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Dissertação de Mestrado
Riqueza e composição de espécies em comunidades de girinos em lagoas
permanentes e temporárias e comparação entre metodologias de
identificação dessas formas de vida
Ceres Olívia Leão
Ouro Preto, setembro de 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE BIODIVERSIDADE, EVOLUÇÃO E MEIO AMBIENTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA DE
BIOMAS TROPICAIS
Riqueza e composição de espécies em comunidades de girinos em lagoas
permanentes e temporárias e comparação entre metodologias de
identificação dessas formas de vida
Autora: Ceres Olívia Leão
Orientação: Prof.ª Dra. Maria Rita Silvério Pires
Coorientação: Prof. Dr. Danon Clemes Cardoso
Coorientação: Prof.ª Dra. Eneida Maria Eskinazi Sant‟anna
Ouro Preto, setembro de 2017
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
em Ecologia de Biomas
Tropicais, do Instituto de
Ciências Exatas e Biológicas
da Universidade Federal de
Ouro Preto, como parte dos
requisitos para obtenção do
título de Mestre em Ecologia.
AGRADECIMENTOS
Com toda certeza alguns poucos fios me seguraram e fizeram-me seguir em
frente nessa saga! Cada fio significa uma pessoa maravilhosa que me
acompanhou durante este tempo.
Agradeço à minha mãe, exemplo de mulher forte que, além de me aguentar a
vida inteira, sempre me apoiou e me ensinou a engolir o choro e tocar a vida.
Agradeço à professora Maria Rita pelas oportunidades, pelos ensinamentos,
parceria durante todos esses anos, pela paciência, bom humor e amizade!
Agradeço imensamente aos meus coorientadores, Danon e Eneida.
Principalmente ao Danon que chegou ao final, mas fez acontecer este trabalho.
Muito obrigada!
Aos funcionários do setor de transporte da UFOP, que nunca deixou de nos
atender, mesmo tendo que enfrentar chuvas e atoleiros. Em especial ao
querido Reinaldo, que além de motorista, nos apresentou várias lagoas, dava
dicas de campo, e ainda era o melhor „caçador de girinos‟ da equipe.
Ao Alberto do IEF, por ter nos ajudado com as lagoas e informações das
localidades.
Ao Tiago Pezzuti e a Dani Fonseca da UFMG, que me ajudaram demais a
conhecer esse mundo novo dos girinólogos.
Ao Dr. Gunther Köhler, do Instituto de Pesquisa Senckenberg, pelo
sequenciamento das amostras.
Às IC‟s lindas Shay, Débora e Gabi pela animação, interesse e compromisso
em ajudar no que foi preciso.
Ao Cláudio, pelas ajudas em campo e análises estatísticas. Aos demais
colegas de laboratório, à Paula Maria por ter abraçado o LZV com seu
maravilhoso e essencial trabalho, e por ter se tornado uma grande amiga!
Aos amigos queridos! Aos companheiros de casa, em especial Alice, Virgínia e
Cortiço!
À UFOP e ao programa de pós-graduação em Ecologia de Biomas Tropicais.
Ao Rubens maravilhoso, sempre solícito, ajudando em todas as burocracias.
E aos membros da banca pela disponibilidade, leitura e considerações.
Obrigada!
ÍNDICE
RESUMO ..................................................................................................................................... 3
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 4
METODOLOGIA ......................................................................................................................... 7
Sítios amostrais .............................................................................................................. 7
Lagoas permanentes ......................................................................................................... 7
Lagoas temporárias: .......................................................................................................... 8
Métodos de coleta ........................................................................................................ 10
Métodos de Identificação de espécies e validação taxonômica ........................... 10
RESULTADOS ......................................................................................................................... 13
I - Estudo da comunidade de girinos em lagoas permanentes e temporárias............ 13
Riqueza e composição de espécies .......................................................................... 13
Guildas tróficas em comunidades de girinos ........................................................... 15
II- Validação taxonômica ..................................................................................................... 15
Identificação com base em morfologia ...................................................................... 15
Identificação por análise de similaridade molecular ............................................... 16
Análise de divergência intraespecífica ...................................................................... 20
DISCUSSÃO ............................................................................................................................. 22
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 25
Anexo 1: Lagoas localizadas no Quadrilátero Ferrífero, onde foram realizadas coletas
de girinos para estudo de identificação taxonômica e composição de comunidades. .. 32
1
Lista de tabelas
Tabela 1. Composição de espécies de anuros, coletados durante fase larval, em lagoas
temporárias e permanentes, na porção sul da Cadeia do Espinhaço. ............................... 14
Tabela 2. Comparação entre as identificações de girinos por meio de morfologia com as
obtidas por análise de similaridade molecular.. ................................................................. 18
2
Lista de figuras
Figura 1. Padrão de distribuição de guildas entre lagoas permanentes e temporárias em
comunidades de girinos ao sul da Cadeia do Espinhaço................................................... 15
Figura 2. Espécimes de girinos coletados em lagoas na porção sul da Cadeia do
Espinhaço, para os quais não foi possível a identificação por meio de chaves taxonômicas
baseadas em morfologia.. .................................................................................................. 16
Figura 3. Representação gráfica das distâncias genéticas, obtidas pela análise do gene
16S, para girinos coletados em lagoas localizadas na porção sul da Cadeia do Espinhaço.
