do espaÇo ao lugar - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · teoria da cor. cor na...

10
16º Simpósio Nacional de Geometria Descritiva e Desenho Técnico V International Conference on Graphics Engineering for Arts and Design Santa Cruz do Sul, RS - Brasil - 08 - 11 Setembro de 2003 DO ESPAÇO AO LUGAR Anna Paula Silva Gouveia 1 Instituto de Artes, Unicamp, Brasil Departamento de Artes Plásticas Ana Lúcia Nogueira de Camargo Harris 2 Faculdade de Engenharia Civil, Unicamp, Brasil Departamento de Arquitetura e Construção Paulo Sérgio Scarazzato 3 Faculdade de Engenharia Civil, Unicamp, Brasil Departamento de Arquitetura e Construção Núbia Bernardi 4 Faculdade de Engenharia Civil, Unicamp, Brasil Departamento de Arquitetura e Construção RESUMO O trabalho aborda uma etapa da disciplina, do primeiro semestre, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp -“Teoria e Projeto I: Introdução”, em 2002. Destacam-se, além da questão do espaço público e privado, o programa de necessidades, as condicionantes do sítio e do entorno. Estes parâmetros aliados a determinantes propedêuticas de um exercício multidisciplinar, resultaram numa experiência didática relevante, cujo tema é Espaço Cultural. Nas etapas anteriores, numa seqüência de exercícios de complexidade crescente, abordou-se: percepção do espaço, cor, sintaxe visual aplicada à arquitetura, verticalidade e horizontalidade do espaço tridimensional em relação à escala humana. A problemática metodológica constituiu-se em criar e simular o ambiente construído segundo dados impostos pelas disciplinas de projeto e geometria, apoiada em bibliografia específica. A composição estereométrica se deu a partir da articulação de volumes simples regulares, e das especificações do terreno: cotas e curvas de nível, ruas e respectivos fluxos, norte e escala. O programa de necessidades foi elaborado em conjunto com os alunos. O exercício foi realizado em duas semanas e em grupo de três. A forma deveria informar o uso do espaço, e pelo menos um percurso, do público ao totalmente privado, deveria estar detalhado na maquete. Os resultados mostraram que os alunos desenvolveram a capacidade objetiva de crítica e análise dos dados, aliada à surpreendente rapidez de síntese. A ênfase no tratamento paisagístico 1 email: [email protected] 2 email: [email protected] 3 email: [email protected] 4 email: [email protected]

Upload: letuyen

Post on 04-Dec-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

16º Simpósio Nacional de Geometria Descritiva e Desenho Técnico V International Conference on Graphics Engineering for Arts and Design Santa Cruz do Sul, RS - Brasil - 08 - 11 Setembro de 2003

DO ESPAÇO AO LUGAR Anna Paula Silva Gouveia1

Instituto de Artes, Unicamp, Brasil Departamento de Artes Plásticas

Ana Lúcia Nogueira de Camargo Harris2

Faculdade de Engenharia Civil , Unicamp, Brasil Departamento de Arquitetura e Construção

Paulo Sérgio Scarazzato3

Faculdade de Engenharia Civil , Unicamp, Brasil Departamento de Arquitetura e Construção

Núbia Bernardi4

Faculdade de Engenharia Civil , Unicamp, Brasil Departamento de Arquitetura e Construção

