dissertaÇÃo 27 11 17 final - puc-sp

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA PUC/SP Faculdade de Ciências Sociais Programa de PósGraduação em Ciência da Religião Nilma Paula Combas da Silva O Tempo da Religião no Espaço Escolar. A História do Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz. Mestrado em Ciência da Religião São Paulo 2017

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Page 1: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA -­ PUC/SP

Faculdade de Ciências Sociais

Programa de Pós-­Graduação em Ciência da Religião

Nilma Paula Combas da Silva

O Tempo da Religião no Espaço Escolar. A História do Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz.

Mestrado em Ciência da Religião

São Paulo

2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA -­ PUC/SP

Faculdade de Ciências Sociais

Programa de Pós-­Graduação em Ciência da Religião

Nilma Paula Combas da Silva

O Tempo da Religião no Espaço Escolar. A História do Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz.

Mestrado em Ciência da Religião

São Paulo

2017

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Ciência da Religião, sob a orientação do Prof. Dr. João Décio Passos.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA -­ PUC/SP

Faculdade de Ciências Sociais

Programa de Pós-­Graduação em Ciência da Religião

Banca Examinadora

___________________________________

___________________________________

___________________________________

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“Ensinar é um exercício de imortalidade.

De alguma forma continuamos a viver

naqueles cujos olhos aprenderam a ver

o mundo pela magia da nossa palavra.

O professor, assim, não morre jamais...”

Rubem Alves

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In Memoriam

Essa é uma homenagem ao meu querido orientador Prof. Afonso Maria

Ligorio Soares, a quem eu devo minha iniciação à Ciência da Religião, e o meu

interesse e entusiasmo pelos estudos nessa área.

Conheci o Prof. Afonso em 2014, no Colégio Santa Cruz, eu era

professora de Ensino Religioso e ele estava fazendo uma assessoria sobre o

modelo da Ciência da Religião.

Ele era um professor que gostava do que fazia, portanto, fazia-­nos,

naturalmente, gostar também. Sua fala tranquila, e ao mesmo tempo cheia de

energia e vibração, nos fazia ficar atentos e querendo saber mais. Foi assim que

logo me vi fascinada por tudo aquilo, e não esperei para me inscrever no

mestrado e ser orientada por ele.

Conversávamos muito sobre que caminhos eu poderia seguir, já que a

minha proposta de trabalho, como ele dizia, “era um projeto de vida”, e por isso,

teríamos que escolher um “pedaço” para pesquisar!

Com o seu jeito humilde, gentil, alegre e dinâmico, estava sempre a

disposição dos alunos e sempre pronto a lançar algum desafio de reflexão, que

nos deixava dias pensando. Não mais somente “naquilo”, mas em muitas outras

coisas, sobre nós, sobre o mundo, sobre as relações e as não relações, e como

tudo está conectado. Como um beija-­flor que voa livre, “bebericando” em várias

flores, só para provar diferentes sabores do mesmo néctar.

Ele era, e ainda é assim, referência na área da Ciência da Religião, do

Ensino Religioso, da Teologia, das Ciências Humanas, superando todas as

indiferenças e diferenças. Seu trabalho intelectual está registrado em seus

muitos escritos, livros e artigos, prontos para serem lidos e apreendidos.

Da religião, da religiosidade, da espiritualidade, do sagrado, da fé, dos

rituais, dos sacramentos, das festas, das palavras, dos cânticos, dos

sincretismos, de tudo ele sabia. Nós não sabíamos, mas ele nos incitava a querer

saber.

Ele era do axé, do amém, do namastê, da gratidão.

Obrigada por tudo! À meu mestre, com carinho!

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O Melhor da Vida

“O que vale nessa vida Tem um pouco do seu jeito

Jeito do seu corpo, jeito do seu pensamento Jeito de gostar dos outros cada vez gostando mais

Do seu jeito de falar tranquilo Como quem promete e faz

O que vale nessa vida é ver como você aproveita Desde a hora que levanta até a hora que deita

Quando escolhe a coisa certa é tudo sem receita Quando perto de você a própria confusão se ajeita bem

E me vem que a vida vale mil Mil vezes sou nós dois

Mil meses de amor Antes de ter prorrogação

Se a vida é por um fio Valeu pra quem já viu

Seu jeito de tocar no coração E nas noites que o tempo para e você me abraça Sinto que o melhor da vida sempre vem de graça

Sinto que o melhor momento é aquele que não quer passar E que dura toda a eternidade

E isso é só pra começar O que vale nessa vida, vale como um bom presente

Cai do céu, um bem que a gente sente Vem como você vem antes de eu me preparar E me diz: Vai ficar aqui, pois aqui é seu lugar

E me vem que a vida vale mil Mil vezes sou nós dois

Mil meses de amor Antes de ter prorrogação

Se a vida é por um fio Valeu pra quem já viu

Seu jeito de tocar no coração E me vem que a vida vale mil

Mil vezes sou nós dois Mil meses de amor

Antes de ter prorrogação Se a vida é por um fio Valeu pra quem já viu

Seu jeito de tocar o coração”

Compositores: Luiz Augusto / Marcelo Jeneci

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Dedicatória

“Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,

juntos desde a roupa às raízes,

juntos de outono, de água, de quadris,

até ser só tu, só eu juntos.”

Pablo Neruda

Dedico essa dissertação a você, Rogério Farias, meu namorado, meu

companheiro, meu amigo, meu professor, meu amor!

Obrigada pelo apoio incondicional, por me ouvir em todos os momentos

de dúvidas e incertezas, e por me dar forças para seguir em frente.

Obrigada pelas conversas, pelas leituras de todos os temas, pela procura,

pelos achados, pelas reflexões e aprendizados.

Obrigada por me acompanhar nesse caminho, juntos.

Obrigada por todo o tempo dedicado, pela compreensão e paciência com

as minhas ausências, pelas comidinhas e chazinhos, pelas louças lavadas

(muitas, né?!!), pelo carinho, pelo incentivo, pelo entusiasmo, pelo acompanhar,

pelo seu abraço, por suas palavras, pelo seu olhar e pela sua presença

(incansável, acolhedora, tranquila, e cheia de luz!!).

Obrigada pelos seus "pitacos", adoráveis, nos meus escritos, que são

como "pitadas de sal" que realçam meus pensamentos, meu agir, minhas

palavras, minha vida...

Walter Benjamin disse: “Em um amor a maioria procura o eterno lar.

Outros, muito poucos, porém, o eterno viajar”. E, Vygotsky, que: “nós nos

tornamos nós mesmos através dos outros”. Que felicidade a minha, poder fazer

essa e outras tantas viagens com você, o meu lar! E, me tornar eu mesma

através de você!

Obrigada por tudo! Essa conquista é nossa!

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Este trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Capes/Taxa e com o apoio

da FUNDASP.

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Agradecimentos

Ao meu pai, Arnaldo (in memoriam), que me traz muitas saudades, e a

lembrança de alguém que me ensinou a viver com intensidade e paixão, a

sonhar, a olhar tudo com as cores das artes e dos céus, com alegria e com muito

bom humor (sempre!!!), que tinha doçura e era um grande amigo, sempre

presente. “Parabéns hoje, felicidades sempre!”, é o que ele teria me dito hoje...

Repito a palavra “sempre” porque ele era assim, sempre estava lá! E, as lágrimas

que escorrem são de tristeza por ele ter ido viver o mundo de sonho dele tão

cedo, e de felicidade, por ter tido a oportunidade de encontrá-­lo e tê-­lo por perto

nessa vida. Obrigada pelo seu amor!

À minha mãe Cirila, que com sua alma de artista, mãos talentosas e olhar

para o outro, sempre foi exemplo de força, de luta, de amizade, de respeito, de

compaixão, de trabalho, de perseverança e de criatividade. Que me apoiou e

disse que eu seguisse os meus caminhos, com independência e autonomia, mas

sempre com carinho, beleza e gentileza. Que bom encontrá-­la e tê-­la por perto

nessa vida, para aprender, dar risada, conversar e beber uma cervejinha!

Obrigada pelo seu amor!

Ao meu irmão Petrus, por estar sempre por perto, me apoiando e sendo

exemplo, de garra, de inteligência e de retidão. Pela sua amizade e pelo seu

amor. Pessoa alegre, de bom humor, de bom coração e sorriso lindo. Amo você!

Às minhas cunhadas Inca e Lorena, à minha sogra Dona Bê, ao meu

enteado Guilherme, aos meus sobrinhos Gael, Arthur e Murilo, minhas queridas

e meus queridos, obrigada pelo apoio, pelo carinho, por compreenderem a minha

ausência, de corpo, mas não de coração e pensamento. Vou abraçar todos

vocês!

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Ao Prof. Dr. João Décio Passos por me acolher num momento tão difícil

para ambos, por me orientar com novos passos, e me “levar” para além mar em

busca da história antes da história, e assim permitir que meu aprendizado se

ampliasse e chegasse completo ao fim dessa história. Começo de muitas outras

que virão. Obrigada pela confiança, pela oportunidade de parceria, pelo seu

tempo e por sua atenção.

Ao Prof. Dr. Frank Usarski pelo apoio e busca de “estradas” que

pudessem me manter na direção certa e continuar minha “viagem”. Acabei

fazendo várias, e, agora, poderei continuar a escrever e viajar, muito mais.

Ao Prof. Dr. Ênio José Brito e ao Prof. Dr. Wagner Lopes Sanchez, por

terem participado da minha Banca de Qualificação, indicando ajustes,

compartilhando seus conhecimentos, suas ideias e sugestões, e por terem

contribuído para o enriquecimento desse trabalho.

À Andreia Bisuli de Souza, Assistente de Coordenação, muito obrigada

pela sua disponibilidade incansável, pela sua atenção, pelo seu cuidado e

carinho, pela sua calma. Suas palavras de incentivo sempre me deram força e

esperança de que tudo ia dar certo. E aqui estamos! Obrigada!

Aos professores do Departamento de Ciência da Religião, por suas aulas

e ensinamentos, por possibilitarem o meu “mergulho” nesses estudos e

compartilharem comigo suas experiências e todo o seu conhecimento.

Aos colegas de mestrado, pela amizade, pelas vivências e troca de

experiências, pelos ensinamentos e força para seguirmos em frente, pela alegria

e companheirismo nos momentos de estudo.

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Ao Colégio Santa Cruz, em nome do Prof. Fábio Luiz Marinho Aidar Jr.,

Diretor Geral, pela gentileza de “abraçar” a ideia de ter o colégio como estudo de

caso na minha dissertação, além de todo o apoio institucional para que eu

pudesse realizá-­la. Aos funcionários, e especialmente, Aildo Carlos Oliveira

Santos (o “Pé de Pano”), Fredson Ribeiro de Sousa (o Fred), Mônica Barberini

Ferreira, Neusa Toshico Nakamura, Fabiana de Moura Silva, Livia Fraga dos

Santos, que acolheram meus pedidos com prontidão, carinho, alegria e

colaboração. Ao Prof. Fábio Aidar pelo apoio irrestrito, ao Prof. Cláudio Rondello,

ex-­Coordenador da Pastoral, pelas conversas sobre Espirituladidade e práticas

do Ensino Religioso e Ação Comunitária, à Profa Renata Cataldi Usarski,

Coordenadora da Pastoral Social, por ter me apresentado ao Prof. Afonso Maria

Ligorio Soares e pelas conversas sobre as mudanças no Ensino Religioso. Ao

Padre José de Almeida Prado, Orientador Espiritual, pelas conversas sobre a

história do Colégio e sua Educação Religiosa “moderna”. Ao Padre Lourenço,

pelas conversas sobre o Marco Referencial da Educação Religiosa e o seu

resgate. Ao Padre Roberto Grandmaison, pelas conversas sobre o Colégio

Saint-­Laurent, seus professores e livros, e sua amizade.

À Profa Sônia Maria B. C. Pereira Barretto, Diretora do Ensino

Fundamental 1, Soninha, como a chamamos carinhosamente, meu

agradecimento especial, pela confiança, pela alegria, pelo incentivo, pelo carinho

e atenção, pela oportunidade de trabalho que me trouxe a possibilidade de voltar

à academia para estudar, aprender, ingressar nesse mestrado e (re)conhecer

novos caminhos, interessantes e fascinantes.

À Congregação de Santa Cruz, em nome do Irmão Nilto Neres de Oliveira,

Superior Distrital no Brasil, pela atenção e acolhimento do meu interesse pela

história da congregação, indicando lugares, pessoas e livros para a pesquisa.

Ao Colégio Notre Dame, de Campinas, em nome do Prof. Lorenço

Jungklaus, Diretor Pedagógico, que me recebeu atenciosamente e disponibilizou

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a biblioteca do colégio para que eu pudesse pesquisar;; de onde emprestei livros

essenciais para o meu trabalho.

Ao Padre John De Riso C.S.C., Reitor do Santuário Padre Basile Moreau,

em Le Mans, França, por ter me recebido, pela sua atenção e por ter

compartilhado o seu precioso tempo. Me senti honrada.

Ao José Carlos Sant’Anna Aranha, ou Zé, corretor de textos do Ensino

Médio no Colégio Santa Cruz, que dispôs do seu precioso tempo para ler e

revisar o meu trabalho.

Aos colegas de trabalho e aos professores parceiros do Ensino Religioso

que me incentivaram e estiveram do meu lado durante todo esse processo. Em

especial à Profa Ana Silvia do Livramento Barreto, que me perguntava sempre

como estava o andamento da minha pesquisa, se mostrando entusiasmada com

minhas descobertas e curiosa para saber como se concluiria o meu trabalho. Em

breve você poderá ler, e será muito bacana poder compartilhar com todos

também!

Aos amigos queridos que souberam compreender minha ausência, em

aniversários, encontros de finais de semana, almoços, cafezinhos... Estou

ansiosa para revê-­los! Me aguardem, estou chegando!

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“A expressão reta não sonha.

Não use o traço acostumado.

A força de um artista vem das suas derrotas.

Só a alma atormentada pode trazer para a voz um

formato de pássaro.

Arte não tem pensa:

O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.

É preciso transver o mundo.

Isto seja:

Deus deu a forma. Os artistas desformam.

É preciso desformar o mundo:

Tirar da natureza as naturalidades.

Fazer cavalo verde, por exemplo.

Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall.

Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por

aí a desformar.”

Manoel de Barros

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“Seja a mudança que você deseja ver no mundo”.

Mahatma Gandhi

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Resumo

A dissertação apresenta uma pesquisa sobre o histórico do Ensino

Religioso/Educação Religiosa do Colégio Santa Cruz, católico, particular e

pluralista, localizado no Alto de Pinheiros em São Paulo, como estudo de caso.

Colégio esse mantido pela Congregação de Santa Cruz, que teve sua origem na

França, e foi fundado por padres da Congregação estabelecida no Canadá.

Com esse objetivo, faz-­se um levantamento de documentos históricos e

bibliografia sobre o tema, para investigar o processo de desenvolvimento da

disciplina de Ensino Religioso. Passando pela fundação da Congregação, o seu

fundador e o contexto histórico que isso acontece, a chegada dos padres

canadenses no Brasil e a fundação do Colégio. Há uma contextualização

também do Ensino Religioso mais amplo no Brasil e como se deu no Colégio.

Há a sugestão de Fases desse Ensino Religioso, e a descrição do Modelo

atual, que se baseia epistemologicamente na Ciência da Religião. Como deu-­se

a origem e as diretrizes de encaminhamento do mesmo. Que vai de encontro

com a filosofia humanista e pluralista que o Colégio segue desde sua fundação.

Para que haja a formação integral do ser humano.

Palavras-­chave: Ensino Religioso, Educação, Ciência, Religião, Congregação.

E-­mail para contato: [email protected]

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Abstract

The dissertation presents a research on the history of Religious Education

of the Santa Cruz College, catholic, private and pluralist, located in Alto de

Pinheiros in São Paulo, as a case study. This College was maintained by the

Congregation of the Holy Cross, which originated in France, and was founded by

priests of the Congregation established in Canada.

With this aim, a survey of historical documents and bibliography on the

subject is done, to investigate the process of development of the discipline of

Religious Education. Passing on the foundation of the Congregation, its founder

and the historical context that this happens, the arrival of the Canadian priests in

Brazil and the foundation of the College. There is also a contextualization of the

wider Religious Education in Brazil and as it happened in the College.

There is the suggestion of Phases of this Religious Education, and the

description of the current Model, which is epistemologically based on the Science

of Religion. How was the origin and the routing guidelines of the same. That goes

against the humanist and pluralist philosophy that the College has followed since

its foundation. So that there is the integral formation of the human being.

Key-­words: Religious Education, Education, Science, Religion, Congregation.

Contact: [email protected]

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Sumário

Resumo 14

Abstract 15

Introdução 18

Capítulo I. História do Colégio Santa Cruz 23

1. Origem da Congregação de Santa Cruz 23

1.1. O fundador da Congregação de Santa Cruz: Beato Basile

Antoine Marie Moreau (1799 – 1873) 30

2. O Carisma da Congregação de Santa Cruz 40

3. A "Educação Cristã", na visão do Padre Basile Moreau 44

4. Os Valores de Missão das Escolas de Santa Cruz 48

5. Chegada ao Brasil 50

6. O Colégio Santa Cruz 52

Capítulo II. O Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz: aspectos históricos 60

1. O Ensino Religioso no Brasil e no Colégio Santa Cruz 60

1.1. Os Modelos de Ensino Religioso: na Constituição, em

Pesquisas Teóricas e no Colégio Santa Cruz 70

2. Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz: linhas básicas 73

3. O Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz a partir dos Planos

Diretores 83

3.1. Os Planos Diretores 83

3.2. Fases da Educação Religiosa do Colégio Santa Cruz 83

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Capítulo III. O Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz 104

1. O Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o

Grau do Colégio Santa Cruz 104

2. O Modelo atual 111

2.1. Origem 111

2.2. Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz 115

3. A Ciência da Religião como matriz 125

4. Um confronto representativo 131

Considerações Finais 140

Bibliografia 143

ANEXOS 148

ANEXO 1 – PLANOS DIRETORES DO COLÉGIO SANTA CRUZ 149

ANEXO 2 – DOCUMENTO: O MARCO REFERENCIAL DA

EDUCAÇÃO RELIGIOSA NO CURSO DE 1O GRAU

DO COLÉGIO SANTA CRUZ 162

ANEXO 3 – LIVROS DO PADRE CHARBONNEAU: UMA ILUSTRAÇÃO 195

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Introdução

Desde a colonização do Brasil, em 1500, ensina-­se sobre religião,

inicialmente, com a intenção de catequisar, para uma educação cristã católica.

Religião que desembarcou com os portugueses.

No decorrer dos anos, a educação passa para o Estado, que define o

Ensino Religioso, chamado assim até hoje, como o ensino da religião católica,

disciplinador e evangelizador dos índios, escravos, e do povo em geral. Mas

como no dia a dia o Ensino Religioso era mais de caráter doméstico do que

institucional, em que cada família era responsável por ensinar a sua religião,

houve uma separação entre educação e religião.

No país, muitas discussões foram levantadas sobre essa questão. Num

momento, em 1824, Rui Barbosa, jurista, político e escritor, diz que nas escolas

não se poderia impor uma crença. Na chegada da República, em 1889, as

chamadas tendências secularizantes, ou seja, o processo de mudança de um

Estado baseado nas religiões (nesse caso, a Católica) para um Estado laico,

separado do “mundo religioso” e mais próximo do Direito Civil, ajudam na defesa

de uma escola leiga, gratuita, obrigatória e pública. Em 1934, admite-­se o Ensino

Religioso como disciplina nas escolas públicas, mas de caráter facultativo e de

acordo com a crença do aluno.

Dessa maneira, inicia-­se um processo de busca por um objeto do Ensino

Religioso, ou seja, de uma identidade. Pois não havia clareza quanto ao seu

papel no âmbito escolar.

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Desde 1974, Encontros Nacionais de Ensino Religioso (ENER) têm sido

realizados para reflexões sobre esse papel. Além de se pensar nos conteúdos

disciplinares específicos, no como ensinar e quem estaria habilitado a ensinar.

As ideias sobre pluralismo, diversidade, construção de uma sociedade justa e

democrática através de aprendizados que estimulem a atuação transformadora

dos cidadãos, estão sempre presentes. Juntamente com a compreensão do

fenômeno religioso e o conhecimento de manifestações em diferentes

denominações religiosas.

Em 1995, persistentes neste ideal, os participantes da 29a Assembleia

Ordinária do Conselho de Igrejas para o Ensino Religioso – CIER, que no ato

comemorava seus 25 anos de experiência ecumênica, mais entidades religiosas

e educacionais, professores e pesquisadores presentes, propõem a instalação

do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso – FONAPER.

Joana Zylberstajn (2012), em sua tese de doutorado “O Princípio da

Laicidade na Constituição Federal de 1988”, diz que é usual ouvirmos que o

Brasil é um Estado laico: imprensa, círculos acadêmicos, políticos, movimentos

sociais, todos afirmam que o país é laico. Essa declaração, no entanto, não está

explícita na Constituição Federal de 1988. O debate sobre o Ensino Religioso talvez seja o mais amplo dentro da

discussão sobre a laicidade e a relação entre o Estado e Igreja.

Mauro Passos (2013, p. 628) diz que "a ação formadora da educação e

da religião tem uma dimensão de totalidade, pois abarca as diversas dimensões

do ser humano: física, intelectual, moral, simbólica, cultural". E diz,

historicamente, que a religião é um elemento que sempre desempenhou um

papel significativo na formação da população brasileira. Então, pergunta-­se

Passos, como falar de educação sem levar em conta o papel das diversas

tradições religiosas? Como situar a história da educação brasileira sem

contemplar o trabalho das congregações religiosas, por exemplo?

Hoje em dia, a importância de pensar e refletir sobre essa disciplina dentro

das escolas é ainda maior. O seu percurso sempre foi bem conturbado e repleto

de divergências, tanto no aspecto pedagógico-­educacional, como no político-­

constitucional. Essa é uma questão complexa que necessita de mais estudos,

investigações e debates.

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Assim, para pesquisar, discutir e refletir sobre o Ensino Religioso, esse

trabalho terá o Colégio Santa Cruz como seu estudo de caso. Um colégio

católico, privado e pluralista, que foi fundado em 1952 por padres canadenses

da Congregação de Santa Cruz, que é a sua mantenedora. Essa Congregação

é francesa, e foi fundada em Le Mans pelo Beato Basile Moreau. Está localizado

no Alto de Pinheiros, em São Paulo.

E, para tanto, fará um percurso na sua história. Desde a Educação

Religiosa realizada pelos padres na época de sua fundação, até o Ensino

Religioso dos dias de hoje, para entender os fatos que levaram a Ciência da

Religião a compor sua base epistemológica e os processos que o levaram a esse

modelo. Além da motivação da autora em conhecer esse percurso, dada sua

vivência como professora de Ensino Religioso do Colégio em questão.

O referencial teórico para essa pesquisa será constituído, inicialmente, por

autores que discutem e analisam as questões referentes a utilidade direta do

campo da Ciência da Religião, e refletem sobre esse tema dentro de uma área

específica, a Ciência da Religião Aplicada, expressão conceitual utilizada no

Compêndio de Ciência da Religião (SOARES, PASSOS e USARSK, 2013). Ou,

como prefere TWORUSCHKA (2013, p. 573), Ciência Prática da Religião, que

para ele

vai além da percepção, descrição e análise das ações dos atores sociais. Ela se interessa pelas reais possibilidades de contribuir

socialmente em vista da paz, da humanização e da mediação de

conflitos culturais-­religiosos, o que implica desistir de uma disposição

catedrática, de transferência "neutra" de conhecimento de cima para

baixo, para investir fundo na vida cotidiana e seus problemas.

Com o Compêndio de Ciência da Religião, SOARES (2013) lança um

desafio sobre pensar a Ciência da Religião "Aplicada" partindo dos resultados

sociais que se esperam dela, já que se trata da área mais recente dessa Ciência.

Ele fala também sobre a mais conhecida, e talvez mais evidente, aplicação da

Ciência da Religião, o ensino religioso.

Para tanto, SOARES (2013, p. 574), escreve sobre essa relação entre

educação e estudos de religião, dizendo que:

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nesse sentido, o que geralmente é denominado de ensino

religioso é, na verdade, a transposição didática, ou melhor, a aplicação

para o cotidiano da sala de aula dos resultados dessa Ciência,

possibilitando aos estudantes da educação básica a compreensão

da(s) cultura(s) das diferentes comunidades que formam determinado

país/nação.

Além dos autores citados, outros estudaram e pensaram na perspectiva da

Ciência Prática da Religião, segundo TWORUSCHKA (2013, p. 580),

MENSCHING (1901-­1978), “que pleiteava tolerância desde os anos 1920”,

ELIADE (1907-­1986), “que queria “despertar” seus leitores, levá-­los a um

“choque espiritual”, abrir e alterar, assim, os horizontes da compreensão de seus

receptores”, que eram considerados como “fenomenologistas da religião”,

“portanto desatualizados coveiros da Ciência da Religião”;; e SMITH (1916-­

2000), que achava que “a Ciência da Religião pode desempenhar um papel

educacional eminente em diálogo e, portanto, tem uma tarefa prática: educar os

estudantes que podem realizar o papel de intermediários e intérpretes entre duas

tradições religiosas. Isso vale, até mesmo, para as instituições onde a Ciência

da Religião é lecionada”.

TWORUSCHKA (2013, p. 579), diz que o termo Ciência Prática da Religião

"se refere a um modelo de Ciência da Religião ilimitado, inter e transdisciplinar,

que incentiva e promove uma ação orientada, crítica, comunicativa, político-­

social da Ciência da Religião". Ou seja, que olha para o que está acontecendo,

e se preocupa em gerar conhecimento útil e utilizável. A teoria que será seguida

por esse trabalho.

Dessa forma, mostra-­se como uma área nova (ainda) e que está aberta.

No Compêndio há uma proposta de sistematização de alguns consensos teórico-­

metodológicos para unificar e indicar um caminho comum. Mas, deixa também a

possibilidade para sugestões, descobertas e transposições dos esforços

acadêmicos e, vice-­versa, da aplicação, da prática, para a academia.

A pesquisa foi realizada segundo o método histórico-­documental, por meio

de documentos, registros históricos, relatos, sites e visitas a instituições e

lugares relevantes ao tema. Ou seja, documental (fontes primárias) e

bibliográfica (fontes secundárias), basicamente. Também houve pesquisa de

campo incluindo observações, análises e interpretações de fatos e fenômenos

Page 23: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

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ocorridos no Colégio em relação ao tema estudado, além da participação na

criação do documento do Ensino Religioso vigente e a presença em reuniões da

área.

Registros de memórias, "livros" não oficiais e, os Planos Diretores

(documentos em que constam o Projeto Educacional, a "Palavra do Diretor",

mudanças e diretrizes anuais do Colégio) foram lidos e, os pontos de interesse,

selecionados, descritos, sistematizados e analisados.

A Congregação de Santa Cruz tem 180 anos. No Canadá, de onde vieram

os padres que fundaram o Colégio no Brasil, 170 anos, no Brasil tem 69 anos e

o Colégio completou, em 2017, 65 anos de fundação. Um longo período de

tempo e de história.

Para tanto, no Capítulo I, encontramos uma descrição sobre o contexto em

que acontece a origem da Congregação de Santa Cruz na França, depois como

a mesma se estabeleceu no Canadá e, por fim, como chegou ao Brasil e fundou-­

se o Colégio Santa Cruz.

No Capítulo II, o objeto da pesquisa, o Ensino Religioso no Colégio Santa

Cruz é apresentado. Primeiramente, um panorama geral de como essa disciplina

vem se mostrando no Brasil, depois, o percurso dessa área no Colégio, desde

sua fundação até os dias atuais. Incluindo a descrição do Projeto Educacional

do Colégio e suas bases pedagógico-­educacionais.

E, no Capítulo III, o Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa

Cruz é descrito;; desde sua origem, passando pelo Marco Referencial da

Educação Religiosa no Curso de 1o Grau, seu Documento e as práticas e

atividades desenvolvidas hoje, tendo como base a Ciência da Religião.

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Capítulo I

História do Colégio Santa Cruz

1. Origem da Congregação de Santa Cruz

A Congregação de Santa Cruz, abreviadamente C.S.C. (da sigla do latim

Congregatio Sancta Cruce), é uma Congregação religiosa católica de direito

pontifício, que congrega padres, irmãos e irmãs. Sua origem deu-­se, em primeira

instância, com a união da sociedade de padres auxiliares diocesanos de Le Mans

(capital do departamento de Sarthe, na região do Pays de la Loire, França) com

o Instituto dos Irmãos de São José, grupo de rapazes reunidos pelo Pe. Jacques-­

François Dujarié (1767-­1838), vindos de Ruillé-­sur-­Loire, cidadezinha situada a

uns quarenta quilômetros de Le Mans, em 1o de março de 1837, mediante o que

se convencionou chamar de “Ato Fundamental”. Depois, em 1838, uniram-­se a

um grupo de irmãs. E em 1841, o Beato Basile Antoine Marie Moreau (1799-­

1873) funda a família religiosa de Santa Cruz. Mas, somente em 1857, foi

aprovada formalmente pela Santa Sé.

O grupo das irmãs, as “Marianitas”, juntaram-­se a eles, mas Roma não

aceita que mulheres se juntem a um instituto de homens. Assim, foram aceitas

oficialmente como parte da Congregação apenas em 1867, o que não atrapalhou

o trabalho entre eles -­ padres, irmãos e irmãs -­ durante todos esses anos.

Formando, enfim, a Família de Santa Cruz, a que o Padre Basile Moreau tanto

queria como representação da Sagrada Família (Jesus, Maria e José).

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Mas, naquela época, após a Revolução Francesa (1789-­1799), que lutava

contra o Regime Absolutista1 da monarquia, a Igreja havia sido tomada, padres

tinham sido expulsos e executados. E assim, muitas escolas estavam fechadas

e uma geração inteira estava crescendo com pouca ou nenhuma educação

formal, já que muitas eram mantidas pela Igreja Católica. Muito menos nos

assuntos de fé, já que a partir daquele momento um governo laico2 se fazia

presente.

