de capítulos e livros,
que, de alguma maneira, pudessem revisitar o assunto estudado e visassem
contribuir para uma conversa entre diferentes autores a respeito da temática
central investigada.
Dentre estudiosos das áreas retratadas, foram consultadas referências como
Stanislas Dehaene, Marta Relvas, Margaret J. Snowling, Frank Smith, Emilia
Ferreiro, Mark Bear, Roberto Lent, Ana Teberoski entre outros.
No primeiro capítulo, é apresentada a fisiologia da leitura no sistema visual.
Desde a chegada da informação na retina até a forma como é ambientada a
percepção da mesma. Faz referência também ao contexto do estímulo
adequado para que os olhos possam executar a função de leitura.
O capítulo II traz as áreas do cérebro que estão diretamente relacionadas com
a estruturação de leitura e escrita juntamente com o papel da linguagem e da
comunicação neste cenário.Relatando estudos e definições de estudiosos a
respeito deste contexto.
No terceiro capítulo, é abordada a Alfabetização e a Neurociência, referindo a
aprendizagem da leitura, novos conhecimentos e comportamentos como
produtos cognitivos desta integração. A alfabetização é discutida à luz de
aportes neurocientíficos, apresentando de que maneira o cérebro das crianças
constrói os processos de leitura e escrita.
A intenção do presente registro é a de que os estudos investigados possam
contribuir para com práticas pedagógicas escolares. Nas quais seja possível
compreender a fisiologia do cérebro que aprende a ler e escrever e criar
possibilidades de viabilizar desafios para estudos de Neurociências e
Alfabetização nas salas de aula.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
A Leitura e a Visão 10
CAPÍTULO II
O Cérebro e os Processos de Leitura e Escrita 20
CAPÍTULO III
Alfabetização e Neurociências 33
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA 45
ÍNDICE 47
ÍNDICE DE FIGURAS 49
8
INTRODUÇÃO
Segundo Dehaene (2012), ao principiar uma leitura não se tem
consciência da extraordinária proeza que o cérebro está realizando. No
momento em que se lê, os olhos percorrem a página com movimentos precisos
e rápidos. A leitura é exemplo das atividades culturais que a espécie humana
criou numa dezena de milhares de anos.
Para Coltheart (2013), ler é processar informações, transformando
escrita em fala ou escrita em significado. Refere que qualquer pessoa que
tenha aprendido a ler terá, então, adquirido um sistema mental de
processamento de informações que permitir-lhe-á, realizar tais transformações.
Quando diante de uma criança em processo de construção de sua
leitura, é costume ater-se nas questões sociais, cognitivas, exitosas ou
fracassadas dos resultados. Na escola e culturalmente, não se costuma
estudar a alfabetização com todas as suas nuances fisiológicas, internas de
cada indivíduo (Ferreiro & Palacio, 1987).
A criança que aprende a ler e escrever no início de suas vivências
escolares estrutura novos pensamentos e comportamentos. Ela torna-se apta
para interagir com sua cultura no que diz respeito aos códigos de escrita e
representação gráfica de sua língua materna ou idioma de local onde aprende
(Ferreiro & Teberosky, 1985).
São questionados aspectos positivos e negativos deste processo
construtivo e executivo das atividades cognitivas em alfabetização, pois existe
a preocupação de se estar provocando perdas em outros setores primordiais
para o desenvolvimento da criança como, por exemplo, o seu tempo de viver o
lúdico desprovido de formalidades. Por outro lado, impedir e, ou negar
estímulos para a criança que deseja aprender, é também fator que vem a ser
prejudicial para ampliar suas possibilidades. A oportunização de estímulos é
favorável quando a criança manifesta interesse e suas estruturas internas lhe
9
permitem romper cada vez mais, barreiras e desafios para seus aprendizados
(Relvas, 2012).
O processo de construção da leitura e escrita pode ser estruturado
em bases firmes se elaborado juntamente com conhecimentos sobre a
fisiologia e entendimento das etapas contempladas à luz da Neurociência.
Neste sentido, atividades e avaliações podem tornar-se aliadas ao trabalho
educacional realizado em sala de aula (Bear, 2008).
10
CAPÍTULO I
A LEITURA E A VISÃO
A leitura é um exemplo das atividades culturais surpreendentemente
diversas que a espécie humana criou numa dezena de milhares de anos. Por
uma primeira vista, um fosso parece separar as invenções culturais da biologia
do cérebro. Esta razão explica, por exemplo, porque as questões como
aprendizagem da leitura são raramente colocadas em termos biológicos, afirma
Dehaene (2012).
Para Bear (2010) a visão é um sentido que nos permite detectar
coisas tão minúsculas e próximas como um mosquito pousado na ponta de
nosso nariz, ou tão imensas e distantes como uma galáxia nos confins do
universo. Já a sensibilidade à luz capacita animais, entre eles os humanos, a
detectar presas, predadores e parceiros do sexo oposto.
Segundo Lent (2010), o sentido da visão é proporcionado aos
animais, pela interação da luz com receptores especializados que se
encontram na retina. Seria como um filme situado dentro de um órgão, o olho,
que atua otimizando a formação de imagens focalizadas e precisas dos objetos
do mundo exterior.
É na retina que a imagem projetada, provoca uma reação de
transdução fotoneural nos receptores, gerando um potencial receptor que
então, provoca nas células seguintes da retina outros potenciais bioelétricos. A
informação visual codificada pelo sistema visual percorre vias paralelas da
retina ao tálamo e dele ao córtex, que são especializados no processamento de
aspectos específicos da cena visual.
Cada leitor dispõe de um captor: o olho e sua retina. As palavras aí
se fixam sob a forma de manchas de sombra e luz, as quais devem ser
decodificadas sob a forma de signos linguísticos compreensíveis. Desta forma,
a informação deve ser extraída, destilada, depois recodificada em um formato
que restitua a sonoridade e o sentido das palavras. Sem que se tenha
11
consciência, o cérebro realiza uma série de operações sofisticadas cujos
princípios começam somente a ser compreendidos.
Para Dehaene (2012), quando entra na retina, a palavra é
esfacelada em milhares de fragmentos: cada porção de imagem da página é
reconhecida por um fotorreceptor distinto. A dificuldade consiste em reunir
estes fragmentos a fim de decodificar as letras sob processo, a ordem na qual
são apresentadas, e a palavra em questão.
Em todos os indivíduos, em todas as culturas do mundo, a mesma
região cerebral, com mínimas diferenças de milímetros, atua para decodificar
as palavras escritas. Independentemente do idioma, seja a leitura em francês
ou chinês, a aprendizagem da leitura percorre sempre um circuito idêntico.
O cérebro se adapta ao ambiente cultural, não absorve cegamente
tudo o que lhe é apresentado em circuitos virgens hipotéticos, mas converte a
outro uso as predisposições cerebrais já presentes. Ele não é uma tabula rasa
onde se acumulam construções culturais, e sim, um órgão fortemente
estruturado que faz o novo com o velho.
A anatomia da leitura tem o tratamento da escrita iniciado no olho.
Para Dehaene (2012), é somente no centro da retina, chamado de fóvea, que
possui uma resolução suficientemente elevada para reconhecer os detalhes
das letras. Assim, desloca-se o olhar sobre a página de maneira a identificar, a
cada pausa do olho, uma palavra ou duas. A cadeia de letras deve ser
reconstituída antes de ser reconhecida, pois é desmembrada em milhares de
fragmentos pelos neurônios da retina.
O sistema visual extrai de forma progressiva o conteúdo dos
grafemas, sílabas, prefixos, sufixos e radicais das palavras. Neste sentido,
entram em cena duas vias paralelas de tratamento: a via fonológica e a via
lexical. A primeira permite a conversão da cadeia de letras em sons da língua
(fonemas). A outra permite acessar o que seria um dicionário mental onde está
armazenado o significado das palavras.
Reconhecer uma palavra consiste, primeiramente, em analisar essa
cadeia das letras e então descobrir as combinações das letras (sílabas,
12
prefixos, sufixos, radicais das palavras), para enfim associá-las aos sons e aos
sentidos.
