documento com a crítica do pi sobre o pec1 e pec2

13
“Precários/as presos por um fio” Campanha contra as medidas de austeridade impostas pelo Governo Precários Inflexíveis, 20 de Julho de 2010 www.precáriosinflexiveis.org [email protected]

Upload: precarios-inflexiveis

Post on 27-Mar-2016

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

PEC1 e PEC2, a análise do PI

TRANSCRIPT

“Precários/as presos por um fio”

Campanha contra as medidas de austeridade impostas pelo Governo

Precários Inflexíveis, 20 de Julho de 2010

www.precáriosinflexiveis.org

[email protected]

PRECÁRI@S INFLEXÍVEIS EXIGEM RESPONSABILIDADES E RECUSAM OS PEC'S

3

AUSTERIDADE E MAIS AUSTERIDADE: O “PEC 2” VISTO PELOS PRECÁRIOS

INFLEXÍVEIS

5

PROGRAMA DE ESTABILIDADE E CRESCIMENTO 2010 – 2013 VISTO PELOS

PRECÁRIOS INFLEXÍVEIS: UM GARROTE PARA NÃO MUDAR AS INJUSTIÇAS

9

PRECÁRI@S INFLEXÍVEIS EXIGEM RESPONSABILIDADES E RECUSAM OS PEC'S

Os Precári@s Inflexíveis recusaram, desde a primeira hora, as escolhas realizadas pelo Governo

no PEC. Recusámo-las porque sabemos que temos de exigir responsabilidades e porque

queremos participar na construção de um futuro do qual dependemos.

O Pacto de Estabilidade e Crescimento, que tem levado tantos países a realizar PEC's, já foi criticado por

diversos economistas, incluindo dois prémios Nobel; sendo que um, Krugman, disse que estávamos a

assistir a um "masoquismo europeu". Relembramos hoje os Governos da UE dizem ter de apresentar

planos de consolidação orçamental porque há um ano tiveram de salvar as instituições financeiras de um

colapso provocado por terem jogado à roleta com as economias dos cidadãos de cada país. Quem vive

do seu trabalho não provocou a crise e ainda não foram tomadas nenhumas medidas para impedir que

catástrofes financeiras como assistimos se voltem a repetir.

Os pressupostos dos quais o executivo partia para a introdução do PEC mostram-se hoje cada vez mais

irrealistas: não haverá crescimento económico e a taxa de desemprego está hoje mais alta do que nunca

(10,9% -Eurostat).

Com o primeiro PEC o Governo português renovava a vontade da entrada em vigor do Código

Contributivo que abdicava por completo do combate aos 900 mil falsos recibos verdes que grassam em

Portugal; saudava a "flexibilização do mercado de trabalho" (leia-se precariedade); acelerava os

procedimentos de cobrança da dívida dos trabalhadores independentes à Segurança Social sem verificar

se eram falsos recibos verdes, apesar da petição assinada por mais de 12.000 pessoas que pediam o contrário

(www.antesdadividatemosdireitos.org); alterava, no cume da crise, as condições para atribuição do subsídio de

desemprego fazendo com que Portugal seja o país da UE onde mais tempo se tem de trabalhar para receber o

subsídio; entre tantas outras medidas gravosas para a Economia e logo para quem precisa de trabalhar

para viver.

Mas quando o PSD de Passos Coelho entrou no tango da "inevitabilidade", numa aliança

oportunista e instável com Sócrates, houve um novo ataque sobre o rendimento dos que mais

sofrem com a crise: o PEC 2. Pouco importa que a "estabilidade" seja um truque e o

"crescimento" uma miragem: quem paga são os mais fracos.

O aumento de 1% em todos os escalões do IVA, representando um aumento de 20% da taxa para os

bens de primeira necessidade, ou o aumento do IRS, agravando a retenção na fonte e abdicando do

princípio da progressividade, são a prova cabal de que a aliança PS/PSD tem nos como alvos da factura

da crise.

Sabemos que na verdade tudo isto serve para retirar direitos e subtrair salário a quem trabalha, e

não concordamos com esta visão de quem deve pagar a crise. Queremos mais investimento

público para a criação de emprego, apoio aos/às desempregados/as vítimas da crise e

mecanismos que impeçam que quem ganhou durante o tempo das vacas gordas, continue a

ganhar no tempo das vacas magras. E estamos preparados para, em conjunto com outros

precários e trabalhadores, encontrar melhores soluções e fazer as perguntas certas.

