docência e ludicidade nas ciências naturais

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Volume componente da Série Mandala - Pedagogia Virtual UFPB

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  • ELDIO JOS DE GES BRENNAND VIRGNIA FARIAS PEREIRA DE ARAJO

    (Organizadores)

    Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    EDITORA DA UFPB

    JOO PESSOA - PB

    2012

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    REITOR

    RMULO SOARES POLARI

    VICE-REITORA

    MARIA YARA CAMPOS MATOS

    EDITORA UNIVERSITRIA DA UFPB

    DIRETOR

    JOS LUIZ DA SILVA

    VICE-DIRETOR

    JOS AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

    SUPERVISOR DE EDITORAO

    ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

  • CONSELHO EDITORIAL

    DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA Celso Augusto Guimares Santos (Cincias Agrrias)

    Gustavo Henrique de Arajo Freire (Cincias Sociais e Aplicadas)

    Jan Edson Rodrigues Leite (Lingustica, Letras e Artes) Joo Marcos Bezerra do (Cincias Exatas e da Terra)

    Jos Humberto Vilar da Silva (Cincias Agrrias) Maria de Ftima Agra (Cincias da Sade)

    Maria Regina Vasconcellos Barbosa (Cincias Biolgicas) Ricardo de Sousa Rosa (Interdisciplinar)

    Valdiney Veloso Gouveia (Cincias Humanas)

    Copyright 2012

    Coordenao Geral Edna Gusmo de Ges Brennand

    Coordenao de Produo Maria Helena da Silva Virgnio

    Reviso Lingustica

    Maria Nazareth de Lima Arrais

    Diagramao e normalizao tcnica Fabiana Frana

    Capa Renato Mota Arrais de Lima

    Validao

    Silvio Jos Rossi

    Os textos deste livro so de responsabilidade dos autores.

    D657 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais / Eldio Jos de Ges

    Brennand, Virgnia Farias Pereira de Arajo (Organizadores).

    Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2012.

    121 p.

    ISBN: 978-85-7745-916-2

    1. Cincias Naturais. 2. Docncia. 3. Ludicidade. I. Brennand,

    Eldio Jos de Ges. ll. Arajo, Virginia Farias Pereira de.

    UFPB/CE/BS

    CDU: 37.018.43

    Direitos desta edio reservados :

    EDITORA UNIVERSITRIA/UFPB Caixa Postal 5081 - Cidade Universitria - CEP: 58051-970 Joo Pessoa - Paraba - Brasil Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito depsito legal

  • SUMRIO

    APRESENTAO 7

    1 FUNDAMENTOS DAS CINCIAS NATURAIS Joafrncio Pereira de Arajo

    Osmundo Rocha Claudino

    9

    2 DESENHANDO O MEIO AMBIENTE

    Pamella Gusmo de Ges Brennand Virgnia Farias Pereira de Arajo

    35

    3 EXPLORANDO CONCEITOS NAS CINCIAS NATURAIS Eldio Jos de Ges Brennand

    73

  • APRESENTAO

    Este livro fruto de estudos e pesquisas de docentes integrantes do Curso

    de Pedagogia, habilitao em Educao Infantil, na modalidade a distncia no

    mbito da Universidade Aberta do Brasil (UAB) , e do Programa de Ps-

    graduao em Educao (PPGE), ambos mantidos pelo Centro de Educao, da

    Universidade Federal da Paraba (UFPB).

    Nele, apresentamos um exerccio prtico de interdisciplinaridade,

    associando duas grandes reas do conhecimento, quais sejam: cincias da

    natureza e educao. H aqueles que acreditam nas dificuldades para juntar

    essas duas vertentes, mas h os que acreditam que possveis diferenas nos

    modos de percepo, produo e organizao do conhecimento podem ser vistas

    tambm numa perspectiva de complementaridade.

    A primeira parte desta obra analisa os fundamentos epistemolgicos das

    cincias naturais, ou seja, suas caractersticas, princpios histricos, filosficos e

    metodolgicos, abordando, tambm, noes de cincias e suas interaes com

    outras reas do conhecimento, tais como tecnologia, ambiente e sociedade. No

    direcionamento histrico, expem-se as atitudes do homem em relao

    natureza, relacionando-as com a cultura e a educao. Seguimos retomando as

    anlises e discusses de carter multidisciplinar, destacando as relaes com as

    reas de conhecimento mais significativas para o contexto de nossos estudos.

    A segunda parte mostra um panorama que reflete a relao do homem

    com o meio ambiente. Retratamos a ao predatria do ser humano no que

    concerne natureza, dando nfase aos problemas causados pelos vrios tipos

    de poluio, e fazemos uma reflexo sobre a necessidade de uma convivncia

    harmnica entre o homem e a natureza e a importncia desse tema para a

    educao infantil. Prosseguimos, com os temas poluio e gua, explorando um

    pouco o contedo e relacionando-os a atividades ldicas. Ainda, de posse desta

    ferramenta, inserimos o estudo de conceitos fundamentais sobre a constituio

    e o funcionamento do corpo humano, complementando, deste modo, as

    diretrizes das cincias para o ensino infantil.

    A terceira parte anseia o despertar para a importncia da formao

    cientfica de base que auxilie os futuros jovens em suas escolhas e leituras da

    realidade. A inteno preparar os futuros docentes para incentivar nas crianas

  • 8

    a curiosidade cientfica. Buscamos apresentar algumas ideias cientficas imersas

    em um fundo histrico. A pretenso colocar disposio do leitor, de forma

    mais agradvel, mecanismos para a explorao ldica dos conceitos. Alm disso,

    procuramos mostrar as possibilidades de formao de uma viso histrico-crtica

    das cincias para a realizao de anlises contextualizadas sobre questes

    ligadas ao uso social das conquistas cientficas.

    Eldio Jos de Ges Brennand

    Virginia Farias Pereira de Arajo

  • 1

    FUNDAMENTOS DAS CINCIAS NATURAIS

    Joafrncio Pereira de Arajo1

    Osmundo Rocha Claudino2

    1 FUNDAMENTOS EPISTEMOLGICOS DAS CINCIAS NATURAIS

    1.1 HOMEM E O MEIO AMBIENTE AO LONGO DA HISTRIA

    Para entender qual a nossa funo como cidados e transformadores do

    meio, faz-se necessrio focalizar nosso olhar na Histria, a fim de refletirmos

    criticamente sobre as atitudes do homem no ambiente.

    No incio, o homem era nmade, e suas necessidades, que se restringiam,

    principalmente, alimentao, eram supridas pela natureza. Os grupos

    humanos vagueavam por diferentes regies procura de alimento, utilizavam os

    recursos oferecidos pela natureza at esses se esgotarem e ento se

    deslocavam, novamente, at encontrarem outra regio que lhes oferecesse

    condies para sobrevivncia. Porm, com o desenvolvimento de tcnicas

    agrcolas e domesticao animal, o nomadismo gradualmente perde espao para

    formao de grandes aglomerados populacionais, que resultaram nas

    comunidades sedentrias originrias das primeiras civilizaes da Antiguidade.

    Estas passaram a exigir mais do meio natural, pois era necessrio produzir e

    no apenas colher (MELO; SANTOS, 2005; SOUSA, online [s.d]).

    Durante a Idade Mdia, nas cidades, os animais de grande porte eram

    mantidos dentro de casa, o esgoto era a cu aberto, o lixo se acumulava nas

    ruas, os excrementos corporais e a gua usada no banho eram atirados pela

    janela. Consequentemente, essa grande falta de higiene propiciou a proliferao

    do mau cheiro, de ratos e de doenas altamente contagiosas. Nesse perodo, a

    1 Mestre em Cincias Biolgicas. Professor mediador do Curso de Pedagogia, habilitao

    em Educao Infantil, modalidade a distncia, da UAB/UFPB Virtual. 2 Mestre em Educao. Professor da Universidade Estadual da Paraba (UEPB).

  • 10 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    taxa de mortalidade infantil era grande. Cerca de 1/3 (um tero) das crianas

    morriam antes de completar um ano de idade. A sade era tratada com descaso

    e, quase sempre, designavam a doena como um castigo divino. Em meados do

    sculo XIV, a Peste Negra devastou um tero da populao europeia, cuja

    doena era transmitida aos humanos, atravs da picada de pulgas contaminadas

    por ratos doentes (SOUSA, online [s.d]).

    Nas pocas citadas at ento, a degradao ambiental ainda ocorria em

    uma escala pequena se comparada Era Industrial. Mas era necessrio o

    surgimento da produo em larga escala, j que a populao humana crescia e,

    consequentemente, aumentava a produo em todos os nveis. Assim, a

    Revoluo Industrial substituiu o trabalho artesanal pela grande produo e foi

    responsvel por inmeras mudanas tecnolgicas que trouxeram maior conforto

    nossa vida. No entanto, ela desencadeou, principalmente a partir do sculo

    XIX, resultados indesejveis, como devastao das florestas, emisso de

    monxido e dixido de carbono (principais agentes poluidores), descarga de lixo

    industrial, entre outros. Desde ento, a atividade interventora e transformadora

    do homem e sua relao com a natureza vm se tornando cada vez mais

    predatrias (MELO; SANTOS, 2005).

    Ao tecermos consideraes sobre o histrico ambiental do Brasil, faz-se

    necessrio focalizar nosso olhar para o descobrimento e a colonizao do pas,

    onde e quando encontramos as razes da problemtica ambiental nacional. A

    colonizao europeia subsidiou o desejo pela posse da terra, pela dominao da

    natureza e consequente explorao e esgotamento de seus recursos,

    diferentemente das civilizaes nativas que aqui estavam. Desde o

    descobrimento, o solo, as guas, a fauna e a flora so explorados para as

    diversas atividades. A explorao dos recursos brasileiros acompanha o

    crescimento industrial em todo o mundo (VALENTIN, 2004).

