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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA Dissertação de Mestrado DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA E DECISÃO DE INVESTIMENTO - UMA ANÁLISE PARA A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO NO BRASIL PEDRO QUARESMA DE ARAUJO ORIENTADOR: Prof. José Ricardo Tauile SETEMBRO 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA Dissertação de Mestrado

DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA E

DECISÃO DE INVESTIMENTO - UMA ANÁLISE

PARA A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO

SÓCIO-ECONÔMICO NO BRASIL

PEDRO QUARESMA DE ARAUJO

ORIENTADOR: Prof. José Ricardo Tauile

SETEMBRO 2004

1

DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA E

DECISÃO DE INVESTIMENTO - UMA ANÁLISE

PARA A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO

SÓCIO-ECONÔMICO NO BRASIL

Pedro Quaresma de Araujo

Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do

Título de Mestre em Economia

Aprovada por: _________________________________ José Ricardo Tauile (UFRJ – Orientador ) _________________________________ João Luiz Maurity Sabóia (UFRJ) _________________________________ Marcio Pochmann (Unicamp)

2

RESUMO O processo sócio-econômico que, ao longo do século XX, produziu no Brasil a

industrialização capitalista com elevadas taxas de investimento e de crescimento foi claramente interrompido no início da década de 80. Diante do quadro social e econômico das “décadas perdidas”, a redistribuição de renda a favor dos trabalhadores pode resultar na sustentabilidade social do crescimento econômico, condição que teria faltado ao período de modernização capitalista no Brasil

Tomando como bases teóricas o princípio da demanda efetiva, formulado pioneiramente por Keynes; a acumulação capitalista e os esquemas marxistas de reprodução social; e o multiplicador kaleckiano do investimento, é possível gerar um círculo virtuoso entre a distribuição de renda e o crescimento econômico. Neste sentido, as expectativas quanto ao efetivo crescimento do mercado interno assumem um papel fundamental, especialmente a partir do conceito de capacidade instalada, elemento real pelo qual as expectativas e o nível das vendas se relacionam. A realidade econômica brasileira recente, ao combinar elevação dos juros reais, concentração funcional da renda, paralisia nas taxas de investimento, ausência de crédito e estagnação econômica, confirmam, empiricamente, esta proposição.

Esta perspectiva teórica funciona como um contraponto à análise econômica dominante atual, ao recuperar o papel da política econômica na resolução dos problemas sociais e propor uma estratégia de desenvolvimento genuíno e substantivo em que a redistribuição de renda funciona como motor do crescimento econômico.

3

ABSTRACT The social and economic process that produced in Brazil high rates of

industrialization, economic growth and investment during the twentieth century was sharply interrupted in the beginning of the nineteen eighties. Considering the socio-economic framework after the lost decades, it is argued that the income transference to workers may result in the necessary social sustainability to economic growth in Brazil.

Taking into account the Keynesian effective demand principle, the capitalist accumulation and the marxist social schemes of reproduction, the Kaleckian multiplier of investment, it is possible to think about a virtuous cycle between the income distribution and the economic growth. In this way, the expectations about the effective growth of internal market assume a decisive role, especially from its connections with installed capacity. The recent economic reality in Brazil, while combining high interest rates, functional income concentration, low aggregated investment, low credit supply and economic stagnation, confirms that proposal.

This theoretical perspective is opposite to the current dominant economic analysis, when recouping the economic policy role on the solution of social problems. Furthermore, this analysis may propose a development strategy where the income redistribution functions as the motor of economic growth.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos que tornaram possível a realização deste trabalho. Em primeiro lugar, ao meu orientador Professor José Ricardo Tauile por ter abraçado tão calorosamente a idéia da minha dissertação. Sem dúvida alguma, o incentivo, o apoio, a dedicação, além das inúmeras boas idéias surgidas ao longo de nossas “conversas”, foram fundamentais para a conclusão deste trabalho.

Fica também o agradecimento especial aos professores Carlos Eduardo Frickmann Young, pelas dicas fundamentais nos momentos iniciais do trabalho e as críticas construtivas na defesa do projeto, e ao professor Mario Luis Possas, pelas brilhantes e inspiradoras aulas do curso de Macrodinâmica Econômica. Em matéria de inspiração, cabe ressaltar as conversas com o professor Carlos Lessa, ainda antes mesmo de entrar no mestrado, quando tive o incentivo de acreditar que a distribuição de renda poderia funcionar como motor do crescimento econômico e o interesse de me debruçar na leitura dos autores clássicos latino-americanos.

Agradeço ainda aos demais professores do Instituto pelos excelentes cursos ofercidos na pós-graduação. Em especial, gostaria de destacar as agradáveis aulas do Professor Antonio Barros de Castro, extremamente ricas em novos conhecimentos e que em muito me ajudaram a compreender um pouco mais sobre a realidade econômica brasileira, além das instigantes aulas do Professor José Luis Fiori, com a marcante presença da Professora Maria da Conceição Tavares, que me fizeram refletir que o estudo da economia brasileira não pode ser entendido de forma dissociada à realidade política e econômica internacional. Aos funcionários do Instituto, fica a homenagem especial à Beth e ao Rolnei, da Secretaria de Pós-Graduação, sobretudo, após a minha mudança para Brasília.

Finalmente, gostaria de agradecer aos componentes da banca de defesa pelos elogios e comentários. Ao professor João Sabóia, agradeço pelas sugestões oportunas na ocasião do projeto e na revisão do trabalho final. Ao professor Marcio Pochmann, gostaria de registrar a inestimável alegria por sua disposição de participar da banca de defesa.

Como em todos os momentos da minha vida, não posso deixar de agradecer à minha família pela dedicação, colaboração e incentivo ao longo do transcurso do trabalho. Por todo apoio, carinho e “infra-estrutura”, agradeço aos meus pais e à minha irmã. Especialmente à minha vó, agradeço pela atenção característica e pela cobrança preocupada em relação aos prazos a partir do momento que me mudei para Brasília.

E, como não poderia deixar de ser, à minha querida Hebe, sempre companheira, sempre do meu lado, sempre opinativa, sempre participativa em todas as ocasiões, fica o meu especial agradecimento com todo o amor e carinho que houver nessa vida, especialmente nesta grande etapa da nossa vida que está se iniciando neste momento.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................ 1

CAPÍTULO 1: O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA E A ACUMULAÇÃO CAPITALISTA ....... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 5 O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA E A DINÂMICA ECONÔMICA................. 6 A DECISÃO DE INVESTIR E A VALORIZAÇÃO DO CAPITAL ............................... 9 MARX .............................................................................................................................. 12

A Acumulação e o Processo Social de Reprodução ..................................................... 12 Elementos para a Demanda Efetiva em Marx.............................................................. 15 Acumulação de Capital e os Determinantes da Decisão de Investimento em Marx.... 17 Juros, Lucro do Empresário e o Papel do Crédito ...................................................... 21 Elementos para uma Teoria da Distribuição Funcional da Renda.............................. 25

OS SUBCONSUMISTAS ................................................................................................ 27 Os primeiros subconsumistas: Malthus, Sismondi e Rodbertus................................... 29 Hobson.......................................................................................................................... 31 Rosa Luxemburgo......................................................................................................... 32 Baran e Sweezy............................................................................................................. 33 Considerações finais .................................................................................................... 34

KEYNES .......................................................................................................................... 35 A Decisão sob Incerteza ............................................................................................... 35 A Motivação Central do Investimento .......................................................................... 39 As Expectativas e o Estado de Confiança nos Negócios .............................................. 40 A Teoria dos Ativos e a Aplicação do Capital ............................................................. 45 Os Investimentos e o Nível de Atividade: O Papel do Multiplicador........................... 47 O Crédito e a Não-Neutralidade da Moeda ................................................................. 49 Semelhanças entre Marx e Keynes ............................................................................... 50 Considerações Finais ................................................................................................... 51

KALECKI......................................................................................................................... 52 As Origens do Pensamento Kaleckiano........................................................................ 52 A Determinação da Distribuição Funcional da Renda................................................ 54 Os Esquemas Sociais de Reprodução em Kalecki........................................................ 57 A Demanda Efetiva e os Multiplicadores Kaleckianos ................................................ 58 A Teoria do Investimento em Kalecki........................................................................... 61 A Dinâmica Macroeconômica em Kalecki ................................................................... 64

STEINDL ......................................................................................................................... 66 PASINETTI E O ACELERADOR................................................................................... 71 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E CRESCIMENTO ECONÔMICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA DECISÃO DE INVESTIMENTO.............................................................. 74

CAPÍTULO 2 : A PERSPECTIVA TEÓRICA DO SUBDESENVOLVIMENTO E A MODERNIZAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL..................................................................................... 77

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 77 A PERSPECTIVA DO SUBDESENVOLVIMENTO..................................................... 77 AS RAÍZES HISTÓRICO-ESTRUTURAIS DA CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL............................................................................................................................ 82

6

O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL.............................................. 83 Do café aos primórdios da industrialização ................................................................ 84 De olho no mercado interno: o processo de industrialização por substituição de importações .................................................................................................................. 87 O debate acerca da funcionalidade da distribuição de renda para o padrão de desenvolvimento nas décadas de 60 e 70 ..................................................................... 92

O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA ENTRE AS DÉCADAS DE 30 E 70: UMA SÍNTESE EM DADOS ESTATÍSTICOS............... 99

CAPÍTULO 3: AS DÉCADAS PERDIDAS EM POLÍTICAS MACROECONÔMICAS......................116 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 116 O NOVO PARADIGMA DO INVESTIMENTO.......................................................... 117 UMA VISÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA DISSOCIADA DA PRODUÇÃO .127 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E CRESCIMENTO: VISÕES ALTERNATIVAS....... 131 AS DÉCADAS PERDIDAS EM POLÍTICAS ECONÔMICAS E SEUS EFEITOS SOBRE O INVESTIMENTO E A DISTRIBUIÇÃO DA RENDA .............................. 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................161

0

À Hebezinha, com todo amor e carinho

1

INTRODUÇÃO

O início do século XXI aponta vários desafios para o Brasil. Entre os mais

importantes, está retomar o processo de desenvolvimento econômico interrompido desde a

década de 80 e resolver o quadro de perversa distribuição de renda, que faz do país uma das

realidades sociais historicamente mais injustas do mundo.

Nas duas últimas décadas, o país vem assistindo a resultados pífios no que diz

respeito ao crescimento econômico. Na década de 80, a causa apontada para a estagnação

da economia brasileira foi a crise da dívida externa e a decorrente aceleração do processo

inflacionário, que inviabilizaram a realização dos investimentos no país. Na década de 90,

marcada pela abertura comercial e financeira, a reforma do Estado, as privatizações e o

controle das taxas de inflação, o resultado do crescimento econômico foi ainda inferior ao

encontrado na década de 80.

Alguns elementos nos fazem crer que a distribuição de renda e o crescimento são

processos que podem e devem caminhar juntos na atual realidade brasileira. A nosso ver, o

dinamismo potencial da economia brasileira é subaproveitado, enquanto mercado interno,

estruturalmente contido pela persistência da concentração de renda no Brasil. Se pensarmos

que, apesar deste quadro, o país se configura como uma das principais economias do

mundo capitalista, podemos ter uma idéia do espaço potencial de crescimento da economia

brasileira. Logo, uma política redistributiva poderia funcionar como uma via autônoma de

desenvolvimento e inclusão social dentro de uma conjuntura marcada por profundas

restrições externas.

Em sintonia com afirmação recente de Celso Furtado de que “a doença grave do

Brasil é social, não econômica”, pensamos que a distribuição de renda pode funcionar

como “motor” da retomada do desenvolvimento econômico, assumindo uma dupla função

neste processo: tanto a correção de caráter ético e moral das injustiças sociais, acumuladas

ao longo do tempo, como a geração de crescimento da renda e dinamismo econômico.

Assim sendo, fica lançada a questão: como gerar dinamismo econômico a partir da

resolução de problemas sociais? Acreditamos que a resposta a esta questão pode estar na

compreensão da reprodução capitalista também como um processo social e político, o que

confere ao investimento, ou seja, a parcela do produto que retorna à produção, um conceito

2

fundamental para a compreensão desta questão. O que motiva, portanto, a decisão de

investimento1?

Tradicionalmente o investimento foi encarado como elemento central do dinamismo

em uma economia capitalista. As crises podiam ser explicadas como uma deficiência na

realização de novos investimentos na produção. Até a década de 70, predominava uma

concepção do investimento associado a “economia real”, sobretudo a elementos atrelados à

demanda. Com o advento do neoliberalismo e da globalização financeira, a compreensão do

que seria o investimento sofreu profundas transformações. O investimento passou a assumir

um cunho estritamente macroeconômico e financeiro, chegando até mesmo muitas vezes a

ser confundido com as aplicações financeiras no mercado de capitais, ou mesmo reduzido

ao investimento externo direto. Não obstante, as taxas de investimento agregado caíram

sensivelmente neste período.

Daí a opção desta dissertação pela retomada do conceito de investimento tradicional

das teorias da demanda efetiva e da acumulação capitalista proposto por Marx, Keynes,

Kalecki, Steindl, etc. Esta releitura visa evidenciar, sempre que possível, aquilo que estas

teorias apresentam de comum e o que elas apresentam de específico.

Além disso, dado o objetivo de buscar soluções no que diz respeito à retomada do

investimento e à promoção de uma melhor distribuição da renda no Brasil, optou-se,

também, pela releitura de autores latino-americanos clássicos como Celso Furtado, Maria

da Conceição Tavares, Raúl Prebisch, Francisco de Oliveira. Esta releitura, além de

encontrar-se relacionada com as categorias teóricas dos autores abordados no primeiro

capítulo, permitiu, ainda, evidenciar como a trajetória da economia brasileira foi e pode

voltar a ser feita a partir de um marco teórico distinto daquele que predomina na análise

econômica brasileira dominante atualmente. A escolha da obra destes autores deveu-se

ainda à sua importante contribuição no sentido de destacar a necessidade de instrumentos

distintos de análise para caracterizar a realidade dos países em desenvolvimento, em função

da realidade assimétrica que constitui o contexto internacional e que se perpetua mesmo

nos tempos atuais de “globalização financeira”.

1 Cabe destacar a opção deste trabalho pela investigação dos determinantes do investimento privado capitalista. Os determinantes do investimento público, que, ao longo da história, desempenharam um papel crucial no capitalismo brasileiro também poderiam ser um objeto de investigação de fundamental relevância.

3

Esta leitura visa ainda cumprir um dos objetivos principais deste trabalho: averiguar

como um quadro de perversa distribuição de renda pode funcionar como um entrave ao

investimento, afetando a própria decisão de investir do capitalista. A idéia que perpassa esta

concepção é a de que uma distribuição de renda a favor dos trabalhadores não apenas teria

o efeito de aumentar o nível de renda pela ampliação do consumo interno, inferindo a partir

da visão tradicional de Kalecki sobre o multiplicador econômico, como poderia afetar

positivamente a decisão dos capitalistas sobre os investimentos econômicos futuros. Neste

sentido, o investimento é compreendido como um processo socialmente constituído, em

que as expectativas e as relações sociais assumem uma vital importância. Uma melhor

distribuição da renda funciona para a ampliação da demanda efetiva, não somente via

consumo, mas também pelo lado do investimento, contribuindo assim para a retomada do

desenvolvimento econômico e o crescimento do mercado interno no Brasil.

A distribuição de renda foi associada ao crescimento econômico pela primeira vez

pelos adeptos das teorias marxistas de subconsumo, em busca de uma justificação

econômica para o imperialismo no final do século XIX. No século XX, as correntes

econômicas ligadas ao princípio da demanda efetiva também passaram a tratar o tema,

cabendo especial destaque para a visão de Kalecki, em que o multiplicador econômico é

afetado pela distribuição da renda entre os capitalistas e os trabalhadores. No Brasil, a

literatura sobre distribuição de renda e o desenvolvimento capitalista ganhou destaque,

especialmente na década de 70, quando o debate econômico sobre o tema foi bastante

acentuado.

A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro capítulo trata da teoria

econômica propriamente dita, centrando-se basicamente nas obras de Marx, Keynes,

Kalecki. Além disso, outras contribuições como as de Steindl, Pasinetti e dos autores

subconsumistas também são abordadas. De Marx, podemos destacar a visão do

investimento como um processo de relação entre as classes sociais; a reprodução como

parte do processo de acumulação e de ampliação do valor do capital; a distinção entre as

faces do capital (propriedade X função), que determinam a repartição da mais-valia entre

juro e lucro do empresário; assim como o papel do crédito nesta decisão. Em Keynes,

temos a discussão da decisão sob incerteza, o papel central das expectativas com o objetivo

de maximizar a renda auferida com a realização das vendas; o estado de confiança nos

4

negócios, fundamental para o cálculo econômico comparativo entre a eficiência marginal

do capital (de um dado investimento) e as taxas de juros; o conceito de demanda efetiva e

suas implicações como a sutil distinção entre o que seria a “decisão de poupar” e a “decisão

de investir”; e, finalmente o papel do crédito para o alcance do pleno emprego. Já em

Kalecki, podemos destacar a discussão propriamente dita sobre a distribuição funcional da

renda nos esquemas sociais de reprodução, os multiplicadores, o investimento e uma breve

discussão sobre a dinâmica econômica.

O segundo capítulo divide-se em duas partes. A primeira parte, que se refere à

leitura do subdesenvolvimento e do processo de industrialização no Brasil, e uma segunda

parte, abordando o período que se estende entre as décadas de 30 e 70, sobretudo no que diz

respeito aos indicadores estatísticos sobre investimento, distribuição de renda e crescimento

econômico.

A descrição sobre aquilo que passa a ocorrer na análise econômica brasileira nas

“décadas perdidas em políticas macroeconômicas” de 80 e de 90 é focalizada no terceiro

capítulo deste trabalho. Além disso, este capítulo apresenta o “imbróglio” decorrente da

elevação das taxas de juros, sobretudo a partir das políticas monetárias pós-Plano Real,

visando com isso demonstrar como esta política gerou simultaneamente um agravamento

da concentração funcional da renda e um desestímulo ao investimento. Além disso, este

capítulo apresenta dados sobre o desempenho da economia brasileira, especialmente nestas

duas últimas décadas. Finalmente, como prova de que mesmo em épocas de pensamento

dominante, visões alternativas são formuladas com o intuito de propor soluções para a

retomada do desenvolvimento econômico no Brasil, o capítulo termina com a apresentação

de algumas destas leituras.

CAPÍTULO 1: O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA E A ACUMULAÇÃO CAPITALISTA

INTRODUÇÃO

O que determina o nível de renda e emprego em uma economia capitalista? Sem

dúvida, esta é uma das perguntas centrais da ciência econômica desde os seus primórdios.

Segundo as correntes tradicionais da economia, adeptas da famosa “Lei de Say”, a

determinação da renda está associada basicamente a aspectos relativos à oferta, seja com os

fisiocratas e sua exaltação ao excedente econômico “natural” da agricultura, seja em Adam

Smith, com a exaltação a divisão do trabalho manufatureiro, ou mais atualmente pela escola

neoclássica de equilíbrio geral, centrada na maximização da função de produção

(produtores) e da utilidade (consumidores) e na utilização ótima dos fatores de produção

(capital e trabalho).

Basicamente, para todos estes autores, predomina a Lei de Say, e podemos afirmar

que a economia deveria sempre operar dentro do pleno emprego. Não existiria, portanto,

desemprego involuntário, e a questão distributiva da renda torna-se uma questão secundária

para a análise econômica2.

No entanto, no século XX, a elaboração por Keynes do “Princípio da Demanda

Efetiva” , como sendo o norteador básico para a determinação das variáveis

macroeconômicas, veio a funcionar como uma séria oposição ao “mainstream” teórico

vigente na ciência econômica. Pela primeira vez, aspectos relativos à demanda passam a

ocupar o centro da determinação econômica, e, em consonância com a tradição marxista da

lógica de acumulação, valorização e de movimento do capital, o investimento passa a ser

variável-chave para a compreensão das flutuações do nível de renda. Além disso, o fato

demonstrado por Keynes de que a economia pode operar fora do pleno emprego acabaria

por despertar o questionamento sobre a existência de um equilíbrio de eficiência econômica

2 Cabe destacar que Smith, Ricardo, Malthus e demais autores tentaram discorrer sobre a distribuição funcional da renda entre as classes sociais. Para os adeptos da escola neoclássica, a questão da distribuição é apresentada como de difícil conciliação com a eficiência econômica de Pareto, assim como os critérios de justiça social são apresentados como sendo de grande diversidade e, desta maneira, de difícil implementação.

6

para onde a economia convergiria naturalmente. A preocupação volta-se então para a

compreensão de como gerar o pleno emprego e o crescimento econômico no longo prazo,

abrindo espaço para o estudo da trajetória dinâmica do nível de renda.

O investimento assume, desta maneira, um papel fundamental, conciliando as obras

de Marx, Keynes e Kalecki, autores que serão as referências centrais da análise teórica que

será apresentada ao longo deste capítulo. Dentro desta perspectiva, a pergunta central

passaria a ser o que determina e influencia a decisão de investimento por parte dos

capitalistas? A obra de Kalecki chama a atenção para a importância da distribuição de renda

nesta formulação, contribuindo para os objetivos desta dissertação de demonstrar que a

distribuição de renda em favor dos trabalhadores pode afetar positivamente os

investimentos, gerando crescimento e o dinamismo econômico.

O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA E A DINÂMICA ECONÔMICA

O princípio da demanda efetiva foi formulado pioneiramente por Keynes e encontra

ressonância nas obras dos demais autores abordados neste trabalho. No entanto, segundo

Possas (2001, p.101), Keynes não chega a desenvolver um enunciado preciso deste

princípio. A formulação da demanda efetiva encontrar-se-ia, na realidade, obscurecida em

sua análise da determinação ex-ante do nível da produção e do emprego, uma das

preocupações centrais do autor em sua Teoria Geral.

Assim sendo, a melhor definição do princípio estaria formulada, apesar de não

explicitada, por Kalecki a partir da “determinação unilateral das receitas (rendas) pelo

gasto; em outras palavras, na constatação de que nas transações mercantis a única

decisão autônoma é a de gastar (comprar, converter dinheiro em mercadoria)” (idem). Ou

de forma mais simples pelo fato de que: “todo gasto determina uma receita de igual

magnitude” (ibid, p.102).

Em Marx (e na literatura marxista), de uma certa forma, o princípio da demanda

efetiva também está presente na discussão sobre a realização da mais-valia produzida em

uma economia mercantil, caracterizada notadamente pela divisão social do trabalho e pela

7

ausência de coordenação consciente do processo de troca (“anarquia da produção”). Afinal

de contas, como é colocado por Marx, apenas no mercado é que ocorre o reconhecimento

social que confere valor às mercadorias em uma economia de produtores independentes.

Antes disso, existiriam apenas as expectativas dos produtores dispostos a realizar as trocas

no mercado. Assim sendo, podemos constatar que as expectativas, referência central para a

análise keynesiana da produção e do investimento, também estão presentes na obra de

Marx.

Esta realidade também está presente na análise de Shaikh (1983) sobre as crises,

definidas pelo autor como um conjunto de falhas nas relações econômicas e políticas de

reprodução capitalista. Mais do que isso, as crises seriam da própria natureza da

organização social capitalista, “um entrelaçamento social complexo, cuja reprodução

requer um modelo preciso de complementação entre as diferentes atividades produtivas e,

não obstante, que são empreendidas por milhares de capitalistas individualmente que

apenas se preocupam com a ambição pelo próprio lucro, (...) uma comunidade humana

cooperativa e, no entanto, ela joga um contra o outro incessantemente: o capitalista contra

o trabalhador, mas também o capitalista contra o capitalista e o trabalhador contra o

trabalhador” (Shaikh, 1983, p.5-6). Desta forma, segundo o autor: “a questão

verdadeiramente difícil sobre tal sociedade não é porque ela falha constantemente, mas

porque continua funcionando” (ibid, p.6).

Em suma, o princípio da demanda efetiva exclui qualquer possibilidade de análise

econômica centrada no equilíbrio estático, enquanto “atrator” para as variáveis

macroeconômicas. Ao contrário dos pressupostos que fundamentam a economia

neoclássica do equilíbrio e da maximização, o princípio da demanda efetiva “não é

axiomático, porque é um teorema, isto é, uma proposição teórica demonstrável” (Possas,

2001, p.102). A base da análise de determinação da renda passa a ser os gastos realizados,

que condicionam a partir de simples mensurações contábeis o nível de atividade da

economia. Além disso, transfere a análise econômica das condições vigentes na oferta para

a demanda, uma vez que em última instância o poder de compra dos demandantes é que

determina as decisões de gastar (Possas, p.104). Desta forma, abre-se o espaço para a

compreensão da atividade econômica como um fenômeno dinâmico, em que o fundamental

8

passa a ser a trajetória potencial do nível de emprego e da produção, dadas as condições de

poder de compra e expectativas dos demandantes.

Assim sendo, as decisões de gastar determinam o nível de renda no capitalismo, o

investimento, dada a sua maior autonomia em relação ao nível de atividade, passa a ser a

variável central para a análise econômica da produção. Por isto, trataremos a seguir da

investigação sobre o que determina a tomada de decisão dos gastos em investimento no

capitalismo.

Antes disso, no entanto, tendo em vista uma das decorrências do princípio da

demanda efetiva em sua radical oposição ao “mainstream” teórico neoclássico, cabe

destacar a relação entre poupança e investimento. Como já vimos acima, as decisões de

gasto é que determinam a renda. Keynes deixa claro que as decisões de gasto se dividem

entre os gastos em consumo e os gastos em investimento.

Como para Keynes, a poupança pode ser entendida como o excedente dos

rendimentos sobre os gastos em consumo, a poupança não passa, portanto, de um simples

resíduo. Não existe, portanto, para Keynes, decisão de poupar. Assim sendo, são os

investimentos, frutos da decisão capitalista, que determinam a poupança, necessariamente

igual e simultânea e que representa a liberação de recursos líquidos em igual montante

(Possas, 2001, p. 100).

De forma bastante semelhante, Kalecki, ao afirmar que os capitalistas não podem

decidir o que ganham (renda), mas podem decidir o que gastam (consumo ou

investimento), está excluindo qualquer possibilidade de haver uma decisão de poupar,

reafirmando assim a centralidade da decisão de investir para a determinação do montante

que corresponde à poupança, visto que ambos os agregados correspondem ao excedente da

renda sobre o consumo.

Aqui cabe destacar que, embora idênticos em valor, o investimento e a poupança

apresentam um significado econômico distinto. Enquanto o investimento é um objeto de

decisão autônomo, a poupança não resulta de um ato voluntário, mas, de um cálculo

residual, determinado pelas variáveis de gasto.

Além disso, cabe destacar que para a tradição da demanda efetiva, não faz o menor

sentido afirmar que “a poupança financia o investimento”. O investimento é uma decisão de

9

gasto, apoiada sobre o poder de compra conferido pela riqueza (renda prévia) ou pelo

crédito. Como afirma Possas (2001, p. 108): “ela não precede nem temporal, nem

logicamente, o investimento”. Pelo contrário, o fluxo é simultâneo e, como já vimos acima,

a relação de determinação é inversa.

O crédito é que podemos dizer que financia o investimento. No que diz respeito à

função do crédito, cabe assinalar uma qualidade singular das correntes teóricas apoiadas no

princípio da demanda efetiva. A existência do crédito e o abandono da idéia de que a

poupança pudesse financiar o investimento dispensam a necessidade acumulação prévia

para que o sistema capitalista se reproduza, abrindo a possibilidade para que a economia

alcance efetivamente o pleno emprego. Basta que existam “fatores de produção” ociosos e

que os mesmos possam ser reorganizados a partir da disponibilização de recursos

monetários por vias creditícias. Ou seja, é necessário apenas que a economia se encontre

fora do pleno emprego, o que, de fato, caracteriza para Keynes “a sociedade econômica em

que realmente vivemos”. Conforme a apresentação do autor logo no Capítulo 1 de sua

Teoria Geral, a busca do pleno emprego constitui-se o objetivo primordial da reflexão e da

formulação de políticas no campo das ciências econômicas.

Além disso, a natureza do crédito, enquanto criação autônoma do poder de compra

torna a princípio o sistema capitalista ilimitado, funcionando como uma possibilidade

efetiva de expansão do nível de renda e de emprego em uma dada economia. No entanto,

fatores institucionais como, por exemplo, as taxas de juros, e normas do Banco Central em

relação ao sistema bancário podem interferir na disponibilização do crédito, afetando assim

a decisão de investimento dos capitalistas.

A DECISÃO DE INVESTIR E A VALORIZAÇÃO DO CAPITAL

Feitas estas considerações sobre o princípio da demanda efetiva, suas relações com

a dinâmica econômica e o investimento, além da demarcação de sua diferença teórica em

relação ao mainstream neoclássico, podemos partir agora para o objetivo central do

capítulo, que é investigar o que determina a tomada de decisão de investir do capitalista e

10

como uma redistribuição de renda a favor dos trabalhadores poderia afetar positivamente o

nível de investimento, propiciando o crescimento econômico, ou seja, a ampliação do nível

de renda e do emprego em uma dada economia. Cabe destacar que esta hipótese se baseia

na idéia de que a redistribuição não apenas teria o efeito de aumentar o nível de renda, sob

a perspectiva kaleckiana do multiplicador, como poderia conferir um efeito acelerador a

partir da influência sobre os investimentos econômicos futuros, ampliados sob uma

perspectiva de um crescimento da demanda. Ou seja, a resolução de problemas sociais

poderia resultar em dinamismo econômico, a partir da própria decisão de investimento dos

capitalistas.

Dentro da teoria econômica, optamos por buscar realizar uma interconexão das

obras de Marx, Keynes e Kalecki, sobretudo naquilo que diz respeito às suas concepções

relativas à decisão de investir e as implicações do investimento sobre a dinâmica

econômica. No entanto, as contribuições de outros autores como Pasinetti e Steindl,

respectivamente no que diz respeito ao princípio do acelerador e a questão da capacidade

ociosa também serão abordadas com o intuito de investigarmos estas questões.

Qual é o principal determinante da decisão de investimento do capitalista? Qual o

motivo pelo qual, ao final de um dado período, o capitalista decide retornar uma parcela do

produto à produção, fazendo do capitalismo um sistema dinâmico, em constante

movimento e reprodução?

Seja para Marx, como para Keynes ou para Kalecki, os capitalistas investem porque

esperam ganhar com o investimento realizado3. Esta é a lógica de acumulação do capital e

que justifica a lei imanente de movimento do capitalismo para Marx, e sua célebre

caracterização da reprodução capitalista como um circuito D-M-D’, ou mesmo D-D’. O fim

último do capital é a sua própria valorização, como podemos inferir a partir da afirmação de

Marx, ao se contrapor à corrente de autores para os quais o fim último da reprodução

capitalista pudesse ser o consumo: “Afirmar de modo genérico que a acumulação efetiva-se

às custas do consumo é sustentar um princípio ilusório que contradiz a essência da

produção capitalista, pois se estará supondo que o fim e a causa propulsora dessa

3 Podemos incluir nesta lista a própria escola neoclássica, dada as suas teorias de maximização dos lucros

11

produção é o consumo e não a conquista da mais-valia e sua capitalização, isto é a

acumulação”. (Marx, 1975, v. III p. 535)

De forma semelhante, para Keynes, o que justifica o investimento é a sua

expectativa de rendas futuras. O objetivo dos capitalistas é maximizar a diferença entre a

renda auferida a partir das vendas (valor da produção acabada vendida durante o período) e

os custos primários decorrentes da produção (definidos ex-ante com a decisão de

investimento, quando é fixado o volume de emprego a ser concedido aos “fatores de

produção”). Assim sendo, dada a defasagem entre os ganhos esperados dos capitalistas e a

sua decisão de investimento, podemos perceber que a demanda efetiva exerce um papel

preponderante no processo de formação das expectativas dos capitalistas e suas decisões de

investimento. O que determina o consumo e o investimento do empresário é a sua

expectativa em relação a quanto pode lucrar com os rendimentos auferidos com a venda de

sua produção. Em suma, o que interessa para o capitalista é fazer render os ativos em sua

propriedade. Daí decorrem todas as formulações decorrentes da teoria de aplicação do

capital de Keynes.

Finalmente, cabe destacar, conforme já lembrada acima, a visão não muito diferente

de Kalecki em relação ao motivo pelo qual os capitalistas realizam as suas decisões de

gastos entre consumo e investimento, expresso na sua célebre afirmação de que os

capitalistas ganham o que gastam ou, ainda, que “são suas decisões quanto ao investimento

e consumo que determinam os lucros e não vice-versa” (Kalecki, 1954). Assim sendo, os

lucros assumem para Kalecki o papel de variável mais importante da economia,

justificando basicamente as decisões capitalistas em relação aos gastos.

Existem inúmeras conexões que podem ser realizadas entre as obras destes três

autores. No entanto, feita esta primeira conexão sobre a motivação principal da decisão de

investimento, podemos analisar a obra de cada um deles separadamente, relacionando-as

entre si sempre que se fizer necessário e relevante.

12

MARX

A Acumulação e o Processo Social de Reprodução

Marx compreende o capitalismo como um modo de produção historicamente e

dialeticamente constituído, em que, assim como nos demais modos de produção que o

antecederam, o desenvolvimento das forças produtivas se contrapõe às relações sociais de

produção. Assim sendo, a decisão de investimento se insere na lógica do processo social de

reprodução, em que predomina a luta de classes pela apropriação do excedente. Segundo

esta lógica, o capital possuiria uma espécie de lei de movimento em busca de sua

valorização, o que motivaria a acumulação, ou seja, a decisão de investimento.

Esta lógica foi eternizada por Marx no ciclo do capital-dinheiro (D-M-D’, onde

D’>D), na qual Marx define sinteticamente sua teoria da acumulação. Em resumo, a

caracterização da acumulação como um processo socialmente constituído e de luta entre as

classes encontra-se bem definido por Shaikh (1983), em passagem já citada anteriormente.

Contudo, a mais importante luta de classes se dá entre os capitalistas e os

trabalhadores. Weeks (1981), em sua análise sobre as raízes da competição e da

concorrência entre os capitalistas, chega a afirmar que “a primeira e mais básica forma de

competição é a competição entre o capitalista e o trabalhador, não pela distribuição do

valor produzido, mas pela organização da produção. Esta competição é a luta de classes

sobre o mais básico aspecto de qualquer sociedade – o controle da produção. E a

subsunção do trabalho ao capital é a base da competição entre os capitais”.(Weeks, 1981,

p.161).

Ainda da leitura de Weeks (1981), podemos concluir que a base da própria

competição entre os capitais se encontra na relação de assalariamento. Afinal, é a partir da

exploração do trabalho pelo capital, que se resulta o que Marx denominou mais-valia, ou o

lucro do capitalista, cuja apropriação motiva todo o processo de investimento e (re)

produção social em busca da valorização do capital. Ou seja, é a partir da relação social de

produção, que a mais-valia é criada, e o montante de capital-dinheiro (D) pode se

13

transformar em um montante de capital-dinheiro (D’) com valor superior a D. Mais do que

isso, o próprio capital deve ser entendido como uma relação social. Na ausência das

relações entre o capital e o trabalho, a competição entre os capitalistas nem poderia existir.

Basicamente, o processo de produção deve ser compreendido, sob a perspectiva da

acumulação como um ciclo. Referindo-se a este ciclo, Marx estabeleceu o conceito de

tempo de rotação do capital, que engloba o período entre o adiantamento do capital e o

retorno deste mesmo capital acrescido de mais-valia, decorrendo assim o tempo de

produção e de circulação capitalista. Ou seja, é o período de valorização do capital, em que

o capital-dinheiro adiantado (D) se materializa novamente sob a forma de capital-dinheiro

ampliado (D’) com a realização da venda das mercadorias.

No entanto, como opera o ciclo de rotação do capital? Inicialmente, o capital-

dinheiro (D) é transformado em um montante de capital-mercadoria (M), composto de

capital constante (c), basicamente bens de produção, e capital variável (v), força de

trabalho. Para compreendermos a valorização do capital, devemos entender que o processo

de produção e de exploração do trabalho faz com que o capital-mercadoria produzido

assuma um valor M’ maior que o capital-mercadoria M adquirido. O que explica, portanto,

esta diferença, ou seja, como é criada a mais-valia (m)?

A explicação se encontra no fato de que podemos caracterizar a mais-valia como o

trabalho não pago efetuado pelos trabalhadores. Isto ocorre porque a relação de exploração

faz com que, à medida que o trabalhador vende (ou aluga) a sua força (ou capacidade) de

trabalho para o capitalista, garantindo-lhe o total direito de dispor sobre a mesma durante a

jornada de trabalho, passando a não mais receber pelo que produz, mas apenas o suficiente

para a sua subsistência e pela reprodução da força (ou capacidade) de trabalho. Desta

maneira, é a diferença entre o valor produzido pela força de trabalho (trabalho incorporado)

e o valor pago à força de trabalho que dá origem à mais-valia. Assim sendo, podemos

caracterizar a mais-valia como o valor do trabalho não remunerado apropriado pelo

capitalista.

Desta forma, podemos afirmar que a mais-valia é, portanto, criada no processo de

produção. Aqui cabe ressaltar um dos aspectos fundamentais da teoria marxista do

capitalismo: a mais-valia, remuneração apropriada pelo capitalista, é produzida pelo

14

trabalhador. Para Marx, o capital não gera rendimento. Todo excedente é produzido pelo

trabalho. Seja qual for a forma assumida pela mais-valia (lucro industrial, renda territorial,

juro), esta foi certamente produzida pelo trabalho.

Assim sendo, a distribuição funcional da renda é um fruto da luta entre as classes:

os capitalistas, buscando prolongar a jornada de trabalho e reduzir os salários pagos, e os

trabalhadores, em busca da redução da jornada e o aumento dos salários. A análise marxista

da decisão de investimento, ou nos termos de Marx, da (re) produção ampliada do capital, é

indissociável do conceito de luta de classes, sendo, portanto, de fundamental importância

para a compreensão do processo de acumulação.

Desta maneira, fatores como a expropriação e a crescente separação entre o

trabalhador e os instrumentos de trabalho, uma vez garantida a propriedade dos meios de

produção nas mãos dos capitalistas, contribuíram decisivamente para o surgimento das

relações de assalariamento e as demais características de exploração que caracterizam e que

são de fundamental importância para a produção da mais-valia. A exploração do trabalho

pelo capital passa a se constituir um dos conceitos-chave para a compreensão da decisão de

investimento.

Além disso, sob esta perspectiva, podemos perceber a reprodução capitalista e o

processo de determinação da renda e de sua distribuição como decorrências da lógica da

acumulação e da luta de classes. Marx afirma que, dado que os trabalhadores não poupam e

recebem ao nível de subsistência, seu consumo é determinado como resultante da decisão

da quantidade de capital variável adiantada pelos capitalistas no início da (re) produção; a

distribuição da renda pode ter efeito assim sobre a dinâmica capitalista. Esta afirmação nos

faz lembrar a perspectiva kaleckiana de demanda efetiva, que veremos mais

detalhadamente no final deste capítulo. Esta perspectiva fica clara na seguinte afirmação

extraída do Capital: “a capacidade de consumir é condicionada pelas restrições

antagônicas de distribuição que restringem o consumo da grande parte da massa a um

mínimo” (Marx, 1975).

Marx divide ainda o sistema econômico em esquemas sociais de reprodução.

Basicamente, estes discriminam o produto social em três partes: capital constante, capital

variável e mais-valia. Além disso, o produto é dividido em dois departamentos de acordo

15

com o valor de uso das mercadorias produzidas: Departamento I, produtor de bens de

produção; Departamento II, produtor de bens de consumo. As trocas se dariam tanto dentro

de cada departamento como entre eles.

Elementos para a Demanda Efetiva em Marx

No entanto, se a mais-valia é criada a partir do processo de produção, Marx admite

que sua realização apenas se dá efetivamente no processo de troca, quando a mercadoria

produzida é levada ao mercado. Antes disso, de forma semelhante àquilo que será descrito

por Keynes, os lucros só existem potencialmente, enquanto um valor esperado a ser

recebido pelos capitalistas. Aqui, como na teoria keynesiana, a decisão ex-ante dos

capitalistas determina o nível de emprego, a produção e os salários. No entanto, a

apropriação efetiva dos ganhos capitalistas somente ocorre após as transações no mercado,

quando os compradores decidem efetuar ou não a sua decisão de gastos.

Ou seja, eis o princípio da demanda efetiva na teoria marxista e o papel crucial do

dinheiro neste processo. Afinal de contas, a realização da mais-valia e a conseqüente

apropriação do lucro pelos capitalistas dependem de que a mercadoria produzida seja

efetivamente trocada no mercado. E o dinheiro é que põe em circulação a produção total

das mercadorias. Como afirma Marx: “o dinheiro faz surgir do outro, a reprodução

ampliada, quando esta existe em potencial, independentemente do dinheiro, pois o dinheiro

em si mesmo não é elemento da reprodução real”.