RESUMO

O trabalho aborda uma etapa da disciplina, do primeiro semestre, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp -“Teoria e Projeto I: Introdução”, em 2002. Destacam-se, além da questão do espaço público e privado, o programa de necessidades, as condicionantes do sítio e do entorno. Estes parâmetros aliados a determinantes propedêuticas de um exercício multidisciplinar, resultaram numa experiência didática relevante, cujo tema é Espaço Cultural. Nas etapas anteriores, numa seqüência de exercícios de complexidade crescente, abordou-se: percepção do espaço, cor, sintaxe visual aplicada à arquitetura, verticalidade e horizontalidade do espaço tridimensional em relação à escala humana. A problemática metodológica constituiu-se em criar e simular o ambiente construído segundo dados impostos pelas disciplinas de projeto e geometria, apoiada em bibliografia específica. A composição estereométrica se deu a partir da articulação de volumes simples regulares, e das especificações do terreno: cotas e curvas de nível, ruas e respectivos fluxos, norte e escala. O programa de necessidades foi elaborado em conjunto com os alunos. O exercício foi realizado em duas semanas e em grupo de três. A forma deveria informar o uso do espaço, e pelo menos um percurso, do público ao totalmente privado, deveria estar detalhado na maquete. Os resultados mostraram que os alunos desenvolveram a capacidade objetiva de crítica e análise dos dados, aliada à surpreendente rapidez de síntese. A ênfase no tratamento paisagístico

1 email: [email protected] 2 email: [email protected] 3 email: [email protected] 4 email: [email protected]

Page 2: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

resultou em espaços públicos detalhados. No entanto, o desconhecimento de funções específicas gerou, em muitos casos, espaços não totalmente adequados para o uso. A relação das entradas (público, administrativo, funcionários e carga) com o fluxo no espaço de exposições foi bem pensada. É nítida a preocupação com o conforto ambiental, especificamente quanto à insolação e acústica. O objetivo, ao final das apresentações e debates, foi alcançado. Os alunos compreenderam a qualificação do espaço arquitetônico enquanto lugar, e neste contexto, a importância da precisão das informações nas quais se baseia o estudo preliminar. Palavras Chaves: espaço, lugar, projeto

ABSTRACT

This paper describes an introductory discipline of the Architecture Course at the State University of Campinas in Brazil. In the first semester of 2002 the first Theory and Design Class of the course developed a design project on the theme of public and private space. The discipline is structures on increasingly complex small projects which culminate on the discussion of the implications of public and private space in a design of a cultural center. A simple architectural program was developed with the students. A particular place and its surroundings were analyzed. To prepare the students for the final semester project, the preliminary exercises discussed perception of space, color, visual syntax applied to design, verticality and horizontality in design as well as three-dimensional space and human scale. In an applied geometry discipline, given in the same semester, certain geometric rules were imposed on the students which they developed in this design course. Texts were read to give theoretical support to students. The preparations culminated in the design of simple regular shaped volumes, on a lot where students had to be aware of sun orientation and of a topographical inclination. The design was developed by groups of three students during a period of two weeks. In the final presentation the groups had to indicate the path leading from a public to a private space. The final results showed that students had a capacity to analyze data and to develop rapidly the synthesis of form. Even questions of landscaping in public spaces were to a certain degree resolved in the design models. However, lach of knowledge on specific functions has brought, in many cases, spaces not totally appropriated to use. The relation between entrances (public, administrative, staff and loading) and the exhibition room flow was properly thought. It’s clear the concern on the environment comfort, specially focusing on sunstroke and acoustic matters. The purpose, at the end of all presentations and debates, was achieved. The students have understood the architectural space qualification as a place, and on that matter, the importance of information accurate in which is based the preliminary study. Key-words: space, place, design

Page 3: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

1 Introdução

Este trabalho relata uma experiência de ensino de projeto no curso de Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). O curso é noturno com duração de seis anos. Segundo KOWALTOWISKI (2001), a estruturação curricular em período noturno coloca algumas condições especiais no método de ensino, que no caso baseia-se na integração do projeto arquitetônico com o conhecimento teórico.

