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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
ALESSANDRO RAMALHO CAJUEIRO
Orientadora: MARIA ESTHER DE ARAUJO OLIVEIRA
Rio de Janeiro / RJ
2008
A IMPORTÂNCIA DA PSICOMOTRICIDADE DOS JOGOS E
BRINCADEIRAS NA APREENSÃO DO CONHECIMENTO:
UMA PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
ALESSANDRO RAMALHO CAJUEIRO
Rio de Janeiro / RJ
2008
Monografia apresentada à Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento da Universidade Cândido Mendes, como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Psicomotricidade. Orientadora: Profª Maria Esther de Araujo Oliveira.
A IMPORTÂNCIA DA PSICOMOTRICIDADE DOS JOGOS E
BRINCADEIRAS NA APREENSÃO DO CONHECIMENTO
UMA PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA
RESUMO
Trata sobre a contribuição dos brinquedos e brincadeiras no desenvolvimento
da psicomotricidade de alunos da Educação Infantil nas aulas de Educação
Física. Discorre sobre a necessidade da consideração, por parte de
professores e demais educadores, do espaço lúdico das crianças como uma
importante manifestação construtiva do conhecimento da criança. Aborda
alguns aspectos fundamentais na estruturação do processo psicopedagógico,
tendo em vista a construção do conhecimento e do saber por parte da criança
através do uso de brinquedos e brincadeiras. Apresenta sugestões e
recomendações para educadores, no sentido adaptarem as suas práticas e
ferramentas pedagógicas à aprendizagem infantil desenvolvida por meio de
brinquedos e brincadeiras.
Palavras-chave: Brincadeiras; Brinquedo; Construtivismo; Educação Física;
Psicomotricidade.
METODOLOGIA
Para a produção da monografia, foi realizado um levantamento bibliográfico
para se obter elementos teóricos capazes de embasar o entendimento a
respeito da evolução histórica dos conceitos sobre Psicomotricidade e
Construtivismo.
De acordo com Lakatos e Marconi (2001, p. 43), uma pesquisa bibliográfica
pode ser definida como um levantamento da bibliografia já publicada sobre um
assunto “em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita”.
Assim, para o embasamento teórico da pesquisa, recorrer-se-á à exploração
bibliográfico-descritiva em livros, artigos científicos e revistas especializadas,
além de documentos eletrônicos de fontes fidedignas.
A finalidade da pesquisa bibliográfica “é colocar o pesquisador em contato
direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto” (LAKATOS;
MARCONI, 2001, p. 43).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................... 07
1 A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR............................................ 10
1.1 O Porquê do Brincar....................................................................... 13
1.2 O Brincar e o Aprender.................................................................. 14
2 O BRINQUEDO................................................................................. 17
3 A BRINCADEIRA COMO OPORTUNIDADE DE DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR.....................................
21
3.1 Concepções Sobre a Origem do Conhecimento e a Natureza da Aprendizagem.................................................................
22
3.2 O Interacionismo Construtivista de Piaget e o Sócio-Interacionismo de Vygotsky...............................................................
27
CONCLUSÃO........................................................................................ 34
BIBLIOGRAFIA.................................................................................... 35
7
INTRODUÇÃO
A escolha da temática aqui estudada foi motivada pela preocupação com
questões ligadas às práticas de professores de Educação Física atuantes em
escolas de ensino básico, fundamentalmente naqueles aspectos relacionados
com os meios utilizados no desenvolvimento da psicomotricidade dos alunos
adotados por esses profissionais nas suas aulas.
Diante das velozes transformações na sociedade observadas nas últimas
décadas, ficou evidente que as necessidades educacionais da sociedade
brasileira aumentam em progressão geométrica e para muito além da
educação escolar, enquanto que os meios dispostos para o desenvolvimento
da psicomotricidade parecem ainda não ter encontrado o seu verdadeiro e
produtivo caminho em meio às exigências de um mundo em vias de integração
econômica global.
Se há uma área em que o sistema educacional avançou pouco, foi quanto à liberdade de atuação corporal dos alunos. Nesse aspecto, o ambiente escolar continua muito restrito, submetendo os alunos a reduzidos espaços físicos de aproximadamente meio metro quadrado, o equivalente aos limites de sua carteira escolar (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 7)
Felizmente, boa parte dos educadores parece ter consciência, atualmente, que
é pela liberdade das ações e concepções, pelas incertezas do fazer e do
pensar (elementos contidos explicitamente em jogos e brincadeiras) que o ser
humano vai organizando a consciência de si mesmo e desenvolvendo suas
estruturas psíquicas para interagir com a realidade na qual ele está inserido.
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Assim, com o olhar voltado para essas novas exigências profissionais, este
trabalho monográfico investigou como se processa a construção do
conhecimento por meio do desenvolvimento da psicomotricidade estimulado
pela aplicação de jogos e brincadeiras nas aulas de Educação Física,
procurando delimitar virtudes e deficiências dessa prática dentro da perspectiva
construtivista descrita por Jean Piaget.
A busca de alternativas para (re) dimensionar a atuação do docente diante das
atuais necessidades e perspectivas educacionais do século XXI implica na
adoção de ângulos de observação mais abrangentes, que considerem cada
vez mais presentes e influentes as inevitáveis conseqüências da economia
globalizada e da transmissão instantânea de informações na vida dos
indivíduos, tenham acesso direto a elas ou não.
Assim, a problemática deste estudo reside em demonstrar como uma o
desenvolvimento da psicomotricidade pode atuar favoravelmente na integração
comunitária da criança e do adolescente, despertando sua responsabilidade
para com a coletividade, estimulando sua consciência para a importância da
saúde física, mental e espiritual e sendo um meio facilitador para a superação
de desafios e limites, influenciando positivamente na auto-estima e no
autoconceito dos alunos.
O estudo desse tema se justifica na medida em que as exigências educativas
da sociedade contemporânea cada vez mais se relacionam a diferentes
dimensões da vida das pessoas, para além da escola. Nesse sentido, o
desenvolvimento das habilidades motoras deve estar diretamente relacionado
com os elementos cognitivos, sociais e afetivos do educando.
