documento protegido pela leide direito autoralnatural existência de conflitos dentro de qualquer...

53
1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM – FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU OS POR QUÊS DOS CONFLITOS Maria Isabel Cinelli do Amaral ORIENTADOR: Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORAL

Upload: others

Post on 06-Dec-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

1

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

OS POR QUÊS DOS CONFLITOS

Maria Isabel Cinelli do Amaral

ORIENTADOR: Prof. William Rocha

Rio de Janeiro 2016

DOCUMENTO P

ROTEGID

O PELA

LEID

E DIR

EITO A

UTORAL

Page 2: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Mediação de Conflitos com ênfase em Família.

OS POR QUÊS DOS CONFLITOS

Rio de Janeiro 2016

Page 3: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

3

AGRADECIMENTOS

À turma de Pós-Graduação Lato Sensu Mediação

de Conflitos que ingressaram na minha vida de

uma forma sorrateira para nunca mais sair.

Page 4: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

4

DEDICATÓRIA

Aos meus filhos, Joana e Bruno, que foram

sempre meus maiores incentivadores para a

realização desse curso.

Page 5: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

5

RESUMO

Esse trabalho foi desenvolvido para trazer reflexões acerca da

natural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente

quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada na dinâmica que é a

própria vida.

Dentro desta dificuldade humana em lidar com a mudança, surgem

os conflitos intersubjetivos a dar vida à necessidade de sublimação do ser. Por

isso, são demonstradas as corriqueiras formas de ação e reação do homem na

sua tendência a guerrear com si próprio em função da sua própria dificuldade

em dialogar em momentos de pressão e cobrança durante a sua vivência com

os demais.

Neste pano de fundo, entram em atuação diversas

técnicas/ferramentas da Mediação Transformativa a dar-nos habilidades ao

trato, sobretudo entre casais que constroem pela repetição padrões

disfuncionais no âmbito do sistema familiar que compõem, chamando para eles

a metodologia autocompositiva da mediação de conflitos com ênfase em

família como resposta e possibilidade a dar Luz para o fim de ilusória

incapacidade, sofrimento e angústias.

Page 6: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

6

METODOLOGIA

Para a presente monografia foi necessária pesquisa bibliográfica

mais diversificada, que leva o leitor não só ao problema proposto, mas também

a questionamentos pessoais e, aos conseqüentes ensinamentos

oportunamente expostos como resposta sobre conflitos humanos, algo tão

vivencial, real na vida de todas as pessoas, extremamente complexo e que

sobretudo, afeta muito qualquer indivíduo.

Foram pelas razões acima expostas que, em prol do

aprofundamento do objeto deste estudo, foram consultados livros diretamente

relacionados com conteúdo da mediação de conflitos com ênfase nas

controvérsias familiares, tais como manuais de metodologia autocompositiva da

mediação ou sobre o perfil criativo de um facilitador que se coloca como um

grande agente de mudanças neste contexto, o que conduziu à utilização de

obras de outra natureza que possuíram o foco além das relações familiares

como por exemplo, a Teoria do Conflito e sobre a arte da guerra, capacidade

que todo ser humano, de forma direta ou indireta, se predispõe.

Por isso, como citado acima, indispensável se fez a inclusão de

demais conteúdos, tais como o domínio da arte de guerrear para vencer o

adversário, de se ter o conhecimento sobre o bom conflito e a potência de

transformação que os mesmos propõem para a vida de qualquer indivíduo, de

se dispensar o cuidado numa construção de diálogo como liga ou ingrediente

essenciais de interconexão entre as pessoas, a compreensão sobre a

correspondência entre a inteligência humana e o saber relacionar-se de forma

harmônica, sobre as habilidades essenciais do relacionamento e, finalmente,

sobre as boas perspectivas ofertadas pela Mediação Transformativa dentro

deste amplo contexto.

Page 7: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

A Parceria da Mediação de Conflitos com as Controvérsias Humanas 11

CAPÍTULO II

Entendendo a Dinâmica dos Conflitos 28

CAPÍTULO III

O Modelo Transformativo 38

CONCLUSÃO 49

BIBLIOGRAFIA 51

ÍNDICE 53

Page 8: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

8

INTRODUÇÃO

Por quê os indivíduos possuem tantas dificuldades de compreender-

se uns aos outros e de relacionar-se absolutamente livres de conflitos? Por

quê o homem sofre tanto em suas relações durante o transcorrer de sua vida,

em interação com os demais? Qual a real essência e função do conflito na

vida do homem? O indivíduo realmente necessita passar por sofrimentos para

obtenção de aprendizado ou amadurecimento pessoal? Como pode a

mediação de conflitos com ênfase em família proporcionar uma melhor

elaboração nas relações entre indivíduos que formam um núcleo tão íntimo

como é a célula da família?

O trabalho pretende, antes de tudo, uma tradução da essência

humana no tocante à sua gerência e administração dos conflitos que vivencia

nas suas múltiplas relações travadas com os demais, entendido o conflito não

só como barreira mas, sobretudo, como um elemento inevitável na vida de

qualquer pessoa, o que se apresenta, desde logo, como uma das maiores

razões filosóficas a justificar a relevância social desta pesquisa.

Qualquer pessoa que faz reflexão e procura autoconhecimento

como indivíduo que almeja a liberdade já se interrogou sobre como ocorreu,

por quê e qual foi sua parcela de colaboração à formação do conflito por que

passa ou que já vivenciou, ou se ele próprio, como sujeito, teria tido condições

para trilhar outro caminho que evitasse determinada problemática.

Essas considerações já tecidas por todos, pelo menos uma vez na

sua existência, de um jeito ou de outro, e de uma maneira individual, é o que se

pretende apresentar como objeto, de relevância social, que merece estudo

nesta monografia, de maneira pontual, nos Capítulos I e II.

Neste sentido, a pesquisa apresenta outros dois pontos de relevo à

análise, considerados condutores ao amadurecimento do homem, quais sejam,

a compreensão pela Teoria do Conflito, no Capítulo II, sobre as controvérsias

humanas como elemento-parte na vida de uma pessoa e, como o Modelo de

Page 9: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

9

Mediação Transformativa pretende dar cabo ao quadrinômio conflito-

sofrimento-amadurecimento-aprendizado, vivido e sentido, pessoal e

subjetivamente, de forma ininterrupta pela pessoa por se constituir num ser

vivente, dinâmico, capaz de transformar-se perante e em função de suas

relações com os outros, conteúdo esse que fará parte do Capítulo III.

Neste passo, se tem como objetivo investigar sobre a natureza

humana mas sobretudo, pesquisar a maneira como o indivíduo está

relacionado com o conflito, este último indicado como um elemento

constantemente presente na vida do homem tendo em vista os seus

sofrimentos intrínsecos e o dinamismo social que vivencia, já que o conflito é

entendido também como ingrediente construído por ele próprio e, assim,

considerado forte elemento de interferência abrangente nas relações que trava

no trabalho, na família, na comunidade.

Analisar o papel dos conflitos na vida do homem pela perspectiva do

quadrinômio conflito-sofrimento-amadurecimento-aprendizado pode ser

considerado um objetivo específico no contexto desta pesquisa, sem prejuízo

da investigação de como a Teoria do Conflito pode ajudar na compreensão

desta perspectiva.

Tudo o que foi exposto justifica-se no entendimento de que o conflito

pode ser encarado como um fenômeno social não só absolutamente natural,

mas como um real componente vivo ou, como produto das relações

interpessoais e, principalmente, das relações familiares, intensamente

subjetivas e muito íntimas, o que confere aos conflitos familiares um

protagonismo e atributo de puro elemento potencializador das transformações

operadas no ser.

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, a assimilação e o

aproveitamento do conteúdo teórico-filosófico da Teoria do Conflito podem ser

considerados direcionamentos fundamentais e suficientes a constatar e

confirmar a hipótese ora apresentada por servir a mencionada teoria na

compreensão sobre esse fundamental papel fenomenológico dos conflitos por

concederem novas versões à personalidade, aos traços particulares do

Page 10: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

10

indivíduo já que todo homem é um ser social, político, que se coloca, até em

nível subconsciente, em desafios permanentes e em estado de sublimação de

seu ser durante sua vivência e interação com a sociedade no qual está

inserido.

Tendo me vista o conflito estar sendo apontado na presente

pesquisa como um elemento que não só gera sofrimento aos indivíduos, mas

que também pode conduzir ao seu amadurecimento, a presente pesquisa vai

propor delimitar o seu estudo sobre os conflitos interpessoais familiares no

âmbito da Mediação de Conflitos de Família no Modelo Transformativo, que

propõe dinâmicas terapêuticas que oxigenam a célula familiar que, vivenciando

uma fase disfuncional, se reorganiza, podendo trazer significativas mudanças

na vida de cada membro de um núcleo familiar. A partir desta delimitação, o

estudo pretende dar cabo às reflexões sobre as possibilidades de gerência e

administração não só dos conflitos familiares, mas da própria capacidade de

sublimação do ser durante a sua vivência social e familiar.