........................................................................................................................................... 19
Figura 4. Indivíduos agrupados pela análise de divergência intraespecífica.. .................. 20
Figura 5. Indivíduos que apresentaram valor de divergência nucleotídica maior que o
valor limiar intraespecífico.. ............................................................................................... 21
Figura 6. Indivíduos identificados como Scinax fuscovarius pela análise de similaridade
molecular. .......................................................................................................................... 21
3
RESUMO
A documentação do declínio de populações de anfíbios vem crescendo e muitas espécies
foram e estão sendo extintas antes de serem conhecidas. O estudo das formas larvais de
anuros acrescenta informações sobre distribuição geográfica e biologia para muitas
espécies. Contudo, são frequentes os problemas de identificação para essa fase. O
presente trabalho teve como objetivos fazer um levantamento da anurofauna de lagoas
montanas, e comparar o uso de metodologias de identificações dos espécimes na fase
larval. Para tanto, foram realizadas coletas em dez lagoas temporárias e permanentes,
entre os meses de novembro de 2016 e fevereiro de 2017. Para as identificações dos
espécimes utilizaram-se três métodos, chaves taxonômicas baseadas em morfologia
externa, análise de similaridade molecular, e DNA Barcode, usando o marcador molecular
16S. Os girinos coletados foram agrupados em 90 lotes, correspondentes a cada
morfotipo de cada localidade, em cada evento de coleta. Dentre os 90 lotes foram
encontrados 33 morfotipos, posteriormente identificados. Foram registradas 17 espécies
de anuros, pertencentes a cinco famílias. Para guildas bentônicas, 9 espécies foram
coletadas e 6 foram registradas exclusivamente em lagoas permanentes. De 8 espécies
nectônicas encontradas, quatro foram registradas exclusivamente em lagoas temporárias.
As identificações por meio de chave taxonômica resultaram em 15 espécies, sendo que 6
indivíduos não puderam ser identificados com segurança. Vinte e nove amostras foram
sequenciadas e, as análises por similaridade molecular indicaram 15 espécies, sendo
que, 13 confirmaram as identificações por morfologia, e 10 foram atribuídas a outro táxon.
O DNA Barcode indicou a existência de 16 espécies entre as amostras. O estudo apontou
e discutiu possíveis inconsistências para métodos de identificação de girinos. O DNA
Barcode acrescentou informações sobre a biodiversidade local. Dessa forma, reforçamos
a importância da taxonomia integrativa para fornecer informações mais consistentes para
avaliarmos as espécies e contribuirmos para estudos de conservação.
Palavras-chave: Identificação de girinos, 16S, DNA Barcode, taxonomia integrativa.
4
INTRODUÇÃO
A documentação do declínio de populações de anfíbios e o aumento do número de
espécies em categorias de risco vêm crescendo nas últimas décadas (Stuart et al., 2004;
IUCN, 2017). Estima-se que muitas espécies foram e estão sendo extintas antes de
serem conhecidas, principalmente nos trópicos, onde a diversidade é alta e as
informações são escassas para muitos grupos (Stuart et al., 2008). Uma espécie com
ampla distribuição, por exemplo, que apresenta variações populacionais, pode
representar, na verdade, um complexo de espécies crípticas (Hebert, 2004a). Dessa
forma, a diversidade real pode estar sendo subestimada e, muitas espécies
negligenciadas, não sendo adotadas medidas conservacionistas quando elas são
necessárias (Collen et al., 2009; Köhler et al., 2005) e obscurecendo padrões históricos,
biogeográficos e filogenéticos (e. g,: Vacher et al., 2017).
Ainda existem lacunas quanto ao conhecimento da taxonomia e ecologia de muitos
táxons de anfíbios anuros. No Brasil, por exemplo, mais de 14% das espécies de anfíbios
descritas até o momento são classificadas na categoria „Dados Insuficientes‟ (ICMBio,
2014; Segalla et al., 2016). Nesse cenário, é possível também que existam espécies
desconhecidas devido a identificações taxonômicas equivocadas e dificuldades de
delimitações de espécies amplamente distribuídas.
A maioria das espécies de anuros apresenta modo reprodutivo com girinos
exotróficos, ou seja, dependem exclusivamente do corpo d‟água até sua completa
metamorfose (Duellman & Trueb 1994). Sendo assim, diversas variáveis desses
ambientes tem efeito direto na riqueza de espécies que os colonizam, tais como, a
complexidade estrutural do ambiente (Altig & McDiarmid 1999), a presença de predadores
(Buskirk & Yurewicz 1998) e as características físicas e químicas da água, pois exercem
influência sobre o desenvolvimento e a sobrevivência dos girinos (Babbitt 2005; Both et al.
2009). Além disso, a quantidade de vegetação influencia a ocorrência de girinos com
modos alimentares diferenciados, ou guildas tróficas (Rossa-Feres et al. 2004) e o
hidroperíodo, ou seja, o risco de dessecação em ambientes temporários, acelera o tempo
de desenvolvimento das larvas (Crump 1989; Buskirk & Yurewicz 1998).
Registros de espécies de anfíbios anuros são realizados, em sua maioria, por meio
de coletas e acompanhamentos de machos adultos que vocalizam no período reprodutivo.
No entanto, dificuldades de acesso aos nichos de vocalização, ou períodos reprodutivos
5
explosivos, podem tornar as amostragens insuficientes (Madalozzo et al., 2017),
contribuindo para a inflação de espécies em categoria de dados deficientes. Dessa forma,
o estudo das formas larvais constitui uma alternativa para a complementação das
informações sobre distribuição geográfica e biologia para muitas espécies. Os girinos
permanecem no ambiente aquático por um período longo, são numerosos, em geral, e
fácil de serem coletados. O estudo dessa fase da vida dos anuros amplia as
possibilidades para compreender as variáveis que influenciam a ecologia das espécies e
padrões de ocorrência (Altig & McDiarmid, 1999).
McDiarmid e Altig (1999) concentraram esforços para levantar as principais
informações sobre ecologia, morfologia, fisiologia e comportamento exclusivos da fase
larval dos anuros. Esses autores ressaltam que o aumento das pesquisas relativas à
diversidade de girinos vem acompanhado dos problemas de identificação de espécies
nessa fase. Esses problemas são decorrentes de publicações de descrições pouco
detalhadas, espécimes mal armazenados em coleções, poucos pesquisadores na área e
a alta plasticidade fenotípica apresentada por muitas espécies (e.g.: Relyea & Auld,
2005). Além disso, a falta de uniformidade dos termos utilizados para caracterizar os
girinos é também um fator que dificulta o trabalho comparativo (Altig, 2007).