1.1. Os Olhos e a Leitura
O sistema visual dos mamíferos começa no olho. Nos humanos cujo
sentido da visão não apresenta comprometimento ou incapacidades, os olhos
são os elementos essenciais para o início do processo da realização da leitura.
São eles os responsáveis pelos movimentos oculares. O olho é o órgão
especializado para a detecção, localização e análise da luz.
O olho coleta raios de luz emitidos ou refletidos por objetos no
ambiente e os focaliza sobre a retina para formar imagens. A focalização dos
objetos, por sua vez, envolve os poderes combinados de refração da córnea e
do cristalino. Inclusive, surpreende saber que é a córnea, e não o cristalino, a
lente responsável pela maior parte de refração dos olhos.
No fundo do olho (figura 1 - A) encontra-se a retina. Tudo começa na
retina, local onde vêm se projetar os fótons reenviados pela página. A região
central dela, denominada fóvea, é rica em células fotorreceptoras de resolução
muito alta, os cones, que convertem energia luminosa em atividade neural. A
retina é efetivamente uma porção do encéfalo. Dehaene (2012) afirma que esta
região ocupa cerca de quinze graus do campo visual eé a única zona
realmente útil para a leitura.
É só ela que capta as letras com detalhes suficientes para
reconhecê-las. Se os detalhes faltam, seja após uma lesão da retina ou após
uma lesão das áreas cerebrais visuais, ou após um artifício experimental que
mascare seletivamente a região da fóvea, a leitura se torna impossível.
Segundo Bear (2008), a informação extraída pela retina é analisada
pelo sistema visual central. A via que participa da percepção visual consciente
inclui o núcleo geniculado lateral (NGL) do tálamo e o córtex visual primário,
também chamado de área 17, VI ou córtex estriado. A informação que
converge através dessa via geniculocortical é segregada em canais separados
13
(paralelos) de processamento, por neurônios especializados na análise de
diferentes atributos do estímulo.
Figura 1: O desenho A mostra as principais estruturas que compõem o olho
humano (representado em corte). Em B, o olho se encontra acomodado para o infinito ou para
um ponto distante, e o cristalino estirado (à esquerda e ao centro); quando o objeto se
aproxima (à direita), o cristalino se torna mais curvo e globoso, para manter o foco
(acomodação para perto).
Fonte: (LENT, 2010, p. 305)
A razão pela qual se move incessantemente os olhos no curso da
leitura está relacionada com a estreiteza da fóvea. Ao orientar o olhar, faz-se
um tipo de “escaneamento” do texto a ser lido, com a ajuda da parte mais
sensível do captor visual, a única capaz de discriminar finamente as letras.
O texto não é percorrido de forma contínua, ao contrário, os olhos se
deslocam em pequenos movimentos discretos, por sacadas. Efetuam-se,
quatro ou cinco por segundo, a fim de trazer palavras à fóvea. (Dehaene,
2012).
14
1.1.1 O sistema visual central
A via neural que sai do olho, a começar pelo nervo óptico, é
chamada de projeção retinofugal. Em neuroanatomia, é definido como uma
via que se dirige para fora de uma estrutura (Bear, 2010).
Os axônios das células ganglionares que partem da retina passam
através de três estruturas antes de estabelecerem suas sinapses no tronco
encefálico. Os componentes dessa projeção retinofugal, são na ordem do
percurso: nervo óptico; quiasma óptico; tracto óptico.
Os nervos ópticos deixam tanto o olho direito, quanto o olho
esquerdo, a partir da papila do nervo óptico, viajam através do tecido gorduroso
por trás dos olhos em suas cavidades ósseas chamadas de órbitas e passam
através de orifícios na base do crânio.
São os nervos ópticos de ambos os olhos que se combinam para
formar o quiasma óptico. No quiasma óptico, os axônios que se originam nas
porções nasais das retinas cruzam de um lado para outro. O cruzamento de um
feixe de fibras de um lado do cérebro para outro é chamado de decussação.
Quando os axônios originados nas retinas nasais cruzam, diz-se que uma
decussação parcial da projeção retinofugal ocorreu no quiasma óptico.
Após a decussação parcial no quiasma óptico, os axônios das
projeções retinofugais formam os tractos ópticos, que correm logo abaixo da
pia-máter ao longo das superfícies laterais do diencéfalo.
1.2. Os Movimentos Oculares e a Leitura
Alguns dos estudos experimentais sobre o processo de leitura
envolviam mensurar os movimentos oculares. Enquanto alguns pesquisadores
se interessavam pelos movimentos oculares em si e usavam teste de leitura
como um meio para estudar o sistema oculomotor, outros optavam por
considerar os movimentos oculares como ferramenta para estudar algum
aspecto do processamento linguístico.
15
Para Rayner et al. (2013), desde 1975, existe uma consciência
crescente de que os movimentos oculares fornecem informações muito
importantes sobre o processamento a cada momento durante a leitura.
As pesquisas sobre movimentos ocularesconcentram-se nas
seguintes questões:
- espaço perceptual durante a leitura
- quanto os leitores se beneficiam com uma visão prévia das
palavras à direita de uma palavra fixada durante a leitura (chamado de
benefício da previsão)
- controle dos movimentos oculares durante a leitura.
Há também outras duas questões importantes com relação à
pesquisa sobre os movimentos oculares:
a) Alguns pesquisadores se interessam principalmente pelos
movimentos oculares em si e usam o teste de leitura como um meio para
estudar o sistema oculomotor;
b) Outros pesquisadores usam os movimentos oculares como
ferramenta para estudar algum aspecto do processamento linguístico. Este
grupo tende a não detalhar os movimentos oculares em si.
Rayner et.al. (2013) afirma que é importante ter um grau de
compreensão da pesquisa das duas abordagens, tendo em vista que as
variáveis oculomotoras de nível inferior influenciam o processamento no nível
superior e vice-versa.
Ainda que se tenham coletados muitos dados sobre os movimentos
oculares na leitura, talvez a tendência recente mais importante seja o
desenvolvimento de modelos sofisticados do controle do movimento ocular
para simular o desempenho na leitura (fig. 2).
Enquanto se realiza a leitura, tem-se a impressão de que os olhos
voam sobre a página. No entanto não é uma impressão correta, pois, eles
alternam-se entre períodos quando estão relativamente estáveis (chamados
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fixações, que duram em geral por volta de 200-250ms) e quando estão se
mexendo (chamados sacadas, que geralmente duram apenas 20-40ms).
Quando se lê, os olhos avançam do texto da esquerda para a direita
ao longo da linha. No final da linha, os leitores mudam os olhos para o começo
da próxima linha (por uma varredura de retorno). Esta varredura muitas vezes é
imprecisa e resulta em um impulso além do começo da linha, seguido por uma
sacada corretiva rápida (para trás).
Figura 2: Os movimentos sacádicos são comandados pelo córtex frontal e pelo
colículo superior (neurônios vermelhos) através da formação reticular pontina do lado oposto.
Os neurônios desta (em azul) projetam aos núcleos motores do globo ocular.
Fonte: (LENT, 2010, p. 438)
Outra consideração importante é a de que leitores hábeis movem
seus olhos para trás no texto para olhar palavras já processadas. São
chamadas regressões e formam por volta de 10 a 15% das fixações que os
leitores hábeis fazem. Essas regressões não são particularmente bem
17
compreendidas, mas costuma-se pressupor que reflitam dificuldades de
compreensão.
A natureza dos sistemas de escrita influencia os movimentos
oculares. Leitores hábeis fazem fixações mais curtas, sacadas mais longas e
menos regressões do que os leitores menos habilidosos (Rayner, 2013). À
medida que aumenta a habilidade em leitura, diminui a duração das fixações,
aumenta o comprimento das sacadas e diminui a frequência das regressões.
Leitores com transtorno fazem fixações mais longas, sacadas mais
curtas e mais fixações e regressões do que leitores com desenvolvimento
típico. Em decorrência disso, pode-se pressupor que às vezes, falhas nos
movimentos dos olhos causam problemas de leitura e dislexia. No entanto,
movimentos oculares menos fluentes refletem as dificuldades que leitores com
transtorno têm para entender o texto que estão lendo.
Os movimentos oculares passaram a ser reconhecidos com um dos
melhores modos de estudar o processamento da linguagem momento por
momento (Rayner, 2013).