Page 11: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

11

CAPÍTULO I

A PARCERIA DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COM AS

CONTROVÉRSIAS HUMANAS

Para o devido start desta pesquisa, inicialmente se deve ter em

conta que todo indivíduo quer ser considerado livre, independente, autônomo e,

legítimo com relação à sua natureza perante aos demais. Saber disso do ponto

de vista conceitual representa a vontade de todos, pois, quem não quer ser

respeitado em suas próprias características e personalidade? A resposta

positiva para essa indagação não evita o conflito que as diferenças de

personalidade entre as pessoas sugerem. Isso porque saber que um indivíduo

é bem distinto do outro é um entendimento geral e bastante notório, mas lograr

êxito num convívio harmônico e saudável com essas diferenças já é um outro

nível de entendimento e de sublimação a ser alcançado por cada um.1

Uma das mais importantes reflexões que se deve constar também

do início desta monografia é que os relacionamentos construídos pelas

pessoas assumem as características que lhes são atribuídas e que são

sustentadas com as emoções que lhes basearam.2

Isso quer dizer que, se o indivíduo, de fato, quiser sustentar um

relacionamento saudável, terá que ser capaz de geri-lo com mais efetividade e,

se o seu objetivo for o de melhorar a sua convivência social, na família ou no

trabalho, terá que compreender que lidar com os outros é tão difícil quanto lidar

consigo próprio, pois melhorar seus relacionamentos representa, sobretudo,

sublimar-se em suas dificuldades próprias, driblar suas fragilidades, o que

demandará, naturalmente, o autoconhecimento e a libertação de suas

sombras, do domínio que os estados de comportamento exercem sobre si

próprio.3

1 REIS, Homero. Gente inteligente sabe se relacionar. Brasília: Thesaurus, 2015, p. 61 2 REIS, Homero. Op. Cit., p. 63 3 REIS, Homero. Op. Cit., p. 63

Page 12: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

12

A mediação de conflitos, com sua metodologia autocompositiva,

forma uma parceria assertiva com ambos os disputantes ao possibilitar novas

elaborações por meio da análise do conflito construído entre os mediados a

partir da identificação das emoções das partes e, principalmente, pela

constatação das dificuldades das partes em falar sobre os incômodos gerados

pelas emoções vivenciadas na mesa de negociação.4

Quando o mediador experiente nota a linguagem corporal que os

mediados apresentam, com os braços cruzados muito cerrados próximos ao

corpo e calados mediante uma situação que lhes incomoda, toma ciência da

imediata alteração de seus padrões emocionais, o que, dependendo da

intensidade do incômodo, foi a grande causa da inviabilidade do

relacionamento harmonioso entre eles.5

Identificado o incômodo pelo facilitador da metodologia

autocompositiva, para fazer ressurgir a estabilidade emocional das partes o

mediador treina o desenho de uma conversa efetiva entre ambos entendidos

como os causadores do incômodo compartilhado, concedendo-lhes o exemplo

da escuta ativa que é posta à disposição dos mesmos. Desta forma, é

garantida a proximidade entre as partes, considerando que as diferenças entre

as pessoas podem ser fonte de grande aprendizagem.6

Isso porque a tendência normal é o afastamento ou, ainda, a ruptura.

Pessoas inábeis na gestão de relacionamentos optam por romper, se afastar,

minimizar o problema ou ignorá-lo. Feito isso, a possibilidade de reconstrução

fica bem mais distante.7

Contudo, vencer essa tendência é adquirir uma competência na

gestão de relacionamentos que, cada vez mais, têm se tornado rara e, aqueles

que a têm, são considerados privilegiados por terem mais chances de tomarem

4 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 5 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 6 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 7 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64.

Page 13: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

13

para si a riqueza das diferenças que compõem determinado grupo de pessoas

que se interrelacionam.8

Por isso o papel tão importante que é desempenhado pelo mediador

de conflitos, porque é um real agente de mudanças que lança perguntas e

reflexões sobre tudo o que diga respeito ao conflito e sobre o que incomoda as

partes, descobre o fator gerador dos incômodos e sofrimentos para com os

mediados exercitar a conversa efetiva, o que torna as relações interpessoais

menos conflitivas.9

Isso deve ser feito em todos os domínios da vida. Para todo

incômodo há sempre uma conversa possível que deve ser tida para tornar mais

efetivos os relacionamentos. Conversar, esse é o segredo dos bons

relacionamentos, mesmo porque haverá um tempo que conversar será a única

coisa que nos restará fazer.10 Por isso, acredita-se que a mediação de conflitos

será a melhor parceira das controvérsias humanas.

Uma boa maneira de começar a analisar uma situação de conflito é

identificar as variáveis, nelas existe uma possibilidade real de mudança ou

ajuste. Quando se é uma das partes do conflito, às vezes, se consegue

enxergar essas áreas mas, em outras ocasiões, naturalmente, apenas algumas

em função do envolvimento emocional.11

Alguns elementos do conflito são fáceis de serem mudados pelo

indivíduo, a saber, seus próprios pensamentos, sentimentos, emoções e

reações, pois é quem os vivencia por encontrar-se diretamente envolvido com

o conflito. Existem certos passos assertivos que o indivíduo poderá dar quando

estiver diretamente ligado a uma relação conflituosa mas sobretudo, quando

estiver na qualidade de participante da metodologia autocompositiva da

8 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 9 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 10 REIS, Homero. Op. Cit., p. 64. 11 CARNEGIE, Dale Training. As cinco habilidades essenciais do relacionamento: como se expressar, ouvir os outros e resolver conflitos. - Tradução por Emirson Justino. - São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2011, pg. 277.

Page 14: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

14

mediação de conflitos.12 É justamente esse ponto que deverá ser explorado

nos próximos Itens 1.1 e 1.2 da pesquisa.

Isso porque com a ajuda do facilitador, o mediado empodera-se

através da articulação de técnicas e/ou ferramentas comunicacionais e

deliberativo-dialógicas aplicadas pelo mediador, nascidas num contexto

multidisciplinar que é o da mediação de conflitos. Ou seja, o mediado poderá

exercer influência positiva na relação intersubjetiva desenvolvida com o outro

mesmo que a outra parte do conflito pareça estar totalmente indisposta à

mudança. Isso passa a ser possível pela demonstração de uma postura de

flexibilidade por parte do mediado que está pré-disposto, que irá desenvolver o

diálogo produtivo como opção à assertividade, em detrimento da agressividade

ou da passividade.13

1.1. Falando do que é normal: a construção do conflito por

ambos os disputantes e, como desconstruir a situação

controvertida.

Falando do que é absolutamente normal quando um adulto se

encontra numa situação conflituosa, podem ser facilmente constatadas

posturas e/ou comportamentos comuns praticadas até pelas crianças, tais

como, o falar palavras feias ao outro e em voz alta, o apontar o dedo em

direção à outra pessoa, tentativa de apresentação de si próprio como

totalmente inocente à custa da outra parte, táticas que só aumentam a

autojustificação e a postura defensiva.14

Portanto, quando o assunto é sobre passos assertivos os quais a

parte pode dar à boa vivência cotidiana e à desconstrução do conflito, ela

deverá organizar a sua fala, relativa ao seu próprio comportamento sempre em

12 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 277. 13 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 278. 14 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 281.

Page 15: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

15

primeira pessoa, em vez de falar sobre o comportamento dos outros mantendo

o discurso em terceira pessoa.15

Outra postura que se deve exercitar é a troca da fala e do foco sobre

o passado e se enfatizar a contribuição que pode ser feita ao presente e ao

futuro caso o conflito chegue a um fim satisfatório. Esse é o verdadeiro trunfo

que pode mostrar que o atendimento das necessidades de si próprio também

pode levar em conta o que importa ao outro e, assim, também incluir os

melhores interesses de todos.16

Outra postura positiva que pode ser exercitada pela parte é deixar

entender que as necessidades do outro poderão ser atendidas com a

contribuição dela e que esse ponto está fazendo parte, inclusive da sua meta.

O que somente se espera é o reforço de um diálogo cuidadoso a possibilitar

esse resultado e, a colaboração entre ambos é que deve ser o foco.17

Ainda sobre o assunto relativo ao passado, as partes envolvidas

num embate devem evitar usar certas palavras ou frases com conotação

negativa, que tendem a perpetuar problemas em andamento arrastando-os

para a situação presente, pois assim se reforça uma possível escalada do

conflito. Por isso deve ser evitada a utilização de descrições ou generalizações

negativas porque tendem a autorrealizar-se. Ou seja, na tentativa de resolver

um conflito é muito melhor perceber quaisquer mudanças positivas, por

menores que sejam, e reforçá-las do que se focar no negativo. Esse princípio é

assertivo e extremamente eficiente para a desconstrução de uma

controvérsia.18

A parte que já obteve algumas vitórias anteriores no âmbito do

panorama cíclico da situação controvertida deverá ser, na ocasião de sua

vitória, graciosa ao final da fase instaurada porque, quase com certeza, poderá

arrepender-se de seu comportamento. Afinal de contas, o propósito da

resolução assertiva de conflitos não é dizer "venci", mas ao contrário, poder

15 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 281. 16 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 282. 17 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 282 18 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., pp. 282/283.

Page 16: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

16

festejar uma vitória conjunta, o que atrai o espírito de colaboração. Desta

forma, se dará um enorme passo no tocante ao domínio das habilidades

interpessoais e, não simplesmente, o domínio das pessoas. Isso porque se não

for permitida uma retirada honrosa ao indivíduo que fracassou em algum

sentido, certamente o conflito recomeçará no futuro.19

Finalmente, e talvez de tanta significância quanto os passos

assertivos anteriores sobre comunicação que constituíram pontos sobre o que

se pode dizer à uma solução de conflitos, é o foco na execução da linguagem

corporal. Na verdade, 90% das interações humanas acontecem por meio da

comunicação não verbal. Isso inclui expressões faciais, gestos, que formam a

linguagem corporal como um todo. Também pode incluir as roupas que você

escolhe, o que pede no almoço ou se chega cedo ou tarde numa reunião.20

As pessoas tendem a reagir mais àquilo que pensam que alguém

disse do que àquilo que a pessoa quis dizer ou de fato disse e, isso é

especialmente verdadeiro em situações de conflito. Por isso deve-se fazer uma

leitura aguçada dos sinais não verbais apresentados.21

O poder da linguagem corporal é tão forte que pode criar confiança

ou exterminá-la quase que instantaneamente e, sendo assim, a boa leitura e as

representações formadoras da comunicação não verbal podem ser

consideradas uma habilidade crítica eficiente para a resolução de conflitos.22

No nível mais óbvio, linguagem corporal positiva significa sorrir, fazer

contato visual, colocar-se nem tão perto e nem tão longe da outra pessoa,

realizar espelhamento sutil através da reprodução das posturas, gestos e do

tom de voz da outra parte, tudo o que pode enquadrar-se no sentido

comportamental para que o cérebro do receptor dos sinais corporais os receba

como fatores tranquilizadores.23

19 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 284. 20 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 284. 21 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285. 22 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285. 23 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285.

Page 17: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

17

A mensagem que a linguagem corporal espelhada irá sugerir ao

receptor é a de que o emissor pertence ao seu grupo porque se identificará

com ele e se sentirá pertencente a um meio no qual as pessoas lhe são

confiáveis, já que lhe são iguais e, familiarizadas consigo próprio. Desta forma,

o emissor destas mensagens não verbais poderá até assumir a liderança da

situação, o que impede a cristalização do conflito ou, até mesmo, se possibilita

a solução da controvérsia, se já instaurada.24

O propósito de espelhar o outro é tranqüilizá-lo, durante a sua

qualidade de receptor, pela captação do significado de suas próprias ações.

