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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL EM UMA ESOLA JESUITA Por:José Henrique Sasek Orientador Prof. Flavia Cavalcanti Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL EM UMA ESOLA JESUITA

Por:José Henrique Sasek

Orientador

Prof. Flavia Cavalcanti

Rio de Janeiro

2014

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL EM UMA ESCOLA JESUITA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Orientação educacional e

Pedagógica.

Por: José Henrique Sasek

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AGRADECIMENTOS

Aos amigos educadores do Colégio

Santo Inácio, especialmente Jorge Dáu

pelo incentivo constante. À Companhia

de Jesus que me possibilitou vivenciar

e conhecer a pedagogia inaciana.

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DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia a minha esposa

Simone,e a minhas filhas Flávia e Aline

por compreenderem meu isolamento para

realizar o trabalho.

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RESUMO

O projeto educativo de uma escola da Companhia de Jesus implica uma

pedagogia cristã de fundo humanista fundamentada na experiência original de

Santo Iánicio de Loyola. A vida do Santo, seus escritos, suas cartas, suas

intuições e especialmente os Exercícios Espirituais formam a base do que

chamamos pedagogia inaciana. Partindo da premissa que o trabalho da

Orientação Educacional deve estar comprometido com o projeto político

pedagógico da escola, faz-se necessário que o Orientador Educacional, não só

conheça, mas esteja em sintonia com as fontes que inspiram e dinamizam tal

pedagogia. Após apresentação do tema, tendo justificado a escolha e a

relevância do mesmo, pretendeu-se, através de uma pesquisa bibliográfica

apresentar os principais elementos da pedagogia inaciana. O caminho

percorrido para atingir esse objetivo começa com o resgate do processo

histórico que levou a Companhia de Jesus a fundar colégios e por que razões

continua acreditando e investindo no trabalho educativo. O passo seguinte

será conhecer e descobrir, através da analise da metodologia e terminologia, a

riqueza e a vitalidade dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio fonte de toda

pedagogia inaciana. Colocada esta base, pode-se finalmente apresentar

articulações possíveis com o trabalho pedagógico, de acompanhamento

pessoal do aluno em seu processo de aprendizagem, realizado pelo Serviço

de Orientação Educacional em uma escola jesuíta.

Palavras chaves: Orientação Educacional, Pedagogia Inaciana, Educação,

processo de aprendizagem.

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METODOLOGIA

O presente trabalho valeu-se de uma pesquisa bibliográfica para apresentar

algumas visões sobre o tema em questão, a saber, qual a contribuição da

pedagogia inaciana, oriunda dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, para a

prática do Orientador Educacional em uma escola jesuíta.

A partir dessa pesquisa e da experiência cotidiana do autor primeiro como

Assessor de Formação Cristã e agora como Orientador Educacional (6º ano do

Ensino Fundamental) do Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro, Procedeu-se

a uma análise dos princípios pedagógicos contido no método dos Exercícios

procurando estabelecer relações com o processo de aprendizagem,

sublinhando o papel do orientador.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - História dos Colégios Jesuítas:

Da fundação aos dias de hoje 11

CAPÍTULO II - “Sentir e Saborear”:

Os Exercícios Espirituais 23

CAPÍTULO III – Orientação Educacional

e Pedagogia Inaciana 37

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52

ÍNDICE 59

FOLHA DE AVALIAÇÃO 63

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INTRODUÇÃO

As escolas jesuítas são reconhecidas por oferecerem uma formação

acadêmica de qualidade combinada com uma sólida formação integral. Essa

boa tradição precisa ser mantida, fortalecida e cultivada. É preciso reconhecer,

porém que nosso mundo em continuo e acelerado processo de mudança exige

um repensar a cada dia o papel da escola. São grandes os desafios que se

apresentam como mostra a Congregação Geral 35, o mais importante

documento para a missão da Companhia no mundo.

Neste mundo de comunicação instantânea e tecnologia digital, de mercados globais e de uma aspiração universal para a paz e por bem estar, estamos diante de tensões e paradoxos crescentes: vivemos em uma cultura que se inclina para a autonomia e o presente e, no entanto, temos um mundo que necessita muito construir um futuro na solidariedade; temos meios melhores de comunicação, mas frequentemente experimentamos isolamento e exclusão; alguns são enormemente beneficiados, enquanto outros foram marginalizados e excluídos; nosso mundo é cada vez mais transnacional e, no entanto, necessita afirmar e proteger identidades locais e particulares.1

Atenta aos sinais dos tempos a Companhia de Jesus assume o compromisso

de renovar as escolas, de atualizar o currículo e em especial, de renovar o

coração dos educadores, incentivando-os no meio de tantas mudanças,

incertezas e escolhas. É neste contexto que se oferece uma reflexão sobre o

papel do Orientador Educacional numa escola jesuíta. Para oferecer elementos

que o ajudem a enfrentar com mais segurança os desafios que se apresentam.

Está reflexão se justifica na medida em que constatamos que o aluno que nos

chegam a cada dia para o trabalho escolar é um sujeito marcado pela falta de

consistência interior, atravessado por uma multiplicidadede de mensagens e

linguagens saturadas em suas conexões, voltado à mera exterioridade e

facilmente manipulável. É visando a formação integral deste aluno que a

escola e seus educadores precisam se renovar. Um dos caminhos para que

essa renovação aconteça é uma volta às fontes. Aos princípios norteadores de

toda pedagogia. No caso de escolas jesuítas, objeto deste estudo, os

princípios que as sustentam brotam da genuína experiência de Inácio de

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Loyola denominada Exercícios Espirituais. Este estudo ajudará a compreender

estes princípios e os desdobramentos pedagógicos que deles decorrem,

procurando gerar uma ação educativa coerente com o ideal inaciano Para

tanto é necessário, por um lado conhecer a metodologia dos EE.EE descendo

até suas raízes mais profundas para trazer à tona toda sua riqueza. E por

outro, apresentar o papel específico da Orientação Educacional na escola

buscando articular a prática do Orientador Educacional com os elementos

chaves da pedagogia inaciana tendo em vista a formação integral dos alunos.

Para dar conta ao desafio que se apresenta o trabalho está organizado da

seguinte forma:

• No Capitulo I – História dos Colégios jesuítas: da fundação aos dias de

hoje

Apresenta um breve histórico de como foi sendo desenvolvido o trabalho

educativo dos jesuítas desde a sua origem até os dias atuais. Neste longo

processo a pedagogia jesuíta foi se adaptando a cada época sem, contudo

perder sua riqueza original. É assim que constatamos no caminho da Ratio

Studiorum até as atuais “Características da educação Jesuíta” e da “Pedagogia

Inaciana – Uma Proposta Prática”, uma profunda unidade que brota

fundamentalmente dos Exercícios Espirituais e dos diversos documentos que

dele decorrem.

• No Capitulo II – “Sentir e Saborear”: introdução a metodologia dos

Exercícios Espirituais de Santo Inácio.

Apresenta o que são os Exercícios Espirituais a força de sua metodologia, sua

atualidade e como influenciou decisivamente a elaboração de uma pedagogia

inaciana. Destaque neste capitulo é a reflexão sobre a terminologia inaciana,

fundamental para compreender a visão que Santo Inácio tem do ser humano.

135º Congregação Geral. Cap.3, Desafios para nossa missão, 11

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• No Capitulo III – Orientação Educacional e Pedagogia Inaciana

A grande motivação deste trabalho que é tecer algumas considerações sobre o

trabalho do Orientador Educacional destacando seu papel de mediador entre

os sujeitos envolvidos no processo educativo e o conhecimento. Apresenta

princípios da Pedagogia Inaciana que iluminam o trabalho de

acompanhamento, próprio do SOE. Com a elaboração deste trabalho espera-

se contribuir para construção de uma Comunidade Educativa, cada vez mais

dotada de inacianidade, capaz de responder aos desafios do mundo moderno.

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CAPITULO I

HISTÓRIA DOS COLÉGIOS JESUÍTAS:

DA FUNDAÇÃO AOS DIAS DE HOJE

CAPITULO I

1. A Genesis do colégio jesuíta

A companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola e

seus companheiros em 1540 sempre teve sua historia ligada à educação.

Já no inicio da fundação da nova ordem, documentos apontam para um

caráter educativo como podemos ver na fórmula do instituto:

Esta foi instituída principalmente para a defesa e a propagação da fé e o aperfeiçoamento das almas na vida e na doutrina cristãs, por meio de pregações públicas, lições e qualquer ministério da Palavra de Deus...buscando principalmente a consolação espiritual dos fiéis cristãos.2

Aperfeiçoamento na vida por meio de pregações e lições já sugerem, de

per si, um caminho educativo. O surgimento do colégio organizado

formalmente como tal passou, porém, por um lento processo. Inicialmente

os jesuítas começaram por formar aqueles que se sentiam atraídos pelo

seu estilo de vida e desejavam ingressar na ordem. Assim, foram sendo

construídas residências, chamadas inicialmente de colégios, para abrigar

esses “novos companheiros” que frequentavam as aulas nas universidades

públicas. Essa experiência foi tomando corpo e

2 Fórmula do Instituto

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rapidamente começaram a ser oferecidas aulas nessas residências para os candidatos jesuítas e, a partir de 1545, também para alunos leigos. O primeiro colégio propriamente para externos fundou-se em Messina, em 1548.3

2. Uma virada histórica

Na medida em que o trabalho missionário da ordem foi se espalhando pelo

mundo, apareceram diversas iniciativas que apontavam para a construção

de colégios. Eles foram surgindo para atender uma demanda cada vez

mais crescente pela educação formal. Assim em 1542 alguns jesuítas

mantêm em Goa na Índia uma escola de catequese e gramática, onde

estudam cerca de 600 crianças, entre 10 e 20 anos. Em 1546 o Duque de

Gandia, Espanha pede a Inácio que crie um Colégio para a formação dos

jesuítas e dos filhos dos seus súditos. Dois anos depois - 1548, em

Messina, Itália, membros do senado de Palermo oferecem a Inácio um

Colégio para estudantes jesuítas e de fora, assumindo todas as despesas.

Desta forma a empreitada educativa da Companhia vai tomando corpo e se

espalha por todo mundo, de tal forma que em 1560 os jesuítas assumem

claramente a opção por criar colégios, como se pode atestar no documento

da ordem:

Há na Companhia dois caminhos para ajudar nossos próximos: um nos colégios por meio da educação da juventude em letras, no ensino e na vida cristã; e o segundo em todo lugar para ajudar os diferentes tipos de pessoas por meio da pregação da palavra de Deus.4

3. Um modo próprio de educar

Em pouco tempo os jesuítas se deram conta que, através da educação da

juventude, poderiam realizar a missão da Companhia de “propagar a fé

3 Klein pg 33 4 Polanco 1560

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cristã e ajudar ao próximo”. Para lograr êxito no campo da educação, que

se apresentava como promissor, fazia-se necessário criar normas que, de

certa forma, regulassem as experiências educativas que iam se

multiplicando a passos largos. Assim, a parte IV das constituições, texto

legislativo máximo da ordem, trata da educação e das instituições

educativas. Este texto das constituições é considerado o primeiro código

educativo da Companhia, que será a principal fonte de inspiração da futura

Ratio Estudiorum, que sintetiza a prática pedagógica dos Colégios da

Companhia. De modo geral a parte IV

apresenta as diretrizes pedagógicas sobre cursos e graus, a

composição curricular, os métodos de ensino e aprendizagem os

textos de estudo. Oferece orientações sobre o progresso dos alunos

nos estudos, nos bons costumes e nos meio de ajudar ao próximo.

Ressalta o enfoque personalizante do processo de admissão, o

acompanhamento e a promoção dos alunos, a atenção respeitosa e

dedicada do professor para com os alunos, a variedade e atividades

dos exercícios escolares, a dosagem dos exercícios religiosos, para

que não se distraiam dos estudos. Dá normas administrativas quanto

ao sustento material dos colégios e universidades e as

responsabilidades e subordinações dos dirigentes das instituições. 5

Todos esses princípios e normas surgiram a partir das primeiras experiências

pedagógicas dos jesuítas, que aprenderam e aperfeiçoaram o que na época

consideraram as melhores práticas pedagógicas:

- O “modus parisiensis”,

- O humanismo italiano,

- A experiência espiritual: EE.EE,

- A reflexão da própria prática: Ratio studiorum.

O “modus parisiensis” caracteriza-se por quatro tópicos fundamentais:

5 Klein pg 30

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• a distribuição dos alunos em classes: mesma idade, mesmo grau

de instrução.

• uma atividade constante dos alunos através de exercícios

escolares: debates, repetições, retórica, teatro etc.

• um regime de incentivos ao trabalho escolar: castigos físicos,

meritocracia, condecorações, etc.

• e a união da piedade e dos bons costumes com as letras: formar

homens cristãos e cristãos letrados.

O Humanismo Italiano. Os humanistas elaboraram um programa de educação

baseado essencialmente na leitura dos clássicos grecolatinos e na

revalorizacão de disciplinas como a poética, a historiografía, a retórica e a

filosofía moral.