Não temos ilusões: esta política de austeridade não tem fim. O efeito das medidas implementadas

pelos PEC's será uma permanente e "inevitável" austeridade para longos e penosos anos. Ameaçam-nos

também com mais desregulamentação das leis laborais, com mais precariedade, com menos salário, com 3

a destruição dos serviços públicos e do Estado Social. Querem-nos pendurados, mas os Precári@s

Inflexíveis estão e querem estar do lado contrário, juntando a sua voz nesse combate sem tréguas pelo

nosso futuro.

4

AUSTERIDADE E MAIS AUSTERIDADE: O “PEC 2” VISTO PELOS PRECÁRIOS

INFLEXÍVEIS

I. A afirmação da austeridade

Desde Março de 2010, mês em que foi aprovado o novo Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC),

agudizou-se ainda mais o clima que impõe uma penalização forte ao conjunto dos trabalhadores. Os

Precários Inflexíveis divulgaram a sua análise desta primeira vaga de medidas de austeridade, mal foram

aprovadas. Um novo conjunto de medidas anti-sociais, o “PEC2”, mas sobretudo a percepção de que se

prepara um longo ciclo de dificuldades para o conjunto da classe trabalhadora, com a previsível sucessão

de pacotes de austeridade, reclama uma nova avaliação.

Agravaram-se as condições para impor sacrifícios à maioria da população, sob o massacre

comunicacional da “inevitabilidade”. Na Europa, os Governos abdicam de respostas que enfrentem a

origem dos problemas e os culpados da crise. Perante renovados ataque ao Euro, nenhuma medida

belisca a intocabilidade e as pretensões dos especuladores e do capital financeiro, apesar do escândalo e

da visibilidade inédita da forma predadora como se sacrificam as economias e as pessoas em nome

duma acumulação infame. A Grécia torna-se a primeira e destacada vítima, mas também o exemplo que

serve a chantagem para os restantes países “periféricos”: a prioridade tem que ser o combate ao défice e

a redução das dívidas soberanas - ou seja, na prática, o cínico “equilíbrio” das contas públicas e os

“sinais positivos” para os mercados – numa palavra, a austeridade.

Várias têm sido as vozes insuspeitas que denunciam a ineficácia da resposta europeia à crise. O prémio Nobel

da Economia Paul Krugman, apelidou-a mesmo de “Masoquismo Europeu”. Mas esta fuga para a frente não é

apenas pânico ou loucura: são o cumprimento disciplinado da imposição dos interesses que se organizam para

acumular tudo o que podem com esta crise, depois de a terem criado e submetido milhões de pessoas ao

desemprego e ao agravamento das condições de vida.

Em Portugal, esta nova fase encontrou um novo contexto político. Com a nova liderança no PSD,

estabilizou-se também um novo eixo de consenso para impor a austeridade. O “tango” de Sócrates e

Passos Coelho é uma espécie de espiral de violência para o conjunto da população, que apenas deixa

prever um caminho de contínua degradação dos salários e das prestações sociais, sem enfrentar o

problema central do desemprego. É uma aliança oportunista e instável, mas de graves consequências:

enquanto um diz “mata” e o outro “esfola”, está a jogar se a vida e o futuro dos trabalhadores. A nova

vaga de medidas de austeridade, o “PEC 2”, é um desastroso exemplo disso mesmo.

II. O “PEC 2”: mais austeridade, penalizando mais os mais fracos

Depois dos cortes nas prestações sociais e do plano de privatizações do “PEC1”, as novas medidas de

austeridade mantêm a consagração dos cortes e a degradação dos serviços públicos, acrescentando um

penoso aumento dos impostos sobre os rendimentos e sobre o consumo. Para lá da evidência sua

ineficácia, mesmo tendo em conta os objectivos anunciados, estas medidas representam, acima de tudo,

uma brutal selecção ao nível social e a intenção de baixar as expectativas e as condições de trabalho e

de vida para o conjunto dos trabalhadores e da população: pouco importa que a “estabilidade” seja um

truque e o “crescimento” uma miragem, têm que pagar mais os mais fracos – apesar do Governo se

esforçar por nos tentar convencer que “se pedem sacrifícios a todos”. É por isso uma austeridade 5

selectiva, porque poupa os privilegiados, mas sobretudo porque selecciona para criar um novo padrão. A

crise é a via verde para a precariedade generalizada e para baixar ainda mais os salários.