No Antigo Regime3, a sociedade francesa era dividida em três estados: o

primeiro, formado pelo Alto Clero Católico (cardeais, arcebispos, bispos e

sacerdotes de famílias ricas);; o segundo, pela Nobreza (família real e nobreza);;

e o terceiro, pela Burguesia (trabalhadores urbanos e camponeses) e Baixo

Clero Católico (sacerdotes e diáconos) (SOBOUL, 1979). Apenas os dois

primeiros estados tinham privilégios. Assim, o terceiro (insatisfeito) promove a

Revolução.

A filosofia do século XVIII ensinou os franceses a considerarem

vil sua condição, ou em todo caso injusta e ilógica, e os fez indisporem-­

se com a resignação paciente que por tanto tempo caracterizara seus

ancestrais. [...] A propaganda dos philosophes (iluministas), mais do

que qualquer outro fator talvez, contribuiu para cumprir-­se a condição

preliminar da Revolução Francesa, ou seja, a insatisfação com a

situação vigente (PEYRE, 2002, p. 324).

1 Nesse Regime, o rei concentrava em suas mãos os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Desse modo, suas decisões dificilmente encontravam limites para serem aplicadas. As vontades particulares do monarca, muitas vezes motivadas por intrigas e caprichos pessoais, tornavam-­se, na maior parte das vezes, orientações para o próprio Estado francês. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 157). 2 Laico é um adjetivo que significa uma atitude que demonstra a separação da religião da vida política, pública. Que não sofre influência ou controle por parte da igreja (ou da religião). Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/laico. Acesso em: 01 de novembro de 2017. 3 Esse Regime, também conhecido como Ancien Regime, pelos franceses, dava o poder divino e sagrado ao rei, que só devia obediência a Deus. O clero católico regulava a vida dos franceses. Os registros de nascimento, casamento e morte;; o recolhimento de tributos e dízimos;; a administração de escolas e hospitais e a censura de livros considerados imorais ou subversivos eram algumas das atividades controladas pela Igreja. Além disso, ela desfrutava de privilégios concedidos pela monarquia, como a isenção de alguns impostos. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 168).

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A Revolução, nesse contexto, despertou uma onda

anticlerical4, atacando os privilégios e as prerrogativas tradicionais da

Igreja. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 168).

O Reverendo Dujarié foi ordenado durante a Revolução, em segredo, por

causa da situação. Em 19 de dezembro de 1795 recebeu o subdiaconato, no dia

seguinte, o diaconato, e no dia 26, o presbiterato. E depois, ainda nesse período,

enviou os jovens instruídos por ele para paróquias rurais para lecionarem. Estes

jovens tornaram-­se os Irmãos de São José.

Os camponeses foram os mais atingidos, porque eles se sentiram

abandonados por aqueles que faziam a Revolução, e porque eram católicos

fervorosos. Assim, quando os revolucionários começaram a expulsar os padres

que não juravam fidelidade à Constituição da República, foi a gota d'água.

Uma das medidas tomadas pela Assembleia Constituinte foi a

aprovação, em 1790, da Constituição Civil do Clero. O documento

reorganizava a relação da Igreja com o Estado francês. A cobrança do

dízimo foi suprimida e os bens do clero foram confiscados. Muitas

igrejas foram transformadas em granjas, estábulos, peixarias ou salas

de reuniões para clubes revolucionários. Propriedades eclesiásticas

foram vendidas e os padres foram proibidos de usar suas

indumentárias eclesiásticas. O celibato clerical deixou de ser

obrigatório.

Os padres tornaram-­se funcionários públicos. Por esse motivo,

deviam prestar juramento de fidelidade, comprometendo-­se a cumprir

a lei e servir à nação. O papado e o alto clero opuseram-­se a essas

mudanças e orientaram os padres a não prestar o juramento e

continuar oficiando clandestinamente. Mesmo assim, cerca de 50% do

clero aderiu ao juramento, provocando um cisma na Igreja. O Estado

francês e o papado só se reaproximariam em 1801. (ALVES &

OLIVEIRA, 2010, p. 168).

4 Relativo àquele que combate a interferência do clero na sociedade, defendendo a influência predominante do poder civil sobre o Estado e as instituições sociais. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 168).

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A Constituição Civil do Clero (1790), uma mal concebida

tentativa de destruir não a Igreja, mas a lealdade romana absolutista

da Igreja, levou a maioria do clero e de seus fiéis à oposição, e ajudou

a levar o rei à desesperada e, por fim, suicida tentativa de fugir do país.

(HOBSBAWM, 1996, p. 32)

A Igreja era muito importante nas zonas rurais, tinham um papel de

assistência social.

Em 1791, a Assembleia Nacional declara a Constituição Francesa em que

“a lei não reconhece os votos religiosos, nem qualquer outro compromisso que

seja contrário aos direitos naturais, ou à Constituição”5.

E o povo sentiu-­se desamparado e abandonado quando o Estado e a

Igreja “quebraram”. O que resultou na Revolta da Vendéia, em que camponeses

estavam dispostos a lutar em nome de Deus e a favor de "seus" padres e

paróquias (Igreja Católica). A Vendéia localiza-­se na região do Pays de la Loire,

a oeste da França.

Alguns historiadores, hoje, e o governo Republicano, na época, acham

que essa luta era atrasada e retrógrada. Mas, Alain Gérard, diretor do Centro

Vendeano de Pesquisas Históricas6, não concorda:

Embora se colocassem a favor do sistema monárquico, os

camponeses não estavam simplesmente defendendo a velha ordem

das coisas. Eles lutavam pelos mesmos valores que os revolucionários:

igualdade, liberdade e fraternidade. O fato é que a Revolução havia se

mostrado infiel a esses princípios, deixando de lado as aspirações da

população rural e dando mostras de autoritarismo e brutalidade. Em

vez de se manterem ao lado de uma revolução que os havia

decepcionado, os camponeses resolveram lutar contra ela.

E assim, o governo se volta contra a Vendéia, e anuncia um combate para

destruí-­la. Mais de 250 mil moradores dessa região morreram. Tornando esse,

5Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/const91.pdf. Acesso em: 01 de novembro de 2017. 6Disponível em: http://www.histoire-­vendee.com/. Acesso em 16 de novembro de 2016.

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um dos maiores massacres da história contemporânea, afirma José Francisco

Botelho7, descrevendo-­a assim:

Em setembro de 1793, um novo exército republicano atacou

com fúria a província rebelde. A Vendéia inteira mobilizou-­se numa

resistência desesperada: agora, o lema dos camponeses era “Vencer

ou Morrer”. No dia 17 de outubro, ao norte da cidade de Cholet, os

vendeanos tentaram deter a marcha inimiga. Contavam, ainda, com

grande superioridade numérica: havia em torno de 40 mil rebeldes

contra 20 mil republicanos. Dessa vez, no entanto, o exército

revolucionário tinha a liderança de Jean-­Baptiste Kléber, um dos

melhores generais franceses da época. Envolvidos pelos regimentos

republicanos, os rebeldes debandaram em massa para o rio Loire,

deixando atrás de si uma trilha de mortos. Algumas semanas depois,

os sobreviventes foram encurralados na aldeia de Le Mans, do outro

lado do Loire. Sob uma noite de tempestade, durante 14 horas

seguidas, os dois exércitos enfrentaram-­se em uma das batalhas mais

medonhas da guerra. Cerca de 10 mil vendeanos morreram – e os que

conseguiram escapar seriam destroçados pouco depois, perto da vila

de Savonay.

Todas essas cidades, vilas e departamento estavam localizados numa

mesma região, a do Pays de la Loire. Mesma região em que os Irmãos de São

José, os Padres Auxiliares e a Congregação de Santa Cruz se formaram. Essa

região ficou marcada pela resistência à Constituição Civil do Clero e o juramento

a que os padres tinham que fazer (VOVELLE, 1986). A Revolução estava

destruindo o senso de comunidade e solidariedade que havia entre as famílias e

os religiosos que as apoiavam e se preocupavam com a zona rural.

Em 1800, Napoleão Bonaparte assina um tratado de paz com os

vendeanos. Entretanto, nunca foi completamente aceito pelos moradores da

província, já que ele tinha sido um colaborador do Regime Republicano. Em

1801, reaproxima o Estado francês da Igreja Católica, com a assinatura de uma

concordata com o Papa Pio VII. No documento estava que o catolicismo seria a

religião da maioria dos franceses, mas não a oficial, e restituía antigos direitos

7Disponível em: http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/guerras/vendeia-­a-­antirrevolucao-­francesa.phtml#.WevGLYfbzM0. Acesso em 21 de outubro de 2017.

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do clero. Mas, as propriedades confiscadas em 1790, não seriam devolvidas nem

indenizadas (ALVES & OLIVEIRA, 2010). E em 1804, coroa-­se imperador da

França, na Catedral de Notre Dame em Paris, com o Papa como mero

expectador, mostrando total independência da Igreja Católica.

Então, em 1815, a Vendéia rebela-­se novamente contra o governo, o que

aconteceu simultaneamente ao ataque das tropas anti-­napoleônicas (ingleses,

austríacos, prussianos), levando as tropas francesas a se dividirem em dois

flancos, um interno e outro externo. Os vendeanos são novamente derrotados.

Só que, desta vez, acabaram "colaborando", consequentemente, com a queda

de Bonaparte, na Batalha de Waterloo.

Essas revoltas acabam firmando uma diferença, quase marcante, entre o

urbano e o rural. Este último, já apresentava ter mais necessidades antes,

estando "fora" dos acontecimentos das áreas centrais e, depois, essa situação

piora com a perda de seus colaboradores, os padres, e com a morte de tantas

pessoas. Por isso, o Reverendo Dujarié, que foi ordenado padre (secretamente)

durante a Revolução Francesa, volta o seu olhar para o campo e envia os irmãos

em missão para estas regiões.

O sistema educacional francês, administrado quase inteiramente

pela Igreja antes da Revolução, incluindo 321 escolas na única Diocese

de Le Mans, havia sido virtualmente destruído quando Napoleão

assumiu o poder. Embora a perseguição à Igreja tenha diminuído

enquanto Moreau crescia, os ressentimentos eram mantidos sob a

superfície e ocasionalmente voltavam a se manifestar. (KING, 2015, p.

3)

Com idade avançada e doente, em 31 de agosto de 1835, o Padre Dujarié

passa a liderança dos Irmãos de São José, instituição destinada à formação

cristã da juventude, a um jovem e dinâmico padre chamado Basílio Antoine Marie

Moreau, a quem conheceu e com quem simpatizou durante os retiros dos

Irmãos, e que já havia formado uma associação de padres, a dos Padres

Auxiliares, destinada também à pregação e à educação, dizendo:

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Senhor Pe. Moreau, rogo-­lhe aceite conduzir a pequena

congregação dos Irmãos de São José à qual acabo de renunciar por

causa das minhas enfermidades, que me impedem dela cuidar, bem

como prepará-­la para o futuro, coloco-­a toda inteira em suas mãos;; eu

lha confio na certeza de que o senhor lhes será um pai e um protetor.

Sim, confio-­lhe os meus filhos, aceite-­os como aquilo que tenho de

mais precioso e como um patrimônio cujas contas o senhor deverá

prestar ao príncipe dos Pastores. Quero que doravante eles o vejam

como a que lhe devem como o seu superior. (BERGERON, 1999, p.

106-­107)

Os Padres Auxiliares, colegas de Moreau e sacerdotes em Le Mans,

foram seus assistentes na diocese, pregando em missões paroquiais e instruindo

jovens em seminários e faculdades. Para ele, esses homens eram vistos como

educadores, em primeiro lugar. Moreau pensava que a vocação de um professor

era um chamado especial de Deus tão importante quanto o chamado à vida

religiosa (BERGERON, 1998).

Figura 1: Símbolo da Congregação de Santa Cruz8.

Fonte: http://www.congregacaodesantacruz.org.br/img/Image/cruz.jpg. Acesso em: 09 de novembro de 2017.

8 Símbolo da Congregação de Santa Cruz. “As âncoras simbolizam a fixação do Amor Infinito no lenho da Cruz. Do lenho da cruz acredita-­se brotar vida nova pelo fato da Ressurreição. A cruz é o feito do Amor infinito de Deus. Uma das âncoras é a fé do religioso no Mistério Pascal. A outra marca sua esperança na vitória do amor sobre o ódio. A cruz simboliza também a vulnerabilidade do próprio amor. Quem mais ama é sempre o mais vulnerável. Foi o Amor infinito que deixou Jesus ser pregado na cruz. Se não fosse a nossa fé no poder do amor, a cruz seria um absurdo ou uma loucura” (cf. 1 Cor 1,18.23).

Disponível em: http://www.congregacaodesantacruz.org.br/site/pasta_211_0__nosso-­simbolo.html. Acesso em: 09 de novembro de 2017.

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1.1. O fundador da Congregação de Santa Cruz: Beato Basile Antoine Marie Moreau (1799 – 1873)

Figura 2: Padre Basile Antoine Marie Moreau9.

Fonte: http://www.holycrosscongregation.org/assets/243564/fullsize/2017_moreau_anniversary_logo_portuguese.png.

Acesso em: 08 de novembro de 2017.

Basile Antoine Moreau, nasceu em Laigné-­en-­Belin, departamento de

Sarthe, região do Pays de la Loire, uma pequena aldeia situada a cerca de 14

km a sudeste de Le Mans, em 11 de fevereiro de 1799.

Ele foi o oitavo filho dos catorze que seus pais Louis e Louise Moreau,

pessoas simples e católicos fervorosos, provavelmente analfabetos, tiveram. Foi

registrado, segundo o calendário da Revolução Francesa, em “24 de pluvioso do

Ano VII” (BERGERON, 1998). A família não tinha muitos recursos financeiros;;

eles viviam da criação de alguns animais e de uma pequena adega. Mas,

proporcionaram-­lhe uma educação cristã e, clandestinamente, asseguraram-­se

de trazer um sacerdote que havia se recusado a prestar o juramento de lealdade

ao Estado para batizá-­lo (KING, 2015).

9 Logo oficial de aniversário da beatificação do Padre Basile Moreau.

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A mãe, cristã fervorosa, já acostumava as crianças à oração em família.

E, mesmo depois da época da Revolução, em que foram privados da presença

de um padre, ela faz dessas orações uma liturgia da família Moreau.

Aos dez anos, Basile Moreau recebe a primeira eucaristia. E logo passa

a ajudar o vigário nas missas e a dizer que se tornaria um sacerdote como ele,

o Padre Julien Le Provot, que exerceu o ministério clandestinamente durante a

Revolução. E, que depois, convocaria a senhorita Dufay de Boismont para cuidar

das meninas.

Segundo BERGERON (1998), em 23 de abril de 1823, Padre Moreau

lembrando da admiração que sentia pelos “professores” Padre Julien e senhorita

Dufay, tão presentes em sua vida quando criança, e o que essas “almas de elite”

fizeram por ele, disse: “É meu pai, é minha mãe: eu sou filho deles em Jesus

Cristo. Como eles educaram a nossa infância e instruíram a nossa juventude!

Que lições, que conselhos salutares, que consolações não recebemos da

caridade deles!”

E logo, o vigário percebeu que Basile era diferente dos outros jovens, e

se prontificou a levar adiante a sua educação. Ofereceu-­lhe um curso de latim

na casa paroquial e, em outubro de 1814, proporcionou-­lhe a ida para o Colégio

de Château-­Gontier, situado a uns 80 km de Laigné-­en-­Belin, percurso que fez

a pé na companhia de seu pai.

Lá foi acolhido pelo superior Padre Basile Horeau, que tinha estado preso

durante dois anos, e pelo vice-­superior Padre Jean Fillion, o qual escolhe como

seu diretor espiritual, e a quem vai depositar sua confiança mesmo depois de

deixar o Colégio, mantendo-­o como confidente e amigo durante 40 anos.

Após três anos de estudos, no outono de 1817, vai para o Seminário Maior

do Mans, em Le Mans, próximo de sua cidade natal. Lugar em que passaria seus

próximos quatro anos se preparando para sua ordenação como padre.

E, passado esse período, com vinte e dois anos de idade, em 1821 é

ordenado sacerdote, com o consentimento do seu diretor espiritual. Resume,

assim, as obrigações com as quais se compromete:

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Votos que eu faço antes do subdiaconato:

1. voto perpétuo de castidade;;

2. de obediência, isto é, de não solicitar posto algum e de tudo

aceitar;;

3. de pobreza, isto é, de não acumular riqueza, de vestir-­me

somente com tecido comum e ordinário, jamais a seda;;

4. de jejuar todas as sextas-­feiras e de só beber água às

refeições enquanto eu estiver no seminário, para que não haja

constrangimento durante as férias.

O primeiro motivo dessa mortificação é o de fazer penitência

pelos meus pecados;; o segundo, o de conseguir cada vez mais o amor

de Jesus Cristo (BERGERON, 1998, p. 14).

Esses votos só comprovam sua vontade de se aproximar cada vez mais

de Jesus Cristo e de seu modo de vida. Sua ordenação acontece em sua cidade

natal, na Capela da Visitação, na orla da Place de la Chanterie (hoje Place de la

République), onde exerce funções paroquiais por dois meses, e, logo antes de

voltar aos estudos, pede a seu bispo licença para ingressar no Seminário das

Missões Estrangeiras de Paris, pois para ele era importante levar essa fé em

Jesus para todos os lugares. Mas, como colégios religiosos começavam a ser

reabertos ao lado dos novos colégios seculares10 e havia falta de padres (durante

o período revolucionário, dois terços dos padres tinham desaparecido e, nas

guerras do Império, foram dizimadas as faixas etárias que teriam sido as dos

seminaristas11), o seu superior já havia decidido que ele seria muito mais útil

formando novos padres. Por isso, o enviou para o Seminário de Saint-­Sulpice,

para completar sua formação com os sulpicianos em Paris e Issy.

10 Ou laicos, como já citado, que não apoia e nem se opõe a nenhuma religião. 11 Publicação com o título: “O bem-­aventurado Basile Moreau: Fundador da Congregação de Santa Cruz”, preparada para celebrar a beatificação do Padre Basile Moreau, a 15 de setembro de 2007, Le Mans, França. Pela Biblioteca e Arquivos Nacionais de Québec e Biblioteca e Arquivos do Canadá, Edições Fides, 2007. A qual será identificada no corpo do texto somente pela data: 2007.

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Três meses após sua entrada no Seminário, ele escreve uma carta para

o seu antigo diretor espiritual, o Padre Fillion:

Se me enviarem evangelizar qualquer aldeia, eu bendirei a

Deus e ao meu bispo. Desejo-­o com ardor e eu gostaria de já estar ali.

Será preciso dizer-­lhe isso? É tão grande o meu desejo que há

momentos em que eu sinto todo o meu peito queimar. Quando me

recolho ao leito, que vejo como o meu túmulo, eu gostaria de, ao

acordar-­me já estar entre alguns pobres camponeses. Como os

educaria e como os levaria de volta a Deus! Será desejo de aparecer,

amor próprio, orgulho, ou seriam santas inspirações, movimento

piedoso? Enquanto eu estudo os Beth e os Aleph, enquanto encadeio

um atqui e um ergo, perde-­se a alma do meu irmão. Com certeza Deus

cuidará de tudo e, ao primeiro sinal, hei de deixar, embora triste, a

Soledade de Issy, quando lá eu estiver. (28 de janeiro de 1822)

(BERGERON, 1998, p.16)

A carta mostra o seu anseio de divulgar a palavra de Deus, as mensagens

de Jesus Cristo por toda a parte, e não de ficar parado num único lugar. Achando

que dessa forma estaria perdendo a oportunidade de evangelizar mais pessoas

e de também trazer de volta a crença na Igreja, perdida durante a Revolução

Francesa.

Durante dois anos o jovem padre vive a espiritualidade da escola francesa

e, sob a firme direção de Monsenhor Mollevaut, aprende a prática da humildade,

da ternura, da moderação. E, por mais de 25 anos, Monsenhor Mollevaut será o

seu conselheiro em todas as suas situações importantes.

Em 1823, regressa à cidade de Le Mans para ensinar no seminário e fazer

sermões na diocese. Permanece por 13 anos no ministério do ensino e do

acompanhamento espiritual dos seminaristas, além de pregar aos paroquianos.

Começa a lecionar no seminário Menor de Filosofia, depois vai para o

Seminário Saint-­Vincent, inicialmente, ensinar sobre a Igreja. Mas, como o

superior Monsenhor Bouvier, -­ e muitos bispos da época -­, era de tendência

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galicana12, vendo que Moreau, ao contrário, era de tendência extremamente

ultramontana13, transfere-­o para a disciplina de Sagrada Escritura, considerada

de menos importância. Mesmo assim, acaba tornando-­se vice-­superior, e, nessa

ocasião, em 1834, inova ao introduzir no seminário um curso de Ciências Físicas.

Com a proximidade dos estudantes, e agora já como diretor, muitos

seminaristas e jovens padres o escolhem como mentor espiritual. E assim,

entram para o grupo de Padres Auxiliares, fundado por Moreau em 1835. Que

juntos elaboraram um projeto para pregarem, inicialmente em outras paróquias,

e depois, em outros países. Com a missão comum de educar a juventude e

evangelizar o campo.

Em novembro de 1836, ele funda o colégio interno de Notre-­Dame de

Sainte-­Croix.

12 Galicanismo: tendência separatista da Igreja Católica da França em relação a Roma e ao Papa. A origem do nome provém de Gália, nome antigo da França. 13 Ultramontanismo: do latim ultramontanus. O termo designa, no catolicismo, especialmente francês, os fiéis que atribuem ao papa um importante papel na direção da fé e do comportamento do homem. Na Idade Média, o termo era utilizado quando elegia-­se um papa não italiano (“além dos montes”). O nome toma outro sentido a partir do reinado de Filipe, o Belo (século XIV) na França, quando postularam os princípios do galicanismo, no qual defendiam o princípio da autonomia da Igreja francesa. O nome ultramontano foi utilizado pelos galicanos franceses, que pretendiam manter uma igreja separada do poder papal e aplicavam o termo aos partidários das doutrinas romanas que acreditavam ter que renunciar aos privilégios da Gália em favor da “cabeça” da Igreja (o Papa), que residia “além dos montes”. O ultramontanismo defende portanto o pleno poder papal.

Com a Revolução Francesa, as tendências separatistas do galicanismo aumentaram. As ideias ultramontanas também. Nas primeiras décadas do século XIX, devido a frequentes conflitos entre a Igreja e o Estado em toda a Europa e América Latina, foram chamados de ultramontanos os partidários da liberdade da Igreja e de sua independência do Estado.

O ultramontanismo passou a ser referência para os católicos dos diversos países, mesmo que significasse um distanciamento dos interesses políticos e culturais. Apareceu como uma reação ao mundo moderno e como uma orientação política desenvolvida pela Igreja, marcada pelo centralismo romano, um fechamento sobre si mesma, uma recusa do contato com o mundo moderno. Os principais documentos que expressam o pensamento centralizador do Papa são as encíclicas de Gregório XVI (1831-­1845), Pio IX (1846-­1878), Leão XIII (1878-­1903) e Pio XI (1922-­1939). CAES, André Luiz. As portas do inferno não prevalecerão : a espiritualidade católica como estratégia política. Tese de Doutorado. IFCH/UNICAMP, fevereiro de 2002 LUSTOSA, Oscar Figueiredo. A Igreja Católica no Brasil e o regime republicano. São Paulo: Ed. Loyola – CEPEHIB, 1990. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_ultramontanismo.htm. Acesso em: 21 de outubro de 2017.

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Figura 3: Colégio Interno de Notre-­Dame de Sainte-­Croix, em Le Mans. Fonte

http://sanctuairebasilemoreau.org/en/congregation-­of-­holy-­cross-­charism/. Acesso em: 09 de novembro de

2017.

Ao reunir os Padres Auxiliares e os Irmãos de São José, em março de

1837, cria a Associação Religiosa de Santa Cruz, cujo nome se deu pelo bairro

em que se estabeleceram, Sainte-­Croix.

A visão de Moreau sobre a Associação de Santa Cruz não ficou completa

até 1841, quando se une a eles o grupo das irmãs, as Marianitas de Santa Cruz.

Figura 4: Igreja de Notre-­Dame de Sainte-­

Croix, em Le Mans. Fonte: Nilma Paula

Combas da Silva.

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Pois só a partir dessa união, formando uma única família, compromissados pela

lembrança da "Santa Família", Jesus, Maria e José, ou seja, os Padres

Auxiliares, os Irmãos de São José e as Irmãs Marianitas, a Associação estaria

seguindo a vida de Jesus Cristo, como ele tanto queria.

Dessa forma, continuavam cumprindo suas duas áreas de trabalho

principais, os irmãos à frente das missões populares, que era, nesse caso, o

reavivamento da vida religiosa paroquial, principalmente nas zonas rurais, os

sacerdotes à frente das missões de educação, rurais e urbanas, e as Marianitas

os acompanhavam, tanto em algumas missões quanto nas ações em Le Mans,

no colégio e na paróquia.

Embora ordenado padre diocesano, Moreau queria que a Santa Cruz se

tornasse uma comunidade religiosa, ajustada a Jesus Cristo e unidos um ao

outro pelos votos religiosos de pobreza, castidade e obediência. Ele proferiu

seus votos pela Santa Cruz em 15 de agosto de 1840, e as primeiras irmãs, em

1844.

Moreau acreditava que o trabalho que Deus havia confiado à Santa Cruz

deveria ser estendido ao resto do mundo. E em poucos anos da sua fundação,

Figura 5: Escultura mostrando o Padre Moreau e

a sua árvore de 3 ramos: os Padres Auxiliares, os

Irmãos de São José e as Irmãs Marianitas;; a

Congregação de Santa Cruz. Em La Solitude, Le

Mans. Fonte: Rogério Farias.

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padres, irmãos e irmãs foram enviados em missão para a Argélia (1840), Estados

Unidos (1841), Canadá (1847), Itália (1850) e para a Índia e Bangladesh (1852).

Esta última, a pedido do Papa, que também confia à Santa Cruz, em 1850, um

orfanato situado em Roma (2007, p. 8).

Para tanto, além das missões, escreve um tratado de pedagogia intitulado

“Educação Cristã”, em 1856. Para deixar suas impressões sobre a educação da

época e como ele pensava a educação como legado de sua Congregação para

as novas e futuras gerações.

Em 13 de maio de 1857, o Papa Pio IX aprova a Congregação de Santa

Cruz e a sua primeira Constituição. Essa aprovação fez da Santa Cruz uma

congregação religiosa oficial pela autoridade da Santa Sé, mas com a condição

de que as irmãs se separassem dela, como assim foi feito. A união oficial de sua

família, como era o desejo de Padre Moreau, só acontecerá dez anos depois,

quando o Instituto das Irmãs Marianitas é aprovado.

No mesmo ano, em 17 de junho, dá-­se a consagração da Igreja de Notre-­

Dame de Sainte-­Croix, em Le Mans;; igreja que o Padre Moreau construiu entre

1842 e 1856, ao lado do Colégio Notre-­Dame de Sainte-­Croix.

Devoto da Virgem Maria, a quem os pais o tinham consagrado e cujo

nome acrescentou ao seu no dia da sua profissão religiosa, Padre Basile Antoine

Figura 6: Interior da Igreja Notre-­Dame de

Sainte-­Croix, em Le Mans. Fonte: Rogério

Farias.

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38

Marie Moreau, instituiu Nossa Senhora das Dores como padroeira especial de

sua família religiosa. Pois ela passou seus sofrimentos diante da cruz de seu

filho Jesus, ou seja, a “Santa Cruz”.

E, ainda, no ano de 1857, Padre Moreau faz sua primeira e única viagem

para a América do Norte (Estados Unidos e Canadá), onde permaneceu um

pouco mais de um mês, para visitar os seus religiosos e religiosas. Ele escreve

um anúncio sobre sua ida (BERGERON, 1998, p. 133-­134):

Desejo tanto mais caro ao meu coração que tenho a certeza

de que os senhores dele participam, todos, os meus caros filhos e

minhas caras filhas, que eu vi sucessivamente deixar Notre-­Dame de

Sainte-­Croix, em meio às orações e lágrimas que lhes acompanhavam

a partida;; e também os que apenas conheço pela correspondência, que

já há tempo me chamam com o tom da impaciência. Estejam certos,

não suspirem mais do que eu pelo momento feliz do nosso próximo

encontro;; porque se desejam ver-­me e comigo falar, eu também o faço

e mais do que poderia dizê-­lo aqui, vê-­los e ouvi-­los;; desejo-­o como o

cumprimento de um dos desejos mais santos e mais doces do meu

cargo;; desejo-­o para consolação de todos os senhores e a minha

também;; desejo-­o para desincumbir-­me da obrigação que me impõem

as Constituições;; para estabelecer as suas casas dispersas na unidade

de um só governo e de um mesmo espírito pela presença e pela

direção de seu Superior Geral.

Ao chegar a Nova Iorque, é recebido pelo arcebispo. Depois, vai de trem

até Montreal e permanece em Saint-­Laurent. Em seguida, vai para Notre-­Dame

du Lac, via Toronto, onde visita também as religiosas de Sainte-­Marie. E por fim,

encontra os seus outros grupos de Chicago e Filadélfia.

No retorno a Le Mans, continua sua obra e funda outras escolas e

internatos. “Educador de talento, pioneiro do ensino livre na região de la Sarthe.

(...) Verdadeiro precursor na luta pela liberdade do ensino secundário” (Jacques

Faivre, Bispo de Le Mans, 2007, p. 8).

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Fica à frente de sua Congregação até 1866, ano em que se demite da sua

função de Superior Geral. Mas continua a pregar nas paróquias e nos retiros, até

a sua morte, em 20 de janeiro de 1873. Cuidado por suas irmãs, e com a ajuda

das Irmãs Marianitas, numa casa muito próxima da Igreja de Notre-­Dame de

Sainte-­Croix.