Contudo, o emissor mantém sua observação despercebida, dentro da sutil

sincronização que reproduz neste contexto de leve interação. Não se pode

olvidar de que palavras e tom de voz devem estar compatíveis com os do

receptor. Se a pessoa estiver falando de maneira mais suave ou mais enfática,

é assim que deve ser reproduzida a fala do emissor.25

A avaliação da atmosfera e do espírito da interação também são

fontes ricas à adaptação eficiente da energia e estado emocional da outra

pessoa. Por isso, ações espelhadas só podem ser reproduzidas quando

executadas pelo observado, tais como, se levantar, caminhar ou, sentar-se. Ou

seja, serão necessárias sutis adaptações, de forma gradual, das posições

executadas pelo observado para que sejam reemitidas a ele de modo que elas

combinem ou espelhem a sua pessoa, sem que isso fique obvio.26

A resolução assertiva de conflitos deve contagiar os indivíduos

positivamente. Pessoas sempre são influenciadas por energia positiva. Por

mais difícil que possa ser, a resolução assertiva de conflitos significa sorrir e

aparentar confiança não importa o que aconteça. O bom humor deve ser um

ingrediente presente no trato entre emissor e receptor do diálogo e da

interação.27

24 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 285. 25 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., pp. 285/286. 26 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 286. 27 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 287.

Page 18: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

18

Além de tudo, qualquer pessoa, para uma boa interação, pode

realizar o espelhamento vestindo-se adequadamente à reunião na qual se

discutirão as questões concernentes ao conflito. Vestindo-se da maneira que a

situação exige.28

A seguir, deve-se valorizar e dispensar atenção especial ao aperto

de mãos. Esse é um gesto consagrado pelo tempo que tem profunda

ressonância na cultura, especialmente na resolução de conflitos. A intenção

original do aperto de mãos firme é um sinal especialmente assertivo, um gesto

significativo a dizer sobre a colaboração que gerou acordo e que resolveu o

conflito.29

Por fim, compreendendo que a resolução de conflitos está baseada

fundamentalmente na intenção, todo indivíduo deve se lapidar internamente

para fazer cessar a briga e, do mesmo modo, deve estar alerta aos sinais da

outra parte de que ela está pronta para seguir na direção da solução da

controvérsia, nesta parceria.30

1.2. Metodologia da mediação de conflitos: qual é o seu

trabalho?

O Item anterior tratou de fazer colocações sobre a assertividade,

que possui o foco na desconstrução dos conflitos por quaisquer pessoas que

estejam na postura positiva de desconstruir uma controvérsia e que, portanto,

está imbuída em como se expressar bem, ouvir com atenção o outro para

chegar ao passo da resolução de um impasse. Contudo, esse Item 1.2 tratará,

então, das colocações sobre a metodologia autocompositiva da mediação de

conflitos, o seu trabalho e sobretudo, em como se dá a participação do

mediador nesta seara.

28 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 287. 29 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 287. 30 CARNEGIE, Dale Training. Op. Cit., p. 288.

Page 19: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

19

A mediação, como proposta, é um meio de solução de controvérsias

dirigido por um facilitador, que se coloca na qualidade de condutor imparcial e

neutro, num contexto de sigilo, para auxiliar as partes a restabelecerem,

conjuntamente, um diálogo produtivo com o foco nos reais interesses dos

mediados por meio de técnicas/ferramentas à criação de opções, até a escolha

da melhor, pelas próprias partes diretamente envolvidas com o conflito para

que cheguem à solução do problema, o que assim conduz no maior

comprometimento pelas mesmas com a solução que criaram para si próprias31.

Sendo assim, o mediador como terceiro imparcial deverá buscar a

reconstrução da comunicação entre os mediados e, destrinchar as

características do conflito instaurado estimulando a negociação num contexto

cooperativo para possibilitar a coconstrução autocompositiva pelas próprias

partes.32

Aprofundando nesta análise, a mediação de conflitos é um processo

cooperativo que se desenvolve por meio de uma metodologia estruturada na

oralidade, que também inclui o trabalho com as emoções, dificuldades, de

comunicação e a necessidade de equilíbrio e respeito dos participantes e que

pode resultar num entendimento viável para todos os mediados envolvidos,

fruto do comprometimento e, sobretudo da participação dos mesmos com a

solução alcançada.33

Com isso, exige-se que os mediados sejam plenamente capazes de

decidir e, que estejam imbuídos nesta tarefa. Por essa razão, a mediação por

meio de sua metodologia autocompositiva, é pautada na autonomia das partes

e sobretudo, na livre manifestação da vontade dos mediados, para o trabalho

no contexto da boa-fé, na livre seleção do mediador por ambos, no trato

31 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Mediação Judicial: análise da realidade brasileira: origem e evolução até a Resolução n. 125, do Conselho Nacional de Justiça. - Coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. - Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 14. 32 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 33 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14.

Page 20: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

20

respeitoso e cooperativo durante o transcorrer da metodologia para o foco no

tratamento do conflito, num ambiente acolhedor e confidencial.34

Para que seja possível a ambientação e conversão da mediação em

um ambiente além de acolhedor, também confidencial necessário se faz para a

discussão a pressuposição de que todas as suas questões que foram

remetidas devam ser discutidas ou ventiladas tão somente durante a sessão de

mediação, na presença de ambos os mediados e que estejam, principalmente,

cobertas pelo sigilo, que deve compreender o do mediador e, inclusive, o sigilo

das partes.35

Em princípio, a mediação de conflitos é uma metodologia adequada

à solução de conflitos interpessoais e, para relações de cunho continuado que

sofreram desgastes por falta de diálogo ou de comunicação produtiva, o que

pode conduzir a um ótimo efeito que represente a participação das partes na

mesma, ainda que sem o alcance de um termo de entendimento por ambas,

pois já terão obtido a excelente oportunidade de esclarecimento do conflito por

si próprias, obtido o aprendizado e o treino do diálogo respeitoso e produtivo

justamente por estarem num ambiente com um novo contexto, muito mais leve

e cooperativo.36

Isso porque o verdadeiro objetivo que deve ser concretizado pelo

mediador em sua prática e, na qualidade de facilitador e comunicador é

restabelecer o diálogo entre as partes para implementação do relacionamento

interpessoal de ambas, mas sempre por si próprias para que alcancem, juntas,

as soluções de seus impasses. Sendo assim, a tarefa do mediador excede o

foco num eventual acordo.37

Por isso, a mediação não ser procurada tão somente para o alcance

de uma autocomposição. Isso porque a mediação visa, em última análise, a

pacificação dos indivíduos que demandam o alcance de um consenso ou até

34 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 35 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 36 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 37 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14.

Page 21: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

21

mesmo de uma reflexão conjunta sobre um determinado assunto. As suas

ferramentas e recursos técnicos poderão ser utilizados como estratégia

preventiva, dentro deste contexto propício à colaboração recíproca, evitando-se

além de uma escalada do conflito, a sua cristalização na conversão a uma

controvérsia instaurada ou na quebra da relação entre as partes.38

Neste passo, a concepção da mediação de conflitos insere-se num

contexto interdisciplinar e, assim, representa uma fusão de teorias e práticas

oriundas de diversas disciplinas, tais como da psicologia, do direito, da

assistência social, da semiótica, da matemática, da antropologia, da sociologia,

uma influência do campo das ciências humanas e sociais para potencializar

positivamente as relações humanas.39

No tocante à mediação de conflitos com relação ao papel judiciário

na seara da resolução de controvérsias, a metodologia da mediação pode ser

vista como um dos vários modelos ou métodos chamados de alternativos para

trazer uma solução a um problema e, por isso, a mediação pode ser

considerada uma metodologia alternativa por se constituir em uma opção ao

sistema tradicional de justiça.40

Embora remontem a tempos antigos, após pesquisas nesta área, se

constatou que a mediação de conflitos recebeu uma nova edição por meio de

nova formatação teórico-prática, tendo sido adaptada para a realidade das

últimas décadas do Século XX, vez que a sua metodologia é milenar. O que é

mais surpreendente em seu estudo é a conclusão de que a sua metodologia,

até os dias de hoje, não se exauriu tampouco se esgotou e, assim, permanece

em aberta construção permitindo constante aperfeiçoamento sobretudo, a

direta influência de novos conhecimentos oriundos das ciências humanas,

sociais e, possibilitando a adição de conhecimentos de outras áreas do saber

humano, que ainda poderão vir a se consagrar.41

38 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 39 LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Op. Cit., página 14. 40 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. - São Paulo: Brasiliense, 2014, página 10 41 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 10

Page 22: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

22

No Brasil, apesar da franca utilização da mediação de conflitos na

modalidade judicial e incidental à ação judicial, conforme o estabelecido após o

advento do mais recente Diploma Processual Civil brasileiro de 2015, o Novo

CPC, a prática da sua metodologia autocompositiva na via extrajudicial ainda é

extremamente incipiente no país, embora esteja em avançado estágio de

desenvolvimento, principalmente e, até nos Estados Unidos da América, bem

como na Argentina, neste último país, a Mediação Pré-Processual exercitada

pelos Tribunais de Justiça argentinos.42

O método aqui abordado é fruto de uma tendência liberal em todo o

mundo, pois vários países, indistintamente e de modo muito peculiar,

perceberam as dificuldades do formalismo judicial estatal e sua pouca

aspiração diante do dinamismo exigido pelas diversas áreas do inter-

relacionamento afetivo, profissional ou comercial entre pessoas físicas e

jurídicas, e as consequentes dificuldades entre elas na gestão e na resolução

de conflitos de maneira rígida, eficaz e eficiente.43

A tendência liberal também pode ser correntemente constatada nas

novas configurações e/ou arranjos familiares no âmbito do direito de família,

área do direito que provoca, a partir desta tendência e de seus novos

paradigmas, uma dificuldade da sociedade em aceitar e, principalmente, em

lidar com eles, pelos próprios indivíduos da nova célula familiar, pela sociedade

e, pelos próprios operadores de direito em lidar com esses novos arranjos.

Há que se notar que essa tendência liberal mantém estreita relação

com a retirada cada vez maior do Estado nos assuntos de interesse dos

particulares, situando-se no bojo do reconhecimento da plenitude do cidadão

como objeto de deveres e direitos, que por si só pode melhor administrar,

transformar ou dissolver suas próprias pendências ou conflitos.44

Além disso, constatou-se também que as fórmulas tradicionais de

resolução de controvérsias, principalmente na área do direito de família que

42 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11. 43 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11. 44 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11.