II.1. O ataque directo aos rendimentos e aos serviços sociais

Aumento de 1 ponto percentual em todos os escalões do IVA

É um aumento cego e injusto: a taxa normal sobe de 20% para 21%, a intermédia de 12% para 13% e a

reduzida de 5% para 6%.

Por mais que se tente uma subtileza com os números, o agravamento é muito significativo: o aumento de

5% para 6% corresponde de facto a um aumento de 20% do imposto de bens essenciais (produtos

alimentares básicos, água, electricidade e gás natural); o aumento da taxa intermédia de 12% para 13%

implica um aumento de 8,3% (afectando muitos produtos alimentares e a restauração); finalmente o

aumento de 20% para 21% corresponde a um aumento de 5% (incidindo sobre a generalidade dos

produtos). Ou seja, além deste aumento penalizar da mesma forma todas as pessoas,

independentemente dos seus rendimentos, o agravamento é maior nos bens essenciais – o aumento da

taxa reduzida é muito mais significativo em termos relativos e tem um impacto social muito maior.

Subida de 1,5 pontos percentuais no IRS

Os salários dos trabalhadores também vão ser sujeitos a mais impostos. Para as remunerações acima do

4º escalão de rendimento (equivalente a 17.979 Euros anuais) o aumento é de 1,5%. Todos os escalões

inferiores sofrerão o aumento de um ponto percentual, ficando apenas de fora os rendimentos abaixo do salário

mínimo. Este agravamento da taxa de IRS será corresponde ao valor retido na fonte, e por isso, traduz-se na

redução imediata do salário dos trabalhadores.

No entanto, por detrás deste aumento está escondida uma outra taxa de imposto agravada de 0,58% e

0,88%, ou seja, cresce também o valor efectivo do imposto cobrado. Pagamos mais antecipadamente,

mas também mais no final. E, mais uma vez, são mais penalizados os rendimentos mais baixos: o

aumento prevê apenas duas taxas de agravamento para todos os escalões, dispensando o princípio de

progressividade.

Cortes adicionais na despesa

Para obter uma redução global de 1.100 milhões na despesa – uma “cedência” do Governo ao PSD de

Passos Coelho, que exigiu, para aumentar impostos, um igual montante de redução nos gastos do

Estado –, o Governo impõe novos cortes na aquisição de bens e serviços. Ou seja, pode ser tudo –

desde os gastos supérfluos às funções essenciais. Fica também decidida uma redução das

transferências para as autarquias em 100 milhões de euros.

II.2. As medidas para nos convencer que “toca a todos”

Aumento da taxa de IRC

Anunciado como uma "taxa de crise", o aumento de 2,5 pontos percentuais sobre os lucros não será

aplicado de forma generalizada, mas apenas para empresas com lucros superiores a 2 milhões de Euros.

No entanto, as medidas evitam enfrentar o essencial: nos sectores de maior acumulação, com é o caso 6

da Banca, as taxas efectivamente verificadas são bastante mais baixas. Socorrendo-se de toda a

engenharia financeira que um confuso e obscuro enquadramento legal em matéria fiscal permite, o sector

financeiro em Portugal assegura abatimentos e deduções várias. O escândalo mantém-se intocável: os

bancos actualmente são efectivamente tributados a cerca de 12% em sede de IRC. A fraude e a evasão

fiscal continuam a permitir que muitos dos que mais acumulam e lucram escapem à tributação.

Agravamento da taxa liberatória para rendimentos de capitais

O Governo vai agravar a taxa liberatória que incide sobre os capitais de 20% para 21%, para rendimentos

inferiores a 18 mil euros, e para 21,5% para os superiores.

Redução de 5% no salário dos políticos, gestores públicos e reguladores

Pouco mais do que demagogia e uma cedência ao populismo, o Governo decidiu o corte de 5% nos

salários de membros do Governo, deputados, autarcas, gestores públicos e reguladores.

Imposto de Selo sobre créditos ao consumo

É pouco mais do que nada. Afirmando o objectivo de estimular a poupança e evitar endividamentos

adicionais, o Governo vai fazer incidir o imposto de selo sobre os créditos ao consumo. Não será

certamente esta medida que vai travar a espiral de endividamento de cada vez mais famílias portuguesas

– os baixos salários vão continuar baixos e as vidas concretas só prometem ser mais difíceis.