Hoje, uma das datas mais importantes para os religiosos da Congregação

de Santa Cruz é o dia 15 de setembro, data da beatificação do Padre Moreau

pela Igreja Católica em Roma, no ano de 2007. E pelo culto à Nossa Senhora

das Dores, celebrado no mesmo dia.

Em 1903, todas as ordens religiosas de ensino foram suprimidas pelo

governo francês14. Nesse contexto15, os religiosos e religiosas de Santa Cruz

voltam a sair da França em missões. A América do Norte tornou-­se o foco das

subsequentes expansões. A fundação de numerosas instituições educacionais,

paróquias e outros ministérios foram ampliadas nos Estados Unidos e Canadá.

14Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/about-­us/history/. Acesso em: 02 de novembro de 2017. 15 A 3a República desenvolve uma versão pacífica da regeneração revolucionária, ou que a formação do homem novo é acompanhada de respeito das crenças. Jules Ferry exprime assim, na década de 1870, esse ponto de vista majoritariamente compartilhado: Anticlerical sim, antirreligioso jamais! “. Os republicanos comprometem-­se desde a década de 1880 com a separação Igreja x escola. É o próprio Jules Ferry que a inicia no começo dos anos 1880, obtendo a dissolução da Companhia de Jesus e sujeitando outras congregações a um regime de aprovação. Emilie Combes, que se torna chefe do governo depois das eleições de maio de 1902, fecha, a partir de julho, mais de três mil escolas que não tinham obtido autorização ministerial para se manterem. A lei de 5 de julho de 1904 leva o movimento a seu ponto crítico, quando interdita os religiosos ligados ao ensino e dá prazo de dez anos a todas as congregações para porem fim a suas atividades de ensino. Os republicanos se envolvem, por outro lado, com a desclericalização da rede das escolas públicas. Eles procedem a laicização do pessoal, pela lei Goblet de 1886, retirando dos eclesiásticos o direito de ensinar nos estabelecimentos públicos e formando, nas escolas normais, um corpo de professores conforme a nova ideologia. Eles procedem, sobretudo, na laicização do ensino. A lei Ferry, de 28 de março de 1882, proíbe o catecismo no interior das escolas primárias e substitui a instrução moral e religiosa do período anterior por uma instrução moral e cívica, fundada, apesar da referência (kantiana) dos deveres para com Deus, sobre a única “moral independente”, ela própria articulada em torno dos valores de autonomia e solidariedade. Os partidários da Igreja se encontraram excluídos, até a década de 1940, do espaço governamental e puderam, assim, somente influenciar à margem dos dispositivos jurídicos que lhes interessavam.

PORTIER, Philippe. Regulação Estatal da Religião na França (1880 -­ 2008), Ensaio de Periodização. São Paulo: Revista de Estudos da Religião/PUC-­SP: setembro/2010, p. 24-­47. Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv3_2010/t_portier2.pdf. Acesso em: 02 de novembro de 2017.

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40

E, após um longo período de estabilidade, volta a expandir seu trabalho

ao redor do mundo, estabelecendo missões no Chile (1943), Brasil (1943), Haiti

(1944), Gana (1957), Uganda (1958), Peru (1963), Kênia (1978), México (1987),

Tanzânia (1999) e Filipinas (2008). Estando, assim, presente em 16 países nos

cinco continentes. Em 1954, sua Direção Geral, mudou-­se para Roma.

2. O Carisma da Congregação de Santa Cruz

"Somos educadores na fé".

"Nós sempre devemos colocar a educação lado a lado com o ensino;; a

mente não será cultivada à custa do coração".

Beato Basile Moreau.

Um ‘carisma’ é um dom do Espírito concedido às pessoas ou

comunidades em vista do bem comum e da edificação da Igreja. Esse

dom depende de uma percepção própria da figura de Jesus e de uma

visão do Evangelho, a partir de um ângulo particular, que levam a uma

mobilização geral e fecunda. Ele é, então, uma força inspiradora, um

dinamismo de compromisso, uma capacidade de realizar

concretamente (Padre Jean Proust, CSC, 2007, p. 71).

O carisma da Congregação de Santa Cruz é o de educar na fé.

Onde quer que os superiores da congregação nos envie, nós

vamos como educadores em fé para aqueles cuja sorte

compartilhamos, apoiando homens e mulheres de graça e de boa

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vontade, em todos os lugares, em seus esforços para formar

comunidades do reino que está vindo. (Constituições, 2:1216)

A inspiração de Moreau foi ver que, no clima de crescente secularização

e suspensão da religião depois da Revolução Francesa, a educação sustentaria

a chave da evangelização. E foi o que aconteceu;; por meio da educação a

Congregação conseguiu compartilhar as "boas novas de Cristo" não só pelo

mundo, mas também dentro da própria Igreja. A educação na fé requeria

desenvolvimento da mente, cultivo do coração, iluminação do zelo no serviço, a

união com os outros como família e o encorajamento da esperança na cruz17.

"Nós não queremos que nossos alunos ignorem de nada do que devam

saber. Para tanto, não evitaremos sacrifício algum", dizia Moreau, Cartas

Circulares, 36 (KING, 2015, p. 10). Ele acreditava que uma educação na fé,

similar à qualquer educação, começa com um rigoroso e amplo desenvolvimento

da mente. As escolas da Congregação, desde os tempos em que ele conduzia

uma das secundárias de Notre-­Dame de Saint Croix, ficaram conhecidas por

seus abrangentes currículos e excelência acadêmica.

Apenas uma rigorosa educação da mente dá uma base

necessária para envolver-­se com fé nas necessidades e questões

urgentes dos dias e assim, ser o evangelho real deixado no mundo.

Nunca devemos nos esquecer que a virtude, como Bacon

coloca, é o tempero que preserva a ciência. Nós sempre devemos

colocar a educação lado a lado com o ensino;; a mente não será

cultivada à custa do coração. Enquanto nós preparamos cidadãos úteis

para a sociedade, nós também faremos todo o nosso possível para

16Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/charism/. Acesso em: 09 de janeiro de 2017. As Constituições da Congregação de Santa Cruz foram escritas pelo Padre Basile Moreau dizendo sobre os vários propósitos na vida de cada sacerdote e irmão. Em um nível básico, elas são a regra para a vida que vivem, fornecendo o esboço de como a vida comum e individual será ordenada. No entanto, elas também servem o propósito muito “mais profundo” de falar porque é que chegaram a esta vida na Santa Cruz, o que buscam ao entrar nesta vida e o que oferecem à Igreja e ao mundo através de sua vida religiosa. Ou seja, são as regras de vida, os princípios orientadores e a compreensão espiritual da comunidade. Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/holy-­cross-­resources/constitutions/. Acesso em 09 de janeiro de 2017. 17Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/charism/. Acesso em: 02 de novembro de 2017.

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preparar cidadãos para o céu. Pe. Moreau, Carta Circular18, 36. (KING,

2015, p. 17)

Toda educação na fé também tem que ter cultivado completamente o

coração. Tendo crescido em seguida da Revolução Francesa, Moreau

testemunhou em primeira mão as injustiças que pessoas com intelectos

perspicazes, mas sem formação de seus corações, foram capazes de cometer.

Nas escolas da Congregação, paróquias e missões, o cultivo do coração

consistia principalmente numa formação espiritual e vocacional necessária para

as pessoas viverem fora de suas identidades batismais e de “chamados”. Em

seu núcleo está a frequente celebração dos Sacramentos, especialmente a

Eucaristia.

"Zelo é o grande desejo de fazer Deus conhecido, amado e servido, e

assim, salvar almas. Atividades fluem desta virtude. Ter entusiasmo para fazer

seu trabalho. E assim, deixar nossos alunos entusiasmados também!", dizia

Moreau19.

Para ele, esta educação de mente e coração estimulava o zelo em todos.

E que esse zelo nasce pelo amor a Deus e pelo próximo. Os ministérios da

Congregação, incluindo as escolas, enfatizavam programas de ensino a serviço

e do alcance dos menos favorecidos.

Moreau acreditava que esse zelo encontra sua esperança na cruz, “Ave

Crux Spes Unica” (Salve a Cruz, Nossa Única Esperança)20, porque não há

maneira de transformar o mundo sem ficar cara a cara com o sofrimento dos

18 As Cartas Circulares foram escritas sobre a visão do Padre Basile Moreau, para a família religiosa que ele fundou. Deixando registradas suas diretrizes para os religiosos de Santa Cruz. Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/holy-­cross-­resources/document-­library/. Acesso em: 02 de novembro de 2017. 19 Palestra do Irmão Thomas A. Dziekan, C.S.C, Vigário Geral da Congregação de Santa Cruz. Tema: “Construindo um Reino de Justiça, Amor e Paz. Nossa Missão como Educador na Fé”. No Colégio Notre Dame, Campinas, 17 de janeiro de 2017. 20 Esse é o lema que a Beato Basile Moreau deu à Congregação da Santa Cruz. As palavras vêm do antigo hino Vexilla regis prodeunt escrito por Fortunatus e tradicionalmente cantado na Sexta-­feira Santa. Eles capturam bem a vida e o trabalho da Congregação e de Moreau. “Nós somos homens com esperança para carregá-­la precisamente porque conhecemos o verdadeiro poder da ressurreição de Cristo. Nós testemunhamos como Deus pode transfigurar o pecado e a morte -­ o que pode parecer mais desesperado -­ em origens de amor e vida nova”. Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/ave-­crux-­spes-­unica/. Acesso em: 02 de novembro de 2017.

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pobres e aflitos. E sem a educação na fé não é possível ensinar como a cruz

poderia ser um presente, aproximando todos das pessoas que sofrem.

A árvore da cruz foi plantada onde nossos dignos religiosos

habitam... Mas estes religiosos aprenderam a saborear suas frutas

vivificantes, e se Deus, em seu bem, preserva-­as nas admiráveis

disposições que escolheram até agora, nunca provarão a morte, pois

os frutos da cruz são os mesmos da árvore da vida que foi plantada no

Jardim do Paraíso. (Pe. Basile Moreau)21

E, por fim, organizou a Congregação numa configuração de família, como

a Santa Família de Jesus, Maria e José. Ele chamou seus religiosos para

fazerem parte da Família de Santa Cruz, irmãos, padres e irmãs, trabalhando

juntos e estendendo-­a para aqueles a quem serviam. Transformando as escolas,

paróquias e missões em famílias de fé.

O carisma da educação na fé, deixado como legado pelo Padre Basile

Moreau, marca a ideia de educar as próximas gerações para que contribuam

para preparar um mundo melhor.

O carisma de educadores na fé que o Espírito Santo confiou à

Congregação de Santa Cruz por meio do Beato Basílio Moreau

combina uma forma de pedagogia que reflete o desenvolvimento

humano natural de uma pessoa e a formação moral com o chamado

ao discipulado cristão. (...) Os religiosos de Santa Cruz nos dias atuais

ainda são formados no sentido de urgência que encontramos em

Pedagogia Cristã: “Apressem-­se, então, assumam esta obra de

ressurreição, sem se esquecer que o fim especial de vosso instituto é,

aconteça o que acontecer, a santificação dos jovens. Será através disto

que contribuirão para preparar o mundo para tempos melhores que os

atuais. (KING, 2015, p. 40-­41)

Dessa forma, o carisma da Congregação se fortalece na espiritualidade,

na missão e na vida comunitária deixada pelo seu fundador.

21Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/ave-­crux-­spes-­unica/. Acesso em 02 de novembro de 2017.

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3. A "Educação Cristã", na visão do Padre Basile Moreau

O livro "Educação Cristã"22 nasceu, inicialmente, pela preocupação de

Moreau com a questão de como estava a educação na França no pós-­

Revolução. Depois, pelo seu interesse na qualidade e consistência da educação

oferecida pelos religiosos de Santa Cruz.

No prefácio à “Educação Cristã”, na primeira frase, Moreau escreve:

Que este breve trabalho sobre educação, planejado para o uso

daqueles que trabalham nas escolas associadas à Congregação da

Santa Cruz, atinja o fim ao qual eu me propus ao compô-­lo: a formação

dos corações de jovens e o desenvolvimento de uma resposta positiva

em relação à religiosidade dentro deles.

Moreau quis escrever sobre o tipo de educação oferecida nas escolas de

Santa Cruz e a socialização que deveria proporcionar;; como base sólida nas

séries primárias, formando o futuro do indivíduo, como aluno e como cidadão.

Além de se preocupar muito com a formação de excelência de seus professores

também.

As escolas da Congregação de Santa Cruz deveriam ser reconhecidas

pelo seu alto nível e pelo envolvimento de seus alunos na vida da cidade ou

comunidade local desde os primeiros anos.

Em todos os seus escritos sempre mostrou preocupação em relação à

qualidade das pessoas que ensinam na escola. Acreditava que os professores

ensinam somente quando interagem com os jovens, e que estes são modelos

de vida para eles. Sempre ressaltava aos professores que "não poderiam dar

aos outros o que eles próprios não possuíssem". As qualidades pessoais dos

professores é o que faz a visão de educação do Padre Moreau realizar-­se. Sem

as qualidades pessoais de reverência, conhecimento, entusiasmo, vigilância,

autocontrole, mansidão, paciência, prudência e firmeza, "os professores não

22 O livro “Educação Cristã”, do original em francês "Pédagogie Chrétienne”, foi escrito pelo Padre Basile Moreau, em 1856.

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serão capazes de levar adiante seu chamado para transformar jovens em

cristãos, e as escolas nas quais trabalham não serão eficazes".

Para ele, os estudantes, quando entravam para suas escolas, estavam

também entrando para a sua família, para a família de Santa Cruz. E, portanto,

todos deveriam cuidar uns dos outros e viverem em união.

Os professores são os pais espirituais destes jovens. De que

outra forma os professores poderiam levar a cabo suas

responsabilidades com as famílias que neles confiam para ajudar a

desenvolver bons valores em seus filhos?

Estar em um ambiente familiar, em que os professores não se

comportassem unicamente como professores, mas como orientadores e

parceiros não só de aprendizado acadêmico, mas das questões do cotidiano,

como nas relações, na convivência, no comportamento.

Aprenda a se colocar ao alcance de jovens imaturos, tratando-­os

com a indulgência que a idade deles merece… Geralmente, estes

alunos têm um bom coração. Faça uso desta qualidade excelente para

ganhar a confiança deles, assim eles o considerarão menos como um

professor e mais como um pai ou amigo.

Outra questão importante para Moreau era o ensino de excelência, o

ensino que fosse amplo, diverso e que trouxesse muitos olhares, como os da

Figura 7: Cripta com os

restos mortais do Padre

Beato Basile Moreau, na

Igreja de Notre-­Dame de

Sainte-­Croix, em Le Mans,

França. Fonte: Nilma Paula

Combas da Silva.

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46

filosofia23, da fé24 e da ciência25. Pois ele queria que seus alunos fossem

formados para o mundo e para a modernidade.

Nós podemos declarar em uma palavra o tipo de ensino que

esperamos oferecer. Embora nós fundemos nosso curso de filosofia

nos dados da fé, ninguém necessita temer que confinaremos nosso

ensino dentro dos limites estreitos e não científicos. Não, nós

desejamos aceitar a ciência sem preconceitos e de uma maneira

adaptada às necessidades dos nossos tempos. Nós não queremos que

nossos alunos sejam ignorantes de qualquer coisa que eles deveriam

saber. Para este fim, nós faremos qualquer sacrifício. Mas nunca

devemos nos esquecer que a virtude, como Bacon coloca, é o “tempero

23 A palavra filosofia foi introduzida por Pitágoras, e é composta, em grego, de philos, “amigo”, e sophia, “sabedoria”. Quanto à conceituação de Filosofia, veja estes dados apresentados por Tartuce (2006, p. 6): a Filosofia é a fonte de todas as áreas do conhecimento humano, e todas as ciências não só dependem dela, como nela se incluem. É a ciência das primeiras causas e princípios. A Filosofia é destituída de objeto particular, mas assume o papel orientador de cada ciência na solução de problemas universais. Progressivamente, constata-­se que cada área do conhecimento des-­ vincula-­se da Filosofia em função da forma como trata o objeto, que é para a mesma, a matéria. Em toda trajetória filosófica, surgiram ideias e teorias de grandes filó-­ sofos, convergentes e divergentes. Portanto, se há generalidades, não há consenso. Isto pode ser exemplificado por expoentes como: Platão – as ideias não são representações das coisas, mas é a verdade das coisas. Santo Agostinho – preconiza que a razão é a dimensão espiritual. Francis Bacon – no Renascimento, defende a Filosofia por meio de concepções ligadas a pesquisas e experimentações. GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 19. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017. 24 É o conhecimento revelado pela fé divina ou crença religiosa. Não pode, por sua origem, ser confirmado ou negado. Depende da formação moral e das crenças de cada indivíduo. Exemplos: acreditar que alguém foi curado por um milagre;; acreditar em Deus;; acreditar em reencarnação;; acreditar em espírito, etc. O conhecimento teológico, ou místico, é fundamentado exclusivamente na fé humana e desprovido de método. É alcançado através da crença na existência de entes divinos e superiores que controlam a Vida e o Universo. Resulta do acúmulo de re-­ velações transmitidas oralmente ou por inscrições imutáveis e procura dar respostas às questões que não sejam inteligíveis às outras esferas conhecimento. Exemplos são os textos sagrados, tais como a Bíblia e o Alcorão (ou Corão, o livro sagrado do islamismo). GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 20-­21. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017. 25 A publicação de Fonseca (2002, p. 11-­2) nos diz que a ciência é uma forma particular de conhecer o mundo. É o saber produzido através do raciocínio lógico associado à expe-­ rimentação prática. Caracteriza-­se por um conjunto de modelos de observação, identificação, descrição, investigação experimental e ex-­ planação teórica de fenômenos. O método científico envolve técnicas exatas, objetivas e sistemáticas. Regras fixas para a formação de con-­ ceitos, para a condução de observações, para a realização de experi-­ mentos e para a validação de hipóteses explicativas. O objetivo básico da ciência não é o de descobrir verdades ou de se cons-­ tituir como uma compreensão plena da realidade. Deseja fornecer um conhecimento provisório, que facilite a interação com o mundo, possibilitando previsões confiáveis sobre acontecimentos futuros e indicar mecanismos de controle que possibilitem uma intervenção sobre eles. GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 14. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017.

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47

que preserva a ciência”. Nós sempre devemos colocar a educação lado

a lado com o ensino;; a mente não será cultivada à custa do coração.

Ao mesmo tempo em que preparamos cidadãos úteis para a

sociedade, nós faremos igualmente nosso melhor para preparar

cidadãos para o céu.

Mas, ao mesmo tempo, acreditava que os professores de Santa Cruz

deveriam ser cristãos, pois só assim saberiam que receberam um chamado para

exercerem essa profissão. E, consequentemente, seriam capazes de transmitir

esses valores aos alunos.

Os educadores cristãos precisam de um chamado de Deus

para lidar com tudo o que enfrentam ao trabalharem com os jovens. De

que outra forma os professores poderiam possivelmente trabalhar para

construir valores cristãos nos jovens, assim como para lhes dar o

conhecimento do qual eles necessitam?

Valores esses que fariam com que os professores já observassem de

maneira mais atenta os alunos “menos favorecidos”, tanto intelectualmente como

econômica e socialmente. Para Moreau, o mais importante ainda, era o olhar e

o cuidado com os pobres, com aqueles que tinham menos oportunidades na

vida, em todos os sentidos.

Se às vezes vocês demonstrarem preferência por quaisquer

jovens, estes deveriam ser os pobres, aqueles que não têm ninguém

mais para lhes demonstrar preferência, aqueles que têm menos

conhecimento, aqueles a quem faltam habilidades e talento e aqueles

que não são católicos ou cristãos. Se vocês lhes demonstrarem maior

cuidado e preocupação, deve ser porque as necessidades deles são

maiores e porque simplesmente é justo dar mais àqueles que têm

menos... [vendo]... em todos apenas a imagem de Deus impressa

dentro deles como um selo sagrado que vocês devem preservar a todo

o custo.

Porém, para que tudo isso acontecesse de fato e com inspiração, era

necessário ter “gentileza”. Valor esse, que para Moreau, era essencial e deveria

ser existencial.

A gentileza permite aos professores suportar todas as

adversidades e experiências desagradáveis e ocorrências que

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48

caminham de mãos dadas com a educação... e gera várias outras

qualidades boas: sensibilidade, boa vontade...

Professores cheios de gentileza podem demonstrar um

interesse e um afeto pelos jovens que conquistarão corações.

Dessa forma, com esses princípios básicos, deveriam preparar os alunos

para o mundo que existe do outro lado dos muros da escola, para um mundo

que era muito maior que eles. Para que pudessem ser indivíduos de bem,

altamente qualificados em seu intelecto e com valores sólidos, em qualquer lugar

e em qualquer circunstância.

Nossos alunos estão destinados a viver no negócio e

problemas do mundo. Portanto, eles não deveriam ser formados para

viver um tipo de vida que teriam que abandonar após deixarem nossa

instituição. Eles deveriam ser treinados de tal modo a poderem ser, em

todos os lugares, o que eles eram na escola. Nós nunca devemos

perder de vista este princípio.

4. Os Valores de Missão das Escolas de Santa Cruz

A filosofia das Escolas de Santa Cruz, seguem numa linha que promove

a educação integral da pessoa – espiritual, intelectual, artística, física, social.

A tradição da Congregação é viva nos escritos de Moreau, e oral nos

ensinamentos e sermões de seus religiosos;; foi levada para culturas diferentes

em épocas diferentes e adaptada a essas, de acordo com as necessidades do

povo encontrado. Assim, foi (e ainda é) possível encontrá-­la em culturas tão

diversas como as da França, Canadá, dos Estados Unidos, do Brasil, Chile,

Índia, Uganda, Bangladesh, Gana ou das Filipinas.

Mas, há certos valores que parecem caracterizar as escolas da

Congregação em todo o mundo, como escreveu Padre Basile Moreau (1856):

1. O objetivo principal da escola é transformar os jovens em

verdadeiros cristãos.

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49

2. A escola é uma comunidade e uma família. Um espírito de

família entre os administradores, professores, funcionários, alunos,

pais, ex-­alunos e membros da direção caracteriza a escola.

3. A escola serve uma população diversa. Jovens servidos pela

escola incluem os economicamente ricos e os economicamente

pobres, os intelectualmente capazes e os intelectualmente menos

capazes, católicos e não católicos.

4. A escola aborda suas responsabilidades com uma

perspectiva mundial. A missão da escola é vista como uma parte da

missão educacional mundial da Santa Cruz, com professores unidos

em todas as partes do mundo e numa variedade de culturas.

5. A escola se vê como parte da missão da Igreja local. A

comunidade escolar, especialmente os alunos, é encorajada a

participar plenamente na vida da Igreja.

6. A missão da escola inclui ajudar os alunos a obter a melhor

educação possível pelos padrões oficiais. As políticas e os programas

da escola atendem bem a todas as exigências legais, e a educação

dos alunos que se formam na escola se compara bem com programas

exemplares da área. A escola mantém o mais alto reconhecimento

possível nesta área.

7. A missão da escola inclui ajudar os alunos a tornarem-­se

cidadãos ativos e informados. Os programas da escola levam a uma

“educação para a vida”, não apenas para o presente.

As Escolas de Santa Cruz deveriam ser capazes de mostrar aos seus

alunos que fazem parte de um mundo, trabalhar questões de temas diversos

como racismo, cultura, terrorismo, convivência, paz mundial, preconceito,

solidariedade, ecologia, religiosidade, espiritualidade etc, em todos os níveis, de

forma transversal (Padre Moreau, 1856).

Page 51: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

50

5. Chegada ao Brasil

Os religiosos de Santa Cruz, continuando o legado de seu fundador, o

Padre Moreau, seguem sua missão e chegam ao Brasil no final de 1943.

A vinda desses sacerdotes do Canadá foi acertada pelo Superior Geral da

Congregação, Padre Albert Cousineau, em uma passagem por São Paulo, com

o Arcebispo Dom José Gaspar d'Afonseca e Silva. Eles viriam para ajudar na

fundação de uma paróquia operária e na instalação de uma Universidade

Católica.

Numa carta, de 20 de maio de 1943, ao Padre Geral da Congregação, o

Arcebispo D. José Gaspar, enviava os termos de projeto para os sacerdotes que

chegariam ao Brasil:

a. Darei aos padres de Santa Cruz uma paróquia;; b. Os padres deverão adquirir o terreno e construir a Igreja. O bairro operário é onde exercerão o seu apostolado;;

c. Poderei, se quiser, juntar à paróquia, uma escola paroquial que será de grande utilidade e contribuirá a granjear a estima dos

paroquianos;;

d. No tempo de adaptação ao país, pedirei aos padres a auxiliarem no serviço paroquial. (HADDAD, 1982, p. 54)

Mas, naquele mesmo ano, o Arcebispo Dom José Gaspar morre em um

acidente de avião. Em seu lugar, assume o cargo Dom Carlos Carmelo de

Vasconcelos Motta, que confirma os termos enviados ao Canadá.

Então, em dezembro de 1943, chegaram a São Paulo, os três primeiros

religiosos de Santa Cruz: Padre Lionel Corbeil, Superior;; Padre Oscar Melanson,

assistente-­superior e Padre G. Dupuis, conselheiro.

Page 52: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

51

Entre 1944 e 1952, guiados pelo acordo firmado entre a Congregação de

Santa Cruz e a Arquidiocese de São Paulo, os padres trabalharam na pastoral

do Jaguaré, bairro operário, distante, isolado, pobre e de precárias condições de

vida, na região da zona oeste de São Paulo.

Em 1945 recebem, gratuitamente, 18.000 m2 de terreno, três pequenas

casas e 15.000 dólares para a construção da Igreja e da residência. Incluindo a

fundação da paróquia de São José do Jaguaré, que foi confiada à Congregação

de Santa Cruz pelo Cardeal Motta.

Em 1946, quando a residência dos padres ficou pronta, finalmente,

mudam-­se para o Jaguaré. Em seguida, abrem a escola paroquial em 1947, e

constroem a Igreja, que abre parcialmente ao culto em 1951.

Os sacerdotes também trabalharam como assistentes diocesanos da

JUC26 a partir de 1945. O Padre Melanson, posteriormente, trabalhou na JOC27. 26 Juventude Universitária Católica. Associação civil católica reconhecida nacionalmente pela hierarquia eclesiástica em julho de 1950 como setor especializado da Ação Católica Brasileira (ACB). Seu objetivo era difundir os ensinamentos da Igreja no meio universitário. Desapareceu entre os anos de 1966 e 1968, quando a nova orientação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em relação aos movimentos leigos da Igreja provocou o esvaziamento da ACB. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-­tematico/juventude-­universitaria-­catolica-­juc. Acesso em: 03 de novembro de 2017. 27 Juventude Operária Católica. Associação civil católica reconhecida nacionalmente pela hierarquia eclesiástica em 1948 como setor especializado da Associação Católica Brasileira (ACB) destinado à difusão dos ensinamentos e da doutrina da Igreja no meio operário. Disponível

Figura 8: Padre Lionel Corbeil. Fonte: http://www.cei.santacruz.g12.br/~50anos/revista/fotos/rebul

ico%20da%20memoria/corbeil%20sorrindo.jpg. Acesso

em: 12 de novembro de 2017.

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52

Em retiros, encontros e conferências, pregavam sobre a JUC, JOC e Sociologia,

até 1951.

E, em 1952, fundaram o Colégio Santa Cruz.

6. O Colégio Santa Cruz

A ideia e vontade de fundar um colégio no Brasil veio do Padre Lionel

Corbeil, que mesmo durante a construção da paróquia do Jaguaré já tinha esse

sonho.

Assim, depois do pedido insistente de sua Eminência o Cardeal Motta e

muitas conversas entre o Padre Corbeil e seus superiores do Canadá, nasce o

Colégio Santa Cruz.

O Padre Corbeil trocava cartas com os superiores provincial e geral de

Santa Cruz no Canadá, e nelas falava sobre o desejo de construir um colégio

(HADDAD, 1982, p. 59-­61).

Pe. Corbeil ao Padre Cousineau em 18/06/1945:

Um Colégio (...) o apostolado pelo ensino é aqui bem

necessário.

Toda educação da juventude está na maior parte nas mãos

do Estado. O curso primário é totalmente fornecido por leigos a serviço

do governo. O curso secundário ou colegial não conta com mais de

cinco colégios católicos para jovens em São Paulo. Quanto ao curso

universitário, existe uma universidade do Estado e embriões de

Universidades Católicas em São Paulo e no Rio de Janeiro. O que quer

dizer que o ensino religioso deixa muito a desejar.

Também o arcebispo, bem como várias pessoas influentes

de nossos amigos insistem bastante para que abramos um colégio

católico com nossos métodos de educação moral, intelectual e física.

em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-­tematico/juventude-­operaria-­catolica-­joc. Acesso em: 03 de novembro de 2017.

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53

Vejamos a possibilidade para a Congregação de fundar este

colégio. A questão se resume a dois problemas, a do financiamento e

a dos padres a enviar. O financiamento já nos foi prometido por um

grupo de leigos que se empenharam em comprar o terreno e em

construir os edifícios.

Padre Corbeil ao Padre Poitras em 27/03/1946:

Até agora, em nossas cartas, falamos do colégio a ser

fundado. É um desejo bem manifestado de sua Eminência o Cardeal

assim como da Sociedade de São Paulo... A grande necessidade do

Brasil é o ensino religioso nas escolas e nos colégios que são

mantidos em sua maioria pelo Estado. As crianças não têm ensino

religioso, é por isso que este país não tem vocações.

Padre Corbeil ao Padre Cousineau em 09/04/1946:

(...) o parecer do nosso Conselho não é favorável a esta

fundação (colégio). Mas sua Eminência, o Cardeal, a quem expus as

deficiências graves do ensino religioso, nas escolas e colégios e a

necessidade de padres catequistas é de opinião que é mais importante

fundar colégios católicos. Ele disse mesmo em uma reunião

eclesiástica do clero, que isto seria mais importante que fundar

paróquias. Eis uma orientação bem diferente que a de Dom José

Gaspar.

