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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO DO AMBIENTE E SUA APLICAÇÃO NA POLÍTICA URBANA Por: Eneida Conceição Figueiredo de Assis Ferraz Orientador Prof. Francisco Carrera Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO DO AMBIENTE E SUA

APLICAÇÃO NA POLÍTICA URBANA

Por: Eneida Conceição Figueiredo de Assis Ferraz

Orientador

Prof. Francisco Carrera

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO DO AMBIENTE E SUA

APLICAÇÃO NA POLÍTICA URBANA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada

como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Direito Ambiental.

Por: Eneida Conceição Figueiredo de Assis Ferraz

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que me ajudaram de

alguma forma na realização desse trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente estudo ao meu marido José

Carlos, por sua total cumplicidade em minha

vida.

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar os aspectos relevantes do direito ao

meio ambiente e sua relação com as questões de política urbana, instrumento este

que busca conciliar os interesses conflitantes e assegurar aos indivíduos o direito ao

meio ambiente sadio e equilibrado. Para tanto, adota-se uma pesquisa de natureza

exploratória e pautada na revisão bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação,

dentre outras fontes, elementos para a compreensão do problema de pesquisa. Num

primeiro momento é analisada a tutela do meio ambiente no ordenamento jurídico

pátrio, partindo dos aspectos históricos da proteção ao meio ambiente, a análise da

consagração do meio ambiente como direito fundamental na Constituição da

República de 1988, bem como um apanhando da legislação ambiental brasileira.

Em seguida são tecidas considerações acerca dos aspectos destacados do meio

ambiente urbano, para, ao final, abordar o processo de urbanização e o conflito

socioambiental existente e a relação entre as políticas públicas de urbanização e a

preservação do meio ambiente. Concluiu-se que as políticas urbanas consagradas

no ordenamento jurídico pátrio, em especial as elencadas no Estatuto da Cidade,

buscam sanar o conflito existente entre o processo de urbanização e o direito ao

meio ambiente equilibrado e sadio, como consagrado na Constituição da República

de 1988, buscando assim proporcionar às presentes e futuras gerações o acesso à

vida com dignidade.

Palavras chave: Meio Ambiente – Urbanização – Política Urbana – Conflitos.

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METODOLOGIA

O trabalho de conclusão de curso, ora apresentado, é de natureza

sociojurídica e fundado na revisão da literatura, pois partiu-se de uma análise

seletiva da doutrina, legislação, periódicos, artigos, dentre outras fontes, que

retratam as questões inerentes aos aspectos relevantes do ambiente e sua

aplicação na política urbana.

Para tanto, lançou-se mão de uma pesquisa exploratória, que buscou coletar

informações capazes de propiciar um estudo analítico e crítico acerca do tema.

Uma vez coletados os dados, procedeu-se à leitura das obras, seguida de

fichamento, visando facilitar o acesso aos dados e o manuseio do material a ser

utilizado.

Por fim, para a redação do trabalho, foram cruzadas as informações coletadas

e fichadas, dando-se ênfase ao método dedutivo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7

1 A TUTELA DO MEIO AMBIENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ....... 9

1.1 Aspectos históricos da proteção jurídica ao meio ambiente .............................. 9

1.2 O meio ambiente como direito fundamental .................................................... 12

1.3 A legislação ambiental brasileira ..................................................................... 16

2 ASPECTOS DESTACADOS DO MEIO AMBIENTE URBANO ............................. 18

3 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E O MEIO AMBIENTE: A EXISTÊNCIA DE

UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL ........................................................................ 22

3.1 As políticas públicas de urbanização no Brasil ................................................ 25

3.2 A regularização fundiária como instrumento de política pública voltado à

preservação do meio ambiente .............................................................................. 32

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 40

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INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos a preocupação com o meio ambiente tem se

evidenciado em diversas searas da sociedade, não ficando o Direito alheio à essa

realidade, pois se reconheceu a necessidade de preservar o meio ambiente para

que as presentes e futuras gerações tenham assegurado o direito à vida com

dignidade.

A esse cenário some-se o fato de que com a evolução do Direito e da

sociedade o direito de propriedade deixou de ser uma manifestação absoluta do

direito privado, não sofrendo qualquer ingerência do Estado, para transformar-se em

um direito que deve observar, dentre outros, o princípio da função social da

propriedade, função social esta que está atrelada também às questões ambientais.

Nesse cenário, cabe ao titular desse direito observar os ditames legais, seja

na forma de aquisição, na manutenção ou no exercício do direito de propriedade,

que não é ilimitado, e sofre inúmeras limitações, principalmente as decorrentes das

normas ambientais.

Ademais, para proteger o meio ambiente, bem de uso comum do povo, o

Estado estabeleceu diversos regramentos, que se não observados podem ocasionar

a perda do direito de propriedade, pois não mais se admite, na atualidade, que a

propriedade não cumpra qualquer função social, e ainda que cumpra tal função, que

ignore as normas de Direito Ambiental.

Não se pode ignorar que tal situação ganhou relevância com o advento da

Constituição de 1988, que elevou o meio ambiente ao status de bem de uso comum

do povo, ao estabelecer, em seu art. 225, que todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao

Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações.

Nesse contexto é que surgiram as áreas de preservação permanente, que

podem ser concebidas como áreas de grande importância ecológica, cobertas ou

não por vegetação nativa, que têm como função preservar os recursos hídricos, a

paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora,

proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas. Dentre as áreas

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de preservação permanente encontram-se a zona costeira, em especial a restinga,

as dunas e os manguezais.

Não há como negar, portanto, que as questões de política urbana ganharam

evidência desde o advento da Constituição da República de 1988, influenciando

diretamente as relações interpessoais, as relações de propriedade, as questões

socioambientais, buscando assim conciliar os interesses, às vezes conflitantes, entre

o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado e a ocupação do solo urbano.

Nesse cenário é que se situa o presente estudo, que tem por objetivo analisar

os aspectos relevantes do direito ao meio ambiente e sua relação com as questões

de política urbana, instrumento este que busca conciliar os interesses conflitantes e

assegurar aos indivíduos o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.

Para tanto, adota-se uma pesquisa de natureza exploratória e pautada na

revisão bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação, dentre outras fontes,

elementos para a compreensão do problema de pesquisa.

Assim, divide-se o presente estudo em três capítulos. No primeiro capítulo

busca-se compreender a tutela do meio ambiente no ordenamento jurídico pátrio,

partindo dos aspectos históricos da proteção ao meio ambiente, a análise da

consagração do meio ambiente como direito fundamental na Constituição da

República de 1988, bem como um apanhando da legislação ambiental brasileira.

No segundo capítulo são tecidas considerações acerca dos aspectos

destacados do meio ambiente urbano.

Por fim, no terceiro capítulo é analisado o processo de urbanização e o

conflito socioambiental existente. Para tanto, analisa-se às políticas públicas de

urbanização no Brasil, bem como o instituto da regularização fundiária como

instrumento de política pública voltado à preservação do meio ambiente, buscando

assim conciliar os interesses entre o meio ambiente e as políticas públicas.

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1 A TUTELA DO MEIO AMBIENTE NO ORDENAMENTO

JURÍDICO PÁTRIO

1.1 Aspectos históricos da proteção jurídica ao meio ambiente

A proteção jurídica do meio ambiente não é assunto atual. Desde os tempos

mais remotos que a tutela ambiental vem sendo objeto de preocupação na

sociedade. Neste sentido, nos tempos coloniais, já existia uma especial atenção à

tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, que se voltava, entretanto, a

interesses particulares e econômicos.

A título de exemplo Milaré (2004, p. 114-116) aponta o crime de corte de

árvores frutíferas, previsto nas Ordenações Manuelinas (1521). Tal proteção não

visava o interesse coletivo, mas, sim, assegurar a atividade da monocultura.

De acordo com Albergaria (2009, p. 18), as primeiras normas destinadas à

tutela ambiental sofreram fortes influências dos valores econômicos da época. Ainda

segundo o autor, no Brasil colônia somente quem poderia cortar o pau-brasil era a

coroa portuguesa, que proibiu dos particulares o corte, transporte e comercialização

das madeiras, uma vez que o seu comércio rendia enorme quantidade de capital

para o Reino.