III. A crescente precarização das relações laborais e a resposta que se exige aos precários

Os Precários Inflexíveis sabem bem que o verdadeiro plano da austeridade é retirar direitos e subtrair salário ao

conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras. Ou seja, estamos perante escolhas que visam a aceleração da

tendência de precarização geral das relações laborais, a perda de direitos e rendimentos, o isolamento

dos trabalhadores e o enfraquecimento da sua capacidade de organização e resposta.

É nesta disputa que nos colocamos. Não aceitamos simplesmente pagar a crise deles e celebrar a nossa

miséria, em nome de qualquer inevitabilidade. Sabemos que a solução só pode ser uma luta onde

descobrimos alternativas, um combate em que se afirme a capacidade de organização do conjunto dos

trabalhadores e, em particular, o crescente número de precários e precárias.

Afirmamos a nossa disponibilidade e determinação para denunciar e combater a instalação duma

estranha normalidade, que impõe um discurso do sacrifício inevitável. Sabemos que existem alternativas

e que elas passam sobretudo pela capacidade de mobilização, recusa e proposta do conjunto dos

trabalhadores neste momento crítico. Cá estamos, atentos e atentas, pensando e agindo, olhando para o

que nos une a todas as organizações que lutam pelos direitos no trabalho e na vida, procurando

respostas que recusam a crise, o desemprego e a precariedade.

Apesar desta ofensiva, sabemos também que existem hoje experiências que demonstram que há outro

caminho. Aprendemos, como os restantes movimentos de trabalhadores precários, nas mobilizações em

que temos participado, que existem sempre muitas alternativas para lá do cinzentismo da precariedade e

do massacre aos direitos do conjunto dos trabalhadores.

Não temos ilusões: esta política é a austeridade sem fim à vista. O efeito destas medidas agora

implementadas será uma permanente e “inevitável” austeridade para longos e penosos anos. Ameaçam-

nos também com mais desregulamentação das leis laborais, com mais precariedade, com menos salário, 7

com a destruição dos serviços públicos e do Estado Social. Os Precários Inflexíveis estão e querem estar

do lado contrário, juntando a sua voz nesse combate sem tréguas pelo nosso futuro.

8

PROGRAMA DE ESTABILIDADE E CRESCIMENTO 2010 – 2013 VISTO PELOS

PRECÁRIOS INFLEXÍVEIS: UM GARROTE PARA NÃO MUDAR AS INJUSTIÇAS

Os Precários Inflexíveis querem, através deste documento, fazer chegar ao Governo a sua visão crítica

do Pacto de Estabilidade e Crescimento 2010 – 2013 (PEC). Consideramos que os/as trabalhadores/as

precários/as, mas também as pessoas que (ainda) não o são e os/as desempregados/as devem ser

ouvidas e podem posicionar-se face aos planos do Governo, principalmente porque serão os maiores

afectados/as. No passado, não deixámos de analisar com seriedade e determinação os conteúdos das

propostas fundamentais para o conjunto dos trabalhadores e da população – como foram os casos do

Código do Trabalho e do Código Contributivo. Também agora, dizemos o que pensamos e exigimos

responsabilidades ao Governo pelas medidas que enunciou na proposta de PEC.

Este documento encerra um ciclo em que o Governo deixa clara a sua opção. Mas, ao fazê-lo, também

perante a denúncia sistemática e a visibilidade da luta contra a degradação das condições de trabalho e

de vida, perde também a batalha da comunicação em que tanto insistiu. É hoje claro que não existe

nenhum projecto de “combate à precariedade”, apesar da propaganda ensaiada nos últimos anos. Nesta

proposta de PEC apenas se confirma que o Governo aceita e escolhe as precariedades como modo de

vida para a maioria da população.

I – Uma proposta baseada nos erros de sempre e nas escolhas falhadas

O PEC que decorre do Pacto de Estabilidade e Crescimento

O Governo apresentou um PEC que pretende ir ao encontro do que foi acordado no Pacto de Estabilidade e

Crescimento, que, ao mesmo tempo que retirou aos diversos países da zona euro a possibilidade de

intervenção na sua Política Monetária e Cambial, os obriga a entrar num colete-de-forças impossível que

impele para uma Política Orçamental de cortes no investimento, retracção do Estado-Providência e

privatizações em massa.