Nessa perspectiva, o objetivo geral deste trabalho está voltado para a análise
dos processos pelos quais o desenvolvimento da psicomotricidade, obtido por
meio de jogos e brincadeiras, auxilia na construção do conhecimento da
criança.
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Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura sobre Psicomotricidade e
Construtivismo, buscando identificar quais os elementos contidos em jogos e
brincadeiras mais capazes de auxiliar o desenvolvimento da psicomotricidade
de crianças em idade escolar e, paralelamente, investigar de que forma os
jogos e brincadeiras podem ajudar na socialização da criança e na sua
adaptação ao seu meio físico e social.
A hipótese a ser comprovada ou refutada com a pesquisa bibliográfica é a de
que a efetividade da prática pedagógica da Educação Físicia para crianças
está vinculada à capacidade do educador desenvolver a psicomotricidade dos
alunos, e que a promoção de adequações no sistema comunicativo
estabelecido em sala de aula dentro de uma visão construtivista permite ao
educador otimizar a sua performance, influenciando positivamente no processo
de aquisição do conhecimento e no desempenho extra-classe de seus alunos.
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1 A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR
O homem, diferente dos animais, é um ser totalmente dependente nos seus
primeiros anos de vida. Esta dependência se refere à preservação da vida e ao
desenvolvimento da sua inteligência e sensibilidade (SCHÜTZ, 2007, p. 1).
A nutrição e o cultivo destes diferentes aspectos da personalidade humana
dependem dos estímulos a que ela for submetida. A preocupação com a saúde
da criança tem que englobar também sua estrutura psicológica, caso contrário
ela dificilmente se tornará um adulto equilibrado, capaz de construir sua
personalidade e seu caráter e de se relacionar em sociedade de forma
harmoniosa (SCHÜTZ, 2007, p. 1).
Não basta apenas desenvolver o físico, é preciso alimentar o não-físico. Não
basta zelar pela qualidade dos alimentos que farão crescer o corpo, é preciso
zelar pela qualidade das oportunidades que estão sendo oferecidas à criança
para o seu crescimento intelectual, para o desenvolvimento da sua
personalidade e para a moldagem do seu caráter.
Quanto mais a criança for colocada em situações rigidamente estruturadas e conduzidas, menor a possibilidade de ela chegar a encontrar seu próprio modo de ser, sua vocação, sua natural afetividade. Sua espontaneidade é comprometida pela necessidade de cumprir tarefas predeterminadas e de ter um desempenho que lhe assegure uma boa colocação dentro da escala de valores situados entre o êxito e o fracasso (SCHÜTZ, 2007, p. 2).
Felizmente, boa parte dos educadores parece ter consciência, atualmente, que
é pela liberdade das ações e concepções, pelas incertezas do fazer e do
pensar (elementos contidos explicitamente em uma brincadeira) que o ser
humano vai organizando a consciência de si mesmo e desenvolvendo suas
estruturas psíquicas para interagir com a realidade na qual ele está inserido.
11
Segundo Haddad e Johansson (1995, p. 48), brincar terá o enfoque enquanto
ação livre ou supervisionada dependendo da forma como foi divulgada pelos
discípulos froebelianos: Schrader-Breymann e Bertha von Marenholz-Büllow. A
primeira cria a Casa Pestalozzi-Fröbel, norteando para o brincar livre,
causando forte influência à Suécia e, a segunda, encaminha-se para a diretriz
dos dons froebelianos, sendo apoiada pelos americanos.
Schrader-Breymann é contrária à firmeza de atitudes disciplinadoras, faz com
que o jardim de infância se torne uma continuação do lar, ao acrescentar
tarefas domésticas como parte do currículo, o qual, em conjunto com as
brincadeiras, representam a base do desenvolvimento da criança na visão
sueca (HADDAD; JOHANSSON, 1995, p. 48).
Já Marenholz-Büllow destaca os dons, ignorando o simbolismo das
brincadeiras interativas e a ação livre da criança, fazendo com que a instituição
se torne similar com a escola (HADDAD; JOHANSSON, 1995, p. 49).
Na análise dessa obra, é possível entender que a perspectiva adotada pelos
autores aponta claramente para a natureza complementar dessas duas
correntes, concluindo que a criança, enquanto brinca, manifesta crenças,
sentimentos e linhas de raciocínio interativo, onde a brincadeira incita a
participação de vários elementos reais e/ou inventados. Ao brincar, a criança
liberta e desenvolve a sua imaginação.
Haddad e Johansson (1995, p. 49) concluem que é através das brincadeiras
que a criança aprende a viver em comunidade e a conviver consigo mesma. A
boa construção da sua auto-estima e do seu auto-conceito estão, desse modo,
diretamente relacionados ao êxito desse processo. Concluem ainda que a
brincadeira na educação infantil proporciona à criança formas de exprimir suas
idéias, seus sentimentos e seus conflitos. Brincar não é apenas a linguagem
natural da criança, mais a mais valiosa delas.
12
Para Friedmann (1998, p. 30), a brincadeira é, no universo infantil, uma
oportunidade fundamental para apreensão da arte da convivência com pessoas
muito diferentes entre si.
A brincadeira atenua o egocentrismo infantil pelo livre exercício de compartilhar idéias, regras, objetos e brinquedos. Tornando-se autônoma ao resolver seus conflitos e ao experimentar papéis, gerando e ampliando as bases da sua personalidade (FRIEDMANN, 1998, p. 33).
Segundo a mesma autora, é pelo simbólico jogo da brincadeira que a criança
descobre o mundo e seus mecanismos. O brincar permite que suas
dificuldades inconscientes venham à tona e possam ser trabalhadas pelo
educador, o que possibilita à criança refletir sobre sua situação, dando-lhe
oportunidade de obter soluções mais satisfatórias para os seus conflitos.
Assim, a criança revive e reorganiza mais satisfatoriamente suas dificuldades
inconscientes, podendo então desenvolver a consciência da sua experiência
psicomotora.
Friedmann (1998, p. 33) afirma que as mesmas estruturas psíquicas criadas e
desenvolvidas por uma criança para a solução de desafios contidos em uma
brincadeira serão utilizadas pelo indivíduo adulto no enfrentamento dos
conflitos e responsabilidades inerentes à sua condição de relativa
independência.