Dissertando acerca desse período Sirvinskas assevera:

A história mostra que tanto em Portugal como no Brasil-Colônia já havia uma preocupação com o meio ambiente. Naquela época, procurava-se proteger as florestas em decorrência da derrubada de árvores de madeira de lei para a exploração a Portugal, onde escasseava esse tipo de recurso. Houve inúmeras invasões de franceses, holandeses e portugueses no Brasil-Colônia, com o intuito apenas de extrair minérios (ouro, prata e pedras preciosas) e madeira, contrabandeando-os para Portugal e outros países. Diante disso é que os primeiros colonizadores resolveram adotar medidas protetivas às florestas e aos recursos minerais mediante a criação de normas criminais (SIRVINSKAS, 2008, p.6-7).

Adentrando no período do Brasil pré-republicano, Albergaria (2009, p. 25)

afirma que a primeira Constituição Imperial do Brasil, de 1824, inseriu no seu texto

constitucional uma previsão de elaboração do Código Penal e do Código Civil, tendo

em vista que nesta época ainda vigoravam as Ordenações Filipinas.

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Desta forma, em 1830, no âmbito criminal, surge o primeiro Código Penal que

penalizava o corte de madeira. Tal documento foi o impulso para que outras

legislações de proteção ambiental fossem criadas (SIRVINSKAS, 2008, p. 07).

Nesse sentido, em 18 de setembro 1850 veio a lume a Lei nº 601, como salienta

Milaré:

A Lei 601, de 18 de setembro de 1850, inovava significativamente no uso do solo, disciplinando a ocupação do território, atenta às invasões, aos desmatamentos e aos incêndios criminosos entre outros ilícitos. Nela houve, sem dúvida, uma preocupação de se evitar qualquer possibilidade de agredir a natureza a pretexto de aproveitamento da terra. Uma vez mais, porém a distância entre a estrutura formal e a real neutralizou, em grande parte, o espírito e a letra dessa lei (MILARÉ, 2004, p. 117).

Em 15 de novembro de 1889, o regime monarquista não mais vigorava no

País, tendo em vista a promulgação da República do Brasil, trazendo consigo uma

nova Constituição da República (ALBERGARIA, 2009, p. 26).

Destarte, no período que abrange o Brasil republicano, a primeira

manifestação do legislador na proteção ao meio ambiente foi com o Código Civil de

1916, que pôs fim às Ordenações Filipinas. No mencionado documento havia

normas de cunho ecológico destinadas “à proteção de direitos privados na

composição de conflitos de vizinhança” (MILARÉ, 2004, p. 118).

Sobre as restrições à propriedade impostas pelo Código Civil de 1916,

Albergaria ensina:

As poucas restrições feitas à propriedade eram para resguardar outro direito proprietário, a do vizinho que se sentia prejudicado, mas não se tinha uma noção, como se tem atualmente, de bem comum de toda uma sociedade, sem sequer identificar um possuidor unitário, como é o caso dos direitos difusos (ALBERGARIA, 2009, p. 27).

Conforme ensina Freitas (2000, p. 23), após esse período foi editado o

primeiro Código Florestal, através do Decreto-Lei nº 23.793, promulgado em 23 de

janeiro de 1934.

De acordo com Albergaria (2009, p. 28), tal instrumento normativo já

considerava as áreas de preservação permanente, aquelas situadas às margens de

curso d'água, bem como protegia outras florestas.

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Ainda neste período, Milaré (2004, p. 118-119) afirma que surgiram inúmeras

legislações infraconstitucionais voltadas à proteção da natureza. Dentre elas, o

Decreto-Lei nº 24.643/1934, que instituiu o Código das Águas, o Decreto-Lei nº

4.771/1965, que instituiu o Código Florestal, e o Decreto-Lei nº 6.766/1979, que

dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Neste período histórico, o tratamento

dado ao meio ambiente se inverteu completamente, como disserta Milaré:

Dentro do espírito contemporâneo, podemos afirmar, sem medo de errar, que somente a partir da década de 1980 é que a legislação sobre a matéria passou a desenvolver-se com maior consistência e celeridade. É que o conjunto das leis até então não se preocupava em proteger o meio ambiente de forma específica e global, dele cuidando de maneira diluída, e mesmo casual, e na exata medida de atender sua exploração pelo homem (MILARÉ, 2004, p. 119-120).

De acordo com Freitas (2000, p. 24-25), nesta época houve quatro momentos

que foram mais importantes para a atual concepção da proteção ambiental. A

primeira foi a edição da Lei nº 6.938 de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional

do Meio Ambiente. Tal instrumento legal instituiu o Sistema Nacional de Meio

Ambiente (SISNAMA), responsável pelo “planejamento de uma ação integrada de

diversos órgãos governamentais através de uma política nacional para o setor”

(ALBERGARIA, 2009, p. 32).

Outros dois momentos importantes foram a edição da Lei nº 7.347/1985, que

disciplinou a ação civil pública de responsabilidade por danos ao meio ambiente e

outros interesses difusos e coletivos, e a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil em 1988, que dedicou à tutela ambiental um capítulo exclusivo,

ordenando, a partir de então, a criação de legislações infraconstitucionais como as

Leis Orgânicas dos Municípios, etc. (MILARÉ, 2004, p. 121).

Nesse diapasão disserta Albergaria (2009, p. 34) afirma que a “influência da

Constituição Federal nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais,

sobre a questão ambiental foi de tal ordem que se podem dizer todas contêm

normas ambientais a exemplo da Carta Magna”.

Por fim, segundo Freitas (2000, p. 25), a última legislação editada em defesa

do meio ambiente foi a Lei n. 9.605/1998, que dispõe sobre os crimes ambientais.

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1.2 O meio ambiente como direito fundamental

Segundo Milaré (2004, p. 304) a Constituição da República de 1988 é

denominada como uma Constituição “verde” por dar ampla proteção ao meio

ambiente.

Com efeito, a Constituição da República de 1988 é considerada a principal

fonte legal do Direito Ambiental, tornando capaz a ampliação dos mecanismos

judiciais direcionados à tutela ambiental, como disserta Antunes:

[T] a existência do artigo 225, no ápice, e todas as demais menções constitucionais ao meio ambiente e à sua proteção demonstram que o DA é essencialmente um 'direito constitucional', visto que emanado diretamente da Lei Fundamental. Essa é uma realidade nova e inovadora em nossa ordem jurídica, haja vista que, estabelecida após a Carta de 1988, tem sido capaz de ampliar a defesa de direitos individuais e dos mecanismos judiciais aptos a protegê-los (ANTUNES, 2008, p. 57).

A Constituição da República de 1988 trata do meio ambiente no Título VIII (Da

Ordem Social), Capítulo VI (Do Meio Ambiente) que se inicia a partir do art. 225. O

mencionado dispositivo legal expressamente prevê a todos o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado e incumbe “ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL,

1988).

De acordo com Milaré o art. 225 possui três conjuntos de normas, quais

sejam:

O primeiro aparece no caput, onde se inscreve a norma-matriz, reveladora do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o segundo encontra-se no §1º, com seus incisos, que versa sobre os instrumentos de garantia e efetividade do direito enunciado no caput do artigo; o terceiro compreende um conjunto de determinações particulares, em relação a objetos e setores, referidos nos §§2º ao 6º, que, por tratarem de áreas e situações de elevado conteúdo ecológico, mereceram desde logo proteção constitucional (MILARÉ, 2004, p. 307).

A Constituição da República de 1988 trouxe grande avanço para a proteção

do meio ambiente. Anteriormente, a matéria era tratada em normas

infraconstitucionais sempre sujeitas a alterações no seu teor. Contudo, o art. 225 da

CRFB/88 deu uma segurança jurídica à tutela ambiental, que foi elevado a caráter

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de direito fundamental pelo art. 5º, inciso LXXIII, que concede o direito ao exercício

da ação popular ambiental. Cuida-se, portanto, de um direito constitucional

fundamental (FREITAS, 2000, p. 22).

De acordo com Mirra (2009, p. 13), trata-se de um direito indisponível, tendo

em vista que a proteção ao patrimônio ambiental deve ser feita em prol de uma

coletividade, preservando-o não somente para as presentes, mas também para as

futuras gerações.

O §1º do art. 225 da CRFB/88 apresenta um rol de deveres ao Poder Público

para garantir a efetividade do direito ao meio ambiente saudável, quais sejam:

Art. 225 [...] §1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas às pesquisas e manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VIII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, através de ações do Poder Público, o parágrafo primeiro tem

por objetivo preservar o meio ambiente que se encontra em boas condições e

recuperar aquele que foi degradado (MILARÉ, 2004, p. 309).

Sirvinskas (2008, p. 64) afirma que a responsabilidade pela tutela ambiental é

dever também de toda coletividade. De acordo com o Autor, cada cidadão tem a

obrigação de preservar o meio ambiente através dos instrumentos normativos

colocados a sua disposição pela CRFB/88 e pela legislação infraconstitucional.