Nas disciplinas de projeto do primeiro ano – AP111 Teoria e Projeto I: Introdução e AP112 Teoria e Projeto II: Processo Criativo - são introduzidos exercícios que trabalham a teoria básica de criação em arquitetura através do essencial. O objetivo maior é a prática do processo criativo na sua plenitude heurística, além de demonstrar que a limitação de opções concentra o raciocínio numa direção específica com resultados muito interessantes. As ementas das duas disciplinas incluem conceitos sobre estética, plástica e volumetria na criação da forma arquitetônica. Além dos exercícios, orientados e acompanhados pelos professores, a teoria também é passada através de aulas expositivas com apoio de material visual (diapositivos e transparências), textos de leitura obrigatória e debate sobre os pontos mais importantes a serem tratados num determinado exercício. Paralelamente ao estudo dos elementos de criação da forma, as primeiras disciplinas de projeto introduzem as relações: função x forma e homem x ambiente, base fundamental do projeto arquitetônico. Enfatiza-se os aspectos relativos ao conforto ambiental, para enquadrar o processo criativo no seu objetivo maior: a produção da boa arquitetura. 2 O pr imeiro semestre – AP 111 O plano de ensino do primeiro semestre é composto por seis etapas, cada uma dividida em determinado número de exercícios, de acordo com a complexidade do tema tratado. O trabalho que aqui se apresenta pertence à demonstração dos resultados da quinta etapa, que depende seqüencialmente das primeiras e, portanto descritas a seguir.

1. O homem e o ambiente. Percepção espacial. Conforto ambiental. Nesta primeira fase os alunos desenvolvem um levantamento sensorial do edifício em que estudam. O objetivo é registrar e analisar as sensações do espaço. O relatório final, denominado diagnóstico, é elaborado em grupo, a fim de partilhar o conhecimento e a reflexão.

2. Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia e dinâmica das cores. São realizados dois exercícios: um, bidimensional, com matizes saturados e figuras geométricas, e outro aplicado à arquitetura, no qual os alunos elaboram uma intervenção cromática no edifício da FEC.

3. Sintaxe Visual. Composição. Aqui são apresentados os conceitos fundamentais da sintaxe visual. Alguns pares de contrastes são estabelecidos como básicos para o desenvolvimento dos exercícios (simetria x assimetria, complexidade x simplicidade, regularidade x irregularidade, equilíbrio x instabil idade e unidade x fragmentação). Como complementação é realizada uma pesquisa, na qual busca-se exemplos de obras de arquitetura que respondam aos contrastes apresentados. O exercício de sala é dividido em três fases: desenvolvimento de estrutura tridimensional e desenhos de observação; modificação da estrutura somente por desenhos e remontagem da estrutura com aplicação cromática a fim de alternar para seu oposto o conceito inicial, por exemplo, se simétrico, buscar pela cor a assimetria.

4. Horizontalidade x Verticalidade. Aqui discute-se a percepção do espaço tridimensional na sua relação estrutural básica, entre horizontal e vertical a partir do

Page 4: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

observador. Nesta fase a idéia de espaço arquitetônico começa a se configurar. O aluno é instruído a se imaginar em um espaço e a caminhar por ele de forma que suas sensações de altura, largura e profundidade variem durante o percurso. Neste trabalho é inserida escala humana, em relação a qual se configura o projeto e a maquete. 3 A quinta etapa : Cheios e Vazios, Forma e Contra-forma, Público e Pr ivado Nesta fase, cujos resultados do ano de 2002 serão apresentados a seguir, duas exigências foram preestabelecidas para o exercício:

1. Criar espaços representativos de acessibil idades diversas, seqüencialmente do público ao semipúblico, semiprivado e privado. Os espaços deveriam pela forma sugerir tais relações, ou seja, espaços cuja especificidade formal e amplitude permitiriam o livre acesso dos usuários, seguidos de outros nos quais se restringe a entrada ou permanência, buscando-se privacidade. Na maquete, produto final a ser avaliado, pelo menos um percurso, do público ao totalmente privado, deveria estar detalhado. (Figuras 1 e 2)

Figura 1: vista lateral da maquete, mostrando estacionamento no subsolo.

Figura 2: vista superior mostrando detalhamento dos espaços internos.