Para isto, a mercadoria deve ser reconhecida socialmente como detentora de valor

de uso e de valor de troca, possibilitando assim a realização da mais valia produzida,

através de um ato de compra/venda intermediado pelo dinheiro. Como coloca Miglioli

(1981, p. 99): “o fato de existir um indivíduo disposto a vender sua mercadoria não

significa que haja um outro indivíduo disposto a comprá-la. Assim, a produção de

mercadorias não implica necessariamente sua realização (sua venda) (...). Portanto, a

simples interveniência do dinheiro no processo de circulação, separando o ato de compra

e o ato da venda, torna problemático este processo. A produção pode não ser realizada

(vendida) e, com isto, não há acumulação”.

16

Marx reconhece que, dadas as funções peculiares da moeda, em uma economia

monetária, o dinheiro assume um papel central no processo de acumulação. Segundo

Miglioli (1981, p. 99): “É preciso compreender que a acumulação de capital, como parte

do processo de reprodução, é também um processo de circulação mercadorias: é compra e

venda de meios de produção, força de trabalho, de bens de consumo. E como processo de

circulação, a acumulação de capital pode ser afetada pela interferência do dinheiro”.

Dentre as funções da moeda, Marx chama a atenção que o dinheiro pode funcionar como

meio de entesouramento. O entesouramento, ao se conformar como uma abstinência do ato

de comprar, interrompe o circuito de circulação de mercadorias, funcionando assim, para

que o capitalista possa não realizar a sua produção.

A questão levantada por Marx da existência do entesouramento, além de funcionar

como uma refutação definitiva da “Lei de Say”, acaba por completar o quadro de elementos

que permitem aproximar a teoria marxista do princípio da demanda efetiva e das visões de

Kalecki e de Keynes sobre o capitalismo. Como vimos acima, podemos dizer que Marx

define a quantidade total de dinheiro como uma parte que é colocada em circulação e uma

parte que é entesourada. Desta maneira, o problema da realização da mais-valia (ou da

produção) passa a depender dos gastos capitalistas. A realização da produção pressupõe que

a totalidade da mais-valia apropriada no processo de produção pelos capitalistas seja

utilizada na compra de mercadorias, seja em bens de consumo (não acumulando) ou em

bens de produção (efetuando acumulação).

Partamos para esta questão de forma mais detalhada. Como podemos compreender a

realização da mais-valia, sob a perspectiva da demanda efetiva? Como podemos aproximar

a teoria marxista da acumulação da visão kaleckiana de determinação dos lucros e das

concepções “à lá Steindl” sobre a utilização da capacidade produtiva no processo de

produção.

Como vimos acima, a realização da mais-valia depende da venda da realização das

vendas. Se a produção não for vendida, não há lucro. Como os trabalhadores só podem

gastar no máximo v, cabe às decisões capitalistas realizar compras em um valor superior a

c. Ou seja, assim como para Kalecki, os lucros dos capitalistas são determinados pelos seus

gastos em consumo e em investimento, confirmando assim o princípio da demanda efetiva.

17

Além disso, podemos associar o problema da realização da mais-valia à questão da

capacidade ociosa, aproximando a visão marxista dos conceitos “steindlianos” ou mesmo

da possibilidade apontada por Keynes de a economia funcionar fora do pleno emprego.

Afinal como afirma Miglioli (1981, p. 115): “o fato de nem toda mais-valia ser realizada

não implica necessariamente um aumento contínuo do estoque de mercadorias não

vendidas; a solução alternativa, para impedir esse aumento de estoque, está na formação

de uma capacidade ociosa”. Assim sendo, podemos encarar a produção total (c+v+m)

como uma produção potencial, planejada ex-ante.

Acumulação de Capital e os Determinantes da Decisão de Investimento em Marx

Apesar das relações que podemos estabelecer entre a teoria marxista e o “princípio

da demanda efetiva”, Miglioli (1981, p.117) destaca que Marx não se refere de forma

explícita aos determinantes dos gastos capitalistas, seja em consumo como na própria

acumulação. Os demais autores tratados nesta dissertação, adeptos do “princípio da

demanda efetiva”, seriam mais objetivos ao tratar dos condicionantes da decisão de

investimento.

Como já observamos anteriormente, Marx encara a acumulação como um

imperativo do processo capitalista, dispensando, desta maneira, maiores explicações sobre

os seus determinantes. Desta maneira, os únicos limites apontados para a acumulação

seriam a necessidade de consumir dos capitalistas, enquanto indivíduos (e não como

personificação do capital) – que Marx chega a definir como um “roubo perpetrado contra

a acumulação” - e o entesouramento, que, como vimos, pode interromper a circulação de

mercadorias necessárias ao processo de acumulação.

No entanto, o capitalista acumula e mesmo que não possamos explicitar a partir da

leitura de Marx quais são os principais determinantes do investimento, podemos inferir

outros aspectos que nos levem a indicações sobre o que condiciona esta decisão. Passemos

agora para uma análise mais detalhada sobre o que orienta as decisões capitalistas, assim

como outros fatores ligados ao processo de acumulação levantados pela teoria marxista.

18

Em primeiro lugar, temos que o investimento diferencia as concepções de

Reprodução Simples e Reprodução Ampliada. Para Marx, a Reprodução Simples ocorre

quando o capitalista volta a aplicar no período seguinte o mesmo montante de capital-

dinheiro (D) adiantado no período inicial. Já a Reprodução Ampliada ocorre quando o

capitalista incorpora parte de seu lucro ao montante de capital, ampliando, por conseguinte,

a produção. Além disso, temos que a reprodução ampliada constitui-se, para Marx, uma

característica fundamental e imperante do processo de acumulação capitalista.

Obviamente o capital-dinheiro crescente necessário para a reprodução do capital de

forma ampliada só pode ser fornecido pela mais-valia, uma vez, que, como vimos acima, a

classe trabalhadora, expropriada da propriedade dos meios de produção, gasta toda a sua

renda (v) na compra de mercadorias.

Marx distingue claramente a acumulação sob a forma de entesouramento, em que

apenas dinheiro é retirado de circulação, e a acumulação real, em que o capital produtivo se

expande de maneira efetiva a partir da ampliação do valor adiantado de capital. Para Marx,

a reprodução ampliada é uma condição sine qua non do processo de acumulação capitalista.

O investimento pode ser visto como a parcela do produto que retorna ao processo de

produção, característica essencial do processo de reprodução ampliada do capital. Cabe,

portanto aos gastos capitalistas a efetivação dos investimentos produtivos da reprodução

ampliada do capital.

A reprodução ampliada, uma vez caracterizada como uma condição natural da

lógica de movimento do capital, pode ser associada a um dos fatores apontados por Miglioli

(1981, p.120) como indicativo dos determinantes do investimento, qual seja, o ímpeto

próprio do capital. Desta forma, esta característica pode servir como mais uma aproximação

da teoria marxista com a teoria keynesiana, uma vez que podemos interpretar o ímpeto

próprio do capital como um incentivo para si mesmo como um estado de expectativa

favorável “à lá Keynes”.

Poderíamos destacar ainda, a partir da visão de Marx, outros fatores que explicariam

a decisão de investimento. Entre eles, estariam a taxa de lucro e demais necessidades

impostas pela competição capitalista.

19

Os conceitos de taxa de lucro [m/(c+v)] e de taxa de mais-valia [m/v] refletem,

respectivamente, a própria valorização do capital, e a taxa de exploração, que explicita a

relação entre capital e trabalho. Ou seja, se temos em mente que o objetivo de reconverter

fração do produto em capital está inserido no processo contínuo e histórico de acumulação,

a decisão de investir pode ser lida a partir destes indicadores, sobretudo a taxa de lucro.

Desta maneira, podemos analisar de que maneiras a taxa de lucro e a concorrência podem

afetar a decisão de investimento.

Marx deixa indicada esta questão quando discute o tempo de rotação do capital.

Para Marx, a taxa de lucro seria inversamente proporcional ao tempo de rotação e, neste

sentido, uma das principais maneiras de valorizar o capital seria diminuindo o tempo de

rotação, o que permite sobre uma mesma quantia de capital adiantado ter acesso a uma

maior quantidade de mais-valia em um dado período de tempo. Assim sendo, o capitalista

buscaria, constantemente, reduzir o tempo de produção, basicamente a partir do aumento da

produtividade, e o tempo de circulação das mercadorias, a partir da melhora do sistema de

transporte e de comunicação.

A afirmação anterior lança algumas pistas sobre a importância do progresso técnico

na dinâmica capitalista, o que de uma certa forma aproxima a teoria de Marx com o

pensamento de Schumpeter, autor que tratou extensivamente da importância da inovação na

caracterização do ciclo econômico. Isto fica mais claro, tendo em vista a seguinte relação

entre a taxa de lucro (l’) e a taxa de mais valia (m’): l’/m’ = v/c, a partir da qual podemos

concluir que, para uma mesma taxa de exploração, o acréscimo de capital na reprodução

ampliada – que, segundo Marx, se constitui uma característica fundamental do capitalismo -

leva a uma taxa de lucro decrescente. No entanto, dado o crescimento da produtividade, a

massa de lucro apropriada pelo capitalista cresceria ao longo deste processo, piorando

assim a distribuição funcional da renda.

Marx observa, portanto, que o aumento progressivo do capital constante em relação

ao capital variável (composição orgânica do capital) levaria a uma tendência de queda da

taxa de lucro. Esta seria, para Marx uma das tendências históricas do capitalismo e, desta

maneira, mesmo que a massa de capital variável aumentasse, o capital constante cresceria a

uma taxa mais alta.

20

O progresso técnico está claramente inserido na lógica da concorrência capitalista,

uma vez que a busca pela redução do preço do produto leva os capitalistas a buscarem

economizar a utilização da força de trabalho, substituindo-a progressivamente por

máquinas. No entanto, paradoxalmente, a mesma lógica da acumulação, que leva o

capitalista a investir em busca da valorização do capital, por meio da busca pela

perpetuação no mercado imposta pela concorrência, leva o capitalista a investir em capital

constante, pressionando a taxa de lucro para baixo.

A queda da taxa de lucro, para Marx, levaria a uma concentração cada vez maior do

capital, expropriando progressivamente os produtores independentes do mercado. O

desenrolar deste processo leva ao próprio comprometimento dos objetivos imediatos da

produção capitalista, levando-a à estagnação. Como afirma Marx (1975, vol. IV, p. 287):

“A barreira real da produção é o próprio capital” e desta maneira, “o meio –

desenvolvimento ilimitado das forças produtivas sociais – em caráter permanente conflita

com o objetivo limitado, a valorização do capital excedente”.

Podemos enxergar este fenômeno ainda por outra ótica. A superacumulação de

capital decorrente do progresso técnico e da elevação da composição orgânica do capital

acabaria por levar o capital à ociosidade e a perda de sua função de valorização. Isto

decorreria basicamente da constatação de Marx (1975, vol IV, p. 283) de que “A taxa de

lucro cai por empregar-se menos trabalho ao capital aplicado”. Assim sendo, a

estagnação pode ser lida, mais uma vez, à luz do princípio da demanda efetiva, como um

problema de realização da mais-valia. Afinal, como sabemos a partir da teoria do valor-

trabalho de Marx, o capital acumulado não cria valor, pois só o trabalho gera valor e,

portanto, lucro. Sendo a taxa de lucro a propulsora da produção capitalista, sabemos que só

um bem só é produzido quando se pode auferir lucros desta produção.

Finalmente, ainda no que diz respeito à taxa decrescente de lucro e o progresso

técnico, cabe reafirmar aquilo que é explicitado por Shaikh (1983) em relação a esta

contradição. Para o capitalista, não se trata de uma questão de escolha pelo progresso

técnico, mas o fato de que a natureza competitiva da acumulação leva, inexoravelmente, de

uma forma quase “schumpeteriana” de busca da inovação e, conseqüentemente ao processo

que levará no longo prazo à própria estagnação capitalista.

21

Juros, Lucro do Empresário e o Papel do Crédito

Em relação à natureza concorrencial entre os capitalistas no processo de

acumulação, Marx estabelece, ainda, em outra passagem a distinção entre juro e lucro do

empresário, que oferece elementos importantes para a teoria do investimento. Basicamente,

esta diferença consiste na diferença entre o capital financeiro e o capital industrial.

Como sabemos, a mais-valia é obtida através da exploração do trabalho no processo

de produção. Assim sendo, o juro seria para Marx uma parcela da mais-valia (industrial)

que deve ser paga ao proprietário do capital no caso de um empreendimento ter utilizado

capital emprestado ao invés de capital próprio. Desta maneira, podemos estabelecer, a partir

destes conceitos, as duas formas pelo qual o capital se valoriza no processo de reprodução:

pela propriedade e pela sua função.

Neste sentido, Marx destaca a natureza estranha do juro dentro do movimento de

reprodução do capital industrial. Quando tratamos do capital industrial (próprio), temos que

este pode cumprir sua função de se valorizar a partir da exploração do trabalho. No entanto,

no que diz respeito ao capital financeiro, emprestado ao processo de produção industrial, o

capital-dinheiro necessita de ser sempre emprestado, para que a partir do montante de mais-

valia criada, possa ser destinada uma parcela de juro pela propriedade do capital. Sobre esta

questão relativa aos rendimentos do capital financeiro, Marx afirma categoricamente:

“Enquanto está nas suas mãos, não rende juros e não exerce o papel de capital. Enquanto

rende juros e atua como capital, não está nas suas mãos” (Marx, 1975, vol V, p. 428). Ou

ainda: “absurdo ainda maior de imaginar que o capital renderia juros no sistema

capitalista de produção sem operar como capital produtivo, isto é, sem criar mais-valia da

qual o juro é apenas uma parte” (Marx, 1975, vol V, p. 435).

Assim sendo, podemos estabelecer mais um grau de competição na acumulação

capitalista: a disputa entre o capital financeiro e o capital industrial para a apropriação da

mais-valia. Explicitando ainda mais a natureza concorrencial da acumulação, temos que a

taxa de juros é determinada pela competição entre os capitalistas. Dentro do espectro da

concorrência capitalista, o lucro bruto do capitalista produtivo pode ser dividido entre o

juro (j) e o lucro do empresário (l-j). Como veremos na próxima seção sobre a teoria da

22

aplicação do capital de Keynes, o juro, para Marx acaba determinando o lucro do

empresário, influenciando, por conseguinte a decisão de investimento. Além disso, esta

análise revela a competição em seu grau máximo de concorrência entre as classes sociais,

fazendo desta uma autêntica “guerra”. Afinal, o lucro do empresário nada mais é do que a

diferença entre o lucro bruto ou mais-valia (determinado na concorrência entre capital e o

trabalho) e o juro (determinado na concorrência capitalista pela apropriação da mais-valia).

Marx estende esta divisão do lucro bruto entre juro e lucro do empresário, mesmo

para o caso em que o processo se dê apenas com capital próprio. Assim sendo, podemos,

para todos os casos, determinar que os rendimentos do capital podem ser compreendidos

como a soma do juro, parte que cabe à propriedade do capital, com o lucro do empresário,

relativo ao processo efetivo do capital na reprodução social. Em suma, o capital se valoriza

tanto por sua propriedade (fora do processo de produção) como por sua função (dentro do

processo de produção).

O reconhecimento do juro como rendimento do capital relativo à propriedade vem a

reforçar a concepção da luta de classes entre os capitalistas e os trabalhadores. Poderíamos

dizer que o juro em si expressa a própria oposição social entre o capital e o trabalho. O

capitalista, por ser proprietário dos meios de produção, obtém com isso o acesso

privilegiado às remunerações das vendas. Daí, o interesse por parte do capital na crescente

expropriação dos trabalhadores e o maior controle sobre o processo de produção, o que lhes

garante uma vantagem cada vez maior neste embate. Em suma, temos a afirmação de

Weeks (1981, p. 161): “O capital existe devido à presença do livre trabalho assalariado,

de um lado, e o monopólio dos meios de produção do outro (...) A existência do livre

trabalho assalariado facilita não apenas a exploração do trabalho, mas a exploração do

trabalho a serviço do capital (...), o que irá proporcionar o mais alto lucro. Finalmente,

como temos que a propriedade de se apropriar do produto do trabalho alheio é uma

condição prévia à produção, podemos garantir que o juro é uma remuneração que se forma,

portanto, fora do processo produtivo.

A discussão sobre o juro e o lucro do empresário nos remete ao papel do crédito na

economia capitalista, pouco aprofundada em Marx, mas com muitas semelhanças em

relação à teoria keynesiana do investimento em uma economia monetária, em que a

23

especulação se torna uma das funções principais da moeda. Além disso, a visão de Marx

sobre o crédito tem o mérito de antecipar muitas das questões que podemos observar na

globalização financeira dos dias atuais.

De certa forma, podemos dizer, que o crédito compensa o entesouramento.

Claramente, sob a perspectiva teórica do princípio da demanda efetiva, não podemos

afirmar que o crédito garante igualdade em relação ao montante entesourado. Por outro

lado, sob a luz deste mesmo princípio, sabemos que o crédito, assim como os rendimentos

acumulados, são em última instância os formadores do poder de compra, que garante o

exercício autônomo da demanda efetiva.

Além disso, o crédito apresentaria para Marx algumas funções peculiares.

Primeiramente, o crédito tem a função de nivelar a taxa de lucro na economia. Além disso,

funciona como um fator de decréscimo dos custos de circulação, seja pela aceleração da

circulação pelo maior número de operações reais e do aumento de velocidade de

metamorfose das mercadorias, seja pelo desenvolvimento das sociedades por ações, que

expande a escala de produção, amplia o capital em sociedade e transforma o capitalista em

dirigente, ou ainda pela disposição livre de capital alheio, produção alheia e trabalho alheio

por outros capitalistas, que por si só define a natureza das operações de crédito.

Podemos afirmar, ainda, que o crédito apresenta para Marx uma natureza

antagônica. Por um lado, o crédito é capaz de acelerar a produção e o desenvolvimento das

forças produtivas em escala mundial, uma vez que os não proprietários, ao arriscarem a

propriedade social e não a sua própria, romperiam de maneira incessante o limite extremo

do processo de reprodução e de acumulação. Por isso mesmo, o crédito acabaria por levar a

economia à especulação excessiva, à medida que promoveria a centralização e

concentração progressiva do capital, expondo assim ainda mais o sistema econômico a

erupções e crises, que funcionariam no futuro para a própria dissolução do capitalismo

enquanto modo de produção.

Em suma, o papel do crédito descrito por Marx encontra-se bem descrito na

seguinte passagem, o que nos remete de alguma forma às características atuais do processo

de acumulação capitalista: “O sistema de crédito, pela natureza dúplice que lhe é inerente,

de um lado, desenvolve a força motriz da produção capitalista, o enriquecimento pela

24

exploração do trabalho alheio, levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e

jogo, e limita cada vez mais o número dos poucos que exploram a riqueza social; de outro

constitui a forma de passagem para novo modo de produção” (Marx, 1975, vol V, p. 510).

Sobre as relações entre a teoria marxista do crédito e a globalização financeira

capitalista dos dias atuais, Tauile e Faria (1999) apresentam algumas reflexões que

merecem ser destacadas. Desde o começo dos anos 80, estamos atravessando uma fase de

grande intensidade de transformações no capitalismo, estando no centro dessas

transformações “as mudanças no processo de trabalho resultante da adoção de novas

tecnologias e as mudanças na forma da moeda em função do predomínio do crédito e da

esfera da circulação sobre a vida econômica” (Tauile e Faria, 1999, p. 159).

Estas transformações no circuito do capital-dinheiro iniciam-se com a

internacionalização bancária nos anos 60, seguem com os fluxos de eurodólares, os petro-

dólares e o endividamento do Terceiro Mundo na década de 70, sendo ratificada pelas

políticas de desregulamentação financeira comandadas por Thatcher e Reagan na década de

80 e ampliada potencialmente pelas tecnologias da informação na década de 90.

Todas estas transformações teriam levado, segundo os autores, a um processo de

inchaço do capital financeiro com profundas conseqüências para a compreensão do

fenômeno da acumulação e das crises nos dias atuais. Uma das características básicas deste

processo seria a redução do tempo de circulação do capital. Os autores chegam a falar de

um processo de circulação sem tempo de circulação. Desta forma, estaria antecipada

decisivamente a metamorfose (em sua forma-moeda) necessária à reprodução do capital.

Além disso, cabe ressaltar a natureza fictícia do crédito em contraposição ao capital

produtivo. No entanto, o crédito funciona como um elemento poderoso de alavancagem da

acumulação e de concentração da riqueza nas mãos daqueles que têm acesso a ele. Por isso

mesmo, é apontado como uma expressão da possibilidade formal de crise, uma vez que “a

possibilidade geral da crise é a metamorfose formal do capital, a separação, no tempo e no

espaço, da compra e da venda” (Marx, apud Tauile e Faria, 1999, p. 162).

Vejamos como funciona esta possibilidade. Uma vez que o valor é retido

excessivamente na forma-moeda, acaba por se interromper o ciclo de reprodução do capital

e, assim sendo, a valorização real deixa de acontecer. No entanto, a acumulação financeira

25

continuaria ocorrendo e a especulação baseada em capital fictício acabaria por encobrir a

percepção da existência das crises de realização da mais-valia.

Elementos para uma Teoria da Distribuição Funcional da Renda

Antes de finalizar esta seção que tratou da análise dos possíveis determinantes da

tomada de decisão de investimento presentes na obra de Marx, devemos passar para outros

elementos de fundamental importância para entendermos aspectos decorrentes do processo

de acumulação. Estes elementos se constituem elementos centrais para a compreensão do

processo econômico sob a ótica de Marx. Diante de toda uma perspectiva centrada na força

do trabalho e na luta de classes, são eles a divisão funcional da renda e demais questões

referentes ao mundo do trabalho como o desemprego e os rendimentos do trabalho, que,

além de fornecer informações relevantes para os objetivos desta dissertação, muito servem

para compreensão dos principais problemas econômicos da atualidade.

No que tange ao processo de acumulação de capital, a principal constatação de

Marx é que o mercado de trabalho deva ser abundante, de tal forma que não se constitua um

limite para a apropriação da mais-valia para os capitalistas. Neste sentido, a formação de

um exército industrial de reserva configura-se como um dos principais pontos da obra de

Marx em relação ao mercado da força (ou capacidade) de trabalho. O acréscimo da força de

trabalho, seja pela exploração mais intensa como pela ampliação do número de

trabalhadores, é o que constitui o chamado “exército industrial de reserva” de Marx, que

seria criado, mantido e estimulado pela lógica do capital para que esteja disponível para

utilização nos momentos de intensa acumulação. Além disso, o estímulo à concorrência

entre os trabalhadores funcionaria como um elemento de enfraquecimento do poder de

barganha dos mesmos e conseqüentemente estimularia o rebaixamento do valor da força de

trabalho nas negociações salariais, reduzindo assim os custos de produção e favorecendo os

capitalistas em sua competição no mercado de produtos.

Assim sendo, o aumento da competição entre os capitalistas levaria à busca da

exploração cada vez maior dos trabalhadores, seja pela ampliação da jornada de trabalho

26

como pela busca de métodos alternativos relativos à ampliação do mercado de trabalho

como os crescentes processos de incorporação de mão-de-obra barata através da exportação

de capital para países mais pobres. Como já vimos, uma outra forma de se criar o exército

industrial de reserva é a partir do progresso técnico e a elevação da composição orgânica do

capital, propiciada pela concorrência capitalista na busca da inovação pela redução dos

custos e elevação das taxas de lucros.

Todos estes processos teriam como conseqüência a deterioração dos salários e de

certa forma contribui para que o nível médio histórico dos salários para Marx seja o nível

médio de subsistência. Como Marx chega a afirmar em algumas passagens, o exército

industrial de reserva tem o papel de regular o valor dos salários em torno deste nível, dado

o excesso ou escassez relativa de força de trabalho em um dado período de tempo. O

fundamental é perceber a importância de que a força de trabalho se encontre disponível

para o processo de produção e sempre suficiente para que a acumulação de mais-valia possa

ocorrer sem maiores transtornos.

A análise de Shaikh (1978) relativa ao papel do progresso técnico na tendência à

queda da taxa de lucro expõe bem esta questão, além de relacionar estes aspectos com a

crise de realização da mais-valia. Afinal, ao longo do tempo, o aumento da produtividade

do trabalho levaria à queda da lucratividade do capital, pois os capitalistas se encontrariam

incapazes de vender o produto, forçando os preços para baixo, gerando uma nova

intensificação da exploração, acelerando o círculo de compressão do processo de

acumulação. Afinal, como sabemos, sob uma perspectiva marxista de geração de valor

econômico a partir do trabalho, sabemos que o capital acumulado com o crescimento da

composição orgânica do capital não pode criar valor, pois só o trabalho gera valor e,

portanto, lucro (Cohen, 1976).

Assim sendo, podemos perceber que segundo a lógica marxista, o capitalismo é um

sistema concentrador de renda, ou seja, em que a distribuição da renda funciona contra os

trabalhadores. Mesmo sob uma perspectiva de reprodução ampliada em que força de

trabalho adicional é incorporada ao processo de produção, Marx destaca que isto não

funciona como uma transferência de mais-valia para os trabalhadores, pois, como resultado

da lógica do processo, o capitalista receberá ao fim do período um montante de mais-valia

27

maior do que antes, e assim sendo, a distribuição funcional da renda se deteriora ao longo

do tempo.

Relacionando esta perspectiva com aquilo que descrevemos sobre as tendências

históricas do capitalismo, podemos perceber que a tendência histórica de concentração da

renda contra os trabalhadores pode funcionar como a própria causa da estagnação

capitalista. Ou seja, a tendência histórica da acumulação, seguindo a lógica da exploração

do trabalho, pode no final das contas funcionar como o próprio entrave do capitalismo

enquanto modo de produção. Assim sendo, sob uma perspectiva de demanda efetiva,

devemos estar sempre atentos à demanda agregada em um sistema econômico e ao poder de

compra que a mesma pode desempenhar para inferirmos sobre a potencialidade de

desenvolvimento e ampliação deste mesmo sistema.

OS SUBCONSUMISTAS

Antes de seguirmos em nossa análise teórica dos autores centrais desta dissertação,

faremos um breve relato sobre a teoria do subconsumo. Em primeiro lugar, porque os

autores desta corrente apresentam o mérito de serem os primeiros autores a associarem à

distribuição de renda às crises e a uma possível tendência de estagnação capitalista. Além

disso, esta corrente teórica suscita discussões fundamentais com a tradição marxista no que

diz respeito às crises, daí o motivo de incluirmos esta discussão no final desta seção que

tratou basicamente da análise marxista da reprodução ampliada de teoria do investimento

capitalista.

Dentro da perspectiva debatida exaustivamente de que a acumulação é o que motiva

a reprodução capitalista, autores como Shaikh levantam que o subconsumo não deve ser

apontado como causa da estagnação capitalista. Para Shaikh, o capitalismo é capaz de se

auto-expandir, sendo que a acumulação acentua as contradições internas do sistema,

gerando as crises, que, em última análise, revelam a tendência natural de queda da taxa de

lucro no capitalismo. Não obstante, muitos autores, marxistas ou não, levantaram idéias de

que o capitalismo seria incapaz de se auto-expandir. Basicamente, para os autores marxistas

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ligados do subconsumo, o capitalismo necessitaria de uma fonte externa de demanda no

mundo não-capitalista, dada a incapacidade de geração de demanda efetiva suficiente para

sustentar a acumulação capitalista. Em suma, o debate entre estas duas correntes acaba por

se remeter à compreensão sobre qual seria o fim último da (re) produção capitalista: o

consumo ou a acumulação.

Mas de que se trata mais especificamente a “teoria do subconsumo”. Não existe

uma definição muito precisa sobre o que seria esta teoria. Dada a diversidade dos autores

que trataram do tema e dos mais diversos interesses sociais defendidos em suas exposições,

não podemos classificar a teoria do subconsumo como uma corrente de pensamento

econômica propriamente dita. No máximo, podemos tentar encontrar os pontos de

aproximação destes autores e traçar uma espécie de “história do pensamento econômico”

das idéias ligadas ao subconsumo.

As teorias do subconsumo apresentam uma longa história de influência sobre a

classe trabalhadora. Por razões ideológicas, é fácil compreender o motivo pelo qual elas

sempre foram ignoradas pela ortodoxia econômica. Afinal de contas, estas teorias

apresentam uma crítica contundente à produção capitalista, ao afirmarem a impossibilidade

de o capitalismo garantir o pleno emprego continuamente e melhorar o padrão de vida da

população. Pelo contrário, o capitalismo apresentaria uma tendência inerente à estagnação.

Além disso, dada a tradição cientificista da ortodoxia econômica, estas teorias se

constituiriam um desenvolvimento negativo para o progresso científico da economia

enquanto ciência. No entanto, para alguns marxistas, as teorias do subconsumo encontraram

respaldo nas implicações subconsumistas da teoria de Marx relativa à concentração e

centralização do capital e o conseqüente empobrecimento do proletariado.

Segundo Bleaney (1976), dois elementos devem estar presentes, em linhas gerais,

nas teorias do subconsumo. O primeiro elemento seria o fato de que a depressão não é uma

fase do ciclo industrial ou resultado de uma conjunção temporária, mas um estado para o

qual a economia tende naturalmente. O segundo elemento seria a percepção de que esta

tendência persistente se desse a partir da insuficiência de demanda no mercado de bens de

consumo. Além disso, haveria, segundo Schumpeter, três diferentes tipos de teorias acerca

das causa do subconsumo: excesso de poupança, que levaria a que não se criasse nenhum

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incentivo ao aumento da produção; ausência de gastos decorrentes da decisão de poupar; e

empobrecimento das massas, que resultaria na impossibilidade da compra do próprio

produto pelos trabalhadores (Bleaney, 1976).

Os primeiros subconsumistas: Malthus, Sismondi e Rodbertus

Apesar de o tema do subconsumo estar comumente associado às causas trabalhistas,

os primeiros autores a tratarem deste tema referiam-se ao subconsumo das classes mais

abastadas do “pré-capitalismo”, como por exemplo, os proprietários de terra. Neste sentido,

os primeiros registros subconsumistas podem ser atribuídos aos ingleses do século XVIII,

sobretudo, Malthus. Para Malthus, os interesses dos proprietários de terra não seriam

antagônicos aos das outras classes. Pelo contrário, o funcionamento do sistema econômico

dependeria de que os consumidores ricos pudessem preencher a lacuna de consumo deixada

pelo excesso de acumulação. Dentre as classificações de Schumpeter, poderíamos

identificar as causas do subconsumo no excesso de poupança capitalista.

No entanto, foi a partir de Sismondi, no século XIX, que pela primeira vez a

preocupação com os menos favorecidos do sistema econômico aparece na teoria econômica

do subconsumo, sob uma perspectiva radicalmente diferente daquela apontada por Malthus.

A perspectiva de Sismondi tem o intuito de incluir os pobres na mensuração do

desenvolvimento capitalista. Para o autor, se estamos pensando na ampliação da felicidade

de uma dada sociedade, devemos levar em consideração a felicidade dos pobres. Desta

maneira, sua teoria de desenvolvimento se fundamenta na distribuição de renda como causa

das crises capitalistas, uma vez que a concentração da renda faria com que os trabalhadores

se tornassem pobres demais para comprar seus próprios produtos. Mais do que isso, a

tendência à deterioração da distribuição seria crescente, uma constatação fundamental para

a teoria das crises.

A lógica de sua argumentação passa pela idéia da proporcionalidade entre o valor da

produção, a renda disponível e os fundos gastos em consumo. A pobreza excessiva dos

trabalhadores faria com que esta proporcionalidade se quebrasse, levando o sistema

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econômico às crises. Em suma, podemos afirmar que o argumento básico de Sismondi para

as crises era o fato de que “as economias capitalistas altamente desenvolvidas tendiam a

produzir mais do que podiam consumir” (Cohen, 1976). Ou seja, o consumo acaba por se

tornar a variável que decide o curso da determinação da riqueza nacional. Cabe destacar

que o hiato de consumo não poderia ser preenchido pelos mais ricos, tendo em vista a

preferência dos mesmos pelo consumo de artigos de luxo importados.

As conseqüências deste quadro seria a diminuição das oportunidades no mercado

interno, levando os capitalistas a buscarem o mercado externo. Neste sentido, caberia ao

Estado intervir, defendendo os pobres e corrigindo as desigualdades na distribuição de

renda.

Sismondi foi o primeiro autor a tratar da distribuição funcional da renda

propriamente dita. Neste sentido, suas teorias foram complementadas pela visão de

Rodbertus acerca do tema, uma vez que para Rodbertus seria a perda crescente da

participação dos salários dos trabalhadores na renda a causa das crises capitalistas.

Basicamente, para Rodbertus, a renda insuficiente dos trabalhadores pode ser

apontada como causa da superprodução. E esta tendência seria agravada com a disposição

dos capitalistas para acumular. Tendo em vista que o processo de acumulação muitas vezes

se manifesta pela substituição de trabalhadores por máquinas, a produtividade obtida com o

progresso técnico acabaria por diminuir o poder de barganha dos trabalhadores, seja pelas

suas necessidades de subsistência como pelo aumento da competição no mercado de

trabalho, ao mesmo tempo em que aumentaria a tendência à superprodução. Ao fim deste

processo, a própria taxa de lucro decairia, levando o sistema econômico à estagnação.

Podemos resumir as concepções de Sismondi e Rodbertus sobre o subconsumo. Na

circulação, o produto é repartido entre trabalhadores e capitalistas. Os trabalhadores

retornam de volta uma porção do produto líquido, ao gastarem todo o salário que recebem.

Como os capitalistas não o fazem, pois os mesmos poupam uma parcela de sua renda,

forma-se um hiato de demanda, tanto maior quanto menor a parcela da renda que cabe aos

salários. O hiato somente seria preenchido se os capitalistas gastassem toda a sua renda em

consumo pessoal. Mas, desta maneira, não haveria investimento nem acumulação. Pelo

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contrário, qualquer tentativa de acumular seria, na realidade, autodestrutiva para a

reprodução capitalista.

Hobson

Mais tarde, no início do século XX, os escritos de Hobson vêm a acrescentar novos

pontos para a “teoria do subconsumo”. Em suas primeiras reflexões sobre o tema, Hobson

destaca que o excesso de poupança levaria o sistema capitalista à depressão. Seria, portanto,

uma falácia transpor o que ocorre em nível individual para a economia como um todo, ou

seja, o fato popularmente difundido, como por exemplo, na famosa fábula da Cigarra e a

Formiga, de que a poupança enriquece e o consumo empobrece. O fato é que para Hobson,

sob uma perspectiva que ensaia uma aproximação com o princípio da demanda efetiva, é o

dispêndio em consumo quem determina o nível de emprego e a remuneração dos fatores de

produção. Além disso, haveria uma relação entre o consumo presente e a riqueza passada, a

partir da qual a poupança seria investida.

Sendo a acumulação uma subtração do consumo presente, o excesso de poupança

levaria inexoravelmente à estagnação. Vejamos. Dentro desta perspectiva, o nível de

investimento e, portanto, o nível de produção, dependeria dos dispêndios da demanda em

bens de consumo. Mais do que isso, uma eventual queda no consumo levaria à queda dos

lucros e à queda da oferta nos diversos ramos da cadeia produtiva. Finalmente, a queda dos

preços decorrente deste processo levaria à queda da renda. Cabe destacar que esta análise

simplesmente ignora a outra face da demanda, ou seja, os gastos em meios de produção.

Em outros textos, Hobson chama a atenção para o conceito de excedente,

destacando que a distribuição funcional da renda contrária aos trabalhadores poderia ser

apontada como uma das causas do excesso de poupança e, portanto, da tendência à

estagnação no capitalismo. Assim sendo, o poder de barganha pela apropriação do

excedente torna-se a questão fundamental para a compreensão da dinâmica capitalista.

Fatores como a concentração industrial, os monopólios e a competição capitalista pelas

rendas extraordinárias, além de acirrar as tensões imperialistas, acabariam por agravar

ainda mais o excesso de poupança, enfraquecendo ainda mais o poder de consumo frente ao

poder de produção. Dado que a distribuição de renda desfavorável torna proibitivo que o

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excesso de poupança seja aplicado internamente, os capitalistas acabariam por competir

pelo mercado externo. Assim sendo, uma reforma social em favor da redistribuição de

renda teria o efeito ainda, segundo Hobson, de impedir o Imperialismo.

Outro argumento de Hobson está apoiado na idéia de que o excesso de poupança

estanca a circulação de mercadorias. Pois sendo a renda monetária igual aos gastos em bens

de consumo, torna-se necessário para que a cadeia produtiva funcione que a circulação

monetária assegure a circulação de mercadorias. Neste sentido, seria necessário que a

proporção entre a poupança e o consumo se mantenha constante para que a reprodução

possa se completar.

Se quisermos resumir as idéias de Hobson acerca do subconsumo, podemos destacar

a importância da demanda por bens de consumo como motor da produção capitalista, os

malefícios da flutuação da taxa de poupança sobre os gastos e do excesso de poupança para

a reprodução capitalista e reafirmar a importância da distribuição de renda para a solução

destes problemas.

Rosa Luxemburgo

Em seguida, podemos tratar da obra de Rosa Luxemburgo, que, segundo Sweezy

seria a “rainha dos subconsumistas”. No entanto, segundo Bleaney (1976), a sua

preocupação central com o problema da acumulação e da reprodução social do capital não

nos permitiria classificá-la como tal. Possivelmente, sua preocupação com a demanda

efetiva para a realização da mais-valia e o fato de que ela via no comércio internacional a

demanda externa (fora do capitalismo) necessária para que se completasse a reprodução

social aproximam suas concepções teóricas da “teoria do subconsumo”.

Estas concepções estão presentes em seus trabalhos sobre o Imperialismo. Para

Rosa Luxemburgo, os produtos não podem ser vendidos a menos que sejam atendidas as

necessidades sociais. Desta maneira, a expansão da produção capitalista e da acumulação

estariam intrinsecamente atreladas à expansão das necessidades sociais. Por outro lado, o

mercado de um determinado produto só pode ser criado a partir das atividades dos outros

produtores. Estamos, portanto, diante de um processo em que a acumulação é a força

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impulsiva da produção. Desta maneira, torna-se necessário para evitar as crises criar

condições de facilidade para a expansão da acumulação e, portanto, da produção. Daí as

necessidades políticas em direção ao Imperialismo e a conquista de novos mercados para

atender a demanda efetiva.

Segundo Bleaney (1976), o equívoco desta concepção é tomar o capitalismo como

um todo como um capitalista individual, assim como tomar o processo de acumulação

como se fosse apenas de capital-dinheiro. Na realidade, o processo é gradual e defasado no

tempo, ocorrendo simultaneamente à circulação do capital-dinheiro e do capital-

mercadoria, o que tornaria desnecessário recorrer à demanda externa não-capitalista. Além

disso, as relações apontadas pela autora se referem à demanda de mercado e não à demanda

de bens de consumo finais, o que nos impede de classificá-la como subconsumista.

Baran e Sweezy

Finalmente, temos Baran e Sweezy e sua concepção moderna de subconsumo

relacionada ao estágio monopolista do capital. Estes autores utilizam o conceito de

excedente econômico, que seria basicamente a diferença entre a produção e o que foi gasto

para produzi-la. Dentro destes gastos, além dos gastos tradicionais da concepção marxista,

poderíamos incluir os gastos de monopólio (armamentos, propaganda, pesquisa, marketing,

etc.). Para realizar este cálculo, Baran e Sweezy estabelecem a distinção entre excedente

observado e excedente potencial, sendo o último aquele que seria alcançado no caso de

utilização total da capacidade e na ausência de desemprego.

Para estes autores, haveria uma tendência ao crescimento do excedente econômico.

Além disso, o sistema de preços formados a partir do monopólio conferiria o domínio do

mercado aos produtores (vendedores). Assim sendo, qualquer tentativa dos sindicatos de

elevar os salários dos trabalhadores seria repassada aos preços. Desta maneira, não haveria

espaço para a redistribuição funcional da renda. Além disso, o sistema econômico

funcionaria de tal forma que os gastos em consumo e em investimento estariam cada vez

mais comprometidos no que diz respeito à utilização do excedente. Na realidade, a

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tendência seria de um crescimento cada vez maior nos gastos improdutivos (esforço de

vendas, propaganda, diferenciação do produto, gastos militares e públicos). Isto reforçaria o

caráter subconsumista desta teoria, tendo em vista que tal processo acabaria por acentuar a

perda do poder de consumo dos trabalhadores, levando, desta maneira o sistema econômico

a uma tendência de estagnação.