    Quando os colonizadores chegaram ao Brasil, se depararam com a grande

    diversidade biolgica da zona costeira, constituda por praias, ilhas, esturios,

    mangues etc. O grau de degradao dessas reas foi e continua sendo muito

    alto, principalmente por concentrar grandes cidades, portos, pesca intensa e por

    ser atrativo turstico e imobilirio. Estas atividades produzem impactos de

    grandes propores ao meio ambiente, atingindo recursos naturais como o ar, a

    gua e o solo, essenciais vida dos animais, dos vegetais e do prprio ser

    humano (MELO; SANTOS, 2005).

  • Fundamentos das Cincias Naturais 11

    O cenrio ambiental do Brasil necessita de cuidado especial, tanto por

    parte das autoridades brasileiras, como das organizaes internacionais que

    zelam pela harmonia entre o homem e o meio ambiente. O desenvolvimento

    importante, no entanto, sem planejamento adequado e com ritmo intenso da

    produo no acompanhado pela renovao, torna-se uma ameaa para o

    ambiente e para o prprio homem (MELO; SANTOS, 2005). Contudo, no s

    essas entidades como cada cidado deve fazer sua parte na escola, em casa, no

    trabalho ou em qualquer outro ambiente que seja de seu convvio.

    1.2 PRINCPIOS FILOSFICOS, HISTRICOS E METODOLGICOS

    Como no podia deixar de ser, a histria da humanidade e o

    desenvolvimento das cincias seguem um mesmo percurso. E ambos

    apresentam uma relao entre o homem e o ambiente em sua volta. Analisar os

    fundamentos de mtodos aplicados no processo de ensino-aprendizagem de

    uma determinada cincia, qualquer que seja, implica compreender,

    necessariamente, o contexto de sua evoluo como um todo. Isto porque

    dissociar os mecanismos de produo e organizao do conhecimento,

    dificilmente contribuiria para o alcance de uma viso plena do estado da arte de

    uma rea complexa e fascinante como a das Cincias Naturais. Para facilitar e

    buscar uma epistemologia mais abrangente possvel do tema em destaque, em

    termos didticos, convm abord-lo com base nos estames filosficos, histricos

    e metodolgicos.

    1.2.1 Princpios filosficos

    Revisar os fundamentos filosficos, histricos e pedaggicos dos mtodos

    de ensino implica reconhecer que a instituio dos seus primeiros mtodos de

    produo do conhecimento, como o mtodo da observao, j nos primrdios da

    evoluo humana, foi fundamental para que os primatas desenvolvessem a

    caa, a pesca e o cultivo agrcola. Os povos mesopotmicos, indianos e egpcios

    tambm aperfeioaram seus conhecimentos anatmicos e fisiolgicos, partindo

    da observao, o que lhes permitiu grandes avanos na Botnica e na

    Ornitologia, respectivamente, acerca da variabilidade de espcies vegetais e das

    aves.

  • 12 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    O filsofo Aristteles, no perodo greco-romano, props a formulao e a

    aplicao de mtodos racionalistas para o campo das Cincias Naturais. Ou seja,

    j na Antiguidade Clssica, associando a observao ao mtodo da dissecao,

    Aristteles instituiu o primeiro sistema de classificao, distinguindo animais

    sem sangue de animais com sangue.

    Embora no perodo da Idade Mdia, os avanos cientficos tenham sido

    pouco significativos, trabalhos como os de Alberto Magno (De vegetabilis et

    plantis e De Animalibus por volta de 1260) trouxeram relevantes

    contribuies para o conhecimento das formas de reproduo e sexualidade de

    plantas e animais. Magno bebeu nas fontes de Aristteles e dele retirou o

    melhor possvel, a ponto de afirmar que o objetivo da cincia natural no

    simplesmente aceitar as afirmaes de outros, mas de investigar as causas que

    operam na natureza. Portanto, o que Magno aplicou, em verdade, foi o mtodo

    da experimentao, que lhe possibilitou corrigir erros de Aristteles, aos quais

    chegou a dedicar um captulo inteiro. Na obra, De Vegetabilis, Magno afirma

    que a experimentao o nico meio mais seguro (HISTRIA..., 2011).

    O embate ou a dissociao Filosofia versus Cincia, por outro lado, parece

    comear a ganhar corpo no sculo XVIII, em obras como Emlio ou da Educao,

    na qual o filsofo francs, Jacques Rousseau proclama a necessidade de se

    estabelecer uma Cincia do Povo, diferente da frequente nas academias. A

    anlise dos fundamentos filosficos que fundamentam os primeiros mtodos

    abordados (observao, dissecao e experimentao) em Cincias Naturais,

    aponta preliminarmente, sobretudo, para a no dissociao das atividades de

    pesquisa e de ensino ou vice-versa.

    1.2.2 Princpios histricos

    Enfocar a evoluo dos mtodos de Ensino de Cincias Naturais, do ponto

    de vista histrico, significa situ-lo no contexto do desenvolvimento do

    conhecimento cientfico, em uma determinada fase histrica, e de, assim,

    compreender os desdobramentos para a educao em Cincias. Tal observao

    pode ser explicada, em grande parte, pela realidade favorvel de pases como a

    Frana, a Inglaterra, a Itlia e a Alemanha, em relao s posies privilegiadas,

    ocupadas pelos seus respectivos sistemas de ensino, em geral, e de Cincias

    Biolgicas, em particular.

  • Fundamentos das Cincias Naturais 13

    Nos sculos de colonizao e de domnio imperial, o ensino de Cincias, no

    Brasil, no era considerado uma prioridade, privilegiando-se uma formao

    bacharelesca, ao contrrio do que ocorria em pases europeus. Note-se a a

    dissociao pesquisa-ensino como meta governamental.

    At por volta de 1920, a preocupao com a formao bsica em Cincias

    estava dependente do processo de industrializao e de um modelo

    agroexportador, centrada, portanto, em prioridades mercadolgicas. Dessa

    forma, do comeo do sculo at 1950, o Ensino de Cincias segue o modelo

    tradicionalista dominante, caracterizado pelo mtodo da verbalizao, em que o

    professor explanava o contedo em aulas tericas, baseadas em livros didticos,

    reforando, exclusivamente, as positividades da Cincia.

    A partir da dcada de 1950, com a corrente expansionista da rede pblica

    de ensino, inspirada num modelo nacionalista de desenvolvimento, aporta no

    Ensino de Cincias, uma tendncia fundamentada no mtodo de elaborao de

    projetos (ou pedagogia de projetos), enfatizando, fortemente, o carter

    experimental (Biologia, Qumica, Fsica e Geocincias). Tal tendncia, sustentada

    pela produo de textos, material experimental e treinamento de professores,

    visava valorizar os contedos de Cincias e minimizar as deficincias

    decorrentes do processo de formao docente (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1994).

    Com o panorama das ditaduras militares, que se espalharam pela Amrica

    Latina, entre as dcadas de 1960 e 1970, a aplicao de projetos pr-fabricados

    ganha corpo, com a celebrao de acordos com instituies educacionais norte-

    americanas, que levaram traduo literal de megaprojetos que, no campo do

    Ensino de Biologia, redundou na adoo do Biological Science Curriculum

    Study (BSCS) (DELIZOCOV; ANGOTTI, 1994, p. 26). Numa viso geral, foram

    trs as principais tendncias do ensino de Cincias Naturais nesse perodo, a

    saber:

    a) Tecnicista Caracterizada por aplicar mdulos autoinstrutivos e por

    mensurar mudanas comportamentais.

    b) Escolanovista Que valorizava em demasia as atividades experimentais,

    ou seja, enfatizava o mtodo da redescoberta, levando os professores a

    correlacionarem mtodo cientfico com metodologia de ensino de

    Cincias.

  • 14 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    c) Integracionista Prope a integrao das Cincias Naturais, sem

    considerar as particularidades de seus objetos de investigao,

    colocando para os professores o domnio de instrumentao acima do

    domnio conceitual.

    Certamente que algumas dessas tendncias sequer chegaram a ocupar as

    salas de aula (at em funo do prprio papel de resistncia democrtica de

    setores como o educacional), mas foram institudas como parmetros de ensino.

    Entre suas heranas importantes, cabe destacar a adoo do livro didtico e do

    aperfeioamento do mtodo expositivo (agora dialogado), que configuram cada

    vez mais instrumentos bsicos para os professores.

    Com a redemocratizao brasileira, as pesquisas em torno do Ensino de

    Cincias Naturais passaram a ocupar importantes espaos no Pas, preocupados

    em considerar variveis fundamentais do processo de desenvolvimento histrico

    do conhecimento cientfico e de suas implicaes para o ensino. Uma dessas

    tarefas est direcionada incorporao de tecnologias da informao e

    comunicao ao trabalho docente ou, mais especificamente, aplicao de

    recursos multimdias no ensino de Cincias Naturais.

    1.2.3 Princpios metodolgicos

    Do ponto de vista de sua consolidao metodolgica, no Brasil, a evoluo

    do ensino de Cincias revela uma variabilidade de denominaes para este

    componente curricular, que inclui citaes tais como Didtica das Cincias,

    Biologia Educacional, Prtica de Ensino de Cincias, Programa de Sade, entre

    outras referenciadas por Delizoicov e Angotti (1994).

    Entretanto, a despeito da diversidade de questes relacionadas ao

    trabalho educacional, na rea das Cincias Naturais como um todo, podemos

    agrup-las em quatro enfoques principais que, sucintamente, esclareceremos

    logo em seguida:

    a) Limitaes quanto definio de prioridades para a formao inicial

    de educadores para a educao infantil;

    b) Tendncias de dicotomizao mtodo-contedo, bastante frequentes

    no contexto da fragmentao curricular especfica e generalista;

  • Fundamentos das Cincias Naturais 15

    c) Domnio de singularidades intrnsecas do processo de produo do

    conhecimento cientfico e integrao com uma fundamentao

    pedaggica consistente;

    d) Aplicao das tecnologias da informao e da comunicao,

    especialmente no que concerne ao uso dos ambientes virtuais de

    aprendizagem (AVA), captulo fundamental ao duplo desafio de educar

    em meio s intensas transformaes tecnolgicas do mundo

    contemporneo e promover a aproximao entre Cincia Bsica e

    Cincia Aplicada.