Haveria possibilidade de organizar este Colégio?

Questão financeira, teríamos certamente a ajuda de várias

pessoas ricas de São Paulo que já nos prometeram seu apoio. Questão

de religiosos. Seria preciso receber ao menos dois padres por ano.

Padre Corbeil ao Padre Poitras em 16/02/1949:

Como o presidente da "Brazilian Traction" deve vir ao Brasil

no fim deste mês, nosso amigo Odilon de Souza da Light de São Paulo

é de opinião que devemos fazer a diligência imediatamente para obter

um grande terreno para o nosso Colégio.

Um terreno de 50.000 m2 situado no Alto de Pinheiros, zona oeste de São

Paulo, foi doado pela Light de São Paulo (empresa canadense), em que seriam

construídos os pavilhões para as salas de aulas, bibliotecas, quadras esportivas,

ou seja, o Colégio Santa Cruz.

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54

Na inauguração oficial do Colégio Santa Cruz, em 1952, o Padre Corbeil

faz um discurso:

Um ginásio (...) cremos mesmo, serem as primeiras palavras

que entraram em nosso vocabulário, por ouvi-­las repetidamente dos

amigos e, particularmente, de sua Eminência Reverendíssima o Sr.

Cardeal de São Paulo.

Tínhamos que realizar primeiramente, a obra para a qual

fomos convidados, há 8 anos atrás, isto é, fundar uma paróquia em um

bairro operário...

A Divina Providência que dirige os indivíduos, as pessoas

morais e as sociedades, fez passar um período de 8 anos antes de

permitir a fundação deste ginásio. Este tempo foi utilizado para um

conhecimento mais profundo dos diversos meios da sociedade que

chegamos a conhecer através da Ação Católica Universitária e

Operária, pela difusão do bom livro, pelo ministério em duas paróquias,

pela pregação e pelo ensino.

Temos atualmente, após somente um semestre de atividades,

candidatos registrados até 1957 (...). (HADDAD, 1982, p. 62)

Estavam presentes autoridades como o Cardeal Motta, o Governador de

São Paulo -­ Prof. Lucas Nogueira Garcez, os cônsules do Canadá e da Bélgica.

Além dos pais dos primeiros alunos matriculados.

O Colégio já nasce bem-­sucedido e dito de qualidade e excelência. Isso,

porque os padres canadenses traziam consigo a marca de sua educação

Figura 9: Construção do Colégio Santa Cruz. Fonte: http://www.cei.santacruz.g12.br/~50anos/revista/fotos/re

bulico%20da%20memoria/construcao.jpg. Acesso em:

12 de novembro de 2017.

Page 56: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

55

moderna e humanista. Padre Corbeil tinha estudado no Colégio Saint Laurent,

um colégio de Santa Cruz e, queria "reproduzir" essa experiência aqui no Brasil.

O Padre Corbeil havia cursado este colégio e realmente era um

curso notável, o Colégio Saint Laurent. Era um negócio completamente

fora dos padrões para a época. Era muitíssimo adiantado, tanto do

ponto de vista de infraestrutura, quanto do ponto de vista didático, do

ponto de vista de orientação, do ponto de vista do espírito. A gente

realmente tinha vínculos afetivos. Então o Padre Corbeil, que era jovem

naquela época, estava acabando de sair desse colégio como

professor. Ele veio aqui, e cada pessoa que vinha para cá, era uma

pessoa desse Colégio que ele ia buscar (Padre Charbonneau).

(HADDAD, 1982, p. 63)

E dentro dessa ideia e perspectiva, chegava com os padres canadenses,

então, uma nova proposta educacional. A qual, segundo eles, ajudaria na

formação de jovens mais comprometidos com o seu país. Pois eles achavam

que no Brasil, um país pobre e subdesenvolvido, faltava quem olhasse de

maneira humana e solidária para a resolução desses problemas.

Padre Corbeil sempre refletia sobre essas questões:

Quanto ao problema político, sentia-­se uma falta nítida de

liderança, particularmente no plano da administração pública. Quando

entrava no setor público para arrumar uma documentação ou qualquer

outra coisa era uma desorganização, cheia de burocracia e, para mim,

que chegava de um país muitíssimo organizado, percebia a

desconfiança total no cidadão. Isso me impressionou muito e então a

gente sempre tinha isto na mente: a gente tem que pensar em formar

uma juventude que tenha o senso do bem comum, que pense em

virtudes de honestidade, autenticidade, que seja um enriquecimento

para o país, onde quer que esteja, seja no governo, fora do governo,

nas profissões liberais, na direção de uma empresa. Então a gente

tinha essa ideia nítida de quem formar: jovens autênticos que iam

trabalhar para o bem comum. (HADDAD, 1982, p. 66)

Começava então a história do Colégio Santa Cruz, com seus primeiros

sessenta alunos do sexo masculino, divididos em duas turmas com trinta alunos

cada, três padres, oito professores leigos e um secretário. Em 1954, tinha quatro

Page 57: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

56

séries, 137 alunos, 6 padres, 12 professores leigos;; em 1957, 185 alunos, 10

padres, 16 professores leigos;; em 1961, 310 alunos, 12 padres e 25 professores

leigos. O regime de semi-­internato chega ao fim e, com a saída de muitos padres,

tem início a laicização dos cargos diretivos. Hoje, o Colégio conta com cerca de

2.700 alunos, 2 padres e 250 professores leigos.

Na época de sua fundação, a Cúria Metropolitana de São Paulo,

emprestou uma casa, situada na Avenida Higienópolis, 890, para que as aulas

começassem. Depois, em 1956, os alunos fundadores são transferidos para o

Colégio Sion, que abriu uma seção masculina especialmente para eles, onde

fizeram a 1ª série Ginasial (hoje correspondente ao 6º ano do Ensino

Fundamental II), em regime de semi-­internato. E em 1957, foram transferidos

para o atual endereço no Alto de Pinheiros, quando o prédio foi finalizado.

Em 1958, foi elaborado um plano piloto, aprovado pelo Ministério de

Educação e Cultura, através do Parecer nº 607/58, para que no ano seguinte

fossem iniciadas as "classes experimentais", no intuito de renovação dos

métodos pedagógicos vigentes. "Foi a única escola religiosa masculina e uma

das seis ou sete entre estabelecimentos oficiais e particulares de São Paulo a

lançar, em 1959, classes experimentais", escreveu o Padre Yvon La France

(1963)28, em seu livro.

E, depois, o Parecer nº 107/66 do Conselho Federal de Educação, de

1966, autorizava o Colégio Santa Cruz a funcionar, agora, como "escola

experimental".

Tudo para que o colégio do Padre Corbeil fosse como o imaginado.

Moderno, com linhas arquitetônicas simples, alegres, arejadas

e funcionais, instalado no meio de belos jardins, de árvores, de flores

e verdes gramados, com grandes áreas para os esportes.

Idealizou-­se, projetou-­se uma comunidade escolar alegre, feliz,

onde todos os agentes de educação seriam participantes ativos, pela

comunicação, pelo diálogo, pela realização de uma Escola que "seria

a segunda casa dos meninos". Uma escola com dois objetivos

28 Uma experiência Psicopedagógica no Colégio Santa Cruz, 1959-­1962. Separata da Revista de Psicologia Normal e Patológica.

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57

principais bem definidos: um ensino centralizado no educando,

presidido por uma pedagogia ativa, respeitadora dos seus interesses,

da sua imaginação, de sua inteligência, dos dons criadores, do espírito

de pesquisa e de suas opções livres;; o outro, um ambiente que

permitisse aos professores, ao mestre, ao técnico da educação,

realizar-­se profissionalmente.

Que sonho para quem não tem casa, nem terreno, nem

dinheiro, mas possui uma equipe competente, entusiasta,

comunicativa, decidida e ousada!29

Em 1974, há a abertura de matrículas para as alunas. Completa-­se o

Curso Primário, atualmente chamado de Ensino Fundamental 1. E, com a

regulamentação dos cursos supletivos pelo Conselho Estadual de Educação

através da Deliberação 14/73, democratização de suas atividades com a justa

abertura aos mais necessitados, dá-­se início o Curso Supletivo, hoje conhecido

como EJA (Educação de Jovens e Adultos), gratuito para os alunos e subsidiado

por recursos do próprio Colégio.

A marca do trabalho com os menos favorecidos vem desde a sua

fundação, quando o Padre Cláudio inicia os acampamento-­missão e também

quando leva os alunos para desenvolverem atividades com os moradores da

favela que existia em frente ao colégio. Mas, principalmente depois de 1965, pelo

impacto do Concílio Vaticano II, há um envolvimento ainda maior com essas

causas. E não adiantava somente educar os alunos sobre as questões sociais

do país, para que se conscientizassem e, quem sabe, se sensibilizassem por

elas, mas também colocá-­los próximos a essas realidades;; para que, no contato

direto e cotidiano, eles pudessem presenciar a democratização acontecendo de

fato, como isso era importante para a melhoria da educação para todos e,

consequentemente, uma melhora para o país.

Urge modificar as estruturas da escola, para que a educação

seja proporcionada, não mais a um grupo privilegiado de indivíduos ou

de nações, mas à totalidade dos homens. Como dizia o presidente da

29 Padre Lionel Corbeil, C.S.C., na introdução ao livro: "A escola moderna, uma experiência brasileira: o Colégio Santa Cruz”, escrito pelo Pe. Paul Eugène Charbonneau, C.S.C., 1973, p. 10.

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Comissão especial da O.E.A. (Organização dos Estados Americanos)

criada para promover a programação e o desenvolvimento da

Educação, Ciência e Cultura na América Latina, sr. Gabriel Betancur

Mejía: “Não é exagerado afirmar que a diferença mais notável entre os

países desenvolvidos e os subdesenvolvidos é que nos primeiros sua

população tem acesso à educação e nos segundos uma alta

percentagem da população não tem siquer acesso ao ensino primário

e fundamental. A base primordial para a aquisição de um alto nível de

vida está no nível educativo da população”. Passou-­se da noção de

privilégio à direito efetivo. Ã noção de direito corresponde a de dever:

definiu-­se, portanto, o dever de proporcionar possibilidades de

educação (do grau primário ao grau universitário) a todos os homens,

sem discriminação social ou econômica.

Em suma, a escola abriu-­se para a massa.

(...) Como afirmou Anisio Teixeira, “o povo já sabe buscar na

escola a justiça social que lhe era antes negada em face dos privilégios

educacionais”.

(...) O fato de um grupo de sacerdotes estrangeiros abrirem

uma escola no Brasil os enquadra dentro do sistema escolar do país,

coloca-­os a serviço do bem comum educacional da sociedade

brasileira, obriga-­os a promover a cultura brasileira.

A educação democrática do povo brasileiro constitui um

desafio decisivo que não poderá ser adiado. Para realizar essa

educação, a escola secundária tradicional não é o único meio: outros

campos, tais como, a alfabetização de adultos (...), atingem mais

diretamente a massa. (BEAULIEU, CHARBONNEAU & ARRÔBAS

MARTINS, 1966, p.15-­17, 99)

O contexto foi esse, com o engajamento de todos e, principalmente, com

a aposta de uma transformação social pelos efeitos da democratização da

educação.

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59

Assim, construiu-­se o Santa Cruz, que até hoje, como o Padre Corbeil

disse, apresenta o "seu processo educativo sempre em movimento" (HADDAD,

1982, p. 77).

Figura 10: Foto aérea do Colégio Santa Cruz. Alto de Pinheiros, São Paulo.

Fonte: Acervo do Colégio Santa Cruz.

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60

Capítulo II

O Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz: aspectos históricos

1. O Ensino Religioso no Brasil e no Colégio Santa Cruz

A Educação Religiosa/Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz, acaba

indo ao encontro de toda essa questão brasileira sobre a identidade dessa

disciplina e a luta para torná-­la uma Área de Conhecimento. Principalmente pela

herança dos padres canadenses, ex-­estudantes do Colégio Saint Laurent, que

vieram para o Brasil trazendo seus pensamentos e educação moderna.

No país, muitas discussões foram levantadas sobre essa questão. Em

1824, Rui Barbosa, em seu texto para a Constituição Republicana de 1890, deixa

clara sua opinião de que deveria haver liberdade religiosa: “uma Igreja livre, em

um Estado livre” (JUNQUEIRA, 2002). Apesar de a Revolução Francesa

influenciar com as ideias do Iluminismo e a busca pela razão, que trazia o

conceito de laicidade e liberdade, seu texto vai mais do encontro da proposta

americana de “neutralidade”, do que com a francesa dessa época, que era contra

a Igreja Católica.

Page 62: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

61

No Brasil, essas questões estão apenas começando. No Art. 153 da

Constituição de 193430, admite-­se o Ensino Religioso nas escolas, mas de

caráter facultativo, de acordo com a crença do aluno, como disciplina nas escolas

públicas. E com a primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino), em

1961, representada pela Lei Federal 4.024/61, o Ensino Religioso entra para a

sala de aula como parte do currículo, mas no Modelo Confessional31, como

ensino catequético, com a presença da Igreja, e ainda facultativo.

Art. 97. O ensino religioso constitui disciplina dos horários das

escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus

para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do

aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante

legal ou responsável.

§ 1º A formação de classe para o ensino religioso independe

de número mínimo de alunos.

§ 2º O registro dos professores de ensino religioso será

realizado perante a autoridade religiosa respectiva32.

Após 10 anos, em 1971, há a promulgação da nova LDB (Lei Federal

5.692/71), que no Parágrafo Único do Artigo 7o, continua incluindo o Ensino

Religioso entre as disciplinas curriculares das escolas oficiais, mas não diz mais

respeito à presença de uma autoridade religiosa “respectiva”.

Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,

Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos

currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado

quanto à primeira o disposto no Decreto-­Lei n. 369, de 12 de setembro

de 1969.

30Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017. 31 Segundo JUNQUEIRA (2000, p. 18), Confessional (Lei n. 4.024/61): realizado a partir de uma mesma confissão religiosa, transmitindo tudo o que é próprio de uma tradição religiosa (visão de mundo, formulações de fé, ética, costumes, práticas rituais, etc.). Tem como objetivo formar na fé de uma determinada religião ou filosofia de vida e com a linguagem que lhes é própria. A responsabilidade administrativa é a da autoridade confessional, portanto o Ensino Religioso Confessional proporciona uma interpretação última e global da existência e apresenta um caminho a ser vivenciado. Portanto, as aulas de Religião visam, sobretudo, o aspecto informativo da doutrina de forma sistemática, e são avaliadas através de provas e exames buscando a fixação do conteúdo. Quer garantir estrutura de cristandade, desejo herdado do período colonial. 32Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-­1969/lei-­4024-­20-­dezembro-­1961-­353722-­publicacaooriginal-­1-­pl.html. Acesso em: 17 de julho de 2017.

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62

Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa,

constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos

oficiais de 1º e 2º graus33.

O que abriu, na época, a possibilidade de se ter um Ensino Religioso no

Modelo Inter-­Relacional (Interconfessional e Inter-­Religioso)34. Com o

crescimento de outras lideranças religiosas e o pluralismo da sociedade, outras

religiões podiam estar presentes nas aulas.

Desta maneira, inicia-­se um processo de busca por um objeto do Ensino

Religioso, ou seja, de uma identidade. Pois ainda não havia clareza quanto ao

seu papel no âmbito escolar.

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), entidade da Igreja

Apostólica Romana, por exemplo, em 1976, publicou um estudo para apresentar

uma visão panorâmica do Ensino Religioso nas escolas oficiais nos diversos

Estados brasileiros, após a promulgação das novas Diretrizes e Bases para o

Ensino, em 1971 (ESTUDOS DA CNBB, 1976). Pois sentiu a necessidade de

observar e entender como estavam sendo as aulas, e assim, saber como

poderiam impulsionar a catequese nas escolas estaduais e, principalmente, nas

particulares.

Como muitos outros grupos, além dos especialistas, que também foram

em busca desse “objeto” do Ensino Religioso, dessa identidade e, “o quê” e

“como” poderia ser ministrado nas escolas.

Desde 1974, Encontros Nacionais de Ensino Religioso (ENER) têm sido

realizados para reflexões sobre esse papel. Além de se pensar nos conteúdos

33Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-­1979/lei-­5692-­11-­agosto-­1971-­357752-­publicacaooriginal-­1-­pl.html. Acesso em: 17 de julho de 2017. 34 Segundo JUNQUEIRA (2000, p. 18-­19)Inter-­relacional (Lei n. 5.692/71): é realizado a partir da articulação de diferentes confissões cristãs e posteriormente de forma lenta, assumindo as diversas tradições religiosas. Considera tudo aquilo que é comum a várias destas confissões religiosas também em termos de linguagem, o que não significa reduzir tudo a um denominador comum. O referencial teórico são as ciências humanas, o eixo, a teologia. O texto utilizado em geral é a Bíblia, a partir de uma interpretação que favoreça o diálogo entre as diversas propostas religiosas. O Ensino Religioso interconfessional pressupõe identidade confessional dos alunos, conhecida e assumida por eles. A perspectiva é da manutenção de uma sociedade homogênea. Quando foram iniciadas as primeiras experiências inter-­religiosas estabeleceu-­se um proposta de “Teologia Comparada”, de maneira operacional através de um quadro histórico, com breves exposições sobre as concepções religiosas de cada uma das tradições estudadas.

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63

disciplinares específicos, em como ensinar e quem estaria habilitado a ensinar.

As ideias sobre pluralismo, diversidade, construção de uma sociedade justa e

democrática através de aprendizados que estimulassem a atuação

transformadora dos cidadãos, estavam sempre presentes. E assim,

demonstrando que o Estado, através da educação, tinha (e tem) o dever de se

preocupar com a formação em todas as dimensões do ser humano, inclusive a

do transcendente, da alteridade, da solidariedade. Ampliando esse campo

também para a compreensão do fenômeno religioso e o conhecimento dessas

manifestações em diferentes denominações religiosas.

Diz-­se que o Brasil é um Estado laico, mas essa declaração, no entanto,

não está explícita na Constituição Federal de 198835.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção

de qualquer natureza, garantindo-­se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,

nos termos seguintes:

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de

crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos

religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais

de cultos e a suas liturgias;;

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de

assistência religiosa nas entidades civis e militares de

internação coletiva;;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de

crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo

se as invocar para eximir-­se de obrigação legal a todos

imposta e recusar-­se a cumprir prestação alternativa, fixada

em lei.

O debate sobre o Ensino Religioso talvez seja o mais amplo dentro da

discussão sobre a laicidade e a relação entre Estado e Igreja.

35 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017.

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64

O ensino religioso é previsto na Constituição Federal36 no:

Art.210. Serão fixados conteúdos mínimos para o

ensino fundamental, de maneira a assegurar formação

básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,

nacionais e regionais;;

§1º O ER, de matrícula facultativa, constituirá

disciplina dos horários normais das escolas públicas de

ensino fundamental.

O que coloca em evidência o pluralismo religioso.

No âmbito federal, oito anos após a promulgação da Constituição, o tema

é regulamentado pelo Art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional37, denominada também de “Lei Darcy Ribeiro”. Diante de pressões

religiosas no Congresso Nacional, de muitos questionamentos e da tentativa de

se retirar o Ensino Religioso do currículo por meio de movimentos (muito mais

políticos do que pedagógicos), os especialistas conseguem explicitar uma

estrutura curricular inicial na apresentação dos “Parâmetros Curriculares do

Ensino Religioso”, em 1996 (JUNQUEIRA, 2002). E, apesar da Lei 9.394/96

trazer de volta a ideia do Ensino Religioso no Modelo Confessional, num primeiro

momento a LDB-­EN dispôs sobre o assunto nos seguintes termos:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui

disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino

fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de

acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus

responsáveis, em caráter:

I -­ confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou

do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores

religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou

entidades religiosas;; ou

36 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em: https://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_210_.asp. Acesso em: 17 de julho de 2017. 37 LDB-­EN -­ Lei n° 9.394/96. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017.

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65

II -­ interconfessional, resultante de acordo entre as diversas

entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do

respectivo programa38.

Por manterem relação de dependência entre o Estado e as organizações

religiosas, entendeu-­se que essa forma de ensino religioso contrariava o próprio

ideal constitucional pluralista.

Entretanto, com o contínuo debate sobre essas questões, no ano

seguinte, em consequência de um importante movimento nacional, organizado

pelo Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), instalado no

dia 26 de setembro de 1995, em Florianópolis – SC, foi aprovado no Senado da

República o novo texto legislativo sobre o Ensino Religioso, pela Lei 9.475/97,

corrigindo a situação e garantindo o seu espaço pedagógico nas escolas. O que

traz uma perspectiva de escolarização da disciplina, agora apresentada no

Modelo Fenomenológico39, o qual retira o Ensino Religioso das “mãos” das

Igrejas, e o entrega às escolas:

Da nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro

de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o

Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996,

passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte

integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos

horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,

38Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017. 39 Segundo JUNQUEIRA (2000, p. 19), Fenomenológico (Lei n. 9.475/97): o ponto de partida é o fenômeno religioso presente na sociedade, como que a abertura do homem ao sentido fundamental de sua existência, seja qual for o modo como é percebido este sentido. Este estudo tem como referencial todas as ciências humanas conjugadas com a fenomenologia religiosa, a antropologia religiosa e outras. Este modelo compreende o Ensino Religioso como um componente curricular contribuindo na formação do cidadão, que, vivendo em uma sociedade pluralista, necessita saber dialogar nela e com ela.

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66

assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,

vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos

para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as

normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída

pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos

conteúdos do ensino religioso."

Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3° Revogam-­se as disposições em contrário.

Brasília, 22 de julho de 1997;; 176º da Independência e 109º da

República40.

Optou-­se então, por criar um parâmetro de ensino religioso de caráter

social e filosófico, e não confessional. Ou seja, as religiões teriam lugar no ensino

público enquanto tratadas sob a perspectiva fenomenológica e antropológica, a

partir do ensino objetivo das religiões como fenômeno histórico cultural das

sociedades. Além disso, a lei vedou expressamente o proselitismo nas salas de

aulas das escolas públicas.

A nova redação do Art. 33 focaliza o Ensino Religioso como disciplina

escolar, entendendo-­o como uma Área do Conhecimento, com a finalidade de

reler e compreender o fenômeno religioso, colocando-­o como objeto da

disciplina. Isso foi formalizado através da confirmação do CNE (Conselho

Nacional de Educação) por meio da Resolução 02/98 sobre as Diretrizes

Curriculares do Ensino Fundamental.

Nesse momento, a Ciência da Religião, área transdisciplinar que abrange

um conjunto de estudos sobre religião em parceria com diversas abordagens ou

sub-­disciplinas, como a sociologia, psicologia, educação, economia,

arqueologia, antropologia (SOARES, 2010), conecta-­se ao Ensino Religioso no

que diz respeito ao estudo e reflexão das manifestações religiosas, do sagrado,

40Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm. Acesso em: 18 de julho de 2017.

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67

da fé, das crenças, do transcendente, para colaborar na constituição dos seus

fundamentos e com a orientação para definição de seus componentes como

disciplina escolar. Ou seja, ter a Ciência da Religião como base epistemológica

dessa disciplina. Além de colaborar também para o desenvolvimento de uma

cultura de paz, ou seja, que cada educando possa se empenhar para um

convívio pacífico entre as culturas. Já que para se respeitar é necessário

conhecer.

JUNQUEIRA (2013, p. 612) indica os princípios estruturais estabelecidos

para o Ensino Religioso:

parte integrante da formação básica do cidadão, ou seja, essa

disciplina se alicerça nos princípios da cidadania, do entendimento do

outro enquanto outro, na formação integral do educando. Mesmo que

muitas pessoas neguem ser religiosas, existe um dado histórico que

toda pessoa é preparada para ser religiosa, do mesmo modo que é

preparada para falar determinada língua, gostar disto ou daquilo, do

modo de vestir, acreditar ou não, pois o ser religioso é um dado

antropológico, cultural.

Portanto, o Ensino Religioso não se restringe em ensinar sobre uma

religião específica, mas sim poder conversar e refletir sobre os valores

existenciais do ser humano, sua religiosidade e transcendência.

Ainda complementando, JUNQUEIRA (2013) diz que o objetivo do ensino

religioso escolar é proporcionar ao estudante experiências, informações e

reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude dinâmica de abertura ao sentido

mais profundo de sua existência em comunidade, a organização responsável do

seu projeto de vida, ou seja, ajudar o estudante a formular em profundidade o

questionamento religioso e a dar sua resposta devidamente informada,

responsável e engajada. Podendo perceber que esta disciplina o ajudará a

vivenciar práticas transformadoras, removendo eventuais obstáculos à fé;; dessa

forma, ficam compreendidas as diversas expressões religiosas. Para tal, é

importante valorizar a própria crença, assim como respeitar a dos outros.

Assim já eram os padres de Santa Cruz, que desde o início de seu Colégio

pensavam dessa maneira. E já tinham o Ensino Religioso, chamado de

Educação Religiosa no início, como parte do currículo regular -­ e pluralista. A

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mensagem cristã estava presente -­ não a católica, confessional, mas sim de

liberdade de escolhas e responsabilidade por elas.

HADDAD (1982, p. 71-­72) relata como foi a primeira experiência

pedagógica implantada, que tomava por base a pedagogia do Pe. Faure, diretor

do “Centre d’Etudes Pedagogiques de Paris” (Centro de Estudos Pedagógicos).

Para tanto, o Colégio Santa Cruz envia um de seus sacerdotes para fazer um

estágio com ele e, depois, nas férias de verão de 1959 e 1960, ele próprio veio

a São Paulo para um curso de preparação do corpo docente do colégio.

O método integrava a técnica pedagógica das escolas novas dentro de

uma filosofia e de uma pedagogia cristã. O Padre Yvon La France (1963) explica

esse percurso metodológico:

Em particular, inspirou-­se na pedagogia americana através do

plano Daltron que lhe permitiu elaborar um programa de estudos que

obedecia a uma certa lógica (cultura objetiva) dando-­lhe um cunho

psicológico (cultura subjetiva) exigida pelas escolas novas. Inspirou-­se

também na pedagogia italiana através das ideias de Maria Montessori,

como a auto-­disciplina, a importância do silêncio, da interiorização da

personalidade da criança, o material didático, etc. As fichas inspiraram-­

se nos trabalhos de M. R. Dottrens, professor do Instituto J. J.

Rousseau, de Gênova (...). Enfim, as grandes linhas da pedagogia

jesuística deram à metodologia do Padre Faure um cunho

eminentemente humanístico. Dessa maneira, o método Faure pôde-­se

apresentar como uma síntese de diversos elementos da pedagogia

contemporânea à luz da tradição pedagógica cristã. (...) Em cada

matéria, um esforço para descobrir, além da sua parte técnica, o seu

conteúdo humano.

Dessa maneira, o colégio tentava dar respostas pedagógicas aos seus

ideais filosóficos. Pois a educação tem como objetivo a formação de pessoas

buscando isso na prática;; ou seja, de forma pluralista e humanística, numa

síntese entre técnica e sabedoria humana (LA FRANCE, 1963).

Sobre isso, Padre Charbonneau disse:

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69

(...) como eu disse antes, a tradição nossa sempre foi de

vanguarda em termos didáticos. Basta dizer que alguns dos nossos

padres foram muito importantes no desenvolvimento dos colégios

canadenses, foram os primeiros a se formar na Sorbonne. Então havia

já uma mentalidade naquela época que nós trazíamos dentro de nós,

que era uma mentalidade de integração, quer dizer, não havia uma

mentalidade de estagnação, que eu diria por oposição a expressão

anterior. Havia, portanto, uma integração constante, a gente reavaliava

as atuações (...). (HADDAD, 1982, p. 77)

E o Padre Corbeil disse:

Isto me lembra aqui um dos meus velhos professores lá do

Canadá. Ele dizia aos alunos que uma pessoa satisfeita é uma pessoa

acabada, não tem mais nada a fazer, então, um colégio que fica

acabado, estático, que acha que está muito bem, este colégio acabou.

O processo educativo tem que estar sempre em movimento.

(HADDAD, 1982, p. 77)

Com espírito de renovação, raízes na tradição das escolas canadenses

dos sacerdotes da Congregação e energizados pelas classes experimentais, ao

longo da história do Colégio, eles registraram todos os seus “movimentos” e

percursos nos Planos Diretores41. O que deixa à mostra a vontade de

compartilhar aprendizados, erros e acertos, para a construção de uma educação

de vivências, experiências e convívio.

41 “O Plano Diretor é a expressão do desempenho da responsabilidade educacional da escola. Ao organizar seu trabalho no conteúdo, método e tempo, o educador procura eliminar a maior falha observada no campo educacional: a falta de sustentação científica, o empirismo. A ausência de planejamento leva o educador à improvisação, o que impossibilita um trabalho coordenado com os demais, além de impedir uma avaliação do seu próprio trabalho. O Plano Diretor observa em todas as suas partes um esquema ou modelo de sistema. Este modelo parte de uma definição clara de objetivos e supõe que a educação a ser atingida – ou o chamado comportamento de saída – se alicerça sobre aquilo que os nossos alunos trazem ao entrar no ginásio, isto é, sobre o chamado comportamento de entrada”. (CHARBONNEAU, 1973, p. 65)

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1.1. Os Modelos de Ensino Religioso: na Constituição, em Pesquisas Teóricas e no Colégio Santa Cruz

Como mostrado no item 1 desse Capítulo, o Ensino Religioso está há

muito tempo sendo tema de estudos, controvérsias, “brigas” políticas entre

Estado, Igreja e Academia. Nas Leis pode-­se ver que o Ensino Religioso passou

por vários modelos, cronologicamente: o Confessional, o Inter-­Relacional

(Interconfessional, Inter-­Religioso) e o Fenomenológico, que é o atual modelo

constitucional.