Existem duas decisões importantes que os leitores fazem
(inconscientemente) quando movem seus olhos para ler: quando mover os
olhos e para onde mover os olhos. A decisão do “onde” conta com o
comprimento da palavra sendo um fator importante que afeta a decisão para
onde os olhos se movem na leitura.
Geralmente os leitores fixam entre o começo e o centro da palavra.
Rayner (2013) denominou essa localização como localização preferencial de
visualização. O local onde o leitor fixa a palavra também está relacionado com
aonde a sacada é lançada.
A decisão do “quando” está fortemente relacionada com as
propriedades do texto que está sendo processado. A quantidade de tempo
gasto na leitura da palavra está intimamente relacionada com variáveis lexicais,
sintáticas e discursivas.
A frequência com a qual uma palavra ocorre na linguagem, afeta a
duração das fixações sobre as palavras. A familiaridade de uma palavra afeta
18
os tempos de fixação sobre as palavras, mesmo quando a frequência é
controlada por meios estáticos ou experimentais (Rayner, 2013).
Os movimentos oculares têm sido uma fonte importante de
informações sobre os processos de leitura desde 1975. Existem muitas razões
pra que esta tendência continue, pois os movimentos oculares proporcionam
uma janela para analisar os processos cognitivos que os leitores usam no
processo da compreensão de texto.
É surpreendente, apenas, que haja tão pouca pesquisa sobre os
movimentos oculares de crianças e sobe os movimentos oculares durante a
leitura oral. Uma parte do problema com leitores iniciantes se deve ao fato de
que a maioria dos sistemas de acompanhamento do olho, até recentemente,
não é particularmente adequada para uso com crianças.
1.3. Visão e Percepção
A percepção visual, que se trata da tarefa de identificar e dar
significado a objetos no espaço requer a ação sincronizada de muitos
neurônios corticais. Não há precisão de respostas para explicar quais
neurônios de quais áreas corticais são responsáveis pela percepção.
A leitura coloca problema para a percepção visual, quando aparece
proposta a ser realizada sob diferentes formatos e caracteres. Ler é saber
identificar todas as palavras, sejam elas escritas em letra de imprensa,
manuscritas, em maiúsculas ou minúsculas e em todos os tamanhos de fontes,
refere Dehaene (2012, p.32). Ele diz ainda que: “trata-se de localizar o que não
varia – a sequência das letras – a despeito das mil e uma formas que possam
assumir os caracteres.” Fator este determinado como “invariância perceptiva”.
O sistema visual de um bom leitor é de uma eficácia formidável para
filtrar e rejeitar uma quantidade de variações que não são pertinentes à leitura,
tais como diferença entre “R” e “r”. Seria simples pensar que ele se contenta
em simplificar as formas, mas pelo contrário, ele deve frequentemente
preservar e mesmo ampliar os detalhes muitas vezes minúsculos que
diferenciam duas palavras muito próximas.
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A pesquisa em Neurociências é iniciante, neste sentido. No entanto,
observações básicas sobre os campos receptivos podem dar uma ideia acerca
de como se estabelece a percepção, afirma Bear (2008).
Se comparadas as propriedades dos campos receptivos de
neurônios em diferentes pontos do sistema visual, pode-se ter alguma noção
acerca das bases da percepção. Os campos receptivos dos fotorreceptores são
simplesmente pequenos segmentos na retina, enquanto aqueles das células
ganglionares da retina têm uma estrutura organizada em centro-periferia.
As células ganglionares são sensíveis à variáveis como contraste e
comprimento de onda da luz. É no córtex estriado que são encontrados
campos receptivos simples e complexos, que têm diversas novas propriedades,
incluindo seletividade de orientação e binocularidade.
A visão envolve a percepção de numerosas propriedades distintas
dos objetos como: cor, forma, movimento. E essas propriedades são
processadas em paralelo por diferentes células do sistema visual.
Processar estas informações, requer uma segregação estrita dos
sinais de entrada no tálamo, alguma convergência de informação no córtex
estriado e então uma divergência maciça de informação, à medida em que
essa passa para áreas corticais superiores.
Bear (ib. id, p. 340) ressalta ainda que a natureza da forma
distribuída do processamento cortical da informação visual é enfatizada quando
se considera que os sinais de saída em um milhão de células ganglionares
podem recrutar a atividade de bem mais de um bilhão de neurônios corticais
nos lobos occipital, parietal e temporal.
De alguma forma, toda esta atividade cortical distribuída se combina
para formar uma percepção única, no mundo visual. Os princípios básicos de
organização deste sistema como: processamento paralelo, mapeamento
topográfico de superfícies sensoriais, relés sinápticos no tálamo dorsal,
módulos corticais e múltiplas representações corticais, são também
características relativas à audição e ao tato.
20
CAPÍTULO II
O CÉREBRO E OS PROCESSOSDE LEITURA E
ESCRITA
O cérebro é a parte mais desenvolvida do sistema nervoso central.
Nele há regiões específicas que contribuem e estão organizadas para a
realização da leitura. Conforme Dehaene (2012):
Já em 1892, o neurologista Joseph-Jules Déjerine descobre que a lesão de uma parte das áreas visuais do hemisfério esquerdo acarreta a perda seletiva e total da capacidade de ler. Há uma quinzena de anos, a imagem cerebral confirmou o papel essencial dessa região na leitura. Presente na mesma região em todos os indivíduos e em todas as culturas, essa área responde automaticamente às palavras escritas, mesmo quando forem apresentadas muito brevemente sem que sejam conscientemente detectadas. Em menos de quinquagésimo de segundo, ela extrai a identidade de uma palavrasem se deixar perturbar pelas mudanças superficiais de forma, de tamanho ou de posição das letras. Ela transmite em seguida o resultado dessa análise visual a dois grandes conjuntos de regiões, situadas nos lobos temporais e frontais, que representam respectivamente a sonoridade e a significação das palavras. (DEHAENE, 2012, p.69)
Depois de mais de cem anos, pesquisadores retomaram os passos
de Déjerine. Contaram com novos instrumentos de observação como a
ressonância magnética, que lhes permitiu observar in vivo as lesões. Foi assim
que observaram casos de alexia pura.
Sobrepondo imagens da autópsia do primeiro paciente aléxico
descrito por Déjerine em 1892, a lesões similares de pacientes
contemporâneos, visualizadas por ressonância magnética em 2003, foi
verificado que em ambos os casos, a parte posterior do hemisfério esquerdo
que foi lesionada. A intersecção das lesões e sua confrontação com as de
outros pacientes que não sofrem de alexia permitem isolar um lugar preciso, a
região occípito-temporal ventral, cuja lesão afeta sistematicamente a leitura. Os
pacientes aléxicos chegam por vezes até a decifrar palavras letra a letra, mas
21
seu tempo de leitura, contrariamente ao de um leitor normal, cresce com o
número de letras, pois eles perderam o reconhecimento rápido e paralelo das
palavras.
Sabe-se hoje em dia (fig. 3) que há pelo menos três formas pelas
quais as lesões podem impedir o funcionamento da região da forma visual das
palavras. A situação mais simples é quando a lesão a destrói diretamente. Mas
pode igualmente ocorrer que, em acréscimo, ela seja desconectada, desligada
das entradas visuais ou então que ela seja desconectada em curso e assim,
impedida de transmitir o resultado de seus cálculos para outras regiões
cerebrais. Em todos estes casos, o resultado é o mesmo: uma severa
incapacidade para reconhecer as palavras escritas.
Figura 3: Uma visão moderna das redes corticais da leitura.
Fonte: (DEHAENE, 2012, p. 78)
A região occípito-temporal esquerda reconhece a forma visual das
palavras. Ela distribui as informações visuais a numerosas regiões, distribuídas
por todo o hemisfério esquerdo, que estão implicadas em graus diversos na
representação do significado, da sonoridade e da articulação das palavras.
As regiões como as occipitais primárias não são específicas da
leitura: elas intervêm como primeiro passo no tratamento do sinal luminoso.
Aprender a ler, consiste, então, colocar em conexão as áreas visuais com as
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áreas da linguagem oral. Todas as interconexões entre as regiões, que são
bidirecionais, não são ainda conhecidas em detalhe.