    Bernadetti Gatti (1997) assinala que o esvaziamento profissional tem

    origem, inclusive, durante a formao acadmica, posto que os cursos de

    licenciatura, geralmente exercem limitada influncia e/ou participao na

    definio das prioridades dos centros universitrios. Tal comprometimento da

    qualidade da formao docente manifesta-se mais intensamente ao longo da

    preparao de educadores, para atuarem na educao infantil, perpassando

    deficincias de infraestrutura, descontinuidade e rigidez dos currculos, alm de

    delimitao de carga horria normalmente menor.

    Essas dificuldades tendem a repercutir sobremaneira no campo das

    Cincias Naturais, em face das especificidades de seus contedos, ressaltando

    as consequncias da dicotomizao mtodo-contedo, provocada por uma

    segmentao curricular que exige, portanto, estratgias metodolgicas

    integradoras. No entanto, a formao de professores, quer pelos centros

    acadmicos de licenciatura plena, quer pelos cursos de magistrio de nvel

    mdio, persiste, compartimentando o saber, seja pela nfase com que os

    contedos especficos so priorizados pelos primeiros, seja pela primazia com

    que as habilitaes pedaggicas destacam o domnio de teorias e procedimentos

    metodolgicos.

    Por inferncia, ambas as situaes sugerem que a estruturao de uma

    metodologia o mais abrangente possvel pressupe, no mnimo, desprendimento

    e sensibilidade para superar o desafio de desenvolver uma postura

    interdisciplinar, entrelaando elos que, de um lado, ultrapassem a delimitao

    de especificidades programticas e, de outro, a preocupao restrita s tcnicas

    de transposio didtico-pedaggicas (TRINDADE, 2005).

  • 16 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    2 CONCEPES E VERTENTES EM CINCIAS 2.1 COSTURAS E POSTURAS EM CINCIA

    As concepes de cincia constituem a base mais larga das aes no

    campo das Cincias Naturais, comportando seus fenmenos, princpios, leis,

    modelos, leituras, linguagens, mtodos de experimentao e investigao, sua

    contextualizao histrica e social, suas tecnologias e relaes com outras reas

    do conhecimento. Considerada tal abrangncia, o conceito de cincia pode

    influenciar, sobremaneira, o sentido pedaggico das atividades de professores,

    estudantes, orientadores e pesquisadores, e isso se mostra to significativo

    quanto ter conscincia de que pouco pode prosperar a ideia de uma ao

    educacional/cientfica imparcial ou isenta, conforme pondera Freire (1984).

    Quanto mais existem ou surgem novas questes, mais pesquisas so

    feitas, mais a Cincia procura dar respostas que instauram alternativas para

    outras buscas. Essa complexa rede nos mostra porque precisamos mergulhar

    em algumas peculiaridades da produo do conhecimento cientfico. Assim,

    constituem caractersticas fundamentais do conhecimento cientfico: a

    objetividade, a quantitatividade, a homogeneidade e a generalizao. Desta

    forma, tem-se que:

    a) A objetividade busca universalizar, cada vez mais, critrios precisos de

    investigaes e descobertas da Cincia. O que deve prevalecer

    cientificamente para povos ocidentais deve o ser tambm para os

    orientais ou vice-versa.

    b) O carter quantitativo testifica a padronizao de suas medies ou

    mensuraes. Clulas de um determinado rgo do corpo humano, por

    exemplo, apresentam o mesmo tamanho considerados os mesmos

    parmetros de massa corprea e estgios de desenvolvimento.

    c) A homogeneidade baseia e procura ratificar leis ou nomenclaturas gerais

    de funcionamento. No pode haver dois indivduos de uma mesma

    espcie com denominaes cientficas diferentes.

    d) A generalizao desempenha papel semelhante ao da homogeneizao,

    procurando agrupar aparentes diferenas com base em normas

  • Fundamentos das Cincias Naturais 17

    mundialmente aceitas. Essa caracterstica, por exemplo, possibilita

    distinguir os seres vivos aerbios dos anaerbios.

    As referidas caractersticas representam o que podemos considerar como

    aspectos mais racionalistas do conhecimento cientfico, mostrando-se capazes

    de diferenciar coisas aparentemente semelhantes; instituir relaes de causa e

    efeito, aps analisar a natureza dos fatos e suas possveis conexes; e formular

    explicaes prticas para os fenmenos que, muitas vezes, podem nos

    impressionar (como a formao do arco-ris, por exemplo). Esse ncleo mais

    duro do conhecimento cientfico o diferencia da magia e o notabiliza como meio

    de libertao e de contnua renovao.

    A crueza peculiar ao conhecimento cientfico sugere, ainda, um feedback

    permanente com seus mtodos de investigao, os quais procuram (i)

    desvincular objeto de estudo e pesquisador; (ii) controlar e verificar os

    fenmenos; (iii) demonstrar e comprovar resultados, relacionando suas

    repercusses; e (iv) construir uma teoria geral sobre um conjunto de fatos e

    objetos pesquisados, de modo a proporcionar maior confiabilidade s

    descobertas produzidas. Tais critrios de validao possibilitam, pois, perceber

    uma teoria cientfica como um sistema ordenado de proposies que, baseado

    em um reduzido nmero de princpios, busca descrever, explicar e antever, do

    modo mais seguro possvel, um conjunto de fenmenos, a partir das leis que os

    regem.

    Tendo conhecido as definies e caractersticas que permeiam o

    conhecimento cientfico, importante compreender as concepes de cincia,

    cujas principais so: a racionalista, a empirista e a construtivista. Na

    concepo racionalista, que perdurou da Grcia Antiga at fins do sculo

    XVII, a Cincia era constituda a partir de pressupostos tericos inquestionveis,

    cuja verificao, na realidade, visava to somente confirmao dos postulados

    dogmticos ou intelectuais. Requeria-se, pois, bases terico-matemticas,

    inclusive, para a explicao de fenmenos naturais. Por sua vez, a concepo

    empirista movimentava-se em sentido inverso, isto , deslocando-se da

    realidade prtica para a formulao terica. Como a prpria denominao indica,

    os resultados da verificao emprica sustentam a teorizao, caracterizando o

    aspecto indutivo dessa concepo, que predominou de Aristteles at fins do

    sculo XIX.

  • 18 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    Ao comparar as concepes racionalista e empirista, nota-se que, para

    ambas, a descrio da realidade impe-se como produtora do conhecimento,

    variando apenas o sentido do fluxo. Na primeira, h um deslocamento da

    realidade para a teoria, evidenciando um modelo hiptetico-dedutivo, enquanto

    que, na segunda concepo, prevalece o modelo hiptetico-indutivo, por meio

    do qual a empiria pode influenciar significativamente as bases tericas.

    Finalmente, tem-se a concepo construtivista que, desencadeada nos

    primrdios do sculo XX, qualifica a cincia como um processo de produo de

    modelos explicativos da realidade, no entanto, flexibilizando a ideia de verdade

    cientfica absoluta. Nessa concepo, a cincia liberta-se de muitos dogmas e,

    embora mantenha a realidade como produtora de conhecimentos, confere

    observao e experimentao possibilidades de aperfeioamento da

    fundamentao terica.

    As concepes de cincia incorporam conceitos circundados por seus

    respectivos arcabouos histricos. Dessa forma, elas refletem um contnuo

    evolutivo que, num dado instante, organiza a Cincia como um conjunto de

    atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemtico conhecimento como

    objeto limitado, capaz de ser submetido verificao para, noutro, situ-la

    como conjunto de conhecimentos racionais, certos ou provveis, metodicamente

    sistematizados e verificveis, que se referem aos objetos de uma mesma

    natureza.

    Portanto, mesmo considerando o rigor de alguns dos aspectos formais da

    produo cientfica, o reconhecimento de que outros fatores intervm em seus

    processos, pode ser a chave para nossas metas educacionais no campo das

    Cincias Naturais.

    2.2 MODELAGEM INFANTIL PARA A EDUCAO CIENTFICA

    Trabalhar esse tema implica enveredar numa das questes mais

    complexas do ensino de Cincias Naturais que, por todos os caminhos possveis,

    busca moldar aes pedagogicamente capazes de facilitar a aprendizagem das

    crianas. O reconhecimento da dimenso desse desafio constitui, por si mesmo,

    um passo fundamental para que o professor tenha mais possibilidades de xito

    na elaborao, adequao e consecuo de metas para a educao infantil.

  • Fundamentos das Cincias Naturais 19

    Assim, tomam-se como ponto de partida para esta discusso as

    significativas contribuies de Bizzo, Senna, Delizicov e outros, procurando

    destacar como os objetivos, as tendncias e os modelos pedaggicos podem ser

    articulados no sentido de embasar a atuao de professores generalistas e/ou

    especialistas. De toda sorte, conscientemente ou no, todos agem e contribuem

    para a interao desses fatores na mesma intensidade com que uma concepo

    de cincias fundamenta todos eles e, por inferncia, o trabalho a ser realizado.

    Ao enfatizar o ensino de cincias na escola fundamental, podem-se

    ressaltar os objetivos mais frequentes trabalhados por Bizzo (1991), os quais

    visam:

    a) Ajudar a criana a pensar de maneira lgica, ampliando sua leitura de

    mundo e, consequentemente, a capacidade de compreender fenmenos

    e resolver problemas prticos do cotidiano.

    b) Melhorar a qualidade de vida, uma vez que so atividades socialmente

    teis.

    c) Preparar a criana para um contexto de mundo que caminha, cada vez

    mais, num sentido cientfico e tecnolgico

    d) Desenvolver outras habilidades, principalmente ligadas lngua e

    matemtica.

    e) Consolidar a nica forma de contato sistematizado da criana com a

    cincia, em face da obrigatoriedade da escolaridade elementar em

    muitos contextos sociais.