A experiência espiritual :

a fonte mais inspiradora para pedagogia jesuita são os Exercícios Espirituais. Trata-se da experiência que Inácio de Loyola foi realizando sozinho desde sua convalescença em Loyola que depois consubstanciou no pequeno livro com esse nome...não é um tratado de teologia nem de espiritualidade, mas um manual prático com indicações precisas para o orientador e o exercitante.6

Ratio Studiorum: Segundo Joaquim Ferreira Gomes

a Ratio não é um tratado de pedagogia, mas um código, um programa, uma lei orgânica que se ocupa do conteúdo do ensino ministrado nos colégios e universidades da Companhia e que impõe métodos e regras a serem observados pelos responsáveis e pelos professores desses colégios e universidades.7

Os Colégios crescem rapidamente. Em pouco tempo a experiência de Messina

se multiplica em vários países da Europa. Quando Inácio morre, em 1556,

existem mais de 30 colégios da Companhia com cerca de 3.200 alunos, para

onde enviou boa parte dos jesuítas mais bem formados.

6 Klein pgs 26 e 27 7 Joaquim Ferreira Gomes 1995:35

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Em 1773, quando a Companhia de Jesus foi supressa, havia 23.000 mil

jesuítas espalhados pelo mundo inteiro. Destes, 15.000 estavam destinados a

trabalhar em 800 centros educativos, com mais de 250.000 alunos e 600

bibliotecas. Formavam a maior rede internacional de colégios, num tempo em

que a educação pública era praticamente inexistente. Em 1814, com a

restauração da Companhia de Jesus, os jesuítas voltaram à educação,

crescendo progressivamente, retomando algumas antigas escolas ou

construindo novas. Retomaram a Ratio Studiorum e a publicaram em 1832.

4. Crise e renovação

Ao longo dos anos a pedagogia jesuíta foi pouco a pouco perdendo a sua força

e se tornando um amontoado de regras e normas que já não respondiam aos

novos tempos. Os colégios jesuítas ficaram um longo tempo sem orientações

que atualizassem sua pedagogia para responder aos novos desafios impostos

por uma nova cultura marcada pelo ateísmo e agnosticismo. Esse cenário

começa a se modificar com os novos ventos trazidos pelo Concílio Ecumênico

Vaticano II(1961-1965), que proporcionou profundas transformações na vida

da e Igreja e conseqüentemente na vida da Companhia de Jesus em especial

no campo da educação. Respondendo aos apelos do concílio a Companhia se

reuniu em sua 31ª Congregação Geral para traçar os novos rumos do trabalho

da Ordem no campo educacional. No documento final desta reunião, a

renovação é a tônica principal, como se pode constatar na leitura do

documento citado por Klein:

Que o apostolado da educação se vá deveras e de contínuo adaptando.às circunstâncias de pessoas, lugares e tempos”; os jesuítas “tratem de renovar-se sem cessar, tanto espiritual como intelectualmente”;”se abram a novas formas deste apostolado...sejam intrépidos em as descobrir e criar”;”as escolas secundárias...têm que aperfeiçoar-se cada vez mais, já sob o aspecto pedagógico, já como centros de cultura e fé(CGXXXI, d.28, n.4, 8, 13, 18).8

Uma mudança fundamental que se pode constatar dessa renovação é que a

8 Klein pg 47

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escola passa a ser vista pelos jesuítas de modo inédito, ou seja, como um centro de irradiação na sociedade, junto às famílias dos alunos, como instrumento eficaz para promover a síntese entre a fé e a cultura, chegando a toda comunidade próxima.9

Em todo esse processo de renovação surge a figura do Pe. Pedro Arrupe.

Eleito superior da ordem em 1965, foi o grande responsável por resgatar o

sentido apostólico da educação na Companhia. Em seus pronunciamentos e

discursos desenvolveu diversos temas sobre educação que até hoje

influenciam fortemente o trabalho educativo nas diversas instituições

educacionais da Companhia. Vejamos alguns deles, inspirados no

levantamento feito pelo Pe. Klein.10

O Colégio jesuíta é um campo de trabalho apostólico – um colégio da

Companhia existe para ser instrumento apostólico. Através deles a

Companhia busca contribuir de maneira eficaz no trabalho de evangelização

da Igreja, ou seja, colaborar para a construção de um mundo verdadeiramente

mais humano e fraterno.

O aluno é a meta do trabalho educativo – na educação jesuíta o aluno é parte

ativa do trabalho educativo. É chamado a desenvolver todas as suas

capacidades respondendo plenamente a sua vocação de filho amado por

Deus.

Ideal a atingir: “formar homens e mulheres para os demais” – essa expressão

cunhada pelo Pe. Arrupe sintetiza um estilo de vida voltado para os outros,

marcado pela solidariedade e pelo espírito de serviço.

Buscar as mediações pedagógicas mais eficazes – para alcançar o ideal

exposto acima é preciso buscar novos métodos e lançar mão do que há de

mais moderno, buscando sempre a formação integral e integradora do aluno.

9 Klein pg 48

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Agentes da renovação: toda comunidade educativa – Trata-se de desenvolver

um trabalho comunitário dentro da escola onde cada um contribui

desempenhando suas funções. Na visão moderna estimulada pelo Pe. Arrupe

o colégio é entendido como uma comunidade educativa composta de alunos e

seus pais, de educadores, funcionários, dirigentes. Antigos alunos e

benfeitores.

Cabe destacar ainda o papel desempenhado pela família que assume junto

com o colégio o papel educativo garantindo a sintonia de valores.

Horizonte do colégio jesuíta: irradiação e integração – Um colégio da

companhia não pode estar isolado, fechado em si memo. Deve estar aberto e

integrado com a comunidade local e com outras instituições, compartilhando

suas riquezas e irradiando a solidariedade e a busca pelo bem comum,

contribuindo de maneira eficaz para construção de uma nova sociedade.

Seguindo este impulso de renovação há, ainda, um documento importante do

Pe. Arrupe intitulado “Nossos Colégios hoje e amanhã”, de 1980 onde ele

destaca o ideal de um colégio da companhia. Ideal que segue sendo

perseguido com afinco por um grande número de educadores comprometidos

com a educação inaciana:

O Ideal dos nossos colégios não é produzir pequenos monstros acadêmicos, desumanizados e introvertidos. Nem o devoto crente alérgico ao mundo em que vive e incapaz de vibração. O nosso ideal está mais perto do insuperável modelo do homem grego, na versão cristã, equilibrado, sereno e constante, aberto a tudo o que é humano. A tecnologia ameaça desumanizar o homem. É missão dos nossos colégios manter a salvo o ser humano, sem renunciar por isso a servir-se da tecnologia.11

5. Refundação dos colégios

Todo esse esforço de renovação iniciado pela Congregação Geral 31ª busca

como no inicio do apostolado educativo da Companhia, responder aos apelos

de cada época. Se antes a Ratio Studiorum foi o caminho encontrado para dar

10 Klein pgs 52-54 11 Nossos Colégios Hoje e Amanhã 1980

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suporte ao trabalho educativo, agora se torna necessário um novo documento

que, sem ignorar toda a riqueza e importância histórica da Ratio, elabore um

novo código educacional que possa dar suporte a uma verdadeira refundação

dos Colégios jesuítas. É neste contexto que aparece o documento

“Características da Educação Jesuíta”, Lançado em 1980 comemorando o

quarto centenário da primeira Ratio

o documento é uma nova declaração dos objetivos educacionais da Companhia, é uma versão atualizada dos seus princípios pedagógicos. Oferece uma visão comum da finalidade da educação jesuítica hoje, constituindo-se num instrumento para a renovação, o aprofundamento e a avaliação dos Colégios. Desta forma, o texto expressa o reconhecimento da importância do trabalho educativo. 12

Algumas destas características:13

• A visão positiva do mundo dos homens: diálogo com a cultura, com as

ciências, com as religiões, etc. Abertura para o diferente...

• A centralidade do homem no projeto de Deus: o homem inteiro: o corpo,

o racional, o afetivo, o sexual, o espiritual, o estético, etc.

• Formar para a liberdade diante todas as coisas: auto determinação,

encontrar o sentido da história para si... Exercício de autonomia...

• O mal como escândalo: sensibilizar para transformar e construir um

mundo mais justo e fraterno. Trabalho social.

• Jesus Cristo: como modelo da humanidade redimida. Modelo não

imposto, mas apresentado em sua plenitude humana, respeitando a

liberdade religiosa de cada pessoa.

• A defesa do meio ambiente: o mundo criado como dom de Deus é meio

para a realização da vida.

• A busca da excelência na formação. Distanciar-se do medíocre!

A publicação deste documento trouxe um grande ânimo para todos os

envolvidos no trabalho educativo nos diversos colégios da companhia

espalhados pelo mundo. Porém, ainda restava um questionamento: Como

12 Klein pg 100 13 Características da Educação Jesuíta

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aplicar na sala de aula e no cotidiano escolar os princípios e valores

enunciados nas características?

Para responder a essa pergunta surgiu, em 1993, um novo documento

intitulado “Pedagogia Inaciana. Uma proposta prática”.

Nele é apresentado as etapas do paradigma pedagógico inaciano – contexto, , reflexão, ação e avaliação –, sua dinâmica interna, os traços predominantes e as objeções à sua aplicação.14

Este último documento é uma conseqüência natural do impulso causado pela

publicação das Características como afirma o nº 1 das notas introdutórias do

documento:

Este documento deriva da décima parte das Características da Educação da Companhia de Jesus, como resposta as numerosas solicitações recebidas no sentido de que se formulasse uma pedagogia prática que fosse coerente com aquele texto e transmitisse eficazmente a visão do mundo e os valores inacianos nele propostos. Essencial é, por isso, que o que aqui se diz seja entendido como fazendo parte do espírito apostólico inaciano fundamental que aparecem nas Características da Educação da Companhia de Jesus.15

6. Missão educativa da Companhia hoje

A busca por esse espírito apostólico Inaciano é o que motiva hoje a missão da

Companhia no campo da educação. Recentemente o atual superior geral dos

jesuítas, Pe. Adolfo Nicolás realizou uma conferência16 sobre educação onde

abordou diversos assuntos a respeito da educação e fez uma reflexão sobre

como a Companhia vê a educação nos dias de hoje e no futuro. Ele apresenta

alguns elementos fundamentais para que os colégios sigam sua missão de

educar, respondendo aos desafios dos dias de hoje. A seguir apresento alguns

desses elementos, extraídos do texto, para concluir esse primeiro capítulo.

14 Klein pg 103 15 Pedagogia Inaciana uma Proposta Prática Pg 16-1 16 La Educación em La Compañia de Jesús, publicado El 17 de octubre, 2013. Disponivel em HTTP://www.flcsi.net/noticias/p-adolfo-nicolas-sj-la-educacion-en-la-compania-de-jesus/ tradução livre de José Henrique Sasek

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A educação jesuíta é e pretende ser uma educação de qualidade – a

Companhia vem trabalhando, na América Latina e em outras partes do mundo,

pressionando o poder público para garantir o direito de todos a educação. Não

qualquer educação, mas uma educação de excelência. O direito a educação

não é apenas ir à escola, mas aprender de verdade. E isso exige uma

educação de qualidade.

Buscar a profundidade na luta contra a globalização superficialidade – No

mundo atual em que temos grande quantidade de informação e de fácil acesso

corre-se o risco de viver na superficialidade. Este é o grande perigo do

momento. Temos muita informação, mas não sabemos alcançar a verdade. A

preocupação dos jesuítas tem sido sempre a de ajudar os estudantes a

conhecer a verdade. Isto exige um árduo trabalho educativo que supõe não

apenas ler, mas comprovar, cotejar, refletir e criticar.

A educação jesuíta busca a excelência – Excelência em educação significa

crescimento humano mais que excelência como êxito. O êxito por si só, não da

nenhuma garantia nem de felicidade, nem de crescimento humano, nem de

profundidade. A excelência busca formar pessoas de serviço, de entrega, de

responsabilidade.

Abertura ao mundo – Há na tradição da Companhia uma grande abertura ao

mundo. A educação jesuíta tem uma visão positiva de toda criação, de que

Deus está em todas as coisas e por isso em todas as dimensões da expressão

humana se pode encontrar o caminho para Deus. Portanto o mundo é bom e

nossa busca é descobrir como Deus trabalha no meio do mundo.

Dialogo com a cultura – Decorre da abertura ao mundo. Se o mundo é o lugar

por excelência da manifestação de Deus é preciso estabelecer um diálogo

mútuo com outras religiões, com a ciência, com o mundo das artes, enfim, tudo

aquilo que é verdadeiramente humano.

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Educação integral – Este é um tema sempre recorrente quando se trata da

educação jesuíta. E o Pe. Nicolás insiste dizendo que a educação jesuíta é

integral, é tudo, a capela, a aula, o esporte, a arte, o teatro, etc., Esta missão

total da educação que inclui o estudo, o trabalho, a arte, a imaginação, a

criatividade, o sentido crítico é muito importante. Não há setores à margem da

educação, porque toda experiência humana é uma experiência que acontece

na presença de Deus e através de tudo isso se dá o crescimento da pessoa.