As dificuldades de identificação das larvas de anuros são reconhecidas desde os
primeiros trabalhos na década de 1950 (Orton, 1953). Apesar de grandes avanços
relativos à padronização da nomenclatura (e.g.: Altig, 2007), definição de fases (e.g.:
Gosner 1960) e uso de tecnologias modernas para descrições morfológicas (e. g.: Alcalde
et al., 2011), as referências ainda são escassas quando comparadas com a diversidade
de espécies conhecida a partir da fase adulta. Ou seja, é ainda muito difícil reunir
informações sobre girinos mesmo para regiões relativamente bem estudadas, como o
sudeste brasileiro (Andrade et al., 2007). Para a fauna brasileira, são disponíveis na
literatura três chaves taxonômicas para girinos (Hero, 1990; Rossa-Feres & Nomura,
2006; Machado & Maltchik, 2007) e duas dissertações sobre taxonomia das formas larvais
(Pezzuti, 2011; Gonçalves, 2014). Dentre essas referências, duas são focadas para a
fauna da região sudeste, Rossa-Feres & Nomura (2006) e Pezzuti (2011).
Descrições exclusivamente baseadas em dados morfológicos podem gerar
incertezas taxonômicas (Bueno-Silva, 2012) e a tendência atual aponta para um grande
número de trabalhos, nos quais são empregadas técnicas moleculares para esse fim
6
(Inger et al., 2006; Vieites et al., 2009; Wiens et al., 2010; Thomé et al., 2012; Brusquetti
et al., 2014; Dias et al., 2017). Essa tendência é impulsionada pelo fato de que o uso
dessas técnicas vem se tornando mais acessível e, assim, elas vem sendo amplamente
utilizadas na sistemática e filogenia de anuros (Faivovich et al., 2005; de Sá, 2014; Pyron
& Wiens, 2011). A análise molecular facilita e acelera o processo de delimitação de
espécies (Köhler, 2007). Além disso, permite a identificação de entidades distintas muito
similares em áreas de ocorrência próximas, o que demandaria estudos ecológicos
detalhados e de longo prazo para serem detectadas (Herbert, 2004b).
Entre indivíduos de uma mesma espécie existe um limiar de conservação genética
maior do que entre indivíduos de espécies diferentes (Hebert, 2004b). Essa abordagem
incentivou o uso do sequenciamento genético como um código de barras, o DNA barcode,
para análises taxonômicas por meio da similaridade de sequências nucleotídicas (Hebert,
2003). O método de sequenciamento de fragmentos do DNA oferece boa resolução para
caracterizar geneticamente os indivíduos (Dang et al., 2015; Schulze et al., 2015;
Chambers & Hebert, 2016). O fragmento mais utilizado atualmente é o citocromo oxidase
I (COI). No entanto, devido às dificuldades de se encontrar os primers adequados para
diversos grupos, alguns marcadores alternativos são também utilizados (Coleman, 2009;
Vences et al., 2005a). Em anfíbios o gene 16S é o marcador molecular com maior
sucesso de amplificação e é amplamente utilizado para trabalhos taxonômicos e
filogenéticos (Frost et al., 2006; Faivovich et al., 2005), havendo uma maior quantidade de
dados disponíveis para comparações.
O presente trabalho teve dois objetivos distintos e complementares, que foram: (I)
analisar riqueza, composição e guildas tróficas em comunidades de girinos que ocupam
ambientes lacustres lênticos, permanentes e temporários; e, (II) considerando a
importância de integrar métodos taxonômicos para aproximar ao máximo da identificação
correta das espécies por meio de suas formas larvais, comparar as identificações dos
espécimes por meio dos três método mais utilizados, ou seja, o uso de chaves
taxonômicas baseadas em morfologia externa, a análise de similaridade molecular, e o
DNA Barcode, usando o marcador molecular 16S.
7
METODOLOGIA
Sítios amostrais
As amostragens foram realizadas em dez lagoas, cinco temporárias e cinco
permanentes (Anexo 1), incluídas na região do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais,
extremo sul da Serra do Espinhaço. O Quadrilátero Ferrífero está inserido na transição
dos dois hotspots brasileiros, a Mata Atlântica e o Cerrado (sensu Ab‟Saber, 1977). Essa
região abriga uma ampla gama de fitofisionomias e corpos d‟água, incluindo as
cabeceiras de importantes rios (Jacobi & Carmo, 2008).
Lagoas permanentes
Lagoa do Virgílio: Lagoa natural, localizada no distrito de Santa Rita, em Ouro
Preto - MG. A lagoa ocorre em uma área de vegetação preservada “ilhada” em meio às
inúmeras plantações de eucalipto, que é uma atividade econômica importante do distrito.
Não existem registros de estudos ecológicos anteriores nessa área.
Lagoa do Gorila: Lagoa natural, formada pela exposição do lençol freático.
Localizada entre os municípios de Ouro Preto e Ouro Branco (20º28‟11”S 43º36‟0”W).
A Lagoa do Gorila pode abrigar uma riqueza de espécies subestimada. Estudos já
realizados na lagoa encontraram 11 espécies de anfíbios (São Pedro & Feio, 2011), e 35
espécies de zooplâncton (Brito, 2016). Durante os trabalhos de campo encontramos
pequenos roedores que usavam as margens alagadas para se abrigarem, mas não
existem outros registros da fauna ou flora local.
Uma das margens da lagoa está localizada aos pés de uma das elevações da
Serra de Itatiaia, conhecida como “Gorila”. Nas outras margens, a lagoa está limitada pela
estrada que liga os municípios de Ouro Branco e Ouro Preto, por uma grande área de
erosões e, ainda, uma recente moradia foi construída em suas proximidades. Assim, a
lagoa sofre efeito de diferentes tipos de pressões que podem afetar negativamente a
biodiversidade do local.
Uma das formas de auxiliar a conservação da Lagoa do Gorila pode ser a
conclusão do Plano de Manejo e Zoneamento do Monumento Natural Estadual de Itatiaia
8
que, provavelmente, incluirá a área como parte da zona de amortecimento da unidade de
conservação.
Lagoa do Tesoureiro: Lagoa natural, localizada no Parque Estadual do
Itacolomi/PEIT, município de Ouro Preto – MG.
A lagoa é formada pelo represamento das águas de um córrego. A jusante do
córrego existe mais dois represamentos, sendo que, um deles, está em uma das entradas
do PEIT, conhecida como “casa do Tesoureiro”.
Lagoa do Nonô: Lagoa artificial, localizada no distrito de Santa Rita, município de
Ouro Preto – MG. A lagoa fica em uma pequena propriedade particular e é usada para
uso de dessedentação animal.