    Alguns estudiosos argumentam que as ideias das crianas, sobre o mundo

    que as rodeia, so construdas durante os anos do ensino elementar e, nesse

    espao, o contato com as cincias naturais pode ajud-las a compreender os

    fenmenos a sua volta (BIZZO, 1991; SENNA, 2000). Negligenciar essa

    possibilidade comprometeria, seriamente, o desenvolvimento intelectual da

    criana, sobretudo, porque as suas atitudes em relao cincia desencadeiam-

    se antes do que em qualquer outro domnio do conhecimento. As primeiras

    aprendizagens da criana decorrem de suas interaes com o prprio corpo,

    pessoas e objetos, contudo, no havendo nisso qualquer pretenso de

    absolutismo consensual.

    Um dado relevante situa justamente o domnio de contedos cientficos e

    a dvida em torno do que, de fato, eles representam para as crianas no rol das

  • 20 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    dificuldades mais comuns enfrentadas pelos professores de cincias na educao

    infantil. Tais inquietaes, suscitadas em sistemas educacionais de pases como

    a Inglaterra (THOMAS, 1980), tornam pertinente delinearmos as correntes mais

    representativas do ensino de cincias na atualidade, diferenciadas em relao ao

    foco no objeto ou no sujeito da aprendizagem. As prticas de educao em

    cincias, que se destacam pelo foco no objeto, incluem as vertentes a seguir:

    a) Semanticista - Para a qual saber o significado ipsis literis dos termos

    cientficos representa o domnio dos seus contedos, de tal modo

    justificando a necessidade de, gradativamente, ampliar o vocabulrio da

    criana. O acrscimo de termos precede a compreenso das relaes

    conceituais/contextuais, proposta muito caracterstica dos livros

    didticos de cincias.

    b) Logicista Caracterizada pela valorizao das relaes conceituais, ou

    seja, no adianta apenas dominar termos, mas apreender-lhes o sentido

    em conjunto. Observa-se, no entanto, uma preocupao tal com o

    mtodo cientfico que seria fundamental adequar o desenvolvimento da

    aprendizagem da criana a ele.

    c) Historicista Como sugere a prpria terminologia, para essa vertente, a

    aprendizagem do conhecimento cientfico depende da compreenso do

    processo histrico de sua construo. Isso significa dizer que a

    aprendizagem de contedos cientficos precisa obedecer sequncia de

    suas descobertas. Por exemplo, a compreenso do significado biolgico

    das estruturas celulares (membrana, citoplasma e ncleo) precede o

    domnio das estruturas subcelulares (mitocndrias, plastos, complexo de

    Golgi etc.).

    Por sua vez, as tendncias que priorizam o sujeito da aprendizagem so

    assim classificadas:

    a) Recapitulacionista Trata-se de uma vertente de ensino de cincias de

    dogmatismo bastante complexo, remontando ao domnio do paradigma

    evolucionista de Charles Darwin. Importa mais para o nosso estudo

    compreender que ela condicionava o desenvolvimento intelectual da

    criana a estgios sequenciais de convivncia com uma estrutura bsica

    de conhecimentos para, posteriormente, interagir com conhecimentos

  • Fundamentos das Cincias Naturais 21

    mais avanados, demonstrando uma forte associao com a

    epistemologia gentica de Piaget (1971).

    b) Investigativa De todas as vertentes de ensino de cincias aqui

    colocadas, essa tem um sentido mais orgnico, com um forte apelo

    construtivista, destacando-se, inclusive, pela preocupao com a

    aprendizagem extraescolar da criana. Nela prevalece o pressuposto de

    que o processo de ensino-aprendizagem de cincias deve aliar o domnio

    de contedos cientficos compreenso do contexto de sua produo.

    Ao educando, confia-se a tarefa de pesquisar o contedo e, ao

    professor, o desafio de propor processos para sua apreenso crtica.

    O conhecimento sobre estas vertentes amplia a viso do educador sobre

    as interconexes entre elas e de como contribuem para a formatao de

    modelos pedaggicos mais caractersticos ao ensino de cincias. Antes, porm,

    precisa-se demarcar o que se entende como modelo pedaggico, principalmente

    quando no h uma convergncia mnima a esse respeito, talvez em funo do

    carter, por vezes, corporativo da fragmentao curricular. Portanto,

    reconhecendo a profuso de sentidos para o termo, comea-se pelo significado

    estrito de modelo proposto por Gilbert e Boulter (1998) como uma

    representao de uma ideia, um objeto, um processo ou um sistema e avana

    por definies que assumem coincidentemente conotaes pedaggicas e

    cientficas distintamente. No primeiro caso, entende-se como o referencial

    terico-metodolgico que contm os fundamentos pedaggicos orientadores das

    aes educacionais. Para o segundo enfoque, o modelo corresponde ao sistema

    representativo que visa reproduzir a realidade, de forma mais abstrata, um

    esquema que serve de referncia para a compreenso, interpretao e

    antecipao dos fenmenos do mundo ou, ao modo mais incisivo de Delizoicov e

    Angotti (1994), s imagens ou construes elaboradas pelo homem sobre o

    comportamento da natureza.

    Sublinhadas as variaes conceituais, a possibilidade de mescl-las pode

    produzir um significado para um modelo pedaggico que inclui os processos de

    mediao didtica que buscam transformar o conhecimento cientfico em

    conhecimento escolar. Ter essa compreenso favorece a retomada do nosso

    propsito de articulao entre vertentes e modelos que permeiam o trabalho

    didtico-pedaggico em Cincias Naturais.

  • 22 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    Alguns modelos podem ser associados s vertentes do ensino de cincia.

    No primeiro modelo, estritamente conceitual, os temas so estudados,

    obedecendo a uma lgica em que os conceitos se enquadrem

    sequenciadamente. Ou seja, explicao da terminologia rgo,

    necessariamente, deve anteceder o conceito de tecido e, ato contnuo, suceder-

    lhe a definio de sistema. Tal preocupao, com o rigor conceitual e sequencial,

    apresenta visvel afinidade desse modelo com a corrente semanticista do ensino

    de cincias, focada no objeto de ensino. No h nenhuma flexibilidade de anlise

    crtica nessas abordagens, e ambas so recorrentes nos manuais ou livros

    didticos.

    Por sua vez, no modelo pragmtico/emprico, h uma nfase bastante

    acentuada da experimentao prtica, a ponto de a verificao emprica

    preceder formulao terica. Sua grande vantagem a indispensvel

    contextualizao que imprime ao conhecimento cientfico, tornando-o mais

    recomendvel ao estudo desses contedos (embora no seja to aplicvel

    assim). Nota-se nele, ainda, um cuidado expressivo com o mtodo cientfico,

    inclusive, colocado como padro normativo da conduta da criana. O exame

    dessas caractersticas nos permite, por inferncia, associar esse modelo

    corrente do ensino de cincia denominada logicista, cujo foco de abordagem

    tambm est centrado no objeto cognoscvel.

    Finalmente, o modelo histrico-evolutivo que, embora organize o

    estudo dos temas cientficos de acordo com a sequncia cronolgica de suas

    descobertas e mantenha a preocupao metodolgica, abre espaos para que o

    trabalho de (re)construo dos conhecimentos cientficos estimule a capacidade

    crtica do educando. Tais constataes convergem com as tendncias historicista

    e investigativa, havendo, respectivamente, uma migrao de foco do objeto

    para o sujeito da aprendizagem.

    2.3 RISCOS E RABISCOS DA ALFABETIZAO CIENTFICA

    A alfabetizao cientfica, a rigor, definida como um processo de

    compreenso do mundo natural (da natureza e seus fenmenos), atravs de

    uma linguagem sistematizada durante a prpria aprendizagem da Cincia.

    Partindo das prioridades curriculares aqui discutidas, essa repercusso

    conceitual ser focalizada em trabalhos orientados para a criana.

  • Fundamentos das Cincias Naturais 23

    Um encadeamento de transformaes tem exigido parmetros didtico-

    pedaggicos inovadores para o campo das Cincias Naturais. Na prtica, a

    intensificao das produes sociais, polticas, econmicas, culturais, cientficas

    e tecnolgicas implica reconhecer a inverso de fluxos de saberes que antes

    situavam salas de aula e laboratrios como templos irradiantes, aos quais

    deveriam acorrer privilegiados e sedentos do conhecimento organizado.

    A observao mais cuidadosa tem revelado que duas grandes barreiras

    vm sendo continuamente minadas: a resistncia institucional escolar e o

    carter predominantemente cartesiano da produo cientfica. De diversas

    maneiras, tendncias suscitadas pelas comunidades presenciais e virtuais

    exigem uma escola que incorpore experincias de vida, desmistificando a falsa

    dicotomia das convivncias tecnossociais3 e das aprendizagens cientficas.

    Nesses termos, a proposta de Chassot (2003) reivindica a alfabetizao

    cientfica como um processo de contextualizao do ensino de Cincias Naturais,

    evoluindo de uma posio de supervalorizao do saber cartesiano-escolar para

    uma postura de ponderao em torno do aprendizado pessoal e social do

    educando.

    possvel projetar, portanto, a dimenso e os complicadores dessa

    proposio, particularmente, quando consideramos dois relevantes aspectos: (1)

    as caractersticas cognitivas dos sujeitos da educao infantil e (2) o risco

    iminente de incorrer numa prxis bancria de educao nas Cincias Naturais.

    Mas, o que pode ser feito para construir uma alternativa quando tais aspectos

    parecem encaixar-se naturalmente? Como a criana alfabetizante pode

    contribuir para a construo dessa alternativa?

    A maioria dos fatores envolvidos nessas questes reitera, em primeiro

    lugar, as prioridades que devem pautar um modelo coerente de alfabetizao

    cientfica, tanto em funo das condies de aprendizagem da criana, quanto

    ao que, de fato, possa ter significado para o seu contexto sociocultural. Assim, a

    releitura cuidadosa sobre modelao pedaggica para a educao infantil poder

    proporcionar subsdios para a consecuo de alternativas consistentes ao

    impasse, em potencial.

    3 Termo produzido por Pierre Lvy (1996), referindo-se s interaes mediadas pelas

    tecnologias de informao e comunicao, ou seja, aos enlaces sociais, culturais, polticos e econmicos formados e/ou ampliados no chamado ciberespao.