Considerações finais

No que diz respeito aos objetivos desta dissertação, a teoria do subconsumo

apresenta uma falha ao não reconhecer o papel dos gastos em investimentos em bens de

produção como um setor de fundamental importância para a dinâmica capitalista. Mesmo

que a teoria do subconsumo contribua para reconhecer o papel da distribuição da renda na

ampliação do mercado interno, sob uma perspectiva de compreensão da realidade sob a

ótica da acumulação e do princípio da demanda efetiva, a análise do subconsumo acaba por

ficar comprometida. Como já foi dito no início da seção, a não compreensão de que o fim

último da produção é a valorização do capital afasta a teoria subconsumista dos objetivos

desta dissertação.

Além disso, outra crítica que é feita às teorias subconsumistas é que por mais radical

que ela pareça no discurso pessimista em relação à produção capitalista, não é preciso

procurar muito para encontrarmos relações com a própria tradição econômica

convencional. Afinal, assim como a tradição marginalista, que nega as crises e flutuações,

classificando-as como meros obstáculos à concorrência perfeita e ao funcionamento do

sistema de preços, a teoria do subconsumo prega que se eliminando o defeito (a

insuficiência de demanda), o capitalismo pode seguir sua trajetória “smithiana” de contínuo

estado de crescimento. Fatores estruturais causadores das crises e flutuações como a

“anarquia da produção”, tendo em vista que o fim último de toda a produção é o consumo,

seja qual for o período do tempo em que esta produção será vendida.

Ou seja, sob muitos aspectos, estamos no mundo ortodoxo de Smith, em que a

produção se orienta para a satisfação das necessidades e desejos humanos, o que justifica a

divisão social do trabalho e o sistema cooperativo em que a busca do interesse próprio leva

ao bem-estar coletivo. Sob esta ótica, seriam as decisões dos consumidores que orientariam

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o fluxo do capital, determinando o que é lucrativo de ser produzido. O investimento seria

apenas uma resposta às demandas de consumo, estando descartado o investimento

autônomo motivado pelo desejo de valorização.

Como observamos na análise marxista da produção capitalista, as decisões

econômicas de produção são motivadas pelas expectativas de lucro e o investimento deixa

de estar ligado ao consumo. A única forma pela qual este processo poderia se dar, dadas as

perspectivas desta dissertação seria através da relação entre as expectativas de venda sobre

a decisão de investir. O papel das expectativas constitui-se como um dos pilares centrais da

análise keynesiana do capitalismo. Assim sendo, creio que terminada esta subseção acerca

das teorias do subconsumo, podemos passar para a seção que tratará do pensamento

keynesiano sobre a decisão de investimento.

KEYNES

A Decisão sob Incerteza

A contribuição de Keynes para a ciência econômica foi extremamente importante.

Em vários aspectos relativos àquilo que diz respeito aos objetivos desta dissertação,

poderíamos dizer que sua obra foi essencial. Sobre a demanda efetiva, núcleo de

contestação à Lei de Say, implícita na teoria ortodoxa, já nos referimos em seção anterior.

Além disso, Keynes trouxe o investimento para a centralidade do debate econômico. E, ao

contrário de Marx, que não desenvolveu explicitamente as condições que propiciam a

tomada de decisão de investimento, grande parte da obra de Keynes em sua Teoria Geral

trata especificamente desta questão. Retornando à questão da demanda efetiva, cabe

lembrar que Keynes fundamenta sua contraposição à ortodoxia econômica no fato de que as

condições observadas na realidade econômica permitem afirmar que a economia opera fora

do pleno emprego, e, assim sendo, os fundamentos teóricos e as recomendações de política

econômica devem ser radicalmente diferentes. Incorporando ainda a importância crucial da

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moeda na orientação das decisões capitalistas, o investimento assume o papel central de

conduzir a economia para o crescimento econômico e o alcance do pleno emprego.

O que caracteriza a obra de Keynes no que diz respeito à tomada de decisão dos

capitalistas é que esta se opera sob a incerteza. Neste sentido, o tempo e a moeda

contribuem claramente para este quadro, fazendo com que os autores pós-keynesianos

cheguem a denominar a existência de uma certa “tríade” na estrutura keynesiana de

pensamento, ligando, justamente, o tempo, a incerteza e a moeda.

Dentro deste contexto, podemos refletir sobre a visão de alguns autores sobre o

tema. Para Chick (2003), o modo de pensar keynesiano se fundamenta, entre outros

aspectos, na herança de estruturas do passado e na incerteza em relação a um futuro

desconhecido. Desta maneira, o tempo seria uma das dimensões que levariam à incerteza e

a incerteza levaria a um conhecimento parcial pelos agentes da realidade econômica. A

outra dimensão da incerteza seria a moeda. Pois a moeda se trata, para Keynes, de um

símbolo abstrato, baseado, sobretudo na confiança em instituições frágeis e é a partir daí

que se constitui o sistema de crédito, onde se originam os gastos econômicos. Desta forma,

o fato de que a moeda, instrumento tão fundamental para a totalidade e a complexidade das

interconexões do sistema econômico, nesta visão é despida de qualquer substância

concreta, faz com que possamos acrescentar mais um componente de incerteza para o

comportamento econômico e a tomada de decisões no capitalismo.

Para Casagrande (2002), a alternativa de Keynes à escola neoclássica se encontra no

fato de o autor buscar uma lógica humana e não matemática para as questões econômicas.

Desta maneira, a racionalidade econômica dos agentes estaria presente no fato de que os

mesmos buscariam “uma conduta orientada pelo que eles encaram como racional diante

do mundo real, mas onde tal racionalidade estaria limitada à quantidade de informação

disponível”. Basicamente, poderíamos dizer que a decisão de investimento, que pressupõe a

imobilização de capital fixo no presente, tendo em vista a acumulação de riquezas no

futuro, acaba por se deparar com a necessidade de avaliar informações escassas relativas a

um futuro incerto, a partir do qual não temos como construir bases lógicas e racionais para

a previsão. O papel da incerteza se potencializa ainda mais, tendo em vista a

irreversibilidade no tempo contida no processo de decisão. Finalmente, cabe ressaltar ainda

37

que o processo de valorização capitalista não gera resultados imediatos. Só o tempo pode

informar o sucesso ou não de um dado empreendimento. Neste sentido, o princípio da

demanda efetiva cumpre um papel essencial para esta compreensão.

Amadeo (1992) segue a linha de autores para os quais a incerteza cumpre um papel

especial na decisão de investimento, tendo em vista a “tríade pós-keynesiana” e a

irreversibilidade das decisões. Neste sentido, o autor afirma: “As decisões de investir,

produzir, alocar ativos, etc. são tomadas tendo em vista expectativas do que ocorrerá no

futuro e, uma vez tomadas, os resultados, a cada momento no tempo, tornam-se

irreversíveis. As expectativas, a depender das circunstâncias, incorporam maior ou menor

grau de informações; mas em geral estão cercadas de incertezas que as tornam passíveis

de erro”.

No que se refere à tríade, uma das principais conseqüências da incerteza é o

surgimento do que os pós-keynesianos denominam preferência pela liquidez. A moeda é,

sem dúvida, o ativo mais líquido entre todos. Afinal, em um sistema em que a moeda é a

base do crédito, todos os contratos são grafados e liquidados em moeda. Isto confere,

portanto, à moeda uma segurança diante da incerteza, cujas, conseqüências para o nível de

emprego podem ser bastante prejudiciais. Uma vez que, por diversos motivos, entre eles o

lapso de tempo entre as tomadas de decisões e as flutuações de demanda, a moeda pode

ficar retida na mão dos agentes, Amadeo (1992) afirma que esta decisão pode “interromper

o circuito renda-gasto, ou seja, a transformação de rendimentos gerados ao longo de um

período em demandas que garantam a geração de rendimentos no período seguinte”.

Ainda no que diz respeito ao papel crucial da moeda na geração de incerteza, temos

a contribuição de Cardim de Carvalho (1992). Para o autor, dentro da perspectiva de uma

economia monetária da produção, as forças financeiras se relacionam com a produção.

Além disso, “para Keynes, em uma economia moderna, a moeda exerce papéis bem mais

complexos do que apenas a circulação de mercadorias” (Cardim de Carvalho, 1992) Muito

mais do que isso, “o comportamento da moeda passava a afetar a demanda por outros

ativos e, assim, o ritmo e a natureza do próprio processo de acumulação de capital A

moeda agora tem duas leis de circulação, que Keynes chama de circulação industrial e

circulação financeira” (idem).

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O autor destaca ainda o papel das decisões cruciais neste processo de ampliação da

4incerteza por parte dos tomadores de decisão. Tendo em vista que a irreversibilidade no

tempo faz com que não seja possível a correção dos erros e, dado que a ciência econômica

não trata de processos que possam ser repetidos, podemos refletir o conceito de decisão

crucial que, segundo Keynes e os pós-keynesianos, caracteriza grande parte dos processos

econômicos. Segundo este conceito, uma decisão tem o poder de destruir o contexto em que

ela é tomada, tornando impossível não apenas a repetição como o aprendizado. Desta

maneira, ficam descartadas quaisquer visões deterministas da trajetória econômica a partir

de situações de equilíbrio. Afinal de contas, não existiriam trajetórias independentes das

decisões que são tomadas a cada instante. A “lei de movimento do capitalismo” estaria

calcada nas decisões tomadas e, assim sendo, temos que “a história se move porque os

agentes a empurram, não porque algum fim a atraia” (Cardim de Carvalho, 1992).

Finalmente, podemos caracterizar o papel da incerteza dentro do processo de

tomada de decisões capitalistas. Não devemos afirmar que, dada a incerteza, tudo é

possível, ou que a tomada de decisão é completamente aleatória. Existem bases racionais

pelas quais os agentes formulam suas decisões diante da incerteza. Segundo Cardim de

Carvalho (1992): “a importância do princípio da incerteza está em que, em face dela, os

agentes alteram seu comportamento, originando estratégias e criando instituições que se

tornam racionais e inteligíveis à sua luz”.

Como coloca Macedo e Silva (1999), cabe destacar, ainda, a distinção feita por

Keynes entre a incerteza e o risco. Em suma, podemos afirmar que a incerteza se configura

em um quadro de total inexistência de base científica para o cálculo de probabilidades,

fazendo com as decisões se baseiem apenas na crença ou na convicção, obviamente

subjetivas. O risco, portanto, parte do princípio de que é possível enumerar os eventos

prováveis (construção de um espaço amostral) e calcular a partir deles uma distribuição de

probabilidades. Para Macedo e Silva (1999), fatores como a concorrência fariam com que

as decisões econômicas deparassem continuadamente com um ambiente de predomínio da

incerteza. Assim sendo, a maximização de lucros da ortodoxia econômica se tornaria um

procedimento completamente irracional para o estudo da tomada decisão econômica, dada a

total impossibilidade de construção de uma função objetiva a ser maximizada. Esta

afirmação inviabiliza, portanto, a teoria das expectativas racionais, uma vez que esta se

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fundamenta no fato de que, ao longo do tempo, os erros sistemáticos tenderiam a zero e,

como diria Possas (2001), em um ambiente de incerteza, os agentes, basicamente,

aprendem que não podem aprender.

A Motivação Central do Investimento

Feita esta análise a respeito da influência da incerteza sobre as decisões capitalistas,

podemos partir para a análise dos determinantes das decisões em si, sob a ótica de Keynes.

Em primeiro lugar, devemos nos perguntar, o que motiva a decisão de investimento e quem

lidera este processo. Vários autores identificam uma similaridade entre as concepções de

Keynes e de Marx no que seria a lógica primordial do capital: a acumulação e a busca da

valorização por parte dos capitalistas.

Neste sentido, Casagrande (2002) afirma que Keynes teria associado o circuito

marxista básico D-M-D’ (D’>D) como verdadeiro para a sua definição de economia neutra

(onde não houvesse flutuações de demanda efetiva) e teria apenas invertido a relação para

M-D-M’ (M’>M) para uma economia empresarial. O fundamental, ou seja, a busca da

ampliação da riqueza pelo capital, não é contestado.

Cardim de Carvalho (1992), em sua análise do axioma produção da teoria

keynesiana destaca que “a firma não produz para obter ‘satisfação’ ou ‘utilidade’, mas

para multiplicar riqueza”. Admitindo que a produção se destina à venda mercado,

podemos perceber nas próprias palavras de Keynes as semelhanças com o ciclo D-M-D’ de

Marx: “A firma lida todo o tempo com somas de dinheiro. Ela não tem qualquer objetivo

no mundo senão terminar com mais dinheiro do que começou. Esta é a característica

essencial de uma economia empresarial” (Keynes apud Cardim de Carvalho, 1992). Além

disso: “o empresário está interessado não na quantidade de produto, mas na quantidade

de dinheiro que lhe caberá” (idem). Por outro lado, Cardim de Carvalho destaca ainda

outra semelhança entre as duas visões no fato de que a iniciativa de decisão, dada a

escassez do capital em relação ao trabalho, está toda nas mãos dos capitalistas, o que

aproxima as duas concepções em relação à organização da produção.

40

Finalmente, dentro da tradição keynesiana, temos a visão de Macedo e Silva (1999),

que também afirma que o intuito do processo de investir está na ampliação do estoque de

riqueza, medido em unidades de dinheiro. Segundo o autor: “o objetivo do capitalista é a

valorização ilimitada da riqueza, vale dizer, o aumento do seu valor em dinheiro”. Assim

como Cardim de Carvalho (1992), o autor também destaca a autonomia do capitalista nas

tomadas de decisão de produção (curto prazo) e de investimento (longo prazo).

As Expectativas e o Estado de Confiança nos Negócios

Como já dissemos anteriormente, a tradição keynesiana desenvolve uma análise

mais detalhada dos determinantes do investimento. Somando o princípio da demanda

efetiva e o papel crucial da incerteza, temos que as expectativas constituem o mais

autêntico combustível da decisão de investir do capitalista.

Sobre a decisão capitalista sob a incerteza, temos o fator preponderante de que esta

depende basicamente da visão dos agentes em relação ao futuro, da confiança em suas

expectativas e de alguns fatores institucionais. Além disso, Keynes enumera três fatores que

acentuam a incerteza em relação ao futuro no sistema capitalista: as dúvidas sobre a

rentabilidade do empreendimento; a possibilidade de não cumprimento da obrigação por

parte de um devedor; a variação desfavorável do padrão monetário.

Em resumo, podemos dizer que tomando o tempo como o horizonte de cálculo

apenas, os agentes realizam suas decisões no presente, tendo em vista suas previsões sobre

o futuro, assim como o grau de confiança nestes prognósticos. Daí a importância dos

conceitos de expectativas de curto e de longo prazo e de estado de confiança nos negócios

ao longo da tradição keynesiana.

Para Chick (2003), o funcionamento do capitalismo é formado de diversos tipos de

expectativas. Em primeiro lugar, teríamos as expectativas dos produtores quanto às vendas,

uma vez que, segundo Keynes, como decorre algum tempo entre o momento em que o

produtor assume os custos e a compra da produção pelo consumidor final, o capitalista

necessita realizar recorrentemente previsões sobre o que os consumidores estão dispostos a

41

pagar-lhe após este lapso de tempo. Mas teríamos ainda as expectativas dos empresários

quanto à vida útil de um determinado estoque de capital, assim como as dos especuladores

em relação aos ganhos e perdas na troca de ativos de capital.

As expectativas determinam, portanto, a decisão de produção e a decisão de

investimento para Keynes. E, dado o princípio da demanda efetiva, podemos afirmar que as

expectativas acabam tendo um papel fundamental na determinação ex-ante da produção e

do nível de emprego.

Keynes divide as expectativas entre as de curto prazo, ou seja, as relativas aos

preços que um fabricante pode esperar obter pela venda de sua produção e as de longo

prazo, que se remete ao que o empresário pode esperar em relação aos rendimentos futuros

de sua produção.

Sobre as expectativas de curto prazo, podemos afirmar que, dado o horizonte

próximo de previsão, elas se constituem expectativas mais estáveis. Ou seja, segundo

Cardim de Carvalho (1992), são previsões mais seguras, onde podemos supor padrões de

comportamento continuados não afetados pela incerteza.

Além disso, os próprios resultados realizados podem, com algumas ressalvas, servir

de proxy para as expectativas de curto prazo subseqüentes, gerando, segundo Cardim de

Carvalho (1992) uma espécie de endogeneização das expectativas. Sobre esta questão,

Keynes destaca a preponderância das expectativas sobre os resultados realizados, uma vez

que: “os resultados efetivamente realizados da fabricação e da venda da produção só terão

influência sobre o emprego na medida em que contribuam para modificar as expectativas

subseqüentes” (Keynes, 1936). Além disso, sendo o estado das expectativas extremamente

volúvel, o volume de emprego em um momento qualquer depende não apenas do estado

atual como de todos os estados de expectativas que existiram em um dado período de

tempo anterior. No entanto, como a modificação nas previsões está, sem dúvida, apoiada

nos resultados obtidos, Keynes acaba por destacar a importância dos resultados recentes na

determinação das expectativas.

Como já vimos anteriormente, o objetivo dos capitalistas no processo de produção é

ampliar o seu estoque de riqueza. Neste sentido, a decisão de produção e a conseqüente

realização dos lucros passam necessariamente pelas suas expectativas em relação à

42

demanda de mercado. A renda auferida pelos capitalistas no processo de produção é

definida como a diferença entre o valor de sua produção acabada, vendida durante o

período, e o custo primário despendido ex-ante com os fatores de produção (capital e

trabalho) quando o capitalista determina o volume de emprego.

O princípio da demanda efetiva e as expectativas assumem, portanto, um papel

decisivo na decisão de produção de curto prazo. Basicamente, esta decisão se opera da

seguinte maneira. Pelo lado da oferta, podemos a partir dos custos totais e de uma taxa de

lucro desejada pelos capitalistas, traçar uma curva de “rendimentos desejados” para cada

nível de emprego. Por outro lado, temos a curva de demanda agregada que relaciona as

quantidades hipotéticas de emprego com os rendimentos que se espera obter da produção,

tendo em vista, obviamente, as expectativas em relação ao mercado. Podemos, entender, a

partir da leitura de Keynes, a demanda efetiva como o ponto de operação, que representa,

entre os pontos de interseção destas duas curvas, aquele que se torna realidade por

maximizar as expectativas de lucro do empresário. A partir desta descrição, podemos inferir

a influência da renda realizada sobre as decisões capitalistas de produção.

Sobre as expectativas de longo prazo, referentes ao rendimento futuro de um

equipamento adquirido ou de uma nova planta, todos eles investimentos que dizem respeito

à instalação ou ampliação de capacidade produtiva, estas sim estão situadas no campo da

incerteza extensamente descrito por Keynes. Segundo Cardim de Carvalho (1992), as

decisões de investimento estão profundamente associadas às decisões cruciais, e, assim

sendo, não podem ser endogeneizadas pelos resultados obtidos. Pelo contrário, dada a

distância temporal entre a tomada de decisão e a obtenção dos resultados, estas expectativas

se caracterizam pela precariedade do conhecimento sobre as estimativas de rendimentos.

Assim sendo, é no estado de confiança nos negócios que se assentam as

expectativas de longo prazo dos capitalistas, fazendo deste o conceito fundamental para a

determinação da decisão de investimento. O estado de confiança nos negócios pode ser

visto como o recíproco da incerteza. Tendo em vista a natureza precária de sua formação,

são as flutuações do estado de confiança que conferem ao capitalismo uma dinâmica tão

instável, tendo em vista sua repercussão direta sobre o nível de investimento agregado e

indireta sobre o nível de produto e emprego de uma dada economia.

43

No capítulo 12 da Teoria Geral, Keynes descreve brilhantemente os mecanismos

pelos quais o estado de confiança nos negócios é formado. Cabe destacar o papel das

convenções, descrito por Keynes a partir da análise de um hipotético concurso de beleza

promovido por um jornal, em que os participantes ao invés de votarem nos rostos que

consideravam mais bonitos, votariam naqueles que os outros votariam, para maximizar suas

chances de obter um dado prêmio. Assim funcionaria, o mercado para Keynes. A opinião

média expressa pelo mercado sobre como será o futuro possui um valor maior do que as

próprias condições objetivas para a efetivação do próprio futuro. Estas seriam as chamadas

“profecias auto-realizáveis”, que fazem do comportamento de manada uma das principais

convenções, que orientam as decisões capitalistas. Assim sendo, muitas vezes os

capitalistas olham em volta para realizar as suas decisões de investimento. Logo um clima

favorável pode facilmente resultar em um ambiente propício para o crescimento econômico

e vice-versa.

Outra convenção típica seria a chamada “teoria prática do futuro”. Na ausência de

uma base concreta para a formação das expectativas, os capitalistas podem dispor das

chamadas expectativas adaptativas, ou seja, a simples comportamento projetivo do passado

para o futuro. Dentre os fatores que influenciam a decisão de investimento, temos o

“animal spirits”, que pode ser definido a partir de um conceito ligado à subjetividade do

capitalista como “um instinto espontâneo de agir em vez de não agir” (Keynes, 1936).

Macedo e Silva (1999) destaca que, diante do rol de inconvenientes próprios ao

investimento, cabe ressaltar o papel do otimismo espontâneo, dado que “grande parte das

nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma

expectativa matemática, seja moral, hedonista ou econômica” (idem).

Como não poderia deixar de ser, o investimento possui ainda uma dimensão

monetária de incerteza. No capítulo 11, Keynes, simplificadamente, deixa transparecer esta

natureza, quando afirma que “o incentivo para investir depende em parte da curva de

demanda por investimento e, em parte, das taxas de juros”. Esta natureza fica mais clara

quando Keynes trata os juros como um custo de oportunidade entre a realização ou não de

um investimento, uma vez que o autor considera que para induzir novos investimentos, a

taxa de rendimento esperada deve ser superior à taxa de juros monetária.

44

Ainda neste capítulo, podemos perceber um ensaio para a teoria da composição dos

ativos e da aplicação do capital, descrita no Capítulo 17 da Teoria Geral. Basicamente,

podemos afirmar que para Keynes, obter um investimento ou um bem de capital assegura o

direito ao fluxo de rendas futuras que se espera obter da venda dos seus produtos, enquanto

durar esse capital, feita a dedução das despesas correntes necessárias à obtenção dos ditos

produtos. Keynes chama a atenção para o caráter de fluxo deste rendimento, uma vez que a

renda esperada do investimento é composta de uma série de anuidades ao longo do tempo.

O preço de oferta do investimento pode ser visto como o seu custo de reposição.

Para Keynes: “a relação entre a renda esperada de um bem de capital e seu preço

de oferta ou custo de reposição, isto é, a relação entre a renda esperada de uma anuidade

adicional daquele tipo de capital e seu custo de produção, dá-nos a eficiência marginal do

capital desse tipo” (op. cit.). A eficiência marginal do capital é o que irá determinar a

decisão de investimento do capitalista, sendo a mesma definida em função da expectativa

da renda e do preço de oferta corrente do bem de capital.

Podemos pensar, assim, em uma curva de demanda por investimento, que relaciona

a taxa de investimento agregado e a eficiência marginal do capital. È desta curva que

podemos perceber, primeiramente, na obra de Keynes a natureza monetária do investimento

descrita acima.

Por fim, Keynes destaca ainda que a expectativa de elevação de preços tem um

efeito estimulante sobre o investimento, mas não decisivo, uma vez que se por um lado,

eleva a eficiência marginal de um determinado volume de capital, por outro, se a taxa de

juros subir pari passu com a eficiência marginal, o efeito da alta de preços seria anulado.

A natureza monetária do investimento acaba por conferir mais um grau de incerteza

em relação ao estado de confiança nos negócios. Agora, o nível das taxas de juros também

deve ser levado em consideração pelos capitalistas que desejam realizar um investimento.

As variações dos investimentos não dependem mais, portanto, apenas das mudanças nas

expectativas de suas rendas esperadas, mas também das variações da taxa de juros sobre

cuja base estas rendas são capitalizadas. Além disso, a própria variação do “estado de

confiança” afeta a taxa de juros, conferindo uma maior complexidade ainda ao processo de

decisão capitalista.

45

A Teoria dos Ativos e a Aplicação do Capital

Esta complexidade, no entanto, foi tratada de maneira bastante sintética do capítulo

17 da Teoria Geral, quando Keynes passa a tratar o processo de acumulação de riqueza

como um simples processo de composição de carteira entre diversos ativos, incluindo a

moeda, concorrendo entre si dados os seus graus de rentabilidade e de liquidez.

Em primeiro lugar, Keynes definiu três atributos básicos de um dado ativo. O

primeiro deles é a quase-renda (Q). A quase-renda representa os diversos tipos rendimentos

que um ativo pode proporcionar. No processo produtivo, seriam os lucros de um dado

equipamento ou dos insumos. Poderiam ser ainda os direitos sobre um fluxo monetário

futuro (juros de títulos de dívida, dividendos de ações, aluguéis de imóveis) ou mesmo os

ganhos com uma eventual revenda em condições vantajosas. O segundo dos atributos

seriam os custos de manutenção (C), que se referem aos custos de armazenagem,

conservação, seguros, custódia, custos de transação, etc. Por fim, temos o prêmio de

liquidez (L), que representa a “flexibilidade” ou a “conveniência e a segurança potenciais”

advindas da posse de um ativo. Em linhas gerais, podemos dizer que a moeda, por ter

aceitação imediata caracteriza-se por apresentar liquidez máxima. Esta característica deriva

da definição de preferência pela liquidez e requer uma análise da moeda enquanto ativo.

Cabe destacar ainda que, enquanto q e c representam fluxos monetários, l representa

um implícito. Mesmo assim, podemos definir a rentabilidade de um dado ativo em um dado

período de tempo como apresentando o valor de (Q-C+L). No entanto, a análise não

termina por aí, pois devemos incluir as variáveis tempo e moeda em nossa avaliação,

caracterizando assim a teoria dos ativos como uma decisão sob incerteza.

O tempo entra na teoria dos ativos como um horizonte de cálculo apenas. Para cada

ativo, temos um dado perfil temporal, que se relaciona com o período de realização do

ativo, ou seja, o tempo que o empresário acredita que discorre para o capital imobilizado

tornar real a sua aspiração, ou seja, se reconverter em uma soma maior de dinheiro.

Já a moeda entra no cálculo, a partir da taxa de juros. Keynes acredita que, dadas as

características especiais da moeda enquanto ativo, sobretudo a liquidez, a taxa de juros fixa

46

o limite para o volume de emprego em uma dada economia. Ou seja, a taxa de juros

funciona na teoria dos ativos como o limite inferior para a eficiência marginal do capital.

Vejamos como se dá este processo. Para cada ativo, podemos calcular a sua

eficiência marginal esperada. Neste momento, Keynes inclui entre os rendimentos do ativo

a valorização (ou depreciação), a quem ele atribui o valor A. Assim sendo, este resultado é

obtido a partir da comparação entre o fluxo esperado de rendimentos do ativo e o seu preço

de oferta (Po), ou seja, o valor mínimo necessário para que seja interessante para o seu

possuidor se desfazer do ativo. Portanto, a eficiência marginal do ativo (r) pode ser

calculada a partir da seguinte expressão:

Po = Σ (Ai + Qi - Ci +Li)/(1+r)i

Após o calculo da eficiência marginal de cada ativo que compõe a carteira, as

eficiências marginais podem ser ordenadas decrescentemente. Desta ordenação, decorre a

tomada de decisão. Pois como afirma Keynes: “quando não houver mais bem algum cuja

eficiência marginal alcance a taxa de juros, a produção de novos bens será paralisada”

(Keynes, 1936). Ou seja, enquanto a eficiência marginal do capital for maior do que as

taxas de juros, novos investimentos podem ocorrer.

Como Keynes já deixava transparecer no Capítulo 11, quando ampliamos o

processo de decisão para a inclusão de diversos ativos, incluindo a moeda, a natureza

monetária do processo fica mais explícita. Como decorrência desta constatação, podemos

perceber que um aumento da taxa de juros retarda a produção de riquezas e, portanto,

compromete o volume de emprego em uma dada economia.

A teoria dos ativos confere, segundo Chick (2003), racionalidade à decisão sob

incerteza. Desta maneira, podemos entender a teoria do investimento a partir do cálculo

racional, em que a variável observável, ou seja, a taxa de juros, é comparada com a

eficiência marginal do capital de um dado ativo, assim como suas expectativas de lucros de

longo prazo e o seu preço de oferta. Cardim de Carvalho (1992) acrescenta que a análise

dos movimentos dos estoques de capital e outras formas de riqueza detidas pela economia

47

no longo período tem o mérito de colocar a decisão de investimento no foco da discussão

econômica.

Finalmente, no que diz respeito à temporalidade do processo da decisão de

investimento, devemos destacar que o que importa é perceber que a tomada de decisão

ocorre ex-ante, a partir das expectativas iniciais do capitalista. O resultado efetivo que virá

a ser observado em nada pode afetar o nível de emprego e o volume de produção já

empreendido. Sob o princípio da demanda efetiva e da decisão sob incerteza, não há

mecanismos de ajuste que levem a economia ao pleno emprego. Como veremos a seguir,

uma política de investimento e de crédito, no entanto, pode direcionar a economia para tal

objetivo.

Os Investimentos e o Nível de Atividade: O Papel do Multiplicador

As decisões de investimento influenciam significativamente a atividade econômica.

O princípio da demanda efetiva e o caráter monetário da decisão de investir fazem com que

o investimento se torne a principal variável econômica, à medida que conferem ao

capitalista o poder de determinar ex-ante o produto, emprego, os preços, a distribuição de

renda, a acumulação de capital e o crescimento econômico. A teoria keynesiana se

contrapõe radicalmente à teoria do subconsumo, que via no consumo a principal variável de

determinação econômica do capitalismo.

Chick (2003) destaca a autonomia do investimento, confirmando assim sua

centralidade para a análise econômica. Os investimentos não dependem de uma acumulação

prévia ou do nível de riqueza (renda) acumulada. A autora afirma que, na maioria das

vezes, o volume de investimento é muito grande para ser financiado pelas receitas

correntes. Como vimos anteriormente, o investimento determina a poupança, sendo,

portanto, totalmente independente da última, não fazendo o menor sentido afirmações do

tipo “poupança para financiar o investimento”.

Segundo Amadeo (1992), dados o princípio da demanda efetiva e da decisão sob

incerteza e a concepção pós-keynesiana da natureza abstrata da moeda, que torna o sistema

48

monetário uma economia de crédito puro, o crédito pode ampliar o investimento e conduzir

a economia para o pleno emprego. Afinal, o crédito é o mecanismo que pode, a partir da

criação de moeda que viabilize novas transações, reorganizar os fatores de produção

ociosos sob a forma de novos investimentos, ampliando o nível de produção e do emprego.

Aqui cabe discutir o conceito do multiplicador keynesiano. Segundo Keynes, a

forma pela qual o investimento determina a renda e o nível de emprego na economia

pressupõe a compreensão do conceito de multiplicador e, neste sentido, a propensão

marginal a consumir na economia assume um papel fundamental na determinação deste

conceito.

A propensão marginal a consumir é, segundo Keynes, a parcela de uma dada renda

suplementar, que é destinada ao consumo. Basicamente, este parâmetro é determinado por

“predisposições” psicológicas e relativas à preferência dos consumidores. Tendo em vista

que para Keynes, o investimento possui um caráter autônomo, a decisão de investimento

por si só gera instantaneamente uma elevação do nível de renda. O aumento do emprego

consagrado ao investimento estimula necessariamente as indústrias que produzem para o

consumo, uma vez que parte deste aumento da renda será destinada ao consumo. Este

estímulo à produção gera, portanto, um novo nível de investimento e de renda. Mais uma

vez, dada a propensão a consumir, este acréscimo da renda gera um novo consumo, um

novo investimento e um novo nível de renda, e assim sucessivamente.

Desta forma, o impacto final será um acréscimo da renda de k vezes o valor do

investimento inicial, sendo k, multiplicador do investimento, de tal forma que:

(1-1/k) = dC/dY, onde dC/dY é a propensão marginal a consumir.

Finalmente, cabe destacar, que dado os fundamentos do princípio da demanda

efetiva e da decisão sob incerteza, o multiplicador não deve ser compreendido como um

processo no tempo, determinado a ocorrer em um certo prazo de tempo. Pelo contrário,

deve ser entendido como um espaço potencial de possibilidades de ampliação da demanda

agregada viabilizado pelo aumento do investimento ou de demais componentes autônomos

49

da demanda agregada. Como afirma Possas (2001), “o multiplicador deve ser visto com um

mecanismo potencial, típico de estática comparativa e sem definição temporal precisa,

uma vez que depende de como se comportam as expectativas de curto prazo, além de supor

o investimento constante durante o ajuste”.

Amadeo (1992) destaca ainda os limites para a atuação do multiplicador. Em

primeiro lugar, deve haver capacidade ociosa e desemprego para que o efeito deste

processo não seja repassado aos preços. No caso de a economia estar funcionando em pleno

emprego, vale a Teoria Quantitativa da Moeda (TQM), e a ampliação da quantidade de

moeda pelo crédito é transferida integralmente para os preços. Por outro lado, as taxas de

juros podem funcionar como restrição ao crédito necessário para que o investimento seja

financiado.

O Crédito e a Não-Neutralidade da Moeda

A natureza monetária do investimento e o papel do crédito neste processo nos levam

a uma análise da não-neutralidade da moeda para a teoria keynesiana. Na prática, a

possibilidade de que a economia funcione fora do pleno emprego inviabiliza a TQM, e,

com isso, um dos seus principais corolários, ou seja, a afirmação de que a moeda é neutra

no longo prazo, sendo incapaz de produzir efeitos reais sobre o nível de produção e

emprego. Como destaca Cardim de Carvalho (1992), o atributo da liquidez da moeda

acarreta sua não-neutralidade. Afinal, este atributo possibilita que os agentes possam se

abster de consumir sem, por isso, realizar investimentos. Pois os investimentos em bens de

capital oferecem desvantagens em relação à posse de ativos monetários, uma vez que, dado

que implicam em usos específicos, suas expectativas podem não ser validadas por

acontecimentos futuros. Desta maneira, sendo os juros monetários os custos de

oportunidade de realização de investimentos produtivos, a incerteza e a política monetária

afetam o cálculo racional da aplicação de capital. A moeda deixa, portanto de ser neutra em

relação aos ativos reais.

50

Sobre a liquidez, ponto estratégico da teoria monetária do investimento, cabe

discutir brevemente o que torna a moeda um ativo especial. Para Chick (2003), o conceito

de preferência pela liquidez constitui-se como uma das principais inovações da obra de

Keynes, contrapondo-se radicalmente à teoria clássica dos juros, via fundos de

empréstimos. Dada a natureza da incerteza sobre o futuro e o componente especulativo

presente na economia, a posse de moeda conferiria segurança aos seus detentores contra

flutuações da demanda, funcionando como reserva de valor.

Além disso, o atributo da liquidez de um determinado ativo pode mesmo ser

entendido como a capacidade deste ativo de se converter em moeda, preservando-se assim

de perdas não compensáveis (Macedo e Silva, 1999), decorrentes da organização social da

produção em produtores independentes e com ausência de mecanismos de coordenação.

Mas o que confere à moeda este atributo de segurança? Segundo Keynes, em seu

desenvolvimento da Teoria dos Ativos, no Capítulo 17 da Teoria Geral, o prêmio de

liquidez pode ser definido a partir das características da moeda que fazem com que “a taxa

de juros permaneça insensível, particularmente abaixo de certo nível, a um aumento

mesmo substancial na quantidade de moeda proporcionalmente às outras formas de

riqueza”. Isto decorreria, segundo Keynes, basicamente dos baixos custos de manutenção

da moeda, que a tornaria líquida por excelência para o público em geral.

Semelhanças entre Marx e Keynes

Antes de terminar o capítulo, cabe relacionar a teoria keynesiana à teoria marxista.

Algumas semelhanças já foram apontadas. Primeiramente, temos a natureza da acumulação

e das leis de movimento do capital que, dada a organização social da produção, atribui a

iniciativa da decisão de investimento aos capitalistas. Temos ainda o princípio da demanda

efetiva, que confere à produção e à circulação de mercadorias um caráter essencialmente

monetário e temporal. No entanto, podemos ainda acrescentar outros fatores que

aproximam as visões destes tradicionais autores, muitas vezes apresentados como

antagônicos pela teoria econômica.

51

Cardim de Carvalho (1992) destaca a presença da não pré-conciliação de planos na

análise keynesiana. O capitalismo seria um sistema econômico em que predomina a

ausência de coordenação. Um dos fatores que propiciam a incerteza seria justamente a

organização social da produção em produtores independentes, que torna a base de

informações relevantes para a tomada de decisões pelos capitalistas muito precária e faz das

expectativas o fator crucial para a decisão de investimento. Esta concepção muito se

assemelha ao conceito de anarquia da produção de Marx e descrito por Shaikh (1978) em

sua análise social das crises a partir da tomada do processo de acumulação como uma

autêntica guerra detonada pela natureza concorrencial e competitiva do capitalismo. Com

algumas diferenças, a análise keynesiana destaca a natureza concorrencial do capitalismo, e

destaca a instabilidade decorrente deste processo, como a possibilidade do surgimento de

estratégias especulativas em um sistema que a busca de lucros se dá com a ausência de

coordenação.

Considerações Finais

Uma decorrência fundamental da teoria keynesiana de investimento é, portanto o

papel do Estado. Uma vez que, como vimos acima, não existe um mecanismo automático

que permita planejar exatamente a quantidade de investimento na economia de forma a

garantir as necessidades sociais de pleno emprego ou ausência de inflação, por exemplo,

caberia ao Estado o papel de organizar a economia, intervindo tanto para manipular os

componentes da demanda agregada como para eliminar as flutuações, propiciando através

do estímulo a um maior nível de investimento o crescimento econômico e a ampliação do

nível de emprego. No entanto, por todos os motivos que tratamos ao longo desta seção,

papel do Estado não deve ser tratado como espinha-dorsal da tradição keynesiana, como

fazem supor as leituras da síntese neoclássica, que associam a obra de Keynes à formulação

de políticas econômicas de mera correção das imperfeições do funcionamento do livre

mercado.

Finalmente, apesar de que Keynes não tenha tratado especificamente do tema, a sua

teoria deixa espaços para uma análise dinâmica. Um dos exemplos desta utilização é o

52

modelo acelerador de Pasinetti, que será discutido no final deste capítulo, que tornam

endógenas as expectativas de curto prazo em relação à demanda de mercado, tomando

como proxy para os resultados esperados os resultados passados. Justamente, o papel do

investimento, das expectativas e do multiplicador dos gastos autônomos cria elementos para

que possamos pensar o crescimento econômico e como o próprio crescimento econômico

pode influenciar a trajetória econômica.

No entanto, para podermos pensar uma dinâmica econômica mais fundamentada e

explicitada, devemos acrescentar as contribuições de Kalecki para ciência econômica.

Kalecki, em sua teoria do investimento, nos apresenta como a trajetória de flutuações

econômicas pode ser descrita, sob uma perspectiva da produção capitalista enquanto

organização social e política. Tanto que a distribuição de renda, determinada

microeconomicamente assume um papel crucial na determinação do próprio multiplicador

da renda, o que, para os objetivos desta dissertação, faz de Kalecki uma leitura obrigatória.

Ainda mais porque, ao contrário da teoria do subconsumo, sua análise econômica está

centrada no investimento como elemento crucial da determinação da renda e da dinâmica

econômica, além de se encontrar intrinsecamente associada ao princípio da demanda

efetiva.

KALECKI

As Origens do Pensamento Kaleckiano

A análise de Kalecki sobre a dinâmica do capitalismo concilia a visão keynesiana,

sobretudo no que diz respeito ao conceito de multiplicador, o papel do investimento e a

demanda efetiva, com a visão marxista do capitalismo como um processo social, dada a

recuperação que o autor faz dos “esquemas marxistas de reprodução” e dos agregados

econômicos utilizados por Marx. Sobre a relação das categorias sociais de Marx e o

princípio da demanda efetiva, a seguinte afirmação de Kalecki não deixa dúvidas em

relação a sua posição: “Que Marx estava profundamente consciente do impacto da

53

demanda efetiva sobre a dinâmica do sistema capitalista pode se ver claramente no

seguinte trecho do terceiro volume de O Capital: ‘As condições de exploração direta e as

condições da realização da mais-valia não são idênticas. Elas estão separadas não apenas

pelo tempo, mas também logicamente. As primeiras estão limitadas meramente pela

capacidade produtiva da sociedade, e as segundas pelas proporções dos diversos ramos de

produção e pelo poder de consumo da sociedade”. (Kalecki apud Jobim, 1984, p.21)

Segundo Jobim (1984, p.21), o pensamento kaleckiano sofreu a influência de Rosa

Luxemburgo e Tugan-Baranovski e obviamente do próprio Marx. Apesar das críticas que

Kalecki aponta em relação a estes autores como o exagero dado à importância dos

mercados externos para a reprodução ampliada em Rosa Luxemburgo e a explicação pouco

convincente de Tugan-Baranovski para que os capitalistas invistam exatamente o

necessário para garantir a plena utilização da capacidade produtiva, sua teoria da demanda

efetiva, da dinâmica capitalista e do processo social que se constitui a acumulação

capitalista foi, sem dúvida alguma, influenciada pela obra destes autores.