Assumindo que esse indivíduo precisa poder ser responsável por cumprir a lei e as normas de convivência social, precisa poder se alimentar, poder se vestir, poder prover seu futuro e ainda, em algumas fases da vida, prover o sustento de outras pessoas, fica evidenciada a importância da brincadeira na construção do ser humano enquanto ator social (FRIEDMANN, 1998, p. 33).
Pela complexidade desse processo e forma com que ele está relacionado com
o período de vivência escolar, é fundamental a conscientização e empenho dos
professores e demais educadores para que o ambiente escolar seja adequado
ao processamento dessas experiências.
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Para isso, é preciso se livrar das amarras remanescentes do modelo de escola
implementado e praticado no Brasil no período da ditadura militar (1964-1985).
Um modelo que desestimulava qualquer prática educativa que promovesse
quaisquer tipos de associações de idéias e debates temáticos não-relacionados
com a manutenção da realidade sócio-política.
A escola rígida, autoritária e disciplinadora foi a tônica mais contraproducente,
uma vez que foi herdada de um modelo ainda mais inadequado, aquele
instalado na arcaica sociedade brasileira anterior ao período de modernização
da era Juscelino Kubitschec de Oliveira.
Nesse período, a criança brincando não era respeitada na escola, nem
considerada como estando no seu processo de aprendizagem. Era tida como
se estivesse perdida em um mundo imaginário, não percebendo a realidade.
Inserida no contexto da sua brincadeira, a criança era vista como em um
estado de incapacidade permanente.
Essa percepção de que a criança, ao brincar, está fora da realidade, em um
mundo totalmente imaginário, não condiz com os estudos atuais da Psicologia
e Pedagogia. Basta um educador razoavelmente preparado lançar um olhar
atento sobre as várias espécies de brincadeiras desenvolvidas pelas crianças
para perceber como, através delas, as crianças interagem, se organizam e se
constituem como indivíduos de acordo com sua percepção e aquisição sócio-
cultural. A importância do brincar é óbvia.
1.1 O Porquê do Brincar
O brincar proporciona a oportunidade de desenvolvimento. Brincando, a
criança ensaia, descobre, cria, imagina, pratica e verifica suas habilidades.
Brincar é um ato indispensável para o desenvolvimento da saúde física,
emocional e intelectual da criança.
14
Ao se cultivar a arte de brincar, considerando-o (o brincar) como um dom
natural e estimulando-o devidamente, o processo pedagógico contribuirá,
futuramente, para a eficiência das reações e realizações do adulto.
Através da brincadeira, se estimula a imaginação, a curiosidade, a iniciativa e a
autoconfiança. Oferece a possibilidade de apreensão, ampliação e progressão
da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção.
Para Kishimoto (1997, p. 20), a brincadeira pode ser apreciada sob duas
vertentes: auto-expressão e auto-realização. Como auto-expressão se
apresentam atividades livres, construções, dramatizações, música, artes
plásticas, entre outras. Em auto-realização está o brinquedo ordenado, aquele
que tem uma proposta e por isso necessita de determinado desempenho.
Quanto mais simples os recursos materiais, mais fantasia a brincadeira exige.
Quanto mais sofisticados os recursos, maior é o desafio apresentado. Dessa
forma, a brincadeira é sempre uma oportunidade para que a criança interaja,
faça escolhas e tome decisões. Na observação desse processo, se percebe a
importância para a saúde mental do ser humano a ludicidade contida em uma
brincadeira (SCHÜTZ, 2007, p. 2).
É preciso, então, que se proporcione o espaço lúdico para as brincadeiras da
criança, pois é neste espaço que poderá ocorrer a expressão mais autêntica do
seu ser, é o espaço da prática do vínculo afetivo com o mundo, com as
pessoas e com os objetos. É o universo mágico que a faz feliz.
1.2 O Brincar e o Aprender
Quando se é feliz, se aprende melhor. À primeira vista, o faz-de-conta poderia
ser considerado uma brincadeira em que a criança estivesse em um mundo só
seu, imaginário.
15
Porém, com um olhar mais atento, percebe-se nesta atividade que as crianças
agem e reagem organizadamente umas com as outras, criando, reformulando e
partilhando significados, estabelecendo, assim, a importância dessa brincadeira
para o seu desenvolvimento psicológico.
Na brincadeira do faz-de-conta uma criança cria inúmeras significações para os
objetos. Modifica os limites do ambiente físico conforme as exigências da
brincadeira em andamento. Interpreta personagens, cria histórias, jogos e
representações com regras a serem seguidas pelos participantes da
brincadeira. Cria modelos de comportamento para animais, objetos,
personagens. Considera os objetos como seres animados, dotando-os de
identidade e personalidade próprios (AZEVEDO, 2008, p. 1).
Ao brincar num mundo imaginário, a criança tanto revive experiências do seu
cotidiano, quanto expressa desejos que, naquele instante, são importantes no
seu processo de desenvolvimento.
Vygotsky (1991, p. 107) afirma que a capacidade da criança subordinar os
objetos e sua própria ação ao campo do significado, no mundo imaginário,
denota um adiantamento no desenvolvimento infantil.
Para uma criança pequena, essa maneira de se comportar exige uma
transformação radical de sua organização psicológica. O autor observa ainda
que uma criança pequena age de acordo, apenas, com seu campo perceptivo
imediato, e, por conta disso, seu comportamento é restringido pelas situações
ambientais, pela situação na qual ocorre a brincadeira, pelos objetos presentes.
Na ludicidade, a criança realiza a substituição de um objeto real por outro
objeto, uma ação real por outra ação. Os objetos e ações reais são
subordinados à significação. Mas essas ações ainda ocorrem no faz-de-conta
como ocorrem na realidade. E os objetos que substituem outros objetos ou
coisas são similares aos objetos ou coisas reais.