  • 24 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    O prprio modo como tradicionalmente o conhecimento cientfico

    organizado no constitui impedimento para que, por exemplo, as reflexes de

    Chassot (2006) superem presumveis restries epistemolgicas e proponham a

    alfabetizao cientfica como uma linguagem construda por mulheres e homens

    para a leitura do nosso mundo natural. Tal adequao agrega outras atribuies

    ao processo de alfabetizao cientfica, inclusive, na perspectiva de mobilizao

    social, redesenhando uma concepo de Cincia capaz de compreender que os

    alfabetizantes, desde cedo, precisam no apenas proceder leitura cientfica do

    mundo em que vivem, mas, sobretudo, entender da necessidade de transform-

    lo.

    Mais que requerer uma imerso na constituio histrica da cincia, essa

    recombinao cientfico-pedaggica impe reconhecer o saber social como

    parte indissocivel tambm na (re)construo do conhecimento cientfico,

    revisando transversalmente o puritanismo acadmico, imutvel e infalvel, via de

    consequncia, revolvendo alicerces cartesianos da produo cientfica. Assim,

    precisamos estar atentos para as contribuies que a criana pode oferecer, por

    exemplo, atravs do famoso por qu? que, num dado momento, pode ter

    representado os grandes desafios da Cincia.

    Ainda no campo de concepo da alfabetizao como processo

    lingustico/cognitivo, o estudo apresentado por Lorenzetti e Delizoicov (2001), a

    nosso ver, parece contribuir mais substancialmente para a promoo de uma

    educao cientfica conectada com as peculiaridades e necessidades dos sujeitos

    educacionais. O referido estudo parte do pressuposto da vitaliciedade da

    alfabetizao cientfica, destacando igualmente as suas caractersticas de

    elasticidade e a multiplicidade conceitual.

    Por conseguinte, o mesmo carter de funcionalidade atribudo ao processo

    de alfabetizao tradicional tambm pode ser estendido alfabetizao

    cientfica, delineando o alfabetizado cientificamente funcional como o sujeito

    treinado para mera leitura dos fenmenos do mundo fsico ou limitado

    aquisio de um vocabulrio, palavras tcnicas, envolvendo a Cincia e a

    Tecnologia (BYBEE, 1995). Essa condio simplesmente descritiva da realidade

    se contrape frontalmente ao que Maturana e Varela (2001) defendem como

    princpio bsico das interaes ecossistmicas, essenciais s intervenes e

    transformaes das estruturas dadas.

  • Fundamentos das Cincias Naturais 25

    Pois bem, migrando de uma nfase metodolgica para uma seara mais

    objetiva do que pode ser feito para conscientizar, cientificamente, a criana,

    Lorenzetti e Delizoicov (2001) sugerem atividades de uso sistemtico da

    literatura infantil, da msica, do teatro e de vdeos educativos, reforando a

    necessidade de que o professor pode, atravs de escolha apropriada, ir

    trabalhando os significados da conceituao cientfica, articulando-os com aulas

    prticas; visitas a museus, zoolgicos, indstrias, estaes de tratamento de

    guas e demais rgos pblicos; organizao e participao em sadas a campo

    e feiras de Cincias; uso do computador, da Internet no ambiente escolar etc.

    (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001).

    As similaridades da alfabetizao cientfica com a tradicional descritas

    como aquisio das habilidades de leitura e escrita do alfabeto ou cdigo

    possibilitam presumir que ambas podem ser desenvolvidas simultaneamente e

    direcionadas conforme prioridades conjunturais. So esses ajustamentos que

    precisam ser feitos durante a aquisio das referidas habilidades que, mais

    recentemente, vm sendo propostos como letramento. O letramento em

    Cincias Naturais, por inferncia, corresponde forma como os sujeitos

    aplicaro os conhecimentos cientficos, no seu dia a dia, mostrando o quanto

    plenamente vivel e necessrio exercermos escolhas pedaggicas que facilitem

    o ensino-aprendizagem dessas competncias. Entretanto, no deve prevalecer

    preconceito queles que, motivados por razes culturais, religiosas etc. admitam

    prescindir da apropriao da linguagem das Cincias Naturais, considerada uma

    das condies bsicas ao exerccio da prpria cidadania.

    Fica claro, tambm, que a diversidade conceitual da alfabetizao

    cientfica (prtica, cvica e cultural) ratifica que uma escola dissociada de seu

    contexto, dificilmente conseguir ampliar o repertrio de conhecimentos da

    criana. Tais categorias, definidas com base nas afirmaes de Shen (1975),

    respectivamente, correspondem melhoria de qualidade de vida que o domnio

    de contedos cientficos pode proporcionar ao indivduo; participao em

    eventos ou discusses de carter tico da Cincia e satisfao pessoal em

    dominar assuntos de natureza cientfica, independentemente de uma

    necessidade formal ou escolar.

    O trabalho de rabiscar essa interface somente poder ser til a uma

    criana se for reconhecida a necessidade de ampliar a sensibilidade do educador

  • 26 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    diante de uma abordagem de inegvel complexidade que visa no somente

    alfabetizar para a Cincia, mas, sobretudo, para a vida.

    3 A MULTIDISCIPLINARIDADE EM CINCIAS

    3.1 POR UMA BIOLOGIA DA APRENDIZAGEM

    Pensar numa perspectiva de inserir o tema Cincias no dia a dia das

    escolas exige, pois, como primeiro passo, desenvolver a capacidade de

    diferenciar conceitos muito prximos, mas com repercusses bastante dspares.

    Implica dizer que necessrio ter a sensibilidade de distinguir uma condio

    meramente determinante, de outra potencialmente capaz de influenciar os

    desdobramentos de uma situao de aprendizagem que, aqui, sintetiza o objeto

    de preocupao.

    Por isso, ao propor o acompanhamento das condies biolgicas de

    aprendizagem de nossas crianas, precisamos deixar claro que a sua

    fundamentao terica no est sustentada, por exemplo, na ideia do inatismo

    kantiano, segundo o qual, o homem nasce naturalmente inclinado para a

    prtica do bem como um valor sociocultural a ser adquirido, muito menos,

    ainda, no pragmatismo behaviorista de Wattson (1913).

    No h, sob qualquer hiptese, a inteno de sobrepor parmetros

    norteadores da cultura cientfica identidade pedaggica dos processos de

    ensino-aprendizagem, por mais que o carter cartesiano perpasse as formaes

    escolares de um modo geral. Ao contrrio, o trabalho de pesquisa que se realiza,

    h alguns anos, tem demonstrado resultados animadores, na medida em que

    dois aspectos complementares vo ficando bastante evidentes: o

    reconhecimento da importncia das condies biolgicas para a aprendizagem e

    a admissibilidade, pela maioria dos professores, de que precisam ampliar seus

    conhecimentos a respeito.

    Portanto, os obstculos ao desenvolvimento da capacidade de

    diferenciao conceitual, ora cogitada, parecem mesmo derivar do processo de

    formao escolar de nossos professores. Isto porque, grande parte destes,

    egressa dos cursos de magistrio, em nvel mdio, e do curso de pedagogia, em

    nvel superior, cujos programas curriculares privilegiam, sobejamente, enfoques

    de cunho filosfico e/ou psicolgico, em detrimento, por exemplo, da discusso

  • Fundamentos das Cincias Naturais 27

    dos fundamentos biolgicos da educao infantil. Tal constatao ratifica, em

    princpio, a absoluta resistncia ou a relativa dificuldade que esses professores

    tm de lidar com o tema desta aula, gerando consequncias que podem

    comprometer, sobretudo, o trabalho docente na pr-escola e nas sries iniciais

    do Ensino Fundamental.

    Alguns estudos, como os de Santos (1995), tm contribudo

    significativamente para o esclarecimento da questo. Tais estudos, intitulados

    Biologia Educacional, sugerem o compartilhamento de atividades fsicas e

    cognitivas relacionadas s competncias de linguagem, audio, viso e

    coordenao motora da criana, as quais (naturalmente) podem interferir no seu

    desenvolvimento como um todo. O conjunto das atividades propostas tem, pois,

    a finalidade de proporcionar bases tericas para que o professor possa

    compreender at que ponto a acuidade visual, a sensibilidade auditiva, a

    coordenao visomotora fina, o equilbrio corporal e o sentido de direo

    constituem fatores intervenientes para os educandos, particularmente para os

    que esto em processos de alfabetizao.

    3.2 CINCIA, UMA PALAVRA AFINAL

    No Brasil, a prpria realidade histrica do ensino de Cincias reitera a

    necessidade de que, cada vez mais, busquemos alternativas capazes de produzir

    as adequaes, bem como a expanso de seus contedos e prticas. Os avanos

    cientficos e o surgimento de outras formas de interao sujeito-objeto e/ou

    sujeito-sujeito, atravs da vertiginosa propagao das tecnologias da informao

    e comunicao, colocam, na ordem do dia, a urgncia de uma ao educacional

    transformadora.

    A execuo dessa ao precisa, preliminarmente, ser desencadeada a

    partir dos centros de formao de professores, o que, para a rea das Cincias

    Naturais, significa um passo importante com vistas consolidao de uma

    cultura cientfica que esteja articulada com a realidade do sujeito social

    brasileiro (BARTHOLO; BRUSZTYN, 2001; VIOTTI, 2001). Mais que construir um

    discurso precisa-se instaurar uma dialgica sustentada em dois eixos principais:

    a qualidade da formao acadmica do educador e a perspectiva de sua

    atuao, prioritariamente, nos nveis da Educao Infantil e nas sries iniciais do

    Ensino Fundamental.

  • 28 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    Para isso, necessrio estar atentos ao estado da arte das Cincias

    Naturais, tornando os educadores aptos ou abertos aos processos de

    atualizao; acompanhar, sempre que possvel, as novas tendncias, pois elas

    no esto longe: permeiam os jornais, revistas, capa e contracapa de um livro

    esquecido numa estante qualquer. Para fazer a cincia acontecer, algumas

    vezes, no precisa mais que ousadia.