PASSOS (2007), diz que a questão do Ensino Religioso é ampla e

complexa, de natureza política, cultural, eclesial e teórica. Por isso a

necessidade de colocá-­lo num campo de natureza epistemológica, para assim

detectar e sistematizar seus métodos e conteúdos no decorrer da história. E

assim, ser possível validar a hipótese de três Modelos de Ensino Religioso, o

Catequético, o Teológico e o da Ciência da Religião.

Mas, seguindo pela “estratégia weberiana” dos tipos ideais, o recurso

tipológico tem suas possibilidades e seus limites, ou seja, são modelos e não

realidades puras. Por isso, a construção desses modelos como esquemas são

importantes para fornecerem a visão e análise da prática.

A práxis do Ensino Religioso apresenta pressupostos, conteúdos,

métodos, sujeitos, legislações e estratégias políticas no decorrer da história, que

compõem os seus fundamentos, “concepções que garantem sua justificativa no

âmbito da comunidade escolar e dentro dos sistemas de ensino”, constata

PASSOS (2007, p. 53).

A seguir, a descrição de seus modelos:

1) O Modelo Catequético

Esse modelo de Ensino Religioso está presente nas escolas há muito

tempo -­ é o mais antigo. É a educação da fé, ou seja, ensina as doutrinas e

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dogmas de uma religião específica. Usado até como estratégia proselitista que

levava sua catequese para fora do âmbito da comunidade religiosa.

E depois, essa catequese é levada para dentro das escolas públicas e

confessionais, como base para o Ensino Religioso. Apesar de ser facultativa,

estava ligada às instituições religiosas que, inclusive, podiam indicar os

“professores” e os conteúdos a serem ministrados.

O Ensino Religioso, nesse modelo, tem uma visão unirreligiosa, por mais

que fale em princípios humanistas. Portanto, tendo como risco a construção da

intolerância religiosa.

2) O Modelo Teológico

Nesse modelo, vê-­se o termo teológico, que carrega em si uma área de

conhecimento e tenta mostrar um Ensino Religioso que vai além da

confessionalidade estrita, “na busca de uma justificativa mais universal para a

religião, enquanto dimensão do ser humano e como um valor a ser educado”

(PASSOS, 2007, p. 60).

A justificativa teológica é apoiada por uma cosmovisão religiosa moderna,

ou seja, tem referências teóricas e metodológicas, mantém diálogo com as

diversas confissões religiosas, e, propõe discussões sobre religião com outras

disciplinas, além de promover o respeito e a conversa entre religiões diferentes

numa proposta ecumênica.

Seu valor é sustentado por uma visão transcendente do ser humano, e

traz como base a sua formação integral. Mostrando que a religiosidade pode ser

ensinada, como formação espiritual, de acordo com a educação religiosa dos

alunos, ou seja, com uma visão multirreligiosa e de respeito às diversidades.

Esse tipo de Ensino Religioso apresenta-­se como uma disciplina que é

um direito do cidadão, distinta da catequese e com fundamentos antropológicos

e teológicos em sua ação pedagógica. Mas com uma dinâmica de

transcendência, que inclui a dimensão religiosa do ser humano, o sujeito ético e

de “uma abertura para o Ser Supremo” (PASSOS, 2007, p. 62), -­ o que pode

configurar, em alguns casos, uma catequização disfarçada, por (normalmente)

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72

estar ligada a uma determinada confissão religiosa. Além de trazer o

conhecimento, a crença, em um “deus”.

3) O Modelo da Ciência da Religião

Esse modelo, cronologicamente o mais recente, vem para romper com os

outros dois modelos e garantir sua autonomia epistemológica e pedagógica

(PASSOS, 2007), apresentando-­se como o modelo ideal e propondo uma área

de conhecimento do Ensino Religioso. E, assim, reconhecer a religiosidade e a

religião como dados antropológicos e socioculturais, além de deixar claro que o

conhecimento da religião faz parte da educação como um todo e tem que compor

os currículos escolares.

A Ciência da Religião traz a base teórica e metodológica para essa

disciplina. Mostra que a religião é um dado histórico-­cultural da sociedade e dos

cidadãos que dela fazem parte. E, portanto, transcende às religiões com uma

visão mais aberta às diversidades ao mesmo tempo que procura estudar os

fenômenos religiosos em si, no seu particular, mas num modus operandi

científico. Em que seu observador consegue “sair” de cena para olhar de “fora”

e, garantir que todos os aspectos sejam “lidos”, registrados e analisados.

Inclusive as não crenças, ateísmos e agnosticismos.

Se forem comparados os modelos apresentados por PASSOS (2007) com

os sugeridos pelas Leis, a meu ver, o Catequético estaria para o Confessional,

o Inter-­Religioso para o Teológico, assim como o Fenomenológico para o da

Ciência da Religião, apesar dos indicados pela Federação, em suas Leis, não

estarem baseados em nenhuma teoria, linha de pesquisa ou estudo.

Como, principalmente, o da Ciência da Religião, que se remete a essa

área de conhecimento para mostrar que o Ensino Religioso precisa ter uma base

teórica, uma epistemologia, para ser construída sua própria área de

conhecimento, e, assim, ganhar seu status de disciplina curricular, como todas

as outras -­ e sem ser facultativa.

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73

2. Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz: linhas básicas

Os padres canadenses traziam consigo um ar de liberdade, de um novo

estilo de educação e de vivência religiosa. E, exatamente por isso, foram aceitos

rapidamente pela sociedade de São Paulo e requisitados por serem menos

rígidos e menos tradicionais.

Em uma entrevista, Padre Corbeil dissse:

Em primeiro lugar devo dizer que sou das Américas, não sou

da Europa. Quando eu cheguei ao Brasil, não tinha 30 anos de idade,

eu cheguei aqui e vi que o clero daqui era de uma formação europeia,

romano, batina em cima de batina e usavam o beijar-­mão, benção,

padre e santinho e tudo. Então eu senti que o clero era muito separado

do povo, talvez eu esteja errado no que estou falando, mas senti isso.

Agora, não fui educado assim, fui educado em um colégio católico de

padres, padres de Santa Cruz, que jogavam hóquei conosco, jogavam

beisebol, eram nossos amigos. A gente tinha uma liberdade com eles

muito grande. Quando nós chegamos aqui, a gente sentiu

imediatamente uma afinidade muito grande com este povo latino.

Sentíamos que o povo daqui é muito parecido com o meu povo do

Canadá francês, que é latino. (HADDAD, 1982, p. 65)

Pois, como vimos no Capítulo I, a Revolução Francesa acabou por

separar em dois grupos os sacerdotes católicos, os que se entregaram à

constituição do clero, “perderam” sua vivência evangelizadora e ficaram longe

do povo e, aqueles que não se entregaram, morreram e viveram

clandestinamente sua vocação, perto do povo. Assim, a visão que se tem dessa

“formação europeia” é mais distante, mais “seca”, com mais separação entre as

pessoas (comuns) e os sacerdotes.

Assim, chegaram para modificar e “modernizar” uma educação que não

existia nem nas escolas públicas, nem nos colégios católicos tradicionais, mas

sem deixar de lado, é claro, a mensagem cristã e os valores que vêm dela.

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Em 1959, chega ao Colégio o Padre Paul-­Eugène Charbonneau, que

colaborou para que se consolidasse o projeto pedagógico de formação integral

proposta pelo Padre Corbeil, seu fundador e que o dirigiu por 40 anos. Padre

Charbonneau teve uma trajetória intelectual e pedagógica importante no Brasil:

foi professor de filosofia no Santa Cruz, escreveu 45 livros sobre os mais

variados temas, como: “Cristianismo, Sociedade e Revolução” em 1967, “A

escola moderna, uma experiência brasileira: o Colégio Santa Cruz” em 1973, “Da

Teologia ao Homem: ensaio sobre a Teologia da Libertação” em 1985, “Educar:

de ontem para amanhã” em 1985, e assumiu a vice-­direção em 1965, cargo que

exerceu até 1987, ano de sua morte.

Desse modo, já como parceiros e amigos, seguem nessa trajetória de

transformação da educação até então exercida no país. Em 1966, o Conselho

Federal de Educação autoriza o Colégio a funcionar como Escola Experimental

com currículos, métodos e períodos escolares próprios, pelo Parecer CFE nº

107/66. O relator do Parecer, Conselheiro José Borges dos Santos, escrevia

entre outros argumentos:

Além de outros requisitos, o Colégio Santa Cruz goza de

excelente reputação não só na cidade de São Paulo, mas em todos os

meios educacionais do país. Pode-­se ver que é uma Escola inspirada,

movida e dinamizada pelo propósito de aprimorar, mediante

experiências incessantes, os meios, instrumentos materiais e humanos

destinados à educação42.

Também no ano de 1966, o Colégio começou a publicar seus Planos

Diretores dos cursos ginasial e colegial, dos quais constavam, além da Palavra

do Diretor, que sempre lembrava a evolução dinâmica das experiências

pedagógicas e pastorais, os objetivos gerais, bem como os específicos de cada

curso, sua metodologia e a programação de cada matéria curricular (Padre

Corbeil, 1992). Esses Planos Diretores são publicados a cada ano, até hoje, e

são remetidos a todas as famílias de alunos.

42 Publicação interna: Padre Corbeil, “Memórias”, Colégio Santa Cruz, 1992, p. 90.

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75

E, nesse mesmo ano ainda, acontece a publicação do livro: “Educação

Brasileira e Colégio de Padres”, escrito pelos Padres Gilles Beaulieu, C.S.C. e

Paul-­Eugène Charbonneau, C.S.C., com a colaboração do Dr. Luís Arrôbas

Martins, que escreveu, segundo CORBEIL (1992, p. 91), um “magnífico capítulo

sobre a evolução da escola secundária no Brasil a partir de 1549”.

Os outros dois padres trataram, de uma maneira mais particular, da

“democratização”, “desclericalização” e “sacerdotalização”, especialmente do

Colégio Santa Cruz.

A intenção precisa do presente trabalho é a de nos “situar

como sacerdotes” no problema da educação brasileira.

A tendência atual é tornar a dar aos leigos seu lugar na Igreja.

Isto significa que os padres recuarão em muitos domínios, onde, sob a

pressão de circunstâncias fortuitas, tiveram que exercer inúmeras

tarefas supletivas. O acidental que se prolonga não se transforma

facilmente em essencial e em definitivo? Esta confusão deu-­se na

Igreja que, pouco a pouco, se clericalizou.

Os padres conciliares subscreveram em conjunto a vigorosa

fórmula do Monsenhor Wright, bispo de Pittsburg: “é preciso que a

Igreja apareça como sacerdotal e não como clerical;; como sacerdotal

pelo fato de que todos, leigos e padres, estão unidos na participação

ao sacerdócio único do Cristo, se bem que os padres participem dele,

de maneira especial e insubstituível;; e não como clerical, porque é

preciso que, na Igreja, tudo não se resuma à influência e à iniciativa

dos padres”.

De acordo com a teologia do sacerdócio, é preciso afirmar que,

mesmo como educador, a tarefa específica do padre é a

Evangelização. Essencial e exclusivamente, a fim de que, por seu

intermédio, prossiga a mediação do Cristo entre os filhos dos homens.

Por ora, nossa reflexão inicial se aplicou ao seguinte esquema,

forçosamente incompleto: 1. o retorno aos pobres, com o problema

central, para nós, da democratização da escola;; 2. o retorno aos leigos,

com a consequente desclericalização da escola;; 3. o “aggiornamento”,

com a questão central para nós, da sacerdotalização das tarefas.

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76

(BEAULIE, CHARBONNEAU, ARROBAS-­MARTINS, 1966, p. 91, 112,

119, 122)

A “desclericalização” deveria acontecer em sua estrutura, integrando

leigos em todos os níveis, e deixando claro que para ser uma escola cristã, não

é preciso, de forma alguma, ser clerical (BEAULIEU, CHARBONNEAU &

ARRÔBAS MARTINS, 1966). Dessa forma, isso se fez, pela falta de padres -­

não haviam mais sacerdotes se formando na Congregação, nem no Canadá e

nem aqui no Brasil -­, e pela mudança a que se pretendiam fazer;; assim, em 1966

houve a nomeação de professores leigos como diretores pedagógicos e

assistentes da direção dos cursos ginasial e colegial: 525 alunos, 7 padres e 32

professores leigos. Em 1969, as duas diretorias de curso eram compostas, cada

uma, por três professores leigos.

Por desclericalização da escola, entendemos a decisão lúcida

e corajosa de devolver gradualmente aos leigos cristãos todas as

tarefas acidentais e supletivas que até agora exercia o padre-­educador

na escola:

a. vigilância e disciplina;;

b. esportes, artes, coral, etc;;

c. ensino de matérias profanas;;

d. quadros superiores de direção acadêmica ou formação geral:

prefeitos, sub-­prefeitos de estudos ou de disciplina, orientador

pedagógico, psicólogo escolar, orientador profissional, etc;;

e. quadros superiores de administração: secretaria, economato,

procuradoria, etc;;

f. direção do estabelecimento. (BEAULIE, CHARBONNEAU,

ARROBAS-­MARTINS, 1966, p. 125-­126)

A “democratização”, seria fazer um esforço para que a escola fosse efetiva

e amplamente aberta a todos, sem discriminação de espécie alguma

(BEAULIEU, CHARBONNEAU & ARRÔBAS MARTINS, 1966). E se fez

rapidamente, pois, em 1973, o Colégio tinha 1115 alunos e 50 professores. No

entanto, o ano marcante da “democratização” se deu em 1974, quando se

completou o curso primário de quatro séries. Abriram-­se matrículas para ambos

os sexos e iniciou-­se o curso supletivo de 1o grau noturno, gratuito para adultos.

O número de alunos e alunas passou para 1818, sendo 1518 no ensino regular

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diurno e 300 no noturno, com 108 professores. E, em 1992, o curso supletivo já

tinha o 2o grau e alunos e alunas em todas as séries dos cursos regulares e

supletivos, e contava com 2500 alunos, sendo 1800 dos cursos regulares diurnos

e aproximadamente 700 nos cursos supletivos noturnos, e 165 professores e

professoras.

Quanto à “sacerdotalização” das tarefas dos padres, significaria que eles

deveriam exercer um cargo unicamente sacerdotal, ou seja, que eles fossem

apenas os portadores do Evangelho, nada mais (BEAULIEU, CHARBONNEAU

& ARRÔBAS MARTINS, 1966).

O “aggiornamento”, ou seja, a sacerdotalização das tarefas é

entendida aqui como sendo o resoluto esforço para devolver ao padre,

que trabalha em escola e na educação em geral, seu papel próprio e

insubstituível de ministro de Deus, de pastor e apóstolo, de

evangelizador dos homens. Ela exige:

a. que os Colégios de padres, “colégios de diáspora”, não sejam mais

fechados sobre si mesmos, mas completamente abertos e dando

testemunho à imensa maioria de colégios públicos e leigos

separados de Deus e privados da presença sacerdotal;;

b. a constituição de equipes sacerdotais de educadores, operando não

somente no plano local de um colégio, mas também nos planos

mais vastos de bairro, de setor, de diocese, de país;;

c. a penetração nos setores de educaçãoo, onde a ausência dos

padres é imperdoável: todo o ensino técnico e normal, a

alfabetização das massas, o ensino elementar;;

d. a renovação dos métodos de trabalho:

-­ no plano do grupo:

o adaptação, conforme os casos, da pastoral da catequese,

comunicação da mensagem evangélica;;

o adaptação da pastoral litúrgica para desenvolver o sentido do

sagrado e a presença do Cristo;;

o renovação do ensino religioso sistemático (no sentido

habitual do termo). Esta tarefa pode também ser exercida por

leigos cristãos;;

o despertar e formar jovens para o apostolado (ação católica,

movimento missionário, etc).

-­ no plano do indivíduo:

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78

o administração dos sacramentos;;

o revisão do conceito de “direção espiritual”;;

o animação cristã da orientação educacional junto às famílias,

professores, alunos.

e. a criação de um espírito comunitário: este espírito não se inventa,

ele se aprende, quando o vemos vivido pelos outros. Donde a

necessidade para os padres-­educadores de darem testemunho, em

sua própria vida, deste espírito comunitário. (BEAULIE,

CHARBONNEAU, ARROBAS-­MARTINS, 1966, p. 127-­129)

Mas, mesmo o livro valorizando muito o papel do sacerdote na pastoral

educacional, Padre Corbeil disse:

Não posso concordar plenamente com a conclusão de um dos

autores de que o padre deve exercer um cargo essencial e exclusivamente

sacerdotal, sendo apenas portador do Evangelho. Como se o padre que

recebeu de Deus este dom, não pudesse ser um excelente educador e não

menos excelente professor de uma disciplina, que lhe servirá para passar a

mensagem evangélica através de seu amor, competência e testemunho.

(CORBEIL, 1992, p. 91)

Mas, a grande questão sobre a “sacerdotalização” trazida pelos autores,

era sobre o distanciamento que acabou acontecendo dos padres com sua

missão evangelizadora.

Apesar do Colégio ter colocado em novos termos as relações entre o

padre-­educador e seus alunos: a amizade, a franqueza, a confiança e a abertura

entre um e outros, que pode ter ajudado a mudar a imagem que os jovens tinham

dos sacerdotes e, inclusive, aproximando-­os a ponto de poderem conversar

sobre questões religiosas e espirituais de forma mais aberta e fácil. Em que a

preocupação social e apostólica de muitos alunos, a prática religiosa de outros

tantos, enfim, uma vivência cristã mais natural, grupos sobre espiritualidade e

retiros espirituais pudessem ter sido renovados;; trouxe, também, uma percepção

de que toda essa mudança pode ter feito com que os padres tivessem deixado

de lado a sua finalidade primeira e essencial que era a evangelização

(BEAULIEU, CHARBONNEAU & ARRÔBAS MARTINS, 1966). Por isso, fazer

com que voltassem a ser “somente” sacerdotes estava se tornando importante

naquele momento.

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79

O Ensino Religioso tinha ficado em segundo plano e, quantitativa e

qualitativamente, estava deficiente. Para eles, a percepção de que poderiam ter

feito uma inversão de valores, ou seja, terem dado mais importância ao lado

intelectual do que o lado espiritual estava deixando-­os preocupados por não

estarem cumprindo a parte evangélica de sua missão.

Nossa equipe sacerdotal: no plano jurídico, formamos uma

comunidade (a Congregação de Santa Cruz);; no plano profissional,

somos um grupo unido de educadores;; no plano humano, vivemos

como bons amigos. Mas no plano espiritual, temos conseguido sempre,

enquanto grupo, por em comum a nossa vida propriamente sacerdotal

e apostólica? Neste plano, não nos teremos isolado uns dos outros,

levando vida solitária em comunidade? Atrás disto, não se esconderá

um individualismo espiritual?

A tomada de consciência destes problemas nos levou a

assumir, em conjunto, a animação pastoral do Colégio e a fazer

semanalmente uma revisão de vida, tentando, dessa maneira, estar

unidos entre nós “por uma fraternidade íntima que espontânea e

livremente se manifesta no mútuo auxílio, tanto espiritual como

material, tanto pastoral como pessoal, em reuniões e comunhão de

vida, trabalho e caridade” (Lumen Gentium, 28). (BEAULIEU,

CHARBONNEAU & ARRÔBAS MARTINS, 1966, p. 158)

Assim, no próprio ano de 1966, começa uma intensificação das atividades

de orientação e animação espiritual, formando-­se para tal objetivo, “Equipes de

Espiritualidade”, com padres e professores leigos como membros, atuando como

um “braço” da pastoral do Colégio.

Em 1967, o Padre Charbonneau deixa o seu cargo de Diretor de Curso

para assumir a animação espiritual do mesmo, e a disciplina de Educação

Religiosa que, pelo menos desde 1962, contava inclusive com aulas de Cultura

Religiosa no Colegial e era obrigatória para todos os alunos fazendo parte do

currículo regular, passa a ser facultativa, uma vez por semana, na Capela e

ministrada por professores leigos e sacerdotes, que acharam vantajoso, naquele

momento, poderem “unir o ensinamento à vivência litúrgica e sacramental”

(Plano Diretor de 1967).

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80

A Educação Religiosa permanece em transformação nos anos seguintes

e sempre à frente dos pensamentos e reflexões dos padres de Santa Cruz, que

já eram visionários, e além das Leis Educacionais Brasileiras nesse setor. Muito

antes de estar na Constituição, nas LDBs (Leis de Diretrizes e Bases para o

Ensino), já era tratada como disciplina curricular.

Em seu Projeto Educacional43 atual, a Instituição deixa clara esta marca:

“O Colégio Santa Cruz é constituído historicamente por uma filosofia humanista,

de abertura à diversidade de ideias e, consequentemente, ao respeito a credos

religiosos diversos, ou à ausência deles”. Algo que para um colégio católico

talvez não soasse tão bem. Seus verbos mobilizadores são aprender, cuidar,

conviver e atuar. Tem como princípios e ideais que “o homem inteligente é um

ser livre, e a criança, desde o começo de sua existência racional, deve aprender

que o acesso à liberdade é legítimo. Mas o homem só pode ser livre se for

responsável. A vida escolar deve permitir aprender essa lição indispensável”. E,

como valores, a educação como um “processo de humanização que aspira à

caprichosa construção de um sujeito que faz escolhas e que se responsabiliza

pela transformação – de si mesmo e do mundo em que vive”.

O Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz apresenta sua história como

uma herança que é ensinada pelos exemplos, pela experiência e ação. Num

43 Publicação interna: Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz, 2015, p. 9, 11, 12.

Figura 11: Padre Charbonneau

em seu escritório no Colégio

Santa Cruz. Fonte: http://www.cei.santacruz.g12.br/~50

anos/revista/fotos/corbeil%20e%20

charbonneau/pe%20charbonneau%

20escrevendo.jpg. Acesso em 12

de novembro de 2017.

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81

movimento que vai ao passado pensando no futuro, entre a “tradição e a

revolução”.

Desse valor essencial do amor nascem os demais, que

precisamos construir na escola, nesse lugar privilegiado de troca de

experiência e conhecimento do mundo e dos outros. (...) Na escola,

aprendem-­se a separação e a insegurança, mas também se vivem o

encontro e sustentação por meio do outro;; vivem-­se a disputa e o

conflito, mas também se adquire o conhecimento das próprias

capacidades de superar a frustração por meio da palavra e do convívio;;

vivem-­se a competição e o medo, mas também a experiência da

colaboração e da coragem adquiridas pela amizade e pela

solidariedade;; vivem-­se o desconhecimento e a fragilidade, mas

também a alegria de aprender e a força do conhecimento construído

pela pergunta e pela resposta do outro.

(...) O valor máximo de pertencer à espécie humana supõe

nessa capacidade de amar e de nos identificar a partir do outro, de uma

coletividade. Capacidade de ser solidário. A solidariedade pressupõe

uma comunidade. Na escola, aprendemos a ser solidários pertencendo

a um mesmo conjunto e partilhando uma mesma história.44

O Projeto traz também a citação dos dizeres do fundador da Congregação

de Santa Cruz, o Padre Basile Moreau, em sua Carta Circular 36, de 1849, citada

no Capítulo 1: “Não queremos que nossos alunos sejam ignorantes de qualquer

coisa que devam saber...”, como uma linha mestra e base de toda a educação

do Colégio Santa Cruz, ou seja, que consegue conciliar a doutrina católica que

orienta a instituição e a sua concepção educacional pluralista, que defende e

respeita a liberdade de pensamento e os direitos humanos, refletidos no currículo

de cada curso, nas atividades, nos projetos interdisciplinares, na atuação

voluntária e nos eventos culturais. Numa formação multidimensional junto a

proposições humanistas, como a razão e o intelecto, a moral e a ética, a emoção

e a sensibilidade, a memória e a criação do futuro.

Herança de toda uma história e trajetória voltada a um olhar para si de

maneira a enxergar o outro, de conviver com o outro, quer quem seja ou onde

44 Publicação interna: Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz, 2015, p. 13.

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esteja, de maneira ser possível o conviver. Como nos deixou escrito

Charbonneau:

O próprio homem deverá travar a luta que lhe permitirá viver

simultaneamente em seu corpo e em seu espírito, isto é, viver

integradamente sua vida de ser humano. Isto ele não pode delegar a

quem quer que seja;; tem que tomar em mão suas esperanças e

transformá-­las em realidades, à força de luta. Esta é a consequência

direta da liberdade que lhe é outorgada em sua natureza espiritual. É

o que nos lembra Foucault: “é na medida em que é livre e racional...

que o homem é, na natureza, o ser que foi investido de

responsabilidade de cuidar de si mesmo”. A Teologia da Libertação,

portanto, como a Revelação na qual se baseia, se torna uma

provocação. Lança ao homem um desafio decisivo: se queres a

Justiça, é a ti que cabe instaurá-­la.

(...) Diante da Injustiça e das injustiças não há resignação que

se justifique. Poder-­se-­ia até dizer que nesta matéria, resignação é

culpabilidade. Em nenhum outro plano são mais verdadeiros os dizeres

de Dostoievski: “Cada um de nós é culpado diante de todos, por todos,

e por tudo”. Isto tem que levar-­nos a refletir muito e nos mostra como

as teses essenciais da Teologia da Libertação não admitem

contestação. Quando a Injustiça gera Pobreza, é preciso que os pobres

se deem as mãos para acabar com a Injustiça. Tal proposta nada tem

de subversivo;; simplesmente exprime com simplicidade, mas de

maneira explícita, o que a Palavra de Deus, de um lado, e a própria

natureza do homem, de outro, impõem a todos os que são presas deste

Mal que envolve toda a humanidade: a Injustiça que impede os homens

de viverem como homens.

Este combate será a contribuição do Homem ao seu devir. Pois

não há parada no caminho do seu devir. Ele está sempre a caminho:

por vezes avançando, outras vezes retrocedendo e se desumanizando,

muitas vezes hesitando na procura do seu caminho em meio a todas

as dúvidas. Segundo uma expressão de Sartre, que não é senão

celebração de um tema conhecido hoje por toda a antropologia, “a

humanidade não é, senão que está em devir”. E é ao próprio homem

que cabe promover seu futuro, lutando contra tudo o que for de molde

a imobilizá-­lo ou a fazê-­lo retroceder no ser. O que reduz – como

acontece no caso da pobreza e da miséria, tais como as conhecemos

neste momento da nossa civilização – a viver como sub-­homem, é um

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mal. Como tal é preciso aliar-­se contra ele, e impedir que ele destrua

ainda mais seres humanos que vivem de maneira bem pouco humana.

(...) Mas será preciso compreender que tratar do homem, do seu devir,

do seu futuro, do seu processo de Evolução, é operar uma síntese

entre dois discursos: um antropológico, o outro teológico, que se

completam para descobrir os caminhos que ele deverá percorrer a fim

de continuar a crescer e a ser mais homem do que nunca.

(CHARBONNEAU, 1985, p. 182-­185)

3. O Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz a partir dos Planos Diretores

3.1. Os Planos Diretores

O Plano Diretor apresenta como será o ano letivo, permanências e

mudanças, novidades, o calendário escolar, o componente curricular de cada

série e seus conteúdos programáticos, organização didática, administrativa,

Pastoral e o Projeto Pedagógico. Dando atenção especial aos objetivos amplos,

como meta geral da escola e objetivos específicos a serem alcançados pelos

alunos. E é preparado pela Direção Geral, pelas equipes de direção e

coordenação de cada curso. Além de informar sobre a organização da estrutura

física e sua equipe de educadores e funcionários gerais.

3.2. Fases da Educação Religiosa do Colégio Santa Cruz

Após um levantamento de documentos históricos, os Planos Diretores, foi

possível observar algumas fases da Educação Religiosa praticada no Colégio

Santa Cruz, desde a sua fundação.

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84

Essas fases não correspondem a períodos específicos de tempo, mas sim

à mudanças de contextos, de paradigmas e, dentro de algumas perspectivas,

eclesiais, educacionais e/ou filosóficas descritas em seus Planos Diretores.

A análise de todos os modelos apresentados, tanto os determinados nas

Leis como os de PASSOS (2007), pode determinar que a Educação Religiosa

do Colégio Santa Cruz sempre esteve à frente das legislações e dos estudos

sobre esse tema, inclusive já tinha o Ensino Religioso dentro do currículo escolar,

como disciplina, e para todos. Mesmo que houvesse os ensinamentos cristãos,

leitura da Bíblia como dado histórico, por ser um colégio católico, desde o início,

os temas da sociedade estavam em discussão nessas aulas também, com um

olhar para a diversidade e liberdade de escolha de cada um. Sem ser

completamente confessional e, de forma alguma, proselitista.

Tanto que primeiro a chamaram de Religião;; -­ aparece em documentos

de 1952-­1954 já como parte do currículo escolar, para todos os alunos, em

horário regular de aulas. Depois, de Educação Religiosa, abrangendo outras

atividades como a Ação Comunitária (voluntariado dos alunos);; de Religião e

Ética, nas séries iniciais do Ensino Fundamental 1;; de Cultura Religiosa para o

Colegial;; e, somente mais tarde, de Ensino Religioso, nos Cursos de Ensino

Fundamental 1 e 2, para ficarem de acordo com as indicações legais. De

qualquer forma, o seu conteúdo não precisaria mudar, por se tratar de um colégio

privado que não está sujeito ao que a Constituição diz sobre essa disciplina, e

principalmente, por já estar muito avançado em relação a toda essa discussão.

E, de acordo com o que os Planos Diretores mostram em seus registros,

o modelo de Ensino Religioso usado pelo Colégio, durante um período maior de

tempo, foi mais parecido com o Teológico. Somente depois, no início do séc.