16
A criança em idade pré-escolar ainda necessita de um elemento que lhe dê
suporte para lidar com o campo do significado. Daí porque os temas mais
comuns das brincadeiras de faz-de-conta de crianças nessa faixa etária são
temas vinculados a seu cotidiano: a criança brinca assumindo os papéis de
personagens que lhe são familiares (mãe, pai, filho, motorista etc.). Os animais
e os objetos representados fazem parte da realidade que a criança conhece
(AZEVEDO, 2008, p. 1).
O brinquedo traz em si a possibilidade do desenvolvimento da aprendizagem
através do fazer para aprender, ou seja, a experimentação e relacionamento de
seu conhecimento prévio com novas situações e necessidades, podendo
construir novas significações.
A criança, ao se deparar com situações-problema irá procurar soluções e
alternativas. Ela poderá crescer e se desenvolver, desde que estas situações
estejam adequadas à capacidade cognitiva de sua idade. Ao brincar, a criança
alcança níveis em seu desempenho psicomotor só equiparados à sua
motivação interna, própria (AZEVEDO, 2008, p. 1).
Portanto, para obter essa motivação o educador precisa criar um ambiente
atrativo, instigador. Os componentes materiais de uma brincadeira estimulada
(pedagógica) assumem importância vital. A participação ativa da criança
somente ocorrerá quando o brinquedo oferecer atividades dinâmicas que
despertem a sua curiosidade e interesse. É necessário que o brinquedo tenha
afinidade com a realidade da criança. O brinquedo precisa ser significativo.
17
2 O BRINQUEDO
O brinquedo ideal convida a brincar. O brinquedo facilita a concepção da idéia,
proporciona o enriquecimento da contextualização, instigando a motivação e o
desejo de superação no domínio das técnicas para o seu manuseio. A criança,
ao interagir com o brinquedo, vivencia mundos imaginários, cria, inventa,
descobre, observa umas coisas, experimenta outras, compara e reinventa.
Vygotsky (apud ROMERO, 2008, p. 2) afirma que através do brinquedo a
criança aprende a “agir numa esfera cognitivista, sendo livre para determinar
suas próprias ações”. Para o autor, “o brinquedo estimula a curiosidade e a
autoconfiança, proporcionando desenvolvimento da linguagem, do
pensamento, da concentração e da atenção”.
Ao desenvolver sua imaginação, suas habilidades se desenvolvem, tornando
seu mundo interior mais enriquecido. A criança passa a se comunicar mais e
melhor, podendo, cada vez mais, evoluir na relação com o mundo ao seu redor.
Com o tempo estes limites vão se expandindo e seus brinquedos deixam de ser somente uma identificação com os adultos e passam a refletir momentos individuais da sua vida. Até então, a criança só reproduz uma situação, a separação entre a ação e o objeto só ocorre quando ela reproduz a situação quando o objeto está ausente ou alguns objetos começam a ser substituídos por outros (AZEVEDO, 2008, p. 4).
O brinquedo tem a capacidade de traduzir o real para o mundo infantil.
Ameniza o impacto causado pelo tamanho e pela força dos adultos, reduzindo
a sensação de impotência da criança.
O brinquedo traduz o real para a realidade infantil. Suaviza o impacto provocado pelo tamanho e pela força dos adultos, diminuindo o sentimento de impotência da criança. Um ursinho de pelúcia pode ser um bom companheiro. Uma bola que convida para um pouco de exercício, um quebra-cabeças que desafia a inteligência ou um colar de “pérolas” que faz a menina sentir-se bonita e importante como a mamãe, todos são como amigos, servindo de intermediários para que a criança consiga integrar-se melhor (SCHÜTZ, 2007, p. 2).
18
Uma boneca pode ser a confidente e amiga da criança. Um patinete ou um
carrinho o transforma em um campeão de automobilismo. Um jogo de montar
ou um quebra-cabeça estimula sua inteligência e o relacionamento de
conceitos. As roupas de um adulto fazem a criança se sentir também uma
adulta (SCHÜTZ, 2007, p. 2).
Enfim, o brinquedo dá à criança a importância de um adulto. Supre a
necessidade da criança se colocar no nível de seus pais, de outros adultos e
de crianças mais velhas, que, via de regra, demonstram maior habilidade no
trato com as coisas reais.
Para Rezende e Fusari (apud KISHIMOTO, 1997, p. 25), os brinquedos e os
objetos transformados em brinquedos são como companheiros, como
mediadores numa melhor integração da criança com o meio em que ela vive.
Experimentando e vivenciando situações e soluções durante as brincadeiras, a
criança descobre como direcionar seus movimentos e ordenar suas reações no
mundo real da convivência coletiva. A criança satisfaz seu anseio de
desenvolvimento ao interagir com diversos materiais. É seduzida pelas
inúmeras possibilidades que eles possam vir a representar.
Ao ver o brinquedo, a criança é tocada pela sua proposta; reconhece umas coisas, descobre outras, experimenta e reinventa; analisa, compara e cria. Sua imaginação se desenvolve e suas habilidades também. Enriquecendo seu mundo interior, tem mais coisas a comunicar e pode, cada vez mais, participar do mundo que a cerca (SCHÜTZ, 2007, p. 3).
Não é apenas com o intuito de alcançar um objetivo que as crianças trabalham
com materiais, mas, mais pela satisfação de experimentá-los, manuseá-los e
lidar com eles. A criança adquire conhecimentos através dos brinquedos e
aprimorar habilidades é um dos melhores meios de aprendizado.
19
Para as crianças um carro de brinquedo é de verdade; a boneca pode ser a filha, a mãe, a irmã, a família; o dominó representa números e cores... Cada brinquedo tem seu espaço e seu papel no mundo infantil, e é justamente para aproveitar esses benefícios que as brinquedotecas foram criadas (MENTOR, 2008, p. 1).
Para Bontempo (apud KISHIMOTO, 1997, p. 26), através da participação ativa
da criança, o brinquedo proporciona o desenvolvimento e a aprendizagem, o
aprender-fazendo. E quanto mais o brinquedo oferecer atividades dinâmicas e
desafiadoras, mais ele será requisitado e necessário ao amadurecimento
infantil.
A criança cresce ao procurar soluções e alternativas nas situações-problema.