Assim sendo, Kalecki herdou a tradição marxista de divisão da sociedade entre

capitalistas e trabalhadores, e o processo de reprodução dividido em consumo e

investimento, assim como a divisão funcional da renda entre salários e lucros. No entanto, a

atenção de Kalecki se desloca da produção e se volta para a circulação, destacando como

esta se dá em uma economia de classes.

Independentemente das visões de seus antecessores, Kalecki criou conceitos

originais e fundamentais para a análise econômica. Entre eles, podemos destacar, segundo

Jobim (1984, p.26), a relação consumo-lucro-investimento, os conceitos de multiplicador, o

risco crescente e uma teoria das decisões de investimento. Além disso, colocou a

distribuição funcional da renda no centro da discussão da demanda efetiva e da dinâmica

econômica. Começaremos, portanto a nossa discussão acerca da teoria kaleckiana,

justamente a partir da análise da distribuição de renda.

54

A Determinação da Distribuição Funcional da Renda

A análise da distribuição de renda e da dinâmica econômica de Kalecki tem como

principal mérito mostrar que, sob a perspectiva da demanda efetiva, os lucros não são

necessariamente antagônicos aos salários. Os lucros são considerados por Kalecki a

variável mais importante da economia. Pois, em sintonia com as visões já debatidas de

Marx e de Keynes, são os capitalistas que detêm as decisões de produção e de investimento,

dando origem às leis de movimento e de acumulação do capital. Desta maneira, a

distribuição funcional da renda, ao determinar a repartição do produto entre os salários e

lucros assumem uma importância decisiva para a dinâmica econômica.

Cabe então perguntar o que determina a distribuição funcional da renda para

Kalecki. Neste ponto, o autor resgata a tradição marxista luta de classes pela apropriação do

excedente. Sua análise da distribuição da renda tem como origem uma concepção da

economia como um sistema político em que o jogo de poder é travado no campo

econômico. Neste sentido, o conceito de grau de monopólio ou poder de mercado

desempenha um papel central nesta disputa.

Afinal, a distribuição de renda é determinada microeconomicamente para Kalecki,

mais especificamente no sistema de formação de preços. Kalecki compreende, a existência

de dois fatores que influenciam a determinação dos preços: os custos da produção e as

modificações na demanda. Os produtos mais influenciados pelos custos seriam os

chamados “fix-price” e aqueles mais influenciados pela demanda seriam os “flex-price”.

No entanto, para Kalecki, poucos produtos poderiam ser considerados “flex-price”. Na

realidade, apenas as matérias-primas. Uma economia industrial, onde a competição

capitalista se dá basicamente a partir da formação de oligopólios, a análise de preços deve

ser completamente distinta da visão convencional que estipula que os preços igualam os

custos marginais. Para Kalecki, a formação de preços se dá basicamente a partir da fixação

de um “mark-up” sobre os custos, em que o grau de monopólio, que reflete o poder de

mercado da firma, assume um papel crucial.

55

A partir da distinção de preços feita por Kalecki, entre os “fix-price” e os “flex-

price”, podemos definir uma equação para a fixação de preços de uma dada firma (p):

(1) p = mu + np’,

Sendo:

u: custos diretos unitários;

p’: média ponderada dos preços das outras firmas;

m,n : coeficientes relativos à política de fixação de preços da firma

O mark-up (k), que se relaciona basicamente ao grau de monopolização da

economia pode ser definido a partir da seguinte expressão:

(2) k=p/u

A distribuição de renda, portanto, é determinada socialmente a partir da

concorrência intercapitalista e da relação entre os trabalhadores. Os preços seriam formados

na economia em um mercado de concorrência imperfeita entre os capitalistas, em que o

poder de mercado, ou seja, o grau de monopólio, determina a não-utilização da capacidade

instalada e, por sua vez, o nível de emprego, assim como o mark-up sobre os salários

(determinados, segundo a tradição marxista, a partir do poder de barganha dos

trabalhadores e da luta de classes). Assim sendo, a partir do cálculo da massa salarial, é

possível determinar a participação dos salários na distribuição da renda. Desta forma,

quaisquer mudanças de longo prazo na parcela relativa dos salários depende do grau de

monopolização.

56

Vejamos como ocorre este processo. Seja W: massa salarial; M: gastos com

matérias primas; P: lucros; Y: valor adicionado (W+P);

Podemos definir a participação dos salários na renda como sendo:

(3) w =W/Y

E podemos redefinir o mark-up (k) como:

(4) k = (Valor da Produção)/(W+M)

Além disso, podemos definir a seguinte relação:

(5) j=M/W

Desta maneira, Kalecki demonstra que:

(6) w =W/[k (W+M) – M] = 1/[k(1+j)-j] = 1/[1+(k-1)(j+1)]

Assim sendo, fica demonstrado como o preço se relaciona com a distribuição de

renda. O aumento do grau de monopólio e a possibilidade do estabelecimento de um maior

mark-up influenciam negativamente a distribuição de renda.

57

Os Esquemas Sociais de Reprodução em Kalecki

Determinada a distribuição da renda, podemos partir para uma análise de como a

repartição social da renda afeta a dinâmica econômica para Kalecki. Esta análise nos leva

ao encontro novamente dos esquemas marxistas de reprodução, a análise dos

multiplicadores e por fim à própria concepção kaleckiana de demanda efetiva, em que os

lucros se apresentam como peça chave.

A análise de Kalecki da dinâmica econômica parte da compreensão social do

processo de reprodução capitalista, enfatizando os “esquemas marxistas de reprodução”. O

produto é composto pelo investimento bruto e pelo consumo, dividido entre trabalhadores e

capitalistas. A renda dos trabalhadores é constituída de salários e de ordenados, enquanto a

renda dos capitalistas é formada de depreciação e lucros não distribuídos, dividendos e

saques não operacionais, aluguéis e juros.

Um dos pressupostos básicos da teoria kaleckiana de determinação da renda é a de

que, assim como na tradição clássica, os trabalhadores não poupam, pois recebem em nível

de subsistência. Logo o consumo dos trabalhadores iguala à renda. Já os lucros igualam o

investimento e o consumo dos capitalistas. Isto pode ser expresso no quadro abaixo, que

apresenta os esquemas departamentais de reprodução, onde a produção é dividida em três

setores: DI: bens de capital; DII: bens de consumo para os capitalistas; DIII: bens de

consumo para os trabalhadores. Aqui cabe destacar a pequena diferença em relação aos

esquemas de reprodução de Marx, pois enquanto Marx trabalhava com dois departamentos,

Kalecki preferiu trabalhar com três departamentos.

ESQUEMAS KALECKIANOS DE REPRODUÇÃO

DI DII DIII TOTAL

PI PII PIII P

WI WII WIII W

I CK CW Y

58

Podemos assim chegar à conclusão de que:

(7) PIII = WI + WII ,

E, assim sendo:

(8) P = I + CK

Em suma, para Kalecki, os fatores de distribuição da renda assumem um papel

decisivo na teoria dos lucros, e, conseqüentemente, na determinação do investimento e da

renda nacional. Os lucros são determinados pelo consumo e investimento dos capitalistas, a

renda dos trabalhadores é determinada pelos fatores de distribuição. Assim sendo, o

consumo e o investimento dos capitalistas e os fatores de distribuição determinam o

consumo dos trabalhadores e, assim sendo, a produção e o emprego em escala nacional. A

produção nacional será aquela em que os lucros, de acordo com os fatores de distribuição,

forem iguais à soma do consumo e do investimento dos capitalistas.

A Demanda Efetiva e os Multiplicadores Kaleckianos

Aqui cabe destacar que a partir destas relações, podemos encontrar as bases para a

formulação da demanda efetiva de Kalecki. Em primeiro lugar, temos que, como ressalta

Possas (2001), a afirmação de Kalecki de que os capitalistas não podem decidir quanto

ganham, mas podem decidir quanto gastam, conferem ao princípio da demanda efetiva de

Kalecki, uma formulação mais simples e mais geral do que em Keynes. O princípio da

demanda efetiva pode ser visto como uma simples relação unívoca de causalidade do gasto

para a renda. Ou seja, a única decisão autônoma é a de gastar.

59

Assim sendo, da expressão (8), podemos afirmar que os lucros dos capitalistas são

uma conseqüência dos seus gastos em consumo e em investimento. Não há antagonismo

em relação aos salários. E, além disso, podemos a partir destas relações compreender a

origem das tradicionais afirmações de Kalecki de que “os trabalhadores gastam o que

ganham” e “os capitalistas ganham o que gastam”.

Uma consideração importante da teoria de Kalecki é a que determina que dado que

o consumo dos trabalhadores é igual à sua renda, um acréscimo de investimento gera um

acréscimo superior na renda, devido à influência do aumento do investimento sobre o

consumo dos capitalistas e dos trabalhadores. Durante a depressão: queda do investimento,

redução do consumo, de modo que o nível de emprego é maior do que a que se origina

diretamente da contração do investimento. Ou seja, o conceito de multiplicador também

encontra validade na teoria kaleckiana.

O multiplicador kaleckiano possui algumas diferenças em relação ao multiplicador

keynesiano. A principal delas pelo fato de que o multiplicador keynesiano tratava da

propensão marginal a consumir da população como um todo, e o kaleckiano diferencia as

propensões marginais entre os capitalistas e os trabalhadores, assim como a distribuição

funcional da renda. Além disso, Kalecki introduz um hiato temporal entre o investimento e

a renda.

Vejamos como deriva o multiplicador kaleckiano. Tomando a função consumo dos

capitalistas como uma parcela autônoma (A) e um componente defasado em relação aos

lucros passados (Pt-λ), gasto de acordo com a propensão marginal a consumir dos

capitalistas, temos que:

(9) Ckt = q Pt-λ + A

Assim sendo, como da equação dos lucros, temos que:

(10) Pt = It + Ckt = It + q Pt-λ + A

60

Expandindo temporalmente a série para incluirmos os lucros passados e

considerando a defasagem de tempo entre os lucros e os investimentos, temos, finalmente:

(11) Pt = (It-ω+A)/(1-q)

Por outro lado, temos a equação da participação dos salários na renda, que pode ser

descrita como:

(12) W/Y = α + B/Y

De onde temos que:

(13) (Y-P) / Y = α + B/Y

(14) Yt = (Pt+B) / (1- α)

Assim sendo, de (11) e (14), temos que:

(15) Yt = (It-ω+A) / [(1-q)(1-α)] + B/(1-α)

E, finalmente, temos o multiplicador kaleckiano:

(16) ∆Yt = ∆ It-ω / [(1-q)(1-α)]

61

Comparando com o multiplicador keynesiano ∆Yt = ∆ I / (1-c), temos que, apesar

das diferenças de formulações, no fundo, representam o mesmo multiplicador. Afinal,

tomando o suposto kaleckiano de que os trabalhadores não poupam (propensão marginal a

consumir é igual a 1), não é difícil demonstrar que a propensão marginal a consumir

keynesiana (c) pode ser entendida como uma média ponderada das propensões marginais a

consumir dos trabalhadores e dos capitalistas pelas suas participações na renda. Vejamos.

Igualando os denominadores de (15) e (16):

1-c = (1-q)(1-α)

c = α + q - αq = α*1 + (1-α)*q

Ou seja, daí podemos ressaltar uma das conclusões fundamentais de Kalecki: a

distribuição de renda a favor dos trabalhadores amplia o multiplicador dos gastos em

investimento. Cabe notar, novamente, que a ampliação da renda e da participação dos

salários na renda se daria sem o comprometimento da massa de lucros. Estes por si só já

teriam aumentado com a decisão de investimento e seriam ampliados em 1/(1-q) como

podemos inferir a partir da equação (11).

No entanto, cabe, finalmente afirmar, assim como foi dito na teoria keynesiana, para

a distribuição de renda produzir este conjunto de efeitos, seria necessário as empresas

operarem com capacidade ociosa, para que a ampliação da demanda não se convertesse em

aumento de preços ao invés de ampliação da renda e do nível de emprego. Sobretudo, como

veremos ao final deste capítulo, o DIII, onde são produzidos os bens de consumo para os

capitalistas.

A Teoria do Investimento em Kalecki

Finalizadas as discussões sobre a demanda efetiva e os efeitos da distribuição de

renda sobre o nível de renda, podemos passar para uma análise mais detalhada do

investimento em Kalecki, sobretudo no que diz respeito aos seus determinantes e suas

62

conseqüências para a dinâmica econômica. É importante destacar que seguindo a linha de

autores selecionados para a análise teórica desta dissertação, Kalecki considera o

investimento a variável central para explicar o funcionamento endógeno do capitalismo,

determinando o nível de atividade, suas flutuações, ou seja, sua instabilidade estrutural.

A teoria do investimento de Kalecki possui o mérito de traçar uma dinâmica para o

nível de renda do capitalismo fundamentadas nas decisões de gasto, tomadas sob o

princípio da demanda efetiva. No entanto, sua teoria é questionada pela ausência do

tratamento dado às expectativas e ao papel da moeda, sobretudo no que diz respeito às taxas

de juros. Uma análise mais aprofundada nos permite afirmar que, apesar de incompleta, a

teoria do investimento pode incorporar tais elementos.

Kalecki divide os investimentos em capital fixo e estoques. Comecemos pelo

investimento em capital fixo. Estes podem ser descritos a partir da seguinte equação:

(17) Ft+δ = a St + b ∆Pt / ∆t – c ∆Kt / ∆t + d

Em primeiro lugar, chama a atenção do componente δ, que representa, para Kalecki,

a média ponderada dos prazos de maturação dos diversos planos de investimento.

Passemos agora para os diversos componentes da equação. Kalecki nos coloca que

as decisões de novos investimentos serão tomadas se no período considerado ocorrerem

modificações na situação econômica que alarguem as fronteiras determinadas para os

planos de investimento. Estas mudanças podem ser basicamente de três categorias:

acumulação bruta de capital pelas firmas a partir dos lucros correntes, isto é sua poupança

bruta corrente; modificações nos lucros; e modificações no estoque de capital fixo, sendo

que estes dois últimos conjuntamente refletem modificações na taxa de lucros. Teríamos

ainda um componente d, que representa os fatores de desenvolvimento, ou seja, uma

tendência exógena de longo prazo.

O primeiro componente a St representa a poupança interna que deve ser entendida à

luz do financiamento destes investimentos pelas empresas, seja com recursos próprios

(lucros retidos) ou capital de terceiros. É a componente do investimento que se relaciona

63

com o nível atual de atividade econômica, pois quanto maior o nível de atividade, maior a

quantidade de recursos próprios retidos pelos capitalistas. Kalecki associa o coeficiente ao

princípio do risco crescente. Segundo este princípio, o alto grau de endividamento pode

restringir o investimento, seja pelo lado dos credores, que aumentam o “spread”, temendo a

insolvência das firmas, como pelo lado das firmas, que temem se descapitalizar. Esta

análise do investimento permite incorporar a taxa de juros, sobretudo a de longo prazo, que

incide sobre o grau de endividamento e a decisão de investimento. No entanto, além da

confusão de parecer que estamos tratando de alguma poupança financiando o investimento,

esta concepção possui ainda a limitação de dar a entender de que haveria uma tendência

intrínseca para o reinvestimento, o que não faria o menor sentido, pois o que motiva o

investimento é uma expectativa sobre a renda.

O segundo e o terceiro componentes se referem, respectivamente à variação dos

lucros e do estoque de capital, ou seja, variações conjunturais do nível de atividade. Um

aumento dos lucros do começo ao fim do período considerado torna atraentes certos

projetos anteriormente considerados não-lucrativos, permitindo dessa forma a ampliação

dos limites de planos de investimentos no decurso do período. De forma oposta, a

ampliação do estoque de capital pode funcionar como um inibidor da realização de novos

investimentos. No entanto, para Possas (2001), seria razoável tratar as variáveis em

conjunto, como uma espécie de proxy para a variação das taxas de lucros (P/K). Assim

sendo, seguindo uma concepção “à lá Steindl”, podemos tratar as variações das taxas de

lucros como variações do grau de utilização da capacidade instalada. Vejamos.

(18) P/K = (P/U)(U/U*)(U*/K)

Considerando que tanto a margem de lucro (P/U) e relação produto-capital desejada

(U*/K) são estáveis no curto-prazo, o único elemento que pode variar conjunturalmente é o

grau de utilização da capacidade instalada. Assim sendo, da equação (18), podemos

concluir que a variação das taxas de lucro expressa, na realidade uma variação da utilização

da capacidade produtiva. Isto será discutido mais detalhadamente no final do capítulo,

quando trataremos das contribuições de Steindl ao pensamento kaleckiano.

64

Esta análise se configura, portanto, mais complexa do que a de um mero acelerador

de investimentos, conforme poderíamos inferir, tomando o lucro corrente ampliado por um

crescimento das vendas, como uma “proxy” do lucro esperado, em que se basearia uma

decisão dos investimentos.

Finalmente, temos o componente d, que representa para Kalecki as tendências de

desenvolvimento de longo prazo. Em suma, poderíamos dizer que estão associadas ao

progresso técnico e às inovações. Não são explicadas, portanto, pelo nível de atividade, daí

o seu caráter autônomo.

No que diz respeito aos investimentos em estoques, podemos dizer que estes sim

introduzem um mecanismo de aceleração, tendo em vista que os mesmos são definidos a

partir das variações dos níveis de renda:

(19) Jt+θ = e ∆Yt / ∆t

Assim sendo e depois de algumas manipulações algébricas, Kalecki define o

investimento total como sendo:

(20) It+θ = a / (1+c) St + b’ ∆Pt / ∆t + e ∆Yt / ∆t + d’

A Dinâmica Macroeconômica em Kalecki

A partir da equação (20), do multiplicador dos lucros derivado de (11) e de (16),

podemos formular a equação que representa a trajetória dinâmica do investimento:

(21) i t+θ = a / (1+c) i t + µ ∆i t / ∆t + g

65

Esta equação pode ser rescrita, segundo Possas (2001), sob a forma canônica,

bastando para isso assumir que ∆t = θ = 1, e, além disso, podemos supor,

convencionalmente, que ∆i t = it – it-1. Assim sendo, a equação fica da seguinte forma:

(22) it+2 – [µ + a / (1+c)] it-1 + µ it = g

Possas (2001) destaca ainda que as suposições que foram feitas implicam que : (i) o

intervalo médio de reação dos empresários frente ao comportamento das taxas de lucros (ou

utilização da capacidade) tenha igual defasagem θ que o tempo que decorre entre a

encomenda e a construção das plantas, ou seja, que os empresários tomem o mesmo

período de maturação θ, tanto para a formação das expectativas, como para o período de

investimento, que decorre entre as decisões consecutivas de investir; (ii) este período seja a

unidade de tempo do modelo.

Desta maneira, temos uma equação a diferenças finitas de segunda ordem, com um

termo constante g, cuja solução de sua parte homogênea nos fornece a trajetória do

investimento. Segundo Kalecki, a ocorrência de flutuações depende de as raízes

características da equação serem conjugadas ou não. Além disso, as trajetórias podem ser

explosivas, regulares ou amortecidas, dependendo apenas do valor de µ ser maior do que 1,

igual a 1 ou menor do que 1, respectivamente.

Finalmente, Possas (2001) destaca que o resultado de ciclos econômicos, apesar de

se constituir um modelo teórico é bastante plausível para os resultados utilizados por

Kalecki. Além disso, Kalecki demonstra a partir do princípio da demanda efetiva, que o

ciclo econômico pode ser explicado apenas a partir do comportamento rotineiro do nível de

atividade e que, mesmo sob uma estrutura estável, a economia não tenderia a nenhum

equilíbrio. Ou seja, uma das características básicas do capitalismo é que ele se constitui um

sistema econômico dinamicamente instável. Por último, cabe dizer que, do modelo de

Kalecki, podemos concluir que a dinâmica capitalista pode ser concebida como formada

por dois componentes distintos: a demanda efetiva capaz de produzir as flutuações e os

66

fatores de desenvolvimento, especialmente as inovações e o progresso técnico, que

introduzem a tendência e a mudança estrutural no modelo.

STEINDL

O pensamento econômico de Kalecki inspirou a obra de Steindl, sobretudo na

concepção do problema da decisão de investimento. Como já foi adiantada acima, a

perspectiva de Steindl está centrada no grau de utilização da capacidade produtiva como

variável central nesta complexa determinação. Desta maneira, Steindl inaugura uma análise

teórica centrada na concorrência e na acumulação de capital, realizando segundo Coutinho

(1983) “a primeira integração sistêmica completa, consistente, explícita (sem vazios ou

implicitações) entre os planos micro e o macroeconômico”.Além do sistema

macroeconômico de Kalecki, a concepção de investimento para Steindl leva em

consideração a perspectiva keynesiana da taxa de lucro esperada, procurando explicitar

melhor a questão do grau de confiança. Finalmente, Steindl utiliza em sua análise a

categoria marxista de acumulação de capital, que, como já vimos, não muito se diferencia

da definição keynesiana de retenção e valorização da riqueza. Assim sendo, podemos

afirmar que Steindl realiza uma integração entre as obras dos três autores centrais desta

dissertação.

Os pressupostos da teoria steindliana se referem basicamente à teoria da acumulação

e da concentração, especialmente as estruturas de custos, a formação de preços e as formas

de concorrência. A formação de preços está, atrelada às condições de entrada de novos

produtores. Desta maneira, os empresários determinam uma capacidade ociosa planejada de

forma a além de atender as variações cíclicas de demanda, reservar uma capacidade

produtiva para ocupar novos espaços de mercado e para acumulação de clientela,

eliminando com isso o risco de entrada de novos competidores.

A decisão de investimento torna-se, portanto, função do grau de utilização da

capacidade instalada. Ou seja, dada uma taxa de lucro esperada e devido à incerteza, os

67

empresários planejam a utilização de um certo grau da capacidade instalada. A ocorrência

de capacidade excedente não desejada, devido a desvios imprevistos na demanda,

determina o nível de investimento. Basicamente, o aumento da capacidade excedente não

desejada desestimula o investimento e vice-versa. Esta análise se assemelha ao “princípio

da aceleração”, uma vez que a demanda influencia, mesmo que indiretamente, o nível de

investimento. No entanto, para os teóricos da aceleração, seria necessária a utilização total

da capacidade, enquanto, que para Steindl, existiria uma meta para a utilização (parcial) da

capacidade instalada.

Esta lógica pode ser apreendida a partir do processo de acumulação interna das

firmas, que, por sua vez, se relaciona com as vendas a partir das seguintes equações:

(23) s = (s/H)(H/Z)(Z/C)C = u(1/k)gC,

Onde: s: vendas; H: produção a plena capacidade; Z: capital social; C: capital

próprio; u: utilização de capital; k: intensidade de capital; g: taxa de endividamento.

De (23), temos que:

(24) log s + log k – log u = log g + log C, e:

(25) [(ds/dt) / s] + [(dk/dt) / k] – [(du/dt) / u] = [(dg/dt) / g] + [(dC/dt) / C]

Além disso,

(26) Z = s (1/u) k

68

(27) log Z = log s – log u + log k

(28) [(dZ/dt) / Z] = [(ds/dt) / s] + [(dk/dt) / k] – [(du/dt) / u ]

Tomando a equação (25), podemos, segundo Steindl, compreendê-la como uma

equação keynesiana de igualdade entre investimento e poupança, no que diz respeito,

respectivamente as dimensões da inversão e as suas fontes de financiamento. Neste sentido,

o investimento pode resultar do crescimento proporcional das vendas, da intensificação

proporcional do capital ou da redução proporcional do grau de utilização do capital. Por

outro lado, a poupança representa o crescimento proporcional do capital empresarial e o

crescimento proporcional da taxa de endividamento. Ambos os lados da equação

representam, por sua vez o crescimento do estoque de capital real (28), ou seja, a

acumulação de capital.

Steindl prossegue, relacionando os lucros com a acumulação interna de capital. De

forma análoga à equação kaleckiana de consumo dos capitalistas (9), temos que:

(29) α = [(dC/dt)/C] = (p-a)(1-λ)

Além disso, podemos definir a taxa líquida de lucros (p) a partir da taxa bruta de

lucros (e), o capital social (Z), o capital próprio (C) e a taxa de juros sobre a dívida (r) da

seguinte maneira:

(29) p = Z/C (e – r) + r

Tomando o caso em que os custos podem ser definidos como aqueles proporcionais

às vendas (k1) e aqueles constantes (k2) , podemos definir o montante de lucros (E) e

relacionar a taxa bruta de lucros (e) com a margem de lucro bruto (1-k1). Vejamos:

69

(30) E = eZ = (1-k1) s – k2

(31) e = (1-k1) s / Z – k2 / Z

De (31) e (26), temos que:

(32) e = (1 – k1) u / k – k2 / Z

Assim sendo, podemos concluir que a taxa de lucros bruta é função crescente da

utilização. Neste caso, a margem de lucro bruto é um parâmetro desta função. Desta

maneira, trata-se de um caso simplificado, pois podemos supor que a própria taxa de lucro

bruto é uma função do grau de utilização:

(33) e = F (u.k)

Assim sendo, a acumulação interna ( α ) passa a ser determinada por diversos

fatores, como o grau de utilização, a função de lucro e as decisões de consumir dos

empresários.

Em suma, toda esta análise desenvolvida por Steindl abre caminho para que

pensemos que uma dada taxa de crescimento sustentado do capital pressupõe uma teoria

endógena do investimento. Neste sentido, Steindl (1952) destaca, resumidamente, os fatores

que condicionam as decisões de investimento: a acumulação interna, o grau de utilização de

capacidade, o endividamento e a taxa de lucro. Sua teoria do investimento está, portanto,

representada na seguinte expressão:

(34) It+θ = γ Ct + U (ut ) + G ( gt ) + P ( pt )

70

Segundo Coutinho (1983), a teoria do investimento produtivo tendencial de Steindl

teria diversos méritos. O principal deles seria o fato de recolocar o fluxo de acumulação

como força-motriz da decisão de investimento. Além disso, incorporaria a teoria do risco

crescente abordada por Kalecki como um fator de influência limitativa sobre o

investimento. Finalmente, colocaria o nível desejado de utilização da capacidade instalada

como fator determinante e fundamental para a decisão de investimento. O investimento

seria, portanto, uma função crescente do grau de utilização, dado o grau planejado de

capacidade excedente. Por fim, teríamos o lucro, que pode exercer influência tanto

especificamente como via acumulação interna (lucros retidos).

No que tange à natureza concorrencial do processo de acumulação, cabe destacar a

relação entre a margem de lucro e a utilização da capacidade. Steindl destaca que, enquanto

nas economias mais competitivas, eventuais ajustes em resposta às variações do mercado

podem se dar pela queda da margem de lucro, nas economias oligopolizadas, em que a

eliminação dos concorrentes é mais difícil, os ajustes tendem a ocorrer no grau de

utilização da capacidade. Desta maneira, os efeitos de uma queda do nível de atividade em

economias oligopolizadas podem ser recursivos, levando a um círculo vicioso de queda do

emprego, da renda. Isto ocorreria, porque frente à crise, o capitalista tenderia a reduzir o

grau de utilização, reduzindo o investimento. No nível individual, isto poderia servir para

contrabalançar os prejuízos, mas no nível agregado, observaríamos uma ampliação da crise,

pela queda da demanda agregada, levando a ampliação da capacidade excedente indesejada

e novos cortes de investimento, etc.

Coutinho (1983) afirma ainda que esta relação entre o fluxo de lucros brutos e o

grau de utilização “ilumina alguns aspectos interessantes da relação entre o setor

empresarial produtivo e o sistema financeiro”. Esta relação se dá a partir do que decorre

das decisões de investimento postergadas com a desaceleração do fluxo efetivo de

dispêndio em acumulação produtiva, a partir de uma queda não prevista do grau de

utilização com conseqüências para o colapso da taxa de lucro esperada. Neste sentido,

Coutinho destaca que “os capitalistas, dispondo de fundos internos abundantes, podem

optar por realizações aplicações financeiras ou por diminuir o seu nível de endividamento

71

(...), entretanto, essa tentativa ver-se-á frustrada no momento seguinte. A queda do fluxo de

inversões torna ainda maior o problema da capacidade ociosa indesejada e, de outro lado,

desacelera sensivelmente o fluxo de fundos internos”. A conseqüência deste processo é, ao

contrário do que pretendiam os capitalistas, a ampliação do grau de endividamento. Assim

sendo, a carga agregada de juros sobre os lucros brutos tende a crescer quando os

investimentos se retraem. Esta tendência poderia ser explicada ainda pela capacidade de

defesa do setor financeiro e rentista, favorecidos pelas remunerações em títulos de renda

fixa e, porque mesmo os títulos de renda variável como os dividendos são inelásticos à

baixa da taxa de lucros brutos. Ou seja, a crise em uma economia oligopolizada, sob uma

perspectiva da demanda efetiva, tem como uma das suas características a acentuação da

financeirização da economia, ou seja, a ampliação dos privilégios das classes financeiras

em detrimento do setor produtivo, o nível de renda e o emprego.

PASINETTI E O ACELERADOR

Em algumas passagens deste capítulo, abordamos o tema do acelerador, no entanto,

não o tratamos com maiores detalhes. Em linhas gerais, o acelerador surge da tentativa de

se tratar a decisão de investimento de uma forma endógena, de forma que o próprio nível de

demanda sirva de estímulo à realização dos novos investimentos. Assim sendo, os

resultados obtidos nas vendas realimentariam as expectativas, e a dinâmica do investimento

funcionaria a partir do chamado comportamento projetivo do passado para o futuro, ou,

como é dito comumente, a partir das expectativas adaptativas.

Keynes, ao tratar das decisões de produção se refere a esta possibilidade na

formação das decisões e expectativas de curto prazo. Kalecki e Steindl, apesar de não

assumirem o conceito, oferecem em seus modelos teóricos a possibilidade de pensarmos a

existência de um acelerador do crescimento econômico a partir dos resultados positivos nas

vendas e seus efeitos sobre a decisão de investimento.

No entanto, podemos encontrar este conceito claramente desenvolvido na

formulação de Pasinetti (1974) para o investimento. Pasinetti desenvolveu seu modelo de

72

investimento a partir de sua visão do princípio da demanda efetiva. Segundo o autor, nas

economias industriais, é possível distinguir a capacidade produtiva (potencial) da produção

observada, diferentemente da agricultura, em que toda a produção é destinada ao mercado

e, desta maneira, todo o ajuste só pode se realizar via preços. Desta maneira, a existência de

capacidade ociosa possibilita que flutuações na demanda levem, a partir de seus efeitos

sobre as expectativas, a flutuações na produção, sem que os preços sejam por isso afetados.

Cabe lembrar, que segundo esta visão, acima do produto de pleno emprego, quaisquer

pressões sobre a produção acarretam no aumento de preços. Ou seja, as flutuações da

demanda levam a mudanças da utilização da capacidade produtiva, e, assim como vimos no

modelo de Steindl, uma queda não esperada da demanda pode levar a um aprofundamento

do desemprego e do nível de atividade.

Basicamente, Pasinetti desenvolve seu modelo acelerador a partir da Teoria Geral

de Keynes e suas implicações para o fato de que a economia pode funcionar, sob o

princípio da demanda efetiva, fora do pleno emprego, ou seja com uma capacidade ociosa

abaixo do produto potencial. No entanto, a distinção se dá pelo fato de que para esta teoria

do investimento, a demanda efetiva pode ser tomada como independente da preferência

pela liquidez, e, assim sendo, poderíamos abstrair as taxas de juros da decisão de investir.

Segundo Pasinetti (1974), o princípio da aceleração surge da circunstância de que

uma variação esperada na demanda total tende a induzir uma variação ainda maior (uma

aceleração, nos investimentos). Este princípio parte da idéia, simplesmente, de que os

capitalistas visam manter uma relação constante entre o estoque de capital e a produção.

Assim sendo, se, por exemplo o estoque de capital é de 400 e a produção 100, uma variação

de 10 unidades na produção anual levaria ao aumento de 40 unidades de investimento no

estoque de capital. Em suma, temos a equação básica do princípio da aceleração, que nos

diz que o investimento é função da variação esperada da renda.

(35) I = φ (∆YE)

73

Desta maneira, como as expectativas não são quantificáveis, apenas como proxy,

podemos tomar, de maneira mais simples as variações passadas como expectativas para o

futuro. Assim sendo, temos a versão mais simples do “princípio da aceleração”, ou seja:

(36) It = ν (Yt-1 – Yt-2)

A equação (36) pode ser rescrita, se tomarmos o parâmetro ν como sendo a relação

capital-produto desejada e tomarmos como K o estoque de capital. Assim sendo, temos que

νYt-1 pode ser interpretado como o estoque de capital desejado e os investimentos teriam o

intuito de cobrir a diferença entre o estoque desejado e realizado de capital:

(37) It = νYt-1 – Kt-1

Pasinetti destaca ainda que os investimentos poderiam não cobrir exatamente toda a

diferença, mas uma fração dela. Daí, podemos introduzir um fator β ≤ 1 na equação (37):

(38) It = β (νYt-1 – Kt-1),

Chamando α = νβ, temos que:

(39) It = αYt-1 – β Kt-1

Finalmente, Pasinetti (1974) afirma que o princípio da aceleração, se tomado

conjuntamente com o multiplicador derivado da teoria do consumo, teria o mérito de

conferir aos dois principais componentes da demanda efetiva, o consumo e o investimento,

uma explicação baseada apenas em variáveis macroeconômicas observáveis, além de

atribuir elementos para a uma análise dinâmica baseada no princípio da demanda efetiva.

74

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E CRESCIMENTO ECONÔMICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA DECISÃO DE INVESTIMENTO

Quais as conseqüências de uma distribuição de renda a favor dos trabalhadores para

a dinâmica econômica? O que podemos apreender da teoria econômica sobre a influência

da redistribuição da renda sobre a decisão de investimento dos capitalistas? Chegando ao

final deste capítulo, é importante selecionar dentre as visões apresentadas, aspectos

relativos à distribuição de renda e refletirmos sobre os possíveis efeitos de uma política

redistributiva sobre a dinâmica econômica e a tomada de decisão de investimento.

Kalecki, além de demonstrar que o multiplicador poderia ser amplificado caso

houvesse uma maior participação dos salários na renda, como já vimos ao longo do

capítulo, em outra obra, tratou da distribuição de renda sob uma outra ótica. Neste sentido,

Kalecki procurou demonstrar que uma elevação das taxas de salário não significaria

necessariamente uma redução dos lucros (Possas, 2001).

Com este intuito, Kalecki supôs um aumento de ∆ W nos salários não repassados

aos preços. Dentro da sua concepção teórica, obviamente, toda esta ampliação da renda

seria automaticamente transformada em gastos de consumo pelos trabalhadores. Os gastos

dos capitalistas, por sua vez, são determinados por decisões tomadas antes do período em

consideração, e, portanto, não seriam influenciados pelos aumentos salariais.

Assim sendo, nos departamentos I e II, que, produzem, respectivamente, bens de

produção e bens de consumo para os capitalistas, podemos dizer que os salários

aumentaram, segundo um coeficiente α. O montante deste aumento pode ser expresso,

portanto, como α (W1 + W2). Não tendo havido aumento dos preços, podemos afirmar que

a queda dos lucros nestes dois departamentos foi do mesmo valor. No departamento III, no

entanto, o gasto imediato dos trabalhadores em bens de consumo acarreta um aumento dos

lucros neste setor. Este aumento seria, segundo Kalecki, do mesmo montante e “como

resultado, os lucros totais permanecem inalterados, sendo a perda dos Departamentos I e

II, de α (W1 + W2), contrabalançada por um ganho do Departamento III”.Esta conclusão é

75

a mesma levantada por Steindl (1952), ao analisar as relações entre acumulação de capital e

distribuição de renda sob uma perspectiva marxista. Segundo o autor: “o aumento dos

salários não pode jamais reduzir os lucros se os investimentos (e o consumo capitalista)

permanecerem elevados”.

Kalecki reafirmaria ainda a possibilidade de que esta transferência de renda

signifique uma ampliação do nível de emprego, uma vez que os aumentos da produção e do

emprego no departamento III levam à ampliação de ocupação da capacidade ociosa

existente neste setor (Possas, 2001). Desta maneira, esta seria uma das formas pelas quais a

decisão de investimento dos capitalistas pode ser influenciada por uma redistribuição de

renda a favor dos trabalhadores.

Neste sentido, poderíamos ainda pensar a partir da teoria keynesiana, do

multiplicador kaleckiano e do “princípio do acelerador” de Pasinetti uma forma pela qual a

distribuição de renda afetaria positivamente as decisões de investimento. Como vimos em

Keynes (1936), as expectativas e o estado de confiança são fundamentais para a decisão de

investimento sob incerteza. Além disso, do multiplicador kaleckiano, podemos concluir que

uma distribuição de renda a favor dos trabalhadores amplia o potencial de ação do

multiplicador dos gastos autônomos, ou seja, o crescimento econômico pode ser ainda

maior. Aqui entraria o princípio acelerador de Pasinetti, pois o crescimento econômico

realizado pode ser tomado como proxy para as expectativas, que fomentariam uma nova

decisão de investimento, ampliando ainda mais o crescimento. Ou seja, da relação entre

estas teorias, temos que a distribuição de renda pode indiretamente funcionar como o motor

do crescimento econômico, não apenas por vias de crescimento do consumo interno,

conforme a discussão de Kalecki, mas através dos seus possíveis efeitos sobre as decisões

de investimento.

Assim sendo, cabe destacar que temos uma perspectiva radicalmente diferente da

teoria subconsumista, no que diz respeito à problemática da distribuição de renda e a

solução das crises no capitalismo. Afinal de contas, este raciocínio se insere dentro da

lógica de valorização do capital, do princípio da demanda efetiva e da centralidade do

investimento/acumulação e não o consumo como força propulsora do sistema capitalista.

76

Finalmente, temos a discussão levantada por Gottlieb e Oreiro (2003). Segundo os

autores, dentro da tradição pós-keynesiana, podemos encontrar uma relação positiva entre o

crescimento econômico e a distribuição funcional da renda, que passa pela decisão de

investimento. Esta concepção estaria inserida na lógica de Kalecki-Steindl sobre os efeitos

das taxas de lucro e do grau de utilização da capacidade para a tomada de decisão de

investimento dos capitalistas.

Neste sentido, Lance Taylor teria construído um modelo em que a elevação da

participação dos salários na renda levaria a um crescimento do estoque de capital (idem,

p.33). Bastaria para isso a existência de um contexto em que as empresas operassem com

capacidade excedente por razões de concorrência, o investimento em capital fixo é induzido

pela diferença entre o grau efetivo e o desejado e que a propensão a marginal a consumir

dos trabalhadores seja maior do que a dos capitalistas. Em suma, os pilares básicos das

concepções econômicas de Kalecki e de Steindl sobre a acumulação capitalista sob a ótica

da concorrência. Desta maneira, segundo o modelo de Lance Taylor, uma vez que a

distribuição de renda amplia o consumo, este aumento repercutiria no maior grau efetivo de

utilização da capacidade instalada, ampliando os investimentos e o estoque de capital.

Gottlieb e Oreiro destacam, no entanto, objeções ao modelo de Kalecki-Steindl pelo

fato de o grau desejado de utilização ser exógeno. Segundo os autores, seria possível criar

um modelo em que o grau desejado de utilização da capacidade produtiva fosse endógeno

e, desta maneira, os resultados de uma alteração na distribuição funcional da renda seria

ambíguo, dependendo, no curto prazo, dos efeitos na capacidade planejada. No longo

prazo, a taxa de crescimento do estoque de capital seria decorrente apenas do “animal

spirits” keynesiano, ou seja, seria totalmente independente da distribuição funcional da

renda. Por outro lado, teríamos que o crescimento do estoque de capital é que causaria

efeitos na distribuição funcional da renda, dependendo da participação inicial dos salários

na renda. Para o caso brasileiro, em que esta participação é baixa, a acumulação levaria a

uma melhora na distribuição de renda.

CAPÍTULO 2 : A PERSPECTIVA TEÓRICA DO SUBDESENVOLVIMENTO E A MODERNIZAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL

INTRODUÇÃO

A literatura brasileira e latino-americana de industrialização e desenvolvimento

econômico produziu, sobretudo no que se refere às décadas de 60 e 70, uma série de

análises em que as temáticas da tomada de decisão de investimento e da distribuição de

renda podem ser lidas sob a ótica das categorias apresentadas no primeiro capítulo desta

dissertação.