Lagoa da Caveira: pequena lagoa natural formada na base de um afloramento
rochoso, adjacente a uma área de solo permanentemente encharcado. A lagoa está
localizada no município de Ouro Branco – MG, no entorno do Parque Estadual Serra do
Ouro Branco.
Lagoas temporárias:
Lagoa dos Coutos: Lagoa natural, localizada em uma área de afloramento
ferruginoso na Serra do Gandarela. A lagoa está situada no município de Barão de
Cocais-MG, e faz parte da Bacia do Rio Doce (19°59'6.54"S 43°33'4.75"W).
Por ser uma lagoa rasa, temporária, de altitude e ocorrer em campos ferruginosos,
a Lagoa dos Coutos é um ambiente raro e de potencial relevância para a biodiversidade
(Brito, 2016; Moreira et al., 2015). Em 2015, foi descoberta uma espécie de cladócero que
ocorria, até então, apenas no Cerrado brasileiro, sendo o terceiro registro da espécie no
país (Moreira et al., 2015). Apesar disso, os estudos nessa lagoa ainda são recentes e
escassos. Outro fator que faz da Lagoa dos Coutos um ambiente especial, é sua inserção
na Serra do Gandarela.
A Serra do Gandarela está entre duas importantes bacias de Minas Gerais, a Bacia
do Rio Doce/Rio Piracicaba e a do São Francisco/Rio das Velhas. A topografia e o tipo de
solo da serra permite a reserva de grande volume de água, o que transforma a região em
9
um aquífero, sendo o manancial mais significativo para o abastecimento de água da
região metropolitana de BH (ICMBio, 2010).
Além da relevância hídrica, as paisagens de campo rupestre sobre cangas
ferruginosas abriga uma rica e endêmica biodiversidade e apresenta um potencial turístico
para a região (ICMBio, 2010). Recentemente, por força de ação popular foi proposta a
criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela e uma Reserva de Desenvolvimento
Sustentável, pelo ICMBio. No entanto, a criação do Parque foi dificultada por força de
interesses de exploração de grandes empresas de mineração.
O projeto inicial do Parque da Gandarela teve seu contorno redefinido por
influência de empresas mineradoras. Dessa forma, importantes áreas para a conservação
de recursos naturais ficaram fora da área de proteção da unidade. Um dos projetos de
mineração na região é a Mina Apolo, da Vale S.A. projetada para a retirada de minério de
uma extensa área da serra, onde está situada uma das duas maiores áreas de canga
ferruginosa e um complexo de lagoas naturais, entre elas, a Lagoa dos Coutos. Além da
lagoa, parte do Ribeirão da Prata também ficou fora dos limites de proteção do parque, o
que pode comprometer o abastecimento de água de milhares de pessoas da região.
Poça do Gorila: Poça natural, adjacente, mas não conectada, à lagoa do Gorila.
Localizada entre os municípios de Ouro Preto e Ouro Branco (20°27‟52.45”S
43°35‟25.64”W).
Poça da Caveira: Pequeno represamento natural da água da chuva na cavidade de
um afloramento rochoso. Localizada no município de Ouro Branco-MG. A região está
próxima dos limites do Parque Estadual da Serra do Ouro Branco.
Lagoa do Walace: Lagoa natural, localizada no distrito de Itatiaia, Ouro Branco -
MG em área particular, próxima à Cachoeira de Itatiaia. A região é protegida pelo
Monumento Natural Estadual de Itatiaia e a propriedade abriga uma pousada destinada
ao turismo ecológico. Estudos na lagoa podem incentivar ainda mais o turismo local e
gerar dados que justificam e confirmam a importância de conservação da área.
Lagoa Seca: Lagoa natural, localizada no Parque Estadual do Itacolomi, município
de Ouro Preto (20°25‟53.35”S 43°29‟12.70”W). Essa lagoa ocorre em meio à paisagem de
campo rupestre a uma altitude de aproximadamente 1600m, e abriga muitas espécies de
10
anuros (Drummond et al., In press), além de uma fauna singular de invertebrados
aquáticos (Sant‟anna et al. 2011). É localidade tipo da espécie Physalaemus erythros,
classificada na categoria “Dados Insuficientes” pela Lista Vermelha de espécie
ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza – IUCN (Caramaschi,
2004). A lagoa também abriga outras espécies ameaçadas como Physalaemus
evangelistai, classificada como “Dados Insuficientes” pela IUCN (Nascimento et al., 2010),
e Pithecopus ayeaye classificada como “Criticamente em Perigo” pela IUCN (Caramaschi
et al., 2016).
Métodos de coleta
As coletas de dados foram realizadas entre os meses de novembro de 2016 e
fevereiro de 2017, na estação chuvosa. Os girinos foram coletados com puçás e peneiras,
no período diurno, pelo método de varredura (e.g.: Both, 2009). Os espécimes foram
agrupados em lotes por data, local e morfotipos, e, sacrificados com xilocaína. Cada
morfotipo foi fotografado, ainda vivo, para que as cores e os formatos fossem
documentados. Os demais indivíduos foram armazenados em formol 10% e tombados
como espécimes testemunho na coleção herpetológica do Laboratório de Zoologia dos
Vertebrados da Universidade Federal de Ouro Preto, LZV-UFOP.
Os espécimes foram identificados e classificados por guildas, considerando a
posição de forrageamento na coluna d‟água. As classificações foram baseadas em
literatura (Dias, 2008; Pezzuti, 2011).
Métodos de Identificação de espécies e validação taxonômica
Todos os girinos foram identificados por meio de características morfológicas, por
meio de chaves de identificação regionais (Rossa-Feres & Nomura 2006; Pezzuti 2011) e
com base em comparação com material de coleções científicas e descrições disponíveis
na literatura (Rossa-Feres & Jim, 1993; Pugliese & Bastos, 2001; Lourenço et al. 2010;
Pinheiro et al., 2012).
Os girinos coletados foram agrupados em lotes correspondentes a cada morfotipo
de cada localidade, em cada evento de coleta. Foram encontrados e, posteriormente
identificados, 33 morfotipos, distribuídos em 90 lotes.