Isso desde que respeitado a sua necessidade/fase de desenvolvimento, ou
seja, a sua capacidade de compreensão e assimilação. Ao brincar, a criança
obtém o nível do desempenho psicomotor equiparado com a sua auto-
motivação.
O brinquedo tem grande importância no desenvolvimento da criança, ocorrendo à simbolização através dos objetos, sendo a pré-condição para o aparecimento do jogo de papéis. O jogo de papéis se desenvolve a partir das brincadeiras da criança com o objeto e ocorre nos segundos e terceiros anos, envolvendo diversos objetos adquiridos no primeiro ano de vida e a novos objetos (AZEVEDO, 2008, p. 1).
A inteligência da criança é instigada através do brinquedo, isto porque o
brinquedo proporciona à criança a soltura da sua imaginação, causando o
afloramento da sua criatividade.
“É preciso que haja a possibilidade de ser derrotado pelo brinquedo para que
haja desafio e alegria. A alegria vem quando a gente ganha. No brinquedo a
gente exercita o que Nietzsche denominou vontade de poder” (ALVES, 2008, p.
1)
20
O brinquedo estimula, também, a atenção, a concentração e o empenho de si.
Ele distrai ao possibilitar válvula de escape na tensão causada pela pressão do
“mundo” adulto. Ao requerer a aplicação da criança na atividade, o brinquedo
proporciona a habilidade de concentração e atenção.
O brinquedo não tem regras, nem necessariamente umobjetivo a conquistar, começa e termina a qualquer momento. Ele não materializa umjogo, ele evoca um aspecto da realidade, micromundo, que a criança pode manipular deacordo com sua vontade (SILVA et al, 2005, p. 4).
É possível se perceber que o brinquedo representa um componente
importantíssimo no universo infantil, influenciando positivamente na formação
da personalidade da criança. O brinquedo traduz o mundo adulto para uma
linguagem infantil e, portanto, auxilia na formação intelectual e na moldagem do
caráter da criança.
21
3 A BRINCADEIRA COMO OPORTUNIDADE DE
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR
Para Braga (2002, p. 2), século XXI inicia-se sob o signo da transição na
educação. O advento das redes e da multimídia, entre as demais
conseqüências da Revolução da Informação, exige alterações profundas nos
processos educacionais e nas teorias pedagógicas.
É necessário favorecer um processo educativo que fomente a intensa
participação interativa e colaborativa dos alunos. Em outras palavras, encontrar
um modelo de aprendizagem apoiada pela tecnologia em que o professor seja
o colaborador, o facilitador que privilegiará o coletivo social e não apenas o
indivíduo.
Em relação ao seu papel pedagógico, a E.F deve atuar como qualquer outra disciplina na escola e não desintegrada dela. As habilidades motoras precisam ser desenvolvidas, sem, sem dúvida, mas deve estar claro quais serão as conseqüências disso do ponto de vista cognitivo, social e afetivo. Sem se tornar uma disciplina auxiliar de outras, a atividade da E.F precisa garantir que, de fato, as ações físicas e as noções lógico-matemáticas que as crianças usará nas atividades escolares e fora da escola possam se estruturar adequadamente (FREIRE, 2004, p. 24).
Para compreender melhor estes aspectos de interação e colaboração
presentes na brincadeira que permeiam este modelo de aprendizagem
idealizado, faz-se necessário antes entender como se produz o conhecimento,
como se aprende e por conseqüência, como se pode ensinar.
Para se adaptar ao mundo, para resolver problemas para agir sobre o mundo, transformando-o, o sujeito constrói movimentos corporais específicos, dirigidos para um fim e orientados por uma intenção: são os esquemas de ação. E por esses esquemas que o ser humano se expre4ssará em todas as ocasiões de sua vida (FREIRE, 2004, p. 33).
22
Algumas correntes como o racionalismo, o empirismo e o construtivismo
empenharam-se em explicar a aquisição do conhecimento através da
combinação de três elementos básicos: o Sujeito (S); o Objeto do saber (O) e o
Conhecimento como produto do processo cognitivo (C).
3.1 Concepções Sobre a Origem do Conhecimento e a Natureza da Aprendizagem
A corrente racionalista defende a idéia de que o sujeito, ao nascer, já
apresentaria todas as possibilidades do conhecimento definidas por leis
inerentes à razão humana.
Dentro desta perspectiva, o desenvolvimento intelectual é determinado pelo
sujeito e não pelo meio, ou seja, de dentro para fora. Em síntese, o
racionalismo sustenta a teoria de que o conhecimento é anterior à experiência,
sendo fruto do exercício de estruturas racionais pré-formatadas no sujeito.
A lógica, de acordo com o racionalismo, seria uma capacidade inata do
homem. À medida que o ser humano amadurece, ele vai reorganizando sua
inteligência pelas percepções que tem da realidade. Essas percepções
dependem de capacidades que são inerentes ao indivíduo e não dos estímulos
externos.
Porém, entender o processo de aquisição de conhecimento apenas a partir da
concepção racionalista nos leva a perceber o indivíduo apenas a partir da sua
herança genética, gerando assim muitas falhas no processo educacional, uma
vez que estaria negando a teoria de que o aluno é capaz de criar novas
estruturas e a partir delas construir novos conhecimentos.
23
Ao contrário da visão racionalista, a corrente empirista defende a teoria da
tábula rasa (tábula lisa, não escrita) que significava que não existiam idéias
inatas no sujeito (BIGGE, 1977, p. 36). O desenvolvimento intelectual é
determinado pelo meio ambiente, pela força exercida sobre o mesmo. É de fora
para dentro. Nessa linha o indivíduo não nasce inteligente, são os estímulos
externos que desencadeiam reações, as quais ficam sujeitas à assimilação ou
não. O desenvolvimento da inteligência estaria nestes estímulos e não no ser
humano.
O desenvolvimento do empirismo ocorreu na Inglaterra, principalmente nos
séculos XVII e XVIII, com Jonh Locke (1632-1704), determinando que todas as
idéias chegam à pessoa através dos sentidos, sendo a experiência sensorial a
fonte do conhecimento: os órgãos dos sentidos receberiam a estimulação do
mundo exterior e os nervos a conduziriam ao cérebro.