Afinal, como veremos ao longo deste capítulo, as análises dos processos de

industrialização destes autores estão focadas na idéia de que no capitalismo, “a demanda é

o impulso natural do processo de expansão” (Tavares, 1978, p.53). Desta forma, fatores

internos como a capacidade instalada e o seu grau de utilização, o tamanho do mercado, a

estrutura da demanda e a distribuição de renda são fundamentais para a decisão de

investimento, especialmente se levamos em consideração o debate brasileiro na década de

70 sobre a funcionalidade da concentração da renda para o padrão de crescimento

econômico naqueles anos.

No entanto, fatores externos não estão descartados da análise destes autores. Tendo

como características fundamentais a concentração estrutural da renda e o processo de

industrialização retardatário, a análise econômica destes países aponta para as

especificidades do subdesenvolvimento no contexto internacional. Esta visão está presente,

sobretudo, nos textos desenvolvidos pela CEPAL (Comissão Econômica para a América

Latina e o Caribe), que fazem com que a análise econômica da região não possa ser

simplesmente um transplante das idéias econômicas dominantes produzidas nos países

desenvolvidos. O que não impede, entretanto, que relacionemos as visões produzidas por

estes autores com a análise teórica descrita no primeiro capítulo desta dissertação.

A PERSPECTIVA DO SUBDESENVOLVIMENTO

78

Apesar do processo de industrialização vivido pela região, é unânime a constatação

de que o desenvolvimento das forças produtivas não foi capaz de promover um autêntico

progresso social e o dinamismo capaz de conciliar o crescimento econômico e a melhora da

distribuição de renda na América Latina.

Para a grande maioria dos autores da CEPAL, o subdesenvolvimento deve ser

entendido a partir de uma dimensão histórica e, sobretudo, autônoma. Não deve, portanto

ser entendido como um modelo abstrato e independente, muito menos como uma etapa para

se alcançar o desenvolvimento. Pelo contrário, os países subdesenvolvidos, especificamente

os da América Latina, apresentariam características próprias que permitiriam a

contraposição em relação àquilo que é observado no modelo clássico dos países

desenvolvidos.

Começaremos esta análise, destacando os elementos presentes no célebre artigo de

Celso Furtado, “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”. Um dos fatores que, segundo

Furtado diferencia as duas concepções, seria o fato de que, depois de decorrido um certo

período de tempo, a oferta de mão-de-obra nos países centrais teria se tornado pouco

elástica, favorecendo a incorporação crescente da força de trabalho e conferindo um maior

poder de barganha aos trabalhadores, resultando em elevações salariais e uma melhor

distribuição da renda. Nos países subdesenvolvidos, o fato de a oferta de mão-de-obra ter

permanecido infinitamente elástica e de o volume de mão-de-obra ocupada ter sido sempre

bastante pequeno teria possibilitado o surgimento de uma estrutura híbrida e dual em que os

setores capitalistas convivem com setores pré-capitalistas, impedindo que os salários

pudessem se elevar acima dos níveis de subsistência.

Esta diferença decorre basicamente do fato de a industrialização nos países

periféricos surgir como uma decorrência da necessidade de expansão capitalista nos países

desenvolvidos. Nos países desenvolvidos, após os momentos iniciais de desorganização do

artesanato e de progressiva incorporação da mão-de-obra na produção industrial, a

capacidade produtiva do segmento de bens de capital teria fornecido um limite à expansão

capitalista. Assim sendo, teria havido uma progressiva transferência de trabalhadores dos

setores produtores de bens de consumo para os bens de capital. O final deste processo seria

uma tendência ao esgotamento do exército industrial de reserva e uma progressiva

79

redistribuição de renda a favor dos assalariados em detrimento dos lucros, o que teria

motivado a expansão capitalista para além de suas fronteiras iniciais.

Assim sendo, o núcleo industrial externo passaria a condicionar o desenvolvimento

econômico nas periferias. O poder decisório em relação à alocação de recursos, que confere

dinamismo ao capitalismo, continuaria nas mãos dos países desenvolvidos, o que pode ser

constatado pelo fato de a massa de lucros não se integrar às economias locais

subdesenvolvidas. Isto pode ser explicado pelo fato de que, “a tecnologia – variável que

define a constelação de bens a produzir e condiciona a seleção de processos produtivos –

escapa ao centro interno controlador das decisões econômicas” (Furtado, 1975, p.8). Além

disso, o processo de industrialização na periferia não incorporou significativamente a

produção de bens de capital, que em sua maioria, ao longo de todo este tempo, continua a

ser suprido pelas importações, impedindo assim que os países subdesenvolvidos repetissem

aquilo que é observado nos países centrais no que diz respeito à incorporação da mão-de-

obra e a redistribuição de renda a favor dos assalariados.

Prebisch, em seu artigo “Por uma dinâmica do desenvolvimento latino-americano”

faz uma análise semelhante à de Furtado no que diz respeito às especificidades do

subdesenvolvimento latino-americano. Para o autor, entender a industrialização como um

processo espontâneo seria uma ilusão, pois esta decorreria de uma exigência do

desenvolvimento econômico mundial. Além disso, fatores como o estrangulamento externo,

favorecido pelas restrições de divisas causada, sobretudo, pela exigüidade da produção

interna de bens de capital, impediriam a realização de novos investimentos e, portanto, o

desenvolvimento desejado nos países da região. Finalmente, assim como Furtado, Prebisch

(2000) assinala a existência na região de uma tendência à insuficiente absorção de mão-de-

obra decorrente do desequilíbrio entre a produtividade e os investimentos nos países da

América Latina. Tendo em vista o fato de as técnicas de produção adotadas nestes países

serem importadas dos países centrais, onde prevalecem as necessidades de economia de

mão-de-obra, a acumulação de capital requerida para absorver suficientemente a mão-de-

obra não é atingida na América Latina.

De forma semelhante, Aníbal Pinto, em seu artigo “Notas sobre os estilos de

desenvolvimento na América Latina”, descreve um quadro em que o subdesenvolvimento

80

latino-americano surge como um resultado das relações de poder (dominação ou

subordinação) no esquema mundial. Assim sendo, as comunidades “adiantadas”

estabeleceriam os modelos de evolução e o progresso das nações em escala mundial. Desta

maneira, poderíamos distinguir, a partir das diferentes realidades, o mero crescimento

econômico do desenvolvimento propriamente dito, que é acompanhado de um autêntico

progresso social. A principal distinção estaria, portanto, no fato de que os países centrais

promoveriam uma incorporação progressiva da mão-de-obra, enquanto os países

subdesenvolvidos não promoveriam esta integração, mantendo grande contingente

populacional na marginalização e na miséria.

Maria da Conceição Tavares, em seu artigo “Distribuição de Renda, Acumulação e

Padrões de Industrialização”, reafirma uma perspectiva autônoma para a análise do

subdesenvolvimento. Segundo a autora, os países subdesenvolvidos se caracterizariam pelo

fato de que o progresso técnico não se daria endogenamente, assim como vigoraria nestes

países um excedente estrutural da mão-de-obra. Assim sendo, em consonância com as

demais análises já citadas, a reprodução ampliada do capital não pode se dar fora dos

marcos do capitalismo internacional e da intervenção do Estado.

Além disso, utilizando as categorias kaleckianas, a autora destaca que o efeito

positivo do consumo capitalista sobre a acumulação não se efetivaria na realidade dos

países subdesenvolvidos. Isto se daria basicamente pelas características estruturais

supracitadas da realidade econômica da região, ou seja, fundamentalmente, a ausência da

geração interna de progresso técnico e a exigüidade da produção interna de bens de capital.

Afinal, o surgimento de um DII, produtor de bens de consumo para os capitalistas ocorre

nos países centrais como uma conseqüência da crise de realização no setor de bens de

produção (DI) e do progresso técnico, poupador de capital, que permite que a mão-de-obra

e os gastos capitalistas sejam transferidos para este novo setor DII em expansão.

Ainda no que diz respeito ao papel da tecnologia nesta relação entre o

desenvolvimento e o subdesenvolvimento, cabe destacar a visão de Fernando Fajnzylber

em seu artigo “Industrialização na América Latina: Da ‘caixa-preta’ ao ‘conjunto-vazio’”

que concebe a industrialização latino-americana como um fruto de “imitação” e de

incorporação insuficiente do progresso técnico (caixa-preta). Desta maneira, a liderança do

81

processo de crescimento não é desempenhada pelo setor privado nacional, mas pelas

transnacionais, e, assim sendo, não se traduz em um processo que se conjugue com uma

melhora na distribuição de renda e de incorporação do contingente populacional, ao

contrário de países de renda per capita semelhantes em outras regiões como, por exemplo, a

Coréia do Sul, Espanha, Iugoslávia, Hungria, Israel, Portugal.

Cabe ainda mencionar o famoso artigo de Maria da Conceição Tavares “Auge e

Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil”, em que a autora traça um

quadro de semelhanças do processo de industrialização na América Latina. Segundo esta

análise, os países da região teriam vivido inicialmente um modelo exportador, em que as

exportações consistiam praticamente a única componente autônoma do crescimento,

tornando-se assim o centro dinâmico e multiplicador da economia. Neste período, faixas

inteiras de bens de consumo e a totalidade dos bens de capital eram supridas pelas

importações para um processo de industrialização por substituição de importações. A crise

do comércio exterior desencadeada pela Grande Depressão e a 2ª Guerra Mundial teria

contribuído sensivelmente para a queda das receitas de exportações e, conseqüentemente,

da capacidade de importação. Desta maneira, a partir da política cambial, os países teriam

discriminado suas pautas de importações, dando início a um “processo de desenvolvimento

interno que tem lugar e se orienta sob o impulso de restrições externas e se manifesta,

primordialmente, através de uma ampliação e diversificação da capacidade produtiva

industrial”.(Tavares, 1981, p.41).

Finalmente, cabe destacar as críticas de Francisco de Oliveira às teses cepalinas

proferidas em seu artigo “Crítica à Razão Dualista”. Segundo o autor, o

subdesenvolvimento não deve ser visto como um fenômeno singular e sob uma perspectiva

de polarização entre o moderno e o atraso, mas, dadas as próprias estruturas de poder

político e econômico e o reconhecimento de que o subdesenvolvimento é um produto do

avanço do capitalismo mundial, o fenômeno deve ser visto como uma simbiose ou uma

unicidade de contrários, em que o moderno cresce e se alimenta do atraso, ou seja, sob uma

perspectiva dialética marxista em que os países subdesenvolvidos funcionam como uma

reserva de acumulação primitiva do sistema global. Desta maneira, as teses cepalinas não

delimitariam as lutas de classes internas e externas e a influência dos países centrais na

formação da realidade e das tensões presentes nos países subdesenvolvidos. Ou seja, esta

82

análise “não responde se são as leis internas de acumulação que geram o 'todo' ou se são

as leis de ligação com o resto do mundo que comandam a estrutura de relações”.

(Oliveira, 1975, p.8).

AS RAÍZES HISTÓRICO-ESTRUTURAIS DA CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL

Apesar do tradicional debate marxista sobre a acumulação industrial capitalista e a

concentração de renda e do próprio debate brasileiro da década de 70, que apontou a

funcionalidade da distribuição regressiva da renda para o padrão de industrialização sob a

liderança dos bens de consumo duráveis, a concentração de renda no Brasil precede o

processo da industrialização. Na realidade, a distribuição perversa da renda deve ser

entendida à luz das características do desenvolvimento histórico e colonial do país. Assim

sendo, antes de passarmos à análise do processo de industrialização brasileira, trataremos

brevemente das raízes histórico-estruturais deste problema.

Hoffmann (1978) mostra que a distribuição de renda é um processo com

características estáveis e que, assim sendo, quaisquer modificações na distribuição ocorrem

muito lentamente. No Brasil, a desigualdade estaria profundamente associada à estrutura de

distribuição da posse da terra. O autor destaca que nos Censos de 1920, 1940, 1950 e 1960,

o índice de concentração da posse da terra permaneceu praticamente estável, o mesmo

ocorrendo com a distribuição da renda. Isto poderia ser explicado pelo fato de que durante a

colonização, não havia lugar para a pequena propriedade, tendo em vista a centralidade

econômica das exportações em larga escala de produtos de alto valor comercial como o

açúcar, o algodão, o café, a borracha e o cacau. Além disso, a maioria destas culturas

utilizava em sua produção a mão-de-obra escrava. Ou seja, tanto as condições econômicas

como a estrutura social contribuíram para tornar inviável a organização agrária democrática

e de larga repartição da propriedade fundiária.

Além disso, Hoffmann cita ainda as visões de Furtado (1967) e de Castro (1969),

que possuem em comum o fato de relacionar a concentração de renda à história agrícola do

país. Para Furtado (1967), o modelo social herdado da produção açucareira seria

incompatível com a pequena propriedade, além de ser um modelo extremamente

concentrador de renda. Nem mesmo a libertação dos escravos teria contribuído para alterar

83

a distribuição da renda. Segundo o autor: “abolido o trabalho escravo, praticamente em

nenhuma parte houve modificações de real significação na forma de organização da

produção e mesmo da distribuição da renda”.(Furtado, apud Hoffmann, 1978, p. 113).

Além disso, a conciliação da grande propriedade, a monocultura e a concentração de renda

poderiam ser apontadas como as principais causas para a formação de um mercado interno

tão restrito no Brasil. Castro (1969) reafirmaria esta visão, uma vez que segundo o autor:

“o setor agrícola projetou sua imagem sobre o mundo urbano-industrial (...) longe de

livrar-nos das profundas desigualdades e outras características imperantes dos meios

rurais, o desenvolvimento urbano-industrial a elas se adaptou” (Castro apud Hoffmann,

1978, p.114).

O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL

Passemos agora para uma breve análise do processo da industrialização no Brasil.

Fundamentalmente, dividiremos o processo em três fases. O período inicial se estende até a

década de 30, em que a industrialização incipiente surge como um reflexo ou uma

complementaridade da economia cafeeira. A seguir, nos depararemos sobre o período entre

as décadas de 30 e 60, tradicionalmente denominado como o período da substituição de

importações. Finalmente, nos concentraremos nas décadas de 60 e 70, em que as análises

relativas à distribuição de renda assumem um papel de destaque no debate do padrão de

industrialização “pós-substituição de importações” em curso naquele momento.

Em todos estes períodos, os aspectos relativos à demanda estiveram sempre

presentes nas análises relativas à tomada de decisão de investimento. Isto se diferencia,

portanto, das análises de cunho macroeconômico, que predominam desde a década de 80,

quando outros fatores, que não os relativos ao mercado interno, mas variáveis determinadas

pelas condições vigentes na economia financeira internacional, passaram a predominar nas

análises econômicas, como veremos no próximo capítulo.

Desta maneira, o processo de industrialização brasileiro pode ser lido à luz das

categorias teóricas de autores como Marx, Keynes, Kalecki, Steindl, sobretudo nos aspectos

destacados no primeiro capítulo desta dissertação. Este será, portanto, o nosso esforço ao

longo deste capítulo, ou seja, indicar as influências destes autores na literatura econômica

84

brasileira relativa à industrialização, crescimento econômico e distribuição de renda. Assim

sendo, sempre que possível, tentaremos relacionar o processo histórico descrito às

categorias teóricas do primeiro capítulo. Ao final do capítulo, será apresentada, ainda, uma

análise mais detalhada do processo histórico, com especial atenção para os indicadores que

caracterizam este processo.

Do café aos primórdios da industrialização

Para a grande maioria dos autores brasileiros a tratar do tema das origens da

industrialização, esta se inicia a partir das condições prévias de acumulação oferecidas pela

economia colonial cafeeira. As políticas públicas adotadas para defender o preço do café no

início do século XX assumiram um papel fundamental, uma vez que foram essenciais para

a garantia da demanda efetiva em tempos de crise do preço internacional do café,

favorecendo assim a acumulação de capital.

No final do século XIX e início do século XX, a situação era extremamente

favorável para a expansão da cultura do café no Brasil. A abundância de terras e a

elasticidade de oferta de mão-de-obra não ofereciam limites físicos para a realização de

novas plantações. Além disso, a inflação de crédito despertada pela política do

“Encilhamento” acabou por favorecer as exportações do produto, dadas as suas

conseqüências depreciativas sobre a taxa de câmbio. Completando este quadro, dada a

importância fundamental do café na composição da renda nacional, foram estabelecidas,

por diversas vezes, políticas de valorização e de defesa do café frente a crises

internacionais. Elas consistiam basicamente na compra dos excedentes pelo poder público,

no financiamento da armazenagem por empréstimos estrangeiros e numa elevação dos

impostos sobre as exportações do café para financiar os serviços destas dívidas.

Assim sendo, não havia outro incentivo para os cafeicultores senão reinvestir os

capitais acumulados na própria produção do café. Como afirma Tavares (1981), as

exportações cafeeiras seguiam sendo a principal componente autônoma do crescimento e da

composição da renda nacional. Ou, segundo a denominação de Furtado (1967), a produção

de café se constituía o “centro dinâmico da economia brasileira”. Apesar das concepções

85

teóricas da lógica da acumulação de Marx e da importância das expectativas quanto aos

lucros de Keynes terem sido formuladas a partir de uma observação daquilo que ocorria na

indústria, podemos transportar estes elementos para a acumulação cafeeira, notando nesta

lógica um próprio embrião do capitalismo no Brasil, mesmo que ainda não comandado pela

indústria nem com o pleno desenvolvimento das relações sociais capitalistas de produção.

Neste período, portanto, o esboço de industrialização que se observava no país se

inseria na dinâmica interna da acumulação cafeeira. Mais precisamente, podemos observar

o surgimento da produção de alimentos e alguns bens de consumo manufaturados,

sobretudo de indústrias tradicionais como tecidos, calçados, vestuário, móveis, etc. e

alguma produção visando atender as necessidades da incipiente urbanização. Aqui podemos

destacar mais uma vez a centralidade da demanda como um fator crucial para a decisão de

produção de uma indústria que ainda desenvolvia os seus primeiros passos. Todavia, como

podemos observar a partir das vantagens oferecidas pela economia cafeeira, os lucros

oferecidos por estas atividades industriais não chegavam a se constituir um montante

suficiente para, nesta época, deslocar o centro dinâmico da economia. Pelo contrário, a

industrialização seguia uma trajetória de complementaridade à economia cafeeira.

Uma afirmação de Tavares (1986) resume a motivação de investimento em uma

perspectiva que une as visões de Marx, Keynes, Kalecki, Steindl, e demais autores a tratar a

relação entre a decisão de investimento e as expectativas sobre os lucros: “os determinantes

do investimento não são estáticos, a margem do lucro tem de crescer no tempo para

manter os investimentos industriais”. (Tavares, 1986) Ou seja, o capitalista só irá investir

naquilo que sob a sua expectativa, é o negócio mais lucrativo. E, neste período, o negócio

mais lucrativo seguia sendo o café. Desta maneira, o cafeicultor se constituía o agente

social principal da acumulação.

Enquanto o preço do café não baixasse no cenário internacional, os capitais seriam

reinvestidos nas plantações. Dados os incentivos conferidos pelo poder público, o preço do

café era defendido e, desta maneira, a oferta crescia ininterruptamente. Segundo Celso

Furtado, em Formação Econômica do Brasil, sendo o café um produto colonial primário, a

demanda, ao contrário da oferta encontrava um limite dado pelo mercado consumidor

mundial. Além disso, a demanda do café era inelástica às modificações dos preços do

86

produto. Isto levaria, portanto, a um desequilíbrio estrutural no mercado de café, exigindo o

recrudescimento constante das políticas de valorização do produto.

Em 1929, no entanto, a Grande Depressão veio a modificar radicalmente este

quadro. Apesar da superprodução que se observava, a impossibilidade de se obter créditos

no exterior e a queda radical do fluxo de comércio internacional faziam com que se

tornasse necessário o abandono dos programas de valorização nos moldes em que eles eram

concebidos, ou seja, o armazenamento dos estoques.

A solução encontrada foi a destruição dos estoques. Furtado (1967) afirma que, à

medida que isto foi feito, foi preservada a demanda efetiva “à lá Keynes”, assim como o

emprego e a renda, além do multiplicador keynesiano: “Ao garantir preços mínimos de

compra, remuneradores para a grande maioria dos produtores, estava-se na realidade

mantendo o nível de emprego na economia exportadora e, indiretamente, nos setores

produtores ligados ao mercado interno. Ao evitar-se uma contração de grandes

proporções na renda monetária do setor exportador, reduziam-se proporcionalmente os

efeitos do multiplicador do desemprego sobre os demais setores da economia” (Furtado,

1967, p. 219-20).

Esta afirmação de Furtado, além de claramente resgatar as categorias keynesianas,

tem o mérito de explicitar a interdependência e a complementaridade entre o setor cafeeiro

e o setor industrial interno e incipiente, sendo que esta relação se dá basicamente a partir do

multiplicador dos gastos autônomos. Assim sendo, segundo Furtado podemos afirmar que:

“A política de defesa do setor cafeeiro nos anos da Grande Depressão caracteriza-se num

verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil,

inconscientemente uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer

preconizado em qualquer dos países industrializados”. (Furtado, 1967, p. 222).

Desta maneira, em uma clara defesa da demanda em oposição aos defensores da Lei

de Say, podemos afirmar que o poder de compra criado contrabalançou a redução dos

investimentos, com a única diferença de que a partir deste movimento não foi criada uma

capacidade produtiva adicional. Finalmente, recuperando as categorias de Steindl e as

relacionando com a demanda efetiva, Furtado destaca que “nessas etapas é de muito maior

87

importância criar capacidade produtiva que induza a utilizar capacidade produtiva, que

aumentar essa capacidade produtiva”.(Furtado, 1967, p.224).

De olho no mercado interno: o processo de industrialização por substituição de importações

Como vimos na seção anterior, a política de defesa do setor cafeeiro teve o mérito

de manter a demanda efetiva e o nível de emprego nos outros setores da economia (Furtado,

1967; Tavares, 1981). No entanto, a partir deste período, o café não se constituiu mais o

destino privilegiado da acumulação. A gravidade da crise do comércio exterior e a queda

dos lucros do setor externo e a manutenção da renda interna, que permitiu que a economia

brasileira se recuperasse da crise mundial bem à frente de outros países4, conferindo uma

expectativa de rentabilidade no setor interno, nos permitem afirmar que foi conferida uma

importância crescente à demanda interna como o principal propulsor da acumulação.

Furtado (1967) destaca ainda a existência de capacidade ociosa e a existência de um

pequeno núcleo produtor de bens de capital como um dos fatores que permitiram a

alavancagem da produção industrial.

A partir deste período, passa a ocorrer uma preponderância dos setores ligados ao

mercado interno no processo de formação de capital e uma fuga de capitais do setor

cafeeiro. A economia brasileira passa, portanto, pelo deslocamento do centro dinâmico,

para seguir a terminologia de Furtado (1967). Podemos afirmar que o capitalismo se

consolida em sua forma mais tradicional, qual seja, a industrial. Os investimentos passam, a

constituir, então, a principal componente autônoma do crescimento.

Sobre o “deslocamento do centro dinâmico” e a nova etapa da industrialização que

se inaugura no Brasil na década de 30 do século XX, com a preponderância do mercado

interno, o artigo de Maria da Conceição Tavares “Auge e Declínio do Processo de

Substituição de Importações” constitui leitura fundamental.

Neste artigo, a autora destaca a importância da Grande Depressão e das políticas de

defesa da renda interna e da demanda efetiva, assim como das políticas comerciais e

4 Furtado destaca as especificidades da acumulação cafeeira e o insucesso de países que seguiram políticas ortodoxas, se mantendo na dependência externa da recuperação do comércio de matérias-primas como causas desta diferença de processos de recuperação.

88

cambiais como um estímulo para a produção interna. Afinal, se por um lado, a crise do

comércio exterior representou uma queda da ordem de 50% da capacidade de importar, por

outro a manutenção da demanda interna e a existência de uma capacidade produtiva

incipiente subutilizada permitiram que se iniciasse o processo de substituição das

importações pela produção interna. Este processo foi acentuado com o encarecimento das

importações através das políticas seletivas de restrições e controle das importações e de

elevação das taxas de câmbio. Através destas políticas, o governo teria direcionado a

capacidade para importar disponível para a compra de bens de capital e de matérias-primas

em detrimento das importações de produtos não-essenciais, alavancando assim o “novo

modelo”, centrado no investimento industrial como motor interno do dinamismo

econômico brasileiro.

Assim sendo, neste período, deixava de predominar a disparidade que existia entre a

estrutura de produção e de demanda, contrabalançada pelo comércio exterior. Uma vez que

os investimentos se tornavam endógenos, fazendo operar o multiplicador dos gastos

autônomos, o dinamismo econômico passava a se dar fundamentalmente a partir da

influência de condicionantes internos do processo. Fatores como o nível e a distribuição de

renda, atual e futuros, se tornavam essenciais para a formação das expectativas do

empresariado industrial, resgatando assim uma perspectiva de Keynes e de Kalecki-Steindl,

em que as decisões de investimento estão orientadas essencialmente por aquilo que

acontece do lado da demanda efetiva.

Novos setores passaram a operar internamente, portanto, com o intuito de suprir a

demanda insatisfeita pelas importações. No entanto, conforme já foi destacado no início

deste capítulo, a internalização insuficiente da produção interna de bens de capital nos

países subdesenvolvidos acabou por comprometer futuramente o processo de

industrialização por substituição de importações, em função da necessidade crescente de

divisas, ou seja, o que se convencionou chamar o estrangulamento externo da capacidade

para importar.

Neste ponto, reside a contradição interna básica do processo, ou seja, o antagonismo

entre o crescimento do produto e a limitação da capacidade para importar. O acentuamento

das restrições externas acabou por propiciar uma nova onda de substituições, gerando, para

89

Tavares (1981) uma dinâmica própria para o processo de substituição de importações, que

consistiria em um processo de sucessivas respostas a “barreiras externas”, até que o

processo de desenvolvimento ganhasse suficiente autonomia com a diversificação da

estrutura produtiva e o avanço da substituição das importações em novas faixas de

produtos.

No entanto, este processo, que se iniciaria com as substituições nos bens de

consumo finais e não-duráveis, passando para os bens de consumo duráveis, intermediários

e, finalmente, os de bens de capital, encontraria, devido a problemas de natureza interna e

externa, dificuldades crescentes à medida que os produtos de maior complexidade

tecnológica e intensidade de capital fossem sendo substituídos, acirrando as contradições

internas citadas acima, arrefecendo assim o dinamismo do processo.

No caso brasileiro, o processo de substituição de importações teria levado à

instalação de diversos ramos industriais, destacando-se a siderurgia, a petrolífera, a

metalurgia de não-ferrosos, celulose, papel, química, bens de consumo, automobilística,

construção naval, material elétrico e algumas faixas de bens de capital mecânicos.

Como conseqüência, no entanto, este processo teria, segundo Tavares (1981), dado

lugar uma estrutura econômica e social em que predominaria o desequilíbrio social,

caracterizado pelos desníveis de renda entre a população ocupada nos setores mais

atrasados e nos setores mais desenvolvidos. Dada a incapacidade de os setores dinâmicos

abrirem oportunidade de emprego em ritmo capaz de absorver as massas crescentes de

população, a disparidade teria aumentado com o processo de substituição de importações.

Além disso, o crescimento do mercado interno no Brasil teria sido insuficiente para

garantir um crescimento econômico sustentável. Para Tavares (1981), isto se daria pela

impossibilidade de incorporar parcelas crescentes do mercado consumidor inerente à

estrutura da distribuição de renda. Segundo a autora, em consonância com a visão de

Kalecki sobre a funcionalidade da distribuição de renda para o dinamismo econômico,

apenas um programa de reforma agrária que estimulasse a incorporação do consumo de

massa poderia garantir a reversão deste quadro.

Francisco de Oliveira, em seu artigo “Crítica à Razão Dualista”, nos apresenta uma

visão distinta daquilo que se passou após a década de 30. Para o autor, que faz um resgate

90

da perspectiva marxista da luta de classes e de modo de produção, a industrialização teria se

dado como uma decorrência das transformações estruturais de reposição das condições de

expansão do modo capitalista de produção.

Ou seja, o início da década de 30 marcaria o fim de um ciclo e a reformulação das

condições sociais operadas a partir do Estado. A criação das condições institucionais para o

funcionamento do mercado interno seria caracterizada pela regulamentação do trabalho

assalariado. Para o autor, o Estado, ao fixar as “regras do jogo”, entre o capital e o trabalho,

estaria fundando as bases e criando as condições para a acumulação de capital e a formação

do “exército industrial de reserva”. Isto seria feito, por exemplo, a partir do nivelamento

por baixo dos salários. A intervenção do Estado nas demais esferas econômicas, seja pela

fixação de preços, distribuição de ganhos e perdas, os gastos fiscais com fins produtivos, a

produção subsidiada para outras atividades teria ainda contribuído para fazer da empresa

capitalista industrial a unidade mais rentável do conjunto da economia, colocando assim a

indústria no centro do sistema capitalista brasileiro.

Além do Estado, a agricultura funcionaria a partir de suas exportações para garantir

as divisas necessárias para satisfazer as necessidades de importação de bens de capital e

bens intermediários necessários para a produção interna, de forma a não “obstaculizar” a

acumulação industrial. Aqui neste ponto, cabe distinguir as diferenças entre as visões de

Tavares (1981) e de Oliveira (1975). Para Oliveira (1975), não existiria o dualismo

apontado na análise de Tavares (1981), mas, como podemos perceber, o atrasado

(agricultura) e o moderno (industrial) seriam as duas faces do mesmo processo, mantendo

entre eles uma relação de interdependência. Além disso, os baixos salários rurais teriam o

papel de rebaixar os preços dos salários no próprio setor industrial urbano, além de ampliar

o exército industrial de reserva. Finalmente, o custo de alimentação teria um impacto direto

sobre o nível de salários reais. Desta maneira, a concentração da renda, longe de ser uma

conseqüência do processo de industrialização, é vista pelo autor como uma das causas

preponderantes de criação de condições para a acumulação industrial.

No que diz respeito à análise tradicional da substituição de importações, Oliveira

(1975) destaca que esta análise está referenciada nas necessidades de consumo e não da

produção. A análise centrada na lógica da acumulação deveria se pautar, portanto, na

91

exploração da força de trabalho, ou seja, nos custos de produção. A necessidade de produzir

internamente bens de consumo das classes populares trabalhadoras mais baratos e não a

necessidade de divisas seria o fator que teria gerado inicialmente a busca da produção

interna, de forma a permitir a redução dos salários. Afinal de contas, sob uma perspectiva

marxista, o excedente é criado internamente na produção a partir da diferença entre o

salário real e a produtividade, e não nas vendas.

Sobre a consolidação do setor industrial e a liderança no processo de decisão de

investimento, cabe resgatar ainda alguns pontos destacados por Furtado (2000) em seu

artigo “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”. Neste artigo, Furtado (2000) destaca

diversos pontos que consubstanciam as categorias teóricas do primeiro capítulo desta

dissertação.

Entre outras questões, Furtado (2000) destaca o papel central da classe empresarial

no sentido de liderar a utilização de forma reprodutiva de uma parte substancial da renda.

Para isto, nas economias centrais, teriam sido necessárias a desorganização do artesanato e

a expropriação do trabalhador. Neste ponto, Furtado (2000) recupera a visão marxista da

acumulação sob ótica da luta de classes e da exploração.

Além disso, no que diz respeito ao papel dominante da classe empresarial capitalista

nesta lógica, Furtado reconhece um dos pontos fundamentais da obra de Keynes e Marx,

que como vimos, foi destacado por Cardim de Carvalho (1992) no primeiro capítulo desta

dissertação, ou seja, o fato de que a decisão de investimento, motor da acumulação

capitalista, é uma atribuição do capitalista, motivado, sobretudo pela expectativa de

realização dos lucros.

Sobre este ponto, especificamente, Furtado (2000) destaca que em uma economia

industrial, o lucro industrial “só tem existência real quando o bem produzido é vendido ao

consumidor final”. (Furtado, 2000, p. 243) Aqui, claramente, o autor reafirma a

importância da demanda efetiva e da realização da mais-valia.

Finalmente, o artigo fundamenta-se na divisão da produção em bens de consumo e

bens de capital e no reconhecimento de que nas primeiras fases do capitalismo industrial, os

salários são pagos em nível de subsistência. Mais uma vez, temos a incorporação dos

92

esquemas sociais de reprodução de Marx e de Kalecki como categorias de análise

econômica resgatadas por Furtado (2000).

O debate acerca da funcionalidade da distribuição de renda para o padrão de desenvolvimento nas décadas de 60 e 70

Esgotado o impulso da dinâmica da industrialização pela substituição de

importações, o Brasil atravessou no início da década de 60 um período de recessão. Neste

período, diversos autores chegaram a cogitar que o país estivesse vivendo a estagnação do

seu desenvolvimento industrial. No entanto, alguns anos mais tarde, a retomada das taxas

de crescimento econômico, sobretudo do setor industrial, revelou que se inaugurava um

novo padrão de desenvolvimento, que se convencionou chamar de “milagre brasileiro”.

As reformas institucionais estabelecidas com o Plano de Ação Estratégica do

Governo (PAEG) no início do regime militar tiveram um papel preponderante neste

sentido. Não obstante, a constatação de que o crescimento econômico no período foi

acompanhado de uma brutal concentração da renda suscitou para diversos autores a idéia da

existência de uma funcionalidade da concentração de renda para o próprio sucesso dos

resultados obtidos pela atividade econômica.

Ao tratar desta época, inúmeros autores discutiram as possíveis relações entre o

padrão de crescimento e a distribuição de renda, chegando à conclusão de que o tipo de

crescimento teria sido condicionado e favorecido pela concentração. Cabe destacar que,

segundo os dados oficiais apresentados por Hoffmann (1978), metade da população não

teria se beneficiado do crescimento econômico. Além disso, enquanto o salário mínimo real

diminuía, o salário real médio na indústria aumentava, revelando a concentração salarial

que se dava em favor de uma “elite” de trabalhadores industriais. Finalmente, temos o fato

de que o padrão tecnológico dos setores que lideraram esta expansão era claramente

capital-intensivo, e, assim sendo não eram muito geradores de emprego.

Em suma, a maioria dos autores a tratar do tema apresenta a convicção de que a

funcionalidade da concentração da renda para a industrialização passava basicamente pelo

93

condicionamento da estrutura de demanda à capacidade produtiva, facilitado pela ação das

políticas econômicas oficiais sobre a distribuição de renda. Segundo Furtado (1975), o novo

padrão de desenvolvimento teria se apoiado na transferência de renda para uma minoria

privilegiada de classes médias altas, cuja diversificação do consumo teria propiciado a

instalação de novos ramos de bens de consumo duráveis em escala suficientemente

numerosa para a capitalização e a realização destes novos investimentos. Ou seja, em países

subdesenvolvidos como o Brasil, o progresso técnico, ao invés de transformar os processos

de produção, teriam apenas modernizado os hábitos de consumo, agravando a concentração

de renda e o próprio quadro de subdesenvolvimento.

Estaríamos diante de uma nova estratégia de industrialização, em que a reorientação

do processo de concentração da renda e da riqueza teria configurado a formação bruta de

capital e a ampliação do mercado consumidor para a produção de bens duráveis. Cabe notar

aqui o papel da política salarial, que, ao reduzir drasticamente a taxa de salário real básica,

teria favorecido o processo de concentração da renda e de acumulação de capital sob os

novos investimentos. Afinal, como é colocado por Wells (1978), em uma realidade em que

predomina a oferta de trabalho não-qualificado, a fixação do salário mínimo pelo Estado

assume um papel crítico na determinação da distribuição global dos rendimentos.

Seguindo a tradição de Steindl, Tavares e Serra (1981) destacam o papel da

capacidade ociosa, tanto para explicar o lento crescimento entre 1961 e 1967, como para se

entender a própria recuperação observada com o “milagre”. Para os autores, os

investimentos maciços realizados no final da década de 50 estariam muito à frente da

demanda pré-existente. Isto se deveria, entre outros motivos, ao aumento de escala exigida

pelo avanço do processo de substituição de importações, muito maior do que o tamanho do

mercado.

Assim sendo, a política salarial e o decorrente processo de concentração de renda

teriam sido de fundamental importância para a ocupação desta capacidade já instalada, uma

vez que, a partir deste processo de elevação da renda dos setores da classe média de alto

poder aquisitivo, foi possível a incorporação deste grupo ao consumo dos bens de consumo

duráveis, que se caracterizariam pela alta densidade de capital em sua produção e pelo alto

valor unitário das mercadorias vendidas.

94

Ainda neste célebre artigo, denominado “Além da Estagnação”, os autores

reafirmam que o esgotamento do dinamismo do desenvolvimento industrial foi precedido

por uma crise, que caracterizou a transição para um novo modelo de acumulação capitalista

no Brasil. Este novo padrão de dinamismo expressar-se-ia pelo seu caráter excludente, uma

vez que, segundo os autores, o capitalismo se reproduz pela capacidade de geração de

excedente econômico intercambiável e não pelo número de pessoas incluídas no mercado

consumidor. Desta maneira, a crise, que se expressaria na contradição entre a produção e a

realização da mais-valia, encontraria solução na redistribuição regressiva da renda em favor

das classes médias e altas, aumentando assim o excedente intercambiável e o poder de

compra destinado aos bens de consumo duráveis, promovidos pela política econômica.

Sobre as reformas do PAEG, os autores destacam, em consonância com a visão de

Furtado (1975), que a inflação acelerada propiciava o declínio da rentabilidade e dos lucros

esperados, reduzindo assim os investimentos realizados, em clara alusão ao papel das

expectativas e ao processo de tomada de decisão de investimento keynesiano. Além dos

mecanismos de concentração de renda, os autores consideram ainda a concentração do

poder do Estado e do controle financeiro e tecnológico do capital internacional exercido

pelas multinacionais como de fundamental importância para o caráter do padrão de

industrialização vigente durante o “milagre brasileiro”.

Em outro artigo denominado “A reconcentração da renda: justificações,

explicações e dúvidas”, Serra (1978) afirma que a concentração de renda neste período

favoreceu a concentração do poder de consumo em benefícios das camadas mais altas da

população. No entanto, ao contrário de visões que privilegiam o aumento da propensão

média a poupar, mas em consonância com o princípio da demanda efetiva, Serra (1978)

destaca que os investimentos realizados não decorrem de um aumento da poupança causada

pelo aumento da regressividade na distribuição da renda, mas pelo próprio aumento do

consumo. Afinal, seguindo a tradição keynesiana, “não se investe porque existem

poupanças previamente disponíveis, de pessoas ou empresas, e sim de acordo com as

expectativas de rentabilidade vis a vis o custo de obter recursos financeiros”. (Serra, 1978,

p. 268) Pelo contrário, eles teriam ocorrido pelas expectativas favoráveis decorrentes da

ampliação do mercado consumidor e da ampliação da capacidade de endividamento,

estimuladas pela política econômica dos primeiros anos do regime militar.

95

Diferentemente das visões apresentadas até aqui, Francisco de Oliveira (1975),

apesar de privilegiar as categorias marxistas de análise, chega a conclusões bastante

semelhantes quanto à funcionalidade da distribuição de renda para o padrão de

industrialização observado no Brasil no período considerado. Para ele, a taxa de exploração

é uma categoria fundamentalmente necessária para a compreensão do processo de expansão

do sistema capitalista. Assim sendo, a concentração de renda teria um papel crítico para a

ulterior expansão da industrialização no Brasil.

Segundo Oliveira, as políticas adotadas no PAEG para o controle da inflação teriam

assumido um papel decisivo para a recriação das condições para a realização dos

investimentos públicos e privados, cabendo especial destaque para a regressividade da

reforma fiscal, o controle salarial e o estabelecimento de um mercado de capitais, sobretudo

no que diz respeito ao crédito ao consumidor, fatores que contribuíram para transferir às

classes mais baixas o ônus do combate à inflação. Desta maneira, podiam ser atendidas as

necessidades estruturais da acumulação, no que diz respeito à superexploração da força de

trabalho, além de estarem garantidos os elevados lucros para que pudesse se dar a expansão

da industrialização capitalista. Ou seja, a partir de 1964, no Brasil, a exclusão se tornaria

um elemento vital para o dinamismo econômico dos setores que lideravam o processo.

Aqui, podemos ressaltar o papel de fatores ligados à demanda efetiva para a

compreensão do problema da tomada de decisão de investimento e da acumulação no

capitalismo brasileiro. O tamanho do mercado consumidor e a estrutura da demanda em

relação à distribuição da renda são fatores internos considerados fundamentais para a

compreensão do processo de decisão capitalista, assim como para a conformação dos

investimentos realizados e a configuração da estrutura produtiva. Além disso, podemos

retomar ainda diversos aspectos abordados no primeiro capítulo desta dissertação como o

papel das expectativas, o grau de utilização da capacidade, os esquemas sociais de

reprodução.