XXI, começa a mesclar com o da Ciência da Religião quando, em 2002 um

professor de Ensino Religioso do Ensino Fundamental 2 também assume a

disciplina de História, caso que se amplia em 2003, com um professor de

Ciências, depois em 2005, com uma professora de Francês -­ até que, em 2014,

mais uma professora de História assume as aulas de Ensino Religioso,

completando os quatro anos do curso com professores ministrando uma

disciplina específica mais o Ensino Religioso. E o Ensino Fundamental 1, que

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85

até então mantinha professoras de Ensino Religioso que também davam aulas

de Catequese, nesse mesmo ano, muda a situação por completo, separando a

função dessas professoras e ficando apenas com as que ministram somente o

Ensino Religioso. Incluindo a contratação de uma nova professora com formação

em Biologia e Psicopedagogia, a autora desse trabalho, para completar o quadro

de professoras dessa disciplina, que logo em seguida, foi fazer Mestrado em

Ciência da Religião.

Todo esse levantamento e pesquisa corroborou para a indicação das

Fases da Educação Religiosa/Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz.

1a Fase) Experimental -­ Plurirreligiosa

De 1952 a 1968.

Desde sua fundação, em 1952, já havia a disciplina “Religião” ministrada

em horário regular de aulas, para todos os alunos do Curso Ginasial.

Os padres estavam em todos os cargos de direção e também ministravam

as aulas de Religião, nas quais falavam sobre o cristianismo, mas, ao mesmo

tempo, tinham uma cosmovisão plurirreligiosa e pregavam a livre escolha. O

contexto educacional era de “escola experimental”;; portanto, tinham liberdade

para escolherem “o quê” seria o conteúdo e “como” as aulas seriam ministradas.

O Colégio Santa Cruz, teve o imenso mérito de reclamar desde

logo a renovação da estrutura escolar e dos métodos pedagógicos, foi

a primeira escola brasileira a sugerir e insistir junto ao Departamento

de Ensino Secundário sobre a criação de classes experimentais para

a renovação dos métodos pedagógicos vigentes, foi a única escola

religiosa masculina e uma das seis ou sete entre os estabelecimentos

oficiais e particulares de São Paulo a lançar em 1959 classes

experimentais. (...) Plano Piloto elaborado por uma comissão de

professores deste estabelecimento, plano esse aprovado pelo

Ministério da Educação e Cultura no parecer no 607, processo no

113.762/58 (LA FRANCE, 1963, p. 5-­6).

As aulas de Religião passam a ser chamadas de Prática Educativa, e

passaram para o horário da tarde (as aulas regulares aconteciam na parte da

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86

manhã), mas ainda obrigatória para todos os alunos. E o Curso Colegial passa

a ministrar a disciplina Cultura Religiosa, no seu horário curricular, também para

todos os alunos (Planos Diretores 1962-­64).

O projeto de classes experimentais se amplia para escola experimental.

Pelo ambiente que a escola cria, as disciplinas que inclui no

programa, os métodos que emprega, ajuda a moldar sua personalidade

e a adquirir atitudes altruístas. Procura em última análise, uma melhor

adaptação da criança, da família e de si própria à sociedade e deseja,

através do desenvolvimento das pessoas, a realização de uma

Humanidade solidária e fraternal onde o progresso das sucessivas

gerações seja proveitoso a cada um dos membros e vice-­versa. Que a

escola o queira ou não, ela exerce sempre, quer seja positivamente ou

negativamente, uma influência sobre a formação física, moral, social

ou religiosa da criança. (Plano Diretor, 1965)

Como disse Padre Charbonneau (1973, p. 52): “A escola deve ser um centro de pessoas, cada uma das quais gozando o mais plenamente possível sua identidade. Educar, poder-­se-­ia dizer, é antes de tudo procurar um rosto, descobrir uma alma, revelar uma pessoa”. Por isso a formação integral, aberta e experimental, era tão importante para os padres de Santa Cruz.

O problema da formação religiosa da criança é mais delicado.

Com efeito, ideias pré-­concebidas e empedernidas despontam

facilmente em torno desse assunto. A fé ou a crença, pensa-­se muitas

vezes, pertencem à vida particular e não interessam senão à

consciência de cada um. Isto é verdade, sem dúvida. Mas precisamos

entender-­nos. Existem problemas que não sejam senão individuais? A

Religião exprime uma das dimensões do homem e nesse sentido é

uma interrogação permanente feita aos nossos espíritos inquietos.

Esforcemo-­nos por ignorá-­la ou silenciá-­la e teremos imediatamente

por resultado graves desequilíbrios. (Plano Diretor, 1965)

Portanto, a razão de ser da escola, o seu papel, talvez “seja menos fazer conhecer o mundo do que incitar o indivíduo a conhecer-­se. Se é assim, isto significa também que a escola deverá ser a casa da liberdade”. (CHARBONNEAU, 1973, p. 53).

A escola deve favorecer o desenvolvimento das tendências

religiosas do indivíduo. Com mais razão nada deve empreender que

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87

venha a corromper ou abafar essas tendências. Acreditamos que a

Religião, sob forma de História da Atividade Religiosa do Homem, deve

ser ensinada em todas as escolas, assim como as Letras, as Ciências

e as Artes. Dever-­se-­ia poder conhecer as diversas manifestações do

sentimento religioso no seio das numerosas crenças que agrupam e às

vezes separam os homens. Tal pesquisa constituiria uma espécie de

reflexão acerca das inquietações fundamentais que encontramos em

cada um de nós, aceleraria a aproximação das diferentes confissões

oferecendo-­lhes bases de acordo tão vastas e universais quanto

possível, e apressar a marcha da Humanidade para uma Unidade que

o homem hoje em dia pode razoavelmente entrever. Em resumo,

acreditamos que a Religião, encarada numa relação cada vez mais

estreita com as Ciências, as Artes e o conjunto das atividades

humanas, está destinada a desempenhar um papel de relevo no

desenvolvimento da Humanidade.

Os padres de Santa Cruz trouxeram com eles tudo o que aprenderam e o que vivenciaram no Colégio Saint Laurent, no Canadá, como uma escola que ensina para uma formação completa e para um convívio com o “outro”, de forma a olhar para a realidade em sua volta, e mergulhar em todos os seus aspectos humanos: social, cultural, político, espiritual. “Sem ser perfeito, o Colégio Santa Cruz representa, entretanto, longos anos de pesquisa e, embora não pretenda ser o modelo, pode ser considerado como um modelo aplicável em nossa realidade brasileira, que não pede grandes proezas” (CHARBONNEAU, 1973, p. 58).

Em se tratando da educação religiosa cristã ou mesmo, se

quisermos, católica, pertence à Igreja concebê-­la e assegurá-­la aos

seus adeptos. Pode esta, se servir da escola como de um instrumento

para divulgar a Mensagem Evangélica? Certamente não. A escola é

uma instituição que depende da sociedade civil e tem direito a que

sejam respeitadas sua finalidade própria e sua autonomia. É o meio,

universalmente difundido, pelo qual a sociedade educa seus cidadãos,

transmite-­lhes sua cultura e comunica-­lhes os valores civilizadores de

que é portadora.

A Igreja pode, sem dúvida, com o mesmo direito que outros

agrupamentos particulares e com o mesmo respeito à autoridade

constituída, criar escolas que se tornam o que, por um nome no fundo

infeliz, chamamos de escolas confessionais. Fá-­lo então para

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88

compensar alguma insuficiência da sociedade civil e se compromete a

respeitar as normas que regem intrinsecamente essas instituições. De

qualquer forma, o que se pode esperar dela, -­ e aqui é preciso render-­

lhe justiça: em geral ela cumpre essa exigência -­ é que se prenda a

uma forma de agir que torne mais forte e aperfeiçoe a fé dos fiéis que

ela ali reúne, sem forçar a liberdade de quem quer que seja e sem

prejudicar àqueles que, por um ou outro motivo, se encontram sob seu

teto sem professar o mesmo credo.

Aqui, deixam muito claro de que forma pretendem seguir a construção de seu colégio;; que seja um lugar em que todos possam ser livres para fazerem suas escolhas e possam exercê-­las de forma cidadã.

O problema religioso situa-­se na raiz de nosso ser. A Religião

dá um grande valor ao sentido comunitário da existência: ela exige o

respeito da liberdade individual, mas, por outro lado, insiste fortemente

sobre a comunhão com valores universais. Eis por que ambos, o

sentimento religioso e a Religião, devem merecer a atenção de todos

aqueles que se dedicam a tarefas educativas.

É primeiramente pela formação do espírito que a escola

pretende exercer uma influência educadora junto à criança. Uma

coordenação judiciosa, de atividades exercitando a reflexão, o

raciocínio, a memória, o espírito crítico, a expressão de si mesmo sob

todos os aspectos, assegurará a formação da inteligência, do coração

e da vontade dos jovens e permitirá levá-­los ao alargamento

progressivo de sua experiência pessoal. (Plano Diretor, 1965)

Em 1966, começa um processo de “sacerdotalização” das tarefas,

“desclericalização” das estruturas e “democratização” do Colégio.

Cabe-­nos lembrar, a esta altura, remetendo nossos leitores à

obra que os padres de Santa Cruz publicaram pela Editora Herder,

"Educação Brasileira e Colégios de Padres", que as metas norteadoras

do Colégio são a desclericalização, praticamente realizada no Curso

Colegial, a democratização que, embora muito cautelosamente, se

iniciou em 1966, pela eliminação do refeitório, readaptação do conceito

de semi-­internato, além da manutenção do sistema de bolsas de

estudo, a que acresce agora, em 1967, o aumento do número de

classes no 1o colegial, a sacerdotalização das tarefas dos padres que

em 1967, trará para a animação espiritual de nossos alunos o Pe.

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Eugênio (como era chamado) Charbonneau, agora liberado de suas

funções de Diretor de Curso. (Plano Diretor, 1967)

Tudo isso aprovado pelo Congresso de Padres de Santa Cruz, em julho de 1964, no Canadá (CHARBONNEAU, 1973, p. 163). Na qual decidiram quatro proposições: 1) que a Santa Cruz deve continuar presente no problema educacional brasileiro;; 2) que o Capítulo Providencial envie mais sacerdotes preparados para trabalharem na área da educação em diversos setores além de escolas formais;; 3) revisão dos conceitos sobre padre-­educador e colégio de padres adaptados às necessidades do país;; 4) intensificar o processo da “desclericalização”, da “democratização” e da “sacerdotalização”.

Fiéis à perspectiva pedagógica que nos diz respeito,

compreendemos que a democratização não se faz apenas por uma

recomposição da população escolar, para permitir a conveniência das

diversas classes sociais, mas também pela formulação duma estrutura

capaz de levar o adolescente a atingir os dois processos básicos de

sua própria educação: a independentização e a enculturação.

Como se vê, tem-­se em mira o mundo de hoje, que é pluralista,

no qual e sobre o qual o aluno vai agir. Donde a necessidade de um

curso eclético em que se atende simultaneamente à formação

humanística e a científica, resultando o encaminhamento vocacional de

uma opção verdadeira, baseada num conhecimento menos superficial

da realidade que o cerca. (Plano Diretor, 1967)

Contudo, não adianta essas mudanças ocorrerem apenas com o grupo de padres e com o colégio, mas é necessário que os alunos também entendam que fazem parte da instituição e da sociedade em que vivem, para que, assim, também consigam mudar o que for necessário para tornarem-­se adultos responsáveis e engajados.

Declara-­se o Colégio, uma instituição temporal de ensino

médio ao serviço da sociedade, apolítica e sem fins lucrativos, aberta

a todos sem discriminações de cor, raça, religião, condição social ou

econômica, desde que sejam aceitos os objetivos educacionais, a

estrutura e a mentalidade cristã que a inspiram, convencidos de que

qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa,

deve ser superada e eliminada, porque contraria o plano de Deus. E

garante a todos uma total liberdade religiosa e total liberdade de

manifestarem sua fé, porque a própria natureza social do homem exige

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que ele manifeste externamente atos internos de religião, que se

comunique com outros em matéria religiosa, que professe sua religião

em forma comunitária. (Plano Diretor, 1967)

Mudanças que talvez já fossem resultado do Concílio Vaticano II, que foi

uma renovação da Igreja ao mundo contemporâneo e “o mais ecumênico de

todos”, segundo PASSOS & SANCHEZ (SIGNORELLI, 2016, p. 7).

Orientação Espiritual: “Todos os cristãos que, pela

regeneração da água e do Espírito Santo, se chamam e são filhos de

Deus, têm o direito à educação cristã. Educação essa que não visa

apenas à madureza da pessoa humana, mas objetiva em primeiro lugar

que os batizados sejam gradativamente introduzidos no conhecimento

do mistério da Salvação e se tornem de dia para dia mais cônscios do

dom recebido da fé;; aprendam a adorar a Deus Pai;; e sejam treinados

a orientar a própria vida segundo o homem novo na justiça e na

santidade” (cfr. Jo. 4,23). Declaração “Gravissimum Educationis” sobre

a Educação Cristã. (Declaração do Concílio Vaticano II).

O texto citado acima lembra, pois, aos educadores a urgência

de dar aos jovens cristãos uma sólida formação religiosa, adaptada à

sua idade e ao mundo de hoje. Eis porque o currículo do Ginásio Santa

Cruz inclui a catequese. (Plano Diretor, 1968)

Os padres ainda estavam experimentando como seria uma disciplina

desse caráter. Por isso, havia uma mescla de temas da vida, da espiritualidade,

da religião, do cristianismo e do catolicismo.

Declaravam-­se um colégio apolítico. As ideias de uma educação moderna

os acompanhavam desde o Canadá. Mas, para essas aulas, ainda usavam

conteúdos doutrinais, mesmo que somados à filosofia humanista do seu projeto

educacional, do olhar para o outro e para uma ação solidária, e da liberdade com

responsabilidade. As aulas tinham como objetivo a orientação espiritual e o

despertar do sentimento religioso nos alunos.

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2a Fase) Secular, Plurirreligiosa

De 1969 a 1987.

O Colégio estava passando por uma “sacerdotalização” e

“desclericalização” de suas funções, apenas a Direção Geral e a Vice-­Direção

Geral ainda eram de padres. Nesse período ocorre uma mudança de paradigma,

de uma disciplina “Religião” para uma área de Educação Religiosa.

A tendência a reunir-­se em grupos ou comunidades de jovens

se apresenta cada vez mais forte dentro da dinâmica dos movimentos

de juventude da América Latina. As comunidades de jovens se

caracteriza em geral, por serem grupos naturais de reflexão e revisão

de vida, em torno de um compromisso cristão ambiental. (Plano Diretor,

1969)

A juventude moderna atravessa um período de crises

profundas. Estruturas e valores, até há pouco válidos, são

questionados e negados, sem se conseguir, de pronto, uma

substituição pacificante.

Esta crise, de proporções gigantescas, atinge em cheio o

campo religioso. As aspirações juvenis chocam-­se, às vezes

flagrantemente, com a mentalidade religiosa do meio ambiente. Os

jovens não aceitam, sem mais, as ideias e práticas religiosas dos

adultos, julgando-­as herança morta de uma cultura ultrapassada.

Podemos afirmar que esta mentalidade evolutiva e pragmática está na

origem de todas as mudanças sociais, psicológicas, morais e religiosas

com que atualmente nos defrontamos”.

CHARBONNEAU (1973, p. 100) fala sobre essas questões: “Nos centros

urbanos, especialmente, vai se processando, com muita rapidez, uma

“desmistificação” dos conceitos de autoridade, sexo, moral e religião. (...), a

religião livrou-­se das pressões sociais, culturais e mesmo familiares”. Com a

rapidez das mudanças, e com o avanço da secularização45, os jovens

45 O fenômeno histórico-­social da secularização está intimamente relacionado com o avanço da modernidade. O direito, a arte, a cultura, a filosofia, a educação, a medicina e outros campos da vida social moderna se baseiam em valores seculares, ou seja, não religiosos. As bases filosóficas da modernidade ocidental revelam uma concepção de mundo e de homem dessacralizadora, profana que contrasta com o universo permeado de forças mágicas, divinas das sociedades tradicionais e primitivas. O desenvolvimento da ciência, da técnica e do racionalismo faz recuar as concepções sacrais e religiosas do homem e mundo. A secularização se caracteriza fundamentalmente pelo declínio da religião, pela perda de sua posição axial e pela

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92

necessitam de bases firmes que os ajudem a esclarecer suas crises e dúvidas.

“O pedagogo que realmente aceitar o desafio da educação será somente aquele

que fará o adolescente “sentir-­se bem em sua pele” e à vontade em sua alma”

(p. 37).

Dessa forma, as aulas de Animação Espiritual, especialmente

nas 3a e 4a séries do ginásio, revestirão dois aspectos que se

completam entre si, 1o o aspecto secular: temas de vida, enfocando

problemas específicos da juventude, do interesse de todos, sem

ligação com a opção religiosa de cada um;; 2o o aspecto religioso do

tema, proporcionando especialmente àqueles que têm a fé cristã.

Nas séries iniciais, a Animação Religiosa era apresentada mais

como uma catequese. Mas também, uma orientação moral e religiosa,

por meio de temas que desenvolviam a consciência crítica do aluno.

Nas séries finais, o curso era mais para uma reflexão sobre

assuntos relacionados com a religião e a fé. Para todos, independente

da opção religiosa de cada um. (Plano Diretor, 1970)

Por isso, nesse ano, fazem um curso com uma outra ideia:

“Nem religião, nem cultura religiosa, nem catequese, mas animação

espiritual”. Ou seja, introduzir um conteúdo histórico, científico,

espiritual e, existencial. Pois há a percepção de um meio pluralista. E

como o curso é para todos os alunos, também tem que ser plural.

Apesar, de ainda ter um conteúdo bíblico e litúrgico. Mas, com

possibilidades cada vez mais “abertas” e multidisciplinar. (Plano

Diretor, 1971)

A cosmovisão do Colégio passa a ser plurirreligiosa;; não só pela presença

de alunos de diversas religiões ou sem religião, mas como no ensino, que

buscava ser mais amplo apresentando outras religiões que não somente a

católica. A chegada do Pe. Lourenço foi um marco, pois ele trouxe ideias

renovadas (que iam ao encontro de alguns temas já abordados e refletidos pelo

Padre Charbonneau).

autonomização das diversas esferas da vida social da tutela e controle da hierocracia. A secularização traz consigo uma série de importantes conseqüências sociais. Talvez a mais importante seja à perda do monopólio religioso da Igreja Católica, no caso brasileiro e de grande parte dos países ibero-­americanos e do sul da Europa, que conduziu a liberdade religiosa e ao surgimento do pluralismo religioso. RANQUETAT JR (2008, p. 2). Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/773. Acesso em: 05 de novembro de 2017.

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93

Portanto, o Colégio Santa Cruz, mesmo sendo uma instituição

particular e confessional, não quer impedir nenhuma criança de

tradição religiosa não católica, a participar de todas as atividades da

escola. (...) a partir dos dez anos (o ensino religioso a menores de dez

anos, tem que ser considerado de forma diferente).

Com temas centrais por série, parábolas, estudo da vida de

Cristo, estudo da Bíblia, temas relacionados com a realização pessoal

do adolescente e análise de assuntos relacionados com o tema geral

da fé. Além de integrar o curso no currículo, para todos os alunos de

todas as séries do ginásio, Padre Lourenço o adequou às diretrizes

pedagógicas do colégio, inclusive com conceito no Boletim. Uma aula

por semana por série, e na oitava série, duas aulas semanais. Agora,

já denominado Ensino Religioso. (Plano Diretor, 1972)

Com uma sociedade secularizada, ficava mais fácil abordar temas mais

“difíceis” como namoro, sexualidade, outras religiões, injustiça, preconceito etc.

O nosso mundo continua caminhando apressadamente para a

secularização. A religião, no meio estudantil, não é mais considerada

uma herança cultural, mas como opção pessoal livre e responsável. Na

sociedade pluralista, a religião livrou-­se das pressões sociais, culturais

e mesmo familiares. (Plano Diretor, 1972)

As Leis Educacionais mudam e o Colégio as acompanha, mesmo que em

seu currículo já tivessem, a seu modo, disciplinas mais modernas e amplas do

que as exigidas pelo Estado.

O curso ginasial também muda a nomenclatura de seu curso

para Ensino Religioso. “A expressão ‘Animação Espiritual’ é abrangente e refere-­se ao Ensino Religioso no sentido da Lei”.

Portanto, o Colégio Santa Cruz, mesmo sendo uma instituição

particular e confessional, acolhe a todos sem distinção de religião.

(Plano Diretor, 1974)

Agora, não há mais o Ensino Religioso propriamente dito, no

currículo, mas um setor de Cultura Religiosa que se propõe a discutir

o tema pela problemática existencial e ideológica dos alunos.

Para isso, prepararam um Programa de História das Religiões

vinculado ao curso de Filosofia, obrigatório, com uma aula semanal

para a 1a série do Colegial. Esse programa “pretende levar os alunos

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94

a situar o fenômeno religioso desde suas origens até as suas

implicações históricas atuais”.

Além de grupos de estudo, seminários e conferências sobre a

atuação social da Igreja. (Plano Diretor, 1978)

O curso de Ensino Religioso avança cada vez mais, e vai ganhando status

de disciplina e de área própria, como persistência e trabalho do Padre Lourenço.

Para este ano, a Orientação Pastoral se estruturou em três

grandes seguimentos: Catequese, Cultura Religiosa e Integração

Social.

Sendo que, em Cultura Religiosa, havia o estudo dos aspectos

históricos (origem, difusão, evolução) do cristianismo, judaísmo,

islamismo, budismo, bramanismo, espiritismo (e dos ateísmos);; os

aspectos estruturais (dogma, moral, culto) dessas religiões e,

caracterização de religião, em geral;; além dos aspectos críticos

existentes. Ministrada em parceria com Filosofia, como já acontecia.

(Plano Diretor, 1980)

Durante o ano de 1980, Padre Lourenço escreve o “Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau” (depois revisado em 1983), sendo citado no Plano Diretor e com recomendação de leitura por toda a

comunidade pelo Diretor Geral Padre Lionel Corbeil. Em seguida, o Padre

Lourenço viaja em um ano sabático (para o Canadá e depois para a Índia).

Retornando no início de 1982 e ficando até o final de 1984, quando em 1985, é

nomeado pároco na Paróquia de São José do Jaguaré, comunidade assistida

pelo Colégio.

Ele queria que todos pudessem ler, discutir, refletir e, era o seu desejo,

que todos pudessem seguir o seu Marco Referencial, por achar que estava na

hora de uma mudança mais profunda na Educação Religiosa realizada no

Colégio. Ele trouxe ideias bastante inovadoras e diferentes de tudo aquilo que

se seguia, por isso tão difíceis para aquela época (apresentação do Marco Referencial no Capítulo III).

Um momento importante, em que a sociedade, como um todo, estava

mudando, e o colégio teria que acompanhar e discutir essas questões em sala

de aula. E, assim, tentar refletir, junto com os alunos, sobre essas mudanças.

Page 96: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

95

A secularização é um processo pelo qual pensamento, práticas

e instituições religiosas perdem significação social. Os valores

fundamentais que regem as sociedades modernas não derivam de

preceitos religiosos. Os preceitos religiosos já não são mais, nas

modernas sociedades secularizadas, a base da organização social.

RANQUETAT JR (2008, p. 3)46.

As aulas eram ministradas por padres ou por professores leigos, e usavam

de várias fontes como a antropologia, a história, a teologia, a sociologia, e o

objetivo era que o aluno pudesse construir uma cultura religiosa e refletir sobre

questões existenciais e da vida para uma formação integral, como indivíduos

completos.

A programação curricular de Cultura Religiosa, iniciada nas 1as

séries do Colegial em 1977, sob a denominação de História das

Religiões, foi estendida às 2as séries em 1982 e, a partir deste ano,

passa a integrar o currículo das 3as séries do Curso Colegial.

Na 1a série, o objetivo básico é falar sobre o fato cultural da

Religião, na 2a série o tema é Fé e na 3a série, com uma abordagem

expositiva e crítica, fala-­se sobre atuação efetiva de pessoas e grupos

na esfera social, política e econômica no primeiro semestre e, sobre os

problemas da passagem do Colegial para a Universidade, como opção

ideológica, drogas, relacionamento afetivo-­sexual, no segundo

semestre. (Plano Diretor, 1983)

O objetivo geral do Ensino Religioso é desenvolver a

religiosidade do educando, ajudando-­o na busca do sentido da sua vida

e da sua participação na comunidade, bem como no seu

posicionamento religioso. É necessário à formação integral do ser

humano e não exige a Fé dos participantes. (Plano Diretor, 1984)

Com a saída do Padre Ricardo, o Padre Charbonneau assume

a Coordenação da Pastoral do 2o grau. E as aulas em classe ficam

para o Prof. Flávio Vespasiano Di Giorgi, organizando-­as assim: no 1o

ano, Curso de História das Religiões, no 2o ano, Curso de Cultura

Religiosa e no 3o ano, Curso de Religião e Cultura. (Plano Diretor,

1985)

46 Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/773. Acesso em: 05 de novembro de 2017.

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Mesmo com toda a discussão sobre secularização que estava sendo

realizada, a partir de 1986, o Colégio começa a passar por uma mudança, e a

se aproximar mais das ideias cristãs/católicas. Neste ano, é apresentada na

“Palavra do Diretor”, a importância (ainda maior) do Ensino Religioso numa escola católica e, portanto, passa a ser ministrado em todas as séries dos cursos

primário, ginasial e colegial, com frequência obrigatória.

Mas, modifica-­se também a sua programação no Curso Colegial,

introduzindo o estudo do Credo nas 1as séries e do Decálogo nas 2as séries. O

Diretor usa citações do Cardeal Ratzinger para mostrar essa necessidade de

mudança: “O Cristão encontra neles aquilo que deve crer (O símbolo ou Credo),

esperar (O Pai Nosso), fazer (O Decálogo) e o espaço vital em que tudo isso

deve se realizar (Os Sacramentos)”. O curso para a 3ª série muda para Curso

de Filosofia e Cultura Religiosa, todos com o mesmo professor.

Em 1987, o Padre Charbonneau morre “subitamente”, em 11 de setembro.

A Palavra do Diretor em 1988 faz uma homenagem a ele. Na Missa de Corpo

Presente, Padre Corbeil falou sobre os vários papéis exercidos pelo Padre

Charbonneau:

o educador e professor, o teólogo, filósofo e conselheiro, o

escritor e colaborador assíduo do Jornal Folha de São Paulo, o

conferencista titular do Movimento chamado ‘Escola de Pais’. Mas

insisto particularmente sobre uma qualidade que marcou toda a sua

vida: Padre Charbonneau era o homem do amor, amava muito. Padre

Charbonneau era apaixonado. (Plano Diretor, 1988)

E, portanto, é definida, novamente, uma área de Educação Religiosa, que

abrange o Ensino Religioso, Catequese opcional, Liturgia e Ação Comunitária

(prática social).

3a Fase) Teológica-­Espiritual, Unirreligiosa

De 1988 a 2011.

Essa é a primeira Fase em que um leigo coordena a área de Educação

Religiosa no Colégio, e foi a mais longa em termos temporais. O Professor

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Cláudio Antonio Rondello, que ministrava aulas de Ensino Religioso, torna-­se o

Coordenador.

Modificou-­se gradativamente de um Ensino Religioso plural, para um mais

unirreligioso, em direção à Teologia. Com uma cosmovisão religiosa mais

singular. Chega a trabalhar com temas sobre Vida, Fé, Religião, Sociedade,

Ciência e Religião, mas como conteúdos para a formação cristã dos alunos.

O Ensino Religioso visa à informação sistemática do Antigo e Novo Testamento, à Doutrina e aos Ensinamentos da Igreja. Este curso

é dado a todos os alunos, independente da opção de Fé. (Plano

Diretor, 1992)

Temas como o Antigo e Novo Testamento, doutrina e ensinamentos da

Igreja Católica são inseridos, assim como reflexões sobre a palavra de Deus.

Mas o Colégio, como um todo, ainda mostra os valores educacionais e

filosóficos de uma humanização integral e formação de indivíduos completos, ou

seja, com um olhar para o todo.

A mudança mais significativa desse ano é o encerramento da

direção sacerdotal e sua laicização47. O Padre Corbeil se aposenta e o

Prof. Luiz Eduardo Magalhães assume a Direção Geral do colégio, o

único cargo administrativo que ainda era mantido por um sacerdote.

Que agora fica com os trabalhos na Pastoral, sociais e litúrgicos, já que

agora, a Coordenação Geral também fica a cargo de um coordenador

leigo.

Em sua primeira “Palavra do Diretor”, ele retoma a importância

do Padre Charbonneau e do Padre Corbeil, mas com uma certa

nostalgia e colocando o seu olhar no futuro, o que se seguirá daqui

para a frente. “(...), a página introdutória do Diretor tem inevitavelmente

ultrapassado esses propósitos, e vem registrando um ideário, vem

refletindo as circunstâncias políticas, sociais, econômicas”. Diz que em

1982, o Padre Corbeil é incisivo e fala como não há a possibilidade de

desligar a Educação de um sentido libertador: “Esta escolha significa

basicamente optar pela Justiça e fazer desta o critério por excelência

47 É preciso enfatizar que a laicidade é sobretudo um fenômeno político e não um problema religioso, ou seja, ela deriva do Estado e não da religião. RANQUETAT JR, 2008, p. 4. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/773. Acesso em: 05 de novembro de 2017.

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da ação”. Palavras reforçadas pelo Padre Charbonneau: “Sem deixar

de lado as responsabilidades acadêmicas que nos cabem, queremos

que 1982 seja um momento privilegiado do despertar da consciência

sócio-­política de nossos alunos”. (Plano Diretor, 1993)

Tudo ainda está um pouco confuso, pois ao mesmo tempo que lembra-­se

os dizeres do Padre Corbeil sobre Educação e Liberdade, e os dizeres do Padre

Charbonneau sobre conscientizar os alunos quanto às questões sócio-­políticas,

caminha-­se por buscar também a (re)conexão com o espiritual, e com a crença

na existência de um “deus”.