De acordo com Machado (2006, p. 122), a expressão “Poder Público” não se

refere tão somente ao Poder Executivo, mas abrange também o Poder Legislativo e

o Judiciário. Segundo o Autor, “os constituintes engajam os três Poderes da

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República na missão de preservação e defesa do meio ambiente, agindo eles com

independência e harmonia recíproca” (MACHADO, 2006, p. 122).

O mencionado dispositivo legal preocupou-se, no §2º, em proteger o meio

ambiente face dos danos ocasionados pela extração de minerais. Segundo Milaré

(2004, p. 325) a atividade de mineração constitui uma agressão à natureza,

representando um dos ramos industriais mais impactantes ao meio ambiente.

Conforme afirma Sirvinskas (2008, p. 83), a extração de minérios é permitida

somente mediante a realização do EPIA/RIMA para se ter noção dos danos que a

atividade irá causar ao meio ambiente na localidade.

De acordo com Machado (2006, p. 217), o Estudo Prévio de Impacto

Ambiental (EPIA/RIMA), é um instrumento de manejo ecológico da Política Nacional

do Meio Ambiente, que tem por função fornecer às Administrações Pública

informações sobre a área estudada, de modo a fazer com que a decisão final da

Administração seja valorada ponderando o valor ambiental com a atividade

impactante.

Ao final, exige-se do minerador a responsabilidade de “recuperar o meio

ambiente degradado” de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público

ambiental responsável (ANTUNES, 2000, p. 327).

O §3º do art. 225 da Constituição da República de 1988, por seu turno, aplica

medidas de caráter punitivo e reparatório ao poluidor, seja ele pessoa física ou

jurídica (MILARÉ, 2004, p. 327). Destarte, o dano ambiental pode gerar ao infrator

uma tríplice reação do ordenamento jurídico, de modo que um único ato acarrete a

imposição de sanções administrativas, civis e penais (SIRVINKAS, 2008, p. 86-87).

Com efeito, o Estado poderá aplicar a sanção de natureza administrativa, no

âmbito de seu poder de polícia em matéria ambiental, de acordo com os arts. 14, I a

IV, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e 70 da Lei dos Crimes Ambientais

(GUERRA, 2005, p. 70).

Do mesmo modo, na esfera penal, o crime se configura com a atipicidade (art.

1º, do Código Penal) e a antijuridicidade (art. 23, do Código Penal). Geralmente a

sanção penal vai comportar a limitação da liberdade. É a Lei dos Crimes Ambientais

quem vai cuidar de disciplinar os crimes ambientais estabelecendo sanções penais

para a tutela ambiental (MILARÉ, 2004, p. 329).

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De acordo com Guerra (2005, p. 68-69), a responsabilidade civil consiste na

medida mais intuitiva, “na medida que ações humanas são praticadas e que violam o

direito alheio, compete àquele que causou o dano, o dever de repará-lo.”

Sobre dano, Diniz ensina:

[T] dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver dano a reparar. Isto é assim porque a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir, que, logicamente, não poderá concretizar-se onde nada há para reparar (DINIZ, 2004, p. 55).

O art. 225 da Constituição da República, em seu §4º, confere também

proteção especial aos cinco grandes biomas brasileiros: Floresta Amazônica, Mata

Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. Na visão de

ANTUNES (2008, p. 483), a conservação das florestas é essencial para a

humanidade e demais formas de vida.

Devido a tamanha importância das florestas na vida e na própria estrutura do

ecossistema, o legislador constitucional estabeleceu limitações ao seu uso, que será

regulamentada por intermédio de leis que assegurem a proteção ao meio ambiente

(ANTUNES, 2008, p. 490).

Por sua vez, o § 5º do art. 225 da Constituição da República de 1988 dispõe

sobre a indisponibilidade de terras devolutas e de áreas indispensáveis à

preservação ambiental. Sobre o referido parágrafo, Milaré explica:

Com base nessa previsão constitucional, a Lei n. 9.985/00 instituiu o chamado Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que estabelece as diretrizes para a criação desses espaços protegidos em razão de seus peculiares atributos. Essa, inevitavelmente, será a destinação pública das terras devolutas, quando necessárias à proteção ecológica (MILARÉ, 2004, p. 333).

Sirvinksas (2008, p. 90) ensina que terras devolutas são aquelas pertencentes

ao Poder Público e que não possuem titulação, sendo, assim, “indisponíveis se

houver a necessidade de proteção dos ecossistemas no seu interior, bem como as

arrecadadas por ações discriminatórias”.

Por fim, atenta às atividades nucleares consistentes em usinas que funcionem

por combustível nuclear, a Constituição, no seu art. 225, § 6º, buscou controlar

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especificamente essas atividades, levando em consideração a existência de

diversos dispositivos que versam sobre a utilização da energia nuclear (ANTUNES,

2008, p. 813).

Anote-se, ainda, que a Constituição da República de 1988 sobre a matéria

exerce um controle rigoroso, prevendo o controle desta atividade em diversos

dispositivos. De acordo com Sirvinksas (2008, p. 91) compete à União legislar sobre

a atividade nuclear, ficando os Estados, Distrito Federal e Município, incumbidos do

dever de fiscalização dessa prática.

Por fim, cumpre ressaltar que pelo fato de o art. 225 da Constituição da

República de 1988 ser complexo e possuir uma enorme gama de implicações, a

efetividade desse direito vai depender de diversos instrumentos jurídicos. Configura-

se, então, a necessidade da criação de leis regulamentando o assunto (ANTUNES,

2008, p. 63).

1.3 A legislação ambiental brasileira

Grande parte dos textos normativos do direito ambiental brasileiro é anterior à

Constituição da República de 1988. Logo, “existe um verdadeiro cipoal de leis,

decretos-lei, medidas provisórias, decretos, resoluções e portarias a reger a matéria”

(MILARÉ, 2004, p. 122).

Barros (2008, p. 43) preocupou-se em sistematizar a estrutura das fontes

destinadas à tutela do meio ambiente. Segundo o Autor, as fontes formais do direito

ambiental provêm da “CRFB/88, das Constituições estaduais, das leis

infraconstitucionais, da doutrina, da jurisprudência, dos usos e costumes, do direito

comparado e dos tratados internacionais”.

A esse respeito disserta Antunes:

As leis brasileiras sobre proteção ambiental podem ser federais, estaduais ou municipais, cada uma dentro de uma determinada esfera de atribuição e competência. A CF define um modelo para que cada lei de um ente federativo seja válida em determinada esfera. Os atos internacionais ratificados pelo Brasil integram o direito brasileiro com a hierarquia de lei (ANTUNES, 2008, p. 54).

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Guerra (2005, p. 232-295) elenca algumas das mais importantes leis

ambientais do ordenamento jurídico ambiental. Cuida-se exclusivamente do Código

Florestal de 1965, a Lei do Programa Nacional do Meio Ambiente, a Lei da Ação

Civil Pública e a Lei dos Crimes Ambientais.

Importante ressaltar que não se pretende, neste estudo, abordar as

peculiaridades e disciplina legal de cada diploma legal supracitado, mas tão somente

apresentar ao leitor quais os diplomas legais que, em conjunto, disciplinam a

questão ambiental no ordenamento jurídico pátrio.

Quanto à abundante quantidade leis que regem a matéria ambiental no

ordenamento jurídico brasileiro, Milaré leciona:

Se, no plano mais amplo, a legislação ambiental brasileira é festejada, espanta verificar, então, que, no terreno da realidade, isto é, das atividades degradadoras, as normas ambientais não tenham sido capazes de alcançar os objetivos que justificam sua existência, o principal deles sendo compatibilizar o crescimento econômico com a proteção ambiental (MILARÉ, 2004, p. 121).

Anote-se, por derradeiro, que a Constituição da República de 1988 é a fonte

principal do direito ambiental brasileiro, tendo por base o art. 225, que prevê a todos

o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os arts. 23 e 24 que

estabelecem as competências em matéria ambiental (BARROS, 2008, p. 43).

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2 ASPECTOS DESTACADOS DO MEIO AMBIENTE URBANO

As diferentes concepções sobre a forma de agir do ser humano no meio

ambiente decorrem, em grande parte, da compreensão do que seja o meio

ambiente.

Segundo Moreira (2002, p. 1), as abordagens propostas pelos ambientalistas,

que ganharam evidência no início da década de 1970, e preconizados nas primeiras

conferências promovidas pelas Organizações das Nações Unidas, conceberam o

ambiente apenas como as relações dos homens com a natureza, para a

preservação dos recursos naturais.