Dentre estes aspectos, cabe destacar o papel da distribuição de renda. Ao contrário

da visão kaleckiana, que apontava para uma relação virtuosa entre a distribuição de renda e

o crescimento econômico, o caso brasileiro nos revela uma relação contrária: a

concentração da renda acaba por ter, pelo menos até a um certo ponto, um efeito positivo

96

sobre o crescimento econômico. Segundo Tavares (1978), isto pode ser explicado pelo

papel diferenciado exercido pelo consumo capitalista nos países subdesenvolvidos. Ao

invés de funcionar com uma mola propulsora da acumulação “à lá Kalecki”, o consumo

capitalista acaba por comprometer o próprio consumo dos trabalhadores. Isto decorre, entre

outros fatores, de uma distribuição regressiva da renda, oriunda das dificuldades de que se

estabeleça espontaneamente nos países subdesenvolvidos um departamento DII , produtor

de bens de consumo para os capitalistas. Este por sua vez, não se estabelece, devido,

principalmente ao fato de o progresso técnico ser exógeno ao conjunto destes países. Como

já vimos anteriormente, a dificuldade de estabelecimento de um DII acaba por

comprometer a incorporação da mão-de-obra, contribuindo para a deterioração da

distribuição da renda.

Tomando a divisão da produção em dois setores, produtores de bens de consumo e

de bens de produção e considerando que as relações básicas de um padrão de acumulação

configuram a estrutura da produção e a repartição da renda, podemos identificar, sob uma

perspectiva marxista-kaleckiana, a existência de uma articulação endógena entre a

distribuição da renda e o crescimento econômico. Nos países desenvolvidos, as

contradições deste processo seriam, como vimos, resolvidas dinamicamente pela ação do

progresso técnico e da incorporação da mão-de-obra, sobretudo nos setores produtores de

bens de capital e de bens de consumo para os capitalistas. Já nos países subdesenvolvidos, a

instalação dos setores modernos acabaria por necessitar de uma concentração progressiva

da renda que favorecesse o novo padrão de acumulação vigente no país.

Em suma, conforme a descrição de Kuznets (Oliveira, 1975), ao invés de seguir a

trilha dos países desenvolvidos, que, com a progressiva organização dos trabalhadores e a

formulação de uma legislação social que coibisse o excesso de exploração, acabaram por

conferir um novo modo de funcionamento e de dinamismo ao capitalismo, revertendo as

desigualdades iniciais dos primeiros estágios de desenvolvimento, os países

subdesenvolvidos acabam por seguir uma outra direção. A concentração de renda utilizada

para fins de crescimento econômico é o mais claro exemplo desta disfunção.

Tais medidas, apesar de funcionarem no curto prazo, acabariam por afastar ainda

mais os países subdesenvolvidos do caminho do desenvolvimento no longo prazo. Segundo

97

Furtado (1975), estes países acabariam por tender a subutilizar a sua capacidade produtiva,

tornando-se estruturalmente incapazes de gerar espontaneamente o perfil de demanda para

se autodinamizar e ampliar a capacidade do crescimento econômico e a resolução dos seus

graves problemas sociais. Furtado (1975) demonstra acreditar, em consonância com a obra

de diversos pensadores da CEPAL, que, pelo contrário, deveria ser feita uma política global

de redistribuição da riqueza e da renda (incluindo a propriedade da terra), que visasse

realocar progressivamente os recursos produtivos para se obter uma constelação de bens

finais e uma massa de empregos em função de um projeto de desenvolvimento social

autônomo. Assim sendo, a distribuição progressiva da renda garantiria que a virtuosidade

do consumo capitalista descrita por Kalecki pudesse ser potencializada para o crescimento

econômico e o desenvolvimento social.

Hoffmann destaca ainda o pensamento de autores como Haq. Segundo este autor, o

fato de o problema básico dos países subdesenvolvidos ser a eliminação da pobreza

permitiria que estes países invertessem o raciocínio usual cristalizado pela chamada “teoria

do bolo”, fazendo com que o próprio crescimento do produto partisse das atividades que

eliminassem a pobreza, ou seja, de uma melhor distribuição da renda, pode-se atingir um

melhor resultado em relação ao crescimento econômico.

Ainda dentro desta linha de raciocínio favorável à distribuição progressiva da renda,

temos a visão de Prebisch. Em seu artigo “Por uma dinâmica do desenvolvimento latino-

americano”, Prebisch (2000) argumenta que a estrutura social se configuraria um obstáculo

para o progresso técnico e o desenvolvimento econômico e social da região. Para o autor, a

prova de robustez e de dinamismo de um sistema econômico seria o fato de imprimir

velocidade ao ritmo de crescimento e concomitantemente melhorar progressivamente a

distribuição da renda.

Desta maneira, o autor defende uma política redistributiva como forma de ampliar o

crescimento econômico e eliminar a indigência e a pobreza da população. Para isso, no

entanto, seria necessária, primeiramente a repressão do consumo dos grupos de alta renda:

“se a repressão do consumo dos grupos privilegiados se traduzisse num aumento contínuo

da acumulação de capital, o nível de vida das massas ir-se-ia elevando com rapidez

progressiva” (Prebisch, 2000, p.455) Afinal, somente uma política redistributiva permitiria

98

que os países da região pudessem atingir os objetivos relativos à ampliação da acumulação

de capital, uma vez que seria notória que esta última seria gravemente prejudicada pelos

padrões exagerados e imitativos de consumo dos grupos de alta renda, sobretudo no que diz

respeito às exigências tecnológicas de sua produção.

Finalmente, cabe destacar os pontos de vista apresentados por Tauile e Young no

artigo “Concentração de Renda e Crescimento Econômico: Uma Análise sobre a Década

de Setenta”. Neste artigo, os autores retomam criticamente o debate sobre a funcionalidade

da concentração de renda para o padrão de crescimento econômico da década de 70. Sob

uma perspectiva da demanda efetiva e não uma visão conservadora que privilegiasse que o

controle salarial significasse uma liberação de recursos para os investimentos, os autores

seguem a linha apontada pelos primeiros autores discutidos nesta seção e colocam que a

concentração da renda teria o efeito de criar o excedente financeiro para financiar via

crédito ao consumo as compras de bens de consumo duráveis, setor que liderou o

crescimento econômico neste período.

Assim sendo, ao invés de operar sob a perspectiva kaleckiana, em que uma

distribuição de renda menos distorcida gerava o efeito multiplicador e acelerador sobre os

investimentos e o crescimento econômico, a economia brasileira passou a funcionar à luz

de uma espécie de “fordismo capenga”, em que a incapacidade política de atenuar a

concentração da renda e de realizar a reforma agrária acabaria por impedir o

desenvolvimento no Brasil de um mercado interno de consumo de massas compatível com

o potencial da economia brasileira. Ou seja, o nível de demanda acabaria se encontrando

em um nível sub-ótimo em relação às escalas de produção. Além disso, a repressão aos

sindicatos, fruto de um conservadorismo militar atrasado, teria acabado por impedir que os

mesmos desempenhassem a desejável oposição natural de qualquer sistema capitalista,

atravancando assim o desenvolvimento das forças produtivas no Brasil. Completando o

quadro, este padrão de industrialização ainda se mostrava um entrave à geração de

empregos nos setores dinâmicos e à produção de bens de consumo tradicionais.

Tauile e Young (1991) propõem que o desenvolvimento de um setor de crédito, ao

elevar as possibilidades de gasto além dos salários, poderia funcionar no sentido de uma

melhor distribuição da renda, ampliando as escalas, os ganhos de produtividade, e,

99

favorecendo assim, a otimização da utilização da capacidade instalada. O efeito final desta

ampliação do consumo seria a geração de novas expectativas favoráveis no empresariado

nacional com efeitos sobre a produção e as vendas de bens de capital, ou seja, sobre o

investimento, dando início a um círculo virtuoso de resolução das contradições sociais,

políticas e institucionais do país e que combina as diversas correntes teóricas apresentadas

no primeiro capítulo desta dissertação.

O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA ENTRE AS DÉCADAS DE 30 E 70: UMA SÍNTESE EM DADOS ESTATÍSTICOS

O presente capítulo visou demonstrar como a literatura econômica que tratou da

industrialização no Brasil entre as décadas de 30 e 70 do século XX privilegiou categorias

de análise em que os princípios da acumulação, e, sobretudo, da demanda efetiva

desempenharam um papel central. Assim sendo, recorrentemente, os autores se referiam a

conceitos tais como a capacidade instalada, o grau de utilização, a estrutura produtiva, a

distribuição de renda, o tamanho do mercado. Ou seja, a partir desta perspectiva, a decisão

de investimento pode ser vista como, além de uma própria necessidade do processo de

acumulação e valorização do capital, uma decorrência daquilo que se passa no lado da

demanda efetiva e das expectativas de rentabilidade dos capitalistas. Sem dúvida alguma,

esta foi a marca da literatura brasileira sobre a industrialização nos três períodos abordados

ao longo do texto.

Não obstante, a própria realidade econômica do período também contribuiu para

este tipo de análise. Durante estas décadas, o país conviveu com um padrão de

desenvolvimento que conjugou altas taxas de crescimento econômico, com um processo de

crescente industrialização e urbanização. A realidade sócio-econômica do país transformou-

se significativamente, apesar de que uma das maiores mazelas sociais do país, a perversa

concentração da renda e da riqueza praticamente não tenha se alterado.

O objetivo desta seção é apresentar alguns dados que retratem a trajetória destas

transformações, de modo a que possamos compreender como o ambiente econômico do

país pode ter norteado as análises apresentadas até aqui.

100

Em primeiro lugar, temos o crescimento econômico (tabela 2.1). Segundo um

levantamento realizado por Singer (2001) para alguns países selecionados, o Brasil se

destaca entre aqueles que mais cresceram no século XX, tendo apresentado uma taxa média

anual de crescimento entre 1900 e 1994 de 4,4%, perdendo apenas para Taiwan (5,1%) e

Venezuela (4,8%), e ficando à frente de países como Japão (4,2%) e das grandes

superpotências do século XX: EUA (3,2%) e URSS (2,3%). Cabe destacar ainda que o

período de maior crescimento econômico foi entre 1930 e 1980, quando a taxa média de

crescimento foi de 5,9%. Este foi justamente o período analisado neste capítulo, marcado

ainda pelos grandes investimentos produtivos estatais, pela política comercial de

substituição de importações, pelos grandes marcos do planejamento estatal e projetos de

infra-estrutura, ou seja, por uma maior participação do Estado na economia. A partir deste

quadro, podemos constatar ainda a própria desaceleração do crescimento a partir da década

de 80, marcada ainda pela guinada para o predomínio das análises e das políticas de cunho

estritamente macroeconômico, que, como veremos no próximo capítulo, iria influenciar até

mesmo as análises sobre a decisão de investimento e sobre a concentração de renda no

Brasil.

101

Tabela 2.1: Taxa Média de Crescimento Econômico Anual – Países e Períodos Selecionados

País 1900-30 1930-80 1980-94 1900-94 TAIWAN 2,9 6,1 6,5 5,1

VENEZUELA 5,8 5,3 1,4 4,8 BRASIL 3,5 5,9 1,7 4,4 JAPÃO 2,8 5,3 3,4 4,2

MÉXICO 1,3 5,6 3,9 3,7 EUA 3,0 3,4 2,5 3,2 URSS 1,7 3,9 -0,2 2,3

Fonte: Maddison apud Singer, 2001, p. 125.

Como já dissemos diversas vezes, o crescimento econômico do período foi

caracterizado pela presença marcante da industrialização, que pode ser percebida a partir de

diversos indicadores. Segundo os dados do IBGE, podemos analisar a divisão do produto

entre as classes de atividade econômica (tabela 2.2). Desta maneira, a participação média da

indústria na década de 50 era de apenas 27%, muito próximo dos 22% apresentados pela

agropecuária. Nos anos 70, esta participação cresceu para 38,7%, enquanto a agropecuária

caiu para 11,4%.

Tabela 2.2: Industrialização - Participação dos Setores no PIB (%)

Década de 50 Década de 60 Década de 70 Década de 80 Década de 90Agropecuária 22,1 15,1 11,4 10,1 7,4

Indústria 27,0 33,0 38,7 40,6 33,1 Serviços 50,9 51,9 49,9 49,3 59,5

Fonte: IBGE

Também podemos captar o avanço da industrialização pela divisão da população

economicamente ativa por classes de atividades econômicas. De forma semelhante ao

quadro anterior, podemos perceber que, entre 1920 e 1960, enquanto a população ocupada

na agricultura cai de 66,7% para 54,0%, a população ocupada na indústria sobe de 8,2%

para 17,6% (tabela 2.3).

102

Tabela 2.3: População Economicamente Ativa por Atividade Econômica (%)

Atividade 1920 1940 1950 1960

Agricultura 66,7 65,9 59,9 54,0

Indústria 8,2 13,9 17,6 17,6

Serviços 15,8 19,5 22,2 26,8

Outros 9,3 0,7 0,3 1,6

Fonte: IBGE

No entanto, apesar da presença marcante da industrialização e das altas taxas de

crescimento, este processo não se deu de uma forma contínua. Como vimos ao longo do

capítulo, podemos dividir o período em diversos sub-períodos. Desta maneira, cabe

apresentar alguns dados que retratam esta realidade. A partir destes dados, podemos

perceber nitidamente as altas taxas de crescimento do produto e da indústria entre as

décadas de 30 e de 60. Nos períodos entre 1933-42, 1943-52, 1953-62, o produto interno

cresceu, respectivamente, 4,6%, 7,0% e 7,7%, enquanto nos períodos 1933-39, 1939-42,

1942-45, 1945-52 e 1953-62, a produção industrial cresceu, respectivamente 11,2%, 3,9%,

9,4%, 9,8% e 10,0% (Gremaud, 1996)5.

Como já dissemos anteriormente, trata-se do período em que ocorreu

definitivamente a passagem de uma sociedade essencialmente agrária, centrada na

exportação de produtos primários para uma sociedade urbano-industrial, voltada para o

mercado interno. Neste período, as altas taxas de crescimento podem ser atribuídas à

dinâmica do processo de industrialização por substituição de importações.

Basicamente, em resposta ao crescente estrangulamento externo, ou seja, às

restrições da capacidade de importar, o país buscou se tornar menos dependente do exterior,

ou ao menos mudar a natureza desta dependência, o que acarretou sérias transformações da

estrutura produtiva e da pauta de importações. Esta lógica consistiu basicamente na

substituição da importação de produtos de demanda imediata como os diversos tipos de

5 Para série histórica, ver capítulo 3

103

bens de consumo finais para uma progressiva importação de produtos tecnologicamente

mais complexos e que necessitam de um maior volume de recursos para a sua produção.

A produção para o mercado interno exigiria uma importação crescente de matérias-

primas e insumos. Desta forma, o processo que se iniciava a partir de um estrangulamento

externo da capacidade de importar acabaria levando a uma tendência de um novo

estrangulamento externo. Ou seja, o próprio crescimento do produto interno propiciava que

se buscassem formas de restrição às importações de produtos não-essenciais, de forma que

pudesse ser controlada a tendência em relação ao estrangulamento externo.

Desagregando a estrutura industrial por categorias de uso e analisando as

importações brasileiras, podemos compreender um pouco mais as fases e os mecanismos

característicos do processo de substituição de importações. Vejamos, primeiramente o que

diz a tabela 2.4 sobre os setores que lideraram o crescimento econômico nos diversos

períodos.

Tabela 2.4: Estrutura Industrial - Participação por Categoria de Uso (%)

Categorias de Uso 1919 1939 1949 1959

Bens de Consumo Não Duráveis 83,62 75,06 67,77 51,10

Bens de Consumo Duráveis e/ou Bens de Capital 2,54 5,62 6,97 15,46

Bens Intermediários 13,10 18,54 24,28 32,15

Fonte: Malan et al. apud Gremaud, 1996 (a partir dos Censos Industriais)

Seguindo a lógica da dinâmica do processo de substituição de importações, temos

que o estrangulamento externo acentuado leva às políticas de aumento do preço relativo dos

importados e a redução do coeficiente de importações da economia. Assim sendo, podemos

perceber que, em um primeiro momento (décadas de 30 e de 40) este processo beneficiou a

produção dos bens intermediários, enquanto, na década de 50, este processo se acelerou em

favor dos bens de capital e dos bens de consumo duráveis.

104

Estas constatações coincidem com as próprias políticas industriais e comerciais

desempenhadas pelo governo brasileiro no período. Enquanto as décadas de 30 e de 40

foram marcadas pelas restrições comerciais da 2ª Guerra, pelas políticas comerciais de

proteção (discriminação cambial contra os bens de consumo não-essenciais) e pelos

investimentos estatais nos setores de bens de produção (por exemplo, a construção da CSN

em Volta Redonda), fazendo com que o mercado interno se tornasse definitivamente a

principal fonte do crescimento econômico, a década de 50 foi marcada pelos grandes

projetos em infra-estrutura (energia, transportes), o financiamento público via criação do

BNDE e na orientação para a produção interna de bens de consumo duráveis, sobretudo

pelo capital internacional.

A partir da tabela 2.5, podemos ter uma idéia clara das tendências apontadas pelo

processo de substituição de importações em curso no Brasil no que diz respeito ao comércio

exterior. Enquanto os bens de consumo vão ocupando um espaço cada vez menor da pauta

das importações brasileiras, os bens de capital, em um primeiro momento e os bens

intermediários a seguir vão ocupando este espaço.

Tabela 2.5: Importações Brasileiras por Categoria de Uso (%)

Categorias de Uso 1946-47 1951-52 1956-57 1964-65 1974 1980

Bens de Consumo 20.75 14.60 10.10 10.82 8.95 6.30

Não-duráveis 10.35 5.90 6.70 7.83 4.99 3.94

Duráveis 10.40 8.75 3.40 2.99 3.96 2.36

Bens Intermediários 51.55 50.50 60.30 61.93 64.86 73.52

Bens de Capital 27.70 34.95 29.60 26.39 25.37 20.12

Fonte: 1946-61 – FGV (1968); 1965-81 – Cacex, “Brasil – Comércio Exterior”,

1981, Séries Estatísticas, RJ apud Dib, 1985, p. 74.

105

Sem dúvida, este fenômeno é mais um retrato da intensa industrialização vivida no

país no período descrito, tanto pela internalização da produção dos bens de consumo como

pelas necessidades externas decorrentes deste processo (compra de máquinas,

equipamentos e insumos no exterior). Isto pode ser visto ainda a partir da análise dos

coeficientes de importação. Ao longo deste período, podemos verificar a redução global dos

coeficientes de importação como resultado do aumento da produção nacional. No entanto,

podemos perceber a importante participação dos componentes importados para a

manutenção das altas taxas de investimento, sobretudo no que diz respeito à expansão e a

diversificação do parque industrial brasileiro. A tabela 2.6 reflete a evolução dos

coeficientes de importação segundo o seu destino, vem a confirmar esta tendência.

Enquanto os coeficientes de importação voltados para o consumo final se mantêm ao longo

do período entre 1948 e 1960 em quantias irrisórias (entre 0,7% e 4,1%), as importações

para o investimento variam no período entre um mínimo de 16,7% e um máximo de 42,4%.

A critério de ilustração, podemos comparar estes coeficientes com aqueles obtidos

entre 1974 e 2003 (tabela 2.7), seguindo a metodologia utilizada por Tavares (1981). Para

tal exercício, foram consideradas importações para o consumo os bens de consumo

duráveis e não duráveis e os combustíveis. Já as importações para o investimento são

constituídas basicamente das máquinas e equipamentos. Os bens intermediários foram

divididos, entre o consumo (matérias-primas para a indústria química, petróleo, trigo) e o

investimento (materiais metálicos, materiais de construção não-metálicos e as partes

complementares dos bens de capital). Assim sendo, para o cálculo dos referidos

coeficientes dividimos as importações, segundo seu destino, consumo ou investimento, pelo

valor agregado do consumo e do investimento.

Podemos notar, no período, um crescimento dos coeficientes de importação para o

consumo, que passam a variar entre 4,6% e 8,2%,e uma significativa redução do coeficiente

de importação para o investimento, que passa a oscilar entre 5,6% e 17,0%.

106

Tabelas 2.6: Brasil - Coeficiente de Importações

segundo o Destino – 1948/60 (%)

ANO Geral Consumo Final Investimento

1948 10,0 3,3 21,6

1949 9,7 2,6 21,8

1950 10,8 2,2 30,3

1951 15,9 4,1 41,8

1952 14,5 3,1 42,4

1953 9,1 1,4 21,2

1954 11,2 1,6 22,1

1955 8,1 1,2 17,4

1956 7,7 1,2 16,7

1957 8,4 1,1 24,3

1958 7,7 0,7 24,8

1959 7,9 0,8 27,0

1960 7,5 0,9 19,0

Fonte: Tavares, 1981, p. 168 (a partir de dados básicos da FGV e CEPAL)

107

Tabela 2.7: Brasil - Coeficiente de Importações segundo o Destino 1974/2003 (%)

ANO Geral Consumo Final Investimento

1974-79 8,2 7,1 12,0

1980-85 7,9 8,2 7,2

1986-91 4,7 4,6 5,6

1992-97 6,5 5,6 10,1

1998-2003 9,5 7,9 17,0

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados da Funcex e do IBGE

Ainda podemos analisar o fenômeno da industrialização sob a ótica das

modificações setoriais da produção industrial no período (tabela 2.8). Tavares (1981)

descreve estas transformações que levaram à progressiva substituição das indústrias

tradicionais por indústrias modernas ou dinâmicas. Enquanto em 1949, apenas dois gêneros

industriais (alimentos e têxteis) detinham 50% da produção industrial e os demais setores

possuíam participação inferior a 10%, em 1958, estes dois gêneros continham 36% da

produção. A mesma tendência pode ser observada para o conjunto das indústrias

tradicionais (alimentos, bebidas, fumo, têxteis, vestuário, outros), cuja participação total de

70,0% em 1949 passou para 52% em 1958. Enquanto isso as indústrias consideradas

dinâmicas (mecânicas, metalúrgicas, material elétrico, material de transporte e química)

passavam de uma participação de 21,7% em 1949 para 38,0% em 1958.

Este movimento se estende até o início da década de 80, quando a participação das

indústrias tradicionais estabiliza-se em torno dos 30%, sendo que os dois setores citados

acima – alimentos e têxteis – passam a representar a oscilar entre 15% e 20%. Por outro

lado, o setor industrial dinâmico passa a representar mais da metade da produção.

108

Tabela 2.8: Produção Industrial por Gêneros da Indústria de Transformação (%)

Gêneros da Indústria de Transformação 1919 1939 1949 1958 1980 1993-96

TRADICIONAIS 83.1 67.6 70.0 52.4 30.7 32.2

Têxtil 24.4 22.0 19.0 14.1 6.4 4.6

Vestuário e calçados 7.3 4.8 4.4 3.7 4.8 2.5

Produtos alimentícios 32.9 23.6 32.5 22.6 10.0 16.6

Bebidas 5.4 4.3 3.2 2.6 1.2 1.7

Fumo 3.4 2.3 1.4 1.3 0.7 0.7

Outros** 9.7 10.6 9.5 8.1 7.6 6.1

DINÂMICAS 10.3 23.7 21.7 38.0 55.3 52.7

Metalurgia 3.8 7.6 7.7 11.0 11.5 13.1

Mecânica 0.1 1.3 1.6 2.5 10.2 6.3

Material Elétrico e de Comunicações 0.8 1.4 4.4 6.4 6.8

Material de Transporte 1.4 3.3 2.3 6.7 7.6 7.7

Química e farmacêutica 5.0 10.7 8.7 13.4 19.6 18.8

CLASSIFICAÇÃO INTERMEDIÁRIA 5.5 7.4 8.2 9.7 10.1 7.7

Transformação de minerais

não-metálicos

4.0 5.3 4.6 4.8 5.8 2.8

Papel 1.4 1.5 2.0 2.9 3.0 3.1

Borracha 0.1 0.6 1.6 2.0 1.3 1.8

Fonte: Tavares (1981, p.92); Versiani e Suzigan (1990); Bonelli e Gonçalves (1998)

** Inclui : madeira, mobiliários, couros e peles, editorial e gráfica e indústrias diversas

109

Assim sendo, segundo alguns autores, estava sendo criada no período a estrutura

produtiva que permitiria a endogeneização do desenvolvimento industrial no Brasil. Entre

outros fatores, sobretudo, o bloco de investimentos no período entre 1957 e 1962 teria

contribuído para a ampliação da capacidade produtiva e para a instalação de novos ramos

produtivos (material de transporte, elétrico e metal-mecânico) com efeito acelerador sobre o

crescimento econômico no período do “milagre brasileiro”.

Apesar dos maciços investimentos no final da década de 50, o início dos anos 60 foi

caracterizado por um período de recessão econômica. Para os adeptos das concepções

steindlianas, esta crise pode ser tomada como uma crise típica de economia capitalista, em

que a capacidade instalada não pode ser utilizada de imediato, tendo em vista que supera a

demanda pré-existente. Cabe destacar ainda a concepção de que a dinâmica da substituição

de importações encontrava obstáculos nos sucessivos problemas de escala, tendo em vista o

mercado interno extremamente restrito pela perversa concentração da renda.

Além disso, os investimentos realizados na década de 50 encontravam-se ainda em

profundo desacordo com a realidade local, dado o seu componente tecnológico poupador de

mão-de-obra, necessitando volumosos recursos em um país em que predominava a

abundância de força-de-trabalho e a escassez de capital. A conseqüência imediata deste

processo teria sido a recessão vivida pelo país no período 1963-67, que pode ser percebida

pelos baixos índices de crescimento tanto do produto (3,4%) como da produção industrial

(0,8%), segundo os dados do IBGE.

Neste período de recessão, houve ainda uma sensível transformação política com a

vitória conservadora representada pelo Golpe de 64. No campo econômico, ganharam

destaque as reformas institucionais do PAEG. Estas políticas, que visavam

predominantemente o combate à inflação, acabaram, segundo diversos autores, lançando

simultaneamente as bases para as altas taxas de crescimento econômico e industrialização,

assim como para a ampliação da concentração da renda. Segundo esta visão crítica do

“milagre brasileiro”, conjugando-se a existência da capacidade ociosa dos investimentos

dos finais da década de 50 e aplicando-se um severo controle salarial sobre os

trabalhadores, teria sido possível extrair uma funcionalidade para a concentração de renda,

no sentido de adaptar a demanda crescente de setores de classe média alta favorecidos pelas

110

reformas à ampliação da escala produtiva necessária para o novo padrão de

industrialização. O resultado deste processo foi o crescimento econômico (10,6% entre

1968 e 1972 e 7,8% entre 1973 e 1979) e o avanço da indústria (12,6% entre 1968 e 1972 e

8,5% entre 1973 e 1979), novamente segundo os dados do IBGE.

Por outro lado, o fato de que o período registra a liderança dos setores de bens de

consumo duráveis (especialmente o setor de eletroeletrônicos domésticos) e de bens de

capital (tabela 2.9), assim como o agravamento da concentração de renda (tabela 2.10),

reforça o argumento da funcionalidade da concentração de renda nas décadas de 60 e 70.

Tabela 2.9: Crescimento Industrial por Categoria de Uso no Período do

Milagre Brasileiro – 1968-73 (%)

Setor Taxa

BENS DE CONSUMO 11,9

Duráveis 23,0

Eletroeletrônico Doméstico 22,6

Não Duráveis 9,4

BENS INTERMEDIÁRIOS 13,5

BENS DE CAPITAL 18,0

Fonte: Bonelli e Werneck, 1978 (elaboração dos autores a partir de dados do

Censo Industrial de 1970, ANFAVEA, ABINEE)

111

Tabela 2.10: Coeficiente de Gini

Ano Gini 1960 0.4971970 0.5651980 0.5921991 0.637

Fonte: IBGE – “Estatísticas do Século XX” – tabela 3.12

No artigo “Além da Estagnação”, Tavares e Serra descrevem a deterioração da

distribuição da renda no período entre as décadas de 60 e 70. Neste intuito, os autores

propuseram a seguinte estrutura de classes para a sociedade brasileira em 1960: classe A

(classe alta ou burguesia: proprietários e gerentes), classe B1 (classes médias altas: alguns

profissionais liberais, altos funcionários, empresários médios), classe B2 (classes médias

urbanas: burocracia pública e privada, pequenos comerciantes), classe C (classes

assalariadas de base) e classe D (trabalhadores rurais, trabalhadores independentes urbanos

e trabalhadores rurais).

Assim sendo, a dinâmica do propalado processo de funcionalidade da concentração

da renda envolveria, sobretudo, as classes B e C, respectivamente os principais

consumidores dos setores dinâmicos e os principais prejudicados da política salarial ou a

“base de extração do excedente” do padrão de acumulação vigente. Partindo de algumas

hipóteses simplificadoras, os autores concluem pelo crescimento da desigualdade e de uma

maior concentração de renda na cúpula em 1970 em relação a 1960. A tabela abaixo foi

extraída do referido artigo, em que os autores afirmam que as classes A e B1, que, somadas,

representariam 5% da população total, teriam absorvido o grosso dos lucros da

produtividade global do período e recebido 50% da renda total no período em questão

(Tavares e Serra, 1981, p.202). Mais do que isso, poderíamos concluir que para cada cinco

unidades de acréscimo na renda nacional, quatro se destinavam para 20% da população e

apenas uma unidade para os 80% restantes (idem, p. 203).

112

Tabela 2.11: Distribuição da Renda: 1960 e 1970

CLASSE 1960 1970

POPULAÇÃO PARTICIPAÇÃO

NA RENDA (%)

POPULAÇÃO PARTICIPAÇÃO

NA RENDA (%)

A 700.000 (1%) 28 900.000 (1%) 30

B1 2.800.000 (4%) 16 3.600.000 (4%) 20

B2 10.500.000 (15%) 21 13.500.000 (15%) 22.5

C 21.000.000 (30%) 20 27.000.000 (30%) 15

D 35.000.000 (50%) 15 45.000.000 (50%) 12.5

Fonte: Tavares e Serra , 1981, p.200 e p.202 – estimativa dos autores

A análise da concentração da renda no período pode ser vista pela ótica da

distribuição funcional da renda entre salários e lucros. Wells (1978) demonstra que, como

resultado das políticas econômicas e sociais de estabilização e das reformas do PAEG, teria

ocorrido no país uma redistribuição de renda do trabalho para o capital. Esta redistribuição

poderia ser observada a partir da tendência declinante da participação dos salários na renda

nacional nos anos posteriores à implantação destas políticas (de 41% em 1965 para 35% em

1969). O autor chama a atenção ainda para o fato de a constância dos salários nos primeiros

anos das reformas institucionais representar uma tendência histórica contrária àquela que

costuma ser observada em anos de recessão, reafirmando assim a visão de que “a

estabilização salarial obteve sucesso na transferência de renda dos salários para os

lucros” (Wells, 1978, p.194).

Finalmente, podemos analisar as transformações abordadas neste capítulo sob a

perspectiva da demanda efetiva e da decisão de investimento, pilares centrais da releitura

teórica proposta por esta dissertação. A conclusão que podemos tirar, sob a ótica da

113

demanda efetiva e da centralidade do investimento para as taxas de crescimento econômico,

é que o período em questão tenha sido de grande desempenho para os investimentos.

Desta maneira, temos a tabela 2.12, que apresenta as taxas reais de crescimento da

formação bruta de capital fixo para vários qüinqüênios do século XX. Como era de se

esperar, o período que compreende as décadas de 30 e de 80 é marcado pelas altas taxas de

investimento, caracterizando um processo ininterrupto de avanço da industrialização. Neste

período (1926-80), a taxa de crescimento anual média da formação bruta de capital fixo

ficou em 7,2%, cabendo registrar os expressivos crescimentos registrados nos qüinqüênios

1946-50 (17,6%), 1956-60 (9,6%), 1966-70(12,4%) e 1971-75 (15,2%). A partir das

chamadas “décadas perdidas”, conforme análise a ser descrita no próximo capítulo, esta

tendência se reverte significativamente. A queda de 5,3% no qüinqüênio 1981-85 (crise da

dívida) até que chegou a ser recuperada no qüinqüênio 1996-2000. No entanto, o resultado

dos últimos três anos (queda anual média de 3,2%) fez com que o nível de investimento se

situasse, hoje, ainda abaixo do nível de investimento vigente no final da década de 70.

Desta maneira, podemos constatar que, entre 1980 e 2003, a taxa média anual de

crescimento da formação bruta de capital fixo foi negativa em 0,64%.

A análise das taxas de investimento pode ser feita, ainda, pela série histórica da

razão formação bruta de capital fixo / PIB. Tomando períodos de cinco anos, podemos

constatar que este indicador que cresceu ininterruptamente entre 1951 e 1980, passando de

14,6% para 22,7%, a partir de então, passa a apresentar uma tendência declinante, atingindo

um patamar médio de 19,0% no triênio 2001-2003 (tabela 2.13).

114

Tabela 2.12: Taxa Média de Crescimento Anual

da Formação Bruta de Capital Fixo

(%)

Período Taxa

1926-30 -1,1

1931-35 1,7

1936-40 4,6

1941-45 5,8

1946-50 17,6

1951-55 5,9

1956-60 9,6

1961-65 2,6

1966-70 12,4

1971-75 15,2

1976-80 5,6

1981-85 -5,3

1986-90 0,7

1991-95 3,3

1996-2000 1,5

2001-2003 -3,2

Fonte: IBGE

Tabela 2.13: Taxa Média de Investimento

(% PIB)

Período Taxa

1951-55 14,6

1956-60 15,6

1961-65 15,2

1966-70 17,2

1971-75 20,8

1976-80 22,7

1981-85 21,3

1986-90 22,2

1991-95 19,6

1996-2000 19,6

2001-2003 19,0

Fonte: IBGE

CAPÍTULO 3: AS DÉCADAS PERDIDAS EM POLÍTICAS MACROECONÔMICAS

INTRODUÇÃO

A partir da década de 80, ocorreram inúmeras transformações na economia

brasileira e na análise realizada sobre seu desempenho. Aqui cabe destacar as mudanças na

visão sobre os condicionantes da tomada de decisão de investimento, que deixam de

privilegiar aspectos internos como a estrutura da demanda agregada, a distribuição da

renda, a capacidade de produção e o tamanho do mercado. Cada vez mais, condicionantes

macroeconômicos, determinados direta ou indiretamente pelo cenário externo, passam a

assumir um papel central nas análises do investimento. O maior exemplo disso é a

determinação das taxas de juros e a preocupação com o nível de divisas. Contribuíram para

isso a crise da dívida externa, os planos de estabilização, a abertura comercial, a

liberalização financeira e as privatizações, à medida que todos estes fatores trouxeram para

o centro do debate e da análise econômica a condução das políticas macroeconômicas.

Além disso, cabe destacar a mudança de paradigmas propiciada pelo avanço do

neoliberalismo e da globalização financeira, responsável por grandes transformações no

debate e na condução das políticas econômicas.

Não obstante, as décadas de 80, de 90 e o início da década de 2000 podem ser

caracterizados pela retração das taxas de crescimento do produto e da indústria no Brasil, o

que faz com que comumente, sejam denominadas as “décadas perdidas”. Vivemos, desde

então, sob uma constante crise econômica e à luz da estagnação, na ausência de um projeto

nacional de desenvolvimento. Nem é preciso dizer que, no que tange a esta dissertação, a

situação é de completa paralisação quanto às decisões de investimento e ao agravamento da

distribuição de renda. Além das transformações vividas pelo investimento e suas

associações com a macroeconomia globalizada, as análises da distribuição de renda

também vêm sofrendo uma constante dissociação dos aspectos relativos à produção. Desta

maneira, a determinação da distribuição de renda vem sendo cada vez mais atrelada à

questão da educação. Além disso, as políticas distributivas vêm sendo cada vez mais

117

associadas às políticas sociais compensatórias do tipo “combate à pobreza”, como se a

questão distributiva fosse independente da realidade econômica do país.

O NOVO PARADIGMA DO INVESTIMENTO

Os choques do petróleo e as transformações da economia financeira com a reversão

nas condições de financiamento internacional e a elevação das taxas de juros internacionais

marcaram o cenário externo no final da década de 70 e início da década de 80. Esta súbita

elevação das taxas de juros internacionais deu origem no Brasil à chamada “crise da

dívida”, acentuando novamente a vulnerabilidade externa da economia brasileira e

propiciando em 1979 uma crise cambial no país. No nível interno, começava-se a assistir a

deterioração das contas públicas e o aumento das pressões inflacionárias e a sua propagação

devido aos mecanismos de indexação presentes na economia. Sem dúvida, a preocupação

com a inflação assumiu nas décadas de 80 e 90 a centralidade das discussões, tornando-se o

foco principal das políticas econômicas adotadas no país como podemos observar a partir

dos sucessivos planos de estabilização adotados até o Plano Real.

No plano acadêmico, assistíamos, neste mesmo período, à crise do

“keyenesiansimo” e à retomada do liberalismo. O marco político desta passagem é a

ascensão de Thatcher no Reino Unido e de Reagan nos EUA. As políticas neoliberais

podem ser caracterizadas basicamente pelo abandono do “Estado de Bem-Estar Social” e

suas políticas universalizantes; os processos de privatização, de forma a conferir à iniciativa

privada o protagonismo no processo produtivo; e a desregulamentação do sistema

financeiro, de forma a permitir a livre circulação dos capitais. É o período em que começa a

vigorar o que se convencionou chamar “Consenso de Washington”, em que passa a ser

recomendado, para o conjunto dos países, as políticas formuladas em sintonia pelo Fundo

Monetário Internacional e o Banco Mundial, ou seja, a busca de um equilíbrio fiscal,

monetário, cambial; a liberalização comercial e financeira; o confinamento do Estado a

uma atuação mínima, ou seja, basicamente às atividades de educação, saúde e segurança.

118

Além disso, passamos a viver sob a égide do processo de “globalização”,

caracterizado por Malan (1999, p.20), como o período que tornou o “mundo mais

interdependente, no que diz respeito ao comércio, finanças, investimento direto,

tecnologia”. Esta aproximação mundial tem na revolução tecnológica propiciada pela

informática e pelas telecomunicações, um dos seus principais facilitadores. No campo

político, a globalização neoliberal e os preceitos do Consenso de Washington acabaram por

exigir dos países a liberalização comercial e financeira, que resultaram em vantagens

inequívocas para as empresas multinacionais através da descentralização espacial da

produção sob a égide do comércio intrafirmas.

O avanço do neoliberalismo e a preocupação com a inflação transformaram

radicalmente os “paradigmas analíticos utilizados nos últimos vinte anos para interpretar

a realidade brasileira e oferecer as diretrizes de política econômica” (Magalhães, 1999, p.

259). Segundo Magalhães, as teorizações heterodoxas sobre a inflação, centradas no

conflito distributivo e na indexação dos contratos, contribuíram para desviar as atenções

relativas ao desenvolvimento6.

Após as sucessivas tentativas fracassadas de planos de estabilização, o Plano Real

de 1994, consegue, enfim, resolver o problema inflacionário no país. Mesmo assim, a

preocupação com este fenômeno ainda se mostra presente no discurso oficial. Segundo

Malan (1999, p. 19), os três objetivos indissociáveis da política econômica seriam: (a)

preservar a inflação sob controle; (b) crescer de forma sustentada, com mudança

estrutural e aumento da produtividade média da economia; (c) processo de melhora das

condições de vida da maioria da população brasileira. A preocupação com a inflação

justificar-se-ia por se constituir uma “obrigação mínima de qualquer governo” e

“condição sine qua non para outros objetivos” (Malan, 1999, p. 24), assim como haveria

um consenso básico sobre a necessidade da “estabilidade do poder de compra da moeda

nacional, que é a estabilidade do poder aquisitivo do salário do trabalhador brasileiro”

(ibid, p.25) Além disso, haveria para Malan, um falso dilema entre inflação e crescimento,

uma vez que o controle da inflação é visto como indissociável do crescimento sustentado.

6 O autor chega a afirmar que isto não seria necessário, caso fossem utilizados os conceitos utilizados por Lewis (oferta ilimitada de mão-de-obra) ou de Prebisch (desemprego estrutural) em suas análises sobre o desenvolvimento

119

Para o autor, “o crescimento sustentado depende de fundamentos, de estruturas, de

investimentos e de poupanças” (ibid, p.28).

Além disso, segundo esta concepção, a eliminação da inflação é encarada como uma

condição positiva para os investimentos ou um “fundamento macroeconômico”, uma vez

que recuperaria os horizontes de cálculo empresarial e aumentaria as poupanças privadas

domésticas. O controle dos déficits externos (via aumento das exportações, redução do

“custo-Brasil”) e fiscais (controle dos orçamentos públicos) também contribuiriam para a

elevação da poupança interna necessária, segundo a visão ortodoxa, para o financiamento

dos investimentos. Paradoxalmente, o controle continuado da inflação passaria pela adoção

de políticas monetárias e fiscais, que, como veremos a seguir, acabaram, justamente,

comprometendo o investimento agregado. No entanto, não há como negar a importância da

estabilização para a acumulação capitalista em sua vertente financeira.