Unidade não significa homogeneidade, mas harmonização de

componentes heterogêneos;; o respeito pela diversidade é um princípio

básico quando se busca compor um todo, tão integrado quanto

múltiplo, tão único quanto complexo. (Palavra do Diretor)

Alguns pensamentos do Padre Charbonneau: “Agir é antes de

tudo pensar”, “Somos inquietos. Porque os jovens nos empurram no

caminho da existência e nos forçam todos os dias a nos fazer cem

perguntas insolúveis;; porque exigem de nós respostas;; porque todas

as manhãs, na luz do dia que desponta, erguem à nossa frente o

impenetrável mistério do homem;; porque nos perguntam como tornar-­

se homem e por que tornar-­se cristão... Eles nos tiram o repouso do

espírito e não nos deixam parar”. (Plano Diretor, 1994)

Há um novo texto do Projeto Santa Cruz, em que se discorre sobre

educação e o seu papel na sociedade e, depois, sobre uma formação

multidimensional e integral, humanizadora e cristã que compõem o projeto

educacional do Colégio. Mostrando que, de alguma forma, o colégio ainda segue

uma linha mestra única.

Formar moralmente uma juventude é ensinar-­lhe o compromisso

com o outro, com sua comunidade, com seu país. É apontar-­lhe os

princípios que inspiram o amor e a justiça. Essa formação repousa nos

valores cristãos. Aqui a educação também se alicerça na crença de

que toda existência é marcada por uma dimensão transcendental. E,

embora respeite a liberdade de consciência e religião e abra suas

portas indiferenciadamente a todos os que, não obstante diversidades

religiosas, aceitem seus objetivos educacionais, o Colégio Santa Cruz

reafirma sua orientação católica. (Plano Diretor, 1994)

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99

Essa fase, fica marcada por uma dualidade de ideias. Ao mesmo tempo

que a escola continua se modernizando em vários aspectos, a Área de Educação

Religiosa, da qual o Ensino Religioso faz parte, não faz nenhuma mudança

significativa. Mas, vai em busca de um resgate de sua identidade confessional.

Creio que, hoje, a sabedoria está na busca do equilíbrio entre os

pólos de ontem. Em lugar do confronto, a dialética. Em lugar da defesa

indiscriminada do novo a cada dia mais efêmero, da novidade quase

sempre superficial, acredito que o projeto educacional do presente

deve estar fundado nas tradições da cultura humanista – incluindo-­se

a Filosofia, a Arte e a Ciência – em um diálogo contínuo com o futuro,

com a natureza dinâmica da vida e do homem. Em síntese, incorporar

e transcender a tradição;; incorporar e transcender o novo. Harmonizar

ambos, sem endeusar nem um, nem outro. Esta é uma matriz

paradoxal, dialética e desafiadora. Mas é a matriz sobre a qual se

assenta a história do Colégio Santa Cruz e o princípio que acomoda e

impulsiona seus projetos recentes e futuros”. (Plano Diretor, 1998)

O Plano Diretor de 1999, traz um texto sobre a disciplina de Religião e

Ética, ministrada no Ensino Fundamental 1, como uma área que “articula

situações de autoconhecimento, percepção dos valores familiares e sociais,

vinculadas à construção da ideia de Deus como criador e criatura. Ou seja, a

ideia de que deus se espalha por tudo o que existe, na natureza ou nos homens”.

Indicando um novo caminho a seguir. Além de haver, a partir de agora,

professores que ministram aulas de Ensino Religioso e Catequese, “levando

conceitos de confissão religiosa para as aulas regulares”. E, em 2000, um

professor de outra disciplina (História) começa a ministrar Ensino Religioso,

simultaneamente. O que vai acontecer mais algumas vezes nos anos seguintes.

A possibilidade de professores de catequese darem aulas de Ensino

Religioso também, pode ter causado alguma confusão, tanto no conteúdo

ministrado quanto na mensagem sobre qual o objetivo dessas aulas para os

alunos.

O Padre Corbeil falece em dezembro de 2001, com quase cinquenta anos

de fundação do colégio. E a presença de sacerdotes no colégio vai diminuindo.

Há a inserção de questões sobre a dimensão exterior que é a

que “agrega a experiência das relações humanas”, como “a percepção

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100

das diversidades (ética, social, cultural, corporal) e a consequente

atitude de respeito, compreensão e solidariedade, sem abrir mão dos

valores cristãos”. E sobre a dimensão interior que é a da introspecção,

que “possibilita a cada um aprender a dialogar com seu eu profundo e

o mistério de transcendência que nos constitui em essência. (Plano

Diretor, 2006)

Passos em direção a uma busca pelo transcendente, pela espiritualidade,

e a que estão ligados, como estão conectados entre si e com os seres humanos,

se era somente da Igreja Católica ou não. O grupo de Ensino Religioso foi em

busca de literatura e encontrou o Leonardo Boff, teólogo e escritor, que estava

lançando livros com essa temática.

Esse Deus não vem de fora. Ele é aquela Energia poderosa e

amorosa que os cosmólogos chamam de Energia de Fundo do

Universo, inominável e misteriosa da qual saíram todos os seres e são

sustentados, a cada momento, por ela. E nós também. Cosmólogos

como Brian Swimme e Freeman Dyson chamam de Abismo

Alimentador de Tudo ou de Fonte Originária de todos os Seres. Deus

deve ser pensado nesta linha.

É próprio da vida do espírito poder abrir-­se a essa Realidade,

deixar-­se tomar por ela e entrar em diálogo com ela. O resultado é ter

uma experiência de transcendência, sentindo-­se mais sensível e

humano. (BOFF, 2017)48

Dessa forma, o grupo caminhava para um Ensino Religioso não

equidistante do fenômeno religioso, e mais próximo da ideia de que os alunos

podem aprender a contemplar, a meditar e outras técnicas que os levem à

espiritualidade.

Em 2010, o Plano Diretor apresenta o tema a ser trabalhado no 5o ano:

“Refletir e transferir para o dia a dia a palavra de Deus”. Confirmando os passos

numa direção espiritual/teológica.

Nesse ano, que o Colégio comemora 60 anos, faz uma

reavaliação de seu projeto pedagógico e reestrutura o seu apoio

administrativo. E, para este aprimoramento, algumas mudanças já

foram feitas: a criação de uma Direção Pedagógica, exercida pela Vice-­

48 Disponível em: http://www.jb.com.br/leonardo-­boff/noticias/2017/10/02/ensino-­religioso-­ou-­ensino-­das-­religioes-­e-­iniciacao-­a-­vida-­do-­espirito/. Acesso em: 05 de novembro de 2017.

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101

Diretora Geral. Foram criadas nove comissões disciplinares – Língua

Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes,

Educação Física, Inglês e Ensino Religioso -­, que reúnem os

professores de todos os cursos, para um planejamento transversal de

cada área. Cada comissão tem um professor-­coordenador e, esses

coordenadores reúnem-­se mensalmente com a Direção Geral com a

finalidade de esboçarem seus parâmetros curriculares. (Plano Diretor,

2012)

A partir de 2012, as reuniões do grupo de Ensino Religioso, que já

aconteciam, agora passam a fazer parte das reuniões de verticalidade, como

ficaram conhecidas essas reuniões disciplinares.

4ª Fase) Teórica-­Científica, Transreligiosa

De 2012 até hoje.

Nova coordenação, um novo olhar. Exatamente pela dualidade que era

possível ser observada em muitas aulas de Ensino Religioso, um incômodo

aparece e, por causa disso, também uma nova busca por um caminho mais

condizente com a filosofia fundante do Colégio, ou seja, mais plural.

A Pastoral coordena a ação educativa voltada à formação religiosa dos alunos do Colégio Santa Cruz a partir de quatro

dimensões:

-­ sensibilização para a questão social e o voluntariado pedagógico;;

-­ ensino religioso e o desenvolvimento da espiritualidade e valores;;

-­ catequese e a iniciação para a primeira Eucaristia e Crisma;;

-­ liturgia. (Plano Diretor, 2012)

A Pastoral volta a agrupar toda a área de Educação Religiosa, mais a

liturgia. Nesse contexto, ainda há uma confusão, já que o Ensino Religioso

poderia estar agrupado junto com todas as outras disciplinas, já que busca

constituir uma área de conhecimento.

A dimensão religiosa no Colégio é muito importante, e não há

proselitismo e sim um diálogo religioso. Mas “promove-­se o

testemunho cristão e católico nas aulas de ensino religioso, e todos

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102

são convidados a participarem das celebrações litúrgicas preparadas

com muito carinho não só nas grandes datas, mas diariamente e aos

domingos”. (Plano Diretor 2013)

Alguns conflitos aparecem nesse momento de mudança e busca por uma

identidade mais teórico-­científica do Ensino Religioso. Pois uma outra visão, um

outro paradigma, mais moderno, com uma base teórica e metodológica para a

abordagem do fenômeno religioso dentro da sala de aula, começa a surgir. E,

como fonte, chegou-­se na Ciência da Religião, área que trouxe uma cosmovisão

transreligiosa e ideias contemporâneas, para atingir uma sociedade globalizada

e formar cidadãos para esse "mundo novo".

A Professora Renata Usarski, agora coordenadora da Pastoral, por um

trajeto acadêmico, fez observações de como o Ensino Religioso estava sendo

ministrado e, por meio de leituras e participando de simpósios sobre o tema,

percebeu que estava havendo uma confusão, em como essa disciplina estava

sendo organizada e como deveria ser de fato. Observou que, mesmo

respeitando todas as religiões, tinha uma ênfase no catolicismo e no cristianismo;;

pois haviam professoras que estavam no Ensino Religioso e também na

Catequese. Dessa forma, juntamente com a direção pedagógica do colégio,

recorre à academia e suas bases teóricas.

Foram realizadas algumas reuniões sobre a questão com o Prof. Dr.

Afonso Maria Ligorio Soares, coordenador do Departamento de Ciência da

Religião da PUC/SP, que era pesquisador na área de Ensino Religioso e Ciência

da Religião (Prática/Aplicada) como possível base epistemológica para essa

disciplina. Ele pediu alguns materiais, como planejamentos, textos e atividades

realizadas para fazer uma avaliação inicial do que estava acontecendo, e,

concluiu que o Ensino Religioso em questão estava sendo apresentado como

catequético, teológico. Portanto, não condizendo com a base filosófica, fundante

do Colégio, que ia de encontro com as diretrizes apontadas por um Ensino

Religioso com base na Ciência da Religião.

Dessa forma, o Professor Afonso torna-­se o assessor/consultor para essa

mudança. Ele vai várias vezes ao Colégio, realiza diversas reuniões tanto com o

corpo de coordenadores quanto com o corpo docente, e organiza tudo nessa

linha, ou seja, na linha da Ciência da Religião.

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Entre 2013 e 2014, como proposta, houve a construção de um Documento

do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, para marcar e definir a área de

atuação, metodologia, objetivos, eixos programáticos.

Há, nesse ano, a separação dos professores de Ensino

Religioso dos professores de Catequese. Para não haver assim, a

possibilidade de uma aula confessional católica, que é função da

Catequese (opcional). No Ensino Fundamental 1 há uma professora

especialista para o 3o e 4o anos, e uma para o 5o ano. No Ensino

Fundamental 2, os professores de Ensino Religioso são os próprios

professores que já ministram outra disciplina na série, no 6o ano é o

professor de História, no 7o ano o de Ciências, no 8o ano a de Francês

e no 9o ano a de História. (Plano Diretor, 2014)

A “nova” disciplina foi implementada no ano de 2014, marcando uma

mudança fundamental no Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, que agora

conta com um ensino de bases epistemológicas na Ciência da Religião e com

professores específicos para a disciplina. Um Ensino Religioso em constante

formação teórico-­científica.

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Capítulo III

O Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz

1. O Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz

No início da década de 80, já havia uma inquietação da coordenação de

Educação Religiosa, como era chamada na época, sobre como seguir e

transformá-­la numa disciplina com viés mais aberto, ecumênico, de formação de

valores e cidadania, para a convivência solidária e com bases teóricas científicas

e religiosas. Além, de continuar a tê-­la no currículo de todas as séries do 1o grau

(1a a 8a séries), como disciplina regular, com avaliações e notas.

O Padre Lourenço, que era o coordenador na época, já havia pesquisado

e lido muito sobre esse tema e, estava sempre atento ao assunto.

Muitos estudos na Inglaterra sobre Ensino Religioso, que são

mais avançados, no sentido da transcendência, que todo ser humano

tem que ter uma visão, mas que cosmovisão? Apenas científica ou

também uma cosmovisão que pode ser religiosa? Ele acha que isso é

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105

o futuro! E queria que o que ele estava fazendo também fosse para as

escolas do Estado49.

De 1980 para 1981, escreve o Marco Referencial da Educação Religiosa

no Curso de 1º Grau do Colégio Santa Cruz, que depois teve sua versão inicial

revisada entre 1983 e 1984, a qual foram acrescentadas algumas novas

referências.

O Padre Lourenço começou a trabalhar com o Marco Referencial no

Primário, inicialmente com os professores, em reuniões mensais. Mas houve um

certo desconforto e uma divisão entre eles em relação ao que o Marco

Referencial significava e trazia em si.

Um MARCO REFERENCIAL é o conjunto de doutrina e

filosofia dentro de um contexto sociológico (marco situacional) que

define um posicionamento e determina o que “deve ser”, ou seja, os

objetivos a serem atingidos. O marco doutrinal é necessariamente

abstrato, enquanto que o marco pedagógico é mais concreto. A análise

das relações entre a teoria e a prática dependerá do marco situacional,

doutrinal e pedagógico50.

Esse Marco Referencial foi resultado dos anos de experiência da

Educação Religiosa que vinha sendo realizada no Colégio, um ambiente

pluralista numa escola católica, ou seja, uma teoria que foi elaborada a partir de

uma prática.

O Marco Teórico da Educação Religiosa do 1o Grau foi

elaborado considerando:

a) o próprio contexto sociológico (marco situacional).

b) o conceito de educação integral.

c) a missão evangelizadora-­libertadora da escola católica.

d) a orientação da entidade religiosa mantenedora (Congregação de

Santa Cruz).

49 Palestra ministrada pelo Padre Lourenço, no Colégio Santa Cruz, em 2013. 50 Documento: Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz, 1980-­83, p. 1.

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106

e) as conclusões da Conferência Episcopal Latino-­americana

realizada em Puebla, em 1979.

f) a Carta Encíclica “EVANGELII NUNTIANDI” de Paulo VI (1975).

g) Igreja e Educação (estudos da CNBB) 1977.

h) CATEQUESE RENOVADA – Orientações e Conteúdo –

(documentos da CNBB no 26) 1983.

i) Educação Religiosa nas Escolas – 1977 (Estudos da CNBB no 14).

O marco pedagógico difere muito segundo as modalidades de

Educação Religiosa:

• educação religiosa curricular.

• catequese.

• dias de formação.

• liturgia.

• etc. (Marco Referencial, p. 2)

Além de trazer questões como as implicações pastorais e pedagógicas

decorrentes do contexto sócio-­religioso do colégio, a Educação Religiosa como

parte integrante do processo educativo e a distinção de Ensino Religioso e

Catequese.

Padre Lourenço esclarece algumas definições que segue em seu Marco

Referencial:

Nos Planos Diretores sempre teve Educação Religiosa, e

depois mudaram para Ensino Religioso por uma questão da legislação.

O Padre Lourenço nunca concordou com Ensino Religioso, porque em

todas as disciplinas fala-­se em Educação... Educação Física,

Educação Artística etc. Pois Educação é muito mais abrangente, é uma

formação e não uma imposição, não como uma fábrica que você vai

ensinar exatamente o que tem que ser feito. Era a Animação Religiosa,

depois ele mudou para Educação Religiosa e, depois de uns 3 anos,

mudaram para Ensino Religioso. A separação das professoras de

Catequese dos professores de Ensino Religioso foi importante, porque

a tendência é testemunhar da sua fé. E a linguagem tem que ser

diferente. Não tem que ter Nossa Senhora, Nosso Senhor, nem uma

série de expressões que são eclesiais, católicas. E tem que se preparar

para o ecumenismo e, não é possível fazer isso sem conhecer as

outras religiões. Tem que conhecer bem a própria religião, se não fica

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107

tudo no achismo e aí o ecumenismo não vai para a frente de jeito

nenhum51.

Para tanto, discorre minuciosamente em seu Marco Referencial como a

Educação Religiosa deveria ser, não só no Colégio, como nas demais escolas

estaduais.

O Marco Situacional fala sobre como o pluralismo é um reflexo da

secularização, ou seja, a sociedade e a cultura se desprendem da tutela e do

controle religioso. E dessa forma, "uma escola grande, mesmo católica, não

pode escapar à secularização". "A nossa opinião é que a escola católica não

somente aceite, mas venha a assumir o fenômeno da secularização". (Marco

Referencial, p. 4)

Então, por que se ensinar sobre as religiões, por que ter Ensino Religioso

numa escola católica? Segundo a citação do Papa João Paulo II, na Homilia da

Missa de Porto Alegre em 04/07/1980, descrita no Marco Referencial, p. 3:

Não aconteça, delitíssimos pais que me ouvis, que vossos filhos

cheguem à maturidade humana, civil e profissional, ficando crianças

em assuntos de religião. Não é exato que a fé é uma opção a fazer-­se

em idade adulta. A verdadeira opção supõe o conhecimento;; e nunca

poderá haver escola entre coisas que não foram sábias e

adequadamente propostas.

Porque é necessário conhecer para poder escolher, ou não, uma religião.

Então é importante falar sobre o que é fé, o que é crença, o que é o sagrado, o

que é o ateísmo etc, para poder saber escolher caminhos e argumentar sobre

eles.

Nesse sentido, o Ensino Religioso tem que ser visto como uma disciplina

regular, com a sua área de conhecimento definida, e não como um momento de

catequese, "instrumento da pastoral", mas sim como um "componente

necessário ao processo de educação global" (Marco Referencial, p. 4-­5).

51 Palestra ministrada pelo Padre Lourenço, no Colégio Santa Cruz, em 2013.

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108

O Marco Doutrinal, traz a ideia de que a Educação Religiosa é

componente essencial à uma formação integral. Assim, primeiro considera o que

seria o processo educativo global, dizendo que:

Educar é falar da vida, do sentido da existência humana, do

sentido das coisas e dos acontecimentos, do mundo e da sociedade.

Educar é ajudar no desenvolvimento da liberdade e do amor, em

congruência com o que é a pessoa humana. (...) Educar é ajudar

alguém a se desenvolver, a se formar, a ter senso crítico,

personalidade. Personalizar-­se é desenvolver seus dotes, saber

acolher o outro, comunicar-­se;; enfim, é ser capaz de integrar-­se

consciente e ativamente no processo evolutivo da História e da

sociedade. Quer se trate de educação física, artística, científica, moral

ou religiosa, a finalidade primordial é de facilitar o crescimento, isto é,

propiciar a realização do estudante. (Marco Referencial, p. 5)

Para depois, mostrar como a Educação Religiosa está inserida nessa

educação global e como é necessária ao crescimento multidimensional da

pessoa, trazendo duas razões que a justificam:

1) É preciso dar um sentido, uma razão de ser, um significado último.

Quando os jovens começam a se questionar sobre sua própria

existência, sobre vida e morte, o bem e o mal, sobre as injustiças

sociais e incoerências comportamentais;; busca a felicidade, o

amor, a verdade humana, a Educação Religiosa apresenta um

universo de significação. "O significado último sobre o Homem e

o Mundo só pode ser dado a partir de uma cosmovisão ou pela

religião".

2) É importante distinguir religiosidade, religião e cosmovisão. Por

religião entende-­se a relação entre o ser humano e o sobre-­

humano, ou seja, o relacionamento do ser humano com o

sobrenatural, o misterioso, o divino, o absoluto, o transcendente.

E, objetivamente, é o conjunto de todas as ações, manifestações

e prescrições religiosas que se referem ao Sagrado. Religiosidade

é inata à pessoa humana, é a atitude dinâmica de abertura do

homem ao sentido radical de sua existência. Não se trata de "mais

uma" atitude ou função: a religiosidade é a dimensão mais

profunda de todas as funções da vida humana, ou melhor, da

totalidade da vida humana. Esta abertura ao sentido radical da

existência humana será, por isso mesmo, abertura ao

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109

transcendente. É uma característica antropológica. (Marco

Referencial, p. 7)

Essa Educação Religiosa se apresenta num processo de Educação

Libertadora, entendida como método. E, esta deve ser uma educação

humanizante, aberta, personalizante, pluralista e dialogal, e em seus conteúdos

uma educação conscientizadora, renovadora, crítica e transformadora da

realidade.

Assim, as aulas de Educação Religiosa (Ensino Religioso Curricular), tem

como objetivos específicos:

1. Informar ao aluno do conteúdo doutrinal e histórico do Cristianismo

e de outros conteúdos de fé;;

2. Ajudar o aluno a descobrir o sentido evolutivo da História e o sentido

dinâmico e transcendental da sua própria vida;;

3. Proporcionar ao educando informações oportunas, orientações e

experiências ligadas à dimensão religiosa da vida que o ajudem a

cultivar uma atitude de abertura ao sentido radical da sua existência

e a preparar-­se para uma opção responsável de seu projeto de vida;;

4. Formular em profundidade o questionamento religioso para que o

aluno dê a sua resposta de forma livre, coerente e engajada;;

5. Aprofundar vivências, melhorando o nível de religião, diálogo e

convivência;;

6. Ajudar o educando a descobrir as incoerências e contradições

existentes entre certos sistemas de valores e os valores promovidos

pelo cristianismo;;

7. Discernir as ações mais condizentes com as opções religiosas

teoricamente assumidas tanto no sentido da moral individual como

da moral social;;

8. Incentivar o educando a prestar serviço gratuitamente libertando-­o

do pragmatismo e solidarizando-­o com a causa dos pobres.

Quando estes objetivos são operacionalizados dentro de uma visão

propriamente educacional e acadêmica, torna-­se claro para o

educando, o seu caráter informativo e a sua importância para uma

formação integral. (Marco Referencial, p. 16)

Tudo isso, para que, como o próprio Padre Lourenço dizia, o aluno possa

posicionar-­se para se tornar cada vez mais ele mesmo.

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110

Quando estes objetivos específicos, citados acima, são

operacionalizados dentro de uma visão propriamente educacional e

acadêmica, torna-­se claro para o educando, o seu caráter informativo

e a sua importância para uma formação integral. O estudante não sente

aquela coação psicológica que a Catequese compulsória exerce.

A aula de Educação Religiosa não se limita à simples

informação sobre um acontecimento como qualquer fato histórico, ou

à mera assimilação da matéria apresentada. Ela deve procurar levar o

educando a uma tomada de posição. (...) O professor não pode ser

apenas um transmissor de informação religiosa. Ele deve ser

sobretudo um animador que respeite uma consciência crítica e mostre

a força criativa da religião na humanização da sociedade. (Marco

Referencial, p. 16)

A outra questão primordial, era a integração com os objetivos

pedagógicos da escola, para ser aceita como qualquer outra matéria e se firmar

como atividade acadêmica, possuindo os mesmos títulos e os mesmos direitos.

Do ponto de vista educativo, não nos parece normal que um

estudante termine o 1o Grau sem ter refletido em algum momento, de

uma maneira ou de outra, sobre o fenômeno religioso. As aulas de

Educação Religiosa, em nosso Colégio, são obrigatórias desde a 1a

série e integradas nos objetivos gerais da escola. As provas são

elaboradas com cuidado. Desde a 5a série todos os alunos são

avaliados, recebendo um conceito de Ensino Religioso em cada

período;; este conceito pode ser sujeito à recuperação de forma igual

às outras matérias.

(...) Os padrões acadêmicos e as exigências de trabalho

devem levar o educando a esforços equivalentes às outras matérias.

Podemos afirmar que, fazendo da Educação Religiosa uma matéria

curricular, operacionalizada sistematicamente, avaliada segundo os

padrões das outras matérias e ministrada com objetividade por

professores competentes, evitando uma certa apologética, exortação

moralizante ou propósito ideológico, conseguimos interessar os

alunos, fazê-­los pesquisar e aprender dando-­lhes melhores

oportunidades de desenvolvimento harmônico. (Marco Referencial, p.

17-­18)

Page 112: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

111

Mas não foi possível desenvolver esse trabalho por muito tempo, pois com

a saída do Padre Lourenço, no final de 1984, os professores que não queriam

fazer essas mudanças, que não se identificaram com ela, se vêm livres para

continuarem suas aulas sem alterações e sem muitos questionamentos. Apesar

de continuarem a seguir os planos de aula estabelecidos com os temas e ideias,

mais avançados (“modernos”), que o Padre Lourenço havia deixado como seu

legado.

E assim, não existiu um olhar, de fato, mais aprofundado para esse

documento na época, de maneira que foi deixado de lado e logo esquecido.

2. O Modelo atual

2.1. Origem

No lugar do Pe. Lourenço, em 1985, o Padre Corbeil assume a

Coordenação da Pastoral do Curso Ginasial. E no ano seguinte, o Padre

Charbonneau assume a Coordenação Geral da Pastoral do Colégio, que

agrupava todas as áreas relacionadas à Educação Religiosa (Ensino Religioso,

Catequese, Ação Comunitária, Cultura Religiosa e Orientação Pastoral). Além

de assumirem a Animação Espiritual do Colégio por esse período, que depois,

passa para o Padre Filinto C.S.C, padre indiano que chega de Goa, em 1987.

O Professor Cláudio Rondello, como coordenador da Educação Religiosa,

seguiu as diretrizes indicadas pelo Padre Lourenço, como por exemplo, a que

deixava clara a separação da Catequese e do Ensino Religioso. Mas, a

separação dos professores de Ensino Religioso dos de Catequese não

aconteceu, como era indicado no Marco Referencial. Talvez, porque faltavam

professores com formação especializada nessa área. Todos os professores

ligados a esses dois cursos participaram de um processo no qual era apontada

Page 113: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

112

a importância de se separar bem esses dois assuntos;; mas, na prática, não

acontecia exatamente assim. O “testemunho pessoal” muitas vezes era

apresentado, sem um distanciamento científico necessário, o que causava um

conflito entre modelos do Ensino Religioso.

Esse período teve duração de 23 anos, o chamei de 3ª Fase do Ensino

Religioso, Fase Teológica-­Espiritual, Unirreligiosa. Nessa Fase houve uma maior

proximidade das áreas afins à Pastoral (Ensino Religioso, Ação Comunitária,

Catequese e Encontro de Jovens), com reuniões que eram realizadas

regularmente, para discussões de textos/livros, palestras, compartilhar as

vivências e experiências de cada grupo, pesquisas da área, participação em

simpósios etc. Houve também uma aproximação, ainda maior, da Ação

Comunitária (ação social dos alunos) das aulas e, uma parceria educacional com

os Cursos, num sentido de "prática" de solidariedade, ou seja, como a prática do

que o aluno tinha assimilado nas aulas de Ensino Religioso e/ou Catequese. Mas

não durou a Fase inteira, porque em 2010 (Plano Diretor) a Ação Comunitária

passa a ser chamada de Voluntariado Educativo, e torna-­se uma atividade

pedagógica, já que a proposta passa a ser desenvolver ações ligadas a

aprendizados curriculares, em formatos mais próximos a aulas formais, e menos

ligada às premissas cristãs, de “missão”.

Mas, por outro lado, como o Marco Referencial tinha deixado algumas

ideias importantes sobre a religiosidade ser fundamental para a formação

integral do aluno, o grupo de Ensino Religioso, dirigido por seu coordenador,

"mergulha" em estudos para buscar um "corpo" para essa disciplina e uma linha

mestra a seguir. Optaram pela busca da espiritualidade como tema central e, em

maneiras de como trazê-­la para a sala de aula, como visto na descrição da 3a

Fase, no Capítulo II. Por meio de pesquisas sobre o tema, chegaram aos textos

do Leonardo Boff, teólogo e escritor, os quais foram lidos e discutidos.

Segundo Boff, o ensino religioso deve ser introduzido nas

escolas como forma de trabalhar a dimensão espiritual dos alunos.

"Nós ensinamos às pessoas muitas disciplinas, mas não as

introduzimos na meditação, a encontrar com seu ‘eu’ profundo, a ter

um momento de contemplação do universo, da realidade, descobrir o

mistério das coisas, porque é isso que humaniza o ser humano e

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113

desenvolve nele o sentimento de grandeza, de respeito". Para ele, uma

das novas funções da escola é incorporar a religião no currículo em

benefício de uma educação mais humanística e mais completa, tendo

em vista as constantes mudanças culturais.

Ele diz ainda, que é possível trabalhar a religião nas escolas

levando-­se em conta a diversidade cultural e de crenças. "Em uma

sociedade democrática todas as religiões estão em pé de igualdade,

então, o Estado não pode privilegiar nenhuma delas porque seria

injustiça. Por isso, mais do que falar em religião, podemos iniciar o

estudante no mundo espiritual porque é da espiritualidade que vivem

as religiões. A espiritualidade é um encontro com o mistério do mundo

e da pessoa, com grandes temas como: de onde venho, para onde vou,

o que faço neste mundo, o que posso esperar, qual é a minha missão

aqui. Essas dimensões espiritais não são monopólio das religiões, são

dados antropológicos"52.

Essa postura mostra que a ideia dessa Fase era a de que não podia haver

distância do fenômeno religioso. Por isso, achava-­se que ensinar espiritualidade

dentro da sala de aula seria possível, sendo significativo para o aluno e para o

professor.

O Padre José Amaral de Almeida Prado (Animador Espiritual) participou

do primeiro encontro da Comissão de Verticalidade de Ensino Religioso

apresentando um texto sobre os conteúdos da disciplina, disponibilizado no

Plano Diretor de 2012. Segue alguns trechos:

Nos anos 70, no Colégio Santa Cruz, a disciplina curricular

então denominada Religião se desdobrou em Ensino Religioso e

Catequese. A primeira, como parte do currículo obrigatório, elegeu por

conteúdo programático a história e a doutrina das grandes religiões que

pontuaram a trajetória da humanidade, bem como a leitura de textos

bíblicos e a formação dos estudantes alimentada pelos valores

cristãos. (...)

