doaÇÃo - nulidade - doadora incapaz

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Consulta à Jurisprudência - TIMG w Consultas w lurisprudência w Acórdãos Inteiro Teor p--p,-----.-p - - - ~- ~- - Número do processo: 2.0000.00.477133-1/000(1) Núrneração única: 4771331-96.2000.8.13.0000 Processas associados: clique para pesquisar Relator: Des.(a) FERNANDO CALDEIRA BRANT Relator do Acórdão: Des.(a) Não informado Data do Julgamento: 31/03/2005 Data da Publicação: 16/04/2005 Inteiro Teor: EMENTA: DOAÇÃO - NULIDADE - DOADORA INCAPAZ - IMPOSSIBILIDADE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE - VÍCIOS I NSANÁVE I S NA ESCRITURA DE DOAÇÃO. - É nula a doação de móvel realizada por pessoa comprovadamente incapaz de manifestar sua vontade, ainda que só tenha sido interditada em data posterior, mormente quando a escritura de doação encontra- se eivada de vícios insanáveis, como a assinatura de testemunhas que não estavam presentes no momento do ato. Vistos, rebtados e discutidos estes autos de Apebção C ~ e l no 477.133-1, da Comarca de PiíANGUI, sendo Apelante(s): EsPÓLIo DE MARCO TÚUO DE BARCELOS e Apebdo(s)(a)(s): ELZA LATAUZA FRANÇA, REP. P/ SEU CURADOR LEONARDO JOSE DE BARCELOS, ACORDA, em Turma, a Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais NEGAR PROVIMENTO. Presidiu o julgamento o Desembargador OSMANDO ALMEIDA (Reviso:: e de$ participaram os Desembargadores FERNANDO CALDEIRA BRANT (Reiator) e PEDRO BERNARDES (Vogal). O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora. Belo Horizonte, 3 1 de março de 2005. DESEMBARGADOR FERNANDO CALDEIRA BRANT Relator VOTO O SR. DESEMBARGADOR FERWANDO CALDEIRA BRANT: Trata-se de recurso interposto contra a r. sentenga de f. 107/114, proferkia na l a Vara da Comarca de Pitangui, nos autos da Ação Anubtória de Negócio Jurídico ajuizada por E U A LATALQA FRANÇA representada por seu curador, Leonardo losé de Barcelos, em desfavor de ESPÓLIO DE MARCO TÚL I O DE BARCELOS, que julgou procedente o pedido da inicial, para decbrar nub a escritura pública de doação lavrada eJn 22 de março de 2002, as f. 79/80 do livro 55 do Cartório de Registro Civil e Notas de Papagaios, retomando a proprieaaae do Unóvel para a autora. O réu foi condenado a arcar com os Ônus de sucumbência, suspenso o pagamento por encontrar-se litigando sob o pálio da justiça gratuita. Em suas razões, as f. 116/120, o apebnte, Espólio de Marco Túlio de Barcelos insurge-se contra a sentença de Primeiro Grau em sua totalidade. Sustenta ter a apebda praticado outros negócios a época da doação que se pretende seja anubaa, não tendo aqueks sido invaiidaaos. firma que a incapacidade civil da autora não poderia ser demonstrada apenas por depoimentos, vindo o ato judicial de interdição apenas na data de 27/12/02. Transcreve jurispmdências que mencionam a fé-pública do tabelião do Cartório de Registros. Ao final, pretende o provimento do recurso para seja reformada a decisão hostiiiiada. Sem preparo, em razão da justiga gratuita concedida (f. 114). Contra-razões às f. 123/130, pleiteando a negativa de provimento da apebção, bem como a manutenção tjmg.jus.br/juridico/jtJinteiro~teor.jsp ... $13

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Page 1: DOAÇÃO - NULIDADE - DOADORA INCAPAZ

Consulta à Jurisprudência - TIMG

w Consultas w lurisprudência w Acórdãos

Inteiro Teor

~ p ~ - ~ p--p,-----.-p ~~ p---p-- ~ - - - ~- ~- -

Número do processo: 2.0000.00.477133-1/000(1) Núrneração única: 4771331-96.2000.8.13.0000 Processas associados: clique para pesquisar

Relator: Des.(a) FERNANDO CALDEIRA BRANT Relator do Acórdão: Des.(a) Não informado Data do Julgamento: 31/03/2005 Data da Publicação: 16/04/2005 Inteiro Teor: EMENTA: DOAÇÃO - NULIDADE - DOADORA INCAPAZ - IMPOSSIBILIDADE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE - VÍCIOS INSANÁVEIS NA ESCRITURA DE DOAÇÃO.