Nessa perspectiva, é recorrente o debate entre conservacionistas e

preservacionistas, sendo que aqueles defendem a conservação de amostras

representativas e funcionais de ecossistemas em unidades de conservação,

podendo haver a presença humana no interior as áreas protegidas, desde que

norteada pela defesa dos recursos ambientais. Lado outro se encontram os

preservacionistas, que defendem a manutenção de uma natureza pura e intocada,

ou seja, haveria plena incompatibilidade entre a preservação ambiental e a presença

humana permanente no interior das áreas protegidas, dentre elas as áreas de

preservação permanente, como ocorre com as áreas de restinga e dunas, por

exemplo (SANTOS, 2007, p. 84).

Acontece que não se pode dissociar o conceito de meio ambiente dos

recursos naturais, embora a este não se restrinja. Por isso Reigota (1998, p. 14)

define o meio ambiente como “o lugar determinado ou percebido, onde os elementos

naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação”.

Para o autor supracitado, ao conceito de meio ambiente outros se encontram

implícitos, dentre eles o conceito de criação cultural e tecnológica, sem prejuízo dos

processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído

(REIGOTA, 1998, p. 14).

Ademais, não se pode dissociar o direito ao meio ambiente do direito de

propriedade, que na atualidade não é ilimitado e irrestrito, já que deve observar,

dentre outros, o princípio da função social, consagrado expressamente na

Constituição da República de 1988 e no Código Civil de 2002.

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Não é demais ressaltar que a legislação brasileira, ao definir o meio ambiente,

o faz de forma abrangente, ou seja, o conceito apresentado pela Lei nº 6.938/1981

considera meio ambiente “o conjunto de condições, leis, influências e interações de

ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as

suas formas” (BRASIL, 1981). Destarte, o conceito de meio ambiente urbano deve

ser analisado em consonância com o conceito de meio ambiente em sentido amplo.

Segundo Steinberger (2001, p. 10), o meio ambiente urbano deve ser

conceituado como um objeto de uma complexidade tal que comporta uma nova área

de investigação, uma vez que existe uma sensível diferença entre analisar um

problema urbano por si só, e inseri-lo em uma problemática ambiental urbana. Logo,

é esse o conceito que mais interessa ao presente estudo.

Ainda, argumenta o autor que expressão “meio ambiente urbano” traz a

possibilidade de um novo olhar, que não é, isoladamente, nem ambiental nem

urbano, devendo existir entre ambos uma inter-relação necessária, sob pena de se

comprometer a eficácia de um ou outro conceito (STEINBERGER, 2001, p. 10).

Na mesma esteira são os ensinamentos de Costa (2000, p. 56), para quem o

meio ambiente urbano busca sintetizar dimensões físicas (naturais e construídas),

do espaço urbano com dimensões de ambiência, de possibilidades de convivência e

de conflito, associadas às práticas da vida urbana e à busca de melhores condições

de vida.

Percebe que não é fácil a tarefa de se conceituar meio ambiente urbano,

dificuldade esta que decorre principalmente da visão do processo de urbanização,

que em sua maioria causa impactos ambientais indesejáveis, comprometendo a

estrutura física, química e biológica do meio ambiente. É nesse cenário que o

Estado deve intervir, estipulando limitações ao direito de propriedade, imprescindível

ao processo de urbanização, e intrinsecamente relacionado as políticas publicas

voltadas á urbanização.

Logo, a tutela ambiental, que envolve a preservação, a conservação, a

recuperação e a reabilitação, indicando ações de proteção aos elementos naturais

do meio ambiente, de modo a obstar práticas capazes de destruir, de qualquer

forma, o meio ambiente.

Em outras palavras significa dizer que cabe ao Estado minimizar os

problemas decorrentes do processo de urbanização, decorrentes do

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desenvolvimento, da concentração populacional, da poluição industrial, da depleção

de recursos naturais, pela ocupação irregular, ou a ocupação de áreas de

preservação permanente, sem prejuízo dos problemas oriundos da carência de

saneamento básico, educação precária, pobreza, desenvolvimento desordenado,

dentre outros.

Acontece que não se pode restringir os problemas ambientais urbanos ao

processo de urbanização, pois seria desconsiderar as precárias políticas públicas e

a lógica excludente, própria das sociedades capitalistas.

Nesse contexto é que Acselrad (2004, p. 23) ressalta haver uma estreita

relação entre degradação ambiental e a injustiça social, pois a lógica política e

econômica capitalista, que atribui ao mercado e ao progresso técnico a capacidade

de resolver as questões ambientais, têm gerado uma desigualdade social de

exposição aos riscos ambientais.

Logo, não há como negar que as políticas públicas devem ser mais eficientes,

seja na fiscalização de ocupações irregulares, seja no que determina o cumprimento

da legislação vigente, observando as limitações ao uso da propriedade, preservando

as áreas determinadas por lei como de preservação permanente, investindo em

políticas públicas cujo objetivo seja assegurar o direito a um meio ambiente

equilibrado, direito das presentes e futuras gerações, como consagrado pela

Constituição da República de 1988.

Desta feita, é clara a existência de um conflito socioambiental no Brasil, que

segundo Bredariol (apud ALONSO; COSTA, 2002, p. 108) pode ser definido como

um tipo de conflito social que expressa uma luta entre interesses opostos, que

disputam o controle dos recursos naturais e o uso do meio ambiente comum, mas,

também, a apropriação de benefícios de investimentos públicos e a distribuição

desigual dos impactos ambientais de empreendimentos públicos ou privados.

Já Alonso e Costa (2002, p. 8) consideram os conflitos ambientais como

disputas que ocorrem em torno do controle sobre bens e recursos naturais, e quanto

ao poder de gerar e impor certas definições da realidade se estruturando,

simultaneamente, em torno de interesses e valores.

De acordo com Carvalho (1998, p. 104), os conflitos socioambientais podem

ser compreendidos como parte do conjunto heterogêneo de valores e ações

constitutivos do que o autor chamou de “acontecimento ambiental”, representando

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possibilidades de agenciamento de uma sensibilidade para a valorização da

natureza, enquanto bem estético e vital, com as lutas pelo direito aos bens

ambientais e a qualidade de vida.

Neste ponto é importante transcrever os ensinamentos de Acselrad, ao tratar

dos conflitos ambientais, nos seguintes termos:

Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade, das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem, ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas, etc. Este conflito tem por arena unidades territoriais compartilhadas por um conjunto de atividades cujo “acordo simbiótico” é rompido em função da denúncia dos efeitos indesejáveis da atividade de um dos agentes sobre as condições materiais do exercício das práticas de outros agentes (ACSELRAD,2004, p. 26).

Por fim, cumpre ressaltar que para a resolução dos conflitos socioambientais

faz-se necessária a adoção de medidas democráticas e participativas, e não apenas

em manifestações ditatoriais, ou seja, baseadas apenas nos pareceres de

especialistas. Assim, Freitas (2004, p. 151) chama a atenção para o fato de que a

forma de resolução do conflito é tão importante quanto a solução encontrada, já que

processos e resultados possuem, ainda que separados, profundos efeitos sobre a

qualidade das informações, o ambiente e a saúde humana.

Logo, faz-se necessário abordar a problemática do processo de urbanização

sob a ótima da existência de um conflito socioambiental, apontando a importância da

política urbana para a preservação do meio ambiente, o que passa a ser abordado

no próximo capítulo.

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3 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E O MEIO AMBIENTE:

A EXISTÊNCIA DE UM CONFLITO SOCIOAMBIENTAL

Como apontado no capítulo anterior há claro conflito entre os anseios

preservacionistas e conservacionistas relacionados ao meio ambiente e o processo

de urbanização, conflito este de cunho socioambiental, e que remete à ideia de

ocupação desordenada do solo urbano e de ineficácia das políticas públicas que,

nem sempre, possibilidade efetiva proteção ao meio ambiente.

Nesse cenário, encontra-se o Estado, que deve adotar políticas públicas

capazes de sanar os problemas oriundos dos conflitos socioambientais, pois o

Estado é considerado o agente de mediação de interesses de maior peso nos

conflitos socioambientais.

Segundo Sabatini (apud COSTA; BRAGA, 2004, p. 9), o papel do poder

público nos conflitos socioambientais irá se definir a partir da tensão que este vive

entre desempenhar um papel de mediação do conflito ou definir-se como parte

interessada nele.