2. Tais espaços deveriam formar um ou mais edifícios articulados e ser gerados através da composição de volumes simples regulares (cubos, esferas, cones, cilindros, pirâmides, etc.) por adição, repetição, segmentação e entrelaçamento. Como suporte teórico para as construções geométricas tridimensionais, os alunos realizaram anteriormente, na disciplina de geometria aplicada à arquitetura (AU221), uma série de exercícios baseados no livro de WONG (1998), onde desenvolveram formas tridimensionais baseadas nos conceitos de planos, paredes celulares, unidades de elementos lineares e tratamentos de faces, arestas e vértices (Figura 3), além de receberem noções sobre escala, planificação e altimetria. Até então, na disciplina de projeto, só havia-se trabalhado escala por referências de objetos ou escala humana.

Figura 3: exemplos de trabalhos de alunos realizados na disciplina AU221.

Page 5: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

Neste exercício elementos condicionantes básicos da configuração do sítio foram apresentados: cotas e curvas de nível, ruas adjacentes com respectivos fluxos e norte.

O conceito de espaço como aquele em que o homem pode experienciar, percorrer, ser solicitado e interagir sensorialmente, já havia sido introduzido no exercício anterior, no qual pediu-se ao aluno que se imaginasse em um determinado espaço, mas sem necessário vínculo com a realidade, como uso específico ou localização definida. Procurou-se, então, produzir sentido, orientar. O abstrato foi aos poucos ganhando conteúdo, definição e se tornando mimético ou passível de analogia com o real.

Segundo MONTANER (1997) na arquitetura moderna do século XX o espaço é indefinido, fluido, livre, contínuo, científico e matemático. É abstrato e infinito mesmo quando delimitado, e por isso platônico. Também é denominado por alguns como ante-espaço em contraponto à visão tradicional ou espaço–tempo por sua relação indissociável com o movimento físico. O conceito tradicional de espaço, apesar de teoricamente definido no final do século XIX, tem sua máxima expressão arquitetônica no renascimento. O espaço até as vanguardas era visto como cartesiano, delimitado, estático, descontínuo, aristotélico. Revelava-se portanto mais próximo do conceito de lugar, que por sua vez foi procurado pelos teóricos e arquitetos na segunda metade do século XX como alternativa para reparar os problemas advindos dos pressupostos modernistas. Lugar não é abstrato, mas concreto. É empírico e existencial, e portanto relacionado fenomenologicamente com o corpo humano, com a experiência. É articulado, definido pela qualidade e por valores simbólicos e históricos. É ambiente no qual se vive.

Para que os alunos compreendessem a diferença entre espaço e lugar foi necessário estabelecer um tema concreto para o trabalho. Apesar de fictício, pois ainda haviam reduções de complexidade de projeto a serem feitas por razões didáticas, o tema escolhido foi Espaço Cultural.

O sítio e sua configuração foram elaborados e apresentados na aula de geometria aplicada à arquitetura, assim como a orientação para montagem da base na maquete. Na aula de projeto foi primeiro abordado o conceito de programa de necessidades, como se faz, quem faz, para que serve. O programa específico para o exercício foi elaborado de forma simplificada e em conjunto com os alunos, a partir da definição dos tipos de acesso: público sem controle, público supervisionado, controlado, rigidamente controlado, de pessoal administrativo e exclusivo a pessoal autorizado e funcionários. Deve-se ressaltar que os alunos haviam lido e debatido em aula anterior os textos de HERTZBERGER (1996) sobre demarcações territoriais e público x privado, ARNHEIM (1988) sobre volumes sólidos e ocos em arquitetura e HALL (1977) sobre espaço proxêmico.

De forma consensual tornaram-se obrigatórias as áreas para os seguintes usos: Recepção; Auditório (com antecâmara para redução de ruídos) para palestras e

pequenas apresentações de música ou teatro, com coxias, camarins e sala de som (atenção especial para pés-direitos diferenciados dos demais espaços, paredes não paralelas e materiais de revestimento apropriados, introduzindo algumas noções de acústica em aula específica do professor de conforto ambiental); Café/Bar ou Restaurante; Sanitários (para público, administração e serviços - vestiários); Exposições, específica para pinturas ou esculturas (no caso de pinturas, ambientes fechados, com utilização exclusiva de iluminação artificial); Administração; Acervo; Almoxarifado e Estacionamento.