    O quadro de dificuldades, comumente enfrentado pela formao de

    professores, tende a repercutir sobremaneira no campo das Cincias Naturais,

    em face do considervel grau de complexidade e praticidade de suas abordagens

    (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1994), ressaltando a problemtica da dicotomizao

    mtodo-contedo, que se sustenta numa fragmentao curricular bastante

    arraigada.

    Superar essa dicotomizao representa o maior obstculo para que possa

    construir elos que ultrapassem o que Brockman (1998), com certa dose de

    radicalismo, chama de terceira cultura. Precisamos construir o discurso de uma

    Cincia para o povo, de h muito reclamada por Jean-Jacques Rousseau, que

    compreenda a imperiosidade de estabelecer vnculos dialgicos compatveis com

    o maior nmero de nichos possvel.

    Mais que reconhecer nossas dificuldades de tecer fios, importante

    provocar a interdisciplinaridade e trabalhar com perspectivas tericas capazes

    de aliar Charles Darwin e Paulo Freire, por exemplo, na integrao do ambiente

    como fator de desenvolvimento do indivduo. Isso demonstra que, nas diversas

    formas de abordagem da produo cientfica, os processos relacionados

    linguagem ocupam papel preponderante, quer seja para a contextualizao do

    conhecimento produzido, quer seja para lhes atribuir relevncia social. Por

    inferncia, as variveis intervenientes na sistematizao do conhecimento

    cientfico reservam articulao lingustica essa possibilidade de superao de

    restries epistemolgicas.

    3.3 TECNOLOGIA: o virtual no ensino das Cincias Naturais

    Nas duas ltimas dcadas do sculo XX, diversificaram-se,

    consideravelmente, as formas de integrao das tecnologias de informao e da

    comunicao (ou simplesmente TICs) no nosso cotidiano, provocando

    desdobramentos que originaram outros perfis sociais, culturais e profissionais

  • Fundamentos das Cincias Naturais 29

    (BRENNAND, 2002). A implementao do uso da tecnologia do virtual, no

    processo ensino-aprendizagem das Cincias Naturais, apresenta caractersticas

    interdisciplinares bastante singulares.

    De um modo geral, a compreenso da multiplicidade de aplicaes que a

    tecnologia do virtual tem disponibilizado, neste princpio de terceiro milnio,

    deixa bastante evidente a necessidade de romper com arraigadas concepes. O

    mundo deixou de ser singular. Os mundos, agora, transpem o liame entre a

    esfera real, com suas limitaes naturais, e a realidade virtual que,

    necessariamente, no traduz violaes, mas enseja remontagens das categorias

    de tempo e espao, a exemplo do teletrabalho, capazes de surpreender o

    ceticismo mais radical.

    Ao reestruturar, significativamente, o uso de prottipos tradicionais nos

    mais diversos processos produtivos, como na indstria automobilstica, a

    utilizao da realidade virtual nos depara com a necessidade de estabelecermos

    equilbrio entre apologias e banalizaes no campo educacional. Ainda que,

    direta ou indiretamente, inserido no contexto da intensa produo em

    microeletrnica das duas ltimas dcadas do sculo passado, o aporte de

    tecnologias da informao para o meio educacional apoiou-se em

    fundamentaes tericas profundamente marcadas por expresses como

    insero, introduo, incorporao (LITWIN, 1997). Ainda que tal

    delimitao conceitual buscasse, de um lado, alertar para a necessidade de

    construir metodologias especficas para o processo ensino-aprendizagem, de

    outro, inferiu o surgimento de um valor cultural absolutamente estranho para o

    universo de educadores e educandos, de certo modo, em contraposio s

    aprendizagens sociais dos sujeitos (CASTELLS, 1999).

    Originrio do latim virtualis, estrutural e epistemologicamente, pode-se

    agrupar trs marcos referenciais do virtual, que so de natureza fsica, biossocial

    e semntica. O aspecto fsico corresponde aos equipamentos compostos por

    computadores, cabos, conexes, cmeras, inputs, outputs, softwares etc., a

    tudo, enfim, que compe a infraestrutura necessria ao seu funcionamento. A

    dimenso biossocial remete aos fenmenos que expressam sensaes de

    alegria, tristeza, estresse, prazer, dentre outras decorrentes da interao

    sujeito/objeto ou sujeito/sujeito, via telemtica (LVY, 1996). Finalmente, tm-

    se as implicaes semnticas, ou com base nas representaes mentais, que

  • 30 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    geralmente se contrapem utilizao da tecnologia do virtual, sob o

    argumento da ideia de abstrao ou desrealizao que a mesma produziria.

    O emprego do virtual reformula profundamente conceitos de imagem,

    movimento e forma, que podem exercer um papel de fundamental importncia

    para os processos cognitivos, sobretudo, quando nos referimos ao trabalho com

    crianas. Tais rupturas conceituais abrem perspectivas para outras leituras de

    mundo, cuja repercusso precisa ser acompanhada e avaliada, especialmente,

    pelos que lidam com a educao infantil, aqui, o nosso objetivo principal.

    A comear pela imagem, Weissberg (1999) assinala que, fisicamente, ela

    corresponde primeira virtualizao de fatos e objetos, sobretudo, ganhando

    realce com a pintura e a fotografia, que transferiram para um suporte duradouro

    e coletivo o que, at ento, era privilgio do olho e da memria. Da arte

    rupestre de nossos antepassados estaturia grega, passando pela mediao de

    identidades religiosas, a virtualizao da imagem convergiu no apenas para o

    processo de evoluo humana, mas se tornou possvel, tambm, o

    entendimento da hierarquia evolutiva das demais espcies vivas ou j extintas.

    Particularmente, a utilizao didtico-pedaggica do virtual para as

    Cincias Naturais ancora-se em concepes terico-metodolgicas antagnicas,

    a saber:

    a) Para a concepo cognitivista, importa to somente a execuo de

    tarefas, que, essencialmente resumidas realizao de cpias, elegem a

    simulao como seu ponto forte. Ainda segundo essa corrente, o

    conhecimento est posto, cabendo apenas reconhec-lo (DENTIN,

    1996).

    b) Diferentemente, a concepo subjetivista abre espaos para a atividade

    interpretativa e situa a participao do sujeito como sua caracterstica

    fundamental, a despeito das resistncias estimuladas nos estames da

    prpria Cincia (MATURANA; VARELA, 2001).

    Em relao ao movimento, o virtual apresenta implicaes tericas no

    menos significativas, de um lado, afastando-se da Lei da Inrcia (de Isaac

    Newton) e, de outro, aproximando-se do princpio da ao mnima (ou Princpio

    de Hamilton). Na acepo newtoniana, as grandezas de massa fora e

    acelerao limitam a apreenso do real quilo que perceptivo, ou seja, o que

    importa o evento em si, e, por tal, coloca a definio da trajetria das

  • Fundamentos das Cincias Naturais 31

    partculas como algo plenamente vivel para essa concepo mecnica da Fsica.

    Diferentemente, tomando por base o princpio da ao mnima, embora

    apresente um percurso visvel e regular, a definio da trajetria das partculas

    torna-se improvvel, justamente por conta de sua natureza imaterial, alicerada

    sob o ponto de vista da Fsica Quntica (WEISSBERG, 1999).

    Finalmente, no tocante s alteraes do conceito forma, a tecnologia do

    virtual tende a reconsiderar a sua base material, ampliando suas possibilidades

    tridimensionais e interativas. Essa redefinio de parmetros redimensiona

    outras propriedades, tais como a durabilidade e o sentido de coletividade,

    gerando repercusses sociais, culturais, econmicas e educacionais.

    Repensar a relao tecnologia/educao, doravante, sugere a necessidade

    de aprender com os mundos virtuais; prope compreender novos significados;

    avaliar novos adventos; entrelaar saberes, tecendo possibilidades cognitivas

    que sobrepujam a viso de um mundo de objetividades ou de realidades

    intransponveis.

  • 32 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    REFERNCIAS

    BARTHOLO Jr. R. S.; BURSZTYN, M. Prudncia e utopismo: cincia e educao para sustentabilidade. In:_____. (Org.). Cincia, tica e sustentabilidade. So Paulo: Cortez; Braslia: UNESCO, 2001.

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  • 2

    DESENHANDO O MEIO AMBIENTE

    Pamella Gusmo de Ges Brennand1

    Virgnia Farias Pereira de Arajo2

    1 MEIO AMBIENTE

    1.1 QUEM COMPE O MEIO AMBIENTE?

    No primeiro captulo deste livro, foi abordado, de forma resumida, como o

    homem se relacionou com a natureza ao longo da Histria. Agora, ser discutido

    quem forma o meio ambiente e como so as relaes entre os componentes

    deste meio.

    Primeiramente, para saber quem compe o Meio Ambiente deve-se

    entender seu conceito:

    Meio Ambiente o conjunto de condies, leis, influncia e interaes de ordem fsica, qumica, biolgica, social, cultural e urbanstica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (BRASIL, 2002).

    Segundo a Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT) (2004), Meio

    Ambiente : Circunvizinhana em que uma organizao opera, incluindo-se ar,

    gua, solo, recursos naturais, flora, fauna, seres humanos e suas inter-

    relaes.

    Existem diversos conceitos de meio ambiente, mas, de forma geral,

    abordam sobre as plantas, os animais, a gua, o solo, os adultos, as crianas, os

    polticos da sua cidade etc. Ou seja, os fatores biticos e abiticos, nos quais os

    seres humanos se encontram inseridos, e das relaes entre todos esses

    elementos. Cada espcie interage de maneira nica com outras espcies e com

    o ambiente fsico a sua volta.

    1 Mestre em Cincias Biolgicas. Desenvolve pesquisas no Laboratrio de Mamferos do Departamento de Cincias Biolgicas da ESALQ/USP. 2

    Mestre em Cincias Biolgicas. Professora pesquisadora do Curso de Pedagogia a Distncia da Universidade Federal da Paraba (UFPB).