11
Dois ou três indivíduos de cada lote foram usados para extrair amostras para
análise molecular. Para tanto, foram retirados tecidos de membros em desenvolvimento,
da extremidade da cauda, ou, dependendo da fase, todo o indivíduo foi usado como
amostra. Esses procedimentos foram realizados em laboratório com material esterilizado
e os tecidos foram preservados em álcool 99%, seguindo método utilizado em Schulze et
al. (2015).
As análises moleculares foram realizadas com o gene 16S, que foi amplificado e
sequenciado em parceria com o Dr. Gunther Köhler, curador do setor de Herpetologia do
Instituto de Pesquisa Senckenberg, em Frankfurt, na Alemanha. Posteriormente, as
sequências geradas pelas amostras foram alinhadas utilizando o Muscle, pelo programa
Mega 7. A análise de similaridade molecular para identificação dos girinos foi realizada
em duas etapas: primeiramente utilizou-se o algoritmo BLASTN - versão 2.6.1(Altschul et
al., 1997), para encontrar similaridades entre as sequências obtidas (query) e as
depositadas no banco de dados do GenBank. As amostras foram também analisadas pela
abordagem do “código de barras do DNA” (DNA barcode), que agrupa as sequências
nucleotídicas, baseado em um limiar pré-definido para o grupo pesquisado, de acordo
com o grau de divergência intraespecífico.
Para os dados do GenBank usados para comparação, foram consideradas apenas
os pares de bases relativos ao fragmento 16S. Dentre os resultados encontrados pelo
BLAST, consideramos as sequências de maior similaridade, maior score, e também as
informações de localidade, para inferirmos a identificação mais assertiva para cada
espécie. A partir disso, calculamos a porcentagem de insucesso das identificações com
base em chaves taxonômicas comparando com os resultados de análise molecular,
considerando os espécimes que não conseguimos identificar ou que apresentou
resultados diferentes.
O grau de divergência entre as sequências, DNA Barcode, foi analisado pelo
programa ABGD (Automatic Barcoding Gap Discovering) (Puillandre et al., 2011),
considerando o limiar intraespecífico proposto por Vences e colaboradores (2005b), de
5%, e testado por outros autores para o grupo dos anfíbios (Batista et al., 2014; Grosjean
et al., 2015; Lyra et al., 2017). O ABGD divide um conjunto de dados de alinhamento de
sequências em espécies hipotéticas com base no gap do código de barras, que pode ser
observado sempre que a divergência entre os organismos pertencentes à mesma espécie
12
é menor do que a divergência entre os organismos de espécies diferentes, a partir de um
limite pré-definido (Puillandre et al., 2011). Dessa forma pudemos identificar os espécimes
pertencentes a possíveis complexos de espécies, ou seja, aqueles cuja sequência
divergiu mais que o limiar quando comparadas com as possíveis conspecíficas.
Uma vez que não se objetivou inferir relações evolutivas entre as espécies
incluídas neste estudo, uma árvore filogenética foi construída apenas para visualizar
graficamente as distâncias genéticas das amostras e comparar os agrupamentos com as
filogenias publicadas. Uma árvore de distâncias neighbour-joining (Saitou & Nei, 1987) foi
criada usando o modelo de distâncias K2P (Kimura, 1980).
13
RESULTADOS
I - Estudo da comunidade de girinos em lagoas permanentes e temporárias
Riqueza e composição de espécies
Os nomes atribuídos às espécies apresentadas no presente trabalho seguem as
identificações encontradas por similaridade molecular, conforme apresentado na tabela 1.
Foram registradas 17 espécies de anuros, pertencentes a cinco famílias: Leptodactylidae:
4 espécies; Hylidae: 10 espécies; Phyllomedusidae: 1 espécie; Microhylidae: 1 espécie;
Bufonidae; 1 espécie.
Nove espécies coletadas pertencem à guilda bentônica e 8 à guilda nectônica. Para
guildas bentônicas, 6 espécies foram registradas apenas em lagoas permanentes e
nenhuma foi registrada exclusivamente em ambiente temporário. Por outro lado, quatro
espécies nectônicas foram registradas exclusivamente em lagoas temporárias e apenas
uma foi encontrada apenas em lagoa permanente (Figura 1).
As lagoas com maior número de espécies foram Virgílio, Gorila Permanente e
Nonô, com 6 espécies cada; seguidas por Walace e Poça do Gorila, com 5 espécies
cada. A Lagoa dos Coutos apresentou uma riqueza de 4 espécies, Tesoureiro e Lagoa
Seca, 3 espécies, e Poça da Caveira e Lagoa da Caveira, 1 espécie cada. Seis espécies
foram encontradas em apenas um corpo d‟água, Rhinella rubescens, Bokermannohyla
circumdata, Dendropsophus seniculus, Hypsiboas polytaenius, Leptodactylus jolyi e
Pithecopus ayeaye. Physalaemus cuvieri foi a espécie com maior número de
observações, ocorrendo em 6 das 10 lagoas amostradas (Tabela 1).
Nos ambientes permanentes foram registradas 13 espécies e nos temporários, 10
espécies. Physalaemus cuvieri, Scinax fuscovarius, S. squalirostris, S. hayii, Hypsiboas
faber e Elachistocleis cesarii ocorreram nos dois tipos de lagoas. Rhinella rubescens,
Leptodactylus latrans, L. jolyi, Bokermannohyla circumdata, Hypsiboas albopunctatus, H.
polytaenius e Leptodactylus furnarius foram exclusivas de lagoas permanentes.
Pithecopus ayeaye e as três espécies do gênero Dendropsophus, D. elegans, D. minutus
e D. seniculus, foram registradas somente em lagoas temporárias (Tabela 1).
14
Tabela 1. Composição de espécies de anuros, coletados durante fase larval, em lagoas temporárias e permanentes, na porção sul da Cadeia do Espinhaço. B: bentônica, N: nectônica.