Acselrad (2004, p. 33) assinala que os conflitos ambientais nos centros

urbanos representam reações de defesa da qualidade de vida, ameaçada pelo

processo de globalização econômica, e ressalta que os conflitos ambientais urbanos

são provocados pelas contradições decorrentes dos novos modelos de regulação

urbana, na qual se identifica a tentativa de reconstrução simbólica da identidade das

cidades, por meio das políticas voltadas às cidades sustentáveis, preconizada no

Estatuto da Cidade e nas legislações voltadas à regulação do processo de

urbanização, e um processo de desregulamentação e redesenho da esfera política.

Desta feita, seriam os conflitos urbanos deflagrados quando os atores sociais, que

se sentem discriminados, denunciam os mecanismos de desigualdade ambiental.

Comunga deste entendimento Costa e Braga (2004, p. 5), que ressaltar que

as cidades brasileiras tendem a conviver com problemas típicos da pobreza, como

falta de saneamento básico e construções em áreas não adequadas, e com

problemas relacionados aos altos padrões de vida e consumo, dentre os quais se

destaca o sistema viário.

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Logo, o principal foco dos conflitos ambientais urbanos seria a tensão entre o

uso público e privado dos recursos econômicos, sociais, culturais, bióticos e

abióticos da cidade e de seu entorno. Ou seja, há um conflito entre o exercício do

direito de propriedade, e as normas de direito ambiental, já que desse choque

derivam os problemas supracitados.

Factualmente, os conflitos urbanos mais recorrentes têm sido motivados pelo

processo de ocupação de áreas de preservação permanente, como apontam

Maricato e Tanaka (2006, p. 19), e ressaltam que grande parte das ocupações

ilegais nas cidades brasileiras ocorre em áreas ambientalmente sensíveis, nas quais

os ocupantes dessas áreas suportam os riscos advindos de condições físicas

adversas ou da falta de saneamento básico. E o autor acrescenta:

A evolução dos indicadores urbanísticos que refletem as reais condições de vida da população (...) é bastante negativa. São comuns as ocupações inadequadas do solo (envolvendo áreas ambientalmente sensíveis, como margens de córregos, mangues, dunas, várzeas e matas), o crescimento acelerado das favelas (e de ocupações ilegais de modo geral), a ocorrência de enchentes (decorrentes da impermeabilidade exagerada do solo e do comprometimento das linhas de drenagem) e de desmoronamento com mortes (devido à ocupação inadequada de encostas), a degradação de recursos hídricos com esgotos e outros problemas (MARICATO; TAMAKA, 2006, p. 19).

Segundo Servilha et al., (2007, p. 1) os conflitos surgem devido às diferentes

restrições de uso dessas áreas impostas pela legislação, e em decorrência das

novas funções dadas, pela população aos espaços que deveriam ser preservados

ambientalmente, como as áreas de preservação permanente.

Para esse autor, ao desconsiderar a existência do homem e sua influência na

dinâmica da paisagem, na qual as áreas de preservação permanentes estão

inseridas, os objetivos preservacionistas em tais instrumentos não atingiram a

eficácia desejada (SERVILHA et al., 2007, p. 4).

No mesmo sentido são os ensinamentos de Compans (2007, p. 3), que

constatou, ao analisar a ocupação das encostas na cidade do Rio de Janeiro, como

áreas a serem protegidas, a legislação ambiental acabou por facilitar sua ocupação

pelos pobres, face ao desinteresse do mercado imobiliário. Assim, restaram

fomentados os conflitos envolvendo as comunidades de áreas ocupadas

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ilegalmente, para fins de moradia, também podem ser caracterizados como conflitos

ambientais.

Percebe-se, portanto, que os conflitos surgem quando há divergências de

interpretação sobre a apropriação dos espaços ocupados. Por isso Compans e Viña

(2006, p. 09) afirmam que esta modalidade de conflito apresenta característica

específica em relação às demais formas de conflitos ambientais, e permite a

constatação de que, nas disputas pelo espaço urbano, um só ator social passa a ser

ao mesmo tempo réu e vítima, já que a aquisição da propriedade traz, consigo, um

problema ambiental.

Assim sendo, os moradores das ocupações ilegais são considerados réus por

serem, na maioria dos casos, os alvos das denúncias. Assim, nos conflitos

envolvendo ocupações irregulares do solo, há uma inversão do papel dos pobres,

que na maioria das vezes encontram-se na situação de vítimas, nesses casos são

os disseminadores dos conflitos.

Outrossim, os moradores das ocupações ilegais também podem ser

considerados as vítimas nos conflitos, na medida em que a questão ambiental se

entrelaça completamente com o problema social da carência de moradia popular nas

cidades e da ausência de Políticas de Habitação Popular.

Compans e Viña (2006, p. 11) contestam esse argumento, e apontam que a

tese do pobre como vítima passiva pode ser colocada em xeque nos casos de

conflito ambiental envolvendo ocupações ilegais, pois em áreas de preservação

permanente, como as restingas, dunas, manguezais, mesmo estando em

desvantagem econômica, os pobres desenvolvem estratégias de ocupação e de

resistência, fazem alianças e jogam politicamente.

Não se pode negar, ainda, que a ocupação de áreas de preservação

permanente traz à tona a discussão sobre a pertinência ou não da política de

remoção de “favelas”, já que a sua simples remoção levaria a acreditar que os

pobres são os únicos causadores dos problemas ambientais urbanos, o que não é

verdade, pois não raras vezes são difundidos na mídia escrita e televisiva casos em

que grandes propriedades, verdadeiras mansões, redes hoteleiras, dentre outras, se

instalam em áreas de preservação permanente, para de elas usufruir, sem se

preocupar com os problemas ambientais oriundos dessa modalidade de ocupação.

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Tal observação faz com que cada caso de ocupação ilegal seja analisado em

suas peculiaridades, observando o histórico da ocupação, e as consequências para

os indivíduos envolvidos, para a sociedade, e para o meio ambiente, já que revela

um conflito que se estabelece entre o direito à moradia de uma parcela da

população, e a legitimidade de regras jurídicas no campo da política ambiental,

colocando na pauta de discussão a questão dos direitos humanos.

Fato é que as áreas de preservação permanente são, indubitavelmente, de

suma importância, seja pela sua função ambiental, seja pelos benefícios promotores

do bem estar das populações urbanas, como apontam Garcia (2008, p. 28). Porém,

as políticas públicas de preservação destas áreas deve observar, ainda, as relações

sociais que influenciam o uso dessas áreas, sob pena de restar instaurada a

desordem urbana, seja por processos de auto-organização, seja por projeto e

intervenção.

Destarte, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca das políticas

públicas de urbanização.

3.1 As políticas públicas de urbanização no Brasil

A Constituição da República de 1988 é marco na história brasileira, seja pelo

período em que foi promulgada, após anos de políticas ditatoriais, sendo

responsável pela redemocratização do país, seja pelo amplo rol de direitos

fundamentais consagrados, positivando direitos e deveres, sem prejuízo das

premissas que impelem a uma interpretação de que todo indivíduo tem obrigações a

cumprir, assim como o Estado tem que operacionalizar medidas que assegurem a

efetividade dos direitos fundamentais sociais.

Por isso é que Canotilho (2001, p. 112) aponta ser a Constituição o “estatuto

jurídico do fenômeno político”, e no caso do Brasil, traz consigo os ideais

democráticos, sociais e republicanos, sem prejuízo do princípio da dignidade da

pessoa humana como sustentáculo fundamental da República Federativa do Brasil,

ao lado dos demais princípios e objetivos do Estado.

Mister frisar que a Constituição da República de 1988 se destaca, ainda, por

ser o primeiro diploma legal a trazer em seu bojo uma série de diretrizes jurídicas e

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políticas destinadas ao desenvolvimento urbano, à promoção e proteção do cidadão,

e à vida com dignidade.

Ainda, são encontrados no texto constitucional comandos que determinam o

planejamento urbano e políticas para o seu desenvolvimento, identificadas mediante

a determinação de competências e distribuição de responsabilidades entre os entes

federativos, de modo a proporcionar o desenvolvimento regional.

Percebe-se que na atualidade cabe ao Estado implementar medidas capazes

de resgatar o tempo desperdiçado ao longo de várias décadas em que o social não

foi alvo de preocupação dos governantes, transformando o cenário de modo a

proporcionar o saneamento das mazelas sociais, permitir a redução das

desigualdades, a melhor distribuição de renda, o acesso à educação e à saúde, bem

como o direito a uma moradia digna.