Aos alunos foi facultada a ampliação do programa com biblioteca, oficinas ou outras áreas para apresentação.

Page 6: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

Os alunos foram orientados no processo de projeto a precisar o programa antes da elaboração de volumes, a analisar as opções de organização espacial em função da implantação, das entradas e saídas de pedestres, automóveis, visitantes, funcionários e carga. O partido de projeto deveria ser entendido como organização espacial programática antes de volumétrica. A volumetria deveria dialogar constantemente com o programa na definição dos espaços.

Numa visão propedêutica de um exercício de projeto, a implantação foi baseada em duas questões básicas: circulação de veículos e pedestres, e insolação. Para pensar a circulação, o aluno deveria levar em consideração o entorno (que no caso, por ser fictício, limitava-se ao fluxo das ruas adjacentes), a topografia do terreno e o programa de necessidades.

Com relação à circulação, foram abordados alguns problemas específicos a algumas áreas. No caso de restaurante deveria ser pensada a entrada e saída de carga, abastecimento de perecíveis e remoção de lixo orgânico em grande quantidade. No caso de shows ao ar livre, a visibil idade do palco deveria ser definida aproveitando a topografia fora do percurso de veículos, pensando também no acesso aos sanitários.

O trabalho foi desenvolvido em grupo de três alunos no prazo de duas semanas (é necessário ressaltar que no curso em questão a carga horária das disciplinas de projeto é de 6 horas semanais, divididas em duas noites). Para facil itar a execução da maquete foi realizada uma visita à maquetaria do Instituto de Artes. Este é o momento em que os alunos do primeiro semestre começam a ser efetivamente apresentados aos diversos espaços de estudo e trabalho que dão suporte ao curso de arquitetura. A responsável técnica, além da apresentação das máquinas, aproveitou para mostrar novos materiais, de fácil manuseio como poliestireno, que pode ter o corte feito com estilete, de acabamento rápido e de melhor qualidade em relação ao papel ou isopor. 4 Resultados A seqüência de exercícios para as disciplinas de projeto do primeiro ano vem sendo modificada conforme os problemas são verificados. Os trabalhos relativos ao exercício aqui apresentado, nos anos anteriores eram individuais e não partiam de um sítio definido. Ao aluno cabia a responsabilidade de imaginar o local, que geralmente se restringia à configuração de um plano, sem ruas de acesso ou insolação definida. Também ficava a critério do aluno a escolha do tema e a escala da maquete, pois ainda era pensada em relação à escala humana. Muitos trabalhos abordavam a temática cultural, talvez pela exigência conceitual do exercício de estudar a relação público x privado. As maquetes primavam pela originalidade na composição dos volumes, mas tinham problemas recorrentes : • Sub dimensionamento dos espaços, quer quando se tratavam de salas para escritório, quer fossem grandes salões, tanto em área de piso quanto em pé-direito. • Escala: a representação da figura humana muitas vezes não se relacionava adequadamente com as dimensões da maquete. • Acabamento, principalmente das áreas com materiais transparentes.

Tais problemas foram resolvidos com algumas alterações na proposta. A atividade passou a ser integrada com a disciplina de geometria. Esta ficou encarregada dos aspectos técnicos dos desenhos para apresentação do local (planimetria, altimetria, e escala). O exercício passou a ser em grupo, assim, muitos aspectos do projeto (principalmente da análise programática e da implantação) poderiam ser resolvidos de forma mais reflexiva, pois dependeriam de consenso dos integrantes. A escala humana era muito genérica e problemática, pois os alunos não desenhavam as pessoas

Page 7: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

proporcionalmente e na verificação de um problema ao invés de alterar o projeto, mudavam a escala. A escala escolhida foi a relação 1:100, devido à familiaridade dos alunos com o sistema métrico.