Dehaene (2012) refere que há vinte anos, os técnicos da imagem
cerebral funcional revolucionaram o estudo do cérebro humano, permitindo
literalmente, a “leitura do cérebro”. Foi possível observar não apenas processos
de leituras em pacientes enfermos, mas igualmente nos leitores sadios. A
vantagem que esses métodos oferecem reside em sua capacidade de
visualizar diretamente a atividade numa pessoa voluntária, no próprio momento
em que ela efetua uma operação mental tal como a leitura de uma palavra.
A visão de uma palavra escrita ativa as regiões occipitais bilaterais,
que são associadas às etapas precoces da visão. O mais importante, é que a
leitura ativa igualmente uma região ventral do hemisfério esquerdo situada na
fronteira entre os lobos occipital e temporal.
A audição de uma palavra falada ativa regiões bem distintas: as
áreas temporais superiores, sede das regiões auditivas primárias e o córtex
temporal médio esquerdo, implicado na análise da fala. As associações
semânticas ativam poderosamente o córtex pré-frontal inferior esquerdo.
De todas as regiões, a região occípito-temporal esquerda parece ser
a única a ter um papel central e específico na leitura, pois é também a mesma
que a análise das lesões identifica como sede da alexia pura. Foi percebida
como a única região a ser ativada unicamente para a leitura das palavras
escritas e não para as palavras faladas.
2.1 Áreas Especializadas na Linguagem
Bear (2008) refere que a linguagem representa um sistema notável
para a comunicação e possui enorme impacto na vida das pessoas. Há
debates acerca dos animais possuírem ou não uma linguagem. No entanto,
não há dúvidas de que o sistema flexível e complexo que é utilizado seja
exclusivamente humano.
23
Para Bear (idem), mais do que sons, a linguagem é um sistema pelo
qual sons, símbolos e gestos são empregados para a comunicação. A
linguagem chega ao encéfalo através dos sistemas visual e auditivo, enquanto
o motor produz o discurso falado e a escrita. O processamento encefálico que
ocorre entre os sistemas sensoriais e motor é a essência da linguagem. Tendo
em vista que animais são de uso limitado para o estudo da linguagem humana,
por muitos anos a linguagem tem sido estudada principalmente por linguistas e
psicólogos, e não por neurocientistas. Muitos dos conhecimentos acerca dos
mecanismos encefálicos da linguagem originam-se dos estudos de deficiências
da linguagem humana resultantes de lesões cerebrais.
A linguagem é universal na sociedade humana, talvez devido à
organização especializada do encéfalo. Há estimativa de que exista cerca de
dez mil idiomas e dialetos em todo o mundo. Os idiomas diferem muito, por
exemplo, na sequência em que substantivos e verbos devem ser ordenados.
No entanto, apesar de todas as diferenças na sintaxe, todas as linguagens
transmitem as sutilezas da experiência e da emoção humanas. Muitos
cientistas acreditam que a universalidade da linguagem seja consequência do
fato de que o encéfalo humano desenvolveu sistemas especiais para o
processamento da linguagem. (idem)
Segundo Lent (2010, p. 680), todos os animais se comunicam, mas
apenas o homem fala e escreve. A linguagem humana tem uma base
neurobiológica que pode ser estudada com técnicas de imagem funcional,
métodos eletrofisiológicos e observações de pacientes neurológicas e
indivíduos normais. A fala para ser emitida ou compreendida, depende da
consulta a sofisticados dicionários mentais, os léxicons, em busca dos
fonemas, das sílabas e das palavras, da organização gramatical que lhes
confere sentido, e do seu conteúdo final. Além disso, há o conjunto de
modulações de voz, mímica facial e gestos corporais que dão o colorido afetivo
à fala humana.
Lent (idem) refere que o cérebro tem dois hemisférios, mas eles não
são iguais. Ao contrário, cada um deles tem especialidades que o outro não
24
tem: funções lateralizadas. A linguagem é a mais lateralizada das funções, já
que a maior parte de seus mecanismos é operada pelo hemisfério esquerdo na
maioria dos seres humanos. Mas há inúmeras outras funções lateralizadas,
cada uma revelando as especialidades de cada hemisfério cerebral.
Os dois hemisférios cerebrais diferentes são mantidos em
comunicação direta pelas comissuras cerebrais, as pontes de fibras nervosas
encarregadas de unificar a mente e as funções cerebrais. São elas: o corpo
caloso, as comissuras hipocampais, a comissura anterior e outras situadas no
diencéfalo e nos segmentos mais baixos do sistema nervoso central. É por
meio dessas comissuras que as funções lateralizadas do hemisfério esquerdo,
entre elas a fala, são coordenadas com as funções do hemisfério direito, como
a prosódia que confere tonalidade afetiva à fala. A ação integradora dessas
comissuras torna o indivíduo unificado pela mesma (Lent, 2010).
O sistema nervoso é assimétrico morfológica e funcionalmente,
como também são assimétricos muitos comportamentos que ele controla. A
linguagem, que a maioria dos seres humanos aprende já a partir dos primeiros
meses de vida após o nascimento, é a mais assimétrica das funções. Foi o que
o neurologista Pierre-Paul Broca (1824-1880) revelou ao mundo: um dos
hemisférios cerebrais (geralmente o esquerdo) assume essa especialidade
funcional. O outro colabora, mas o primeiro é quem dá as cartas.
2.1.1 Área de Broca e Área de Wernicke
Segundo Bear (2008), em 1863, Broca publicou um artigo
descrevendo oito casos, nos quais a linguagem estava comprometida por lesão
no lobo frontal do hemisfério esquerdo. Casos adicionais juntamente com
registros de que a fala não era comprometida por lesões no hemisfério direito,
levou Broca no ano seguinte a propor que a expressão da linguagem é
controlada apenas por um hemisfério, quase sempre o esquerdo. Esse ponto
de vista é apoiado por resultados de um procedimento mais moderno de
determinação do papel dos dois hemisférios na linguagem chamado de
procedimento de Wada, no qual um único hemisfério cerebral é anestesiado.
25
Na maioria dos casos, a anestesia do hemisfério esquerdo, mas não
a do direito, bloqueia a fala.
A região do lobo frontal esquerdo dominante, que Broca identificou
como sendo crítica para a articulação da fala, veio a ser conhecida como área
de Broca (fig.5). Seu trabalho tem significância considerável, pois foi a primeira
demonstração clara de que as funções encefálicas podem ser anatomicamente
localizadas (Bear, 2008, p.620).
No ano de 1874, segundo Bear (ibid.), o neurologista alemão
mostrou que lesões no hemisfério esquerdo, em uma região distinta da área de
Broca, também prejudicavam a fala normal. Localizada na superfície superior
do lobo temporal, entre o córtex auditivo e o giro angular, essa região é
atualmente chamada de área de Wernicke (fig.4). A natureza da afasia que ele
observou é diferente da associada à lesão da área de Broca. Tendo
estabelecido que há duas áreas de linguagem no hemisfério esquerdo,
Wernicke e outros começaram a mapear as áreas de processamento da
linguagem no encéfalo.
Bear (2008) refere que foram feitas hipóteses acerca de
interconexões entre o córtex auditivo, a área de Wernicke, a área de Broca e os
músculos necessários para a fala, e diferentes tipos de incapacidades
relacionadas à linguagem foram atribuídas a lesões em diferentes partes desse
sistema.
26
Figura 4: Pelo modelo neurolinguístico de Wernicke, o indivíduo responderia a um
interlocutor (desenho de cima) ativando em sequência as áreas auditivas (A1 e A2), a área da
compreensão de Wernicke (W), a área de expressão de Broca (B), e finalmente a área motora
primária (M1), responsável pelo comando da articulação. O indivíduo que lê em voz alta
(desenho de baixo) empregaria o mesmo circuito, mas a sua área de Wernicke seria ativada
pelo córtex visual primário (V1) e por áreas visuais subsequentes.