É bom lembrar, neste ponto, que a questão da moradia passou a ser uma

constante nos discursos voltados aos problemas urbanos, principalmente nas

últimas décadas e em decorrência da migração de grande parte da população do

campo para a zona urbana, aumentando os problemas das cidades no que se refere

à falta de infraestrutura.

Porém, de nada adiantaria que o constituinte inserisse na Constituição da

República de 1988 dispositivos acerca dos direitos sociais, se o Poder Público não

adotasse metas e objetivos capazes de permitir o efetivo acesso, por meio de

regulamentação e distribuição de competências.

Por isso, a Constituição da República de 1988 delineou as atividades

imediatas e mediatas do Estado, a serem conduzidas por políticas públicas como

mecanismo viabilizador da realização dos direitos fundamentais sociais.

Logo, pode-se afirmar que as políticas públicas urbanas estão fundamentas

na Constituição da República de 1988, assim como os seus instrumentos, que visam

articular cidadãos, políticas, democracia, legislativo e atividade administrativa do

Estado na busca da concretização dos direitos sociais (BERCOVICI, 2005, p. 63).

Não se pode ignorar que desde a Revolução Industrial os centros urbanos

passaram a ser reconhecido como a representação na busca da felicidade, e no

Brasil esse fenômeno se intensificou a partir da década de 1930, criando um cenário

urbano caracterizado pelo espaço regulares e por espaços irregulares. A esse

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processo denominou-se urbanização, demonstrando o crescimento urbano em

proporção superior à população rural (SILVA, 2006, p. 26).

Acontece que o Estado não consegue acompanhar a urbanização

desenfreada, responsável por gerar má condição de vida nos centros urbanos, mas

que também não incentiva a população a migrar para o campo devido à inexistência

de políticas voltadas às melhores condições de vida. Esse triste cenário faz com que

várias regiões do Brasil sejam desprovidas de intervenções públicas eficientes e

comprometidas com o desenvolvimento social e econômico.

De igual forma, carecem de institucionalização de instrumento hábeis e

eficientes, principalmente no que se refere à infraestrutura básica. Significa dizer,

portanto, que a migração para as cidades demonstraram a ineficácia estatal em

absorver esse contingente, fazendo com que ao lado da urbanização brasileira

surgisse a segregação espacial da população de baixa renda, os assentamentos

irregulares, clandestinos e irregulares, e as conhecidas favelas, realidade na quase

totalidade dos municípios brasileiros.

Importante ressaltar que o cenário acima não se deu em uma época em que o

Brasil estava desprovido de dispositivos legais relacionados ao conteúdo

urbanístico, muito pelo contrário. O que se viu foi a total ineficácia das políticas

públicas urbanas, que não foram capazes de acompanhar o desenvolvimento

urbano, e atraídos pelas supostas melhores condições de vida, a população de

baixa renda se dirigiu para as periferias dos centros urbanos.

Na verdade, as políticas públicas urbanas foram incapazes de frear o

processo desorganizado pelo qual passou a expansão das cidades, o que gerou

degradação ambiental, uso e ocupação desordenada do solo movida pelo poder

econômico, gerando déficit habitacional.

Tal cenário fez com que o constituinte delineasse políticas de controle e

limitação do uso da propriedade urbana, com base no princípio da função social da

propriedade, distribuindo competência entre os entes federativos e trazendo o

Município para o poder de decisão sobre o solo urbano em seu território.

Logo, o planejamento urbano recebeu atenção do legislador, destacando a

responsabilidade municipal para promover políticas urbanas, tais como o Plano

Diretor, que além de indicar mecanismos jurídicos sancionátórios, focou-se na

função social da propriedade.

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Além do instrumento supracitado, o constituinte dedicou capítulo específico à

política urbana, inserido no Título destinado a ordem econômica e financeira, nos

arts. 182 e 182, estabelecendo a forma de desenvolvimento e crescimento das

cidades, impondo ao administrador municipal o dever de planejar o uso do solo

urbano, responsabilizando-o pela definição do uso da propriedade individual em

conformidade com as necessidades dos aglomerados urbanos, indicando os pilares

da urbanização das cidades, sem prejuízo das soluções jurídicas apontadas para a

promoção do acesso à moradia por meio da segurança da posse (SILVA, 2006, p.

27).

Mas, enfim, o que é política urbana? Séguin (2005, p. 16) defende que política

urbana pode ser definida como o conjunto de estratégias políticas, normas, diretrizes

e ações que configuram procedimentos a serem realizados pelo poder público, seja

de forma isolada, seja em regime de cooperação com a iniciativa privada ou a

sociedade de uma forma geral, mas sempre articulada, objetivando o

desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, para que essa possa

propiciar bem-estar aos seus habitantes.

Importante ressaltar, ainda, que o direito à moradia, embora já se encontrasse

inserido no texto constitucional, indicado como direito a ser assegurado ao

trabalhador rural e urbano, foi elevado ao status de direito fundamental com o

advento da Emenda Constitucional nº 26/2000, ou seja, passou-se a disciplinar o

direito constitucional à moradia enquanto direito fundamental social.

Logo, as diretrizes firmadas pela Constituição da República de 1988 são

representadas por um conjunto de políticas públicas voltadas a impedir a exclusão

social, conter a desigualdade social e o desrespeito aos direito sociais, a

degradação ambiental, e permitir o acesso à moradia, educação, lazer, trabalho,

saúde e desenvolvimento econômico sustentável. Há, portanto, um lado positivo e

outro negativo nos direitos fundamentais sociais, na medida em que se deve

proporcionar o acesso a uma determinada gama de direitos, e obstar que

consequências maléficas advenham da sua não observância.

Logo, as políticas públicas urbanas têm por escopo reforçar a função social

da cidade na promoção do desenvolvimento urbano, sem prejuízo da relação

existente entre campo e centro urbano, pois é a cidade que representa o universo de

dimensões públicas e privadas que se integram na busca do desenvolvimento e do

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bem estar comum. Em outras palavras, tem por finalidade assegurar a proteção de

melhores condições de convivência nas cidades, para as gerações presentes e

futuras, diminuindo os problemas institucionais, promovendo a gestão urbana e

corrigindo distorções administrativas.

É importante ressaltar que as políticas públicas urbanas, além dos

dispositivos constitucionais específicos, deve se fundar no princípio da dignidade da

pessoa humana, seu maior fundamento, devendo a propriedade ser organizada de

modo a compatibilizar as demandas sociais.

Por isso é que os arts. 182 e 183 da Constituição da República de 1988

determinam que a política pública urbana deva ser executada pelo Município

objetivando garantir condições razoáveis de habitação, trabalho, circulação,

recreação, incluindo a harmonia com o meio ambiente, fatores estes que configuram

o princípio da função social urbana.

Nesse cenário é que ganha importância o Plano Diretor, instrumento jurídico

básico e indispensável à elaboração e adoção de políticas urbanas. Ou seja, por

determinação constitucional, a democratização das funções da cidade se inicia pela

elaboração do Plano Diretor, parte do processo de elaboração das políticas públicas

municipais, qualificado como principal ferramenta de implementação da política de

desenvolvimento urbano (BASTOS, 1990, p. 21).

Ademais, o Plano Diretor é um munus para o Município, a quem cabe

conduzir as ações públicas quanto ao funcionamento da cidade e a identificação da

função social da propriedade urbana (BASTOS, 1990, p. 21). Em outras palavras

significa dizer que é o Plano Diretor, portanto, que desenha e fixa as diretrizes de

uso, parcelamento e ocupação do solo, permitindo o encaminhamento de ações

concretas no território da cidade, vinculando as funções da propriedade às diretrizes

e objetivos da política urbana estabelecida no Município (CORREA, 1991, p. 256).

Visando efetivar as diretrizes e objetivos, o Plano Diretor também introduziu

mecanismo que garantissem o seu cumprimento e que são tratados com mais

detalhamento pelo Estatuto da Cidade.

Anote-se, ainda, que os arts. 182 e 183 da Constituição da República de

1988, inseridos no Capítulo destinado à disciplina da Política Urbana, foram

regulamentados pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da

Cidade, responsável pelo estabelecimento das diretrizes gerais da política urbana.

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O diploma legal em comento se caracteriza por trazer em seu bojo uma gama

de princípios expressos à concepção de cidade e seu planejamento, sem prejuízo

das diretrizes relativas à gestão urbana.

Ainda, coube ao Estatuto da Cidade traçar os instrumentos da política urbana,

tais como os planos nacionais, regionais e estaduais acerca da ordenação do

território e do desenvolvimento econômico e social, além dos planos diretores,

normas relativas ao tombamento de imóveis, usucapião individual e coletivo,

referendo popular, IPTU progressivo no tempo, zoneamento ambiental, mecanismo

especiais de desapropriação, estudo de impacto de vizinhança, dentre outros

instrumentos.