Compreendemos que o Pacto de Estabilidade é restritivo, mas, como entendemos que a política se faz de

escolhas, não podemos aceitar que se continuem a fazer sempre as mesmas em Portugal com benefício

dos grandes grupos económicos – que ao mesmo tempo que bradam a diminuição do Estado na

economia procuram incessantemente, e com o argumento da ameaça, posições rentistas – e com claro

prejuízo das condições de vida de quem vive do seu trabalho.

Portugal perde, assim, uma hipótese de criticar o Pacto de Estabilidade e Crescimento, nomeadamente a

actuação do Banco Central Europeu, a ridícula regra de contenção do défice público nos 3% e a falta de

solidariedade entre Estados que foi já demonstrada pela Alemanha, nomeadamente perante as

dificuldades gregas, e aplica um garrote que irá hipotecar o crescimento da economia.

Os pressupostos irrealistas

Se em 2008 o crescimento foi nulo e em 2009 se verificou um crescimento negativo do PIB português da

ordem dos 2,7%, caem por terra os argumentos de que a Crise Económica e Financeira Internacional não

teria afectado Portugal, como sobejamente propalado pelo Governo. Aliás, os Precários Inflexíveis

já haviam alertado para a falácia deste argumento, pois a taxa de desemprego continua a aumentar

sustentadamente desde 2008 sem que se verificasse o fim da recessão, como propagandeado.

9

Apesar de enunciar que o PEC “assenta em bases sólidas e credíveis” o Governo prevê uma recuperação

económica de 0,7% em 2010, 0,9% em 2012 e 1,7% em 2013, crescimento este alicerçado numa

recuperação das exportações. Este cenário parece-nos vindo do mundo da Alice no País das Maravilhas,

visto que, apesar do FMI prever uma recuperação da actividade económica global para os próximos anos

(entre 3,9% e 4,3%) alimentada pelas economias emergentes e em desenvolvimento, não é previsível

que os principais parceiros comerciais de Portugal (Espanha, Alemanha, França, Itália e Reino Unido)

consigam actuar como motores da recuperação económica nacional.

Em matéria de desemprego, o Governo mantém o exercício de wishfull thinking, pois tendo em conta os

actuais 9,5% de desempregados não estima um aumento desta taxa para números realistas nos próximos

anos e, logo, descarta qualquer intervenção forte nessa matéria. Mas voltaremos a esta matéria mais

tarde.

II – Consequências: as vítimas de sempre pagam novamente

O PEC que os precários vão pagar

Existem várias entradas no Programa de Estabilidade e Crescimento que visam directamente os/as

precários/as, essencialmente para explicar a quem o leia que o Governo planeia pedir aos/às precários/as

que paguem a consolidação das contas públicas.

Prevê-se a entrada em vigor do Código Contributivo, apesar de ter sido, em grande parte devido

à oposição de diversos movimentos de trabalhadores/as precários/as, adiada a sua entrada em vigor

pelos partidos da oposição. No entanto, o Governo continua a propagandear o pagamento gradual de 5%

por parte das entidades contratantes de trabalhadores independentes. Ou seja, há um sinal inequívoco que não

se pretende resolver a situação injusta e ilegal dos 900 mil falsos recibos verdes. O executivo insiste, desta

maneira, em medidas que abdicam do combate a esta fraude social de dimensões trágicas, ao mesmo tempo

que não cumpre sequer a promessa de aproximar a base de contribuição dos rendimentos reais destas

centenas de milhar de pessoas.

Além disso, num momento em que ganha preocupante actualidade a defesa duma Segurança Social

pública que garanta com qualidade e profundidade os seus propósitos, esta proposta de Código

Contributivo não garante a responsabilização efectiva das entidades empregadoras, que deveria constituir

uma dimensão do objectivo de reequilíbrio social. Deste ponto de vista, a proposta de modelação da Taxa

Social Única (com penalização nos casos de contratos a termo e bonificação nos contratos sem termo)

tem pouco ou nenhum efeito no combate à precarização das relações laborais e ainda premeia (com a

consequente descapitalização) o simples cumprimento da legalidade. Esta filosofia instala a irregularidade

como norma e torna legítima e um simples acto contabilístico a decisão pela sobre-exploração ilegal de

quem trabalha.

Por tudo isto, aproveitamos para reiterar a nossa posição: apenas uma redefinição dos objectivos e

conteúdos, discutido novamente na Assembleia da República, pode permitir reabilitar a entrada em vigor

dum Código Contributivo.