Page 23: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

23

sofreu muitas mudanças no âmbito liberal da sociedade contemporânea,

passaram a não mais satisfazer os usuários do sistema judiciário, também em

diversos outros contextos, cada vez mais envolvidos em conflitos de distintas

naturezas e formas, dada a complexidade das nuances e das numerosas inter-

relações existentes nos nossos tempos atuais.45

Por meio desse método autocompositivo pacífico tenta o facilitador

conhecer mais profundamente sobre a inter-relação de cunho continuado que

foi construída pelos mediados e, a partir desse conhecimento, se tenta

propiciar momentos de criatividade para que as partes possam analisar qual

seria a melhor opção do brainstorming produzido na mesa de negociação.46

Conforme citado por Christopher Moore, dentro deste entendimento,

o acordo pode ser fácil e flagrantemente visto como uma mera consequência

natural e lógica desta boa interação interpartes, resultante de um bom trabalho

de cooperação realizado ao longo de todo o procedimento de mediação. Ou

seja, o acordo não será contextualizado na mediação como sua premissa

básica nem ser o seu foco principal.47

Fundamental se faz a humildade do mediador quanto ao seu auxílio

como coordenador do procedimento, tão somente, uma vez que as partes são

os atores principais por serem os únicos a estarem envolvidos diretamente com

o conflito e, portanto, são os mais indicados a solucionar suas próprias

questões, pois sabem o que é o ideal para si mesmos, embora a perturbação

natural gerada pelo conflito seja o elemento dificultoso e que lhes retire o

equilíbrio necessário para colocarem em prática esse conhecimento.48

Essa é a mais bela e mais relevante peculiaridade do tratamento que

é dispensado pelo procedimento flexível da mediação de conflitos: a

humanização no cuidado com o ser humano em crise ou, numa vivência com o

conflito.

45 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 11. 46 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 22. 47 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., página 22. 48 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit., pp. 22/23.

Page 24: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

24

Também pode ser constatada a beleza da mediação de conflitos

através da rica existência de diversas abordagens e habilidades de intervenção

a intermediários que se especializaram em assistência à rede social49, por

exemplo, com autoridade e interesse investidos na metodologia

autocompositiva da mediação de conflitos, o que ocorre no atendimento de ex-

casal conjugal que segue num processo de divórcio colaborativo, durante o

transcorrer das Práticas Colaborativas, e que necessita, portanto, de um time

multidisciplinar parceiro composto por mediador, coaches (adultos), profissional

infantil (crianças) para trazer estrutura, numa ampla concepção, a este ex-casal

conjugal que sofre com a ruptura do casamento.

Mediante diversas experiências que se têm realizado com a

mediação, como ocorre nos Tribunais de Justiça brasileiros com a Mediação

Judicial Incidental e, conforme dito acima na parceria com as Práticas

Colaborativas para a realização de um divórcio extrajudicial colaborativo, pode

ser reconhecido o valor, as complexidades, as variações e a adaptação das

várias orientações, de acordo com a situação e o contexto nos quais a

metodologia autocompositiva da mediação de conflitos pode ser utilizada,

usufruída e elaborada.50

Portanto, seria muito difícil, se não impossível, traçar um plano que

abrangesse todos os tipos de mediadores e de mediação. Por isso, Christopher

Morre em sua obra ora citada nesta pesquisa se foca na descrição de

abordagem, de estratégias e de táticas dos mediadores independentes que

tendem para a extremidade do orquestrador, ou do mediador moderadamente

diretivo, no espectro do controle e que se concentra na resolução dos

problemas e também no relacionamento entre as partes.51

Durante o transcorrer da mediação, como durante uma negociação,

cada movimento ou ação que um negociador, por exemplo, realiza envolve

uma tomada de decisão racional em que as ações possíveis são avaliadas em

49 MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. - Tradução por Magda França Lopes. - 2ª ed. - Porto Alegre: Artmed, 1998, pg. 58. 50 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 58. 51 MOORE, Christopher W. Op Cit., pp. 58/59.

Page 25: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

25

relação aos seguintes fatores: os movimentos das outras partes, seus padrões

de comportamento, seus estilos, as perceptividades e habilidades envolvidas,

as necessidades e preferências que surgem, a determinação dos envolvidos, a

quantidade de informações que o negociador possui sobre o conflito, os

atributos pessoais do negociador, os recursos disponíveis.52

Sendo assim, o trabalho da metodologia autocompositiva da

mediação poderá ser iniciado por meio do mediador, como realizam os

negociadores, através de movimentos. Para um mediador, um movimento é um

ato específico de intervenção caracterizado como uma técnica de influência,

sempre focalizada nas pessoas que participam da disputa.53

Conforme frisa Galtung na obra de Moore, livro que serve de

consulta à presente pesquisa, o mediador deverá possuir a sensibilidade na

seleção de ações a encorajar a escolha de ações positivas e a inibir a escolha

de ações negativas em relação às questões em conflito e que podem causar

um retrocesso no entendimento entre os participantes.54

Essa forma de proceder também é bastante ressaltada por Bonner

na mesma obra de Moore quando explica que o mediador, entendido como um

negociador especializado, normalmente não efetua mudanças diretas nos

disputantes ao iniciar os movimentos, como o fazem as próprias partes porque

ele atua como um catalisador. E isso é absolutamente compreendido por meio

do pensamento sistêmico, já que o facilitador se torna uma peça mobilizadora

do sistema familiar disfuncional para levantamento de questões que trarão

dinamização e, possível acomodação, pelos próprios mediados.55

A esta altura, nota-se que as mudanças implementadas numa

mediação de família, por exemplo, no contexto do pensamento sistêmico, são o

fruto da dinamização dirigida à disfuncionalidade do sistema familiar no qual se

encontram inseridos os mediados e, observando esse núcleo, o mediador,

52 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 53 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 54 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 55 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59.

Page 26: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

26

compreendido como um mero interventor, implementará essas mudanças,

provenientes da atuação combinada desses movimentos implementados pelo

interventor (mediador) com as ações e respostas produzidas pelos

negociadores (ex-par conjugal).56

Os mediadores fazem dois tipos de intervenções em resposta a

situações críticas observadas por ele como interventor no contexto da

mediação sistêmica de família: movimentos ou atividades gerais ou não-

contingentes e, movimentos ou atividades contingentes, conforme Kochan e

Jick, na obra de Moore.57

Os movimentos não-contingentes são intervenções gerais que um

mediador inicia em praticamente todas as disputas. Estas atividades são

respostas às mais amplas categorias de situações críticas e correspondem aos

estágios da mediação. Elas estão ligadas ao padrão geral de desenvolvimento

e resolução de conflitos.58

Os movimentos não-contingentes permitem ao mediador ter acesso

à disputa, ajudar as partes a selecionar a abordagem e o local adequados à

solução da controvérsia, coletar dados e analisar o conflito, projetar um plano

de mediação, iniciar a conciliação, ajudar as partes a iniciar negociações

produtivas, identificar questões importantes e fazer uma agenda, identificar os

interesses subjacentes das partes, ajudar as partes a desenvolver opções de

resolução, ajudar a avaliar opções, promover a barganha final e a realização do

acordo, ajudar no desenvolvimento de um plano de implementação e

monitoramento.59

Estão relacionadas algumas atividades rotineiras dentro desta

categoria de movimentos não-contingentes as atividades para construir

credibilidade para o processo, para promover Rapport entre as partes e o

mediador e estruturar as questões de uma forma manejável, assim como para

56 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 59. 57 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60. 58 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60. 59 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60.

Page 27: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

27

desenvolver procedimentos à condução de avaliações sobre as opções de

acordo.60

Os movimentos contingentes são respostas aos problemas especiais

ou idiossincráticos que ocorrem em algumas negociações. As intervenções

para se lidar com raiva intensa, aspereza, negociações de má-fé, desconfiança

ou problemas de comunicação estão todas nesta categoria de intervenções

específicas. Exemplo desse tipo de intervenção é a condução das partes, na

qualidade de ex-casal conjugal, para atendimento apartado, em sessões

privadas junto ao mediador. Embora sejam comuns, ainda estão na categoria

de contingentes porque não ocorrem em todas as negociações tratadas pela

mediação de conflitos.61

60 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60. 61 MOORE, Christopher W. Op Cit., p. 60.

Page 28: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

28

CAPÍTULO II

ENTENDENDO A DINÂMICA DOS CONFLITOS

Todos os organismos vivos buscam o que se denomina homeostase

dinâmica, uma tendência considerada instintiva que é a preservação do

equilíbrio do seu próprio sistema. Ou seja, os organismos exercem em si

próprios uma autorregulação que alia a manutenção do estado em consonância

com o cumprimento do ciclo vital da sua evolução.62

A dinâmica da homeostase ou do equilíbrio é, paradoxalmente

contrária à dinâmica da própria evolução natural que se impõe a todos os seres

vivos. Em outras palavras, existe o desconforto do ser pela tendência natural à

permanência numa situação já conhecida pelo ser, mesmo que traga

transtornos, uma vez que se lançar ao desconhecido numa nova situação ainda

não vivenciada, passa a ser evitada, ignorada.63

Contudo, essa tendência ao comodismo e permanência num estado

estático interrompe o movimento contínuo e inevitável da evolução que se

impõe a todos os organismos vivos. A partir desta colisão gerada pela intenção

de segurança ao ponto de fazer resistência à natural dinâmica da evolução que

ruma ao desconhecido, já se constata um inevitável conflito, que passa a ser,

assim, inerente à própria vida de todo ser.64

Falar de conflito, então, é falar de vida. Ao longo de sua existência o

ser humano busca permanentemente satisfazer suas motivações e, para tanto,

estabelece relações afetivas, profissionais e comerciais com uma ou outra

pessoa, que encontram-se, muitas vezes, na mesma situação, isto é, buscam

também satisfazer suas motivações. Assim é que todo relacionamento contém,

implicitamente, um contrato psicológico, baseado nas expectativas tácitas,

62 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. - São Paulo:

Brasiliense, 2014, pg. 27. 63 64 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 27

Page 29: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

29

conscientes e inconscientes que cada pessoa tem a respeito das outras nele

envolvidas.65

O contrato psicológico pode existir entre duas pessoas ou mais.

Logo, pode ser também coletivo, como nas equipes de trabalho em

organizações. Ele implica que cada pessoa, no desempenho de determinado

papel ou função, também tenha expectativas, explícitas ou implícitas, em

relação a uma série de coisas.66

O contexto do contrato psicológico, ocorrente na relação familiar,

gera expectativas quanto à fidelidade, respeito, compreensão, atenção, etc.67

Os conflitos, naturalmente, aumentam em complexidade ao longo da

vida e, entre outros, são decorrentes, como citado anteriormente, de relações

interpessoais efetuadas em contextos cada vez mais complexos, em

decorrência da ampliação da rede e da quantidade de relacionamentos fruto do

aumento de possibilidades de ofertas, em função da diversidade de situações,

em razão de crescente conscientização dos direitos individuais e coletivos

etc.68.