Fonte: (LENT, 2010, p.697)
2.2. O Papel da Comunicação na Linguagem
Segundo Lent (2010) os homens se comunicam de inúmeras
maneiras, utilizando praticamente todos os sistemas sensoriais para perceber e
interpretar os sinais que o sistema motor (de outra pessoa) produz. Tanto na
comunicação humana quanto na dos animais, há sempre dois lados: um que
emite, outro que recebe e, portanto um que expressa alguma coisa e outro que
a compreende.
Os sistemas de comunicação com regras definidas que devem ser
empregadas por um emissor para que a mensagem possa ser compreendida
pelo receptor, recebem o nome de linguagem. As modalidades da linguagem
envolvem sistemas pareados de expressão e compreensão.
Assim, quando a expressão é oral ou vocal (fala), a compreensão
ocorre principalmente pelo sistema auditivo; quando a expressão é gestual, a
compreensão é realizada pelo sistema visual. Assim sendo, quando a
expressão é escrita, é o sistema visual que possibilita a leitura. Caso a escrita
seja em Braille, é o sistema somestésico que cumpre esta tarefa.
Lent (ib. id, p.683) menciona que ao longo de sua existência, os
seres humanos criaram e conservaram vivos cerca de dez mil idiomas e
dialetos. Todos consistem em símbolos associados, segundo regras
lentamente definidas e modificadas, durante o percurso histórico de cada
cultura.
Todas as línguas têm uma modalidade falada, mas apenas algumas
têm versão escrita. Esta razão deve-se ao fato de que a fala possui uma forte
base neurobiológica inata que permite a aprendizagem logo aos primeiros
meses de vida pela escuta dos adultos falando e pela prática da emissão de
sons, enquanto a escrita é uma construção cultural cuja aprendizagem
depende de um ensino formal mais prolongado e trabalhoso.
2.2.1 A linguagem falada
Lent (2010) afirma que a linguagem falada é o principal modo de
comunicação dos seres humanos, prevalente em todas as culturas e
sociedades até hoje conhecidas. Não há grupo humano que não fale. O que
caracteriza e diferencia a fala de outras modalidades de comunicação
linguística é a produção e compreensão de sons vocais em sequência rápida,
utilizando no primeiro caso o aparelho fonador, e no segundo, o sistema
auditivo.
Segundo Lent (ib. id, p.684) os fonemas são associados e
transformam-se em símbolos de objetos e conceitos - as palavras - e estas são
também associadas em frases que tornam mais elaborados e complexos os
significados. Na escrita as palavras são separadas por espaços e na fala são
separadas por inflexões e entonações características da voz – não costuma ter
pausas entre as palavras. Estas nuances de tons de voz, acompanhadas de
gestos e expressões faciais que dão a coloração emocional da fala.
A fala expressa um pensamento. Assim sendo, a primeira tarefa
linguística do cérebro confunde-se com o pensamento, quando se busca os
significados que se quer expressar. Se o objetivo for simples, como nomear um
animal (fig. 5) que se esteja vendo, a busca de significado sobrepõe-se à
própria percepção do objeto.
No entanto, se o objetivo for mais complexo, como a descrição de
um acidente trágico presenciado recentemente, primeiro é consultada a
memória para organizar os fatos e sentimentos na mente. Em ambos os casos,
os mecanismos cerebrais necessários à fala atravessam uma fase conceitual
de planejamento, e logo a seguir uma fase de formulação.
Precisa se buscar as palavras adequadas (substantivo? verbo?
adjetivo?) e encontrar os fonemas para pronunciá-las. Em se tratando de uma
frase, é preciso ordenar as palavras de acordo com as regras sintáticas da
língua e só depois que se torna possível articulá-las (qual a pronúncia?). Nessa
sequência, o processo sempre passa por uma busca mental dos diversos
elementos da fala. (Lent, 2010, p.684)
Figura 5: Muitos processos mentais antecedem o ato de falar. No exemplo, o
indivíduo visualiza um “objeto” à distância (o gato), e para chegar a pronunciar o seu nome
precisa identificar a que categoria perceptual ele pertence, bem como encontrar as categorias
linguísticas apropriadas, antes de emitir os sons correspondentes.
Fonte: (LENT, 2010, p.688)
2.2.2 A construção de frases
Lent (2010), afirma que as frases são construídas porque se
conhece as regras do idioma, ainda que de modo intuitivo, antes mesmo de se
ter acesso à formalização que a escola fornece. Imperceptivelmente as regras
ficam armazenadas na memória de procedimentos e não se precisa pensar
para que as frases sejam emitidas corretamente (ou pelo menos
inteligivelmente). As regras sintáticas reunidas na memória de procedimentos
confundem-se com o léxicon sintático, cuja existência é suposta, mas ainda
não demonstrada.
Para os psicolinguistas a construção das frases começa com a fase
de conceitualização que ocorre quando se planeja o conteúdo da mensagem,
uma ação mental conhecida como macroplanejamento da fala. As regiões
cerebrais envolvidas como macroplanejamento ainda são desconhecidas, mas
são chamadas de conceitualizadoras, pois realizam a busca ao léxicon
semântico para encontrar os conceitos apropriados para o que se deseja
veicular.
Lent (ib. id, p. 690) refere que segue uma segunda etapa, de busca
da forma da mensagem, a formulação, que corresponde à busca de fonemas,
palavras e regras sintáticas, num processo chamado de micro planejamento,
que é a associação dos fonemas em palavras, e destas em frases apropriadas
ao conteúdo que se deseja expressar. As regiões cerebrais envolvidas nesta
etapa são consideradas formuladoras e parecem envolver a região frontal
lateral inferior, conhecida como área de Broca.
30
2.2.3 A emissão da fala
Segundo Lent (ibidem, p.691) a última etapa para a emissão da fala
é chamada articulação. É o planejamento da sequência de movimentos
necessários à emissão da voz e finalmente o envio de comandos a partir da
face para os núcleos motores do tronco encefálico, que por sua vez comandam
a musculatura facial, a língua, as cordas vocais na laringe, a faringe e também
os músculos respiratórios.
A articulação é tarefa essencialmente motora, que envolve as
regiões pré-motoras do córtex frontal esquerdo e os setores de representação
da face no giro pré-central, neste caso em ambos os hemisférios.
Neurolinguistas podem identificar essas regiões em imagens funcionais
tomadas durantes a fala de indivíduos normais, subtraídas de imagens
tomadas quando os mesmos indivíduos apenas imaginam as frases, sem
vocalizá-las. Essas regiões são em conjunto conhecidas como articuladoras.
2.2.4 A compreensão da fala
Quase sempre quando alguém fala, outro alguém ouve – nem que
seja o próprio indivíduo que fala. A via de entrada dos sinais linguísticos
falados é o sistema auditivo, assim, no início tudo se passa em comum com o
processamento auditivo dos demais sons do ambiente (Lent, 2010, p.691).
Lent (idem) refere que em certo momento do processamento
auditivo, o cérebro “descobre” que certos sons são linguísticos e “encaminha” a
sua representação neural (na forma de potenciais de ação, potenciais
sinápticos, etc.) para as regiões responsáveis pela compreensão da fala.
Assim, para se compreender o que se ouviu será preciso proceder passo a
passo, quase no sentido inverso ao da emissão da fala: identificação fonológica
– identificação léxica – compreensão sintática – compreensão semântica.
31
A consulta ao léxicon fonológico permite reconhecer os sons
característicos de cada idioma, identificando os fonemas que compõem as
palavras. O léxicon (fig.6) é um sistema de arquivamento de memórias, sendo
provável que contenha arquivos ecoicos de fonemas, palavras e até mesmo de
expressões idiomáticas ou modos de pronunciar sequências de palavras. O
léxicon semântico considera o contexto da frase, isto é, das frases anteriores e
posteriores a ela.
As regiões neurais envolvidas nestes diferentes processos de
compreensão da linguagem falada já podem ser localizadas pelos
neurolinguistas, mas eles ainda estão longe de entender os mecanismos
neurobiológicos de operação do sistema.