A prática pedagógica relacionada à teoria empirista coloca o professor como
detentor do conhecimento, atuando no sentido de gerar os estímulos para
tornar o aluno inteligente e conhecedor dos conteúdos que ele domina.
Baseado neste pressuposto, a inteligência é concebida como uma faculdade
capaz de armazenar e acumular conhecimento.
Para Piaget, “a percepção oferece-nos, pois, um novo caso de incontestável transição entre as estruturas orgânicas e cognoscitivas”. È “isso que lhe empresta interesse epistemológico, como contacto cognoscitivo mais imediato entre o sujeito e os dados do meio”. O fortalecimento das habilidades humanas não é, portanto, nenhuma mágica. Se, do ponto de vista biológico, mostram-se frágeis, no plano cultural compensam amplamente tais fragilidades. Aquilo que, num primeiro momento (em especial, no bebê), é apenas sensação, nas crianças e nos adultos é experiência interiorizada, imaginação, compreensão, consciência (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 133)
24
O empirismo, aliado ao positivismo que, por sua vez propõe como ideal de
objetividade a utilização de uma metodologia experimental com vistas à
elaboração de leis gerais, e destes com alguns aspectos da perspectiva
funcionalista, advinda dos estudos da Biologia, fundaram a base
epistemológica e metodológica para o desenvolvimento do behaviorismo,
propiciando a emergência do pressuposto de que todo conhecimento provém
da experiência, ponto de partida das teorias comportamentalistas.
No geral, as teorias comportamentalistas, como o próprio nome já sugere, dão
ênfase ao estudo do comportamento ou as reações observáveis de um
organismo através de respostas a estímulos do meio ambiente, também
observáveis.
O behaviorismo defende a crença da possibilidade do controle objetivo do
estímulo do meio ambiente na determinação de respostas do indivíduo a tais
estímulos. Em síntese, aprender significa, segundo o behaviorismo, exibir
comportamento apropriado; o objetivo da educação nesta perspectiva é treinar
os estudantes a exibirem um determinado comportamento. Para Freire (1985,
p. 38):
A pedagogia para os empiristas é diretiva. O aluno aprende, se e somente se, o professor ensina. O professor acredita no mito da transferência do conhecimento. O professor possui o saber e detém o poder estabelecido por hierarquia: O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador (FREIRE, 1985, p. 38).
Os estudos efetuados pelos comportamentalistas foram realizados,
fundamentalmente, em animais. Darwin, citado por Bigge (1977, p. 86), afirma
ainda que não há diferença fundamental entre o homem e os animais
superiores em suas facilidades mentais e físicas. Assim, para ele o
conhecimento reduz-se a respostas musculares, físicas, e como tal, não é um
exercício mental.
25
O principal expoente do behaviorismo foi J. Watson (1878-1958) que defendia
ser possível o controle total do comportamento humano. O trabalho de Watson
influenciou diretamente psicólogos da época, como Pavlov e Thorndike. Ivan
Petrovich Pavlov, contribui com seu famoso condicionamento pavloviano
(condicionamento clássico) que diz que todo comportamento consiste em
algumas reações biologicamente estabelecidas (reações incondicionadas). A
condição para que ocorra a resposta é a associação repetida de dois ou mais
estímulos (BIGGE, 1977, p. 86).
Já a teoria da aprendizagem de Thorndike é chamada teoria da ligação S-R ou
conexionismo. Pressupõe que, pelo condicionamento, respostas específicas
venham a se ligar com estímulos específicos. Thorndike achava, ainda, que o
principal caminho para a formação de conexões do tipo S-R era através de
ensaio e erro ao acaso.
A partir da década de 50 o principal estudioso do Behaviorismo passa a ser
Skinner. Além de um grande talento para a experimentação Skinner teve uma
contribuição teórica fundamental. Ele tornou operacional o conceito de reforço,
a partir do conceito de condicionamento operante, no qual toda história das
experiências passadas é objetivamente considerada e não apenas os
estímulos diretos do ambiente.
No condicionamento operante os professores são considerados arquitetos e
construtores do comportamento dos alunos, são também responsáveis por
fazer com que as crianças pronunciem e escrevam respostas adequadamente.
Os objetivos de aprendizagem são divididos em um grande número de
pequenas tarefas e reforçadas uma a uma.
Também é importante que o intervalo entre a resposta e o estímulo reforçado
seja pequeno para fixação da aprendizagem. Segundo Skinner (apud BIGGE,
1977, p. 154): “a chave para ensinar a pensar eficientemente, assim como a de
qualquer comportamento, é o feedback imediato”.
26
Se para Skinner seria possível uma tecnologia manipuladora do
comportamento, tão precisa quanto a física e a biologia, então o homem, para
ele não pode ser autônomo. As conseqüências disto na prática pedagógica,
logo se fizeram perceber.
Um exemplo disso são os tutoriais dito cursos on-line, cujo ensino é sempre
privilegiado, no sentido de que o conhecimento pode ser passado ao aluno.
Nesta prática, o aluno é visto como um ser passível a manipulação, portanto
passivo e controlado pelo ambiente.
Papert (1994, p. 123) combate amplamente esta prática, que expressa a
crença de que a via para a aprendizagem melhor deve ser o aperfeiçoamento
da instrução, ou seja, softwares educativos que tentam privar o aluno de fazer,
de construir, de experimentar, em suma de ser um aprendiz ativo no processo
da própria aprendizagem, mas pelo contrário sempre privilegiam um ensino
cada vez melhor.
Apesar de concluirmos que o comportamentalismo é uma teoria de base
mecanicista, são muitos os cursos on-line que ainda utilizam este modelo. Uma
possível razão pode ser pelo fato dele ser muito similar ao modo como a
instrução acontece normalmente em sala de aula, onde o instrutor tem um
conjunto de objetivos de lição: aplicar uma aula expositiva, usar exemplos,
proporcionar oportunidades para a prática e testar o conhecimento retido pelos
alunos, sem proporcionar nenhum tipo de interação.