A violação nos contratos psicológicos constitui um conflito comum,

pois há de se lembrar que com o tempo ocorrem mudanças nas expectativas e

nos interesses das pessoas.69

A mudança é a causa-raiz de todos os conflitos, sejam familiares,

organizacionais, societários, comunitários, sejam comerciais, internacionais etc.

Quando algo ou alguém intervém em um sistema ou célula, que pode ser

desde um indivíduo até uma sociedade completa, surge uma mudança

sistêmica e, e, consequência, desata uma ação em cadeia que acaba por

gerar, eventualmente, um conflito de forma absolutamente imprevisível.70

65 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, pp. 28 e 29. 66 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 29. 67 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30. 68 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30. 69 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30. 70 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 30.

Page 30: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

30

Desta forma, os elementos que podem constituir em mudanças

imprevistas e que podem, assim, ser considerados como grandes

potencializadores de conflitos são as relações interpessoais; os bens,

compreendendo patrimônio, direitos, haveres pessoais; poder, em suas

diferentes acepções; princípios, valores, crenças de qualquer natureza:

políticas, religiosas, científicas etc.71

Mudanças exercem seus efeitos na vida dos indivíduos. Ela afeta a

percepção do "eu" que cada indivíduo possui. Essa percepção é uma complexa

soma de elementos, como: corpo físico e fisiológico, afetos, relacionamentos,

propriedades materiais, valores morais e éticos, crenças, experiências,

identidade profissional, competências e habilidades etc.72

No que concerne ao conflito e comunicação, a comunicação nas

inter-relações reflete os mecanismos de pensamento envolvidos nos processos

de emissão e recepção dos estímulos verbais ou não-verbais, e encontra-se

diretamente associada às construções mentais advindas da experiência, dos

conceitos e preconceitos e das intenções dos envolvidos.73

Comunicação e emoção encontram-se intrinsecamente interligadas.

A emoção delimita, restringe ou amplia a intenção do comunicador e a

compreensão do receptor. Assim é que quando existe um conflito, seja ele

latente ou manifesto, o fluxo natural do diálogo é interrompido. Tal fato acarreta

falhas na comunicação, que muitas vezes resultam em interpretações

equivocadas ou intenções atribuídas que levam a uma escalada do conflito.74

A comunicação entre as partes é um elemento a ser

permanentemente entendido em uma perspectiva histórica entre elas. Além

disso, tudo e qualquer conflito envolve um elemento importante na vida das

pessoas, o poder. O poder de mudança. O poder de fazer as coisas evoluírem

71 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 31. 72 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 32. 73 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 32. 74 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 33.

Page 31: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

31

sob sua própria ótica. O poder de influenciar as pessoas e o de ser influenciado

por elas.75

O homem é capaz de responder às ameaças simbólicas decorrentes

da interação social, e não apenas às ameaças concretas biológicas, como os

microrganismos, e/ou físicas e químicas, por exemplo. Assim, situações como

quebra de laços familiares e da estrutura social, privação de necessidades

básicas, obstáculos à realização pessoal, separação, perda do emprego,

viuvez, aposentadoria, dificuldades na equipe de trabalho e com o superior,

entre outras, são tão potencialmente danosas à pessoa quanto os fatores

concretos já citados.76

2.1. As contribuições acerca da Teoria do Conflito

Em regra, intuitivamente, se aborda o conflito como um fenômeno

negativo nas relações sociais por proporcionar perdas para, ao menos, uma

das partes envolvidas. Contudo, pela visão ampliada das práticas de resolução

de conflitos, poderia se sustentar que as controvérsias sempre consistem em

um fenômeno negativo nas relações humanas? Na área dos métodos

resolutivos de conflitos já é sabido que a resposta é negativa.77

Constata-se que do conflito podem surgir mudanças e resultados

positivos. A possibilidade de se perceber o conflito de forma positiva consiste

em uma das principais alterações da chamada moderna Teoria do Conflito.

Isso porque a partir do momento em que se percebe o conflito como um

fenômeno natural na relação de quaisquer seres vivos é que é possível se

perceber o conflito de forma positiva.78

Por outro lado, o simples fato de se perceber o conflito de forma

negativa desencadeia uma reação denominada de retorno de luta ou fuga, ou

75 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 33. 76 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. Op. Cit, p. 33. 77 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Manual de Mediação Judicial. Brasília:/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, 2012, pp. 27/28. 78 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Op. Cit, pp. 28/29.

Page 32: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

32

resposta de estresse agudo. O retorno de luta ou fuga consiste na teoria de

que animais reagem a ameaças com uma descarga ao sistema nervoso

simpático impulsionando-o a lutar ou fugir.79

Por sua vez, ao se perceber o conflito como algo positivo, ou ao

menos potencialmente positivo, tem-se que o mecanismo de luta ou fuga tende

a não ser desencadeado ante a ausência de percepção de ameaça, o que, por

sua vez, facilita que as reações positivas, tais como moderação, equilíbrio,

naturalidade, serenidade, compreensão, simpatia, amabilidade, consciência

verbal, sejam alcançadas.80

2.2. A negatividade da guerra efetiva nas relações familiares de

cunho continuado

Todos sabem que a guerra não compensa. Quando uma pessoa se

empenha numa guerra verdadeira, seja num campo de batalha, numa guerra

interna identificada no divã do consultório do psicanalista, ou perante a um

magistrado para julgar um divórcio litigioso, o fato é que se a vitória custa a

chegar, as armas tornam-se pesadas e o entusiasmo de quem participa como

soldado nesta batalha enfraquece.81

Quando o indivíduo se coloca situado no local de batalha, gasta a

sua força e se essa campanha se prolonga no tempo, como ocorre durante os

processos judiciais perante a Corte nas causas de desentendimentos

conjugais, os seus recursos mínguam e se desigualam em comparação ao

enorme esforço emocional e o entusiasmo despendidos, revertidos em mal-

estar emocional, na tristeza e na "derrota" pessoal.82

Nunca se pode esquecer que quando as armas do indivíduo passam

a ficar pesadas para ele, o seu entusiasmo diminuído, força exaurida e seus

79 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Op. Cit, p. 30. 80 AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Op. Cit, p. 30. 81 TZU, Sun. A arte da guerra. - Adaptação e prefácio por James Clavel. Tradução por José Sanz. - 38ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2010, pgs. 21/24

Page 33: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

33

fundos gastos, coloca-se numa condição de cansaço e fragilidade, o que gera o

aparecimento de oportunistas para tirar ainda mais vantagens na penúria. E,

nenhum homem, por mais sábio, será capaz de evitar as consequências que

advirão desta guerra.83

Assim, apesar de termos ouvido falar de precipitações estúpidas na

guerra, a inteligência nunca foi tão associada a decisões demoradas. Não há,

na história, notícia de um país que se tenha beneficiado com uma guerra

prolongada. Só quem conhece os efeitos desastrosos de uma guerra longa

pode compreender a suprema importância da rapidez em levá-la a termo. Só

quem estiver familiarizado com os males da guerra pode compreender

perfeitamente o quanto ela é desastrosa.84

Isso porque os percalços da guerra entre um ex-par conjugal não se

relacionam só às questões emocionais, tampouco somente referência aos

problemas financeiros ou penúria para a célula familiar, mas também se

relacionam ao ritmo do Judiciário, que é lento, fatores esses que, juntos,

potencializam sobremaneira a negatividade desta guerra.

Uma vez declarada a guerra, os envolvidos não perderão tempo

precioso esperando reforços, desejarão atravessar a fronteira inimiga sem

demora. O valor do tempo, ou seja, colocar-se de forma ligeira, adiante do

adversário, vale mais que a superioridade numérica ou os cálculos mais

perfeitos com relação ao abastamento material, emocional etc.85

Neste passo, o ex-casal conjugal e, muitas vezes também parental

por ter sua prole, acaba por trazer mais material bélico, mas também inicia um

processo de tomada de provisões de seu inimigo.86 Neste contexto, acredita

que o seu exército, formado por patronos e outros profissionais da área de

saúde preocupados com laudos e enquadramentos à remição de culpas e

responsabilizações ao outro, vai necessitar de provisões e recursos financeiros

82 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24 83 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 84 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 85 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 86 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24.

Page 34: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

34

e, repassa esse ônus ao inimigo, o seu ex-cônjuge, que se espelha nas brigas

que recaem sobre o patrimônio comum.

Essa contribuição permanente para estruturar o exército, que

permanece próximo da célula familiar disfuncional e em decadência de seu

antigo arranjo, leva o povo ao empobrecimento ou penúria, como ocorre na

queda do padrão de vida de um núcleo familiar inteiro, e os filhos sofrem as

consequências desta guerra, tanto pela diminuição de proventos financeiros ou

materiais no lar que podem ficar vazios no amor e com renda dissipada, bem

como, com a diminuição de afeto ou atenção em função do desgaste emocional

vivenciado pelos pais que se colocam como inimigos.

Um general inteligente estabelece um ponto de reabastecimento por

saque no território inimigo, o que geralmente é de forma espontânea e natural

revisto por clientes e seus patronos, já que se investe na guerra. Ex-mulher e

ex-marido, como ex-casal conjugal, virão tentar remeter os gastos, em algum

momento, para o seu inimigo.

Agora, no que toca a matar o inimigo, os soldados devem ser

levados a ira. Para que percebam a vantagem de derrotar o adversário, devem

também ser recompensados. Assim, patronos que conseguem capturar os

bens do inimigo, esses bens são usados como prêmios, de forma a que todos

os soldados tenham um forte desejo de lutar, cada um por sua conta. Divórcios

litigiosos, para advogados, são mais compensadores.87

As próprias bandeiras são substituídas pela do inimigo e os carros

misturados e usados em conjunto com os do cônjuge vencedor. Os soldados

capturados devem ser mantidos e tratados com bondade, para retratar que o

soldado ou o patrono vencido deve sentir a vitória do outro cliente, vencedor,

sobre o outro. Chama-se a isso usar o inimigo aprisionado para aumentar

nossa própria vitória.88

87 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24. 88 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24.