  • 36 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    Os dois grandes grupos do mundo natural o bitico (representa todos os

    organismos vivos) e o abitico (consiste nos aspectos fsicos, qumicos ou fsico-

    qumicos do meio) no existem isolados um do outro. A vida depende do

    mundo fsico, que, por sua vez, afetado direta e indiretamente pelos seres

    vivos. Os solos, a atmosfera, os lagos e os oceanos, assim como as rochas

    sedimentares possuem suas caractersticas, em parte, devido s atividades de

    plantas e animais. Tanto os sistemas fsicos quanto os sistemas biolgicos

    funcionam sob os mesmos princpios, mas uma enorme diferena os separa.

    Nos sistemas fsicos, as transformaes de energia seguem o caminho de

    menor resistncia, minimizando as variaes no nvel de energia atravs de todo

    o sistema. J nos sistemas biolgicos, h uma transformao da energia para

    que o sistema permanea fora de equilbrio com as foras fsicas. possvel

    utilizar a temperatura corprea como exemplo, j que esta se encontra

    constantemente em torno dos 37C, enquanto a temperatura ambiente varia ao

    longo do dia e do ano. O corpo, neste caso, trabalha contra a resistncia do

    mundo fsico, pois, mesmo com grandes diferenas trmicas do ar, a

    temperatura corprea se mantm praticamente a mesma. Podemos dizer que o

    mundo fsico tanto proporciona o contexto para a vida como limita a sua

    expresso. Em temperaturas extremamente altas ou baixas, mesmo com a

    utilizao de roupas especficas ou uso de refrigerao, existe um limite

    tolervel pelo nosso corpo. A habilidade de agir contra as foras fsico-qumicas

    externas diferencia o vivo do no vivo (RICKLEFES, 1993).

    1.2 QUAIS OS SERES VIVOS QUE COMPEM NOSSO AMBIENTE?

    No se sabe, com exatido, quantas espcies vegetais e animais existem

    no mundo. As estimativas variam entre 10 e 50 milhes, mas, at agora, os

    cientistas classificaram e deram nome a somente 1,5 milho de espcies. Entre

    os especialistas, o Brasil considerado um dos pases de maior diversidade

    biolgica: aproximadamente 20% das espcies conhecidas no mundo esto aqui.

    O Brasil possui 525 espcies de mamferos conhecidas, 1622 de pssaros, 468

    de rpteis e 517 espcies de anfbios, sendo que 788 do total dessas espcies s

    ocorrem no pas (ROCHA; NASCIMENTO, 2007).

    Cada regio brasileira composta de plantas diferentes, e, muitas vezes,

    pessoas do Norte e Nordeste no conhecem frutas muito conhecidas no Sul, e

  • Desenhando o meio ambiente 37

    vice-versa. Alm das plantas e dos animais, convivemos com bactrias, fungos,

    protozorios e vrus. Com essa riqueza to fantstica, por que as crianas no se

    lembram da nossa flora e fauna? Como trabalhar com conservao do meio

    ambiente sem conhecer os seres vivos que o compem e a importncia dos

    mesmos para a vida no planeta?

    Apesar da grande biodiversidade brasileira, pouco se explora nas escolas

    sobre o conhecimento da fauna e flora locais. Muitas vezes, os livros infantis

    apresentam animais ou plantas, que as crianas no veem nos seus quintais ou

    matas prximas as suas casas. Quando perguntamos s crianas, quais animais

    elas conhecem, muitas respondem elefantes, girafas, lees etc. Estes animais

    no pertencem ao ambiente em sua volta, so animais vistos apenas em livros,

    desenhos animados e filmes, geralmente no conhecidos pessoalmente. Por que

    no respondem: formigas, raposas, sagui ou papagaio? necessrio que a

    criana conhea o que h em sua volta e relacione o estudo da biodiversidade ao

    cotidiano, para que uma conscientizao seja estimulada. Ao conhecer melhor o

    seu meio e sua relao com os diferentes organismos, a criana estar mais

    envolvida com o seu prprio papel no meio em que vive.

    1.3 RELAES ENTRE OS SERES VIVOS E O AMBIENTE

    Na dcada de 1970, James Lovelock elaborou a hiptese de Gaia, segundo

    a qual, a Terra seria um organismo, onde todos os seres vivos estariam ligados

    entre si e com o ambiente fsico (LOVELOCK; MARGULIS, 1974). Deste modo,

    cada organismo apresentaria uma funo importante na Terra e o meio

    ambiente exerceria grande influncia sobre os seres vivos ao mesmo tempo em

    que seria influenciado por eles. Suas obras so consideradas precursoras e

    impulsionadoras do desenvolvimento da conscincia ambiental.

    Muitos cientistas questionam essa teoria, por esta afirmar que a vida na

    Terra busca condies adequadas para si mesma, sendo que essas condies

    no so defendidas de maneira clara. Os cientistas questionam o fato de que

    organismos com interesses divergentes ou conflitantes possam agir, em

    conjunto, no intuito de produzir condies timas para o conjunto total de seres

    vivos, j que no h um conjunto de condies que sejam adequadas para os

    seres vivos como um todo. Podemos citar como exemplo, os organismos

    aerbicos e anaerbicos. Para os organismos aerbicos, o oxignio atmosfrico

  • 38 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    imprescindvel; j para os organismos anaerbicos estritos, o oxignio inibe-lhes

    o crescimento.

    Ao longo da dcada de 1980, relataram-se novas evidncias a favor da

    Teoria de Gaia e foram propostas importantes modificaes estruturais, alm de

    tornar mais claras as afirmaes que constituem a teoria, diminuindo, assim, a

    resistncia da comunidade cientfica mesma (FREITAS NETO; LIMA-TAVARES;

    EL-HANI, 2002). No entanto, bilogos evolutivos tm criticado a Teoria de Gaia,

    questionando como a competio entre os organismos poderia dar origem a um

    altrusmo em escala global. Outros questionamentos foram levantados acerca

    dessa teoria. O autor da Teoria no fornece uma justificativa terica apropriada

    para a afirmao de que a Terra (ou Gaia) viva, j que o conhecimento

    biolgico trata os organismos como partes de populaes que evoluem, por

    seleo natural, e esto sujeitos, tambm, a outros mecanismos evolutivos3.

    Seres vivos so capazes de se reproduzir, transmitindo material gentico para

    seus descendentes. Gaia, por sua vez, no forma populaes, no evolui por

    seleo natural, no se reproduz, no deixa descendentes (FREITAS NETO;

    LIMA-TAVARES; EL-HANI, 2002).

    Atualmente, Gaia vem sendo estudada como um sistema ciberntico, com

    suas propriedades emergentes, como a autorregulao do clima. Desta

    perspectiva, os estudos tm enfocado o uso de modelos matemticos, derivados

    da vida artificial e da teoria da complexidade, com o objetivo de analisar as

    alas de retroalimentao que ligam, de acordo com a teoria, a vida ao

    ambiente fsico qumico e seriam responsveis pela capacidade de

    autorregulao de Gaia. Desta perspectiva, Gaia no considerada um

    organismo vivo, mas, apenas, um sistema complexo, o que muitos cientistas

    julgam ser muito mais apropriado (FREITAS NETO; LIMA-TAVARES; EL-HANI,

    2002).

    A Teoria de Gaia trouxe um suporte terico que est sendo amplamente

    utilizado em educao ambiental, em que o paralelo entre um ser vivo e a Terra

    pode ser bastante explorado no sentido de sensibilizar crianas, jovens e adultos

    acerca das problemticas ambientais. medida que a humanidade aumenta sua

    capacidade de interferir na natureza, para satisfao de necessidades e desejos

    3 Mecanismos evolutivos: fatores ou processos que podem alterar as frequncias allicas

    dos genes em uma populao.

  • Desenhando o meio ambiente 39

    crescentes, surgem tenses e conflitos quanto ao uso do espao e dos recursos

    (BRASIL, 1998).

    As tenses e os conflitos aos quais o texto se refere fazem pensar, quase

    que intuitivamente, na ocupao de reas de floresta (desmatamento para

    plantio de soja, por exemplo) e na explorao indevida de recursos, por

    exemplo, a gua. Apesar da necessidade dos homens de ocupar certos nichos,

    como os demais organismos vivos do planeta, isso os permitiria ocupar todos os

    nichos disponveis na Terra em detrimento dos demais organismos vivos?

    Esta viso antropocntrica exclui da realidade do homem o fato de que os

    humanos no so os nicos utilizadores desses espaos e, muito menos, desses

    recursos. Tal viso, muitas vezes, esquece ou desconsidera-se que tais recursos

    so finitos. Esquece-se, muitas vezes, que o homem parte integrante do meio

    e que as consequncias de suas aes recaem tanto sobre os demais seres vivos

    quanto sobre ns mesmos. Por serem, os homens, os nicos seres vivos que

    possuem a capacidade de modificar o meio para atender suas necessidades, isso

    os torna imensamente responsveis por estas modificaes e suas

    consequncias para o prprio meio, assim como para as prximas geraes de

    Homo sapiens.

    2 EDUCAO AMBIENTAL: todos devem participar 2.1 EDUCAO, CULTURA E MEIO AMBIENTE

    Os humanos so os mais sociveis de todos os animais. Na natureza, as

    sociedades so sustentadas pela especializao dos papis entre os membros,

    pela interdependncia que acompanha a especializao e pela cooperao que a

    interdependncia exige. Algumas populaes animais possuem muitas das

    complexidades das sociedades humanas (RICKLEFES, 1993). Podem-se citar,

    por exemplo, os insetos sociais, as abelhas, as formigas e os cupins que, em

    suas colnias, possuem tambm a diviso de trabalhos e uma grande e

    complexa integrao comportamental dos membros das colmeias e ninhos. Tais

    interaes sociais tambm podem ser vistas em outros mamferos que no o

    homem, por exemplo, em diversas espcies de macacos, como o macacoprego

    e o sagui. O comportamento social inclui todos os tipos de interaes entre os

    indivduos, indo da cooperao ao antagonismo. Algumas vezes, o

  • 40 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    comportamento social proporciona um meio de organizao e ritualizao da

    expresso dos conflitos bsicos dentro dos grupos.