Criação de hábitos novos – são frutos que se esperam da educação. Que os

estudantes ao final de sua escolarização, tenham adquirido hábitos novos. Não

quaisquer hábitos, mas hábitos de refletir, de pensar, de admitir a pluralidade,

abrindo-se a outras culturas e crenças,de saber que a vida humana é muito

mais rica que qualquer ideologia, qualquer posição, são hábitos de

crescimento, que produzem ações concretas e um estilo de vida concreto.

Formar para o amor e a esperança – A educação na companhia deve estar

empenhada em cultivar nos estudantes o amor e a esperança. Estes dois

princípios da teologia cristã ensinam que onde existe o mal existe muito mais

bem e que, apesar de tudo, há sempre uma esperança. Assim, educar

pessoas que sejam capazes de transformar o mal em bem é uma parte muito

importante da missão educativa da Companhia, como tudo o que tenha relação

com a vida dos demais.

A Educação para a liberdade – Se não educamos para a liberdade, não

podemos educar em liberdade, e se não é em liberdade, para nada serve a

educação que oferecemos. É preciso educar em liberdade para que os hábitos

que se criam sejam realmente pessoais.

O Trabalho em redes – Hoje mais do que nunca o trabalho em redes é

essencial em qualquer área de atuação. No campo da educação é

especialmente importante não só pela possibilidade de troca, de conhecer o

que se faz em outros países e em outras situações, mas, sobretudo porque,

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através da rede, a educação pode ser mais acessível a todos. Por isso o que

se pode fazer de melhor é garantir a todos acesso à internet. Porque se tem

acesso a internet, tem-se acesso a educação.

Neste capitulo foi apresentado, em linhas gerais, a história da educação na

Companhia de Jesus, procurando mostrar como ela sempre esteve atenta a

responder aos apelos de cada época, procurando se adaptar a cada realidade

sem contudo perder sua essência. Na conferencia citada acima o Pe.geral

Adolfo Nicolás afirma que os jesuítas estão no trabalho educativo porque

desde o princípio a grande preocupação de santo Inácio e seus companheiros

e seguidores foi o crescimento e a transformação da pessoa. Não estamos

aqui, prossegue o Pe.Nicolás, somente para ensinar ou comunicar algumas

técnicas de êxito, mas para acompanhar pessoas e acompanhá-las em seu

crescimento, que é o mais importante que podemos fazer em nossa vida. Para

ele o fim último da educação é naturalmente a transformação do individuo e

por trás disto está a transformação do contexto, da sociedade: não termina

tudo com o indivíduo. Tanto santo Inácio como os grandes espirituais de todos

os tempos se deram conta de que uma mudança social não tem persistência

se não há uma mudança da pessoa. Por isso a educação segue sendo tão

importante, não só para ajudar as pessoas a crescerem, mas para transformar

a sociedade. Eis a razão de ser do apostolado educativo da Companhia.

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CAPITULO II

“SENTIR E SABOREAR”: INTRODUÇÃO A METODOLOGIA DOS

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DE SANTO INÁCIO.

Neste capítulo, como dito anteriormente, serão apresentados alguns elementos

da metodologia dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, devido a sua

importância na elaboração e compreensão da Pedagogia Inaciana. A pergunta

fundamental que se coloca é a que se deve a força dos Exercícios Espirituais?

Ou, de outra maneira: Que segredo esconde esse livrinho que tantos buscam

para ajudar na formação de pessoas?

Elaborados a partir de 1521 sob forma de apontamentos, revisados e

reorganizados nos anos sucessivos, os Exercícios não são um tratado de

pedagogia como, por exemplo, a pedagogia montessoriana. Para Gabriel

Codina:

os Exercícios não são um tratado de pedagogia, porém certamente constituem uma experiência pedagógica em si e contém os elementos de determinada prática educativa. De maneira espontânea e intuitiva, mais que sistemática e deliberada, Inácio teve a genialidade de por nos Exercícios as bases que configuraram a Pedagogia Inaciana. 17

Isto posto apresento algumas chaves de leitura importantes que nos abrirão

caminhos para compreender a força da metodologia nos Exercícios Espirituais.

Em primeiro lugar é importante considerar que estamos tratando de uma

experiência. Os Exercícios são, no dizer de David Lonsdale, “um poderoso

instrumento de mudança e crescimento” e o são porque primeiramente foram

na vida de Santo Inácio. Ele não é um teórico. Tudo que ele descreveu em

seus Exercícios ele experimentou de maneira radical em sua vida. Inácio era

um homem voltado para as vaidades do mundo e embora de família católica,

não era muito dado à prática religiosa. Na sua autobiografia, narrada ao

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Pe.Luis Gonçalves da Câmara, ele nos revela que “até os vinte e seis anos de

sua idade, foi homem entregue as vaidades do mundo. Deleitava-se

principalmente no exercício das armas, com grande e vão desejo de ganhar

honra”.18 O processo de conversão vivido por Inácio, tudo aquilo que o ajudou

nesse caminho para encontrar a vontade de Deus para sua vida, formam o

conteúdo básico dos Exercícios Espirituais.

Não estamos, portanto diante de teorias elaboradas em laboratório, mas sim de experiências vividas, ponderadas, consideradas pelo santo producentes para o progresso dos outros 19.

Um segundo ponto está no próprio título. O nome Exercícios indica que não é

um tratado para meditação ou pontos para oração. São determinadas práticas

onde se tenta chegar a algo. Esse algo é a experiência espiritual. Finalmente,

deve-se destacar que o valor dos Exercícios não reside tantos nas matérias

que se propõe para meditar, mas nas petições, colóquios, repetições e outras

observações desse tipo que orientam sobre o que se pretende conseguir em

cada exercício ou grupo deles. Os exercícios são, portanto uma pedagogia

para uma experiência espiritual. Experiência essa que vai se desenvolvendo ao

longo de todo um processo. Esse processo não é racional dedutivo, mas está

ligado por uma ordem psicológica onde o que conta são os afetos, a maneira

como a pessoa é afetada e a faz caminhar para a totalidade da experiência

espiritual que busca. De forma sintética os exercícios oferecem:

• Visão mais ´purificada´ dos quatro nós de relação: Deus, a própria pessoa, os outros, o mundo;

• Experiência de uma relação personalizada, respeitosa e libertadora; • Vislumbre de visão integradora da vida • Compromisso com uma missão no mundo.

Respondendo então à pergunta colocada no inicio deste capítulo, vejamos os

principais elementos dessa metodologia. A porta de entrada de todo o

17 Dicionário de Espiritualidade Inaciana, Universidade Pontifícia Comillas, Madrid, 2007. Tradução livre. Tradução livre de José Henrique Sasek 18 Autobiografia de Inacio de Loyola [1] Edições Loyola 3ª edição 19 Schiavone, Pietro – Quem pode viver sem afetos? A Pedagogia Inaciana do Sentir e do Saborear. Edições Loyola pag 28

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processo é o chamado Princípio e Fundamento. Segundo o livro A força da

metodologia dos Exercícios Espirituais “o Princípio e fundamento é uma

síntese dos Exercícios e delineia a “pessoa nova” que abraça o Reino e se

compromete com sua expansão”. O Princípio e fundamento expressa o sentido

último de toda a vida humana. Por tudo isso vale a transcrição integral do texto

inaciano.

O ser humano é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, e assim salvar-se. As outras coisas sobre a face da terra são criadas para o ser humano e para o ajudarem a atingir o fim para o qual é criado. Daí se segue que ele deve usar das coisas tanto quanto o ajudam para atingir o seu fim, e deve privar-se delas tanto quanto o impedem. Por isso, é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é permitido à nossa livre vontade e não lhe é proibido. De tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que enfermidade, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que breve, e assim por diante em tudo o mais, desejando e escolhendo somente aquilo que mais nos conduz ao fim para o qual somos criados.20

Esta meditação no inicio dos exercícios revela, pelo menos, três coisas

importantes. A primeira nos ensina que enquanto seres criados não temos a

existência em nós mesmos. Somos criaturas. Cada pessoa é criada. Não de

uma vez por todas, mas sustentada cada dia, pessoalmente por Deus. Não de

um modo formal ou protocolar, mas de modo apaixonado, incondicional,

incansável, ininterrupto. Daí se segue que o único caminho para o homem

salvar-se, ou seja, realizar-se plenamente é louvando, reverenciando e

servindo a Deus. Atitudes que não são mera prática devocional, mas

compromisso com o outro e com a construção de um mundo melhor, mais justo

e fraterno, que na teologia cristã chamamos de Reino.

O segundo aspecto é que “as outras coisas” também foram criadas por Deus

para o homem. Foram criadas para que o conduza a Deus, fim último de sua

existência. Assim, as coisas em sua origem não são ruins, mas meios através

dos quais se manifesta o criador.

O terceiro aspecto mostra que o ser humano criado à imagem e semelhança

de Deus perde essa dimensão quando se deixa dominar pelas coisas, ou seja,

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inverte a relação entre meios e fins. Absolutiza o que é relativo e relativiza o

que é absoluto. Para ajudar a pessoa no caminho da liberdade Santo Inácio

apresenta a regra do tanto quanto onde a pessoa “deve usar das coisas tanto

quanto o ajudam para atingir o seu fim, e deve privar-se delas tanto quanto o

impedem.” Inácio apela à indiferença, quer dizer, a uma desapropriação das

coisas e pessoas.

A indiferença inaciana não é a desapropriação da capacidade de amar, mas precisamente a liberdade para fazê-lo sem estar apegado a nenhuma dependência que lhe paralise.21

A busca por essa indiferença perpassa toda estrutura dos Exercícios buscando

ajudar a pessoa a ir libertando seu coração daqueles “afetos desordenados”

que a desumanizam e impede que o amor de Deus haja livremente em sua

vida, impulsionando-a encontrar seu lugar no mundo e ajudar a transformá-lo

pela força desse amor divino que atua nela e a faz viver em plenitude.

O Princípio e Fundamento formula a concepção inaciana do ser humano e do

mundo, descartando qualquer tipo de determinismo ou pessimismo em relação

ao homem e afirmando a bondade radical do mundo. Essa visão antropológica

se reflete na Pedagogia inaciana na busca por um conhecimento mais

completo da criação, um maior conhecimento de Deus e um maior desejo de

trabalhar com Ele em sua continua criação. Os Exercícios serão abordados por

dois caminhos. O primeiro através das Anotações feitas por Santo Inácio logo

no inicio dos Exercícios. O segundo pela análise da terminologia inaciana.

Percorrido este caminho será possível vislumbrar os elementos que orientam e

dão sentido à Pedagogia inaciana..

1. As Anotações

Uma primeira fonte de elementos básicos da pedagogia dos Exercícios pode

ser observada nas Anotações. Colocadas por Santo Inácio no início dos

exercícios, têm como objetivo ajudar tanto o que os aplica como quem os

20 Exercícios Espiriuais Nº 2 21 Melloni , Javier sj A mistagogia dos Exercícios. Editora Sal terrae pag 127. Tradução livre de José Henrique Sasek

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recebe. Assim descreve no número um: “anotações para se adquirir alguma

compreensão dos Exercícios Espirituais e para ajudar tanto quem os dá como

quem os recebe”22. Inácio apresenta um conjunto de 20 anotações que

permitem uma compreensão inicial dos Exercícios. Delas será abordado

brevemente os números que apresentam a definição e o objetivo, o modo e a

ordem e a adaptação ao exercitante e suas circunstâncias.

1.1. Definição e objetivo

Inácio começa comparando os Exercícios Espirituais com exercícios físicos.

“assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, chamam-se

exercícios espirituais diversos modos (examinar, contemplar, meditar, orar e

tantos outros) da pessoa se preparar e dispor”. A definição indica claramente a

necessidade de um trabalho intenso que exige preparação e disposição. O

processo que irá vivenciar é exigente: “tirar de si todas as afeições

desordenadas e depois buscar e encontrar a vontade divina na disposição de

sua vida”. A pessoa que entra na dinâmica dos exercícios está chamada a

modificar profundamente seus valores, pensamentos e condutas, etc. Para que

essa mudança seja real é preciso entrar de cheio nos afetos mais profundos da

pessoa porque é ai que se joga a possibilidade de uma escolha livre. Esse

mais profundo nível afetivo não se mobiliza por meio de puras ideias, nem de

pensamento fecundo. Se essas ideias não se impregnarem de afeto não

mudam nada. Por isso é preciso aguçar os sentidos e a imaginação.

Quando Inácio propõe “tirar de si todas as afeições desordenadas” está

propondo um caminho para a liberdade. Liberdade que vai muito além de

fazer o que se quer ou de escolher entre A ou B. David Lonsdale nos ajuda a

entender melhor a liberdade nos exercícios

Com liberdade, quero dizer algo muito mais semelhante a ter suficiente domínio de nós mesmos para, ao apreciar e confiar no amor de Deus por nós, sermos capazes de moldar nossas vidas, dedicar-nos a ser a pessoa que acreditamos que Deus planejou que fossemos e nos

22 Exercícios Espirituais de Santo Inácio [1]

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comprometer a seguir o caminho de vida que cremos ser aquele ao qual Deus nos convida.23

Os Exercícios ajudam a pessoa a crescer na liberdade. Crescimento que se dá

dentro de um processo que evidentemente não termina com os exercícios. É

tarefa para a vida inteira.