Page 35: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

35

Na guerra, portanto, o adversário deixa que seu grande objetivo seja

a vitória e não campanhas extensas. Por isso deve ser sabido que o

comandante dos exércitos é o árbitro do destino do povo, o homem de quem

depende que a nação fique em paz ou em perigo. Isso retrata bem a guerra

familiar, que não tem preço tampouco alcança vitória.89 Ex- cônjuges viram

inimigos e, se arruínam juntos porque quando o assunto é família, na guerra

não existe vencedor e, o árbitro ou comandante, nesta esfera abstrata,

representa o magistrado, que deve ser substituído pela autocomposição

prestada pela mediação, caso os inimigos se sintam preparados para levantar

a bandeira da paz em prol do diálogo.

Isso porque, para sair do caos e de todo sofrimento abrupto gerado

pela guerra familiar judicial necessário que se substitua o comandante

entendido como o juiz que desempenha uma função de árbitro para a decisão

heterocompositiva a dar destino à vida de terceiros, pela decisão

autocompostiva do ex-casal conjugal e parental. Isso porque, inevitavelmente,

a natural demora da Justiça, nesta competição destrutiva negativa, arrasa com

o núcleo familiar. E isso sempre conduz, inevitavelmente, à uma situação de

perigo ou à ausência absoluta de paz à célula-família.

2.3. Entendendo a existência da dinâmica das relações

familiares entre parceiros

A convivência é o maior desafio que enfrentamos durante a vida e,

ela ocorre em todos os níveis: entre nações, cidades, povos, vizinhos, amigos,

colegas de profissão, de trabalho e, principalmente, dentro da família.90

A célula familiar constitui-se de um determinado grupo pequeno,

restrito e íntimo na relação entre pessoas e, o indivíduo isolado e integrante

deste grupo, neste contexto e desde o seu nascimento e crescimento

reproduzirá uma mini sociedade a partir da qualidade exercitada nesta vivência

89 TZU, Sun. Op. Cit, pgs. 21/24.

Page 36: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

36

e inter-relação como ser nascido e inserido em seu ninho. E, esta célula

familiar na qual está inserido lhe servirá, eternamente, como referência de

padrão comportamental com todos os demais indivíduos na macrosociedade

que lhe cerca.91

Nascemos e crescemos em algum tipo de família ou em uma

instituição que a substitua. As experiências e convivências que vamos ter nela

nos marcarão para o resto da vida e determinarão a forma com que iremos nos

relacionar fora da família e na futura família, ou em uniões que viermos a

constituir.92

A primeira família, berço no qual se origina, poderá ser a única até a

morte do indivíduo, e é chamada família de origem. E a que surgirá com o

nascimento ou a adoção de um filho, quando esse indivíduo se unir ou casar

com alguém, se constituirá, assim, a sua família nuclear.93

A família também poderá nascer de um progenitor único, a família

uniparental, em que, geralmente, a mãe tem o fiho, fruto de uma relação

passageira, e ela e o pai não chegam a se unir ou casar, ou pela adoção de um

filho por parte de um homem ou uma mulher e, ainda, por meio de uma barriga

de aluguel.94

Por isso, é importante ressaltar que quando um homem e uma

mulher se unem ou casam, eles não são duas pessoas soltas no espaço. Cada

um deles tem atrás de si uma respectiva família, mais ou menos próxima, mais

ou menos organizada, mais ou menos numerosa.95

Esse encontro de famílias, com os seus integrantes - pais, avós,

bisavós, primos, tios, cunhados - forma o que chamamos de família extensa,

uma verdadeira constelação familiar que representará uma variedade de

relações, que implicará numa série de regras de convivência. Através de

90 GROISMAN, Moises. O código das famílias: mandamentos que devem reger as relações familiares. - 2ª reimp. - Rio de Janeiro: Núcleo Pesquisas, 2011, p. 77. 91 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77. 92 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77. 93 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77. 94 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 77.

Page 37: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

37

ligações e associações entre esses diferentes personagens vai ocorrer um

conjunto de arranjos e combinações que redundará em novas relações,

satisfatórias ou insatisfatórias.96

No momento em que se unem então, esse homem e essa mulher

não iniciam juntos uma nova vida como dois produtos de fábrica zero

quilômetro que não possuem nenhuma história de vida. Portanto, casais

costumam se iludir afirmando, por estarem apaixonados, que serão capazes,

ilusoriamente, de moldar um ao outro à sua maneira e ao seu jeito. Por isso,

quando surge as primeiras diferenças cotidianas começam a perceber que não

são tão idênticos, ou almas gêmeas como acreditavam ser.97

Neste pano de fundo, começam a se defender sempre se isentando

dos problemas que se apresentam cotidianamente, inclusive sem considerarem

nenhuma parcela de responsabilidade de cada um nas brigas iniciadas por um

deles ou, por ambos.98

Desta maneira, vivemos, na realidade, numa intrincada rede de

relações familiares na qual haverá um cruzamento de várias famílias,

correspondentes aos diferentes integrantes da constelação familiar. Isso

implicará na necessidade de regras de convivência básica que possibilitarão

um nível de relacionamento satisfatório entre todos os seus personagens. Caso

essas regras não sejam do conhecimento dos envolvidos poderão haver

perturbações familiares mais ou menos severas, que se exprimem em toda a

família, ou no casal, ou num dos membros do casal ou, ainda, num dos filhos.99

Mais complexo ainda é compreender que além da necessidade de

se determinar regras de convivência é a determinação de que tipo de

organização familiar que se estuda ou analisa, eis que atualmente a família não

é a mais a mesma.100

95 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 96 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 97 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 98 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 78. 99 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 80. 100 GROISMAN, Moises. Op. Cit., pp. 80/81.

Page 38: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

38

Com a liberação de costumes, principalmente a liberdade sexual, e

com a implementação da lei do divórcio, a família adquiriu outras configurações

e novos arranjos. Não que esteja melhor ou pior, ou que a Instituição Família

esteja acabando porque esse processo social se deu conforme as

necessidades e de forma natural. Ela apenas vem se adaptando às mudanças

sociais e se adequando aos novos tempos e a nova forma de organização

familiar, para ser melhor compreendida e para tornar-se cada mais funcional,

deve ser muito bem destrinchada.101

Como a nossa vida se inicia e desenvolve em algum tipo de família

permitindo a vivência e a experiência com seus vários segmentos, é

fundamental que se paute regras básicas de convivência que formarão os

pilares de funcionamento familiar daquela célula ou de uma futura queainda vai

se constituir em iminente união e, isso poderá ser bem compreendido e tratado

nos próximos pontos 3.1, 3.2 e 3.3.102

Isso é de imperiosa importância porque conflitos familiares e inter-

relacionais surgem facilmente com a natural imprevisibilidade da vida, de

ruídos na comunicação e, da falta de habilidade em lidar com as mudanças.

CAPÍTULO III

O MODELO TRANSFORMATIVO

O modelo transformativo, diferentemente de outros modelos como o

modelo circular-narrativo por exemplo, tem como meta a transformação da

interação entre os mediandos e o respectivo padrão sistêmico-relacional

101 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 81. 102 GROISMAN, Moises. Op. Cit., p. 82.

Page 39: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

39

disfuncional que reproduzem, mediante empoderamento e reconhecimento das

partes neste processo de mudança.103

Assim, as escutas e perguntas de esclarecimento ou de

contextualização abordadas pelo mediador estão voltadas para o

empoderamento das partes, e não, diretamente, para a desestabilização das

narrativas.104

Nessa perspectiva, o protagonismo dos mediandos vai se ampliando

à medida que vai sendo reconstruída a sua autoestima. O mediador se legitima

não como um técnico, mas como um colaborador ou facilitador desse processo

em que os mediandos constroem o debate e o diálogo.105

A capacitação e o consequente protagonismo responsável dos

mediandos vão reforçando as possibilidades de contextualização e empatia. O

problema relacional e o problema material são considerados em seu conjunto,

mas sujeitos a abordagens distintas, com prioridade para a superação dos

bloqueios emocionais e padrões repetitivos disfuncionais que, além de

comprometerem a comunicação, prejudicam as relações intersubjetivas.106

Esse processo evolui com autonomia e sem amarra a etapas, pois

se trata de processo informal, em que a oralidade vai construindo os seus

resultados. N a mediação transformativa, o mediador não é diretivo, adotando,

inclusive, o afastamento ou o silêncio, quando percebe que os mediandos

estão discutindo ou dialogando em sua linguagem natural.107

3.1. Os padrões de interação

Conforme Stephen Littlejohn e Kathy L. Domenici na obra de

referência do autor Carlos Eduardo de Vasconcelos, os padrões de interação

103 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. - 1ª ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015, p. 192.

104 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192. 105 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192. 106 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192. 107 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 192.

Page 40: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

40

devem ser observados pelo facilitador. A fim de colaborar para a obtenção de

resultados transformativos, os mediadores devem aprender a pensar na

disputa em termos sistêmicos e consoante abordagens múltiplas.108

Em primeiro lugar, os mediadores precisam procurar conexões. Os

eventos na disputa devem ser vistos como parte de algum padrão maior. E

nunca há apenas um padrão. O que está ocorrendo entre pessoas e não é

criação de apenas uma delas. Portanto, o argumento de um mediando é parte

de um episódio; é parte de uma relação ou de uma série de interações que,

juntas, definem a forma como se desenrola a relação, produto inacabado de

muitos padrões.109

Em segundo lugar, os mediadores devem observar as regras

implícitas em cada um desses padrões. Como em gramática, as afirmativas

que fazem parte de um sistema de interações incluem um vocabulário de

direitos, deveres, obrigações, proibições, possibilidades, etc.110

Essas regras, esses códigos de conduta, dão forma e estrutura à

realidade que vai sendo criada e, ao mesmo tempo, constituem um indicativo

de como se comportar em cada situação.111

Em terceiro lugar, o mediador deve, ainda, perceber que esses

padrões, regras e códigos de conduta estão situados num contexto ou conjunto

de contextos. O conjunto de regras pode variar de um contexto para outro, que

podem estar relacionados a outros contextos. É importante observar de que

forma esses contextos se relacionam, se reforçam ou se repelem.112

Em quarto lugar, o mediador deve perceber que um sistema de

interações constitui ações interligadas, e deve observar como uma ação se liga

à outra.113

108 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 190. 109 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 190. 110 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 190. 111 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., pp. 190/191. 112 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191. 113 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191.