Lagoas Permanentes Lagoas Temporárias
Famílias/ Espécies
Gu
ild
a
Vir
gíl
io
Go
rila
Teso
ure
iro
No
nô
Caveir
a
Co
uto
s
Po
ça G
ori
la
Po
ça C
av
eir
a
Wala
ce
Sec
a
Bufonidae
Rhinella rubescens B x
Hylidae
Bokermannohyla circumdata B x
Dendropsophus elegans N x x
Dendropsophus minutus N x x
Dendropsophus seniculus N x
Hypsiboas albopunctatus B x x x
Hypsiboas faber B x x x x
Hypsiboas polytaenius B x
Scinax fuscovarius N x x x x
Scinax hayii N x x x
Scinax squalirostris N x x x
Leptodactylidae
Leptodactylus furnarius B x x
Leptodactylus jolyi B x
Leptodactylus latrans N x x
Physalaemus cuvieri B x x x x x x
Microhylidae
Elachistocleis cesarii B x x x x
Phyllomedusidae
Pithecopus ayeaye N x
Total 6 6 3 6 1 4 5 1 5 4
15
Guildas tróficas em comunidades de girinos
II- Validação taxonômica
Identificação com base em morfologia
Os girinos coletados foram agrupados em 90 lotes e 33 morfotipos. As
identificações por meio de chave taxonômica resultaram em 17 espécies (Tabela 1). Os
lotes de P. ayeaye e E. cesarii foram identificados exclusivamente por morfologia pois as
características eram inequívocas e outras evidências, como avistamento dos adultos no
local de coleta, foram observadas.
Seis indivíduos não puderam ser identificados com segurança (Figura 2). O
indivíduo CL79, que foi identificado como Dendropsophus sp. com o uso da chave,
representa um lote com poucos espécimes, o que dificultou a caracterização de aspectos
como formato do corpo e narinas. Os indivíduos CL77 e CC40 foram identificados até
gênero, Physalaemus, os caracteres que dificultaram a identificação foram „posição de
abertura do espiráculo‟, „formato do focinho‟ e „padrão de manchas no corpo‟. Os demais
indivíduos foram identificados como Scinax, mas devido ao „formato do corpo‟, „formato da
nadadeira dorsal‟, „posição das narinas‟ e „coloração e padrão de manchas‟ pouco
evidentes, não foi possível concluir a identificação da espécie. Esses espécimes foram
identificados exclusivamente por meio de análise molecular, como Dendropsophus
seniculus, Physalaemus cuvieri, Physalaemus cuvieri, respectivamente, e as três Scinax
como Scinax fuscovarius (Figura 2).
Figura 1. Padrão de distribuição de guildas entre lagoas permanentes e temporárias em
comunidades de girinos ao sul da Cadeia do Espinhaço. As letras representam a: lagoas
permanentes, b: lagoas permanentes e temporárias, c: lagoas temporárias
16
Indivíduo CL77 - Physalaemus cuvieri
Indivíduo CL79 - Dendropsophus seniculus
Indivíduo CL80 - Scinax fuscovarius
Indivíduo CL83 - Scinax fuscovarius
Indivíduo CC5 - Scinax fuscovarius
Indivíduo CC40 - Physalaemus cuvieri
Identificação por análise de similaridade molecular
Das 33 amostras, 29 puderam ser sequenciadas. O tamanho das sequências
variou de 543 a 620 pares de bases. A porcentagem mínima de similaridade entre as
sequências analisadas (sequências query) e as encontradas no banco de dados variou de
95 a 99%, apenas um resultado ficou abaixo desse valor, o individuo CC63. Para o
individuo CC10, só o gênero pôde ser identificado, pois a sequência do banco de dados
de maior similaridade com a amostra não apresentava identificação da espécie.
As identificações encontradas por meio de morfologia foram comparadas com
aquelas obtidas pelo BLAST a partir dos dados do GenBank (Tabela 1). Dentre as
identificações morfológicas de um total de 29 girinos, 13 foram confirmadas por meio do
BLAST. Dez identificações foram atribuídas a outro táxon (gênero ou espécie) e seis
foram identificados apenas pela análise molecular. Com isso, calculamos a proporção de
insucesso que a identificação por meio da chave apresentou em relação à análise
molecular, que foi de 16/29, ou, 55%.
Figura 2. Espécimes de girinos coletados em lagoas na porção sul da Cadeia do Espinhaço, para os quais
não foi possível a identificação por meio de chaves taxonômicas baseadas em morfologia. Identificações
por análise molecular.
17
A árvore filogenética das sequências corroborou com as identificações (Figura 3).
Como esperado, devido à pequena representatividade para cada espécie, a árvore
apresenta uma grande politomia em sua base, mas todos os gêneros foram aninhados em
linhagens monofiléticas ou proximamente relacionadas. O gênero Bokermannohyla, para
o qual foi encontrado apenas um espécime, ficou mais proximamente relacionado com o
grupo das Hypsiboas em relação a outros gêneros. O indivíduo CC10, identificado como
Hypsiboas sp. foi relacionado com H. polytaenius (Figura 3).
18
Tabela 2. Comparação entre as identificações de girinos por meio de morfologia com as obtidas por análise
de similaridade molecular. A porcentagem de similaridade e o score de cada análise são apresentados. (*)
Espécimes que mudaram de táxon.
Espécime Identificação por
Morfologia Identificação por
BLAST % Similaridade Score
CC27 Bokermannohyla
circumdata Bokermannohyla
circumdata 96 912
CC29 Dendropsophus minutus Dendropsophus minutus 98 844
CC42 Dendropsophus minutus Dendropsophus minutus 98 851
CL79 ? Dendropsophus
seniculus 98 981
CC30 Dendropsophus elegans Dendropsophus elegans 97 947
CC48* Hypsiboas polytaenius Hypsiboas
albopunctatus 99 865
CC11 Hypsiboas faber Hypsiboas faber 97 871
CC26 Hypsiboas faber Hypsiboas faber 98 903
CC58* Hypsiboas
albopunctatus Hypsiboas polytaenius 95 672
CC10* Hypsiboas lundii Hypsiboas sp. 97 919
CC16* Leptodactylus furnarius Leptodactylus jolyi 99 894
CC50 Leptodactylus latrans Leptodactylus latrans 98 948
CC13 Physalaemus cuvieri Physalaemus cuvieri 98 861
CC40 ? Physalaemus cuvieri 98 944
CL77 ? Physalaemus cuvieri 98 897
CC9 Rhinella rubescens Rhinella rubescens 99 1011
CC5 ? Scinax fuscovarius 99 946
CC28* Scinax perereca Scinax fuscovarius 99 975
CL80 ? Scinax fuscovarius 99 849
CL83 ? Scinax fuscovarius 99 887
CC52* Scinax perereca Scinax hayii 96 728
CC63* Scinax perereca Scinax hayii 91 694
CC12* Scinax carnevalli Scinax squalirostris 96 842
CT19* Dendropsophus
seniculus Dendropsophus elegans 97 919
CT28 Scinax squalirostris Scinax squalirostris 96 925
CT15* Bokermannohyla aff.