1.2. Modo e Ordem

Aqui aparece pela primeira vez a função fundamental que Inácio atribui ao que

dá os Exercícios: propor ao outro o “modo e a ordem”. É importante notar que,

Inácio fala de “quem propõe a outro”, não usa nenhum termo como orientador,

diretor ou qualquer outra denominação semelhante. Podemos concluir que se

trata de um facilitador. Alguém experimentado que ajuda a pessoa a progredir

superando suas dificuldades. Deve ser objetivo, detendo-se apenas no

essencial, ajudando a pessoa a caminhar por si mesma. Pietro Schiavone

descreve bem esse modo de propor os Exercícios:

Quem apresenta a matéria a ser rezada deve limitar-se a dar uma “breve e sumária explicação”, porque o indivíduo que descobre verdades, ou aspectos da verdade, em seguida a pesquisas pessoais, reflexões e raciocínios, extrai mais gosto e fruto espiritual daquilo do que quando quem aplica os exercícios explica muito e desenvolve o sentido da história.24

A atividade do exercitante, que recebe modo e ordem, se descreve com os

seguintes verbos; meditar, contemplar, refletir, raciocinar, e sentir. Verbos que

implicam a mobilização das áreas intelectuais e afetivas do sujeito. No final da

segunda anotação aparece a famosa afirmação de que “não é o muito saber

que sacia e satisfaz a pessoa, mas o sentir e saborear as coisas

internamente”. Não é o saber, mas o sentir e gostar. Portanto o que faz bem

para a pessoa, o que a modifica para melhor é a mobilização da sensibilidade,

das áreas afetivas profundas. A mudança que se busca acontece

fundamentalmente na mobilização dos afetos. É importante destacar aqui o

caráter dialético do pensamento de Inácio. Ele não opõe saber e sentir. É

23 Lonsdale David. Olhos de ver ouvidos de ouvir – Introdução à espiritualidade inaciana, pág 136 24 Schiavone, Pietro – Quem pode viver sem afeto? Pag 64

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evidente que Inácio não despreza nunca as funções intelectuais e racionais do

sujeito. Ele busca uma articulação entre capacidades intelectuais e afetivas do

sujeito. De tal modo que as ideias fiquem, por assim dizer “afetivizadas” e os

afetos fiquem iluminados pelo racional.

Cabe ressaltar para finalizar que os Exercícios não são um sistema rígido,

fechado; pelo contrário, são flexíveis e podem ser adaptados às pessoas de

distintos estágios na caminhada espiritual e a diferentes programas de

acompanhamento das pessoas na vida ordinária. A experiência mostra que

cristãos não-católicos podem tirar bom proveito dos Exercícios e estes

também podem ser adaptados para ajudar os não-cristãos. Para Schiavone

A flexibilidade é um elemento essencial do método, e é absolutamente necessário resguardar-se da tentação de pensar em uma matriz única sobre a qual todos, indistintamente, devem se moldar.25

É sobre isso que trataremos no ponto seguinte.

1.3. Adaptação ao exercitante e suas circunstâncias

A adaptação a cada pessoa e suas circunstâncias é um princípio que vai de

uma ponta a outra dos Exercícios. O princípio inaciano do cuidado é dar a

cada pessoa, segundo sua capacidade, aquilo que mais a possa ajudar e

aproveitar. A pessoa que faz os exercícios carrega consigo hábitos e ritmos,

características psicológicas, morais e espirituais, capacidades, desejos e

intenções. Aquele que acompanha o exercitante:

Deve prestar muita atenção à particular condição e capacidade da pessoa; deve, mais particularmente, aplicar os exercícios espirituais convenientes e conformes às necessidades da alma, considerando o maior ou menor proveito que deles poderá extrair; tudo adaptar às disposições da pessoa, isto é, à sua idade instrução e inteligência; levar em conta as intenções de fazer o mínimo indispensável ou de empenhar-se ao máximo, e também a constituição física e as capacidades naturais, a cultura e o engenho.26

Por tudo que se disse, fica claro que a pedagogia do Exercícios é

personalizada, fundada na crença de que cada ser humano é criativo e pode

25 idem 26 Schiavone, Pietro – Quem pode viver sem afeto? Pag 61

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responder, a seu modo, a convocação que lhe é feita, pelo criador, para

participar da construção do mundo.

A adaptação do método não se realiza somente em função do sujeito que

recebe os exercícios, mas também em função de suas circunstâncias.

Inácio planejou os exercícios para serem feitos e dados em diversas circunstâncias e por diversas classes de pessoas. Isto se aplica a todos os Exercícios e a exercícios selecionados, quer longe das ocupações e interesses de todo dia, quer no decorrer da vida cotidiana27

Deve se notar, no entanto, que essa adaptação à vida concreta do sujeito,

condicionada por muitos afazeres, não significa uma subordinação total do

método, muito menos uma redução na motivação do sujeito. Em quaisquer

circunstâncias deve se manter uma ordem e uma disciplina que garanta o

compromisso da pessoa com o processo dos exercícios, como acrescenta

Lonsdale

Mas, em quais1quer circunstâncias, o processo exige certos elementos essenciais. Exige que o que faz os Exercícios os faça não sob qualquer forma de coação, mas com ânimo, liberdade e generosidade.28

Seja em que modalidade for, em um retiro longe das ocupações e interesses

do dia-a-dia, ou no decorrer da vida cotidiana, os Exercícios exigem o que

podemos chamar hoje de um processo de atenção do sujeito. No dizer de

Inácio trata-se de não ter o entendimento partido em muitas coisas, mas pondo

todo o cuidado apenas em uma. Sem desconsiderar a realidade concreta da

vida de cada pessoa, Santo Inácio insiste em toda uma série de aspectos

ambientais e corporais, buscando colocar a seu favor todos os elementos que

colaborem com a finalidade a que se propõe. Mas ao mesmo tempo tem

clareza que não se pode absolutizar essas mediações. Elas tem um valor

meramente funcional e devem ser usadas “tanto quanto ajudem para o fim”

que se busca.

Num mundo plural como o nosso, em que o diálogo é um apelo cada vez mais

forte, adaptação e flexibilidade são essenciais para falar ao coração do homem

moderno e devem ser buscadas constantemente, como aconselha Lonsadale:

27 Lonsddale, David olhos de ver ouvidos de ouvir pág 129

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Nossa tarefa constante é descobrir meio de dar os exercícios que sejam fiéis a Inácio – contudo não fundamentalistas – e, ao mesmo tempo, falem de maneira inteligível e aceitável a pessoas de nossa época e de nossa cultura, tão diferentes da de Inácio.29

2. A terminologia inaciana Partindo do princípio de que as palavras produzem sentidos e criam

realidades, aprofundar o significado de algumas delas no processo pedagógico

dos exercícios ajudará a internalizar sua metodologia. É importante ressaltar,

mais uma vez, que o objetivo dos Exercícios é ordenar a própria vida, se

libertando das afeições desordenadas e assim “buscar e encontrar a vontade

divina na disposição de sua vida para nossa salvação.”

Antes, porém de entrar nos termos inacianos propriamente ditos é importante

esclarecer o que se quer dizer com as expressões vontade divina e salvar a

alma. A vontade divina não deve ser entendida como algo estabelecido por

Deus desde sempre. A vontade de Deus é que o homem se realize

plenamente, desenvolva todas as suas potencialidades se tornando cada vez

mais humano e assim humanizando o mundo que habitamos. É a realização

desse projeto que salva o homem. É um projeto permanente no qual o ser

humano deve se empenhar sempre. A salvação, portanto, é um dom, na

medida que é oferecida por Deus como possibilidade de realização, e é uma

conquista na medida em que se trata de uma adesão livre do ser humano ao

projeto de Deus. Nesse contexto, de um processo em permanente construção,

é que devemos entender não apenas os termos que se seguem, mas o sentido

próprio da educação inaciana

2.1. Afeto, afeição ou afetar-se

O afeto é uma realidade que carrega em si uma ambiguidade. Por um lado é

eros uma mera pulsação espontânea e auto-centrada regida pelo princípio da

passividade, que significa força de paralisação, de bloqueio. Por outro é ágape

28 Idem 29 Idem Pg 140

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que estabelece uma relação de reciprocidade, acolhida e doação regida pelo

princípio da atividade que move a sair de si. Reconhecendo essa força

espontânea do afeto Inácio quer conduzi-lo até seu verdadeiro objeto e

despojá-lo pouco a pouco de sua ambiguidade. Para Inácio o verdadeiro objeto

é Deus que se dá sem possuir. É o Deus revelado no Princípio e fundamento

que ama gratuitamente.

O estado inicial da pessoa que faz os Exercícios se apresenta,muitas vezes,

apegado, paralisado por atrações desordenadas. Terá que captar a força

contida nessas afeições mal dirigidas, para reorientá-las, porém não para

anulá-las ou reprimi-las. O processo dos exercícios tem como meta a

liberdade. São exercícios orientados para conquistar a liberdade. E só somos

autenticamente livres se vencemos e reorientarmos (ordenamos) nossos

afetos.

2.2. O desejo e o querer

O desejo é um impulso que nos move a buscar algo que não se tem. Que nos

falta. Na concepção de Inácio, os desejos tem uma conotação particularmente

positiva, porque são fonte de energia e movimento.

Com frequência, Inácio vincula o desejo ao termo querer apelando assim à vontade do exercitante como se a eficácia dos exercícios estivesse na determinação e conjunção do quere e desejar. Todas as meditações e contemplações começam por pedir a Deus “o que quero e desejo.” 30

O querer é o que dinamiza o principio ativo dos afetos. Diante da força passiva

do afeto só o verdadeiro querer é capaz de dominá-lo. Querer é o exercício

livre de determinar-se por uma coisa ou por outra. No sentido inaciano o querer

não é mero voluntarismo, pois não se apresenta isolado, mas vinculado à

afetividade e ao desejo, que lhe dão equilíbrio. O querer inaciano está assim

intimamente ligado ao núcleo da liberdade de cada ser humano.

30 Melloni, Javier sj. La mistagogia de lós ejerccios. Editora Sal Terrae. Pag78. Tradução livre de José Henrique Sasek

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2.3. Os sentidos e a imaginação É por meio dos sentidos que o ser humano capta realidade exterior. Os

sentidos são como uma ponte que levam os dados que captamos

externamente ao mundo interior. Esses dados ficam registrados em nossa

mente, tanto em sua dimensão cognitiva – a imaginação – como em sua

dimensão afetiva. Essas duas dimensões fazem parte de um único processo

de captação da realidade. Nesta ótica da sensibilidade que articula sentimento

e inteligência podemos dizer que somos nossa sensibilidade.

Os exercícios partem desta captação da sensibilidade para transforma-la. Porque nossa sensibilidade se confunde com muita frequência a sensualidade, que é o apego dos sentidos a certos objetos, privando-nos assim de liberdade.31

2.4. O sentir Este termo tem grande importância na espiritualidade inaciana. Não a toa é

citado 33 vezes nos Exercícios e outras tantas em outros escritos de Santo

Inácio. Por que Inácio insiste tanto nesse tema? É que o nosso sentir precisa

muito ser purificado para se tornar expressão do amor de Deus em cada um de

nós e não um mero impulso dos nossos próprios desejos.

O sentir deve ser situado no registro do conhecimento mais que no da pura afetividade. É uma forma de conhecimento que vai além de todo o aspecto discursivo. Evoca a zona indefinida, mas de máxima importância, na qual a lógica da afetividade interfere com a da racionalidade. O conhecimento, nesse caso, é intuitivo, quase instintivo.32

O sentir é a chave da antropologia inaciana. O lugar da unificação do ser

humano. É ali onde conhecimento e amor se encontram, convocando a pessoa

a caminhar, cada vez mais, na direção do seu eu mais profundo, aquele

espaço interior onde tem lugar o encontro, a união com Deus. Experiência que

plenifica e da sentido a vida humana.

31 Melloni, Javier sj. La mistagogia de lós ejerccios. Editora Sal Terrae. Pag 81. Tradução livre de José Henrique Sasek 32 Schiavon, Pietro Quem pode viver sem afetos? Pag 131

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2.5. O interno A expressão, que santo Inácio usa é “conhecimento interno.” O que significa

que devem ser entendidos como realidade integradora do humano. A

expressão inaciana está apontando para o coração. O termo coração não

pertence ao vocabulário inaciano. Santo Inácio se refere ao coração através do

termo interno que aparece em momentos importantes do processo dos

Exercícios, como por exemplo, quando pede “conhecimento interno do

Senhor”. Este vinculo entre o interno e o conhecimento manifesta bem que tal

interioridade unifica as dimensões afetivas e cognitivas do ser humano.