Figura 6. O modelo conexionista envolve a interação de diversas áreas corticais
mais restritas que as definidas por Broca e Wernicke. Surgiu da análise dos sintomas de
pacientes com lesões pequenas e permite a identificação tentativa dos sistemas postulados
pelos psicolinguistas. Ang+SM = giro angular + giro supramarginal; BP = Broca posterior; IT =
córtex inferotemporal; M1 = área motora primária; PF = córtex pré-frontal; PT = pólo temporal;
TP = córtex temporal posterior; W = área de Wernicke
Fonte: (LENT, 2010, p.698)
32
2.3. A Escrita e a Leitura
Segundo Lent (ib. id, p. 699) a linguagem escrita é uma modalidade
de comunicação criada e mantida por algumas sociedades humanas (não
todas), cuja base neurobiológica tem componentes inatos menos fortes (ou
inexistentes) do que a linguagem falada. Uma criança começa a compreender
a fala e falar alguns meses após seu nascimento, devido à exposição da fala
dos adultos e pela prática do seu próprio balbucio, no entanto, para aprender a
ler é preciso esforço social que inclui a escolarização formal e só pode ser
iniciada alguns meses após o seu nascimento.
A linguagem escrita difere da falada porque requer uma dinâmica
temporal que é essencial na falada. Diante de um trecho escrito é possível lê-lo
e relê-lo, o que não é viável na linguagem falada.
A escrita é resultado de padrões motores realizados com uma das
mãos de modo a inscrever em uma base qualquer certos símbolos (letras) que
codificam os fonemas e são chamados de grafemas. Os movimentos
necessários dependem do idioma e do meio de inscrição. Ao se usar um
teclado de computador, por exemplo, os movimentos são completamente
diferentes dos realizados usando uma caneta. Os grafemas são associados em
palavras escritas e, estas em frases.
A leitura, por sua vez, resulta de uma varredura ordenada feita com
os olhos sobre o material escrito. Os movimentos oculares da leitura podem ser
registrados e analisados. Dessa forma foi verificado que o indivíduo realiza
uma sequência de fixações e sacadas durante a leitura, sendo a percepção
interrompida durante as sacadas e reiniciada a cada fixação. Palavras longas e
palavras raras são fixadas por mais tempo. Palavras imprevistas também. Por
outro lado, algumas palavras previsíveis ou muito curtas podem ser puladas
(não fixadas), um procedimento que às vezes resulta em erros de leitura.
As palavras fixadas são geralmente as de conteúdo mais relevante,
como os substantivos e os verbos. Essas observações indicaram que os
movimentos oculares de leitura estão sob o estrito controle cognitivo. Isso
33
significa que o córtex cerebral deve estar envolvido, e de fato está, já que as
imagens funcionais registradas durante a leitura incluem o campo ocular
frontal. A leitura é favorável à utilização de técnicas experimentais de análise,
porque o modo de entrada das informações (visual) pode ser mais bem
controlado do que no caso da linguagem falada.
A análise de imagens funcionais durante a leitura detectou a
participação do córtex visual (V1 e V2), bilateralmente, de regiões visuais de
ordem superior na face lateral do hemisfério esquerdo, de regiões
perissilvianas parietais e temporais (incluindo a área de Wernicke e os giros
angular e supramarginal)
O estudo da neurobiologia da leitura é um desafio, pois se trata de
uma capacidade humana resultante da cultura e da vida social, um exemplo do
modo com que a cultura humana utiliza os circuitos cerebrais que a evolução
“pôs a sua disposição”. A escrita foi inventada há cerca de 5.400 anos pelos
babilônios, e até hoje só uma fração da humanidade é capaz de ler; portanto é
impossível que alguma área cerebral tenha se desenvolvido especificamente
para a leitura. Há de se considerar a suposição de que a leitura faz uso de uma
circuitaria cerebral disponível, talvez voltada para funções discriminativas
visuais de alta complexidade já existente entre os primatas não humanos.
(Lent, 2010, p.700).
34
CAPÍTULO III
ALFABETIZAÇÃO E NEUROCIÊNCIAS
Segundo Snowling & Hulme et.al.(2013) quando começa a escola, a
maioria das crianças já é competente em sua língua nativa e a leitura
desenvolve-se a partir dessa base. A leitura é “parasita” da fala. Aprender a ler
não é uma questão simples, pois no mínimo, envolve decompor um código que
mapeia a linguagem falada sobre a linguagem escrita. O quanto é difícil
decompor o código e o quanto ainda há para aprender antes de se chegar a
um nível adulto de proficiência são coisas que dependem de uma ampla
variedade de fatores, alguns intrínsecos e outros extrínsecos à criança.
Byrne (2013) refere que a leitura é o produto do aprendiz e do
ambiente, de modo que, considerada esta visão, o que precisa ser ensinado é
aquilo que a criança não traz para a situação de aprendizagem. Ele propõe que
uma das razões por que aprender a ler é difícil é que as crianças começam
com hipóteses incorretas sobre o que a escrita representa. Elas pensam que
estão aprendendo a ler em uma língua alfabética, isso pode confundi-las.
Conforme Ferreiro & Teberosky (1985):
Que uma criança não saiba ainda ler, não é obstáculo para que tenha ideias bem precisas sobre as características que deve possuir um texto escrito para que permita um ato de leitura. Quando apresentamos às crianças diferentes textos escritos em cartões e lhes pedimos que nos dissessem se todos esses cartões “servem para ler” ou se existem alguns que “não servem”, observamos dois critérios primordiais utilizados: que exista uma quantidade suficiente de letras, e que haja variedade de caracteres. Em outras palavras, a presença das letras por si só não é condição suficiente para que algo possa ser lido; se há muito poucas letras, ou se há um número suficiente porém da mesma letra repetida, tampouco se pode ler. E isso ocorre antes que a criança seja capaz de ler adequadamente os textos apresentados. (FERREIRO & TEBEROSKY, 1985, p. 39)
35
Cazden (1987) refere que nas discussões pedagógicas, a
aprendizagem da leitura e da escrita foi tradicionalmente considerada como um
processo psicológico, um assunto de percepção de interpretação de símbolos
gráficos. No entanto, duas dimensões adicionais da lectoescrita receberam
interesse crescente: a lectoescrita é um processo linguístico, no qual o
conhecimento das probabilidades sequenciais dos textos escritos desempenha
um importante papel (probabilidades sequenciais não somente das letras, mas
também das palavras em orações e das orações em parágrafos e em unidades
maiores de tipos particulares de textos).
Segundo Cazden (ib. id) a lectoescrita é também um processo
social, que sempre tem lugar em contextos social e culturalmente organizados
com fins tanto sociais quanto pessoais. Quando se pensa acerca da
lectoescrita nos contextos da escola e da sociedade, deve-se falar de uma
pluralidade de usos da língua escrita neste ou naquele contexto. Contexto no
sentido de qualquer coisa que afete as respostas do leitor ou do que escreve à
linguagem escrita, que é o centro da atenção perceptual imediata.
3.1. Aprendizagem da Leitura no Contexto Social da
Alfabetização
Aprender a ler requer o domínio de um conjunto complexo de
conceitos e habilidades em vários níveis de um sistema hierárquico. É possível
separar analiticamente séries de unidades imbricadas umas nas outras: a partir
dos sons não significativos representados pelas letras, até unidades
significativas progressivamente crescentes: palavras, frases, orações,
parágrafos e histórias: pode se isolar as convenções da pontuação, das
maiúsculas e da disposição da página que servem de suporte à comunicação
do significado. (Cazden, 1987)
Seria possível pensar que o processamento dos símbolos escritos
no transcurso da atividade de leitura começa necessariamente com letras e
continua depois em direção às orações e assim sucessivamente. No entanto,
36
investigações sobre leitores fluentes mostram que há processos de ordem
superior (busca de significado) que influem nos assim chamados processos de
ordem inferior (reconhecimento de palavras), ao invés de depender deles para
sua realização. Como exemplo, uma mesma palavra pode ser reconhecida
mais rapidamente se aparecer numa oração ou no texto mais adiante e não no
começo, porque o leitor tem mais informação acumulada para predizer o que a
palavra pode ser.
Para Cazden (ib. id, p.167) as crianças que aprendem a ler e a
escrever levarão consigo diferentes experiências com textos, diferentes
contextos internos, dadas as diferenças na qualidade e quantidade das
situações particulares de usos da língua escrita nas quais participaram fora da
escola. Este contexto interno e suas variações possuem várias implicações
importantes para a vida escolar. Os professores devem saber, tanto quanto
possível, a respeito do que as crianças aprenderam a partir das situações de
uso da língua escrita nas quais participaram fora da escola, em especial
àquelas experiências não realizadas com livros. Esse é o significado importante
do princípio pedagógico de “se começar do ponto onde a criança se encontra”.