Seguindo a tradição apontada por Malan (1999), Goldenstein (2001) atribui as

transformações vividas pela economia brasileira às mudanças profundas do capitalismo no

plano internacional. A revolução tecnológica teria proporcionado uma “mudança radical no

paradigma produtivo, com impactos extraordinários no sistema financeiro internacional,

nas estruturas produtivas, nas relações entre diferentes economias e, conseqüentemente,

nas economias nacionais” (Goldenstein, 2001, p. 212) Assim sendo, estas transformações,

produtivas, tecnológicas, comerciais e financeiras, estariam revolucionando não só os

países centrais como as suas relações com os países periféricos, sobretudo no que diz

respeito à necessidade de integração e abertura comercial, dado que o estágio atual das

forças produtivas tornaria proibitivo o isolamento e as práticas protecionistas do passado.

No que se refere às análises do investimento, a autora afirma que “as novas

dinâmicas produtivas e financeiras que vêm se impondo exigem novos instrumentos e

ângulos de análise, os quais impedem que os processos atuais sejam vistos com os olhos do

passado” (idem). Assim sendo, dado que estaríamos vivendo momentos históricos

radicalmente diferentes, seria impossível a comparação entre as políticas econômicas e as

categorias de análise do período atual e do período de substituição de importações (décadas

de 50 e 60). A crise do sistema financeiro internacional teria ainda cumprido o papel de

“implodir os mecanismos que até então viabilizaram o desenvolvimento brasileiro” (ibid,

120

p. 214) até aquele momento. Cabe destacar que as políticas econômicas do período

revelaram-se incapazes de criar no Brasil uma estrutura de financiamento de longo prazo,

perpetuando no país a dependência dos capitais externos para os financiamentos dos

projetos com um prazo maior de maturação.

A substituição de importações teria cumprido o seu papel com a diversificação da

estrutura produtiva e as elevadas taxas de crescimento econômico, além do fato de a

industrialização tardia ter requisitado a presença do Estado como coordenador, financiador

e realizador dos vultosos projetos de investimentos simultâneos, em um estágio do

desenvolvimento capitalista no Brasil em que o grau de incerteza era muito elevado. O

Brasil chegou, portanto, aos anos 80 com um parque industrial de dimensões significativas

e um razoável grau de complementaridade entre as cadeias produtivas.

A questão da tomada de decisão do investimento deveria ser encarada, então, sob os

paradigmas da estabilização, da abertura comercial e financeira, ou seja, da eficiência

competitiva, da revolução tecnológica e da redução da participação do Estado na economia,

com especial destaque para o processo de privatização. Ou seja, sob o signo da

“reestruturação produtiva”.

Novos efeitos positivos da estabilização sobre os investimentos são destacados pela

autora. O fim do imposto inflacionário teria garantido um ganho concreto para as camadas

mais baixas da população, possibilitando uma ampliação do mercado consumidor. Além

disso, a estabilização teria propiciado um impacto positivo sobre o crédito.

Já a abertura teria orientado os investimentos de diversas maneiras, seja pela

redução dos custos, pelo aumento de produtividade e pela disponibilização de novas

tecnologias. A eficiência competitiva passaria ainda pela órbita financeira e cambial em um

ambiente de globalização financeira. A política macroeconômica assumiria, desta forma, o

papel de oferecer “condições de segurança para os investidores em um horizonte de médio/

longo prazo, fundamental para as decisões de investimento” (ibid, p. 216), ou seja, de

forma a garantir o efetivo retorno do investimento externo aqui realizado.

Uma das facetas da reestruturação produtiva passaria pelo papel assumido pela ação

das empresas multinacionais. Muitas das empresas tradicionais e familiares nacionais não

resistiram à pressão imposta pela abertura no que diz respeito ao nível de produtividade,

121

tecnologia e escala, sendo vendidas para o capital externo. Desta maneira, estes

investimentos não representaram um aumento da capacidade produtiva, apenas uma

transferência de controle.

Os investimentos externos também foram importantes para a instalação de novas

plantas e setores. Desta maneira, o caráter do investimento passou por transformação

significativa, no que tange à produção. Uma das conseqüências destes novos investimentos

foi a necessidade crescente de divisas, dado o alto grau do coeficiente importado no

comércio intrafirmas. A participação crescente das empresas multinacionais na produção

interna veio a se somar, portanto, com a abertura comercial e financeira, além da

estabilização, para a crescente importância das políticas macroeconômicas na tomada de

decisão de investimento.

Ainda sobre a “reestruturação produtiva”, cabe destacar a visão de Castro (1998).

Para o autor, a nova safra de investimentos realizada pelas empresas brasileiras típicas não

estaria voltada para a criação de capacidade. Pelo contrário, as empresas estariam apenas

“reciclando e modernizando as atividades produtivas, enquanto ganham dinheiro na esfera

financeira”. Ou seja, é uma perspectiva de investimento completamente dissociada da

ampliação do emprego e da produção, como discutimos extensivamente no primeiro e

segundo capítulo desta dissertação.

Estaríamos, portanto, diante de mais um aspecto da mudança de paradigmas que o

capitalismo vem atravessando. A criação do valor adicionado não passaria mais pela

produção em si no chão da fábrica, mas pelo desenvolvimento de produtos e o comando de

cadeias, daí a importância crescente do design e do marketing. Esta mudança de

paradigmas resultaria em efeitos profundos sobre a divisão internacional do trabalho, com

impactos perversos sobre o balanço de pagamentos dos países produtores, seja pelo

comércio internacional, como pela necessidade crescente de retorno dos investimentos aqui

instalados.

Conforme já foi dito anteriormente, o processo de inserção produtiva na

globalização financeira, assim como a defesa da estabilidade, acarretou na centralidade da

política macroeconômica para a tomada de decisão de investimento. A principal variável,

neste sentido, passou a ser a taxa de juros. Acontece que a necessidade crescente de divisas

122

fez com que o fluxo cambial acabasse por desempenhar um papel fundamental nesta

determinação. Ou seja, a taxa de juros passou a ser determinada fundamentalmente por

condicionantes externos, fenômeno agravado pela vulnerabilidade externa e pela ocorrência

de crises financeiras e cambiais que nos impediram de alcançar nosso potencial de

desenvolvimento (Batista Jr., 1998). Afinal, como destaca o autor, a globalização financeira

é uma decorrência do ciclo de expansão financeira internacional, caracterizada por uma

grande tendência à instabilidade e corroborada fortemente pela liberalização financeira

promovida pelos governos nacionais.

A discussão sobre a taxa de juros e os seus efeitos sobre os investimentos no atual

estágio da economia brasileira, merece sem dúvida uma atenção especial. É sabido que

desde a década de 70, o mundo capitalista presencia a transformações significativas no

mercado de capitais. A partir da criação dos eurodólares, o volume de transações de capitais

entre países vem crescendo exponencialmente, pressionando pela liberalização financeira

nas contas de capitais em todo o mundo. Este processo de expansão do capitalismo

financeiro propiciou a criação de diversos ativos financeiros e o crescimento da atividade

especulativa sobre as moedas nacionais. Além disso, o fim de Bretton Woods e adoção das

taxas de câmbios flexíveis fizeram das taxas de juros um dos principais instrumentos de

política econômica dos diversos países no controle das cotações de suas moedas. A

elevação das taxas de juros pelos EUA que desencadeou a crise da dívida nos países latino-

americanos é o primeiro exemplo deste manejo de nova forma de condução da política

econômica.

No caso brasileiro, a taxa de juros assume uma condição de destaque no debate

econômico com a abertura financeira e ampliação das operações do mercado de capitais no

país. Esta tendência se tornou mais clara a partir do Plano Real. Afinal de contas, nos

primeiros anos do Plano Real, foi utilizada a âncora cambial, que necessitava um grande

volume de reservas internacionais para que surtisse o efeito desejado de conter a

especulação sobre a desvalorização cambial. A elevação das taxas de juros reais foi o

instrumento utilizado, juntamente com os programas de privatização, para a atração deste

aporte de divisas, que se instalaram no país, sobretudo a partir da compra de títulos da

dívida pública. A necessidade de capitais estrangeiros também era vista como necessária

para atrair a poupança externa para completar o investimento doméstico. Neste sentido,

123

Tavares e Belluzzo (2002) destacam a crescente “oferta de ativos atraentes que possam ser

encampados pelo movimento geral de concentração e centralização do capital em escala

mundial”, com especial destaque para os títulos públicos, as ações das empresas

privatizadas, bônus e papéis comerciais e ações depreciadas de empresas privadas.

O resultado desta política de sobrevalorização cambial foi a explosão da dívida

pública e a retração dos investimentos privados, assim como o agravamento da recessão.

Com as crises financeiras da globalização e a mudança do regime cambial, o país se vê

obrigado a recorrer desde 1998 ao FMI, que, com seus programas de ajuste e controle dos

orçamentos públicos impossibilitam a execução dos investimentos pelo Estado, obrigado a

cumprir anualmente metas elevadas de superávit primário. Além disso, o programa de

metas inflacionárias, centrado na perspectiva ortodoxa de inflação de demanda, faz das

taxas de juros o principal instrumento para o controle da inflação. Desde então, o que temos

assistido é à impossibilidade de as taxas de juros baixarem, de forma a possibilitar a

retomada do crescimento econômico, pois a qualquer sinal de distúrbio interno ou externo

com possíveis efeitos sobre o nível de preços, a taxa de juros é mantida elevada.

Esta manutenção das taxas juros em patamares elevados gera um círculo vicioso,

pois crescem os próprios encargos com o pagamento de juros da dívida pública,

comprometendo ainda mais o orçamento do governo. Batista Jr. (1998) ressalta ainda os

possíveis efeitos da retração econômica sobre a arrecadação, contribuindo assim para

estrangular ainda mais o orçamento. De fato, o que temos observado, segundo Tauile

(2002, p. 235), é que “o pagamento de altas taxas de juros referentes aos títulos do

governo brasileiro, evidencia um lado perverso do modelo, que é a total submissão dos

poderes políticos nacionais ao capital financeiro internacional”.

Além disso, os ativos financeiros passaram a competir em vantagem com os

investimentos produtivos, tornando o crédito bastante restringido. No campo da teoria da

decisão do investimento em uma economia sob estes novos paradigmas, a redução das taxas

de juros torna-se uma condição sine qua non da retomada do crescimento econômico. Para

Tauile (2002, p.235), isto expressaria “o grande menosprezo pelo que se passa do lado real

da economia - ou seja, a estrutura industrial, a organização social da produção, a

estratégia de desenvolvimento”. Esta desatenção pode ser facilmente detectada, quando nos

124

deparamos com o agravamento do desemprego e da precarização do trabalho,

conseqüências diretas deste processo recessivo, mas freqüentemente descartado das análises

econômicas dominantes.

No campo dos efeitos destas políticas e da distribuição da renda, é clara a percepção

de que ocorre uma brutal concentração da renda no setor financeiro em detrimento das

remunerações obtidas no setor produtivo, principalmente no que diz respeito à participação

dos salários na renda nacional. O processo de estabilização não alterou o quadro a

distribuição funcional da renda entre salários e lucros, pelo contrário, agravou a sua

tendência a privilegiar os detentores de capital, em detrimento do quadro social existente no

país.

Uma das facetas desta regressividade está no fato de que a busca da eficiência

competitiva, que tem orientado os investimentos passa pelo aumento da produtividade do

trabalho, leia-se o desemprego em massa (e crescente) e a precarização do trabalho,

sobretudo, na produção industrial. Tauile (2002, p. 236) chega a afirmar que a “tendência

à concentração de renda voltou a agudizar-se, seja pela eliminação sem precedentes de

inúmeros postos de trabalho qualificado, seja pelo simples recrudescimento do fenômeno

do desemprego em proporções ainda não vistas na economia brasileira recente”.

Sob uma perspectiva kaleckiana, esta regressividade na distribuição da renda é

claramente contrária à retomada do desenvolvimento econômico, tanto pelos efeitos sobre o

multiplicador como pela diminuição dos gastos autônomos públicos e privados

engendrados por este processo.

Retomando a questão da inflação e a do desenvolvimento, cabe destacar que para

diversos autores críticos à visão oficial, teria havido no país uma indevida preocupação com

a volta da espiral dos preços logo após o Plano Real, devido à crença de que se deveria

eliminar a “cultura inflacionária” e de que o controle da inflação constituir-se-ia o primeiro

passo para a retomada do crescimento econômico. Este exagero teria se perpetuado com a

sobrevalorização cambial nos primeiros anos do Real, a elevação dos juros reais para a

atração de divisas necessárias para a manutenção da “âncora cambial” e com o manejo

recessivo das taxas de juros a partir do choque cambial de 1999 e a adoção do programa de

metas inflacionárias (Magalhães, 1999, p. 276).

125

As conseqüências da adoção desta visão deram origem à crítica de Carlos Lessa e

Fábio Sá Earp, em artigo denominado “O insustentável abandono do longo prazo”.

Seguindo lógica semelhante à descrita acima, os autores defendem que “a preocupação

com a inflação ocupou todos os espaços, expulsando as discussões sobre o longo prazo”

(Lessa e Earp, 1999, p. 99). Desta maneira, estaríamos vivendo, segundo a concepção dos

autores, sob a hipertrofia do curto prazo, comprometendo assim drasticamente o debate

sobre o investimento (e distribuição de renda) nos moldes abordados nos primeiros

capítulos desta dissertação. Afinal, “temas como a estrutura de oferta física de longo

prazo, planejamento econômico, vontade nacional, ocupação territorial, distribuição de

renda, diversificação da estrutura produtiva, desenvolvimento científico-tecnológico foram

cancelados de nossa agenda” (idem). Mais do que isso, a discussão política do longo prazo

foi mais do que nunca distorcida e deformada pelo discurso das reformas constitucionais e

do avanço da modernidade neoliberal.

Para os autores, as razões do abandono do longo prazo teriam raízes externas e

internas, assim como um lado político-acadêmico. Pelo lado externo, teríamos o fracasso de

distintas experiências nacionais de política econômica, dando origem ao “Consenso de

Washington” e o alinhamento de diversos governantes com as políticas neoliberais do FMI

e do Banco Mundial. Além disso, a década de 70 marcaria a crise do pensamento

keynesiano e o fim do diálogo da heterodoxia com o mainstream, a partir do duplo hiato

entre ambas as correntes: o de fundamentação teórica e o de linguagem.

Desta maneira, dado o insucesso relativo das políticas desenvolvimentistas e a

separação teórica no campo do debate acadêmico, uma das marcas registradas do

pensamento heterodoxo, a preocupação com o longo prazo, é descartada das formulações

de políticas dos governos neoliberais alinhados com a ortodoxia econômica. A ênfase se

volta completamente para o curto prazo e a necessidade de reequilibrar a economia, leiam-

se as contas públicas e a estabilização dos preços.

Ainda no campo teórico, Magalhães (1999) destaca o “sucateamento” do

pensamento de Prebisch e o vazio existente no pensamento econômico latino-americano,

que permitiu que o neoliberalismo não se deparasse com paradigma alternativo e se

implantasse na região com status científico.

126

No âmbito interno, isto se daria pela articulação das projeções de crise decorrente

do esgotamento do padrão vigente de crescimento industrial, características assumidas pela

transição do autoritarismo para o Estado de Direito. A sociedade brasileira teria depositado

na democracia a solução para todos os problemas do país. No campo da economia, a

inflação foi rapidamente eleita o problema prioritário, sendo que o fracasso depois dos

aparentes sucessos dos planos de estabilização acabou por retirar de vez da agenda as

preocupações com o longo prazo. A eleição de Collor trouxe para o país o discurso

neoliberal de modernidade. Finalmente, o sucesso do Plano Real acabou por conferir

legitimidade ao “curto-prazismo”, tornando cada vez mais reduzida à importância de

discutir o processo de desenvolvimento como um todo articulado, substituído pela ênfase

dada às políticas específicas (monetária, fiscal, cambial, industrial, de emprego). Sob a

égide neoliberal, o longo prazo passa a ser visto apenas como a formulação de “regras

disciplinadoras da ação da ‘mão invisível’, através das reformas institucionais e do

programa de privatização”. (ibid., p. 106). Contribuiu para isso, segundo Tauile (2002), o

novo “salto de qualidade” do conservadorismo brasileiro e sua associação com a banca

internacional nos anos 90, que resultou na crescente importância da dimensão financeira do

processo de acumulação.

Desta maneira, o esvaziamento do longo prazo pode ser encarado como o

esvaziamento da própria teoria do investimento, como ela era concebida pelos teóricos da

acumulação e da demanda efetiva, fundamentada nas leis de movimento incessante do

capital em busca da valorização ou das expectativas sobre a rentabilidade futura no

processo de produção. Parece restar para uma economia “curto-prazista”, patinar ao ritmo

do stop and go ditado pela acumulação financeira. Esta lógica de pensamento parece

abandonar o que se convencionou chamar de economia real (produtiva) e suas categorias de

análise, preferindo se ater a questões conjunturais de ordem macroeconômica e calcando as

decisões de investimento produtivo ao movimento especulativo proporcionado pela

liberalização financeira. O lado real da economia e a própria distribuição da renda revelam-

se cada vez mais a parte frágil de uma carteira de ativos à lá Keynes, em que os títulos

públicos e uma plêiade de ativos financeiros assumem a centralidade do processo de

acumulação sob a luz da globalização financeira.

127

Esta visão crítica dos efeitos da financeirização e do curto-prazismo sobre os

horizontes da tomada de decisão de investimento está bem resumida na seguinte afirmação

de Tauile (2002, p.223) sobre a inserção brasileira neste circuito de acumulação ainda no

início da década de 80. Vejamos: “estava em jogo justamente mudar radicalmente os

rumos da economia e romper com as amarras conservadoras que a imobilizavam,

tornando-a cada vez mais submissa ao sistema financeiro internacional e restringindo,

como conseqüência, as possibilidades de tomada de decisões estratégicas em um contexto

de crescimento sustentável a longo prazo”.

Além disso, temos que a abertura comercial e a desnacionalização teriam

contribuído para o enfraquecimento estrutural da indústria brasileira. Para os críticos da

abertura comercial, este processo resultaria na desindustrialização, ou seja, na

especialização em setores manufatureiros de pouco refinamento tecnológico, baixo valor

adicionado e lento crescimento econômico (Magalhães, 1999). Sobre este enfraquecimento,

cabe destacar o rompimento dos elos internos das cadeias de produção. Encontra-se aí mais

um fator de mudança da orientação da decisão de investimento, pois o ajustamento da

estrutura produtiva descrito acima acaba se dando sem perspectiva de ampliação rápida do

mercado interno (Tavares e Belluzzo, 2002).

Pelo contrário, a própria expansão da produção interna pode levar, com o aumento

das importações, a um agravamento do desequilíbrio comercial, pressionando as taxas de

juros. Mais uma vez, estamos diante da distorção curto-prazista em relação ao investimento

descrita por Lessa e Earp (1999). A abertura financeira e a necessidade constante de divisas

em uma economia instável, volátil e vulnerável fazem da incerteza quanto ao rumo dos

preços-chave das finanças globalizadas (juros e câmbio) um dos principais fatores pelo qual

o horizonte das decisões econômicas tenda a se encurtar (Tavares e Belluzzo. 2002).

UMA VISÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA DISSOCIADA DA PRODUÇÃO

Assim como observamos na seção anterior em relação aos determinantes da decisão

de investimento, podemos notar na teoria econômica tradicional uma tendência recente de

128

dissociar a distribuição da renda nacional daquilo que acontece na esfera da produção, ao

contrário do debate apresentado da década de 70. É o resgate das concepções ligadas ao

capital humano. Segundo esta corrente de pensamento, a distribuição de renda pode ser

explicada basicamente pela desigualdade educacional.

Mais do que isso, os autores adeptos desta corrente chegam a defender que a própria

estagnação das taxas de crescimento no país possa ser explicada pela insuficiência de

capital humano. Neste sentido temos a afirmação de Paes e Barros, Henriques e Mendonça

(2000, p. 405): “A sustentabilidade do desenvolvimento socioeconômico está diretamente

associada à velocidade e à continuidade do processo de expansão educacional”. A

expansão educacional, segundo a teoria neoclássica do capital humano, teria o efeito de

elevar a produtividade, com efeitos positivos sobre o crescimento econômico, os salários e

a diminuição da pobreza. Além disso, a educação se configuraria um ativo não-transferível,

capaz de propiciar uma maior igualdade e mobilidade social. Nesta ótica, a expansão

educacional passa a ser encarada como uma atribuição da esfera pública no sentido da

promoção de políticas distributivas, tendo em vista que as defasagens de escolaridade são

apontadas como as responsáveis pela desigualdade de renda.

Para confirmar esta causalidade, os autores recorrem basicamente a testes

econométricos, concluindo que metade do hiato da renda per capita entre o Brasil e os

países industriais pode ser explicada pelos anos de escolaridade médios. Outra vertente

desta causalidade está na relação entre o avanço do progresso tecnológico e a lenta

expansão educacional. A conseqüência deste descompasso encontra-se na crescente

escassez de mão-de-obra qualificada e no aumento do valor de mercado da educação.

O reconhecimento do poder explicativo da heterogeneidade educacional da força de

trabalho sobre a desigualdade social brasileira gera grandes implicações para o enfoque das

políticas sociais distributivas. As políticas recomendadas por estes autores estão centradas

basicamente na redução da desigualdade educacional e no valor que o mercado de trabalho

confere a um ano de escolaridade.

Na mesma linha de pensamento, temos o artigo de Francisco Ferreira (2000): “Os

Determinantes da Desigualdade de Renda no Brasil: Luta de Classes ou Heterogeneidade

129

Educacional”. O autor centraliza o seu artigo na investigação das causas da distribuição

desigual da renda: se ela decorre do mercado de trabalho ou da educação.

Segundo Ferreira (2000), a visão de Fishlow atribuiria ao mercado de trabalho as

causas da desigualdade, uma vez que o golpe de 64, ao promover a repressão do poder de

barganha dos trabalhadores, teria resultado em perdas salariais desproporcionais para os

trabalhadores. Esta visão de Fishlow se enquadraria, portanto, no debate sobre a

distribuição de renda da década de 70, discutido no capítulo anterior.

Ferreira opta pela visão do capital humano, que atribui à educação a causa das

desigualdades de renda e da riqueza. A conexão, no entanto, se dá de uma maneira um

pouco da diferente daquela discutida acima. Esta relação dar-se-ia pelas conexões entre o

círculo vicioso entre a heterogeneidade educacional, a desigualdade renda e de riqueza, o

poder político e a formulação de políticas educacionais, que acabaria perpetuando tais

desigualdades.

As teorias do capital humano terminam, portanto, por promover a dissociação quase

que completa entre as relações sociais de produção e a distribuição da renda, ao associar as

causas da distribuição ao nível de escolaridade, condição determinada anteriormente ao

processo produtivo. A citação de uma afirmação de Sen no artigo de Paes e Barros,

Henriques e Mendonça (2000), apesar de moralmente aceitável, é a mais clara expressão

desta tentativa de dissociação, tendo em vista que podemos pensar a educação como um

dos fatores que amplia a qualidade de vida, as liberdades, as oportunidades e as capacidades

de escolha (Sen, 2000) Vejamos: “O crescimento econômico não pode ser considerado

como um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a

melhora de vida que levamos e das liberdades que desfrutamos”. (Sen apud Paes e Barros,

Henriques e Mendonça, 2000, p. 422).

A partir desta ótica, as políticas de combate à pobreza e da desigualdade passam a

ser preferencialmente políticas específicas ou compensatórias. É o que Tavares e Belluzzo

denominam de “focalização das políticas sociais”. Malan (1999, p. 30) expressa claramente

esta visão ao determinar que “a questão do combate à pobreza é fundamental e,

seguramente, não pode depender, apenas, do controle da inflação e do crescimento”. A

opção por esta prática revela a crença na impossibilidade de resolução dos problemas

130

sociais a partir da condução da política econômica, como a tributação ou a adoção de

programas de âmbito universalizante como o investimento na produção de bens públicos, a

expansão dos benefícios previdenciários ou a ampliação do acesso ao crédito.

Um exemplo destas políticas, segundo Lessa e Earp (1999, p. 108) são as políticas

de emprego centradas na capacitação ou qualificação de “mão-de-obra”, ou para utilizar o

termo que ficou famoso nos discursos do ex-presidente Fernando Henrique, que

conferissem maior empregabilidade à força de trabalho a partir de programas de

treinamento profissional. Segundo os autores, esta concepção revela a ressurreição acrítica

da “velha teoria do capital humano”. Além disso, ao se basear em testes econométricos

para validar suas relações de causalidade, muitas vezes teria eliminado a distinção entre o

econometricamente aceitável e o economicamente viável. Ainda mais pelo fato de a

educação, variável principal da teoria do capital humano, assumir para os autores contornos

mágicos, uma vez que sua definição nunca é bem delimitada. Finalmente, teríamos o fato

levantado por Lessa (2000), de que os trabalhadores não podem criar os postos de trabalho.

Não há emprego e, portanto, acesso à renda sem a criação de oportunidades de trabalho.

Esta, por sua vez, depende da demanda por trabalho, intrinsecamente associada ao

desempenho real da economia.

Na década de 70, Malan e Wells (1978) nos apresentavam uma visão bastante

crítica da teoria do capital humano trazida ao Brasil por Langoni. Ao comentar a espinha-

dorsal da teoria, em que a educação, pelos seus efeitos positivos sobre a produtividade e o

salário teria poder de explicar a distribuição de renda no Brasil, Malan e Wells (1978)

afirmam que o argumento seria falacioso, uma vez que não seria possível eliminar da

análise a característica maior do sistema produtivo, a desigualdade da distribuição de

propriedade entre os trabalhadores e os capitalistas. Além disso, os autores atribuíam a

Langoni uma inadequada compreensão da economia de oligopólio. Mais do que isso,

chegam a acusar a teoria do capital humano de se tratar de uma justificativa ideológica,

relacionada à crença de que a renda individual pudesse ser entendida como função de certas

características pessoais associadas ao conceito de produtividade (conceito não-observável e

não-testável empiricamente) e que portanto, omitiria o entendimento da produção como um

processo social, em que a distribuição prévia de ativos reais e físicos ficaria a cargo da

estrutura de poder da sociedade. Em suma, em oposição ao capital humano e a crença

131

irrestrita na oferta e a demanda de mão-de-obra, Malan e Wells (1978), ironicamente,

resgatam teorias gerais das instituições, estruturas de poder e lutas de classe na sociedade,

de uma maneira que seria impensável em seus textos mais atuais.

Antes de terminar a seção, cabe relembrar algumas concepções ortodoxas sobre a

distribuição de renda levantadas por Sant’anna (2003), ligadas, sobretudo, às falhas de

mercado. Segundo a concepção tradicional de Solow, a distribuição dos preços dos fatores

seria a própria teoria da distribuição de renda. Mesmo assim, o mainstream foi capaz de

desenvolver algumas teorias alternativas sobre o tema, além do capital humano. Entre elas,

cabe destacar a questão do acesso ao crédito, uma vez que o acesso diferenciado a ele

poderia impedir que mais oportunidades de investimento fossem exploradas. A solução

passaria, portanto, pela ampliação do mercado de capitais, de forma a incluir uma parcela

cada vez maior da população nos sistemas de crédito. Afinal, quanto menor a desigualdade

e maior a população incluída, maior a eficiência da economia para os parâmetros

neoclássicos.

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E CRESCIMENTO: VISÕES ALTERNATIVAS

Mesmo nos dias atuais, podemos ainda encarar a distribuição de renda e sua relação

com o crescimento econômico, sob uma perspectiva alternativa, que privilegia aquilo que

ocorre no campo da produção, sobretudo no que diz respeito a aspectos relativos à demanda

agregada como o mercado interno.

Neste intuito, cabe destacar o trabalho de Sant’anna (2003). O autor estudou sob

uma perspectiva kaleckiana, o efeito sobre o nível de renda de uma redistribuição de renda

a favor dos assalariados. Obviamente, esta visão encontra-se radicalmente contrária aos

preceitos neoclássicos, em que as rendas determinam os gastos, sendo, portanto, incapaz de

considerar os efeitos da desigualdade sobre a demanda. Pelo contrário, esta é uma visão que

privilegia a demanda efetiva e, desta maneira, a relação de causalidade se inverte.

Assim sendo, o estudo observa que, na década de 90, a distribuição funcional da

renda se deteriora consideravelmente, concluindo que, em um cenário conservador, se a

distribuição funcional fosse mantida entre 1990 e 1996, abrir-se-ia espaço para um

132

crescimento de 2,4% no nível da renda. Esta conclusão, obviamente, decorre dos efeitos

kaleckianos da distribuição de renda sobre o consumo dos trabalhadores, tratados no

primeiro capítulo.

Nesta mesma direção, temos a análise de Tauile (2002), que associa a crise do

modelo de desenvolvimento ao que ele denomina “fordismo capenga”, caracterizado pela

péssima distribuição funcional de renda. Para o autor, a “primeira grande crise industrial

brasileira”, deflagrada pela Segunda Crise do Petróleo e agudizada pelo efeito das altas

taxas de juros internacionais sobre a dívida externa, teria encontrado na distribuição de

renda (e a absorção abaixo do potencial da massa de trabalhadores-consumidores) um caldo

fértil para se propagar. Outro fator de propagação desta crise poderia ser observado pelo

desencadeamento da espiral inflacionária pelas desvalorizações cambiais, cujas

conseqüências sobre o nível de salários reais teria propiciado uma insuficiência de demanda

agregada desde o início da década de 80.

Finalmente, para Tauile (2002, p. 249), temos a visão sobre a crise do trabalho

qualificado e suas relações com o processo de estagnação do projeto de desenvolvimento. A

resultante deste processo teria sido a constatação de que “o trabalho, em particular, o

trabalho qualificado (...) perdeu importância significativa, inviabilizando por hora a

construção de um projeto nacional de economia contemporânea”. Pelo contrário, “o

trabalho no Brasil continua não tendo valorização nem de perto equivalente àquela gerada

nos circuitos de acumulação de capital em que o país está inscrito, mesmo que esses

circuitos sejam remodelados e ‘modernizados’” (ibid., p. 236). A maior expressão desta

desvalorização seria o fato de que as políticas econômicas nestas duas últimas décadas

“continuaram a acirrar o processo de concentração de renda no âmbito da sociedade

brasileira, sobretudo, quando se faz o corte entre a renda do trabalho e a renda do

capital” (ibid., p.250).

Bresser-Pereira (2002) nos apresenta uma visão bastante semelhante para as causas

de o Brasil não ter conseguido alcançar o estágio de desenvolvimento auto-sustentado. Para

o autor, a solução não estaria nem na visão das classes dirigentes e agências internacionais

para as quais seria necessário completar as reformas institucionais pró-mercado nem na

esquerda tradicional, com a sugestão de retomada das políticas de intervenção do Estado na

133

economia como, por exemplo, as políticas industriais. O que seria necessário no país seria

superar as incompatibilidades distributivas, oriundas do descompasso entre o aumento da

produtividade e a remuneração do trabalho.

A incongruência distributiva entre os salários, lucros e juros seria a principal

responsável pela persistência da crise das taxas de crescimento. Esta concepção está

apoiada na idéia da acumulação como principal determinante do desenvolvimento

econômico. Segundo esta abordagem, a acumulação dependeria da variação das taxas de

lucro e das taxas de juros, dado um determinado valor dos lucros totais. A variação das

taxas de lucros dependeria, por sua vez, dos ciclos econômicos e das inovações, ou seja, do

progresso técnico, e, além disso, poder-se-ia dizer que existiria uma taxa mínima de lucro

de longo prazo que garantiria o investimento. Já as taxas de juros estariam associadas ao

endividamento público nacional e os altos serviços da dívida pagos pelo Estado.

Assim sendo, a concentração funcional da renda em decorrência das elevadas taxas

de juros e sua elevada participação no produto, cujas conseqüências sobre os custos de

produção são a redução da participação dos salários na renda, acaba tendo como

conseqüência uma insuficiência de demanda agregada e taxas insatisfatórias de

crescimento. Como já foi dito anteriormente, as altas taxas de juros reais foram decorrentes

das políticas macroeconômicas conservadoras e cautelosas, podendo ser apontadas como a

causa do stop and go, ou seja, o ciclo breve de taxas pífias de crescimento alternado por

crises econômicas, observado na economia brasileira pós-estabilização.

Desta maneira, a retomada do desenvolvimento sustentado passaria pela correção da

concentração funcional da renda. Afinal, a “concentração de renda do tipo existente no

Brasil prejudica a coesão social e reduz a produtividade do trabalho”. (Bresser Pereira,

2002, p.140). O autor chega a afirmar, ainda, de forma que faz lembrar o princípio da

demanda efetiva, que não faz sentido concentrar a renda para realizar a acumulação.

Para isso, Bresser Pereira (2002) sugere a redução das taxas de juros internas e o

aumento das exportações, ou seja, a busca de uma política de desenvolvimento centrada na

independência financeira em relação ao exterior. Os compromissos necessários para tal

feito passam pelo consenso social em torno da necessidade de correção da incongruência

distributiva e dos seus efeitos para o alcance do equilíbrio macroeconômico e do

134

desenvolvimento sustentado. Assim sendo, o governo encontraria legitimidade para resistir

às pressões internacionais contrárias à adoção de políticas econômicas alternativas. Além

disso, a distribuição da renda passaria pela garantia de que o aumento dos salários reais

alcançasse o avanço da produtividade. Isto poderia ser realizado pela adoção de políticas de

caráter distributivo, como, por exemplo, a ampliação dos gastos orçamentários em saúde e

educação, ou mesmo, a recuperação das políticas de welfare, que poderiam ser financiadas

por reformas institucionais como a taxação das classes mais ricas e dos rentistas.

Finalmente, podemos apresentar as alternativas propostas por Tavares e Belluzzo

(2002). Para os autores, “só será possível enfrentar a restrição externa e, simultaneamente,

promover o emprego, a distribuição de renda e o bem-estar social, se houver uma

mudança radical no eixo do desenvolvimento”. (Tavares e Belluzzo, 2002, p. 150) Esta

mudança radical passaria pela priorização da produção de bens públicos de uso universal,

bens básicos de consumo popular e a recuperação do setor de bens de capital com geração

de progresso técnico endógeno. Outra vertente desta transformação passaria pelo

financiamento, que deveria se apoiar em “mecanismos internos, de crédito e tributários,

devidamente reformados”. (idem)

Nesta perspectiva, a produção de bens e serviços universais e a distribuição de renda

são entendidas como as duas faces de um mesmo processo. A universalização de políticas

sociais seria, em termos econômicos, uma das principais fontes de renda e de emprego das

classes mais desfavorecidas. Como políticas universais, podemos destacar os gastos com

saúde, educação, saneamento e assistência social.

Já o financiamento do desenvolvimento passaria por mudanças profundas nas

instituições fiscais, creditícias e de seguridade social. A reforma tributária deveria assumir

um caráter progressivo com modificações substantivas na composição do gasto e na gestão

orçamentária. No lado do crédito, os bancos públicos (BNDES, Caixa Econômica Federal,

Banco do Brasil) deveriam assumir o papel de financiar os empreendimentos que

beneficiem o conjunto da população. Além disso, para os autores, seria inadmissível que o

Estado pagasse mais aos rentistas do que gasta com os programas sociais.

135

AS DÉCADAS PERDIDAS EM POLÍTICAS ECONÔMICAS E SEUS EFEITOS SOBRE O INVESTIMENTO E A DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

Como vimos no segundo capítulo, entre as décadas de 30 e de 80 do século XX, o

País viveu um padrão de desenvolvimento, marcado por altas taxas de crescimento do

produto interno e intensa industrialização. No entanto, este processo não teria sido

suficiente para que o país avançasse na resolução de graves problemas sociais,

especialmente a perversa concentração da renda e da riqueza. Isto impede que possamos

caracterizar o processo como um autêntico desenvolvimento pelo qual a inclusão social se

realize plenamente e todos da sociedade se beneficiam. Melhor seria, nas palavras de Celso

Furtado, caracterizar o período como um período de “modernização capitalista” (Furtado,

1999).

No final da década de 70, as profundas transformações no capitalismo internacional

(segunda crise do petróleo, reversão das condições de financiamento internacional e

elevação das taxas de juros internacionais) somadas ao crescente endividamento externo do

país levaram as contas externas brasileiras a um expressivo déficit em transações correntes

e à queima das reservas cambiais. Como resultado de sucessivas crises, passou a vigorar no

sistema econômico brasileiro, o que podemos denominar de “décadas perdidas em políticas

econômicas”, marcado, acentuadamente, pela crescente “financeirização da economia”.

O primeiro destes momentos foi desencadeado pelo que se convencionou chamar de

“crise da dívida externa”, quando o país se viu obrigado a recorrer ao FMI e adotar uma

série de medidas no sentido de cumprir os compromissos com os credores externos. Entre

as políticas de ajustamento ao novo cenário internacional, cabe destacar as maxi-

desvalorizações cambiais do início da década de 80.

Desta forma, desde o início da década de 80, temos o fato de que a política

econômica passou a privilegiar aspectos de controle da demanda agregada (redução do

déficit público, elevação das taxas de juros internas, restrições ao crédito, redução dos

salários reais, etc. No entanto, como decorrência das maxi-desvalorizações cambiais e a

gradativa ampliação do grau de indexação da economia, as políticas ortodoxas não

obtiveram sucesso no combate à inflação. Pelo contrário, podemos observar a aceleração

136

das pressões inflacionárias. A inflação, medida pelo IPCA, que em 1980, já alcançava a

casa dos 100% a .a., em 1985 já estava no patamar de 200% anuais (tabela 3.1).

O combate à inflação assumiu a centralidade da ação econômica no País. Foram

tentados sucessivos planos de estabilização, que combinavam quedas abruptas das taxas de

inflação (choques heterodoxos de preços, como, por exemplo, o congelamento) com

períodos de controle ortodoxo. O que se pôde observar, na prática, é que, sistematicamente,

após um período inicial de relativo sucesso, as taxas de inflação voltavam a crescer. Foi

assim com o Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Plano

Collor I (1990) e Plano Collor II (1991), como podemos constatar a partir da tabela 3.1.

Tabela 3.1 – Inflação Anual

Ano IPCA (%)

1980 99,25

1981 95,62

1982 104,80

1983 164,01

1984 215,26

1985 242,23

1986 79,66

1987 363,41

1988 980,21

1989 1972,91

1990 1620,97

1991 472,70

1992 1119,10

1993 2477,15

Fonte: IBGE

137

Em termos de taxas de crescimento econômico, podemos observar que o País passa

a viver uma profunda recessão como decorrência das políticas de ajustamento. Tanto que

em 1981 e em 1983 as taxas de crescimento do produto foram negativas. As taxas de

crescimento econômico até que se recuperaram na segunda metade da década de 80. No

entanto, não foi suficiente para que o resultado ficasse muito abaixo da média histórica

apurada pelo IBGE. Enquanto a taxa média de crescimento entre 1948 e 1979 foi de 7,4%,

na década de 1980, esta taxa caiu para apenas 2,9%. Na década de 90, o resultado foi ainda

pior. Entre 1990 e 2003, a taxa de crescimento caiu ainda mais, atingindo uma média de

apenas 1,8%. Em três anos (1990, 1992 e 2003) as taxas de crescimento foram negativas.

Os resultados de crescimento econômico, entre 1980 e 2003, estão descritos no gráfico 3.1.

GRÁFICO 3.1 TAXA ANUAL DE VARIAÇÃO DO PIB

(1980-2003)

9,20

-4,25

0,83

-2,93

5,40

7,857,49

3,53

-0,06

3,16

-4,35

1,03

-0,54

4,92

5,85

4,22

2,663,27

0,130,79

4,36

1,311,93

-0,22

-5

-3

-1

1

3

5

7

9

11

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

(%)

DÉCADAS PERDIDAS

Fonte: IBGE

1980-89 : média 3,0%1990-2003: média 1,8%

No governo Collor, a recessão pode ser entendida como uma conseqüência da

política econômica, caracterizada pelo confisco de ativos como, por exemplo, a caderneta

138

de poupança. A repercussão destas políticas foi a imediata paralisação do consumo e da

produção. Os anos Collor foram marcados ainda pela abertura comercial e financeira,

ambas intensificadas no governo Fernando Henrique Cardoso.

O controle da inflação só foi obtido com o Plano Real, no 2° semestre de 2004, com

a da adoção da URV, que contribuiu, pelo fato de “o índice virar a moeda” para a

eliminação dos mecanismos de indexação. Apesar do sucesso da estabilização pós-plano

Real (ver tabela 3.2), a condução da política econômica nos anos seguintes ainda teve como

foco principal o controle da inflação.

Tabela 3.2 Inflação Pós-Real (IPCA)

ANO TAXA DE INFLAÇÃO (%)

757,27 (1° sem.) 1994

18,57 (2° sem.)