Em traços gerais, nesta proposta de PEC saúda-se a maior flexibilização do mercado de trabalho, que

terá facilitado a gestão dos recursos humanos nas empresas e a melhoria das qualificações. Na verdade

o que se assume é que as novas gerações, apesar de serem mais qualificadas que as anteriores, nunca

poderão ter condições de trabalho e de vida dignas, ao mesmo tempo que fica claro que ninguém,

independentemente da sua idade, está a salvo desta rápida degradação das condições de trabalho e do

enquadramento cada vez mais desfavorável nas regras que definem as relações laborais. Um novo 10

paradigma, que, pretende aliar a exaltação da desregulamentação a um pretenso combate à

precariedade, feito de chavões vazios e de truques que pretendem fixar um novo modelo de exploração.

Garrote Orçamental: mais precariedade no trabalho e na vida

A fim de reduzir o défice e parar o crescimento da dívida pública o Governo selecciona o ataque a quem

trabalha como estratégia primordial. Um ataque generalizado, que representa a ameaça de precarização

para o conjunto dos/as trabalhadores/as.

Exige uma forte contenção salarial aos funcionários públicos reduzindo o seu poder de compra, mesmo

sabendo que esta medida extravasa a Administração Pública e que servirá como argumento para os

patrões apertarem os cintos dos seus trabalhadores que se encontram hoje mais depauperados do que

nunca.

Reforça a regra de contratação “2 por 1”, pondo em causa a capacidade dos serviços públicos para

responderem às necessidades dos/as cidadãos/ãs. Estamos convencidos/as que as Empresas de

Trabalho Temporário, que já hoje têm contratos milionários com o Estado, extorquindo os salários dos

seus trabalhadores e pondo-os a trabalhar em diversas Instituições Públicas onde um(a) funcionário/a

público era obviamente necessário/a, rejubilaram com esta medida, pois este PEC permite-lhes

perspectivar um futuro risonho. Sim: sabemos que a “redução” de funcionários públicos corresponde

apenas à redução de pessoas vinculadas à Função Pública – aqui se faz, já se está a fazer, uma das

principais alterações nas relações laborais em Portugal.

Nas despesas sociais, os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) são os primeiros visados

com os cortes, visto que são estigmatizados e que detêm um reduzido poder reivindicativo. O executivo

planeia, então, aumentar a fiscalização domiciliária, verificar os rendimentos semestralmente e validar

anualmente os pressupostos de atribuição do RSI, forçá-los a aceitar qualquer emprego, entre outras medidas

que irão tornar ainda mais difícil a vida destas pessoas, não reconhecendo a necessidade imperiosa de

as trazer incluir na sociedade. Aqui, diga-se, a negociação para aprovação do Orçamento de Estado

revelou que o Governo não resiste às ofensivas populistas, mas ignora todas as propostas que

perspectivam a protecção das vítimas da crise. À laia de comentário, gostaríamos que o Governo

aplicasse medidas semelhantes de fiscalização e verificação às Instituições Bancárias.

As alterações ao Subsídio de Desemprego também vão no sentido da redução da capacidade económica

das famílias – com a revisão da relação entre o subsídio de desemprego e a remuneração líquida que o/a

trabalhador(a) recebia anteriormente - e da chantagem para que os/as desempregados/as aceitem

qualquer tipo de trabalho. É relevante lembrar que não se está a oferecer uma esmola às pessoas que

recebem o Subsídio de Desemprego: esta prestação social é um direito, porque todas estas pessoas

descontaram parte do seu salário para poderem ser apoiadas pela Segurança Social numa altura de

necessidade. Um direito que é, desta forma, posto em causa pelo Governo.

Ao alterar as regras para a manutenção da prestação do Subsídio de Desemprego, obrigando os

desempregados beneficiários a aceitarem trabalhos remunerados por valores crescentemente mais

baixos, o Governo, além de chantagear quem não tem emprego e procurar uma poupança imoral,

contribui para uma pressionar os salários para baixo: os sindicatos, mas também vários economistas

advertem para a possibilidade das empresas utilizarem este expediente para recrutar trabalhadores por

remunerações inferiores.