Page 41: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

41

Em quinto e último lugar, deve o mediador ter e conta que os

eventos de um sistema são cíclicos e refletem uns aos outros. Não se deve

assumir determinado ponto de vista a respeito de um sistema com base em

padrões causais simples. Será necessário compreender os circuitos causais

complexos em sua causalidade mútua.114

Ao perceber esses eventos e adoando questionamentos, resumos e

espehamentos, com instantes em que pratica o apoio e instantes em que

pratica um afastamento, o mediador pode ajudar os mediandos a

ultrapassarem padrões de interação repetitivos e insalubres.115

3.2. O mediador de conflitos: um agente de mudanças

Este Item 3.2 da pesquisa abre a questão acerca dos que estão

envolvidos, de uma forma ou de outra, com a inovação. Seja por vontade

própria ou pelas circunstâncias que estimulam nos demais indivíduos, seja, ao

contrário, envolvidos por processos próprios de mudança. Em qualquer

hipótese, todo mediador de conflitos se preocupa, em algum grau, com o

desenvolvimento de sua criatividade no que tange à aplicação de diversas

técnicas/ferramentas oriundas de metodologias deliberativo-dialógicas com

eficiência durante a escuta da sua sensibilidade pessoal que aflora essas

habilidades em si e nas outras pessoas.116

Sabe-se que pessoas criativas possuem um grande potencial no

desenvolvimento próprio e, inclusive para desenvolver-se como um agente de

mudanças, uma das formas de exercer o potencial criativo mais

intensamente.117

114 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191. 115 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. Cit., p. 191. 116 PREDEBON, José. Criatividade hoje: como se pratica, aprende e ensina. - 2ª ed. - São Paulo: Atlas, 2001, pg. 14. 117 PREDEBON, José.. Op. Cit., p.14.

Page 42: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

42

Esse ângulo do assunto criatividade também interessa bastante a

quem dirige cursos, treinamentos 118e, trabalhos em metodologias como a da

mediação de conflitos. Isso porque não só o mediador ocupa uma posição de

agente de mudança, mas também porque como facilitador da metodologia

autocompositiva une sensibilidade, improviso, habilidade de comunicação e

sobretudo, habilidade pedagógica.

Neste ponto, cabe focalizar a dinâmica social e sua relação com a

inovação e a criatividade. Os que abrem caminho para a inovação são

maquinistas do trem. Artífices das mudanças, exercem sua competência pela

familiaridade que têm com as ideias novas. Como na metáfora de um trem,

com as pessoas de vanguarda viajando no primeiro vagão e as estagnadas no

último, os trens viajam renovando seus vagões.119

O que se pode, por certo, afirmar é que nem todos os agentes de

mudança são grandes criativos, mas todos os grandes criativos são agentes de

mudança.

Existe, permeando o campo da criatividade, a figura do realizador,

líder ou pioneiro São agentes de mudança pela sua capacidade de criar

condições favoráveis para novos acontecimentos, catalisando energias de um

grupo para a conquista, ou para superar desafios.120

É neste ponto que reside a preciosidade da atuação do mediador

neste contexto prospectivo e, com certeza, é o que corresponde, de maneira

direta, com a filosofia prospectiva que ensina a metodologia autocompositva da

mediação para os indivíduos que se encontram num contexto de crise e

sofrimento em função da disfuncionalidade ocorrente, por exemplo, entre um

ex-casal conjugal e parental. Portanto, neste contexto, todo mediador, de uma

forma ou de outra, também rezam pelo prazer da conquista e se alimentam do

desafio de criar o novo.121

118 PREDEBON, José. Op. Cit., p.14. 119 PREDEBON, José. Op. Cit., p.15. 120 PREDEBON, José. Op. Cit., p.15. 121 PREDEBON, José. Op. Cit., p.15.

Page 43: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

43

Quando o mediador faz referência à técnica da geração de opções

criando uma ambientação aos mediados para suas novas colocações, as mais

improvisadas e excêntricas ao alcance de uma autocomposição, coloca-se num

lugar de desapego ao que poderia ser considerado como adequado em

determinado momento e em determinadas circunstâncias como algo que já

possui, para algo que possa vir a ser, atitude que corresponde a um forte traço

das pessoas criativas.122

Isso assim é porque as pessoas criativas, também como um

mediador de conflitos, precisa saber renunciar ao que se tem como certo para

poder trabalhar ideias novas. Caso contrário, o próprio subconsciente agirá

como censor, fazendo abortar eventuais ideias que modifiquem uma rotina,

ainda que disfuncional dos mediados, mas "confortável" já conquistada e tida

como "certa".123

Todavia, é a partir deste momento que o mediador de conflitos já

deve ter feito a construção de seu rapport junto aos mediados, a confiança

deles na sua pessoa e na sua liderança neste processo de mudança, eis que

como um facilitador, mas ainda no contexto de agente de transformação social,

precisa ser motivador dessas transformações e, para empoderar-se da

capacidade de influenciar pessoas, deve transmitir muita firmeza, lidar bem

com as improvisações, surpreender os participantes na mesa de negociação. A

assertividade, que no caso se articula com o desapego, é um valor contagiante

para a defesa da ideia nova.124

Sobre a sensibilidade ou a intuição, o mediador, na qualidade de um

agente de mudanças que contacta com o futuro, sente no ar as tendências e

correntes. Para tornar essas mudanças a espinha dorsal do processo inovador

concretizando a prospectividade que comporta a mediação de conflitos, precisa

estar conectado com a dinâmica do sistema no qual está inserido com os

demais participantes.125

122 PREDEBON, José. Op. Cit., pp.15/16. 123 PREDEBON, José. Op. Cit., p.16. 124 PREDEBON, José. Op. Cit., pp.16 e 18. 125 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16.

Page 44: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

44

Não se estabelece mudança alguma em qualquer ambiente se o

processo não tiver consonância com a dinâmica do sistema em que ele irá se

inserir. De acordo com o tipo e a profundidade da mudança demandada pela

mediação a influenciar na vida dos mediados, ela só se efetivará se a

ambientação estiver comportando este fato novo, embrionariamente. Isso

porque a inovação, para ser incluída na dinâmica sistêmica já existente, precisa

ter um forte comprometimento dos mediados e do mediador neste processo e

com o que pode ser chamado de "realidade", ou mesmo, vida cotidiana.126

Para acrescentar, nos processos de transformação em todos os

campos ou áreas do saber humano as verdades estão abaixo da superfície dos

fatos aparentes, das declarações ou, no contexto da mediação de conflitos,

escondidas por detrás das narrativas contadas pelos mediados. Só a escuta

ativa exercitada num contexto sensível e intuitivo do facilitador como agente de

mudanças poderá identificar quais são, de fato, os interesses subjacentes que

compõem a pauta subjetiva dos participantes e, quais serão essas novas

verdades, que poderão ou deverão nascer das profundezas dos seres ali

envolvidos.127

Por isso, o mediador é uma criatura demasiadamente determinada.

Sem a paciência, confiança e persistência de um lutador, dificilmente as coisas

novas acontecerão de fato. Um agente de mudanças precisa ter a

determinação de um pioneiro a dar concepção vanguardista e prospectiva para

interrupção nos padrões repetitivos e que causam a disfuncionalidade de

determinado sistema familiar, por exemplo. Se não for assim, as mudanças que

perceber necessárias a serem trabalhadas não se implementarão.128

Os processos de mudança acontecem mais facilmente quando

liderados por uma ótica mais idealista do que utilitária e, daí advém a afirmação

de que a mediação transformativa não foca no acordo, mas sim no seu ideal de

transformação do relacionamento entre as pessoas.129

126 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 127 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 128 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 129 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16.

Page 45: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

45

O fato novo, sempre de alguma forma, modifica o mundo das partes

e o mediador como facilitador e agente de mudanças será mais eficiente se

não estiver lutando em causa própria, não se esmerando mais que as partes

para um fechamento de um termo de entendimento, não fazendo pré-

julgamentos. Ou seja, não tendenciando a nenhum dos lados e essa postura é

o que estrutura a sua neutralidade e imparcialidade para o bom proceder

durante o transcorrer da metodologia autocompositiva.130

Por fim, em decorrência da dinâmica intensa que se procede na

base da oralidade e da flexibilidade para a condução da metodologia

autocompositiva que representam duas dentre as características mais belas e

leves da mediação de conflitos, pode-se citar seis habilidades que caracterizam

um mediador bastante perspicaz no contexto da mesma: habilidades para

novos paradigmas nos campos da afetividade e para compreender os novos

arranjos familiares da sociedade contemporânea; habilidade para traçar novas

estratégias nascidas de desafios antes inexistentes e durante os encontros de

mediação; habilidade para o cultivo de competências interdisciplinares já que a

mediação comporta utilização de outras metodologias em seu processo;

habilidade para compreensão da filosofia da felicidade pela valorização do

"aqui-agora", conforme a visão prospectiva da sua metodologia; habilidade

para trazer revoluções e avanços do mundo externo para o grupo da

mediação.131

3.3. Particularidades do Modelo Transformativo para a metodologia autocompositiva da mediação de conflitos

De uma maneira geral, em toda mediação se tenta resolver o

problema pela atuação própria dos participantes, em colaboração, construindo

novas possibilidades para enfrentar e resolver o conflito que os aflige. Neste

sentido, método autocompositivo de resolução de controvérsias podem tomar

130 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 16. 131 PREDEBON, José. Op. Cit., p. 19.

Page 46: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

46

duas correntes principais: a mediação que possui como foco a solução de um

problema com um acordo satisfatório para o impasse específico e, um outro

estilo de metodologia de mediação transformativa, que procura a melhoria do

relacionamento.132

A mediação transformativa, o foco desta pesquisa, procura aumentar

o poder de autodeterminação e o reconhecimento mútuos das pessoas

envolvidas no impasse, capacitando-as para resolver o problema imediato e

também as questões futuras.133

Para Bush e Folger, os precursores do estilo da mediação

transformativa, conforme a obra que ora se toma para o estudo deste ponto 3.3

do trabalho, o objetivo da mediação não é apenas resolver o embate, mas

também aperfeiçoar a qualidade do relacionamento, eis que se não for possível

transformar adversários em bons amigos, que sejam pelo menos capazes de

estabelecer um relacionamento respeitoso. A meta real não é apenas ficar

melhor, mas ser melhor.134

Isso porque, quando o assunto é interação humana, as disputas não

precisam ser consideradas como problema, podem ser vistas como

oportunidades de crescimento pessoal e transformação positiva do indivíduo. E

são por estas razões que a metodologia da mediação transformativa para

solução de dificuldades na seara familiar é tão adequada e atraente, pois não

vai se esgotar na busca da resolução do problema aparente, mas vai continuar

ajudando para a transformação das pessoas e do relacionamento numa célula

familiar que possa estar em desequilíbrio funcional.135

Na mediação transformativa isso é possível através da reavaliação,

uma técnica que capacita as pessoas para a definição ou redefinição das

questões e, assim, posteriormente, gerar soluções. Outra forma que se traz

uma nova dinâmica, mais funcional para as relações que estão em abalo, é

132 MALDONADO, Maria Teresa. O bom conflito. - São Paulo: Integrare Editora, 2008, p. 157. 133 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 157. 134 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., pp. 157/158. 135 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., pp. 157/158.