    Diferentemente de outras espcies de seres vivos, o homem culturaliza a

    natureza, imprime-lhe uma simbologia, uma representao, a fim de torn-la

    acessvel sua compreenso (SILVEIRA, 2006). A relao do homem com o

    meio reflexo da sua formao educacional e cultural.

    Atualmente, muitos tericos admitem no existir mais fronteiras entre o

    mundo social, cultura e natureza, pois, ao falar de crise ecolgica, fala-se

    tambm em crise do pensamento da civilizao ocidental. Essa nova dimenso

    ambiental traz questes sobre os valores e comportamentos gerados pela atual

    racionalidade econmica dominante (TRISTO, 2004).

    O futuro professor tem um papel fundamental nessa nova dimenso

    ambiental. Ele estar participando ativamente da formao no apenas de

    conceitos ecolgicos, mas, tambm, de cidados, considerados pelos estudiosos

    como os maiores agentes multiplicadores, que podem ser a porta de entrada

    para uma educao ambiental crtica e, sobretudo, mais ecolgica, por meio da

    qual o ser humano possa se ver como parte integrante do meio em que se

    encontra, preocupando-se assim com suas escolhas e aes. Sabe-se que cada

    cultura possui uma relao prpria com a natureza. Na cultura chinesa, por

    exemplo, conhecida por ser uma cultura de smbolos, utilizam-se objetos e

    animais para representar qualidades. Um exemplo o pato mandarim, que

    simboliza a fidelidade conjugal, j que esta ave vive com o(a) parceiro(a) em

    monogamia.

    A natureza est fortemente presente em mitos, lendas e contos nas mais

    diversas culturas. Esta relao mstica entre o homem e a natureza traduz, em

    grande parte, uma tentativa de explicar fenmenos naturais desconhecidos ou

    que, muitas vezes, lhes so atribudos status de divindade. Tais relaes entre

    homem e natureza no podem ser excludas do processo educativo ambiental,

    sejam elas relaes harmnicas ou no.

    No entanto, mediante a integrao da educao ambiental com a cultura,

    investe-se numa mudana de mentalidade, conscientizando-se os grupos

    humanos da necessidade de adotar novos pontos de vista e novas posturas

    diante dos problemas ambientais (BRASIL, 1998).

  • Desenhando o meio ambiente 41

    2.2 O HOMEM EM TRANSFORMAO

    Em alguns momentos deste livro, tratamos da ao predatria do homem

    em relao Natureza. Porm, o foco aqui no apontar culpados; a inteno

    estimular a viso crtica em relao ao cotidiano e ao meio ambiente. No se

    pretende discutir apenas sobre educao ambiental, mas, tambm, sobre

    educao para a vida, para as crianas e para o planeta. Sendo assim, sero

    mostradas atitudes que vm sendo tomadas, ao longo de dcadas, para

    minimizar o impacto que a poluio causa no nosso habitat chamado Terra.

    Essas aes envolvem educao e, portanto, tica, solidariedade,

    sustentabilidade e preocupao com o meio ambiente.

    Ao longo da histria, aes harmnicas com o meio ambiente foram

    reconhecidas por pessoas admirveis, por exemplo, a relao de So Francisco

    de Assis4 com a natureza. No entanto, foi a partir do lanamento do livro

    Primavera Silenciosa5, de Rachel Carson (1962), e por causa do cenrio

    ambiental que as discusses sobre meio ambiente passaram para uma escala

    coletiva. Segundo Dias (1992), a expresso environmental education foi ouvida,

    pela primeira vez, em 1965, na Gr-Bretanha, por ocasio da Conferncia em

    Educao da Universidade de Keele.

    Nessa conferncia, chegou-se concluso de que a Educao Ambiental

    deveria se tornar parte essencial da educao de todos os cidados. Assim, em

    1968, nasce o Conselho para Educao Ambiental, no Reino Unido. Nesse

    mesmo ano, surge o Clube de Roma que, em 1972, produz o relatrio Os

    limites do crescimento econmico, no qual so descritas aes para alcanar

    um equilbrio global. A partir da dcada de 1970, comits internacionais

    comearam uma longa etapa de convenes sobre o meio ambiente. Nos dias

    atuais, as discusses passaram para os mbitos local, regional e nacional. Esses

    encontros fixam metas, aes, programas e objetivos a serem alcanados pela

    4 So Francisco de Assis, nascido Giovanni Battista di Pietro Bernardone, foi um frade

    catlico, que fundou a "Ordem dos Frades Menores", mais conhecida como Franciscanos. Foi canonizado, em 1228, pela Igreja Catlica. Por seu apreo natureza, mundialmente conhecido como o santo patrono dos animais e do meio ambiente: as igrejas catlicas costumam realizar cerimnias, em honra aos animais, prximas data que o celebram, dia 4 de outubro.

    5 O livro Primavera silenciosa alerta sobre os efeitos danosos das aes humanas no ambiente, por exemplo, o uso de pesticidas.

  • 42 Docncia e ludicidade nas Cincias Naturais

    humanidade, com o intuito de recuperar, conservar e proteger os recursos da

    Terra (SOUZA; BENEVIDES, 2005).

    Portanto, a Educao Ambiental um processo educacional resultante de

    estudos de vrios especialistas, com viso global das necessidades do homem e

    da natureza e com o objetivo de manter uma qualidade de vida para todos os

    seres do planeta. Sendo assim, torna-se importantssimo o desenvolvimento e a

    implantao de programas educacionais ambientais, para reverter ou minimizar

    os danos ao meio ambiente. Alm do processo educacional, aes a favor do

    meio ambiente esto sendo discutidas e includas em outras reas, visando

    melhoria da qualidade de vida das pessoas.

    Alm de aes pblicas e comisses cientficas, aes particulares podem

    ser tomadas a favor do meio ambiente, consequentemente, a favor do homem.

    Muito se fala sobre reciclagem, mas muito pouco se disseminam os demais

    erres que o acompanham. A poltica dos 3 Rs Reduzir, Reaproveitar e

    Reciclar6 , muitas vezes, esquecida, uma vez que se enfatiza apenas a

    reciclagem dos materiais. importante ressaltar que reduzir a quantidade de

    lixo, no significa deixar de consumir os bens desejados, ou que proporcione

    uma vida mais cmoda, pois, se pode pensar, tambm, em reaproveitar. Ser

    que se consome o que realmente precisa? Por que no pensar tambm no

    destino dos produtos descartados? Nesse ponto, pensa-se na reciclagem. Os trs

    Rs esto interligados, e a reciclagem apenas uma parte desse processo. Deve-

    se refletir sobre a ideia de reduzir e reaproveitar como aes que precisam fazer

    parte do cotidiano. Apenas 45,5% do papel e do papelo, 45% do vidro, 24,2%

    das embalagens longa-vida so reciclados no Brasil. As latas de alumnio

    chegam a ser cerca de 95% recicladas (NOVAIS, 2008).

    6 Os trs erres ambientais: REDUZA: preciso adotar atitudes para evitar a produo de

    resduos, adotando-se pequenas prticas, com as quais criamos uma nova mentalidade em relao s coisas simples do nosso dia a dia, por exemplo: sempre que puder, adquirir produtos com embalagens retornveis; aproveitar os dois lados das folhas de papel e revisar os textos, no computador, antes de imprimi-los; economizar gua, luz, gs, combustvel do automvel, alimentos etc. REUTILIZE: O reaproveitamento de materiais , hoje, indispensvel, quando se pensa em diminuir a quantidade de material nos lixes. importante criar o hbito de doar roupas, brinquedos, mveis, livros e outros objetos, para que outras pessoas possam utiliz-los. Aproveitar garrafas e outras embalagens para fazer brinquedos, guardar alimentos etc. Reutilizar tambm sacolas plsticas, mas nunca objetos que impliquem a falta de higiene. RECICLE: Por fim, o processo de reciclagem completa os 3 Rs. Reciclar consiste em processar determinados produtos novamente. Assim, os materiais de que so feitos podem voltar para as indstrias como matria-prima para a fabricao de novos produtos. Se todos ajudarem, a reciclagem pode se tornar um hbito muito bom para o planeta Terra. Fonte: CENTRO INTEGRADO DE ENSINO, 2011.

  • Desenhando o meio ambiente 43

    2.3 O QUE EDUCAO AMBIENTAL?

    O modo como o homem atua no ambiente influenciado pela cultura e

    pela educao. Na perspectiva freireana, a Educao fundamentalmente um

    ato poltico que tem por objetivo permitir ao educando perceber o seu papel no

    mundo e sua incluso na histria (FREIRE, 1987). Sendo assim, a Educao

    Ambiental prope contribuir para uma mudana de valores e atitudes, onde o

    educador juntamente com o educando sejam capazes de identificar,

    problematizar e agir em relao s questes socioambientais, tendo como

    horizonte uma tica preocupada com o ambiente (CARVALHO, 2004).

    A Educao Ambiental contribui para o surgimento de uma nova tica

    social, onde se torna necessrio estimular a responsabilidade entre o homem e

    os demais elementos da natureza, promovendo a compreenso do ambiente

    como um processo permanente de interao e inter-relao entre seus

    elementos. Devem-se oferecer meios que proporcionem a participao da

    populao na concepo e aplicao das decises que interferem no meio

    ambiente (LEO; SILVA, 1999).

    Deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos

    humanos, valendo-se de estratgias democrticas e interao entre as culturas,

    associando conhecimentos, aptides, valores, atitudes e aes (BINOTTO;

    MISSIO; PIRES, 2003). A Educao Ambiental no pode ser vista apenas como

    tcnica educativa e sim como verdadeira construo do conhecimento. atravs

    do conhecimento que os indivduos despertam interesse e se comprometem com

    uma srie de valores. O estabelecimento desses valores leva motivao em

    participar, ativamente, da melhoria e proteo do meio ambiente (MLLER,

    1998).

    A grande tarefa da escola proporcionar um ambiente escolar saudv