- É nula a doação de móvel realizada por pessoa comprovadamente incapaz de manifestar sua vontade, ainda que só tenha sido interditada em data posterior, mormente quando a escritura de doação encontra- se eivada de vícios insanáveis, como a assinatura de testemunhas que não estavam presentes no momento do ato.

Vistos, rebtados e discutidos estes autos de Apebção C ~ e l no 477.133-1, da Comarca de PiíANGUI, sendo Apelante(s): EsPÓLIo DE MARCO TÚUO DE BARCELOS e Apebdo(s)(a)(s): ELZA LATAUZA FRANÇA, REP. P/ SEU CURADOR LEONARDO JOSE DE BARCELOS,

ACORDA, em Turma, a Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais NEGAR PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Desembargador OSMANDO ALMEIDA (Reviso:: e de$ participaram os Desembargadores FERNANDO CALDEIRA BRANT (Reiator) e PEDRO BERNARDES (Vogal).

O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 3 1 de março de 2005.

DESEMBARGADOR FERNANDO CALDEIRA BRANT

Relator

V O T O

O SR. DESEMBARGADOR FERWANDO CALDEIRA BRANT:

Trata-se de recurso interposto contra a r. sentenga de f. 107/114, proferkia na l a Vara da Comarca de Pitangui, nos autos da Ação Anubtória de Negócio Jurídico ajuizada por E U A LATALQA FRANÇA representada por seu curador, Leonardo losé de Barcelos, em desfavor de ESPÓLIO DE MARCO TÚLIO DE BARCELOS, que julgou procedente o pedido da inicial, para decbrar n u b a escritura pública de doação lavrada eJn 22 de março de 2002, as f. 79/80 d o livro 55 do Cartório de Registro Civil e Notas de Papagaios, retomando a proprieaaae do Unóvel para a autora. O réu foi condenado a arcar com os Ônus de sucumbência, suspenso o pagamento por encontrar-se litigando sob o pálio da justiça gratuita.

Em suas razões, as f. 116/120, o apebnte, Espólio de Marco Túlio de Barcelos insurge-se contra a sentença de Primeiro Grau em sua totalidade. Sustenta ter a apebda praticado outros negócios a época da doação que se pretende seja anubaa, não tendo aqueks sido invaiidaaos. firma que a incapacidade civil da autora não poderia ser demonstrada apenas por depoimentos, vindo o ato judicial de interdição apenas na data de 27/12/02. Transcreve jurispmdências que mencionam a fé-pública d o tabelião d o Cartório de Registros. Ao final, pretende o provimento do recurso para seja reformada a decisão hostiiiiada.

Sem preparo, em razão da justiga gratuita concedida (f. 114).

Contra-razões às f. 123/130, pleiteando a negativa de provimento da apebção, bem como a manutenção

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Page 2: DOAÇÃO - NULIDADE - DOADORA INCAPAZ

- 27/5/2011 da sentença atacada.

Consulta à Jurisprudência - TJMG

Manifestação da Procuradoria de Justiça as f. 1371139, opinando pelo desprovimento do recurso.

Conheço do recurso, posto que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se o caso em comento de doação de imóvel reaikada pela autora a um de seus filhos. Sob o argumento de que, a época do negócio jurídico encontrava-se a doadora civilmente incapaz, pretendeu, devidamente representada por seu curador, ver a anulação da escritura de doação através da prestação jurisdiciinal.