Percebe-se, portanto, que o Estatuto da Cidade objetivou colocar em prática

uma política urbana focada na democracia e na promoção da inclusão territorial,

embora não seja o referido diploma legal isento de críticas, pois desde o seu

advento foi alvo de ferrenhas críticas, como disserta Veiga (2003, p. 55-56), para

quem o Estatuto nasceu eivado de vícios, pois não apresentou conceito de “cidade”,

contribuindo para o não desenvolvimento do país.

Apesar das críticas, predomina o entendimento de que o Estatuto da Cidade

configura grande avanço no tratamento de determinados instrumentos jurídicos

voltados à política urbana, e merece elogios pelo simples fato de ter surgindo por

mobilização social, contando com a participação de vários segmentos da sociedade,

com expressiva participação de sociedade civil e movimentos sociais.

Um dos problemas apontados pelos estudiosos é o fato do Estatuto da

Cidade ser capaz de aprofundar em uma modalidade de tutela disciplinada, que

parte da concepção de propriedade privada e desconsidera a propriedade informal

ou a simples posse, se propondo a ordenar este espaço social complexo.

Ademais, o legislador infraconstitucional teria pecado ao trazer em seu bojo

uma gama de institutos jurídicos, alguns deles já tutelados pelo ordenamento

jurídico, que na lei são denominados como hábeis ao reconhecimento do direito de

propriedade.

O Estatuto da Cidade exigiu, ainda, que a política urbana realizasse e

preservasse a função social da propriedade, como mecanismo para assegurar o

acesso à moradia e, assim, consagrar a dignidade da pessoa humana, ou seja, o

estatuto “com a incorporação do princípio da função social da propriedade, invalida a

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noção jurídica tradicional do direito individual irrestrito da propriedade, pois não mais

se restringe à esfera do Direito Civil” (GUSTIN, 2006, p. 165).

Percebe-se que ao exigir o cumprimento da função social da propriedade, o

Estatuto da Cidade assegura ao gestor municipal o controle deste processo de

desenvolvimento, por meio da formulação de políticas de ordenamento territorial,

nas quais os interesses individuais dos proprietários, e as construções urbanas

devem coexistir harmonicamente, atendendo aos interesses sociais (FERNANDES,

2006, p. 146).

Destarte, pode-se afirmar que a função social objetiva, antes de tudo,

assegurar o equilíbrio entre os interesses privado e coletivo, já que demarca os usos

da propriedade, que deve proporcionar o desenvolvimento urbanístico da cidade,

além de evitar que espaços vazios sejam mantidos, e que se formem áreas de mera

especulação imobiliária, situação que contraria os objetivos do Estatuto.

O art. 2º do Estatuto da Cidade trouxe preceito que veio de encontro ao

previsto no art. 225 da Constituição, pois prevê o direito à terra urbana, à moradia,

ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços

públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações, impondo uma

missão para o Poder Público, permitindo a “legalização de enormes espaços

urbanos ainda não regularizados ou urbanizados. Essa legalização atribuiria não só

cidadania, como também dignidade aos moradores dos espaços de exclusão das

cidades” (GUSTIN, 2006, p. 167).

Faz-se necessário reconhecer que o Estatuto da Cidade, neste prisma,

possibilitou ao Poder Público que chame para si a responsabilidade, e regularize

loteamentos irregulares e clandestinos, ainda que estes não atendam aos

procedimentos urbanísticos e administrativos previstos na Lei de Parcelamento do

Solo Urbano, configurando verdade flexibilização nas rígidas normas até então

vigente.

Coube ainda ao Estatuto da Cidade determinar que as cidades com mais de

20.000 habitantes estabeleçam o Plano Diretor, e assim institua uma política de

desenvolvimento urbano mais eficaz e dinâmica, atendendo ao disposto no art. 182

da Constituição da República de 1988.

Neste contexto, cabe ao Plano Diretor, após ser aprovado pela Câmara de

Vereadores, estabelecer os objetivos e prazos a serem observados pelo gestor

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público, sugerindo metas a serem alcançadas para o desenvolvimento do espaço

urbano, tanto nos aspectos social, econômico e administrativo.

Uma rápida análise do Estatuto permite identificar que o art. 2º, em seus

incisos, ainda dispõe sobre as condições e alternativas básicas para desenvolver a

produção habitacional, enquanto que os arts. 5º e 7º estabelecem o parcelamento,

edificação ou utilização compulsórios e o IPTU progressivo.

Por sua vez, os arts. 25 a 27 preveem sobre o direito de preempção para a

aquisição de imóveis utilizáveis para construção de moradias ou na regularização

fundiária.

Já os artigos de 28 a 38 tratam da operação urbana consorciada, bem como

da outorga onerosa do direito de construir, como forma de financiar a política

habitacional ou mesmo induzir o mercado para habitação popular e o art. 48, por fim,

trata sobre o consórcio imobiliário para otimizar a ação do Município junto ao Estado

e a União para suprir o déficit habitacional.

3.2 A regularização fundiária como instrumento de política pública voltado à

preservação do meio ambiente

Ao longo das últimas duas décadas, houve um considerável aumento da

discussão em torno das questões relativas à regularização fundiária, tanto na seara

acadêmica, quanto nos órgãos voltados à sua efetivação, sem prejuízo, claro, dos

diplomas legais editados no intuito de efetivar a política urbana por meio da

regularização fundiária.

Fernandes (2007, p. 22), ao analisar o problema da regularização fundiária

aponta que no ano de 1999 a Organização das Nações Unidas – ONU, lançou o

Programa Habitat, e deu início à uma campanha global pela Segurança da Posse,

fomentando os discursos acerca da necessidade de se regularizar a posse nos

centros urbanos.

Na mesma esteira são os ensinamentos de Salles (2007, p. 144), para quem

a Constituição da República de 1988 também se aderiu às políticas de regularização

fundiária, já que os princípios constitucionais constituem-se nos primeiros alicerces

da regularização fundiária, e acrescenta:

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Os primeiros alicerces jurídicos da regularização fundiária encontram-se destacados no bojo dos princípios fundamentais. O expresso compromisso da Nação com a adoção de políticas voltadas à “erradicação da pobreza, da marginalidade, com a redução das desigualdades sociais” (art. 3º, III); com a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); e com o compromisso de promover o bem de todos, garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3º, IV e II), sinaliza para a importância da reorganização das cidades, pela conquista do indispensável equilíbrio de forças, com respeito a todos e em especial às classes mais carentes e desprotegidas (SALLES, 2007, p. 144-145).

Percebe-se que a Constituição da República rompeu com o dogma absoluto e

indevassável do direito individual da propriedade, estabelecendo a sua função

social, nos termos do art. 5º, XXIII, sem ignorar a importância de se assegurar um

meio ambiente sadio e equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Para tanto, reservou-se aos Municípios a competência para a promoção, no

que couber, do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle

do uso, parcelamento e da ocupação do solo urbano, nos termos do art. 30, VIII,

observando o interesse preponderante local da regularização fundiária, afinal,

nenhum ente federativo melhor que o Município para reconhecer as necessidades

locais.

De igual forma, a Constituição da República de 1988 relacionou o conceito de

propriedade privada à noção da função social da propriedade, estabelecendo tal

regra como um dos princípios gerais da ordem econômica, fundada na valorização

do trabalho humano, e na livre iniciativa, tendo como finalidade assegurar a todos

existência digna, objetivando a justiça social, como preceitua o art. 170, II e III

(BRASIL, 1988).

Ainda, no capítulo destinado à Política Urbana, como já apontado alhures,

prescreveu que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público

Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, objetivando a ordenação do solo

e o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sem prejuízo da garantia

do bem estar de seus habitantes.

Em linhas gerais, o art. 182 e parágrafos determina que a propriedade urbana

atinja a sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação

da cidade, expressas no Plano Diretor, instrumento legal obrigatório para as cidades

com população superior a 20.000 habitantes.