1995 22,41

1996 9,56

1997 5,22

1998 1,66

1999 8,94

2000 5,97

2001 7,67

2002 12,53

2003 9,3

Fonte: IBGE

Nos anos que se seguiram à adoção do Real, no Governo Fernando Henrique

Cardoso, cabe destacar a política cambial. Em um primeiro período (1995-98), foi adotado

um regime de câmbio fixo (com bandas) apoiado em um elevado volume de reservas

cambiais (âncora cambial) com a intenção de conter a alta dos preços e sustentar a

estabilização. No período seguinte, após as crises financeiras da globalização (Leste

139

Asiático, Rússia e o próprio Brasil), optou-se pelo regime de câmbio flutuante e adoção do

sistema de metas inflacionárias, em que a política monetária se ocupa de atingir metas de

inflação anunciadas antecipadamente.

Em ambos os períodos, dado o cenário de globalização financeira, as taxas de juros

reais tiveram de ser mantidas em patamares elevados (ver gráfico 3.2), comprometendo o

nível de produção, de emprego e os rendimentos do trabalho. No primeiro momento, para a

atração dos capitais estrangeiros. No segundo momento, para a contenção da demanda

agregada, de forma a garantir o cumprimento das metas.

GRÁFICO 3.2 - JUROS REAIS (Taxa Selic deflacionada pelo IPCA)

acumulado em 12 meses

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

jan-94

jan-95

jan-96

jan-97

jan-98

jan-99

jan-00

jan-01

jan-02

jan-03

jan-04

(% a

.a)

Fonte: Banco Central e IBGE

140

Assim sendo, pela pouca disponibilidade de recursos para o investimento produtivo,

o nível de crescimento econômico ficou comprometido ao longo da década de 90. Como

vimos, anteriormente, a década de 90 veio a se somar à década de 80 no rol das décadas

perdidas. Em ambas as décadas, as taxas de crescimento ficaram bem abaixo do nível

histórico do século XX. Como exemplo, podemos traçar uma tendência histórica do

crescimento médio anual em períodos de 10 anos. O gráfico 3.3 aponta, para cada ano, o

crescimento médio anual no período de 10 anos que se encerra no ano em questão.

Enquanto nas décadas de 60 e 70, esta taxa oscilava entre 6,1% e 9,5%, nas décadas de 80 e

90, esta taxa cai sensivelmente e passa a oscilar na faixa que compreende um crescimento

médio decenal entre 1,6% e 2,9%.

GRÁFICO 3.3 - TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO ANUAL (PERÍODO DE 10 ANOS)

0

2

4

6

8

10

12

1957

1960

1963

1966

1969

1972

1975

1978

1981

1984

1987

1990

1993

1996

1999

2002

(%)

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados do IBGE

Resultado semelhante pode ser observado com a produção industrial, marca

registrada da modernização capitalista, que se encerra no final da década de 70. Entre 1948

e 1979, a taxa média registrada de crescimento da produção industrial foi de 8,7%, caindo

para 1,9%, entre 1980 e 1989 e 0,9%, entre 1990 e 2002 (gráfico 3.4). Como resultado

deste movimento, a participação da indústria no PIB cai na década de 90 pela primeira vez,

141

desde que o IBGE começou a registrar esta pesquisa, passando de 40,6% para 33,1%

(tabela 2.2).

GRÁFICO 3.4 - TAXA ANUAL DE VARIAÇÃO

DA PRODUÇÃO NA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO

9,11

-10,38

-0,18

-5,85

6,17

8,34

11,3

0,95

-3,41

2,88

-9,46

0,15

-4,15

8,31

6,95

1,99 2,143,15

-3,36-2,16

5,46

0,951,93

-15

-10

-5

0

5

10

15

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

(%)

Fonte: IBGE

As taxas de desemprego, por sua vez, refletem o quadro de deterioração do mercado

de trabalho no país (gráfico 3.5). Estas taxas começaram a ser registradas pelo IBGE na

década de 1980 e apresentam um resultado que comprova os prejuízos da política

econômica das últimas décadas para os trabalhadores. Utilizando os dados da PME-IBGE

(30 dias), podemos observar que as taxas de desemprego, que no período da crise da dívida

externa (19880-84) chegaram a uma média de 7,4%, depois de caírem para 4,4% no

período dos Planos de Estabilização do Governo Sarney (1985-89), em que o poder de

compra dos trabalhadores foi relativamente favorecido, voltaram a crescer continuadamente

com a implantação das políticas neoliberais, chegando a 5,4% entre 1990 e 1993, período

do Governo Collor, 5,6% entre 1994 e 1997, primeira fase do Plano Real, e, finalmente, ao

recorde de 7,8%, após as crises financeiras globais e os recentes Acordos com o FMI,

quando o investimento público passou comprometeu-se drasticamente.

142

GRÁFICO 3.5 - TAXA DE DESEMPREGO –30 dias

3

4

5

6

7

8

9

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

(%)

Fonte: IBGE – PME (antiga metodologia)

De forma semelhante o rendimento médio do trabalho tem caído constantemente

desde 1985, segundo o Dieese. O índice, que reflete o rendimento médio real do trabalho na

Região Metropolitana de São Paulo, e, que, em 1985, valia 100, passou para 82 em 1989;

65 em 1993; 72 em 1997 e 55 em 2002 (gráfico 3.6).

GRÁFICO 3.6 - RENDIMENTO MÉDIO DO TRABALHO –

Região Metropolitana de São Paulo

(MÉDIA 1985 =100)

40

50

60

70

80

90

100

110

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

Fonte: Dieese

143

Apuradas as perdas dos trabalhadores e dos próprios industriais, não restam dúvidas

de que o setor bancário é quem mais tem se beneficiado da política econômica em vigor no

Brasil pós-estabilização. Para ilustrar este fato, e demonstrarmos como o setor produtivo

tem transferido renda para o setor financeiro,podemos utilizar diversos exemplos.

O primeiro fator que chama a atenção é o comprometimento do crédito produtivo. O

crédito produtivo tornou-se proibitivo no contexto brasileiro. De fato, o volume de crédito

privado decresceu, entre 1995 e 2003, de 37% para 23% do PIB (dados do Banco Central),

tendo em vista que as aplicações financeiras, especialmente em títulos públicos mostraram-

se mais rentáveis e com um risco próximo de zero (SDTS, 2003).

Os sucessivos Acordos estabelecidos com o FMI desde 1998 agravaram esta

situação. Os juros reais elevados por conta do programa de metas inflacionárias e a escolha

do superávit primário como parâmetro para as metas fiscais, cuja definição não inclui as

despesas financeiras, acentuam ainda mais a extrema concentração da renda no país no

sistema bancário. Completando esta situação, os investimentos públicos, que poderiam criar

um ambiente favorável de estímulo para os investimentos privados, foram, desde então,

fatalmente anulados pelo rígido controle das despesas públicas.

A tabela 3.3 retrata a elevação progressiva do superávit primário, tanto em termos

nominais, como em porcentagem do PIB. Note que o resultado final do setor público,

apesar do esforço fiscal de superávit primário, é ainda crescentemente deficitário, devido ao

pagamento dos juros da dívida pública. No início do Programa de Ajuste Fiscal, em 1998, o

superávit primário correspondia a 0,02% do PIB e em junho de 2004 esteve em torno de

4,55% do PIB. Enquanto isso, os juros nominais transferidos ao setor financeiro oscilaram

entre 8% e 14% do PIB.

144

Tabela 3.3 - NECESSIDADES DE FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO (acumulado de 12 meses)

Fonte: Banco Central

Os resultados desta política são os lucros recordes das instituições financeiras e a

impossibilidade de transformação da economia pela ação do gasto estatal, além da

concentração cada vez maior da renda no setor financeiro em detrimento da produção

econômica do lado real da economia. Esta afirmação pode ser lida a partir de Tavares e

Belluzzo (2002, p.168): “essa (política monetária) não só esteriliza a política fiscal como

transfere parcelas crescentes de juros para os rentistas, piorando a distribuição de renda

nacional”.

Em matéria no Jornal O Valor Econômico (18/02/2004), intitulada “Bancos têm

retorno elevado mesmo com economia estagnada”, podemos ter uma idéia do que

representam estes lucros recordes. Na primeira tabela, que nos apresenta os campeões de

lucro na História dos Bancos no Brasil, podemos perceber a grande quantidade de lucros

recordes entre 1996 e 2003, período pós-estabilização. Na segunda tabela, podemos ter uma

noção do montante de lucro destas instituições nos anos de 2002 e 2003.

(R$ milhões) Nominal Juros nominais Primário (% PIB) Nominal Juros nominais Primáriodez/98 72.489 72.596 (107) dez/98 7,93 7,95 (0,02) jun/99 109.756 124.712 (14.956) jun/99 11,73 13,33 (1,60) dez/99 96.157 127.245 (31.088) dez/99 9,98 13,21 (3,23) jun/00 42.523 81.852 (39.329) jun/00 4,19 8,07 (3,88) dez/00 49.285 87.446 (38.161) dez/00 4,48 7,95 (3,47) jun/01 61.841 106.702 (44.861) jun/01 5,36 9,25 (3,89) dez/01 61.970 105.625 (43.655) dez/01 5,17 8,81 (3,64) jun/02 88.427 130.565 (42.138) jun/02 7,04 10,4 (3,36) dez/02 138.275 190.666 (52.391) dez/02 10,27 14,17 (3,90) jun/03 93.937 157.436 (63.499) jun/03 6,53 10,95 (4,42) dez/03 56.315 122.488 (66.173) dez/03 3,68 8,00 (4,32) jun/04 66.180 138.526 (72.346) jun/04 4,15 8,70 (4,55)

145

Tabela 3.4 - Campeões de Lucro na História dos Bancos no Brasil

(R$ milhões, corrigidos pelo IGP-DI)

BANCO RESULTADO

Banespa (1997) 4.102

Brasil (1998) 3.523

Itaú (2001) 3.252

Itaú (2003) 3.152

Itaú (1999) 3.084

Banespa (2002) 2.954

Bradesco (2001) 2.950

Brasil (1987) 2.766

Itaú (2000) 2.756

Banespa (1996) 2.756

Fonte: Economática (Valor Econômico, 18/02/2004)

Tabela 3.5 - LUCRO LÍQUIDO (R$ milhões)

BANCO 2002 2003

BB 2.028 2.381

Bradesco 2.023 2.306

Itaú 2.377 3.152

Unibanco 1.010 1.052

ABN AMRO 1.208 1.137

Banespa 2.818 1.747

Total – 18 bancos 11.876 12.375

Fonte: Austin Asis (Valor Econômico, 18/02/2004)

146

Outro estudo, realizado pela ABM Consulting, traça uma comparação entre as

rentabilidades dos seis maiores bancos em relação ao patrimônio líquido em diversos países

em 2002 (SDTS, 2003). O resultado apurado é a liderança dos bancos brasileiros. Enquanto

no Brasil, a rentabilidade chega a 23%, no México, o resultado foi de 17%, na Inglaterra,

16%, na Esánha, 14%, nos EUA, 12%, na Itália, 9%, e no Canadá, 8%.

Como podemos perceber pelo descrito acima, o ajuste nas contas públicas, além de

representar uma transferência de renda do setor produtivo para o setor financeiro, significou

uma séria restrição aos gastos públicos orçamentários. O gráfico 3.6 e a tabela 3.7

apresentam, respectivamente, a queda da taxa de investimento público no período recente e

os gastos orçamentários com os juros e os encargos da dívida nos anos de 2002 e 2003.

GRÁFICO 3,7TAXA DE INVESTIMENTO

PÚBLICO (% PIB)

0,00%

0,50%

1,00%

1,50%

2,00%

2,50%

3,00%

3,50%

4,00%

4,50%

5,00%

1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: IBGE

Tabela 3.6 – INVESTIMENTO PÚBLICO X JUROS E ENCARGOS DA

DÍVIDA (R$ milhões)

DESPESA 2000 2001 2002 2003

Investimento Público 10.099 14.580 10.127 6.452

Juros e Encargos da Dívida 38.835 52.816 55.261 65.707

Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

147

Cabe ressaltar, ainda, que em 2002 e 2003, os lucros somados de 18 instituições

financeiras ultrapassaram os investimentos públicos. Além disso, em 2003, os lucros

bancários somaram praticamente o dobro dos investimentos públicos (R$ 12,4 bilhões

contra R$ 6,4 bilhões). A situação torna-se ainda mais crítica quando analisamos os

investimentos realizados pelos ministérios ligados à infra-estrutura e à área social (tabela

3.7). Para se ter uma idéia, tomando o ano de 2003, os lucros realizados pelo ITAU foram

superiores aos orçamentos dos ministérios ligados à infra-estrutura e aos gastos sociais.

Tabela 3.7 – INVESTIMENTO PÚBLICO EM INFRA-ESTRUTURA E

ÁREAS SOCIAIS (R$ milhões)

2002 2003

Infra-Estrutura 3.499 2.603

Social 4.034 1.644

Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Como já podíamos esperar, dado o quadro descrito acima, a distribuição funcional

da renda, de fato, deteriorou-se de forma considerável na década de 90 (gráfico 3.8).

Segundo estudo coordenado por Marcio Pochmann, Secretário de Desenvolvimento,

Trabalho e Solidariedade, da Prefeitura Municipal de São Paulo, entre 1992 e 2002, os

trabalhadores teriam passado de uma participação de 44% na renda nacional para 36%.

Enquanto isso, a renda do capital (lucros, juros e aluguéis) teria passado de 44% para 45% e

a do governo de 12% para 19%. Segundo Pochmann, “por trás da ‘constância’ da renda

do capital e do próprio aumento do peso dos tributos, há, contudo, um claro movimento de

‘financeirização da renda’” (Valor Econômico, 1º de agosto de 2003)

148

GRÁFICO 3.8 EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA

(1992-2002)

12 1316 16 15 14 14

16 17 18 19

44 45

4038 39

3739 38 38 37 36

4441

4446 47 48 47 46 45 45 45

0

10

20

30

40

50

60

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

(%)

CAPITAL

TRABALHO

TRIBUTOS

Fonte: Elaboração da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho

e Solidariedade/ Prefeitura Municipal de São Paulo

(a partir de dados da Receita Federal, IBGE e Banco Central)

Segundo este mesmo estudo, entre 1994 e 2002 a taxa de investimento produtivo

teria caído de 20,8% do PIB para 18,7% do PIB. Além disso, a rentabilidade média dos

fundos de investimento teria sido de 15% entre 1995 e 2002, enquanto o PIB teria crescido

em média 2,0%. Assim sendo, mesmo que não seja possível identificar a parcela da renda

do capital associada ao capital financeiro e àquela associada ao capital produtivo, é possível

concluir que o capital financeiro tenha aumentado o seu ganho de forma considerável. A

conjugação da transferência da renda do capital produtivo para o capital financeiro e a

perda da renda dos trabalhadores caracterizaria para Pochmann um ciclo de

“financeirização” da economia brasileira, incompatível com a retomada do crescimento

econômico. Em consonância com a análise descrita na seção anterior, a principal causa

deste movimento de concentração da renda estaria na manutenção das elevadas taxas de

juros como mecanismo de financiamento via títulos da dívida pública.

149

De forma semelhante, Bresser Pereira (2002, p. 125) nos afirma que, entre 1969 e

1998, ocorreu, no país “uma significativa concentração funcional da renda, na qual os

únicos prejudicados foram os assalariados”. Segundo o autor, enquanto os lucros tiveram

a participação no PIB aumentada de 38,2% para 46,3%, a participação dos salários caíam

de 39,4% para 28,8% do PIB no mesmo período (dados do IBGE).

Em suma, este é o quadro das “décadas perdidas nas políticas econômicas”. Não há

espaço para qualquer tipo de gasto, seja via consumo, seja pelo investimento privado como

pelo setor público. Pelo princípio da demanda efetiva, como são os gastos que motivam o

crescimento econômico, é mais fácil entender o porquê da estagnação, a elevação do

desemprego e a queda dos rendimentos do trabalho. Além disso, tendo em vista a discussão

proposta no primeiro capítulo, podemos concluir que a própria concentração funcional da

renda, a partir da condução das políticas econômicas, desempenha um papel importante na

insuficiência de demanda. Neste sentido, temos que o problema social passa a ser antes de

tudo um problema econômico, não fazendo, portanto o menor sentido tratar as políticas

distributivas com uma lógica apenas compensatória.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo sócio-econômico que, ao longo do século XX, produziu no Brasil a

industrialização capitalista com elevadas taxas de investimento e de crescimento foi

claramente interrompido no início da década de 80. Dada a não resolução de problemas

sociais estruturais, sendo o mais emblemático destes a perversa distribuição de renda, para

muitos autores, o período que compreende as décadas de 30 e de 80, no Brasil, não deveria

ser considerado como de autêntico desenvolvimento econômico, mas, apenas, de intensa

modernização capitalista.

Apesar disso, não podemos falar em um capitalismo pleno no país, enquanto

persistir um excedente estrutural de mão-de-obra tão exacerbado, fazendo com que “setores

atrasados” convivam com “setores dinâmicos”. Vários fatores nos fazem crer que isto

decorre, em parte, da assimetria de poder econômico no cenário internacional, que se

perpetua até os dias de hoje, com a globalização financeira.

Como vimos, para os autores cepalinos, o excedente estrutural de mão-de-obra e a

má distribuição de renda podem ser atribuídos ao fato de o progresso técnico não ser gerado

endogenamente nos países subdesenvolvidos. Entre outros fatores, isto explicaria, em

termos kaleckianos, o fato de estes países encontrarem dificuldades para internalizar tanto o

DI como o DII, respectivamente os setores produtores de bens de capital e de bens de

consumo para os capitalistas. Sob uma perspectiva marxista, o subdesenvolvimento e o

desenvolvimento não devem ser encarados sob uma forma dualista ou “etapista”, mas como

elementos integrados, tendo em vista que o processo de acumulação deve ser tomado em

escala global. De forma keynesiana, torna-se necessário admitir que a economia brasileira

deveria realizar esforços para atingir o pleno emprego. O crédito produtivo poderia cumprir

um papel fundamental no sentido de organizar os “fatores de produção” ociosos. No

entanto, a elevação das taxas de juros, decorrente da liberalização financeira das contas de

capital, tem tornado o crédito proibitivo nos dias atuais.

Assim sendo, cabe reafirmar que o crescimento econômico pode até vir a ser

encarado como uma condição necessária, mas está longe de ser uma condição suficiente

para que possamos falar em um desenvolvimento econômico pleno, com a criação de uma

sociedade mais justa. O que a realidade brasileira tem demonstrado é a possibilidade de

151

convivência de altas taxas de crescimento econômico com poucos impactos no que diz

respeito à promoção da justiça social. Este cenário nos sugere que a ausência de

sustentabilidade social pode ser tomada como uma das próprias causas do estagnacionismo

econômico e da acentuação do subdesenvolvimento.

Este debate está centrado em duas categorias teóricas fundamentais para a teoria

econômica: o investimento e a distribuição de renda. O que se tentou aqui averiguar é como

a distribuição de renda pode indiretamente funcionar como motor do crescimento

econômico, não apenas por vias de crescimento do consumo interno, conforme a discussão

celebrizada por Kalecki, mas através dos seus possíveis efeitos sobre as decisões de

investimento.

Sob esta perspectiva, o investimento é encarado como um processo socialmente

constituído. A decisão de investir diz respeito à decisão de gasto do capitalista quanto à

parcela do produto que deve retornar a produção, mobilizando nova compra de força de

trabalho e dando origem a um novo ciclo de circulação da renda econômica. O

investimento, longe de ser um resultado macroeconômico abstrato, está associado àquilo

que se passa no lado real da economia. Por vários motivos, a decisão de investimento, além

de uma necessidade própria do processo de acumulação e valorização do capital, deve ser

percebida como uma decorrência daquilo que se passa no lado da demanda agregada,

sobretudo naquilo que afeta a expectativa de rentabilidade dos capitalistas.

Esta leitura não permite, portanto, assumirmos a visão dominante sobre o

investimento que vigora na análise econômica dos dias atuais. As aberturas comercial e

financeira e a constante preocupação dos policy makers com a estabilização dos preços

contribuíram para uma caracterização reducionista do investimento, como se este

dependesse apenas do fluxo de capital no mercado financeiro interno.

Quanto à distribuição de renda, esta se deriva, também, daquilo que ocorre no

circuito econômico. A inclusão social passa pela geração suficiente de empregos, e, desta

maneira, entendemos que a política econômica é, na realidade, uma das políticas sociais

mais importantes. Além disso, não podemos perder de vista a caracterização funcional da

distribuição de renda, resultante da clássica oposição entre o capital e o trabalho. A

distribuição de renda de que estamos falando passa, portanto, pela criação de oportunidades

de trabalho, que permitam o acesso à renda para o maior numero de trabalhadores e de

152

mecanismos de transmissão dos ganhos de produtividade para os salários reais, que

proporcionem uma elevação da remuneração do trabalho.

Assim como na discussão sobre o investimento, predomina nos dias atuais uma

visão um tanto quanto deturpada sobre a distribuição de renda. Para a teoria do capital

humano, a distribuição de renda é determinada pela capacidade do processo educacional

conferir qualificação e produtividade aos trabalhadores. A argumentação teórica desta

corrente de pensamento é fundamentada basicamente em testes econométricos7.

Portanto, podemos concluir que, no que tange às categorias principais desta

dissertação - o investimento e a distribuição de renda -, a análise econômica dominante tem

buscado desvencilhar-se daquilo que ocorre no lado real da economia. Em tempos de

“globalização financeira”, o investimento seria um fenômeno abstrato, influenciado pelo

bom funcionamento dos “fundamentos macroeconômicos”, incluindo os resultados fiscais

do setor publico e o controle da inflação, que, segundo as explicações “oficiais”, poderia

conferir um horizonte temporal mais favorável para o cálculo do investimento. A

distribuição de renda não se trataria de um fenômeno econômico em si, mas exógeno ao

funcionamento produtivo, uma vez que seria determinada pelo nível de escolaridade dos

indivíduos.

Uma vez caracterizado o investimento e a distribuição de renda, podemos conciliar

a retomada do investimento econômico com a distribuição progressiva da renda a favor dos

trabalhadores. Estamos falando, portanto, de uma relação dialética entre a distribuição de

renda e o crescimento econômico operacionalizada pelo investimento. Se, por um lado, o

crescimento econômico pode proporcionar ganhos sociais pela geração de emprego e renda,

por outro, os ganhos sociais também podem gerar uma nova configuração da estrutura de

demanda, estimulando positivamente o investimento e gerando assim um circulo virtuoso

de crescimento econômico.

Vejamos mais claramente como pode se dar este processo. Uma melhora na

distribuição de renda afeta decisivamente o tamanho do mercado consumidor, conforme

demonstrado pelo multiplicador kaleckiano. Se esta elevação for suficiente para influenciar

7 Nunca é demais lembrar que os testes econométricos não devem ser usados para descrever uma relação de causalidade. Fundamentados no procedimento de rejeição de hipóteses, o máximo que um teste econométrico pode afirmar é que não há evidências para rejeitar uma relação entre duas variáveis, o que, logicamente, é bastante distinto de afirmar que há uma relação de causalidade entre as mesmas.

153

as expectativas e o estado de confiança dos negócios, ou seja, o “animal spirit” dos

capitalistas, podemos falar em “acelerador” e afirmar que a distribuição de renda a favor

dos trabalhadores afeta indiretamente o próprio nível da renda econômica. Esta linha de

raciocínio faz lembrar o acelerador de Pasinetti, em que uma variação esperada na demanda

total tende a induzir uma variação ainda maior (uma aceleração) nos investimentos.

Além disso, esta relação encontra-se plenamente apoiada na perspectiva kaleckiana

de demanda efetiva, à medida que, segundo esta concepção, os salários não são antagônicos

em relação aos lucros, quando os investimentos são elevados. Ainda sobre as relações

positivas entre o investimento e a distribuição de renda, temos a visão de Lance Taylor, ao

propor um modelo em que a elevação da participação dos salários na renda levaria a um

crescimento do estoque de capital.

Dentro deste paradigma, o investimento depende de mudanças na situação

econômica que possibilitem o alargamento das fronteiras determinadas para os planos de

investimento, no qual as expectativas assumem um papel decisivo. Neste ponto, temos que

um programa de distribuição de renda com impactos sobre a massa salarial poderia

desempenhar um papel fundamental no sentido de estimular as decisões de investimento.

Uma outra maneira de encarar esta questão está na relação entre as altas taxas de

juros, a concentração funcional da renda e a recessão econômica. Para realizar tal

abordagem, podemos nos voltar para a observação daquilo que ocorreu no cenário

econômico brasileiro, sobretudo, a partir da liberalização financeira das contas de capital.

Com o advento da globalização financeira, as taxas de juros elevaram-se

significativamente no país. Este fenômeno pode ser lido à luz das diversas correntes de

pensamento que nortearam esta dissertação para demonstrarmos como foi responsável pela

acentuação da concentração funcional de renda e pela estagnação econômica.

Sob a perspectiva marxista, o capital social como um todo não rende sem operar

como capital produtivo. Como vimos, a produção da mais-valia realiza-se no processo de

produção, uma vez que o excedente é produzido pelo trabalhador. A acumulação financeira

nos dias atuais nada mais representa do que uma transferência de mais-valia para os

rentistas, no âmbito da concorrência capitalista, descrita por Shaikh como processo de

“acumulação como guerra”. Compreendendo os aspectos monetários da produção, não é

difícil perceber que as altas taxas de juros, ao remuneram os detentores de moeda, estancam

154

a circulação da riqueza, impossibilitando o normal funcionamento da economia e

impedindo o crescimento econômico.

O multiplicador kaleckiano também está presente nesta análise.Com a massa salarial

em queda, dado que os trabalhadores apresentam uma maior propensão a consumir, os

gastos agregados se retraem. Pelo princípio da demanda efetiva, a renda se retrai. Somando-

se a isso, a capacidade ociosa não planejada de Steindl, elemento real pelo qual as

expectativas dos empresários configuram-se em novos investimentos, a retração das vendas

acaba tendo como conseqüência a paralisação dos investimentos e o surgimento de um

círculo vicioso de estagnação. Ou seja, os efeitos de uma queda do nível de atividade em

uma economia oligopolizada tendem a ser recursivos. Ainda, segundo Steindl, a carga

agregada de juros sobre os lucros brutos tenderia a crescer quando os investimentos se

retraem. Ou seja, a ampliação do endividamento e a financeirização da economia seriam o

principal retrato da crise no lado real da economia.

Além disso, não devemos desprezar a conceituação keynesiana, propriamente dita, a

respeito das expectativas. Seja pelo “animal spirit”, pelo “estado de confiança” dos

negócios, em suma, tudo o mais que puder influenciar as expectativas de longo prazo, estas

tornam-se extremamente restringidas em um contexto de estagnação continuada. Afinal,

quando o mercado potencial de consumo encontra-se seriamente comprometido pela queda

da massa salarial, as expectativas dos capitalistas quanto à possibilidade de fazer valorizar o

capital investido acabam tornando-se seriamente comprometidas.

Cabe ainda ressaltar a influência direta das elevadas taxas de juros sobre o nível de

investimento e o crédito. Para Keynes, a teoria dos ativos na composição do capital

determina uma relação inversa entre as taxas de juros e o nível de investimento. Como

sabemos, a economia brasileira encontra-se estruturalmente fora do pleno emprego, e o

crédito, que poderia funcionar para organizar os fatores de produção ociosos em direção a

plena ocupação da mão-de-obra, acaba tornando-se proibitivo pela elevado nível das taxas

de juros.

Além do comprometimento do crescimento econômico pelo desestímulo ao

investimento, o elevado nível das taxas de juros foi, como já vimos, um dos grandes

responsáveis pela concentração funcional da renda nos últimos anos. A concentração

funcional da renda no período em questão foi confirmada pelos dados de Pochmann (2003),

155

Bresser Pereira (2002). Esta concentração efetivou-se não apenas pelos fatores já citados

acima, como também pela política econômica de pagamento de juros da dívida pública

(transferência de renda dos salários para os rentistas, intermediada pelos impostos), pelo

simples recrudescimento do fenômeno do desemprego e pela queda do rendimento do

trabalho em proporções ainda não vistas na economia brasileira recente.

A conciliação entre a decisão de investimento e a redistribuição de renda a favor dos

trabalhadores pode ser demonstrada, portanto, à luz das diversas correntes teóricas

abordadas nesta dissertação e suas interconexões. Relacionando estas visões teóricas,

podemos encontrar alguns primeiros elementos para compreender porque, em uma

economia subdesenvolvida na qual a renda encontra-se funcionalmente concentrada, os

gastos, de um modo geral e, sobretudo, aqueles que se destinam ao investimento não se

concretizam.

No entanto, outros elementos nos fazem questionar se a distribuição de renda e o

crescimento econômico caminham necessariamente sempre juntos. Voltemos nossa atenção

para a tomada de decisão de investimento. A plena compreensão do processo de decisão de

investimento é um aprendizado bastante complexo. Dado que, segundo Keynes, o

investimento é realizado a partir das expectativas dos capitalistas, sobre o qual o papel da

incerteza assume um caráter fundamental, talvez se torne até mesmo impossível determinar

se a distribuição de renda afeta positivamente ou não o investimento. A tomada de decisão

de investimento é, em última instância, subjetiva, apesar de existir uma racionalidade de

previsão objetiva quanto aos rendimentos futuros que pode influenciar a realização ou não

de novos investimentos.

Por outro lado, temos a concepção marxista quanto à tendência histórica do próprio

capitalismo. Marx aponta, entre tantas outras contradições, que a própria busca de

acumulação, lei de movimento fundamental do capital levaria a uma tendência à queda da

taxa de lucro, concomitante à piora da distribuição funcional da renda. Assim sendo, não

caberia afirmar, segundo o próprio Marx, que o investimento e a distribuição progressiva da

renda estejam positivamente relacionados. A necessidade capitalista de formação de um

exército industrial de reserva, funcional à exploração e à acumulação capitalista, vem a ser

mais um fator que depõe contra esta idéia.

156

Existem na realidade econômica brasileira elementos que indicam que a

concentração funcional da renda pode afetar positivamente o crescimento econômico, pelo

menos em algum período de tempo. É o caso dos anos 60 e 70, quando a política salarial do

governo militar contribuiu para condicionar a estrutura de demanda à capacidade produtiva,

sobretudo no setor de bens de consumo duráveis. Todavia, o próprio arrefecimento

posterior das taxas de crescimento vem a confirmar que isto vale apenas no curto prazo. No

longo prazo, a industrialização apoiada nestes condicionantes tende a gerar uma

subutilização da capacidade produtiva, não implicando um crescimento econômico

sustentado.

Assim sendo, está aberto o caminho para que possamos debater a hipótese de que a

distribuição de renda afeta positivamente o investimento econômico. Mesmo que ainda não

tenhamos elementos suficientes para afirmar que esta relação ocorra indubitavelmente,

também não podemos desprezar as evidências e, sobretudo, as correntes teóricas ligadas à

demanda efetiva e à acumulação do capitalismo, que, como vimos, apóiam solidamente

esta concepção.

Uma melhor compreensão das temáticas abordadas nesta dissertação, especialmente

aquelas decorrentes da relação central entre o investimento e a distribuição de renda

demandaria um aprofundamento maior em diversos aspectos não explorados

suficientemente neste trabalho. Em primeiro lugar, está a assimetria entre os países centrais

e os países periféricos, que se perpetua até os dias atuais de globalização financeira. Se

compreendermos que a acumulação nos países periféricos, seja ela de forma industrial ou

financeira, decorre historicamente da necessidade de expansão do capital nos países

centrais, constataremos a necessidade de que estudemos mais a fundo tópicos de economia

política internacional, de forma a entendermos como se dá o processo de acumulação e

distribuição funcional da renda em escala global nos dias atuais. Este ponto nos remete ao

papel das empresas transnacionais na formação independente de capital nos países

subdesenvolvidos: até que ponto a decisão de investimento das filiais destas empresas está

associada à realidade sócio-econômica do país?

Além disso, a constatação de que o capitalismo não teria se desenvolvido

plenamente no Brasil, a partir da percepção da coexistência de setores não-capitalistas e

capitalistas, demandaria uma investigação sociológica, que poderia ser realizada, por

157

exemplo, a partir da leitura clássica de Florestan Fernandes sobre o desenvolvimento

capitalista no Brasil. Ainda sobre a modernização capitalista no Brasil, cabe destacar que a

releitura proposta por esta dissertação, apesar de extensa, não foi exaustiva. Certamente,

uma leitura mais completa do período da substituição de importações poderia ser

enriquecida com a abordagam do “capitalismo tardio” proposta por João Manoel Cardoso

de Melo. Finalmente, a leitura de outros autores que escreveram sobre o período, como

Wilson Cano e Wilson Suzigan, poderia contribuir para a compreensão do objeto proposto

no segundo capítulo desta dissertação.

O ponto central desta dissertação encontra-se no núcleo da orientação de

desenvolvimento de longo prazo proposta no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 do

Governo Lula. No PPA, está descrita uma estratégia, em que é explicitado um círculo

virtuoso entre o investimento, o repasse dos ganhos de produtividade aos salários e a

produção interna de bens-salário.

Este ponto nos leva à reflexão sobre diversas questões que poderiam ser abordadas a

partir da leitura desta dissertação. De inicio, poderíamos pensar como se daria o repasse dos

ganhos de produtividade para os salários reais, questão fundamental para a própria

compreensão do processo redistributivo. Este ponto encontra-se incluído em uma discussão

bem maior, que diz respeito aos mecanismos de distribuição de renda, o que nos faz pensar

refletir sobre a própria centralidade do trabalho como forma de acesso renda no estágio

atual do capitalismo. Este debate inclui desde os programas sociais distributivos até o

próprio enfrentamento pela política econômica da apropriação da renda pelos setores

financeiros, sem falar no processo de reforma agrária, que poderia cumprir um papel

fundamental sobre as causas estruturais da concentração da renda e da riqueza no Brasil.

Além disso, caberia, a posteriori, verificarmos os resultados obtidos pelo

planejamento governamental em relação à estratégia de crescimento via consumo de massa,

através das efetivas ligações entre o investimento, a distribuição de renda e a retomada do

desenvolvimento econômico e social no Brasil. Alguns indicadores chegam a apontar os

programas de transferência de renda como, por exemplo, o Bolsa-Família, como

responsáveis pela ampliação do mercado consumidor, o que estaria influenciando os

indicadores mais recentes de retomada do crescimento econômico a despeito da

insatisfatória queda das taxas de juros reais pela política econômica.

158

Ainda em relação ao PPA, caberia investigarmos seus efeitos sobre o desenho da

política industrial. Segundo os departamentos kaleckianos, um processo distributivo a favor

dos trabalhadores requer que a estrutura produtiva acompanhe o incremento da demanda

decorrente da ampliação da massa salarial. Ou seja, a política industrial deve estar atenta à

oferta produtiva de bens de consumo de massa para que os ganhos distributivos não

venham a se transformar em uma pressão sobre o nível de preços na economia, anulando os

ganhos iniciais dos trabalhadores.

A possibilidade de repasse dos ganhos salariais para os preços nos faz refletir sobre

a necessidade de estudarmos mais a fundo a estrutura industrial brasileira. Esta perspectiva

encontra-se em sintonia com as questões levantadas por Kalecki e Steindl sobre os efeitos

da oligopolização sobre a concentração funcional da renda e a estagnação econômica. Para

Kalecki, a distribuição funcional da renda é um fenômeno microeconômico, no qual o

poder de mercado da firma é fundamental para a determinação do mark-up e a conseqüente

divisão da renda agregada entre salários e lucros. E, para Steindl, a oligopolização está

relacionada ao estudo das crises nas economias extremamente financeirizadas.

Toda esta discussão sobre o PPA 2004-2007 está alinhada com a própria relevância

da investigação sobre o investimento público, que não foi abordada por este trabalho. O

investimento público cumpriu um papel fundamental no desenvolvimento capitalista no

Brasil, e, na promoção do Estado do Bem-Estar Social ao longo do mundo no século XX.

Assim sendo, entre os determinantes do investimento público, poderíamos destacar o

processo redistributivo da renda. Desta maneira, em sintonia com os objetivos desta

dissertação, a distribuição de renda poderia funcionar como a própria motivação em si da

tomada de decisão de investimento por parte de uma política de Estado.

Cabe ainda realizarmos algumas considerações sobre os marcos teóricos

privilegiados neste trabalho e suas aplicações para a retomada do desenvolvimento sócio-

econômico no Brasil. Conforme já foi dito nesta dissertação, a idéia de atribuir à

concentração de renda a causa do estagnacionismo econômico remonta às teorias do

subconsumo do século XIX. Para estes autores, o capitalismo seria incapaz de se auto-

expandir, tendo em vista que, no limite a concentração de renda tornaria insustentável a

reprodução econômica. Este estudo não se enquadra dentro desta perspectiva, uma vez que

a teoria do subconsumo encontra-se alinhada à idéia de que o fim último da produção

159

capitalista seria o consumo e não a acumulação. A opção de centrarmos nossa análise na

tomada de decisão de investimento reforça claramente esta oposição.

Este trabalho encontra-se, em sintonia, portanto, com a idéia de que o princípio da

demanda efetiva, as teorias clássicas da acumulação capitalista, além da concepção do

investimento como um processo socialmente constituído, muito podem contribuir para que

possamos entender aquilo que tem se passado nas “décadas perdidas em políticas

macroeconômicas” e para a proposição de sugestões para a retomada das taxas de

crescimento econômico com distribuição de renda.

Desde a década de 80, a análise de cunho estritamente macroeconômico tem

dominado as interpretações sobre os fenômenos econômicos brasileiros, influenciando a

ação dos “policy makers”. Não cabe aqui correlacionar definitivamente a base teórica

dominante e os resultados econômicos verificados. Não temos elementos suficientes para

realizar tal correlação. No entanto, fica claro que a análise econômica dominante tem sido

insuficiente para a compreensão daquilo que está se passando na economia brasileira.

Dentre outros fatores, acreditamos que esta atitude de negligência frente à realidade

acabou por contribuir para acentuar a própria paralisação econômica do país. Esta miopia

não permitiu enxergar que a economia brasileira, de longe não se encontrava no pleno

emprego. Ao invés de mergulharmos em uma aventura teórica ortodoxa, comumente alheia,

em sua versão neoliberal, a indicadores do mercado de trabalho como o nível de emprego e

do rendimento do trabalho, seria necessário retornarmos nossa atenção para um dos

próprios pilares do pensamento keynesiano, que diz respeito ao funcionamento da

economia fora do pleno emprego e sobre o que fazer para incorporar crescentemente a mão-

de-obra. Ao contrário das políticas econômicas ortodoxas, os gastos assumem um papel

central dentro desta perspectiva.

Em linhas gerais, podemos ressaltar, em nossa perspectiva, a centralidade da

demanda e, sobretudo, do investimento, assim como a preocupação com o longo prazo,

natural para autores latino-americanos, que se deparam com realidade sócio-econômica

bastante distinta daquela vivida nos países centrais e a preocupação com a má distribuição

de renda, relacionada à insuficiente absorção da mão-de-obra e ao desemprego estrutural

nos paises periféricos.

160

Esta opção visa, entre outros motivos, demonstrar que é preciso voltarmos para a

economia real, locus natural da produção da renda e da riqueza, para que possamos

compreender as possíveis conexões entre a decisão de investimento, o conflito distributivo

e a retomada do crescimento econômico.

Além disso, esta dissertação espera ter contribuído para desfazer a idéia de que a

“realidade social” é distinta da “realidade econômica”. Toda política econômica é em si

uma política social, tendo em vista que afeta a distribuição da renda. Mais do que isso,

acreditamos que a política econômica deveria estabelecer comprometimento com valores

fundamentais da cidadania, uma vez que incide sobre o nível de emprego, o pagamento de

impostos, o consumo agregado e demais aspectos fundamentais da vida cotidiana em uma

sociedade capitalista. Finalmente, a política econômica deveria cumprir papel soberano

quanto à promoção da independência econômica do País, levando em consideração as

especificidades a que as economias subdesenvolvidas são submetidas no jogo de poder

assimétrico vigente na realidade internacional.

Esperamos ter cumprido, ainda, o objetivo de lançar no debate econômico a idéia de

que a concentração de renda pode ser, além de conseqüência, uma própria causa do

subdesenvolvimento. Assim sendo, a resolução do problema distributivo, uma temática

muitas vezes associada apenas a preocupações éticas ou morais, poderia passar a ser

percebida como “motor” do crescimento econômico, tornando-se um objetivo a ser atingido

pela política econômica, além das metas inflacionárias, do nível de superávit primário e do

endividamento público. Desta forma, estaria sendo abreviado o caminho para que o Brasil

atingisse, enfim, uma rota de desenvolvimento econômico e social genuíno e substantivo.

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