Obtendo a autora êxito em Primeiro Grau, uma vez que foi a ação julgada procedente para declarar nula a escritura pública de doação, atravéç da apeiação interposta, o apelante pretende o reexame da questão para seja reformada a sentença combatida.

De acordo com tudo o que foi trazido nos autos, não assiste razão ao apelante.

A escritura de doação data de 22 de março de 2002, sendo objeto da doação uma casa de comércio e residência, devidamente descrita à f. 19 e verso.

Em data posterior, qual seja, 26 de dezembro de 2002, foi decretada a interdição da autora, doadora do imóvel supramencionado, declarando-a absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil.

Desta maneira, o cerne da questão está em averiguar se, quando da realiação da doação, encontrava-se a doadora apta a realiar o negócio ou já lhe acometia a incapacidade pela qual foi mais tarde interditada.

Em que pese a declaração médica trazida pelo apebnte à f. 36, pelo conjunto probatório que se encontra nos autos, forçoso concluir que a apelada j á encontrava-se incapaz de exercer os atos da vkia civil, mesmo antes de ter skio declarada em Juuo sua interdição.

No depoimento a f. 71, Ioaqukn Silva Barcelos atesta conhecer a apelada e saber que a mesma está adoentada há mais de cinco anos, não podendo se bcomover e nem mesmo manifestar sua vontade, tendo conhecimento inclusive que a autora fazia uso de medicamentos, por ser ele farmacêutico na cidade de Papagaios. Ao final, completou ainda que D. Eha não tem condições de movknentar os braços e mãos, além de ter diíicuidades de falar.

A seguir, no depoimento à f. 73/74, Carlos Eduardo de Faria confirma o fato de estar a apelada doente há mais de cinco anos, não sendo mentalmente capaz e não tendo capacidade intelectual para celebrar escritura de doação há três anos. Além disso, prossegue afirmando que:

"o falecido filho de D. Eba, de nome Marcos Túb, disse para o depoente certa feita; que foi sua mulher Nádia que pegou na mão de sua mãe para assinar a escritura de doação; que D. Eha não teria condi~ões de sozinha fazer isto( ...) que o depoente não conhece o Dr. Rodrigo de Fgueiredo Carlos, mas Marcos Túlii disse ao depoente que teria dado um dinheiro para este médico dar um atestado e que ele precisava agora de duas testemunhas para iavrar a escritura (...) sabia de tudo o que se passava com Marcos porque era muito amigo dele; que o depoente comprava toda a produção de ardósia de Marcos e que se negou a assinar como testemunha de que a mãe de Marcos era iúcida e Marcos então procurou outras duas testemunhas".

Vem também o depoimento do médico Héiii Filgueiras de Vasconcelos Filho, o mesmo que assina a declaração a f. 18, afirmando que é médico da apelada há mais de 20 anos, a quem atende pelo menos três vezes por ano, e que, em 2002 ela não tinha Cicidez para discernir que documento estava assinando e até assinaria, mas com diFculdade. Narra ainda:

"há dois ou três anos atrás o depoente foi procurado por Marcos Túlio para fornecer um atestado médico para sua mãe dizendo que D.Ebaera iúcida; que o depoente se recusou a fornecer tal documento já que ele não era verdadeiro, porquanto o depoente era médico de D.Eha e sabia de seu real estado de saúde; que Marcps Túlio disse para o depoente que o atestado era para lavrar uma escritura e que todos os irmãos estava de acordo"

Dessa maneira, restou demonstrada a impossibiliade da apelada de manifestar sua vontade quando da realização do negócio jurídico, sendo à Bpoca absolutamente incapaz em razão de enfermidade, mesmo que ainda não tivesse sao decretada sua interdição.

E o texto do art. 3'3 do Código Civil:

"Art. 3'3 - São absolutamente incapazes de exercer pessoahente os atos da vida civil:

I - os qcer por enfermidade ou rieRiênria menti!, n%n tiverem O nwcssbrin dScernWmntn para a pdtU-3 desses atos"

Page 3: DOAÇÃO - NULIDADE - DOADORA INCAPAZ

- . 27/5/2011 Consulta a Jurisprudência - TIMG

Conseqüentemente, decorre da incapacidade da apelada para os atos da vida civil a impossibilidade de realizar doação de imóvel conforme a escritura às f. 19/20, sendo o negócio jurídico nulo, consoante o art. 166, I do Código Civil.