2.6. Consolação e desolação

Ao longo dos Exercícios, na medida em que mergulha no mundo dos afetos o

exercitante se vê envolvido em diversos pensamentos, agitações, dúvidas,

inclinações próprias de quem se propôs arrumar a casa, ordenar os afetos na

linguagem inaciana. Essas moções que veem à tona podem provocar

sentimentos contraditórios de consolação ou desolação. Encontramos a

definição no livro dos exercícios:

Chamo consolação todo aumento de fé esperança e caridade, bem como toda alegria interna que chama e atrai para as coisas celestes e para a salvação da própria pessoa, aquietando-a e pacificando-a em seu Criador e Senhor. [316] Chamo desolação tudo que é contrário da 3ª regra como escuridão interna, perturbação, moção para coisas baixas e terrenas, inquietude, com diversas agitações e tentações, movendo à desconfiança, sem esperança, sem amor, achando-se a pessoa toda preguiçosa, tíbia, e como que separada de seu criador e Senhor. [317]

2.7. Discernimento

Este termo daria um capitulo à parte tal a sua importância na espiritualidade

inaciana. Vamos tratá-lo aqui de forma bem resumida A primeira observação é

que o discernimento está diretamente ligado ao movimento de consolação e

desolação que acabamos de ver. Podemos dizer que o discernimento inaciano

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envolve-nos em um processo de análise cuidadosa de nossa experiência diária

de consolação e desolação procurando entender, através da observação e

reflexão, por onde Deus está nos conduzindo. O discernimento é uma arte que

precisamos desenvolver.

É a arte de apreciar os dons que Deus nos deu e descobrir a melhor maneira de responder a esse amor na vida cotidiana.é um processo de descobrir nosso caminho cristão em determinado conjunto de circunstâncias; um meio de responder ao chamado de verdade e amor cristãos em uma situação em que com frequência há interesses e valores conflitantes e é preciso fazer escolhas.éo dom pelo qual somos capazes de observar e avaliar os diversos fatores em determinada situação e escolher o modo de agir que mais autenticamente responde ao nosso desejo de seguir o Evangelho. 33

Desse modo o discernimento pode ser entendido como um movimento de

percepção, interpretação, avaliação e principalmente de direção em que nos

movem os sentimentos de consolação e desolação

2.8. Magis Sempre no contexto do Principio e fundamento o “Magis” é a resposta do ser

humano ao Deus “trabalhador e providente”. Há um Deus que se doa

totalmente, o ser humano deve responder com um amor sem medias.

Devemos entender esse termo no sentido de que sempre podemos

experimentar um avanço em relação aquilo que já fazemos ou vivemos. Coloca

a pessoa no horizonte de permanente busca de superar os próprios limites,

sempre em busca do fim para o qual fomos criados.

A pessoa que vive e se deixa impelir pelo magis é alguém que nunca está satisfeito com a realidade existente. Porque tem o impulso de descobrir, redefinir e alcançar o magis. Aquele que deseja encontrar o magis deve buscar, descobrir e arriscar-se na superação do já conhecido, do definido e do esperado, em vista sempre do bem maior, do amor maior, do mais justo.34

O “magis” significa entrega total e sem reservas para “inteiramente cumprir a

vontade de Deus. Mais que o ardor de um temperamento, o “magis”

33 Lonsdale, David. Olhos de ver ouvidos de ouvir-Introdução a Espiritualidade Inaciana.pag 91 34 O Magis Inaciano, impulso para que a humanidade viva – Carlos Rafael Cabarrús, sj, na Revista de Espiritualidade Inaciana, edição de junho/2004) disponivel em

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corresponde a um desejo e a uma atitude espiritual: é preciso fazer o máximo

para o louvor e o serviço do Senhor. Daí surge o lema inaciano ad maiorem dei

gloriem. Para maior glória de Deus

Todos esses termos apontam um itinerário que se propõem ajudar a pessoa a

tomar nas mãos, diante de Deus, a própria vida, ajudá-lo a tornar-se

verdadeiramente humano. Os Exercícios visam, com sua metodologia, a

reorganização da própria vida e, por conseguinte, fazer brotar uma enorme

possibilidade de desenvolver suas capacidades. No contexto dos exercícios

metodologia é o conjunto daquelas iniciativas que são utilizadas para facilitar a

ação da graça de Deus em cada pessoa. Consciente da importância da

participação de cada pessoa nesse processo de busca da vontade de Deus,

Santo Inácio monta uma “engenharia metodológica” que inclui articulação dos

conteúdos de cada etapa, conselhos práticos, regras de discernimento,

revisão e repetição desses conteúdos com particular atenção aos sentimentos

experimentados. A estrutura interna do método possibilita a mobilização dos

afetos, levando a pessoa a sentir e saborear as verdades que dão sentido e

sabor à vida.

Esse método encontrou aplicação no mundo da formação em geral, e da

escola em particular, e passou à história com o nome de Pedagogia Inaciana.

É esta relação que será tratada no próximo capitulo, procurando enfocar de

que modo os ensinamentos contidos nos Exercícios possuem valor no campo

da educação, especificamente no que diz respeito à atuação do orientador

educacional.

http://www.magis2013.com/jst/conteudo/visualiza_lo11.php?pag=;magis;paginas;visualiza_lo11&cod=1122

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CAPITULO III ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E PEDAGOGIA INACIANA

Antes de prosseguir o capitulo, onde será apresentado uma reflexão sobre o

papel do orientador educacional numa perspectiva inaciana, deve-se ter

clareza, por um lado, do que se quer dizer com a expressão Pedagogia

Inaciana, e por outro, reafirmar o âmbito da Orientação Educacional.

O conjunto de princípios metodológicos que se convencionou chamar de

Pedagogia Inaciana

é assim denominada não porque tenha sido elaborada diretamente por santo Inácio, se não por encontrar na sua experiência de vida, intuições, orientações e escritos a inspiração para a visão, atitudes e metodologia pedagógicas. Há de se considerar que este corpo pedagógico esta em constante elaboração, em constante procura por responder aos sinais dos tempos velozmente mutáveis em que vivemos35

Esta afirmação deixa claro que não se pode transpor de maneira automática os

Exercícios Espirituais para a prática pedagógica. A metodologia própria dos

Exercícios necessita ser constantemente adaptada, refletida e iluminada por

outras correntes pedagógicas que fazem a riqueza da educação. De qualquer

forma, não se pode negar a importância dos Exercícios como afirma Gabriel

Codina

Sem cair no concordismo de fazer derivar dos exercícios todos os elementos da pedagogia inaciana , se pode, não obstante, assinalar alguns princípios dos exercícios e de sua metodologia que certamente contribuíram para dar-lhe forma.36

A orientação educacional, pode ser entendida em dois sentidos constitutivos e

complementares. No dicionário encontramos, entre outras, uma definição

relativa à navegação bastante inspiradora: Disposição que se dá às velas e

35 Klein, Luiz Fernando - Identidade na missão in PEC – Projeto Educativo comum da Companhia de Jesus na América Latina pag 30

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vergas para receberem o impulso do vento. Também encontramos, outro

sentido, não menos inspirador, que é o da determinação dos pontos cardeais a

partir do lugar em que estamos. Sobre essa definição Pe. Ulpiano afirma que

A orientação é uma experiência humana fundamental, original. Como a própria palavra diz ela sempre se faz em direção ao oriente, ao sol. Por essa orientação, nós nos situamos no horizonte (espaço) e também no tempo: é graças ao sol que nós sabemos se é de manhã, se é meio dia ou se estamos indo para o fim da tarde.37

No mundo em que vivemos, há uma crise nessa relação espaço/tempo onde

predomina o ritmo acelerado de vida e a confusão na organização do tempo.

Vivendo dessa forma as pessoas acabam perdendo o horizonte, o sentido e o

que vemos, cada vez mais, são pessoas desorientadas, sem sentido.

“Etimologicamente, encontrar o sentido é encontrar o caminho, a direção, os

pontos de referência que permitem que a gente se oriente.” Tal é o sentido da

orientação.

No âmbito educacional a orientação é um serviço pedagógico destinado a

proporcionar os meios necessários para a formação integral e personalizada

do aluno em todas as suas dimensões – cognitiva, motora, de relação

interpessoal, de inserção social, de equilíbrio pessoal – ou seja, como um

projeto educacional no sentido amplo, além daquilo que está estritamente

vinculado ao cognitivo. É este sentido que define o campo profissional do

Orientador Educacional que

Caracteriza-se por um trabalho abrangente, no sentido de sua dimensão pedagógica. Possui um caráter mediador junto aos demais educadores, atuando com todos os protagonistas da escola no resgate de uma ação mais efetiva e de uma educação de qualidade nas escolas.38

Em sintonia com essa compreensão do trabalho do Orientador Educacional, o

Serviço de Orientação Educacional do Colégio Santo Inácio, uma escola da

Rede Jesuíta de Educação, elaborou recentemente (março /2014) um projeto

pedagógico, onde define a abrangência e o papel do SOE:

36 Codina, Gabriel – Pedagogia Inaciana in Dicionário de Espiritualidad Ignaciana, Universidade Pontificia comillas, Madrid 2007. Tradução livre por José Henrique Sasek 37 Vasquez, Ulpiano. A orientação Espiritual: mistagogia e teografia; Coleção leituras&releituras nº 3. São Paulo: Edições Loyola, 2001. Pag 8 38 Grinspun, Mirian. A Orientação Educacional: conflito de paradigma e alternativa para a escola pag 27

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Levando-se em conta que para o Colégio Santo Inácio a meta principal é permitir que cada membro da comunidade educativa (aluno, professores,funcionários e família) possa construir-se como pessoa humana em plenitude, o trabalho do SOE é colaborar, a partir do conhecimento próprio de sua área de formação, para que pessoas e grupos atuem como facilitadores dessa construção. Logo, a ação do SOE oferece elementos de reflexão para que, junto à comunidade educativa, as propostas humanistas de nossa opção curricular estejam presentes no ambiente escolar e sejam construídas através de ações diárias.39

Neste sentido alguns elementos da metodologia dos Exercícios, apresentados

no capitulo anterior, podem e devem iluminar estas ações diárias dotando-as

de certa “inacianidade”, ou seja, de um modo próprio de pensar e agir coerente

com a pedagogia inaciana. Sem a pretensão de ser definitivo é fundamental,

apresentar estes elementos, contribuindo na articulação entre os Exercícios

Espirituais a pedagogia inaciana e o papel do Orientador Educacional.

1. Visão do Orientador Educacional a partir dos Exercícios

1.1. “Quem propõe ao outro”: o papel do orientador

Um primeiro elemento importante é a definição mesmo do papel do orientador.

Nos Exercícios Santo Inácio não utiliza a palavra orientador. Para ele a

orientação é obra do Espírito Santo. Quem orienta é Deus. A imagem que

melhor se aproxima do pensamento de Santo Inácio é a imagem do facilitador.

Olhando para o contexto educacional a sabedoria de Santo Inácio ensina que

no trabalho da OE o orientador é apenas instrumento. Respeitando os ritmos

pessoais do educando seu papel é facilitar o processo de aprendizagem,

colocando suas habilidades e competências a serviço do crescimento e

amadurecimento do aluno. Sua atitude deve ser de uma discreta presença,

assistência benévola, atenção responsável, a fim de prevenir, apoiar,

incentivar. A prática do Orientador Educacional deve estar sempre sustentada

39 Projeto pedagógico – Serviço de Orientação educacional do Colégio Santo Inácio, 2014 pag 3

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pela esperança trabalhando na certeza de que a pessoa a quem se

acompanha é alguém amado e, portanto acompanhado por Deus.

1.2. “breve ou sumária declaração”: O modo inaciano de orientar

Outro elemento, ligado ao primeiro, trata de uma objetividade necessária no

processo dos Exercícios. Nos Exercícios quem apresenta a matéria a ser

rezada deve limitar-se a “narrar fielmente a história com breve ou sumaria

declaração.”(2)40 Isto porque o exercitante, continua o texto dos

Exercícios,”extrai mais gosto e fruto espiritual daquilo do que quando quem

aplica os Exercícios explica muito e desenvolve o sentido da história” Em

termos pedagógicos é uma objetivação necessária para abrir espaço para que

o educando busque por si mesmo os elementos necessários para o seu

crescimento.O Orientador Educacional atua, então, como “objetivador” e deve

provocar o aluno na busca pelo conhecimento seja de algum tema de estudo,

seja da sua própria realidade.

1.3. “Varias agitações e sentimentos”: matéria prima do trabalho do

orientador

Foi visto no capitulo anterior que, na medida em que a pessoa vai se

aprofundando nos exercícios, ou seja, vai mergulhando no seu próprio interior,

vem à tona o que Inácio chama de “várias agitações e pensamentos”(17). Elas

são importantes na media em que ao serem analisadas, á luz da oração,

ajudam a pessoa a ir descobrindo o caminho por onde Deus a está

conduzindo.

No processo educativo esses sentimentos também afloram, com freqüência,

na vida do aluno.