Os resultados mostraram que as modificações surtiram efeito. Os alunos desenvolveram a capacidade de crítica e análise dos dados, aliada a uma surpreendente rapidez de síntese. O acabamento melhorou sensivelmente com o acompanhamento técnico especializado. (Figuras 4,5 e 6) A visita à maquetaria facil itou a execução do trabalho, em comparação com o resultado de anos anteriores. As indicações sobre colagem, trabalho com acetato e poliestireno, execução de janelas, entre outras, fizeram com que os alunos pudessem se preocupar mais com o projeto e desenvolvê-lo através da maquete com rapidez e habilidade.

Figura 4: maquete em poliestireno

Figura 6 : detalhe da maquete em poliestireno

Figura 5: detalhe da maquete em poliestireno

A ênfase no tratamento paisagístico, colocado como definição do espaço público enquanto comunitário, ao qual todos tem direito de acesso, resultou em ambientes detalhados, principalmente nas áreas abertas, concebidas como praças.(Figuras 7 e 8)

Figura 7 (à esquerda): detalhamento do espaço aberto com espelho d’água .

Figura 8: detalhamento espaço externo.

Page 8: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

A elaboração conjunta do programa de necessidades, discutindo cada espaço,

resultou em propostas coerentes para entradas diferenciadas para público, administrativo, funcionários e carga, assim como recepção e sua relação com o fluxo no espaço de exposições. Na maioria dos casos também é nítida a preocupação com o conforto ambiental, especificamente quanto à insolação e acústica. 5 Problemas gerais Alguns problemas comuns foram detectados e por isso torna-se importante aqui destaca-los.

Apesar de soluções interessantes na implantação com relação à topografia e insolação, muitos não investigaram adequadamente a relação ruas (fluxos) x terreno. Não foi exigido pelos professores que as ruas constassem da maquete. De certa forma isto foi uma falha, pois o desenvolvimento do trabalho se deu, na maior parte dos casos, não por desenhos, mas através da elaboração volumétrica, entendendo-se a maquete como instrumento de projeto.

A atividade em grupo resolveu alguns problemas dos anos anteriores, mas gerou, em alguns casos, a divisão do programa em partes. Estas foram pensadas individualmente pelos componentes da equipe e agrupadas sem os critérios necessários para articulação dos espaços. Conseqüentemente houve casos em que os edifícios se apresentavam independentes e desarticulados enquanto funcionalidade e linguagem plástica (Figuras 9 e 10). Alguns caracterizados pela falta de cobertura, como no caso do grupo que localizou os sanitários, que serviriam ao teatro, em outra edificação.(Figura 11) Ao serem questionados como os espectadores poderiam se dirigir aos sanitários em dias de chuva, ficaram surpresos pela obviedade do problema no qual não haviam pensado. É comum um certo desapontamento nestes primeiros exercícios, quando problemas, que dependem da experiência para adequada formulação e resolução, são percebidos.

Figura 9: Edifícios desarticulados. A administração encontra-se isolada abaixo à esquerda.

Figura 11: sanitários no volume em forma de estrela, distantes do auditório (no canto superior esquerdo).

Figura 10: edifícios desarticulados. Biblioteca isolada no cilindro secionado no canto superior esquerdo.

Page 9: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

O não conhecimento de móveis, utensílios e maquinário assim como das funções específicas de alguns ambientes gerou em muitos casos espaços não adequados para o uso. Por exemplo, muitos optaram por espaços circulares divididos diametralmente para a área dos escritórios da administração (Figuras 12 e 13), auditórios com palcos muito pequenos em relação à platéia, áreas de exposição com pés direitos muito baixos ou com dimensões incompatíveis para apreciação de obras de grande porte. Neste sentido, o último grupo a se apresentar , um dos dois que pensaram um único edifício ocupando o terreno (Figuras 14, 15 e 16), argumentou que não havia como dimensionar com precisão, tanto em escala quanto em forma, os espaços internos, sem que antes se fizesse um estudo maior dos usos dos mesmos, estabelecendo tipos de móveis, número de funcionários e usuários, ou seja, precisar o programa de necessidades a fim de dar parâmetros mais exatos para configuração dos espaços. Esta foi uma das razões pelas quais o exercício foi realizado. A intenção era que os alunos descobrissem por si próprios que em arquitetura é necessário precisar o espaço para se chegar ao lugar.