Segundo Byrne (2013, p. 135): “Aprender a ler é exatamente isso,
aprender”. Essa observação bastante óbvia entra em um foco particular quando
se considera um aspecto da ideia de divisão do trabalho, que diferentes
crianças fazem contribuições de diferentes tipos ou graus, pois, seja qual for a
teoria da aprendizagem adequada para um organismo em um domínio, sempre
haverá diferenças na taxa ou na trajetória com que os indivíduos atingem o
estado final.
Para Treiman & Kessler (2013, p. 138) a pesquisa em alfabetização
se concentra na leitura, mas sem a capacidade de escrever, uma pessoa
dificilmente poderia ser chamada de alfabetizada. Uma compreensão plena do
desenvolvimento da alfabetização exige que se considere o desenvolvimento
da habilidade de escrever, bem como o desenvolvimento da habilidade de ler.
O principal objetivo da escrita é registrar ou comunicar conceitos em
um meio visual. O uso da língua humana é mais familiarizado com a escrita,
mas isso não constitui obrigatoriedade. Um primeiro passo para aprender
37
qualquer sistema de escrita é entender que a escrita não é um sistema que
registra conceitos diretamente. É um desafio aprender quais unidades da
língua são indicadas no sistema escrito, e como. Uma dificuldade que os
aprendizes de sistemas de escrita alfabéticos enfrentam é que a unidade da
língua que é representada, o fonema é abstrata.
Através de vários estudos, foi possível saber que as crianças
consideram mais difícil segmentar a fala em fonemas do que em sílabas ou
unidades intrassilábicas. O problema da segmentação pode levar a erros
ortográficos em aprendizes de sistemas alfabéticos.
Os aprendizes de sistemas alfabéticos podem, desde muito cedo,
tratar os sistemas como se representassem o nível mais acessível da fala. Para
pesquisadores do sistema de hipótese silábica, a escrita pode estar soletrando
com base nos nomes das letras em vez de sílabas. Talvez as crianças
avancem ao longo da palavra escrevendo as letras quando ouvem os nomes
das letras correspondentes na palavra (ib. id, 2013, p.147).
Ferreiro (2001, p.17) refere que os objetivos da alfabetização inicial
devem ser questionados, pois frequentemente eles se definem de forma muito
geral nos planos e programas e de uma maneira muito contraditória na prática
cotidiana e nos exercícios propostos para a aprendizagem. Diz ainda que, é
comum registrar nos objetivos expostos nas introduções de planos, manuais e
programas, que a criança deve alcançar “o prazer da leitura” e que deve ser
capaz de “expressar-se por escrito”.
As práticas convencionais fazem com que a expressão escrita se
confunda com a possibilidade de repetir fórmulas estereotipadas, a que se
pratique uma escrita fora de contexto, sem nenhuma função comunicativa real
e nem sequer com a função de preservar informação.
A referência “o prazer da leitura” leva a privilegiar um único tipo de
texto: a narrativa ou a literatura de ficção, esquecendo que uma das funções
principais da leitura ao longo de toda a escolaridade é a obtenção de
informação a partir de textos escritos. Ainda quer as crianças devam ler nas
aulas de Estudos Sociais, Ciências e Matemática, esta leitura aparece
dissociada da “leitura” que corresponde às aulas de língua. (idem)
38
A ênfase quase que exclusiva voltada para a cópia, durante as
etapas iniciais da aprendizagem, excluindo tentativas de criar representações
para séries de unidades linguísticas similares (listas) ou para mensagens
sintaticamente elaboradas (textos), faz com que a escrita se apresente como
um objeto alheio à própria capacidade de compreensão. Estando ali para ser
copiado, reproduzido sem sequer ser compreendido ou recriado.
Outro objetivo ausente dos programas de alfabetização de crianças
é o de compreender as funções da língua escrita na sociedade. É necessário
saber como as crianças chegam a compreender essas funções. As crianças
que crescem em famílias onde há pessoas alfabetizadas e, onde ler e escrever
são atividades cotidianas, recebem esta informação através da participação em
atos sociais onde a escrita cumpre funções precisas.
Por outro lado, essa informação que uma criança que cresce em um
ambiente alfabetizado recebe cotidianamente é inacessível para aqueles que
crescem em lares com níveis de alfabetização baixos ou nulos. É isso que a
escola acolhe “como sabido” que vem a ocultar sistematicamente àqueles que
mais necessitam, para que serve a língua escrita. Ocultando essa informação,
discrimina, porque é impossível obter esta informação fora dos atos sociais que
a convertem em funcional. (Ferreiro, 2001, p. 20)
Segundo Ferreiro (idem) a maioria das escolas apresenta a escrita
como “um objeto em si”, importante dentro da escola, já que regula a promoção
ao ano escolar seguinte e também importante “para quando crescer”, sem que
se saiba na realidade de que maneira esse “saber fazer” estará ligado à vida
adulta como prestígio social (?), condições de trabalho (?), acesso a mundos
desconhecidos (?). A escola (como instituição) se converteu em guardiã do
objeto social que é a língua escrita e solicita do sujeito em processo de
aprendizagem, uma atitude de respeito cego diante deste objeto, que não se
propõe como um objeto sobre o qual se pode atuar, mas como um objeto para
ser contemplado e reproduzido fielmente, sem modificá-lo.
Smith (1989, p. 85) aponta que o acesso à informação visual é uma
parte importante necessária da leitura, mas insuficiente. O conhecimento da
linguagem relevante é essencial para a leitura, mas não se pode esperar
39
encontrá-lo na página impressa. Ao contrário, este conhecimento é informação
que cada pessoa deve possuir, por trás dos globos oculares. Ele pode ser
distinguido da informação visual que passa através dos olhos se for
considerado como informação não-visual ou “conhecimento prévio”.
3.2. Cérebro e alfabetização
Maia (2011, p. 31) refere que o aprendizado escolar é um processo
que requer prontidões neurobiológicas, cognitivas, emocionais e pedagógicas,
além de estímulos apropriados. O meio social em que vive imersa a criança,
como família e escola, também determinarão a natureza e a qualidade de seu
aprendizado.
Segundo Maia (idem) as funções cognitivas são o conjunto de
funções cerebrais básicas que permitem a recepção e o processamento de
estímulos (tanto externos quanto internos) e as respostas aos mesmos. Em
conjunto representam o que comumente se atribui ao pensamento,
possibilitando a elaboração do raciocínio e da emoção, atributos que
encontram sua máxima expressão na espécie humana. Estas funções são
expressão do córtex cerebral em estreita relação com diversas estruturas
encefálicas subcorticais e aferências sensoriais.
Diante de uma atividade, a criança realiza quatro grandes etapas
cognitivas durante qualquer processo de aprendizagem:
• Recebe a informação, dando-lhe um significado
(PERCEPÇÃO);
• Registra essa informação, pelo menos de forma temporária
(MEMÓRIA);
• Processa os elementos dessa informação, correlacionando-os
com materiais previamente armazenados em sua memória
(FUNÇÕES EXECUTIVAS);
• Dá sua resposta, utilizando-se de alguma forma de
comunicação (FUNÇÕES EXPRESSIVAS).
40
Para Dehaene (2012, p. 213) aprender a ler, consiste em colocar em
conexão dois sistemas cerebrais presentes na criança pequena: o sistema
visual de reconhecimento das formas e as áreas da linguagem. Esta
aprendizagem passa por três fases: a etapa pictórica, breve período quando a
criança “fotografa” algumas palavras; a etapa fonológica, quando ela aprende a
decodificar os grafemas em classes de sons; e a etapa ortográfica, quando ela
automatiza o reconhecimento das palavras.