Coloque no lugar de agitações: dúvidas, distrações, dificuldades de aprendizagem, falta de empenho; em lugar de pensamentos: considerações e reflexões pessoais, intuições e descobertas, ideias e projetos. Não é difícil ver ao menos uma chance de uma grande abertura e de um diálogo sincero para a manifestação e a análise do

40 Os Números entre parêntesis corresponde a citação do livro do Exercícios Espirituais

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que Inácio chama de moções, e que no campo pedagógico podemos indicar como inclinações e tendências, desejos e interesses, ansiedade e preocupações.41

O Orientador Educacional precisará criar espaços para o diálogo com os

alunos buscando entender e orientando como agir em relação a esses

sentimentos. A atenção a esses sentimentos é fundamental na medida em

que oferecem a matéria prima para a atuação do orientador. São tão

importantes que até mesmo a ausência delas pode estar indicando alguma

dificuldade no processo. Nesse caso Santo Inácio ensina que “quando quem

dá os Exercícios sente que a quem se exercita não lhe veem algumas moções

espirituais[...]Interrogue-o muito sobre os exercícios: se os faz nos tempos

marcados e como.” (6)

Dito em termos pedagógicos: quando se percebe que o educando não se aplica, não se deixa envolver, nem aceita os estímulos, o educador deve fazer de tudo para responsabilizá-lo e, por exemplo, encontrar-se com ele e conversar para saber se aceita as sugestões dadas, para ver como conduz a pesquisa, com qual diligência enfrenta o estudo, quais são as dificuldades encontradas, quais os problemas, também de ordem familiar e ambiental, que tem de enfrentar.42

Repare que o aluno deve sempre permanecer no centro. É ele que deve ser

constantemente ativado. Em uma educação que incentiva a autonomia deve-

se sempre evitar facilitar tudo, conceder tudo e sem demora servir. Por outro

lado, diante das dificuldades do processo o orientador, ensina Santo Inácio

“não se mostre duro nem áspero para com ele, mas brando e suave, dando-lhe

ânimo e forças para ir adiante.” (7)

Feitas essas considerações iniciais é necessário voltar ao projeto educativo do

SOE do Colégio Santo Inácio onde afirma que

A ação do SOE deve estar comprometida com a construção do conhecimento; a realidade concreta da vida do aluno; o processo educacional dos colégios da Companhia de Jesus; a prática social coerente à proposta pedagógica do CSI; a formação em valores e a construção da identidade pessoal.43

41 Schiavone, Pietro. Quem pode viver sem afetos? Pag 58. São Paulo, Edições Loyola 42 Schiavone, Pietro. Quem pode viver sem afetos? Pag 59. São Paulo, Edições Loyola 43 Projeto pedagógico – Serviço de Orientação educacional do Colégio Santo Inácio, 2014 pag 7

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Partindo da definição destas áreas de atuação do SOE apresenta-se, a seguir,

o olhar da pedagogia inaciana para cada uma delas acrescentando outros

elementos importantes para o trabalho do Orientador Educacional.

2. Áreas de atuação do SOE

2.1. O Orientador Educacional e a Construção do conhecimento Na perspectiva inaciana a construção do conhecimento se dá através do

contato – direto ou indireto – do aluno com o objeto do conhecimento a

ser descoberto e construído, envolvendo todo seu ser por meio de seus

sentidos, imaginação, sentimentos e vontade. Não é algo apenas

intelectual, mas coloca em jogo todo o ser humano em sua totalidade.

A expressão inaciana “conhecimento interno” articula o racional com o

emocional como afirma Carlos Palacio:

Entre o conhecimento teórico, intelectual, e o conhecimento emocional, o conhecimento interno salva a unidade antropológica do ser humano. – A razão moderna nos acostumou a privilegiar o aspecto teórico e intelectual do conhecimento. Porém essa “abstração” esquece que o conhecimento finca suas raízes e vive do que poderíamos chamar sua unidade antropológica. O ser humano é mais que sua razão. E conhecer é um ato que envolve toda a pessoa.44

Aqui a expressão inaciana “não é o muito saber que sacia e satisfaz a

alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente” ganha toda sua

força. Os verbos sentir e saborear apontam para um processo de ensino

aprendizagem que não é somente árido raciocínio e esforço de vontade,

mas participação afetiva, envolvimento da pessoa em todos os níveis.

Só assim, o aluno poderá chegar a decisões e a ações apoiadas em

convincentes motivações. Neste contexto ganha relevância o papel da

experiência. É através dela que o aluno se desenvolve como

protagonista e não mero ouvinte do seu conhecimento. Sem a

experiência o aluno não chegará a uma ação comprometida, objetivo

final da educação inaciana. Para ser protagonista e não mero ouvinte do

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seu próprio aprender é preciso resgatar o sentido da experiência,

afirmando, primeiramente que ela não é apenas uma abordagem

intelectual do assunto de estudo. O livro Pedagogia Inaciana – Uma

proposta prática traz a seguinte definição:

Empregamos a palavra experiência para descrever qualquer atividade em que, junto com uma aproximação cognitiva da realidade em questão, o aluno percebe uma reação de caráter afetivo.45

Ou seja, o aluno se sente tocado na sua mais profunda interioridade e

será capaz não só de conhecer mas também entender e ficar altamente estimulado, saber e também vibrar, ter resoluta e entusiástica vontade de passar para a ação e ser fiel apesar de eventuais e insurgentes dificuldades.46

Hoje, contudo sabemos da dificuldade de realizar esse tipo de

experiência. De atuar para favorecer aos nossos alunos uma

experiência autêntica de conhecimento visto que é cada vez mais difícil

experimentar as coisas internamente. Jorge Larrosa Bondía explica que

A experiência é o que nos passa o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.47

Segundo o pensamento deste autor a experiência é cada vez mais rara,

para o homem de hoje pelo excesso de informação, de opinião, por falta

de tempo e por excesso de trabalho. Porque não podemos parar nada

nos acontece.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça, ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza,

44 Palacio,SJ Carlos-“...Ansi nuevamente encarnado” a propósito del conocimento interno del Senhor. Revista Manresa Vol. 71(1999) pág 31. Tradução livre de José Henrique Sasek 45 Pedagogia Inaciana- uma proposta prática Edições Loyola (1993) nº 43 46 Schiavone, Pietro – Quem pode viver sem afeto? Pag 132 47 Bondía, Jorge Larrosa, Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi.

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abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.48

O orientador educacional deve estar comprometido com a construção

do conhecimento ajudando os alunos a construírem significados ”a partir

do par experiência/sentido” sendo “pertinentes” e também

“impertinentes” e contra culturais quando for necessário. O OE deve

atuar decididamente na luta contra o que o Pe. Nicolás, atual superior

geral da Companhia, chamou de “globalização da superficialidade”.

Segundo o Pe. Geral este é o grande perigo do momento. Temos

muitas informações, porém não sabemos como alcançar a verdade. É

necessário que o SOE se empenhe em criar no ambiente escolar,

através de uma ação integrada, oportunidades concretas de análise, de

reflexão e de critica que ajude o aluno a superar a cultura, cada vez

mais forte do “copiar e colar” que não só não favorece, como inibe uma

autêntica construção do conhecimento.

2.2. O Orientador Educacional e a Realidade concreta da vida do aluno

Já vimos que a adaptação a cada pessoa é um princípio que perpassa

toda a experiência dos Exercícios inacianos. No campo pedagógico,

especificamente do SOE, essa adaptação se reflete no cuidado pessoal

do aluno. O Orientador Educacional, que quer ser fiel ao método

inaciano

deve agir na convicção de estar a serviço de cada aluno e nutrir uma solicita atenção para conhecer seu mundo complexo, ajudá-lo a aprender, a cultivar-se e a crescer de maneira integrada e realizar-se da melhor forma possível.49

O conhecimento da realidade da vida do aluno, por parte do Orientador

é fundamental no processo educativo na medida em que a experiência

humana nunca se produz no vazio, mas num contexto concreto onde

48 Bondía, Jorge Larrosa, Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi 49 Schiavone, Pietro – Quem pode viver sem afeto? Pag 60

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nos deparamos com uma pessoa real, que nos toca acompanhar e não

um aluno qualquer, ideal. Estar atento às características, ao ritmo e as

necessidades de cada um é o ponto de partida para o planejamento do

SOE no processo de ensino aprendizagem como destaca o Projeto

Educativo:

O processo se inicia onde o educando está. O ritmo pessoal, as necessidades, o respeito às diferenças são observados. A uniformidade e a massificação cedem lugar à atenção e ao acompanhamento pessoal do educando.50

2.3. O Orientador Educacional e o Processo educacional dos colégios

da Companhia de Jesus

O único objetivo dos Exercícios é ajudar o ser humano a tomar nas

mãos, diante de Deus a própria vida, ajudá-lo a tornar-se

verdadeiramente humano. O que está em jogo nos exercícios é

exatamente o crescimento do ser humano. Para isso, Santo Inácio

estabelece um processo, com modo e ordem, que leva

progressivamente a pessoa ao crescimento e amadurecimento. Leva-a

sair de si, de seu “próprio querer e interesse” para se abrir aos outros

buscando “em tudo amar e servir”. Analogamente o processo

educacional, com suas características específicas, também visa ajudar o

aluno a tomar a vida nas próprias mãos e crescer como ser humano.

Assim o processo de aprendizagem num colégio da companhia de

Jesus tem que ser educativo. O que se ensina neles é oferecido através

do currículo e tem o caráter de ser educativo.

O caráter propriamente educativo de uma aprendizagem se identifica com o processo pessoal de entrar mais e mais no cuidado da vida e da construção de um mundo habitável para todos os homens e mulheres.51

Seguindo a inspiração dos exercícios os processos educativos são

personalizados. Para Inácio o ser humano é pessoa à imagem de Deus,

elevada a dignidade de filho, destinado à vida eterna, desde sempre no

centro das atenções de Deus.

50 Projeto Educativo da Provincia do Brasil Centro-Leste da Companhia de Jesus, 1998 pag 44(133). 51 Montado Nelson e Flipe Sotomayor, Processos educativos. Texto mimeografado.

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Na visão inaciana do plano de Deus o homem/mulher é sujeito da história e todo educador deveria lembrar-se de estar não diante de um ser vivo que vegeta, ou que apenas possui sensibilidade e instintos, mas diante de um tu, de uma pessoa com inteligência e vontade, afetos e sentimentos, memória e capacidade de associar, comparar, julgar, escolher e agir para auto-construir-se e dar sua contribuição para a edificação da sociedade.52

Essa visão antropológica exige uma tarefa pessoal, intransferível. Exige

um sujeito, que fazendo uso da sua liberdade, inteligência e vontade,

compromete-se progressivamente com seu próprio crescimento,

abrindo-se aos outros, promovendo a vida. O Diretório Pedagógico do

Projeto Educativo aponta claramente a opção por um currículo

humanista e os desdobramentos que dele decorrem:

A partir da visão inaciana do homem e do mundo, os colégios jesuítas assumem como próprios os princípios de liberdade e os ideais de solidariedade humana da educação nacional, bem como suas finalidades: o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Reconhecendo as etapas evolutivas do crescimento intelectual, afetivo e espiritual, os colégios optam por um currículo humanista centrado no desenvolvimento integral e harmônico de toda a pessoa do aluno. Essa opção requer que a organização escolar, os planos e programas de estudo, as metodologias de ensino, os critérios de avaliação, as relações entre os vários participantes do processo e todas as variáveis implícitas nele, tenham a pessoa do aluno como eixo e horizonte.53

Isto é o que faz genuinamente humanista a proposta educativa.

Reconhecer e promover que cada homem e mulher possuem a

capacidade para construir-se em relação com os outros e com todo o

ambiente. Podemos dizer assim que a tarefa do OE é o de ajudar cada

estudante a tornar-se uma pessoa que aprende de maneira

independente e que vai assumindo a responsabilidade de sua educação

como demonstra o documento do SOE já citado:

Através do OE o aluno poderá refletir sobre o seu oficio de aluno, analisando o que esta sendo feito, por que, como e para que, possibilitando a busca de caminhos mais eficazes e construtivos.54

52 Schiavone, Pietro – Quem pode viver sem afeto? Pag54 53 Projeto Educativo da Provincia do Brasil Centro-Leste da Companhia de Jesus, 1998 pag 41(114). 54 Projeto pedagógico – Serviço de Orientação educacional do Colégio Santo Inácio, 2014 pag 3

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O trabalho do Orientador Educacional é tanto mais relevante se

consideramos o contexto cultural em que vivemos onde a cada dia,

através da mídia procura-se introduzir modos de pensar e de agir,

sempre a serviço de uma sociedade toda voltada à produção e ao

consumo idealizados em níveis de oposição aos valores do evangelho.

O processo educacional, portanto deve formar pessoas críticas e

conscientes do seu papel na sociedade.