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Acerca da importância do art. 182 da Constituição da República de 1988 nas

políticas de regularização fundiária, assim disserta Fernandes:

Três pontos principais desse capítulo merecem ser destacados. Em primeiro lugar, a Constituição atribuiu às autoridades públicas locais a faculdade de promulgar leis que disciplinem o uso e o desenvolvimento do solo urbano, com o objetivo de garantir o “desenvolvimento total das funções sociais da cidade”, e o “bem-estar de seus habitantes” (art. 182). Além disso, as cidades com mais de 20.000 habitantes estão na verdade obrigadas a aprovar um lei do Plano Diretor, que é considerado como o “instrumento básico para a política de desenvolvimento e expansão urbana” (parágrafo 1º). Em segundo lugar, o direito a propriedade privada foi novamente reconhecimento como um princípio básico da ordem econômica, sempre e quando cumprir uma função social de acordo com os “ditados de justiça social” (art. 5º, XXII, XXIII; art. 170, I, III). Entretanto, afirmou-se que a propriedade urbana somente cumpre sua função quando atende os “requisitos fundamentais de ordenamento da cidade expressos no Plano Diretor” (art. 182, par. 2º). Em terceiro lugar, foi aprovado o direito de usucapião nas áreas urbanas privadas até 250 m2, depois de apenas cinco anos de posse pacífica (art. 183). Estes três pontos principais certamente constituíram um novo marco para o Direito Urbanístico brasileiro (FERNANDES, 2007, p. 151).

Na mesma conjuntura desse marco institucional e legislativo, foi publicado,

como alhures analisado, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que estabeleceu

uma política urbana com o objetivo principal de ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, nos termos do art. 2º, caput.

Ainda, coube ao Estatuto da Cidade a fixação de diretrizes gerais, a regularização

fundiária propriamente dita, bem como a urbanização de áreas ocupadas por

população de baixa renda, mediante o estabelecimento de normas especiais de

urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas, em todos os

casos, a situação socioeconômica da população e as normas ambientais, como

dispõe o art. 2º, XIV do diploma legal em comento.

De igual forma, o Estatuto da Cidade, enquanto um importante diploma legal

voltado ao planejamento e regularização do espaço urbano, estabeleceu as regras

para a distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município

e do território sob sua área de influencia, devendo ser executado de modo a evitar e

corrigir eventuais distorções no crescimento urbano, bem como os efeitos negativos

sobre o meio ambiente, nos termos do art. 2º, IV.

Coube ainda ao Estatuto da Cidade a ordenação e o controle do uso do solo,

evitando o parcelamento, edificação ou o uso excessivo ou inadequado do mesmo

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no que toca a infraestrutura (art. 2º, VI, alínea “c”, garantindo o direito a uma cidade

sustentável, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento

ambiental, sem prejuízo da infraestrutura urbana imprescindível à vida com

qualidade, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as

presentes e futuras gerações (art. 2º, I), incorporando o princípio do meio ambiente

sadio e equilibrado, como preconiza o art. 225 da Constituição da República de

1988.

Dos diplomas legais supracitados, dentre os quais se destaca a Constituição

da República, não apenas pela relação hierárquica, mas também pelos princípios e

diretrizes por ela inseridos no ordenamento jurídico pátrio, depreende-se que a

regularização fundiária é caracterizada como uma diretriz geral a ser implementada

pelas políticas público-urbanas, estando amparada no princípio da função social da

propriedade, devendo toda e qualquer política voltada à regularização fundiária

observá-lo, já que consagrado como mecanismo garantidos do pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e do bem estar da população, por

meio da ordenação do espaço urbano, mediante a proteção da posse, o

reconhecimento do direito de propriedade e a plena urbanização.

Com base em tais considerações é que Alfonsin, ao enfrentar a questão, traça

uma definição de regularização fundiária com base nos diplomas legais que a

norteiam, nos seguintes termos:

Regularização fundiária é um processo conduzido em parceria pelo Poder Público e população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma intervenção que, prioritariamente, objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e, acessoriamente, promove melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto (ALFONSIN, 2007, p. 78-79).

Tal conceito se funda nas características do instituto visualizado no Estatuto

da Cidade, que o apresenta como um conjunto de medidas destinadas à legalização

da divisão e ocupação di solo urbano, buscando efetivar os direitos dos legítimos

possuidores, viabilizando o acesso aos equipamentos urbanísticos de infraestrutura

básica, necessários à garantia das condições mínimas para uma vida com

dignidade, ou seja, indispensáveis ao acesso ao mínimo social.

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Por isso Salles, ao destacar os atributos sociais e econômicos da

regularização fundiária, tece as seguintes considerações:

A regularização fundiária, que corresponde a uma das vias iniciais ara a organização das cidades, é direcionada à transformação da “propriedade ou posse irregular” em propriedade regular. Isso requer a conquista de todos os atributos legais inerentes ao seu melhor uso, mais adequada fruição, em razão da urbanização, e a mais completa utilização social e financeira, em decorrência da titulação dominial. Regularizar a cidade, entre outras atribuições, é conferir propriedade a quem possa ostentar esse direito e urbanizar as áreas regularizadas, dotando-as dos equipamentos públicos indispensáveis e suficientes para o suporte à população (...). A disseminação de títulos dominiais pode permitir, ainda, a criação de um salutar suporte financeiro para a população agraciada com o benefício do domínio, como ocorre nos países mais desenvolvidos, que possuem linhas de crédito atrativas, escudadas em garantias hipotecárias, que muito podem contribuir para a melhoria da condição de vida da população, conferindo perspectiva de progresso e acessão a uma camada populacional até então excluída e despreparada para a evolução social (SALLES, 2007, p. 131-136).

Percebe-se, portanto, que os aspectos normativos da regularização fundiária

não buscam apenas a legalização dos lotes, mas pressupõe também a

implementação de políticas econômico-sociais, destinadas à melhoria das condições

de vida da população, necessárias para a promoção do emprego e da renda na

comunidade, fomentando, assim, a livre iniciativa e o acesso à políticas econômicas

mais efetivas, erradicando a pobreza e a marginalização, como preceitua a

Constituição da República em seu art. 3º, permitindo, por conseguinte, a integração

social dos assentamentos informais, como condição imprescindível ao

desenvolvimento socioeconômico da população, sem prejuízo da sustentabilidade

da nação.

Por fim, cumpre salientar ser este o entendimento de Magalhães, em obra

lançada pela Secretaria Nacional de Habitação e pelo Ministério das Cidades (2008,

p. 07), que ressalta a necessidade de se implementar uma política habitacional

urbana capaz de permitir a integração social, com garantia do acesso ao

saneamento básico, regularização fundiária e moradia adequada, estando a

Constituição da República de 1988 e o Estatuto da Cidade, seguidos da esparsa

legislação brasileira acerca do tema, reformulando não apenas a concepção da

propriedade privada, mas principalmente inserindo em tal conceito aspectos sociais,

pois só assim se permitirá a promoção efetiva do desenvolvimento econômico e o

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bem estar da população, sem ignorar os aspectos relevantes do direito ao meio

ambiente.

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CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo buscou-se compreender os aspectos relevantes

do meio ambiente e sua aplicação na política urbana, partindo da premissa de que o

processo de urbanização, e o exercício do direito de propriedade, acaba por conflitar

com o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, como preconizado na

Constituição da República de 1988.

Viu-se que desde o advento da Constituição da República de 1988 a

preocupação com o direito ao meio ambiente ganhou evidência, não ficando o

legislador alheio à tutela do meio ambiente urbano.

A esse cenário some-se o processo de urbanização que se deu no Brasil de

forma intensa, na segunda metade do último século, e porque não dizer de forma

desorganizada, contribuindo para a instituição de assentamentos e áreas de

ocupação irregular, não raras vezes em áreas de preservação permanente,

inobservado as peculiaridades do meio ambiente, já que não mais se admite que o

direito de propriedade seja exercido de forma arbitrária, sem observar os interesses

coletivos e a função social.

Percebeu-se, portanto, que há um conflito entre o direito de propriedade, o

processo de urbanização e as normas de direito ambiental, problema este que se

agrava a medida que se visualiza enormes danos ao meio ambiente em decorrência,

por exemplo, da ocupação desordenada do solo.

Resta claro, portanto, que muito ainda há de ser feito, pois o conflito

socioambiental que se instaura deve ser solucionado de modo a permitir que a

sociedade, os particulares e o meio ambiente sejam resguardados. Porém, muito

ainda há que ser feito para que o Estado torne efetivas as políticas urbanas sem que

sejam afrontadas as normas de direito ambiental, resguardando os atores sociais

envolvidos nesse processo.

Anote-se, ainda, que há um grande aparato legislativo no ordenamento

jurídico pátrio, principalmente o Estatuto da Cidade, que prevê, dentre inúmeros

instrumentos, a regularização fundiária, que busca conciliar os interesses

relacionados às políticas urbanas ao direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, e

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assim solucionar os conflitos existentes entre o meio ambiente e o processo de

urbanização.

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