Page 47: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

47

através da técnica do reconhecimento, que capacita as pessoas a entender os

respectivos pontos de vista e os motivos que geraram o conflito.136

O sucesso ou eficiência da mediação poderá ser medido pelo grau

de reavaliação e reconhecimento alcançado, mesmo quando as partes em

conflito não tenham chegado a um acordo imediato. Portanto, o objetivo que é

tentado para ser alcançado é a minimização do potencial de crescimento das

pessoas e dos relacionamentos.137

Neste pano de fundo, o mediador estimula as pessoas a colocar o

foco do que desejam no futuro e na descoberta de caminhos que possam

conduzir a uma solução satisfatória para si próprias e, isso é possível por meio

da visão que a mediação transformativa propõe sobre o conflito e seu papel:

oportunidade de crescimento das pessoas e, conseqüentemente, do

relacionamento que estabelecem entre si. A forma de exercício da metodologia

transformativa propõe mudanças mais profundas nos indivíduos além da mera

solução pontual de um conflito, que, na realidade, foi construído por elas

mesmas.138

A proposta de trabalho apresentada pelo mediador se estrutura por

meio de uma conversa bem elaborada à obtenção de melhores

esclarecimentos sobre o ponto de vista de cada mediado com relação à

problemática vivenciada e, gerada por ambos, com o intuito de se descobrir

outras possíveis maneiras de lidar com o problema instaurado.139

Nesta esteira, chegar a um acordo é apenas uma possibilidade e

não o objetivo principal da mediação transformativa, eis que a grande meta é a

sublimação do indivíduo, mesmo que seja por meio do conflito. Parece

esquisito para as pessoas comuns, mas atingir essa mudança pessoal para

melhor em benefício do indivíduo certamente é mais importante do que chegar

a um acordo específico porque as pessoas acreditarão mais na sua capacidade

de lidar com os desafios da vida. Essa abordagem é extremamente útil nos

136 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 158. 137 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 158. 138 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 159. 139 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 159.

Page 48: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

48

casos de conflitos entre membros de uma família, entre vizinhos, colegas de

trabalho.140

E, relativamente às controvérsias construídas no seio de uma família

em disfuncionalidade, o que pode ser compreendido é que na resolução do

conflito o foco recairá no problema centrado no conteúdo e, na transformação

da célula familiar, o foco recai sobre os padrões de relacionamento da família

na qual o conflito está inserido e já cristalizado, flagrando a disfuncionalidade

da mesma. Vai além de um episódio isolado, buscando o epicentro do conflito

compreendido pela teia dos padrões de relacionamento familiar que se

formaram com o decorrer do tempo. O episódio é apenas uma oportunidade de

acessar o epicentro, é somente uma das cenas que se repete dentro da trama

ou da novela familiar.141

Ser reconhecido em suas habilidades e qualidades é uma

necessidade fundamental do ser humano. Por isso, a partir da escuta ativa

dispensada pelo mediador em benefício dos participantes da mediação

transformativa encoraja-os à expressarem seus sentimentos para dissolver

mágoas, ressentimentos, mal-entendidos no relacionamento.142

O elogio sob medida e, em momento oportuno é praticado pela

técnica do afago pelo mediador de conflitos. Ou, usando um termo técnico da

psicoterapia e de igual sentido, a conotação positiva, ele cria um clima de bem-

estar e de motivação para intensificar o comportamento apreciado e que foi

produzido pelo mediado, aumentando a competência e superando a resistência

dos participantes que estão vivenciando crises e sofrimento.143

140 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 159. 141 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 160. 142 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 160. 143 MALDONADO, Maria Teresa. Op. Cit., p. 160.

Page 49: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

49

CONCLUSÃO

No transcorrer da presente monografia pôde ser constatada a

importância crucial da presença de dois elementos na vida do ser humano, o

conflito e o diálogo.

Sem embates nem conflito o ser humano não chega a nascer e vir

ao mundo, eis que a vida lhe vem como um grande prêmio pela vitória

alcançada desde os primeiros momentos da concepção intra-uterina e,

principalmente, desde a anterior corrida do produto sexual hormonal da gônada

masculina para o único óvulo materno, uma fórmula universal que pode ser

constatada até nos tubos de ensaio dos laboratórios, em pesquisas científicas.

A partir do advento do desenvolvimento da sociedade

contemporânea e, inclusive, de diversas pesquisas deste campo, surgiram

diversos possíveis novos arranjos familiares, mas, o que prevaleceu e sempre

prevalecerá, a partir das mudanças sociais que se processam na dinâmica da

vida, são a capacidade de todo ser humano de interagir em seu meio e, da

atuação dos conflitos, neste contexto.

Sabe-se que essa interação respeita, inclusive, todas as

peculiaridades encontradas em cada indivíduo como ser pensante, com sua

história de vida familiar, numa miscelânea de linguagem corporal, verbal que

produz dentro de determinado contexto sócio-familiar junto a todas as

imprevisibilidades do campo no qual vivencia.

Devendo dar cabo às suas dificuldades e as dos outros que lhe

cercam no âmbito de um sistema familiar disfuncional, o indivíduo precisa

tomar para si a sua capacidade de detectar os padrões de interação que

produz de forma repetitiva e que podem ser as principais causas de choques e

colisões com os que convive mais intimamente e sobretudo, de se servir como

o seu próprio agente de mudanças, isso quando as emoções fortes não

aniquilam por completo as condições necessárias para incorporar-se como o

seu próprio agente de mudanças.

Page 50: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

50

Já a esta altura, tendo em vista os problemas que se tornam

absolutamente perturbadores para o indivíduo em crise no seu núcleo familiar,

entra em cena e em atuação o terceiro imparcial e neutro, um facilitador que,

dotado de sensibilidade e empatia, mas livre das amarras, sofrimentos e

envolvimento emocional daquele contexto, procura, nas narrativas trazidas

pelos mediados na mesa de mediação transformativa, as questões, interesses,

necessidades, valores como pauta a ser tratada junto às melhorias na

comunicação entre o ex-cônjuge conjugal e se houver prole, ex-parental.

A metodologia autocompositiva da mediação, tanto a do Modelo

Linear de Harvard, bem como o Método Transformativo de Folger e Bush

propostos pela Mediação Transformativa são absolutamente aptos a promover

uma intensa reedição do ato de dialogar, sobretudo, entre as partes em conflito

trazendo-as para si próprias não só a escuta ativa, mas o consequente

empoderamento para si, libertando-se dos conflitos intra-gerados em seu

contexto disfuncional familiar.

Sendo assim, o mediador transformativo deverá possuir criatividade

no desempenho das técnicas/ferramentas que pinçará durante a metodologia

autocompositiva desta linha transformativa de mediação no tocante a deixar

flagrante que o conflito é inevitável, e até necessário para o aperfeiçoamento

das relações não só familiares, mas num contexto familiar, de trabalho,

empresarial, numa sociedade comercial, demonstrando a normalização que é o

embate nestas e tantas outras interações.

Com tudo isso, os mediados possuem meios e ferramentas para

sentirem-se capazes e preparados a substituir uma decisão heterocompositiva

de um contexto de enorme desgaste emocional, de tempo e de custos com

uma decisão paternalista judicial para seguirem seus próprios anseios, de

forma livre, podendo ensaiar e treinar essa capacidade de escuta e diálogo,

trazendo funcionalidade a seus novos arranjos familiares ao seguimento de seu

próprio caminho de vida, com todas as imprevisibilidades que advirão da

natural dinâmica da vida.

Page 51: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

51

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, André Gomma de. (org.). Manual de Mediação Judicial.

Brasília:/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento - PNUD, 2012.

CARNEGIE, Dale Training. As cinco habilidades essenciais do relacionamento:

como se expressar, ouvir os outros e resolver conflitos. - Tradução por

EmirsonJustino. - São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2011.

GROISMAN, Moises. O código das famílias: mandamentos que devem reger as relações familiares. - 2ª reimp. - Rio de Janeiro: Núcleo Pesquisas, 2011.

LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Mediação Judicial: análise da realidade

brasileira: origem e evolução até a Resolução n. 125, do Conselho Nacional de

Justiça. - Coordenadores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. - Rio de

Janeiro: Forense, 2012.

MALDONADO, Maria Teresa. O bom conflito. - São Paulo: Integrare Editora, 2008.

MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para a

resolução de conflitos. - Tradução por Magda França Lopes. - 2ª ed. - Porto

Alegre: Artmed, 1998.

PREDEBON, José. Criatividade hoje: como se pratica, aprende e ensina. - 2ª ed. - São Paulo: Atlas, 2001.

REIS, Homero. Gente inteligente sabe se relacionar. Brasília: Thesaurus, 2015.

SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e, NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de

conflitos. - São Paulo: Brasiliense, 2014.

Page 52: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

52

TZU, Sun. A arte da guerra. - Adaptação e prefácio por James Clavel. Tradução por José Sanz. - 38ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2010. VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. - 1ª ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

Page 53: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORALnatural existência de conflitos dentro de qualquer célula familiar, principalmente quando se percebe a constante imprevisibilidade flagrada

53

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 01 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 07 INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

A parceria da Mediação de Conflitos com as controvérsias humanas 11

1.1. Falando do que é normal: a construção do conflito por ambos os disputantes e, como desconstruir a situação controvertida 14

1.2. Metodologia da mediação de conflitos: qual é o seu trabalho ? 18

CAPÍTULO II

Entendendo a dinâmica dos conflitos 28

2.1. As contribuições acerca da Teoria do Conflito 31

2.2. A negatividade da guerra efetiva nas relações humanas familiares de cunho continuado 32

2.3. Entendendo a existência da dinâmica das relações familiares entre parceiros 35

CAPÍTULO III

O Modelo Transformativo 38

3.1. Os padrões de interação 39

3.2. O Mediador de conflitos: um agente de mudanças 41

3.3. Particularidades do Modelo Transformativo para a metodologia autocompositiva da mediação de conflitos 45

CONCLUSÃO 49 BIBLIOGRAFIA 51 ÍNDICE 53