Figura 12: plantas circulares

Figura 13: plantas circulares.

Figura 14: um dos poucos trabalhos com somente um edifício.

Figura 16: O mesmo trabalho da figura 14 mostrando detalhamento das áreas de exposição.

Figura 15: O mesmo trabalho da figura 14 mostrando detalhamento do auditório.

Page 10: DO ESPAÇO AO LUGAR - fec.unicamp.brluharris/art/03graphica_327.pdf · Teoria da Cor. Cor na arquitetura. Aqui são apresentadas as noções básicas de teoria da cor, psicologia

6 Conclusão Pôde-se perceber, por se tratar de um primeiro semestre, que alunos ainda calouros e começando a pensar em problemas que antes não faziam parte de seu cotidiano, elaboram e apresentam resultados muitos satisfatórios quando a complexidade e análise das condicionantes do problema são colocadas de forma simpli ficada e gradativamente.

A elaboração da volumetria é realizada de maneira reflexiva, com parâmetros norteadores claros e objetivos, mas que ao mesmo tempo não condicionam o aluno a resultados formais pobres. Pelo contrário, os resultados mostram criatividade e soluções inusitadas na busca da plasticidade.

Conclui-se, portanto, que os alunos compreenderam a quali ficação do espaço arquitetônico enquanto lugar, e neste contexto, a importância da precisão das informações nas quais se baseia o estudo preliminar. 7 Referências Bibliográficas ARNHEIM, Rudolf. A Dinâmica da forma arquitetônica. Lisboa: Presença, 1988. ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual. São Paulo: Pioneira, 1991. ARTIGAS, João Vilanova. O desenho. Natal: Nossa Ed., 1984. CHING, F. Arquitetura – forma, espaço e ordem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. DONDIS, Donis. La sintaxis de la imagen. Barcelona: Gustavo Gili , 1986. FABRIS, S. & GERMANI, R. Color. Proyecto y estética en las Artes Gráficas. Barcelona: Edebé, 1973. GEOFREY H. B. Le Corbusier: uma análise da forma. São Paulo: Martins Fontes, 1999. GOUVEIA, Anna Paula Silva. O croqui do arquiteto e o ensino do desenho. São Paulo: s.n., 1998. 3v.: il . Tese (Doutorado) FAU USP, 1998. GREGOTTI, Vittorio. Terr itório da arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1994. GUIMARÃES, Luciano. A cor como Informação. A construção biofísica, lingüística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2001. HALL, Edward T. A dimensão oculta. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1977. HERTZBERGER , Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996. KOWALTOWISKI, Doris et al. Ensino do projeto arquitetônico: a teoria traduzida em exercícios no processo criativo. Rem – Revista Escola de Minas. V. 54, n1. p.51-56, jan-mar 2001. MEISS, Pierre von. Elements of Architecture from form to place. New York: E & FN SPON, 1997. MACHADO, A. Geometria descritiva. São Paulo: Projeto, 1986. MONTANER, Josep Maria . La modernidad superada. Barcelona: Gustavo Gili, 1997. RAPOPORT, Amos. Aspectos humanos de la forma urbana. Barcelona: Gustavo Gili, 1977. MONTENEGRO, Gildo. Geometria descritiva. São Paulo: Edgard Blücher, 1991. RANGEL, A. P. Projeções cotadas – superfície topográfica, estradas, coberturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1976. TUAN, Yi Fu. Topofilia. São Paulo: Difel, 1980. WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.