Se não é o ambiente o único responsável, se o sujeito como corpo, mente e
consciência também tem parte ativa no processo do desenvolvimento então é
na interação do sujeito com o ambiente que o desenvolvimento se dá. Este é o
entendimento da corrente interacionista que surge no início deste século tendo
como principais nomes Jean Piaget e Lev Vygotsky.
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3.2 O Interacionismo Construtivista de Piaget e o Sócio-
Interacionismo de Vygotsky
Jean Piaget foi um dos primeiros estudiosos a pesquisar cientificamente como
o conhecimento era formado na mente de um pesquisador, tomando aqui a
palavra pesquisador o seu sentido mais amplo, uma vez que seus estudos
iniciaram-se com a apreciação de bebês. Piaget observou como um recém-
nascido passava do estado de não reconhecimento de sua individualidade
frente o mundo que o cerca indo até a idade de adolescentes, onde já há o
início de operações de raciocínio mais complexas.
De suas observações, posteriormente sistematizadas com uma metodologia de
análise, denominada o Método Clínico, Piaget estabeleceu as bases de sua
teoria, chamada Epistemologia Genética.
Essa teoria pode ser considerada como uma fusão das teorias já existentes,
pois Piaget não acredita que todo o conhecimento seja, a priori, inerente ao
próprio sujeito (apriorismo), nem que o conhecimento provenha totalmente das
observações do meio que o cerca (empirismo). Segundo o autor:
O conhecimento não precede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de si mesmo nem de objetos já construídos (do ponto de vista do sujeito) que a ele se imporiam. O conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrência de uma indiferenciação completa e não de intercâmbio entre formas distintas (PIAGET, 1972, p. 14).
De acordo com suas teorias, o conhecimento, em qualquer nível, é gerado
através de uma interação radical do sujeito com seu meio, a partir de estruturas
previamente existentes no sujeito. O sujeito interage com o meio, respondendo
a estímulos externos, observando, organizando e construindo um
conhecimento.
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Ao construir o conhecimento o sujeito atua sobre o objeto modificando-o e ao
mesmo tempo recebe a atuação do objeto enquanto trabalha na construção.
Esta prática reconhece o aluno como não-neutro, detentor de conhecimentos
prévios e de uma história capaz de agregar conhecimentos em sua relação
com o professor que é um orientador e co-participante do processo.
A relação entre estas duas partes S / O se dá através de um processo de dupla
face, denominado por Piaget de adaptação, o qual é subdividido em dois
momentos: a assimilação e a acomodação. Por assimilação, entende-se as
ações que o indivíduo irá tomar para poder internalizar o objeto, interpretando-o
de forma a poder encaixá-lo nas suas estruturas cognitivas, ou seja, quando a
criança tem novas experiências (vendo ou ouvindo coisas novas) ela tenta
adaptar esses novos estímulos às estruturas cognitivas que já possui. O
próprio Piaget (1996, p. 13), define assimilação como:
[...] uma integração à estruturas prévias, que podem permanecer invariáveis ou são mais ou menos modificadas por esta própria integração, mas sem descontinuidade com o estado precedente, isto é, sem serem destruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação (PIAGET, 1996, p. 13).
Já a acomodação acontece quando a criança não consegue assimilar um novo
estímulo, ou seja, não existe uma estrutura cognitiva que assimile a nova
informação em função das particularidades desse novo estímulo. Diante deste
impasse, restam apenas duas saídas: criar um novo esquema ou modificar um
esquema existente.
Ambas as ações resultam em uma mudança na estrutura cognitiva. Ocorrida a
acomodação, a criança pode tentar assimilar o estímulo novamente, e uma vez
modificada a estrutura cognitiva, o estímulo é prontamente assimilado.
Segundo as palavras de Piaget (1996, p. 18):
[...] chamaremos acomodação (por analogia com os “acomodados’’ biológicos) toda modificação dos esquemas de assimilação sob a influência de situações exteriores (meio) ao quais se aplicam (PIAGET, 1996, p. 18).
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Destas sucessivas e permanentes relações entre assimilação e acomodação
(não necessariamente nesta ordem) o indivíduo vai "adaptando-se" ao meio
externo através de um interminável processo de desenvolvimento cognitivo.
Por ser um processo permanente, e estar sempre em desenvolvimento, esta
teoria foi denominada de "Construtivismo", dando-se a idéia de que novos
níveis de conhecimento estão sendo indefinidamente construídos através das
interações entre o sujeito e o meio.
Para que um ambiente de ensino seja construtivista é fundamental que o
professor conceba o conhecimento sob a ótica levantada por Piaget, ou seja,
que todo e qualquer desenvolvimento cognitivo só será efetivo se for baseado
em uma interação muito forte entre o sujeito e o objeto.
É imprescindível que se compreenda que sem uma atitude do objeto que
perturbe as estruturas do sujeito, este não tentará acomodar-se à situação,
criando uma futura assimilação do objeto, dando origem às sucessivas
adaptações do sujeito ao meio, com o constante desenvolvimento de seu
cognitivismo.
Desta forma, para o desenvolvimento de um conhecimento, na forma como
Piaget teorizou, existem alguns pressupostos básicos de sua teoria que devem
ser levados em conta. A primeira das exigências é que o ambiente permita, e
até obrigue, uma interação muito grande do aprendiz com o objeto de estudo.
Esta interação, contudo, não significa apenas o apertar de teclas ou o escolher
entre opções de navegação, a interação deve passar além disto integrando o
objeto de estudo à realidade do sujeito, dentro de suas condições, de forma a
estimulá-lo e desafiá-lo, mas ao mesmo tempo permitindo que as novas
situações criadas possam ser adaptadas às estruturas cognitivas existentes,
propiciando o seu desenvolvimento. Segundo Becker (1993, p. 122):
30
A aprendizagem do aluno só acontece na medida em que este age sobre os conteúdos específicos e age na medida em que possui estruturas próprias, previamente construídas ou em construção. Portanto, “a construção do conhecimento envolve conteúdos específicos e conteúdos estruturais” (BECKER, 1993, p. 122).
O desenvolvimento das estruturas da inteligência é analisado por Piaget por
períodos denominados estágios, os quais se desenvolvem em ordem
seqüencial, num processo contínuo de construção progressiva do pensamento
lógico.