Através de imagem cerebral é possível ver que vários circuitos se
modificam, notadamente os do córtex occípito-temporal esquerdo. Em alguns
anos, a atividade cerebral, evocada pelas palavras aumenta, se torna seletiva e
vai focalizando em direção às redes dos adultos. (idem)
Teixeira & Nunes (2015, p. 90) consideram que um indivíduo
alfabetizado, possui novos conhecimentos e habilidades. São novas
competências e habilidades que devem fazer parte do repertório de vida dele.
Segundo Lent (2010, p.560) o processo de aquisição das novas
informações que serão retidas na memória recebe o nome de aprendizagem. É
através dele que se torna capaz de orientar o comportamento e o pensamento.
A memória, por sua vez é processo de arquivamento seletivo dessas
informações, pelo qual se pode evocá-las sempre que desejado, consciente ou
inconscientemente. A aprendizagem pode ser vista como um conjunto de
comportamentos que viabilizam os processos neurobiológicos e
neuropsicológicos da memória. Como os conceitos de aprendizagem e
memória são próximos, apesar de diferentes, é comum utilizar um termo como
sinônimo do outro.
Bear (2008, p.763) aponta que o aprendizado de procedimentos
envolve aprender uma resposta motora (procedimento) em reação a um
estímulo sensorial. É dividido em dois tipos:
- aprendizado não-associativo: descreve a alteração na resposta
observada no comportamento que ocorre ao longo do tempo, em resposta a
um único tipo de estímulo. Possui dois tipos: habituação e sensitização.
41
Habitização é aprender a ignorar um estímulo que não tenha significado.
Sensitização é causada por fortes estímulos sensoriais, onde se intensifica as
respostas a todos os estímulos, mesmo aqueles que previamente evocavam
pouca ou nenhuma reação.
- aprendizado associativo: são formadas associações entre os
eventos. Pode ser distinguido em dois tipos: condicionamento clássico e
condicionamento instrumental. No clássico está a associação entre um
estímulo que evoque uma resposta mensurável e um segundo estímulo que
normalmente não evoca esta resposta. Aquele que normalmente evoca a
resposta é denominado estímulo incondicionado, porque nenhum treino é
requerido para provocar uma resposta. O segundo estímulo, o que não evoca a
mesma resposta é chamado estímulo condicionado, porque requer treino antes
que produza essa resposta. A resposta aprendida ao estímulo condicionado é
chamada resposta condicionada.
Segundo Relvas (2014) aprender é uma questão de foco,
organização e ritmo neural, tendo em vista que cada pessoa é o que vivencia,
experimenta e lembra. Assim, ela refere que:
Aprender significa mudar de comportamento, por isso a informação para ser processada precisa ter coerência para o aluno. (RELVAS, 2014, p.118)
3.3 Contribuições da Neurociência para as Práticas
Pedagógicas em Alfabetização
Relvas (2014) afirma que a Neurociência estuda o sistema nervoso
central em pleno desenvolvimento nos aspectos: neuroquímico, biológico,
celular, anatômico, fisiológico, psicológico, emocional e social, para que o
educador e o professor possam compreender dificuldades, transtornos de
aprendizagem e comportamentais que possam se apresentar em sala de aula.
Dessa forma, ela permite entender o funcionamento do cérebro e como
ocorrem os processos de aprendizagem, auxiliando educadores na tarefa de
desenvolver metodologias mais eficientes.
Em relação ao ensino da leitura, Dehaene (2012) aponta que a sua
etapa decisiva é a de decodificação dos grafemas em fonemas. É a passagem
de uma unidade visual a uma unidade auditiva. É então sobre essa operação
que todos os esforços devem ser focalizados. Jogos simples preparam a
criança para a leitura, tanto no plano fonológico fazendo com que ela manipule
os sons da fala (rimas, sílabas, realização dos fonemas) quanto no plano
visual, fazendo-a reconhecer, memorizar e traçar a forma das letras. Chegando
ao momento em que as correspondências entre grafemas e fonemas deverão
ser ensinadas de modo bastante explícito e sem medo de repeti-las. (p.246)
A única maneira de permitir a alguém, seja criança ou adulto, que
aprenda algo a respeito de certo objeto de conhecimento é permitir-lhe que
entre em contato e que interaja com este objeto. Não sendo necessário dar
aula de Física para crianças de educação infantil, mas é preciso oportunizar
para que elas descubram algumas propriedades físicas elementares. Da
mesma forma, não é obrigatório dar aulas de alfabetização para crianças
também da educação infantil, porém é possível dar múltiplas oportunidades
para ver a professora ler e escrever; explorar o espaço gráfico e distinguir entre
desenho e escrita; para perguntar e ser respondido; para tentar copiar ou
construir uma escrita; para manifestar sua curiosidade em compreender essas
marcas estranhas que os adultos põem nos mais diversos objetos. (Ferreiro,
2001, p. 39)
Segundo Relvas (2012, p. 58) é necessário provocar desafios, como
utilizar o espaço fora da sala de aula, criar projetos de leitura e escrita, ajudar
estudantes a preparar discursos, despertar para os debates e elaborar palavras
cruzadas, como atividades pedagógicas da escola. As propostas devem
promover o aprofundamento nos conceitos e o desenvolvimento de
pensamentos mais abrangentes e complexos do cérebro. Além disso, também
incluir possibilidades como: reescrita de músicas para trabalhar conceitos,
jogos estratégicos, informações utilizadas em gráficos; estabelecimento de
linhas do tempo e proporcionar atividades de movimentos. Outras atividades
como desenhar mapas e labirintos; conduzir atividades de visualização, jogos
de memória, permitir a criação valorizando o ritmo de cada um, designar
43
projetos individuais e direcionados; estabelecimento de metas, oferecer
oportunidades de receberem informações uns com os outros; e envolver em
projetos de reflexão, utilizando-se de aprendizagem cooperativa, também são
de valiosa contribuição para novas potencialidades.
Irizaga (2011, p.103) ressalta que as práticas pedagógicas devem ao
mesmo tempo contemplar as necessidades cognitivas, sociais e afetivas dos
grupos que chegam à escola. Também que se desperte em cada estudante a
necessidade de buscar melhores oportunidades de crescimento e
conhecimento. (Ib. id, p. 25)
44
CONCLUSÃO
O processo de alfabetização tem seu início anterior ao ingresso da
criança na escola formal. Inicia com a construção da linguagem e segue
desenvolvendo seu curso ao longo da compreensão das funções sociais e
significativas da linguagem.
O conjunto da atuação de diferentes áreas do cérebro é quem
favorece o resultado da integração de cada indivíduo com as suas interações
cognitivas, sociais e culturais. É através de regiões específicas do cérebro que
se concretizam ações como aprendizagem e, por conseguinte, mudanças de
comportamento.
O cérebro aprende a ler engrenando informações e significados para
as mesmas. Dessa forma, viabiliza ação do sujeito que aprende em sua própria
vida e também no meio em que vive.
Diferentes autores referem a importância de se conhecer a fisiologia
da leitura e outros a de se apresentar o seu significado social, o que juntando
ambas as referências, suscita novas possibilidades para as práticas
pedagógicas em alfabetização. Neste sentido, as contribuições da
Neurociência aproximam campos de conhecimento em benefício de quem
aprende a aprender.
45
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Ciência da Leitura. Porto Alegre:Penso, 2013.
47
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 07 INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
A Leitura e a Visão 10
1.1. Os olhos e a leitura 12
1.1.1 O sistema visual central 14
1.2. Os movimentos oculares e a leitura 14
1.3 A visão e a percepção 18
CAPÍTULO II
O Cérebro e os Processos de Leitura e Escrita 20
2.1. Áreas especializadas na linguagem 22
2.1.1 Área de Broca e área de Wernicke 24
2.2. O papel da comunicação na linguagem 26
2.2.1 A linguagem falada 27
2.2.2 A construção de frases 28
2.2.3 A emissão da fala 29
2.2.4 A compreensão da fala 29
2.3. A leitura e a escrita 31
CAPÍTULO III
Alfabetização e Neurociências 34
3.1. Aprendizagem da leitura no contexto social da alfabetização 35
3.2. Cérebro e Alfabetização 39
48
3.3 Contribuições da neurociência para as práticas pedagógicas em
alfabetização 41
CONCLUSÃO 44 BIBLIOGRAFIA 45 ÍNDICE 47 ÍNDICE DE FIGURAS 49