circumdata Physalaemus cuvieri 99 987
CT27 Physalaemus cuvieri Physalaemus cuvieri 97 869
CT31 Dendropsophus minutus Dendropsophus minutus 98 975
CT33 Hypsiboas
albopunctatus Hypsiboas
albopunctatus 99 927
19
Figura 3. Representação gráfica das distâncias genéticas, obtidas pela análise do gene 16S, para girinos
coletados em lagoas localizadas na porção sul da Cadeia do Espinhaço.
20
Análise de divergência intraespecífica
A análise de divergência intraespecífica reuniu as amostras em 16 grupos, da seguinte
forma:
Grupo [ 1 ] n = 1: Bokermannohyla circumdata CC27
Grupo [ 2 ] n = 2: Dendropsophus elegans CT19; D. elegans CC30
Grupo [ 3 ] n = 3: Dendropsophus minutus CC29; D. minutus CC42; D. minutus CT31
Grupo [ 4 ] n = 1: Dendropsophus seniculus CL79
Grupo [ 5 ] n = 2: Hypsiboas albopunctatus CC48; H. albopunctatus CT33
Grupo [ 6 ] n = 2: Hypsiboas faber CC11; H. faber CC26
Grupo [ 7 ] n = 2: Hypsiboas polytaenius CC58; Hypsiboas sp. CC10
Grupo [ 8 ] n = 1: Leptodactylus jolyi CC16
Grupo [ 9 ] n = 1: Leptodactylus latrans CC50
Grupo [ 10 ] n = 5: Physalaemus cuvieri CC13; P. cuvieri CC40; P. cuvieri CL77; P. cuvieri
CT15; P. cuvieri CT27
Grupo [ 11 ] n = 1: Rhinella rubescens CC9
Grupo [ 12 ] n = 3: Scinax fuscovarius CC5; S. fuscovarius CL80; S. fuscovarius CL83
Grupo [ 13 ] n = 1: Scinax hayii CC52
Grupo [ 14 ] n = 1: Scinax hayii CC63
Grupo [ 15 ] n = 2: Scinax squalirostris CC12; S. squalirostris CT28
Grupo [ 16 ] n = 1: Scinax fuscovarius CC28
O individuo CC10, identificado como Hypsiboas sp. foi agrupado com H.
polytaenius, CC58, indicando que as diferenças entre as sequências desses dois
indivíduos não é suficiente para que possam ser considerados espécies diferentes (Figura
4).
Os indivíduos CC52 e CC63 (Figura 5) foram identificados como Scinax hayii pela
análise molecular, no entanto, o valor de divergência entre as sequências desses
Figura 4. Indivíduos agrupados pela análise de divergência intraespecífica. Indivíduo CC10 à esquerda, e
indivíduo CC58, à direita.
21
indivíduos é maior que o limiar intraespecífico proposto para o grupo dos anfíbios, o que,
supostamente, indica que são indivíduos de espécies diferentes.
Para a espécie Scinax fuscovarius, quatro indivíduos foram analisados, e um deles
apresentou divergência suficiente para ser considerada uma espécie diferente dos demais
(Figura 6).
B A
C D
Figura 5. Indivíduos que apresentaram valor de divergência nucleotídica maior que o valor limiar
intraespecífico. Resultado diferente do encontrado pelo BLAST. Indivíduo CC52 à esquerda, e indivíduo
CC63 à direita.
Figura 6. Indivíduos identificados como Scinax fuscovarius pela análise de similaridade molecular.
O resultado da análise de divergência intraespecífica apresentou divergência para o espécime
CC28. Indivíduos A: CC5; B: CL80; C: CL83; D: CC28.
22
DISCUSSÃO
O presente trabalho constata as dificuldades encontradas quando se objetiva o
estudo dos anuros durante a fase larval. Dentre os 33 morfotipos encontrados, 29 foram
identificados por 3 diferentes metodologias, sendo que, 13 resultados foram concordantes
para todas as metodologias utilizadas, e 16 apresentaram divergências quanto às
identificações.
A riqueza de espécies registrada na fase larval para as 10 lagoas estudadas
correspondeu a aproximadamente 16% do total estimado para toda Serra do Espinhaço,
comparando com o trabalho de Leite et al. 2008, que relatou a ocorrência de 105 espécies
para essa cordilheira. Dados disponíveis para Unidades de Conservação localizadas na
mesma região deste estudo, obtidos a partir do registro de formas adultas e contemplando
ambientes diversificados, confirmam que a região abriga uma alta biodiversidade de
anuros. Pirani et al. (2013) registraram 36 espécies para a FLOE-Uaimií, 24 espécies
foram encontradas no P.E. Itacolomi e 21 na E. E. Tripuí (Pedralli et al., 2001), 47 no P.E.
Serra do Ouro Branco (São Pedro & Feio, 2011) e 43 na RPPN Santuário do Caraça
(Canelas & Bertoluci, 2007).
A exclusividade de ocorrência de girinos de guildas bentônicas em ambientes
permanentes pode estar relacionada à presença de predadores, principalmente peixes,
que os impede de ocupar todos os níveis da coluna d´água. Assim como visto por Both et
al. (2009), o hidroperíodo dos corpos d‟água constitui um importante fator estruturador de
comunidades de girinos, sendo os bentônicos exclusivos de ambientes permanentes e os
nectônicos ocorreram em ambientes permanentes e semipermanentes.