Corrobora a isso o fato da escritura de doação que se encontra as f. 19/20 estar eivada de vícios insanáveis, não tendo sido observado o art. 215 do CC quando da lavratura da referida escritura.

As próprias testemunhas que lançaram assinatura a f. 20 verso, atestando que presenciaram o ato de doação, em depoimentos as f. 75/77 afirmaram que não compareceram ao Cartório de Registros, sendo- Ihes levado o documento para assinarem.

O depoente a f. 75, Geraldo Garcia Cordeiro Filho declarou em depoimento que:

"não se lembra de ter assinado a escritura de f. 20 que ora lhe foi mostrada; que o depoente tem a informar que reconhece como sendo sua assinatura de f. 20-verso contida na referida escritura; que assinou a escritura em confiança no seu restaurante e não foi no cartório; que no restaurante estavam apenas o depoente e Marcos Túlio, conhecido como 'Orelha'; que i<arcos i ú i i o pediu para o depoente assinar fazendo u m favor para ele; que a mãe do Marcos Túiii, D. Elza, não estava presente quando foi assinada a escritura; que o depoente se recusou a assinar a escritura, mas Marcos disse que era apenas para ele atestar a lucidez de sua mãe, D.Eiza; que Marcos apresentou um atestado dizendo que a mãe estava boa igual u m coco; que o depoente assinou só para ajudar u m amigo; que o depoente conhece o tabelião Armando de Papagaios e ele não estava presente quando o depoente assinou a escritura; que quando o depoente assinou a escritura não tinha nenhum funcionário do Cartório presente, apenas o depoente e Marcos Túlio, que não leu o documento e não sabia que se tratava de uma escritura pública de doação".

No mesmo sentido vem o depoimento da testemunha que também lançou sua assinatura da escritura de doação. Conforme f. 77, disse José Nazareno Faria Duarte:

"que o depoente não se lembra de ter assinado uma escritura de doação em 22 de março de 2002; que o depoente confirma como sendo sua a assinatura de documento de f. 20-verso, que ora lhe foi mostrado e que esta escritura foi assinada em seu estabelecimento comercial e não no cartório; que esta escritura lhe foi entregue por Marco Túlio e não tinha funcionário do Cartório com ele; que Marcos lhe disse que poderia assinar j á que aquilo tratava de uma venda para Altivo Duarte (...) que o depoente assinou a escritura em branco e por isto não pode ler seu conteúdo".

Desta maneira, em que pese a fé-pública atribuida ao tabeiíío do Cartório, restou patente que a forma como o negócio foi conduzido gerou nulidade a doação.

Ora, as testemunhas da doação confessaram em l u á o que não compareceram no Cartório para a realização da formalidade, bem como esclareceram que nem mesmo sabiam tratar-se de doação o documento ao qual lançaram sua assinatura.

O fato de a doadora ter manifestado sua vontade sem que no momento estivessem presentes as testemunhas, bem como o não-comparecinento de qualquer das partes ao Cartório para a realização do negócio diante do tabelião, leva a conclusão de que o ato é nulo e são insanáveis seus vícios.

Ademais, em relação aos negócios que a apelante alega ter a autora real~ado, na mesma época da doação, sem que tivessem a vaiidade questionada, tais negócios não podem ser tratados no bojo destes autos, posto que não são objetos da ação, j á que esta se presta a verificar a validade apenas da doação com escritura as f. 19/20.

Diante do exposto e ainda, peh que consta dos autos, NEGO PROVIMENTO A APELAÇÃO conservando-se a sentença de Primeiro Grau assim como proferida.

Custa pelo apelante, suspenso o qagamento em conformidade com o art. 12 da Lei 1.060/50.

DESEMBARGADCR FERNA!'?DC CALDEIRA BRANT