Segundo Piaget, na fase do estágio sensório-motor, o campo da inteligência da
criança aplica-se a situações e ações concretas. Trata-se do período em que
há o desenvolvimento inicial das coordenações e relações de ordem entre
ações. É também o período da diferenciação entre os objetos e o próprio corpo.
A fase em que as crianças começam a reproduzir imagens mentais é o Estágio
pré-operatório. Elas usam um pensamento intuitivo que se expressa numa
linguagem comunicativa, mas egocêntrica, porque o pensamento delas está
centrado nelas mesmas.
Já no estágio operatório concreto as crianças são capazes de aceitar o ponto
de vista do outro, levando em conta mais de uma perspectiva. Podem
representar transformações, assim como situações estáticas. Têm capacidade
de classificação, agrupamento, reversibilidade e conseguem realizar atividades
concretas, que não exigem abstração.
E por último, o estágio das operações formais é a fase de transição para o
modo adulto de pensar. É durante essa fase que se forma a capacidade de
raciocinar sobre hipóteses e idéias abstratas. Nesse momento, a linguagem
tem um papel fundamental, porque serve de suporte conceitual.
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Outro aspecto relevante nas teorias construtivistas é a quebra de paradigmas
que os conceitos de Piaget trazem, é a troca do repasse da informação para a
busca da formação do aluno; é a nova ordem revolucionária que retira o poder
e autoridade do mestre transformando-o de todo poderoso detentor do saber
para um educador-educando, segundo as palavras de Paulo Freire, e esta
visão deve permear todo um ambiente construtivista.
Para Becker (1997, p. 13):
Nesta acepção, a aprendizagem como parte do processo mais amplo da educação não pode ser unidirecional no sentido educador-educando, pois como tal seria domesticadora e não libertadora; deve transitar em ambos os sentidos, dialeticamente, de tal modo que o educador, além de ensinar, passa a aprender e o educando, além de aprender, passa a ensinar (BECKER, 1997, p. 13).
Assim, o professor construtivista é aquele que questiona e coloca desafios
constantemente para os alunos, deve ter sempre perguntas a fazer. Se o
professor não faz perguntas, ele não tem curiosidades, e, por conseguinte, não
tem novidades.
Se o professor conhece o aluno através dos questionamentos, ele terá sempre
perguntas a fazer e o aluno estará assim construindo suas estruturas,
desenvolvendo a sua inteligência. Essa comunicação é dita por Paulo Freire de
teoria dialógica e é fundamental no desenvolvimento intelectual.
Em uma abordagem construtivista, o erro é também uma importante fonte de
aprendizagem, o aprendiz deve sempre se questionar sobre as conseqüências
de suas atitudes e a partir de seus erros ou acertos ir construindo seus
conceitos, ao invés de servir apenas para verificar o quanto do que foi
repassado para o aluno foi realmente assimilado, como é comum nas práticas
empiristas.
32
Toda vez que se pensa sobre algo, se constrói conhecimento e isto significa
refazer aquela estrutura que estava ali até aquele momento. Ainda segundo
Freire, a condição para que os professores passem da visão empirista ou
apriorista para o construtivismo está na interação, também conhecida por
Piaget como colaboração.
Essa interação se dá através do entendimento compartilhado e da solução
conjunta de problemas. Tem-se assim a possibilidade de uma epistemologia
construída na superação do senso comum.
Enfim, um ambiente de aprendizagem que vai proporcionar justamente isso, a
atuação e interação, é preciso ter além de uma conduta de acordo com as
descobertas de Piaget, considerar o pensamento de Vygotsky que julga
decisivo para a aprendizagem, além da atividade mental e suas conseqüentes
funções psíquicas, a realidade histórico-cultural do indivíduo, levando em conta
seu tempo e seu espaço.
Nesse sentido, as atividades em grupo ou em duplas nos nas aulas devem ser
valorizadas, pois favorecem a criação de Zonas de Desenvolvimento Proximal,
que se traduz. Para Menezes (1993, p. 166):
Na distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (MENEZES, 1993, p. 166).
Ainda segundo Menezes (1993, p. 113):
Esta concepção vem permitindo mudanças no ambiente de aprendizagem, principalmente quanto à adoção de metodologias voltadas para o reconhecimento da identidade cultural do aluno (MENEZES, 1993, p. 113).
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Portanto, é imprescindível, para o facilitador, o conhecimento sobre o aluno, a
sua história, o seu meio, a sua forma e o seu estilo de interagir e construir o
conhecimento. A partir disso, é possível atuar na sua zona de desenvolvimento
proximal, levando-o a dar passos de seu nível de desenvolvimento real, para o
nível de desenvolvimento potencial.
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CONCLUSÃO
O estudo dos processos de construção de conhecimento e de aprendizagem
por meio do desenvolvimento da psicomotricidade em aulas de Educação
Física proporcionado por jogos e brincadeiras demonstram que muitas escolas
ensinam ainda com a mesma didática empregada há mais de meio século.
Apesar de teóricos como Vygotsky, Freire e Piaget apontarem para a ênfase na
aprendizagem em processos educacionais, ou seja, com foco em que aprende,
sabe-se que a realidade, em muitas instituições, dá-se maior ênfase ao ensino
e, portanto, ao professor, tido como detentor do conhecimento e representante
dos valores institucionais hierárquicos.
A repetição contida nos jogos e brincadeiras aperfeiçoam as assimilações
presentes na construção do conhecimento. Assim, a criança se senter
estimulada a seguir adiante, experimentando, inovando, tentando dominar
novas técnicas e atingir novos níveis e patamares.
O papel do professor é criar condições para que o alunopossa inovar e
experimentar rumo ao desconhecido, conhecendo e superando os seus limites,
incorporando novas técnicas e novos modos não automáticos nas suas
práticas.
Por meio das brincadeiras e jogos a criança se torna capaz de desenvolver
possibilidades particulares emergentes, concretizando ações que antes eram
meras potencialidades, auxiliando na contrução do conhecimento acerca do
seu corpo e das formas de utilizá-lo.
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