O uso de chaves taxonômicas de identificação baseadas em morfologia externa é
uma metodologia visual simples que auxilia os trabalhos de amostragem de forma rápida,
sem depender de condições de laboratório e técnicas especializadas, nem sempre
disponíveis em estudos de levantamento de fauna. Entretanto, devido à subjetividade de
alguns caracteres (Altig & McDiarmid, 1999), sua utilização está condicionada ao grande
conhecimento morfológico e taxonômico do grupo por parte do pesquisador.
Como apontado por Altig (2007), o uso de medidas e termos não padronizados
dificulta o trabalho de comparação e confunde o reconhecimento de caracteres. Como
aconteceu com os indivíduos que foram identificados até gênero, por meio da análise
23
morfológica, Dendropsophus (CL79), Physalaemus (CL77 e CC40) e Scinax (CC5, CL80
e CL83). Além disso, o fato de que a morfologia externa dos girinos pode variar com
fatores ambientais, como documentado por Relyea & Auld (2005), aumenta a
variabilidade morfológica entre conspecíficos, comprometendo a identificação. Esses
fatores podem explicar o índice de insucesso da identificação morfológica, de 55%,
quando comparado à identificação obtida por meio de similaridade molecular.
A análise molecular usada como ferramenta de identificação de espécies fornece
vantagens em termos de rapidez e eficiência (Blaxter, 2004) e o custo para realizar
sequenciamentos vem se tornando mais acessível atualmente (Köhler, 2007). No entanto,
o método apresenta limitações, principalmente em relação aos bancos de dados usados
para comparar as sequências (Tautz, 2002). Isso pode explicar os resultados encontrados
para os indivíduos CC10 e CC63. A máxima similaridade encontrada no banco dados
para o indivíduo CC10, foi com uma sequência identificada apenas até gênero, Hypsiboas
sp., ou seja, a limitação da identificação do dado depositado no GenBank impossibilitou a
identificação da espécie. Por outro lado, para o indivíduo CC63, a máxima similaridade
obtida foi de apenas 91%, o que pode ter ocorrido por uma limitação de sequências
variadas para comparação e identificação mais precisa. Nesse caso, somente a
comparação com os adultos coletados nos mesmos sítios de amostragem poderia
aumentar a eficiência da metodologia.
A árvore filogenética que representa as distâncias genéticas das amostras do
estudo concordou com as identificações, uma vez que aninhou as espécies pertencentes
ao mesmo gênero. O gênero Bokermanohyla, para o qual foi encontrado apenas um
espécime, ficou mais proximamente relacionado com o grupo das Hypsiboas em relação a
outros gêneros. Essa mesma relação foi encontrada por Pyron & Wiens (2011) em revisão
envolvendo mais de 2800 espécies de anfíbios utilizando análise molecular.
A complementação da análise de similaridade molecular com o estudo do código
de barras de DNA, além de certificar os resultados, acrescenta informações sobre a
biodiversidade local, como foi visto em Madagascar (Vieites et al., 2009), Ásia (Grosjean
et al., 2015) e localidades da América do Sul (Guarnizo et al., 2015; Estupiñán et al.,
2016), revelando espécies crípticas (Vacher et al., 2017). Um exemplo encontrado no
presente trabalho foi a identificação do espécime CC63, que foi identificado como Scinax
hayii com pouca similaridade pelo BLAST e foi separado do segundo indivíduo da mesma
24
espécie pelo DNA Barcode. As espécies do grupo ruber, que inclui S. hayii, apresentam
taxonomia complexa (Alves & Carvalho e Silva, 1999; Fouquet, 2007), o que pode ter
contribuído para a incompatibilidade dos resultados na comparação com o banco de
dados.
Diversos aspectos podem ofuscar os resultados das análises por barcode, como
por exemplo, casos de hibridização, como descrito por Grosjean e colaboradores (2015),
e comparações de espécimes de populações muito distantes podem provocar mudanças
nucleotídicas populacionais maiores que o limiar intraespecífico considerado para o
grupo, como discutido por Hebert (2004b). Os resultados do barcode para a espécie
Scinax fuscovarius apresentou concordância para três indivíduos. O espécime CC28, que
apresentou alto valor de divergência nucleotídica, foi coletado no mesmo corpo d‟água
que o indivíduo CC5, que teve a identificação confirmada, o que descarta a possibilidade
da divergência ser explicada por diferenças populacionais, como discutido por Hebert,
2004b. Os resultados do barcode podem ser considerados apenas indicativos
preliminares de espécies candidatas (Vences et al. 2005b), e evidências ecológicas são
necessárias para corroborar a hipótese de complexo de espécies. Ademais, poucas
sequências foram analisadas para um resultado de comparação melhor pelo barcode.
O presente estudo aponta e discute possíveis inconsistências para três métodos de
identificação de girinos, reforçando a importância da valorização do trabalho taxonômico.
Além disso, é visto que as novas técnicas, como as moleculares, facilitam os processos
de identificação e os tornam mais consistentes, principalmente para organismos
complexos como as larvas de anuros (Lyra et al., 2007). O uso de banco de dados, como
o GenBank, pode ser limitado para regiões megadiversas, como os trópicos, mas eles
tendem a melhorar com o aumento de pesquisadores que contribuem com a deposição de
materiais bem identificados, como proposto por Tautz (2002).
Dessa forma, vimos que o uso exclusivo de uma metodologia de identificação não
fornece evidências suficientes para testar ou descobrir espécies, assim como visto por
Padial et al. (2009) e defendido por Köhler (2007) e o uso da taxonomia integrativa irá
fornecer resultados mais consistentes para avaliarmos as espécies e, consequentemente,
fornecer informações para as áreas da biologia da conservação.
25
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Anexo 1: Lagoas localizadas no Quadrilátero Ferrífero, onde foram realizadas coletas de
girinos para estudo de identificação taxonômica e composição de comunidades.
A
J I
H
G F
D
E
C B
Legenda: Lagoas Permanentes - (A) Lagoa do Virgílio, (B) Lagoa do Tesoureiro, (D) Lagoa do Nonô,
(G) Lagoa da Caveira, (H) Lagoa do Gorila, Lagoas Temporárias - (C) Poça da Caveira, (E) Lagoa
Seca, (F) Poça do Gorila, (I) Lagoa dos Coutos, (J) Lagoa do Walace.