Na atual encruzilhada cultural, nosso esforço humanista deve estar ocupado não só com o desenvolvimento da habilidade combinada para resolver problemas lógicos e estratégicos em nossos estudantes, como também da sua habilidade para serem conscientes dos sentimentos próprios e dos outros e de poder responder adequadamente às distintas situações que se originam a partir delas; porém, acima de tudo, deve ocupar-se do desenvolvimento do estudante da capacidade para conferir significado e valor a sua coexistência histórico-social.55

2.4. O Orientador Educacional e a prática social coerente à proposta

pedagógica

A razão de ser de um colégio da Companhia de Jesus é o serviço da fé

e promoção da justiça. Fé e justiça andam juntas e na concepção cristã,

portanto inaciana, uma não se entende sem a outra. São duas

dimensões de uma mesma realidade. A fé verdadeira exige obras de

justiça. Assim um Colégio da Companhia deve ser um centro que irradia

a justiça que brota da fé. Irradiar a justiça significa que os alunos que

passam por nossas escolas devem se preparar para contribuir com a

construção de uma sociedade mais justa e solidaria.

Lutamos para educar homens e mulheres para os demais, que se veem imersos em um contexto social e político que requer um engajamento com a realidade. Nunca pretendemos educar para fuga mundi, uma vez que nossa espiritualidade é tal que se encontra Deus em todas as coisas e que reconhece a relação entre a história humana e o Reino de Deus.56

O colégio como parte dele deve buscar esse fim de uma maneira explicita:

55 Montado Nelson e Flipe Sotomayor, Processos educativos. Texto mimeografado. 56 Educação Jesuíta: abrangendo as novas fronteiras, uma peregrinação continua. José Mesa sj in Colóquio internacional sobre educação jsesuíta secundaria. 2012 pag 11. Texto mimeografado. Tradução livre Jorge A.T.Dáu.

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- oferecendo aos alunos a possibilidade de envolver-se em serviços sociais e conhecer realidades de pobreza, para perceber a desigualdade e a injustiça do mundo em que vivemos. - envolvendo-os em iniciativas cidadãs locais. - implicando em atividades sociais as associações de pais e a comunidade educativa. - oferecendo a pais e alunos a possibilidade de participar em comunidades leigas inacianas comprometidas com a sociedade e a Igreja. - fazendo tudo isso em união com outras obras da Companhia para mostrar um trabalho de corpo e gerar uma base social que compartilha horizontes e valores.57

Esse conjunto de ações deve estar no horizonte do planejamento do

Serviço de Orientação Educacional buscando em última instância

preparar os estudantes para que sejam “bons cidadãos, bons lideres, e

estejam preocupados com o bem comum”.

2.5. O Orientador Educacional e a formação em valores

Dentro do contexto da pedagogia cristã de cunho humanista que

caracteriza a educação nos colégios da Companhia de Jesus educar é

antes de tudo humanizar. E a ação educativa é antes de tudo uma ação

humanizadora, quer dizer, que desenvolve em todos e em cada uma

das pessoas seu potencial mais profundamente humano. Esse

desenvolvimento não tem receitas prontas nem fórmulas abstratas. É

construído desde nossas praticas no cotidiano escolar. Uma autentica

educação em valores não acontecerá de forma automática como alerta

o antigo superior geral da companhia de Jesus Pe. Kolvenbach:

Hoje, começamos a compreender que a educação não humaniza ou cristianiza automaticamente. Já não acreditamos na idéia de que toda a educação, seja qual for a sua qualidade ou objetivo, conduzirá à virtude. Está ficando cada vez mais evidente que, se quisermos ser uma força moral na sociedade, temos de insistir em que o processo educativo se desenvolve num contexto moral. Isto não supõe um plano de doutrinação que abafe a mente, nem implica cursos teóricos que se

57 Alvarez, P.Patxi sj Educação de qualidade para todos. FLACSI, Santiago Chile. Tradução livre de José Henrique Sasek

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detenham numa especulação remota. O que nos falta é um referencial de busca que possibilite o processo de enfrentar os grandes temas e valores complexos.58

Vivemos num contexto de crise de valores, num ambiente propicio a

indiferença, ao individualismo, ao pragmatismo e ao hedonismo.

Vivemos “na idade do fragmento, do parcial e provisório, do fraco e

inconsistente, da insegurança e do relativo” e se quisermos formar

pessoas para serem uma força moral na sociedade precisamos superar

o discurso teórico sobre o campo dos valores, oferecendo oportunidade

concretas de atuar os valores como recorda Jesus Montero Tirado

Os valores se aprendem e assimilam, sobretudo na experiência mediante a ação. Para atingir o valor o tratamento pedagógico consiste em promover atividades de aprendizagem vivencial do valor na comunidade, ou seja, em apresentar atividades específicas para atuar os valores.59

A educação em valores no processo educativo, como preconiza a

pedagogia inaciana, exige a mediação pedagógica. Retomo o projeto do

SOE quando afirma que

O olhar do Orientador Educacional deve ser o de mediador dos vínculos entre alunos, família e comunidade educativa, procurando preservar os valores desta, através do diálogo, da troca de ideias, da cooperação e auxilio mútuo. [...] a fim de estabelecer um clima de confiança e segurança, tão necessário no processo educativo da pessoa humana.60

Esse olhar do orientador ganha importância na medida em que

Os valores sob o ponto de vista didático-pedagógico não se ensina como ensinamos conteúdos, princípios, fatos. Os valores se mostram, se indicam, se sinalizam, se vivem. Os valores devem ser “dês-cobertos” pelos estudantes. Estão junto a eles em frente deles, dentro deles e talvez não o percebam. É necessária a mediação pedagógica, o acompanhamento pessoal, o docente que “pro-põe”, que ajuda a descobrir a aparência que o cobre, que contribui a “dês-velar” a realidade proposta.Implica a relação docente-aluno que não pode forçar-se. A decisão final é do aluno. É o exercício de sua liberdade, valor tipicamente inaciano.61

58 Pedagogia Inaciana- uma proposta prática. Edições Loyola (1993) nº 138 59 In Moscato, Ricardo, Valores que queremos promover. Texto mimeografado 60 Projeto pedagógico – Serviço de Orientação educacional do Colégio Santo Inácio, 2014, pag 2 61 In Moscato, Ricardo, Valores que queremos promover. Texto mimeografado

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Muito própria e atual essa imagem do olhar que ajuda a “des-velar” para

ver além do aparente. Para ver em profundidade trazendo à tona os

dinamismos mais profundos, a riqueza de cada pessoa. Perceber os

valores que ninguém percebe em nossos alunos, na família na

sociedade. O olhar do OE se reveste então de um caráter místico.

Podemos dizer, usando a expressão de Benjamim Gonzales Buelta, que

o OE, e todo educador inaciano, é um “místico de olhos abertos”. A

mística é uma dimensão de toda vida humana e não privilégio de uns

poucos iluminados. Místico é aquele que percebe que toda a realidade,

as mais dilaceradas e as mais felizes realidades humanas estão cheias

da presença de Deus. Este é o sentido da contemplação inaciana que

nos leva a “ver Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.

Leva-nos a “perceber a dimensão mais profunda do real onde Deus

trabalha sem recesso”. Quem nessa sociedade e nesse ambiente em

que vivemos é chamado a trabalhar na formação dos outros deve

cultivar essa mística.

2.6. O Orientador Educacional e a Construção da identidade pessoal

Falar de construção da identidade numa perspectiva inaciana nos

remete de pronto ao texto do Principio e Fundamento que já foi

comentado anteriormente (cap.II). Essa meditação lembra que o ser

humano é criado.

O verbo no presente indica que a obra da criação não está terminada

ela é um projeto. Daí se segue que a vocação humana, vamos dizer

universal, não exclui a tarefa pessoal de construir o modo particular de

ser e de estar no mundo de cada um. A apropriação do Princípio e

Fundamento reflete no campo propriamente educativo ajudando o aluno

A dar-se conta daquilo que se é e que se tem; amadurecer os talentos e os carismas recebidos; operar para explorá-los da melhor maneira e dar uma contribuição pessoal ao bem estar de todos.62

62 Schiavone, Pietro – Quem pode viver sem afeto? Pag164

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Disso tem clareza o SOE quando afirma que

a orientação educacional é um processo dinâmico, contínuo e sistemático. Está integrada a todo o currículo escolar, reconhecendo o aluno como protagonista do seu processo de construção, devendo desenvolver-se harmoniosa e equilibradamente nos aspectos intelectual, físico, moral, estético, político, religioso e vocacional. 63

Outro aspecto importante na construção da identidade é que o aluno

deve ser ajudado a alcançar independência e autonomia na gestão de

sua vida, através de escolhas. Não de qualquer maneira, se não

“desejando e escolhendo somente aquilo que mais nos conduz ao fim

para o qual somos criados.” Desejando e escolhendo são duas

dimensões importantes da pedagogia inaciana. A primeira arranca da

inércia e do comodismo e impulsiona a superar os obstáculos da própria

história pessoal. A segunda nos leva a atuar com competência na

transformação pessoal e social. Neste processo é fundamental o

discernimento pessoal e comunitário para refletir sobre o que nos move

e qual compromisso queremos assumir. Enfim que pessoas queremos

ser.

Tendo estabelecido alguns pontos de conexão entre a metodologia dos

exercícios e o processo educativo conclui-se o capitulo retomando o papel do

Orientador Educacional destacando sua função essencial de acompanhamento

pessoal. Na pedagogia inaciana de fundo humanista, o acompanhamento

pessoal busca ajudar o desenvolvimento e aperfeiçoamento não só da

dimensão cognitiva dos estudantes, mas também as dimensões afetivas,

morais e espirituais que eles possuem. A raiz deste acompanhamento é a

relação pessoal, onde o orientador se interessa por todas as dimensões da

vida de seus alunos. Em síntese o Orientador Educacional

Deverá ser um orientador da vida de seus estudantes, assim como um orientador acadêmico; o mediador não só da cultura social, mas da interioridade do aluno, a quem deve ensinar a se descobrir interiormente, promovendo assim seu crescimento intelectual e, sobretudo humano.64

63 Projeto pedagógico – Serviço de Orientação educacional do Colégio Santo Inácio, 2014, pag 2

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CONCLUSÃO

A companhia de Jesus tem uma longa tradição em educação. Desde a sua

fundação em 1540 até os dias de hoje ela tem contribuído de forma decisiva

para história da educação. Suas escolas espalhadas pelo mundo inteiro são

referencia de solida formação acadêmica e humana colaborando

decisivamente na educação de muitos homens e mulheres.

Esse trabalho da Companhia de Jesus no campo da educação se caracteriza

por ser um instrumento apostólico, ou seja, ajudar na missão evangelizadora

da Igreja. A educação jesuíta se insere, portanto num contexto eclesial, donde

se segue que as escolas jesuítas são vistas como “parte da missão apostólica

da Igreja na construção do Reino de Deus”.

O Concílio Vaticano II, último Concílio da Igreja realizado entre os anos de

1962 a 1965 e que trouxe grande impulso de renovação à vida da Igreja,

afirma em um dos seus documentos Gravissimum Educationis sobre a

educação cristã que

Entre todos os meios de educação, tem especial importância a escola, que em virtude da sua missão, enquanto cultiva atentamente as faculdades intelectuais, desenvolve a capacidade de julgar retamente, introduz no patrimônio cultural adquirido pelas gerações passadas, promove o sentido dos valores, prpara a vida profissional, e criando entre alunos de índole e condições diferentes um convívio amigável, favorece a disposição à compreensão mútua; além disso, constitui como que um centro em cuja a operosidade e progresso devem tomar parte, juntamente as famílias, os professores, os vários agrupamentos que promovem a vida cultural, cívica e religiosa, a sociedade civil e toda a comunidade humana.65

Em sintonia com o Concilio e com as últimas Congregações Gerais da ordem,

a Companhia de Jesus reafirma que a educação secundária continua a ser um

trabalho apostólico central no atual momento histórico em que a humanidade

se encontra, caracterizado pela rápida evolução do nosso mundo cujo o ritmo

de mudança não pode ser comparado a nada que já tenha acontecido na

história.Vivemos em um mundo global de crescente interdependência,

comunicação imediata e tecnologia digital que sem dúvida trazem grandes

64 Montado Nelson e Flipe Sotomayor, Processos educativos. Texto mimeografado 65 Concílio Vaticano II. Declaração Gravissimum Educationis sobre a educação cristã (5)

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avanços para a humanidade, mas que por outro lado geram uma globalização

da superficialidade, crise dos valores humanos, dificulta a construção da

identidade e da subjetividade. São Profundas mudanças que geram agudos

conflitos, mas que por outro lado oferecem novas possibilidades. A

globalização não é uma ideia, é um fato, e como educadores da juventude

devemos tratar dela.

Dentro deste contexto a Companhia de Jesus reafirma a importância do

trabalho educativo e reconhece a necessidade de mudança, de buscar modos

criativos que respondam aos desafios atuais. No ano de 2012, em Boston, nos

Estados Unidos, realizou-se um colóquio internacional sobre Educação Jesuíta

Secundária com esse claro objetivo:

A Companhia realmente espera que esse encontro possa ser o começo de uma resposta efetiva e generosa, que permitam desenvolver todo o potencial que nossas escolas podem oferecer a nossa missão hoje. A última Congregação Geral e o Pe. Geral estão convencidos de que este potencial não pode ser realmente desenvolvido sem mudanças importantes no modo em que nossas escolas funcionam hoje. 66

O documento, gerado nesse encontro, baseado na tradição da Companhia de

Jesus, segue apontando caminhos possíveis para a renovação das escolas:

trabalho em rede, compromisso com a fé que promove a justiça, diálogo

criativo com as culturas e outras tradições religiosas, educação integral da

pessoa, preocupação particular com os pobres e marginalizados, cuidado,

interesse e repeito por cada indivíduo da escola e estar claramente a serviço

da fé e do Evangelho. O objetivo deste trabalho não permite desenvolver cada

um desses caminhos apontados. Porém não pode perdê-los de vista.