Contas feitas, o Governo procura poupar, até 2013, 1.015 milhões de euros em despesas sociais. Uma

dura marca de insensibilidade num momento de enormes dificuldades para tantas vidas. 11

Além disto, o Governo trai a confiança dos/as funcionários/as públicos acelerando a convergência do

regime de pensões da Caixa Geral de Aposentações com o Regime Geral, ao mesmo tempo que introduz

penalizações fortíssimas nas reformas antecipadas.

Se acharmos que o novo escalão de IRS será uma tentativa de reequilíbrio social, só poderemos estar

enganados. A factura da crise enriqueceu muita gente e empobreceu muitos mais. Se há um novo

escalão no IRS de 45%, o que será sempre adequado, também é certo que quem vive do seu trabalho vai

também pagar mais impostos para menos serviços sociais, para menos Subsídio de Desemprego, para

menos Escolas, para menos Saúde, para menos vida, para menos felicidade. Se para uns a crise deu

lucro, para muitos outros os prejuízos e colocam o futuro em causa.

Privatizações: o Governo em saldos, na degradação dos serviços públicos

Para amealhar uns poucos tostões o Governo propõe-se a privatizar em diversos sectores chave da

economia nacional, incluindo empresas públicas que dão lucro e que, por isso, têm contribuído

positivamente para as contas públicas.

A privatização do sector energético (GALP energia, EDP, REN, Hidroeléctrica de Cahora Bassa), da

construção naval e defesa, do transporte aéreo (TAP e ANA) e ferroviário (CP), da finança (BPN e Caixa

Seguros), das comunicações (CTT), entre outros serão vendidos a preço de saldo, mas na verdade com

ou sem privatizações o efeito no défice será idêntico a partir de 2024.

Os danos realizados no interesse público e os postos de trabalho que serão, inevitavelmente, perdidos

em cada um destes sectores nunca serão substituídos. Acima de tudo, a privatização de algumas destas

empresas públicas, monopólios naturais e que representam áreas de interesse público incontestável, é mais

um elemento de precarização da vida do conjunto da população: a perspectiva desta venda desbarata é

apenas garantir aos previsíveis privilegiados do costume um negócio milionário e sem concorrência, à custa do

encarecimento e degradação de serviços públicos essenciais (como o sistema de distribuição de

correspondência ou de energia eléctrica, por exemplo).

Desinvestimento Público no Futuro

O investimento público - apregoado desde o New Deal como o motor de arranque de qualquer economia

em crise - é o paradigma da desistência do Governo na solução desta crise. Sob o argumento de um

“pico de investimento público em 2009” e de “sinais graduais de recuperação económica” o Governo

capitula e anuncia diversos recuos.

Parecem-nos mais gravosos estes recuos quando confrontados com a estimativa que o executivo realiza

relativamente ao impacto que a falta de investimento público pode ter na economia. O PEC leva-nos a

pensar que o Governo acredita que não existirá nenhum abrandamento económico relevante por não

existir investimento público. Este cenário fantasioso, no entanto, não faz qualquer sentido.

É óbvio que a retracção no investimento público vai criar um movimento semelhante nas empresas e que

esses factores conjugados vão precipitar um aumento do desemprego.

Façamos as contas

Os Precários Inflexíveis, depois de analisarem o PEC, repudiam as suas escolhas essenciais. Nem podia

ser de outra forma, pois o Governo preferiu aplicar um garrote cego a quem vive do seu trabalho e não

beliscou sequer os que lucram milhões e que, sistematicamente, fogem das suas responsabilidades

sociais. 12

A declaração de guerra que havia sido iniciada com o Código do Trabalho é agora secundada: a perda de

salários, eufemísticamente chamada contenção salarial, o ataque aos/às beneficiários/as do RSI e aos/às

desempregados/as, a desistência no investimento público criador de emprego, a glorificação da

desregulação das relações laborais; são as bandeiras de uma estratégia apostada em manter os

benefícios de alguns em detrimento do bem comum.

Os/as precários/as são glorificados/as como mão-de-obra qualificada, barata e acessível e chamados a

pagar uma pesada factura. O Governo, apesar dos resultados desastrosos que a precarização e

terceirização têm demonstrado, prova com este documento que não muda de rumo sacrificando no

imediato milhares de precários/as e, a prazo, todos/as os/as trabalhadores/as.

Compreendemos bem estas escolhas que o Governo realizou e faremos tudo para seja responsabilizado

por elas. Mas, sobretudo, acreditamos que é urgente uma mobilização que inverta este rumo sem futuro.

13