O trabalho desenvolvido até aqui remete à fonte original de toda essa rica

tradição da Companhia de Jesus que são, como já foi enfatizado várias vezes,

os Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Conhecer sua metodologia é, sem

dúvida, um caminho importante para responder aos desafios que a escola

enfrenta hoje. Já foi visto no capitulo II a importância do sentir e saborear, da

mobilização dos afetos, do querer, da flexibilidade e adaptação a cada pessoa,

66 Educação Jesuíta: abrangendo as novas fronteiras, uma peregrinação continua. José Mesa sj in Colóquio internacional sobre educação jsesuíta secundaria. 2012 pag 03. Texto mimeografado. Tradução livre Jorge A.T.Dáu.

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do discernimento e do magis. Cada um desses elementos são decisivos na

elaboração de uma pedagogia inaciana. Coerente com o objetivo traçado no

inicio deste trabalho enfatiza-se, particularmente o papel do Orientador

Educacional. Considerando que a orientação educacional é um processo

dinâmico, continuo e sistemático que está integrada a todo currículo escolar,

fica claro o papel de liderança que exerce o Orientador Educacional. Nesse

sentido, a guisa de conclusão será apresentado algumas características da

liderança inaciana que devem fazer parte do trabalho do Orientador.

• Liderança espiritual

Falar de uma liderança inaciana é falar de uma liderança espiritual. O Pe.

Adolfo Nicolás, superior geral da Companhia de Jesus, falando aos diretores

de Universidades jesuítas dos Estados Unidos (outubro de 2013)67 afirma que

a liderança espiritual é parte crucial do serviço que estamos chamados a

realizar em uma instituição da Companhia. Este tipo de liderança não pode ser

limitado a uma casta especial de clérigos ou religiosos. Não pode haver dúvida

alguma de que os líderes de instituições, supostamente religiosas, como os

colégios, devem exercer uma liderança espiritual. Continuando seu discurso o

Pe.Geral destaca ainda três pontos importantes:

ü O primeiro é que todo líder de uma instituição jesuíta deve promover e

reforçar nos membros e comunidades que a integram os valores e

atitudes que nascem da Sagrada Escritura e da tradição judaico cristã. A

liderança em una instituição jesuíta é um modo de evangelização e as

instituições jesuítas só tem sentido nesta perspectiva bíblica da fé, que

é a que permitiu sua criação. Por tanto, a primeira função da liderança é

a promoção e garantia desses valores e atitudes de perene relevância:

Deus ama o mundo, Deus habita entre nós, Deus nos capacita para

transformar o mundo em um lugar digno para os filhos de Deus. É isto

que afirma o Princípio e Fundamento apresentado no segundo capitulo.

67Disponivel em http://pedagogiaignaciana.com/GetFile.ashx?IdDocumento=422 tradução livre de José Henrique Sasek

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ü Em segundo lugar, o serviço é o princípio básico para entender a

autoridade.

ü E em terceiro lugar, a principal função de um líder, segundo o modo

como entendia Santo Inácio, é ajudar a crescer aos membros da

comunidade educativa para que cheguem a ser presença de Deus no

mundo. No ideal inaciano de serviço, o crescimento conduz a

transformação. Se não acontece tal transformação, então é que a

instituição educativa não é propriamente jesuíta. O objetivo último é a

transformação de todos os indivíduos, e, através dos indivíduos, a

transformação da sociedade. No há transformações instantâneas, ainda

que nos atraia a ideia de uma mudança repentina indolor e sem esforço.

As palavras do Pe. Nicolás não deixam dúvidas que há uma clara

intencionalidade no trabalho educativo da Companhia: formar homens e

mulheres para darem, no mundo testemunho do amor de Deus. É um

lento processo que deve estar constantemente no horizonte de um

Orientador Educacional de uma escola jesuíta.

• Formação profissional

Outra dimensão que não pode ser descuidada na liderança inaciana é

formação profissional. Uma pessoa que assume o serviço de orientação deve

ser altamente competente, no contexto do magis inaciano, em seus aspectos

intelectuais, humanos, afetivos e técnicos. É importante destacar aqui a

necessidade de elaboração de um projeto de formação permanente que

responda às aceleradas mudanças de nosso tempo.

• Trabalho em equipe

Trabalhar em equipe é fundamental no desenvolvimento do trabalho educativo.

O Orientador deve buscar criar espaços para o diálogo onde as pessoas

envolvidas no trabalho, sejam elas alunos, professores ou famílias, sintam-se

acolhidas para manifestar suas ideias. Implica aprender a perceber, e refletir

sobre os próprios esquemas que muitas vezes, obstaculizam a aprendizagem

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do grupo. Significa criar um clima de confiança e respeito por cada um,

desenvolvendo um espaço de comunicação o mais fraterno possível.

• O valor do testemunho

Para chegar a produzir frutos apostólicos como deseja a educação inaciana é

fundamental o valor do testemunho pessoal e comunitário daqueles valores

que queremos ver internalizados nos estudantes. No Congresso de estudos

internacionais sobre a Pedagogia da Companhia de Jesus em 1991, o Pe.

Kolvenbach , antigo Superior Geral da Companhia ,expressou o seguinte:

no preâmbulo da quarta parte das constituições da Ordem, Santo Inácio coloca o exemplo pessoal dos professores em primeiro plano a respeito do ensino como meio apostólico para ajudar aos estudantes a crescer nos valores. No interior da comunidade escolar, o professor influenciará o caráter de modo persuasivo, para o bem ou para o mal, com o exemplo que der de si. Em nossa época o Papa Paulo VI observava com agudeza na Evangelii Nuntiandi (Anuncio do Evangelho Exortação Apostólica de 1975) que, hoje os estudantes não prestam tanta atenção aos professores quanto aos testemunhos, e se escutam aos professores é porque dão testemunho.68

Estes aspectos da liderança inaciana devem ser cultivados pelo orientador

para responder aos desafios que a escola vive hoje. Exige um trabalho

constante para ser fiel e manter viva a rica tradição educativa da Companhia

de Jesus. O desafio é grande como nos mostra um trecho do colóquio

internacional sobre educação secundária.

Sermos fiéis a nossa tradição significa também oferecer uma educação verdadeiramente jesuíta/inaciana. Por mais importante que seja, não basta apenas oferecer uma educação de alta qualidade acadêmica. Precisamos construir escolas jesuítas fortes que incorporem nossa identidade, e nosso modo de proceder, que convide nossos alunos e seus pais a unirem-se a nossa missão. Sim, nossa identidade é orientada pela missão. Lutamos por escolas que possam facilmente atender a qualquer padrão acadêmico, mas lutamos também para coclamar nossos estudantes a uma vida além do mero sucesso acadêmico ou econômico. Lutamos para educar homens e mulheres para os demais, que se veem imersos em um contexto social e político que requer um engajamento com a realidade. Nunca pretendemos educa para fuga mundi, uma vez que nossa espiritualidade é tal que se encontra Deus em todas as coisas e que reconhece a relação entre a

68 In Vásquez, Carlos P.. sj. Propuesta educativa de la compañía de jesús:fundamentos e práctica pag 123. Asociación de Colegios Jesuitas de Colombia –ACODESI. Bogotá 2006

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história humana e o Reino de Deus.[...] Sabemos que as escolas jesuítas vivem na tensão entre serem jesuítas e serem escolas, mas essa tensão é a fonte de profundidade em um tempo de superficialidade e reducionismo que parece estar tomando conta de muitos sistemas educacionais.69

Um olhar profundo sobre os Exercícios Espirituais de Santo Inácio ajudará ao

Orientador Educacional, e outros educadores de uma escola jesuíta, a

incorporar a identidade e o modo próprio de proceder da Companhia de Jesus.

Concluo com uma exortação do Concílio Vaticano II na Gravissimum

Educationis:

É bela, portanto e de grande responsabilidade a vocação de todos aqueles que, ajudando aos pais no cumprimento do seu dever e fazendo as vezes da comunidade humana, têm o dever de educar nas escolas; esta vocação exige especiais qualidades de inteligência e de coração, uma preparação esmeradíssima e uma vontade sempre pronta à renovação e adaptação.70

69 Educação Jesuíta: abrangendo as novas fronteiras, uma peregrinação continua. José Mesa sj in Colóquio internacional sobre educação jsesuíta secundaria. 2012 pag 11. Texto mimeografado. Tradução livre Jorge A.T.Dáu. 70 Concílio Vaticano II. Declaração Gravissimum Educationis sobre a educação cristã (5)

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

LIVROS

KLEIN, Luiz Fernando. Atualidade da Pedagogia Jesuíta. São Paulo: Edições

Loyola, 1997.

MELLONI, Javier. La Mistagogia de Los Ejercicios. Santander: Editora Sal

Terrae, 2001.

LONSDALE, David. Olhos de ver, Ouvidos de ouvir Introdução à

Espiritualidade Inaciana. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

SCHIAVONE, Pietro. Quem pode viver sem afeto? A pedagogia inaciana do

sentir e do saborear. São Paulo: Edições Loyola, 2012.

MORO, Ulpiano Vázquez. A orientação Espiritual: mistagogia e teografia. São

Paulo:Edições Loyola, 2001.

GRINSPUN, Mirian P.S.Z. A Orientação Educacional: conflitos de paradigmas

e alternativas para a escola. 2ª edição. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

LÜCK, Heloisa. Planejamento em Orientação Educacional. 22ª edição,

Petrópolis: Editora Vozes, 2011

LOYOLA, Santo Inácio. Exercícios Espirituais. São Paulo: Edições

Loyola,2002.

CEI-ITAICI, Coleção leituras&releituras. A força da metodologia nos Exercícios

Espirituais. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

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DOCUMENTOS

COLEÇÂO: Documenta SJ. Pedagogia Inaciana: uma Proposta Prática.7ª

edição, São Paulo: Edições Loyola, 2009.

ACOJE, Associação dos Colégios Jesuitas. Projeto Educativo da Provincia

Brasil Centro Leste. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

COLÉGIO SANTO INACIO. Projeto Pedagógico: Serviço de Orientação

Educacional. Publicação interna. Rio de Janeiro: março, 2014.

COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO JESUÍTA SECUNDÁRIA,

Bostom, 2012

DECLARAÇÃO GRAVISSIMUM EDUCATIONIS, sobre a educação cristã in

Compêndio Vaticano II

VASQUEZ, Carlos sj. Proposta Educativa da Companhia de Jesus.Colección

Propuesta Educativa No. 7. Bogotá: agosto de 2006Editorial Kimpres Ltda

ARTIGOS

MOSCATO, Ricardo C. Valores que queremos promover.

MONTADO, Nelson e SOTOMAYOR, Felipe. Processos Educativos

KLEIN, Luiz Fernando. Identidade e Missão. In Projeto Educativo Comum

(PEC) da Companhia de Jesus na América Latina.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I 11

História dos Colégios Jesuítas: da fundação aos dias de hoje

1 – A gênese do Colégio Jseuíta 11

2 – Uma virada histórica 12

3 – Um modo próprio de educar 12

4 – Crise e renovação 15

5 – Refundação dos Colégios 17

6 – Missão educativa da Companhia hoje 19

CAPITULO II 27

Sentir e saborear:

introdução à metodologia dos Exercícios Espirituais

1 – As anotações 27

1.1 – Definição e objetivo 27

1.2 – Modo e ordem 28

1.3 – Adaptação ao exercitante e suas circunstâncias 29

2 – A terminologia Inaciana 31

2.1 – Afeto, afeição ou afetar-se 32

2.2 – O desejo e o querer 32

2.3 – Os sentidos e a imaginação 33

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2.4 – O sentir 33

2.5 – O interno 34

2.6 – Consolação e desolação 34

2.7 – Discernimento 34

2.8 – Magis 35

CAPITULO III 37

Orientação Educacional e Pedagogia Inaciana

1 – Visão do Orientador Educacional a partir dos Exercícios 39

1.1 – “Quem propõe ao outro”: o papel do Orientador 39

1.2 – “Breve ou sumária declaração”: o modo inaciano de orientar 40

1.3 – “Várias moções e sentimentos”: matéria prima do Orientador 40

2 – Áreas de atuação do SOE 42

2.1 – OE e a construção do conhecimento 42

2.2 – OE e a realidade concreta da vida do aluno 44

2.3 – OE e o processo educacional nos colégios da Companhia 45

2.4 – OE e a prática social coerente à proposta pedagógica 47

2.5 – OE e formação de valores 48

2.6 – OE e a construção da identidade pessoal 50

CONCLUSÃO 52

BIBLIOGRAFIA 58

ÍNDICE 60