52Disponível em: http://www.itatiba.sp.gov.br/Noticias/27042009-­leonardo-­boff-­qreligiao-­deve-­ser-­introduzida-­nas-­escolas-­para-­uma-­educacao-­humanistica-­e-­mais-­completaq.html. Acesso em: 20 de setembro de 2017. Leitura indicada pelo Professor Cláudio Rondello.

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114

O caráter ecumênico e pluralista é um ideal cuja consecução

exige profundo discernimento entre uma visão antropológica da religião

– que em nossa perspectiva pressupõe uma educação sustentada

pelos valores cristãos – e um processo catequético, que envolve a fé e

a doutrina católica. Sendo um colégio de orientação católica, o Colégio

Santa Cruz quer preservar e manter seus princípios religiosos, sem

negar sua condição ecumênica e o respeito à liberdade de pensamento

e a defesa dos direitos humanos. (...)

A modernidade e a pós-­modernidade revolucionaram a nossa

visão do mundo e, como consequência disso, transformaram a

linguagem com a qual descrevemos esse mundo novo. As ciências, de

todo o tipo, nos fizeram rever, por exemplo, a leitura dos primeiros

capítulos da Gênesis e o que se via como dogma passou a ser visto

como mito sem que isso desmerecesse a obra de Deus, criador do

universo.

O texto citado acima serve, no contexto inserido, para lembrar que apesar

de ser um colégio pluralista, o Santa Cruz é católico, e como pensar num

currículo que concilie essas duas linhas.

A Professora Cristine Conforti, Diretora Pedagógica do Colégio,

juntamente com a Professora Renata Usarski, coordenadora da Pastoral – setor

ao qual o Ensino Religioso está ligado -­, passa a acompanhar mais de perto as

reuniões de verticalidade, e decide que as professoras de 2o ano passem a

ministrar essa disciplina, e não mais os especialistas, com conteúdo voltado mais

a valores, não tanto a religião em si, dada a faixa etária e a proximidade com o

professor de classe.

A devolutiva do Professor Afonso Soares seguiu para uma direção que,

como primeira ação, apontava para a separação dos professores de Ensino

Religioso dos de Catequese, indicação essa já feita pelo Padre Lourenço em

1981 em seu Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do

Colégio Santa Cruz, como já visto no item 1 desse Capítulo. Por isso, o Padre

Lourenço foi convidado a dar uma palestra para o grupo de professores do

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115

Ensino Religioso, retomando o Marco Referencial e suas principais ideias, que

corroboraram para a escolha da Ciência da Religião como base estruturante

dessa disciplina no Colégio. E dessa palestra, participaram também os

coordenadores pedagógicos do Ensino Fundamental 1 e 2, seus respectivos

diretores, além de coordenadores e a diretora do Ensino Médio, e as professoras

de Catequese.

Assim, a partir de 2013, com estudos, formações e encontros de

verticalidade, o grupo se preparou para que a mudança pudesse ser

implementada em 2014, ano em que o documento do Ensino Religioso do

Colégio Santa Cruz é concluído e entregue à Direção do Colégio.

Originando-­se desse modo, um novo modelo de Ensino Religioso no

Colégio Santa Cruz, juntamente com uma nova Fase, a 4a Fase: teórico-­

científica;; que define o modelo atual. Num processo de adaptação, avaliação,

revisão e de como está sendo sua implementação e seu funcionamento.

2.2. Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz

Para que seja possível entender as práticas realizadas no Ensino

Religioso do Colégio Santa Cruz é importante conhecer o seu documento.

Esse documento está dividido em três partes, uma introdução geral, um

descritivo de como é pensado e desenvolvido no Ensino Fundamental 1 e um

outro, no mesmo formato, para o Ensino Fundamental 2. Nesses descritivos são

apresentados os objetivos, a metodologia e os eixos programáticos da disciplina.

Foi escrito por todos os professores de Ensino Religioso, em conjunto com as

coordenadoras pedagógicas dos cursos e a coordenadora da Pastoral;; concluído

e oficializado em 2014.

A seguir, o Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz na

íntegra:

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116

Introdução

Com o intuito de buscar modernização e maior adequação a nossos

tempos, o Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz vem sendo objeto de análise

e avaliação, o que culminou em uma série de mudanças, algumas ainda em fase

de implementação.

No início dos anos 80 foi criado pelos padres da Congregação de Santa

Cruz um Marco Referencial que estabelecia clara distinção entre Ensino

Religioso e Catequese. O documento considerou a diversidade e pluralidade que

compunham o campo religioso brasileiro e a crescente secularização, em

especial nas grandes cidades. Esse contexto plural havia atravessado os muros

da escola, e esse fato foi levado em conta.

Sendo assim, o documento deixava explícito que a Catequese pressupõe

a fé, o ensinamento das doutrinas e o anúncio do Evangelho. Destina-­se a alunos

advindos de famílias católicas que desejam ser preparados para receber os

sacramentos e adquirir maior aprofundamento da fé cristã.

Já o ensino religioso deve contemplar a pluralidade religiosa existente em

nosso colégio e em nossa sociedade multicultural e, portanto, garantir uma

educação que pressuponha a diversidade e liberdade religiosa de forma a

contribuir para a formação ética e cidadã de nossos educandos.

No entanto, observou-­se que essa distinção entre Ensino Religioso e

Catequese tinha que ser feita de forma ainda mais explícita;; a consolidação

plena desse princípio se realizou neste ano (2014), a partir de reformulações

decorrentes das observações feitas nos últimos anos.

Uma das primeiras mudanças que corroboraram para essa consolidação

foi a decisão de que o professor que ministra aulas de Catequese não deve ser

o mesmo que ministra aulas de Ensino Religioso. Dessa forma, o risco de se

conferir um caráter catequético às aulas de Ensino Religioso foi afastado.

A partir daí, fez-­se a opção por um modelo de ensino religioso pluralista

e, portanto, mais alicerçado na Ciência da Religião do que na Teologia. Esta

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117

escolha justifica-­se porque, embora sejamos uma escola confessional católica,

atendemos a um público que reflete a diversidade religiosa de nossa sociedade.

Pareceu-­nos mais coerente a adoção de um modelo de Ensino Religioso que

oferecesse reflexões mais inclusivas e democráticas, um modelo de Ensino

Religioso que não tivesse como pressuposto a identificação com algum credo

específico. A Ciência da Religião oferece fundamentos e maior escopo de

possibilidades para contemplar uma demanda tão diversificada;; a Teologia, em

contrapartida, restringe-­se à fé cristã.

Para que esse modelo fosse aplicado com eficácia, foi necessário ter

clareza do perfil do professor que ministra cada disciplina. Nesse sentido, foi

importante a separação das matérias. O professor de Ensino Religioso deve

sempre levar em conta os alunos com quem está trabalhando, perceber quais

as necessidades prementes daquele grupo. Deve saber dialogar com a

Antropologia, a Sociologia, a Filosofia e até mesmo a História, que contextualiza

os acontecimentos religiosos ao longo da trajetória humana, nos trazendo à

modernidade e suas complexas indagações. Cabe ao professor de Ensino

Religioso discutir essas questões que podemos chamar de existenciais ou

espirituais, e que auxiliam na formação dos valores e na construção do sentido

de vida dos alunos;; e apresentar as diferentes tradições religiosas, refletindo

sobre seu papel na história e seu impacto na sociedade.

Por reconhecer sua relevância na formação de seus estudantes, temos

claro que o Ensino Religioso é uma matéria como outra qualquer e está inserido

na grade curricular do Ensino Fundamental, como disciplina obrigatória, a partir

do 2º ano (Fundamental 1), estendendo-­se até o 9o ano do curso.

Dada as diferenças de faixa etária, essa matéria é abordada sob

diferentes óticas e metodologias nos dois segmentos. Mantém, porém, o mesmo

caráter formativo, a mesma filosofia inclusiva e de respeito às diversidades que

é a adotada pelo Colégio. Cabe ao ensino religioso diluir atitudes

preconceituosas que possam ferir a convivência democrática;; apresentar valores

que estimulem o desenvolvimento da cidadania e da consciência ética;; contribuir

para a compreensão do ser em sua totalidade e abrir possibilidades de se

relacionar com o transcendente, sem qualquer forma de proselitismo.

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118

As aulas de ensino religioso devem subsidiar o conhecimento do aluno

com relação ao respeito e entendimento de culturas e tradições religiosas

existentes nas mais diversas esferas da nossa sociedade, bem como de outras

culturas.

Constatadas as necessidades de mudança e de maior adequação à

realidade plural do Colégio e da sociedade brasileira, nos lançamos à prática:

construir um currículo de ER com base na experiência de nosso dia a dia e com

reflexão continuada dos educadores, em especial no Fundamental 1, onde as

mudanças foram mais significativas e ainda estão sendo implementadas.

As descrições dos planejamentos dos cursos de ensino religioso dos

segmentos EF1 e EF2 feitas a seguir refletem as discussões do grupo nas

reuniões de verticalidade e o trabalho dos professores de ER que, a partir de um

currículo elaborado para atender às necessidades e limites das faixas etárias de

cada ano em cada segmento, exploraram os conteúdos programáticos da melhor

forma possível, por meio de diferentes metodologias, apresentando novos

conceitos sobre valores, bem como diferentes tradições religiosas e de que

maneira elas se manifestam na contemporaneidade.

Ensino Religioso no Fundamental 1

Objetivos

O Ensino Religioso no Ensino Fundamental 1 se modifica e se amplia

para, desde cedo, contribuir para a formação integral de nossos alunos.

Buscamos trabalhar as dimensões espiritual e filosófica do sujeito -­ significados,

sentimentos, pensamentos -­ para que, dessa forma, eles possam se constituir

como seres éticos, que assumem valores em sua conduta, se relacionam com o

outro e com o mundo social de que fazem parte.

Cada aluno tem sua história e sua tradição religiosa familiar. Nas aulas,

isso é valorizado de forma a mostrar que a diversidade, em todos os sentidos, é

importante e necessária e que diferentes escolhas devem ser respeitadas.

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119

Desse modo, complementando o objetivo formativo, há o informativo, que

procura apresentar diversas religiões, suas práticas, simbologia e valores ao

longo das séries do EF1. O conhecimento dos possíveis caminhos espirituais a

seguir promovem uma ampliação da visão de mundo e, com o avançar dos anos,

a (re)afirmação das escolhas realizadas.

A religião é um fenômeno social, vivenciada através de um conjunto de

símbolos e rituais que a caracterizam e identificam. É um elemento central da

experiência humana e existe em todas as sociedades conhecidas

(DIMENSTEIN, RODRIGUES, GIANSANTI, 201253).

Por isso, conhecer as diversas religiões traz às relações um convívio

pacífico e de troca. “Meu ‘deus’ está onde deposito meu coração. Que nome dou

a ele (Iahweh, Zeus, Olorum, Alá) é uma questão de significantes culturais”

(SOARES, 2012, p.235).

É preciso comunicação e reflexão para que não impere a indiferença ou o

preconceito. Daí a importância de se buscar também um objetivo filosófico no

trabalho com as crianças, promovendo a problematização do cotidiano, dos

encontros, das diferenças, bem como da transcendência.

Metodologia

O Ensino Religioso no Fundamental 1 adota uma metodologia que volta

especial atenção à adequação e às necessidades das faixas etárias nos

conteúdos e temas desenvolvidos, que poderiam de outro modo se apresentar

bastante complexos e inacessíveis. A abordagem é interdisciplinar, pois os

temas estão entrelaçados a outros campos de conhecimento, como a Literatura

e as Artes Visuais, a História e a Antropologia, uma vez que os objetos de ER

encontram representação em diversas linguagens e são alicerçados em

diferentes culturas.

53 Livro: “Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão”. Capítulo 3: Religião. São Paulo: FTD, 2012. p. 74-­107.

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120

Sendo assim, o trabalho com livros, filmes, poemas, histórias em

quadrinhos é bastante intenso. Também o tratamento de manifestações

religiosas indígenas e africanas, por exemplo, dialoga com nosso programa de

História.

Levando-­se em consideração os objetivos propostos, o “como” ensinar

alunos de 2º a 5º anos constitui um diferencial, que pressupõe uma escuta aberta

da parte do professor e acolhimento dos questionamentos e inquietudes dos

alunos, bem como reflexão e discussões a respeito das questões humanas,

como liberdade, preconceito, direitos e deveres, e transcendência. Assim,

nessas aulas, o valor maior não está na exposição de conhecimentos, e sim no

diálogo amplo e distanciado da ideia de que o que se discute tem um ponto de

chegada definido, está certo ou errado. Ouvir e ser ouvido são pressupostos para

o diálogo, permeado pela noção de respeito à diversidade e opinião alheia.

Assim, metodologia e conteúdo disciplinar guardam estreita relação.

Para que as aulas de Ensino Religioso sejam momentos de

aprofundamento e espontaneidade, a disposição das crianças na sala de aula

também é importante: acomodar-­se livremente no chão ou ao ar livre, ou mesmo

em trabalhos em grupo, são práticas constantes. Faz-­se necessário também que

haja, sempre que possível, vivências relacionadas ao que é conversado, práticas

que possam ser significativas, como a observação atenta da natureza no campus

do colégio ou uma visita à nossa capela. Assim, o aluno experimenta na ação o

que foi abordado no nível das ideias.

Os conteúdos discutidos nas aulas de ER nos quatro anos do

Fundamental 1 são trabalhados em gradação e espiral.

Em gradação, pois, nas séries iniciais, 2º e 3º anos, as reflexões se

baseiam em valores como respeito, amizade e solidariedade, que estão mais

próximos das preocupações e necessidades dessa faixa etária, do “eu em

relação ao outro”. Ao longo da escolaridade, até o 5º ano, a criança vai se

deslocando desse autocentramento e torna-­se capaz de olhar o outro como um

ser diverso, que também tem desejos. Nesse sentido, o trabalho com o valor da

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121

diversidade e questões de Meio Ambiente parecem muito pertinentes a essa fase

final do Fundamental 1.

Em espiral, pois, mesmo já tendo sido abordados em determinada série,

alguns conteúdos, como as manifestações religiosas ao redor do mundo ou o

valor da paz, podem voltar a ser abordados, sob outra ótica, em outra série. Os

debates e aprendizagens do curso não são considerados concluídos. Eles são

revisitados e ressignificados conforme o desenvolvimento emocional e

intelectual dos alunos, uma vez que, nesse segmento escolar, ocorrem grandes

transformações do pensamento em direção à capacidade de abstração.

Eixos programáticos

O primeiro eixo programático que identificamos é o dos valores, manifestos em atitudes que favorecem o desenvolvimento de uma sociedade

onde o humano possa ser plenamente desenvolvido. São abordados,

prioritariamente, paz, respeito, gentileza, diversidade, gratidão, amizade, amor,

união, justiça, de maneiras diversas: leitura de histórias, exibição de filmes,

discussão sobre situações concretas, expressão da atuação de grandes líderes.

Permeando esses valores, ainda estão presentes o diálogo, a escuta e a

consideração expressos na metodologia de trabalho.

O segundo eixo programático é a relação com o outro, com o que está fora do eu (a alteridade) e que, em certa medida, é diferente e desconhecido.

Nesse sentido, há uma proposição de que os alunos possam olhar para si

mesmos e para seus pares, identificando semelhanças e diferenças,

complementaridade ou oposições que, ao serem consideradas e ponderadas,

podem levar a um crescimento pessoal.

O terceiro eixo programático é o meio ambiente, entendido como o espaço onde vivem, convivem e interagem seres vivos e elementos não vivos.

Esse eixo abrange a dimensão ecológica, foco de grande preocupação na

atualidade, do ponto de vista global;; no entanto, trabalhamos a ampliação desse

conceito, trazendo-­o para perto de cada um de nós, a começar pelo espaço da

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122

própria sala de aula, do qual somos chamados a cuidar e nos responsabilizar

para que seja um ambiente agradável para todos.

Um eixo de trabalho que permeia todos os demais é a constante retomada

do que vem a ser espiritualidade e religiosidade, por meio de suas diversas

expressões simbólicas e rituais, oferecidas aos alunos em panorama ao longo

das cinco séries, e também por meio das festas especificamente católicas vividas

na comunidade escolar – Páscoa, Festa Junina, Natal.

É importante ressaltar que a ordem de exposição dos eixos do programa

não corresponde à ordem em que estes são desenvolvidos;; trata-­se

simplesmente de uma organização expositiva, uma vez que os tempos didáticos

de cada sequência estão intimamente relacionados ao desenvolvimento do ano

letivo e dos conteúdos pedagógicos de cada série.

Ensino Religioso no Fundamental 2

Objetivos

Considerando a especificidade do curso, sua periodicidade e as

características da faixa etária, foram propostas, no final de 2013, mudanças na

composição da equipe docente e na estrutura programática do curso de Ensino

Religioso no EF2 para 2014. Além da competência em dialogar com a faixa etária

e disposição para estudar e ministrar o curso a partir dos alicerces da Ciência da

Religião, foi feita a opção por montar a equipe com professores que já ministram

aulas de outras disciplinas em cada uma das séries e que, portanto, encontram

os alunos de forma mais frequente. Esse contato estreito possibilita o

aprofundamento do trabalho formativo proposto, já que o aluno do EF2 vive um

período de intensas transformações físicas e psíquicas em que está

particularmente propenso a refletir sobre sua existência, sua relação com os

outros e sua atuação no mundo, desde que perceba que há uma real disposição

para o acolhimento e diálogo. Nesse sentido, o curso de Ensino Religioso tem o

potencial de ser um espaço privilegiado para a reflexão e discussão. A partir dos

temas propostos, os alunos comumente trazem para a classe vários de seus

Page 124: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

123

dilemas e dificuldades do cotidiano, criando um contexto e um relacionamento

professor-­aluno diverso dos demais cursos regulares.

Além disso, fizemos mudanças significativas no programa para que os

alunos tenham maior consciência da estrutura do curso de Ensino Religioso no

EF2 e do seu percurso de aprendizagem. Cabe ressaltar que a escolha do

conteúdo de cada série levou em consideração o momento do desenvolvimento

em que o aluno se encontra, os temas nos quais ele está imerso por conta do

trabalho das demais disciplinas e os conteúdos transversais das séries. Dessa

forma, a disciplina de Ensino Religioso torna-­se naturalmente parceira de várias

outras áreas do conhecimento ao longo do percurso, criando uma sinergia que

favorece o aproveitamento do aluno. Partimos de experiências bem-­sucedidas

na área e reposicionamos alguns conteúdos para estabelecer uma estrutura

comum composta de quatro eixos e seus objetivos. São eles:

Eixo das tradições religiosas

• Identificar as origens históricas e ampliar o repertório do aluno

acerca das diversas manifestações religiosas.

• Contribuir para que o aluno valorize e respeite as diferentes

expressões religiosas e culturais.

• Estimular o aluno para que ele possa reconhecer no fenômeno

religioso, eminentemente humano, sua expressão espiritual.

• Capacitar o aluno a estudar a religião também como um fator

histórico, que influencia e sofre influência do contexto em que ocorre.

O estudo das tradições religiosas foi distribuído ao longo dos quatro anos,

conforme esquema abaixo. Deste modo, há tempo para aprofundar devidamente

cada uma delas e proporcionar encontros com líderes religiosos e visitas aos

templos, quando necessário. Além disso, o aluno terá mais tempo e níveis

diferentes de maturidade, ao longo do processo, para refletir sobre esses

universos.

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124

6º ano: Indígenas brasileiros (animismo, totemismo e xamanismo) e Budismo (na Índia, China, Japão, Nepal e Vietnã).

7º ano: Judaísmo e origem do Cristianismo.

8º ano: Cristianismo, Protestantismo, religiões evangélicas e religiões africanas (Candomblé e Umbanda).

9º ano: Islamismo

Eixo Filosófico

• Subsidiar o aluno na formulação de questionamentos existenciais.

• Estimular o aluno a refletir sobre as diversas definições de religião,

bem como sobre as relações dos homens com o fenômeno religioso.

• Promover a reflexão sobre a existência ou não de uma busca

intrínseca ao ser humano que percorre todas as religiões.

• Estimular a investigação sobre a dimensão religiosa do

conhecimento humano.

• Promover a reflexão sobre a busca de uma verdade pelas religiões

e pela ciência no mundo contemporâneo, bem como sobre o anseio

humano pelo transcendente.

• Discutir as influências históricas e sociais sobre as noções e

definições de direitos humanos.

• Refletir sobre o direito à religião, ao credo pessoal e à prática

religiosa.

• Refletir sobre os fundamentalismos religiosos.

Eixo Valores

• Debater ideias e expressá-­las a partir de temas atuais que estejam

relacionados às discussões acerca das religiões de forma respeitosa.

Page 126: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

125

• Apresentar os aspectos dialéticos da moral e dos princípios éticos

levando em consideração os contextos social e cultural.

• Reconhecer e valorizar os modelos éticos humanistas.

• Refletir sobre a relação do ser humano com a natureza na

perspectiva espiritual, identificando as questões sociais e ambientais

da contemporaneidade.

Eixo Vivencial

• Sensibilizar o aluno para o compromisso social e estimular sua

participação política. Identificar o agir humano ético e a dimensão da

alteridade.

• Refletir sobre os aspectos transcendentais na relação com os

outros.

• Proporcionar experiências que levem à reflexão sobre a própria

espiritualidade.

3. A Ciência da Religião como matriz

A religião, segundo PASSOS (2007) não é um assunto somente das

pessoas que creem ou que participam de alguma instituição confessional, pois

ela é um fato antropológico e social que está na vida dos cidadãos de diversas

maneiras. Portanto, o estudo da religião é fundamental e indispensável, e o seu

ensino nas escolas, para que os estudantes entendam o seu valor teórico,

político e pedagógico na formação de cidadania e humanização dos indivíduos,

é muito importante. A questão não é “do direito ou não à religiosidade, mas do

direito à educação de qualidade que prepare o cidadão para visões e opções

conscientes e críticas em seus tempos e espaços” (PASSOS, 2007, p. 77).

Page 127: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

126

Então, propor a Ciência da Religião como matriz, epistemológica e

pedagógica, pertinente ao Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, é dar luz a

uma educação para a cidadania plena, e falar

da importância humana dessa abordagem: como dimensão do

ser humano, filosoficamente compreendido como aberto ao

transcendente, e também do ser humano na qualidade de sujeito

culturalmente situado dentro de referências religiosas, informado de

múltiplas maneiras sobre elas e, muitas vezes, agindo

deliberadamente a partir delas. Não se trata de buscar,

prioritariamente, um fundamento último para a ação pedagógica que,

em última instância, pretende formar o educando dentro de

determinados valores, mas de introduzir no universo dos objetos

abordados na escola a religiosidade e a religião e, até mesmo, as

explicitações de fé. (...) O conhecimento da religiosidade e da religião

faz parte do processo educacional, assim como o conhecimento da

matemática, da história, da política etc.

O estudo da religião se torna uma via indispensável na tarefa

urgente de educar para a convivência universal, e mais, para a

sobrevivência humana e ecológica em tempos de crise planetária.

(PASSOS, 2007, p. 76, 125).

Dessa maneira, o Colégio, decidido a mudar o seu Ensino Religioso, se

firmou em seus ideais e em sua filosofia, ou seja, em sua identidade, e escreveu

o seu Documento, argumentando sobre a importância de se olhar para o

contexto plural de sua comunidade e para a sociedade multicultural a sua volta.

Além de, para isso, pensou, refletiu e escolheu objetivos, práticas e conteúdos

que estivessem de acordo com essa realidade.

E a preocupação para que a Ciência da Religião estivesse presente nas

aulas de Ensino Religioso, vem da pertinência do uso constante de suas sub-­

disciplinas, como a Sociologia, a Antropologia, a História e a Psicologia. Pois,

dessa maneira, é possível falar de Religião em termos de formação da

sociedade, de valores, de ética, de respeito etc, e principalmente, sobre a

formação básica do aluno-­cidadão, pela formação integral indivíduo.

Page 128: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

127

O olhar que lançamos sobre o fenômeno religioso não é

confessional nem pertence a esta ou àquela “teologia”;; sua base

epistemológica é a Ciência da Religião. Essa abordagem possibilita a

análise diacrônica e sincrônica do fenômeno religioso, a saber, o

aprofundamento das questões de fundo da experiência e das

expressões religiosas, a exposição panorâmica das tradições

religiosas e as suas correlações socioculturais. Trata-­se, portanto, de

um enfoque multifacetado que busca luz na História, na Sociologia, na

Antropologia e na Psicologia da Religião, contemplando, ao mesmo

tempo, o olhar da Educação. Além de fornecer a perspectiva, a área

de conhecimento da Ciência da Religião favorece as práticas do

respeito, do diálogo e do ecumenismo entre as religiões. Contribui,

desse modo, com uma educação para a cidadania, que, mesmo sem

ser anticonfessional, transcende esses compartimentos para poder

incidir na formação integral do ser humano. (SOARES, 2010, p. 11)

A área específica da Ciência da Religião Aplicada dá suporte a todas as

práticas e atividades desenvolvidas pelo Ensino Religioso do Colégio porque vai

de encontro com a sua filosofia fundante, com sua filosofia humanista e

pluralista, que trabalha com a diversidade, com o “outro”, no sentido de vivenciar

e promover uma sociedade mais pacífica, sustentável e justa.

Dessa forma, tanto o Ensino Fundamental 1 quanto o Ensino

Fundamental 2 definiram alguns objetivos comuns: o formativo, que leva em

conta as dimensões espiritual, filosófica, psíquica e relacional, das questões do

dia a dia, das mudanças físicas, da existência;; e o informativo, que apresenta as

diversas religiões e suas práticas e tradições, temas de outras disciplinas e

conteúdos transversais das séries -­ de forma gradativa e em espiral no EF1.

Fazendo com que o Ensino Religioso seja parceiro de várias áreas do

conhecimento, e um espaço privilegiado de reflexão e discussão sobre diversas

questões. Marcando a presença da Ciência da Religião na combinação de

disciplinas adjacentes existente nessas aulas, em que o aluno não precisa

desmembrar os assuntos, eles podem ser vistos e estudados de maneira

holística.

Uma “autonomia localizada no âmbito da comunidade

científica, dos sistemas de ensino e da própria escola”. Mas qual é o

Page 129: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

128

diferencial prático, em sala de aula, que pode oferecer um ensino

baseado na Ciência da Religião?

Conforme explica o professor Peter Antes, catedrático dessa

disciplina na Universidade de Hannover, na Alemanha:

A contribuição da Ciência da Religião consiste em possibilitar [ao

aluno] comparações contrastantes entre sistemas de referência.

Aprende-­se que nenhum ser humano que tem sua língua, seus

pensamentos e seus valores pode viver sem um sistema de referência.

Aprende-­se também que nenhum sistema de referência pode ou deve

reclamar para si validade absoluta. Com isso, desmascara-­se qualquer

forma de eurocentrismo como ilusão perigosa.

Onde o autor diz eurocentrismo, leia-­se, entre nós,

“catolicocentrismo”, “evangelicocentrismo” e até, se quisermos,

“ateísmocentrismo”. O importante, aqui, é que, “enquanto teólogos

[cristãos] estudam apenas a fé cristã, é tarefa dos cientistas da religião

descrever, analisar e investigar as religiões universais e populares, as

religiões proféticas e místicas, as religiões crescidas e fundadas no

mundo inteiro”. (SOARES, 2010, 124, 125)

Em relação aos eixos programáticos, os dois cursos diferem um pouco. O

EF1, traz os mesmos eixos em todas as séries (valores, alteridade, meio

ambiente, espiritualidade e religiosidade), além da introdução de algumas

religiões, de forma que, depois, seja possível um aprofundamento, de acordo

com o amadurecimento dos alunos nas séries seguintes. Mas, formando bases

nos alunos, para que possam sempre olhar as diversidades de forma positiva e

compreender os diversos fenômenos religiosos e transcendentais como naturais

da vida humana. E, uma escolha de cada um.

O EF2, apresenta os seus eixos divididos e mais estabelecidos por série

(tradições religiosas, filosófico, valores, vivencial), pois dessa forma, conseguem

um aprofundamento nas diversas religiões e, paralelamente, trabalham as

questões filosóficas, de valores e vivenciais de cada uma delas e as dos próprios

alunos;; assim, mais uma vez, trazem para a sala de aula as investigações

empíricas realizadas por cientistas da religião para que possam refletir e discutir

Page 130: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

129

sobre elas, sobre os fenômenos religiosos, e como podem ser relacionados com

o mundo a sua volta.

Portanto, a Ciência da Religião se faz presente e vem colaborar para

deixar cada vez mais claro que nesse planejamento por eixos programáticos, em

que se olha para as religiões e para as crenças individuais de forma crescente

na aquisição de conhecimentos e reflexão, é essencial fazer a distinção entre fé

antropológica e religião ou fé religiosa.

A fé antropológica está no plano dos valores, da significação e,

como tal, é uma dimensão universal. Todos nós temos fé

(antropológica) em alguns valores que, para nós, são absolutos

(justiça, amor, solidariedade etc). Quando a pomos em prática, tal fé

pode ser vivida de forma religiosa (Cristianismo, Islamismo, Budismo

etc) ou não (um ateu que luta por uma sociedade mais justa, por

exemplo).

Quando dizemos fé (antropológica ou religiosa), falamos de

adesão a um conjunto de valores que são ideais de vida, sonhos de

humanidade, utopias, projetos inspirados em algum acervo mítico-­

cultural. A prática, porém, sempre guarda uma distância daquilo que

nossa imaginação plasmou como ideal. E nenhuma religião ou escola

filosófica detém exclusividade nesse quesito. Essa distinção entre fé

(nossos valores) e as obras (nossas concretizações) precisa estar

sempre em pauta para evitarmos um mecanismo perverso que

costuma azedar as relações entre grupos distintos, religiões diferentes,

partidos adversários.

O caminho mais fácil é julgar as práticas da religião de outrem à

luz dos belos valores de minha própria visão de mundo. Assim, o outro

sempre estará em desvantagem, pois é julgado pelo que consegue pôr

em prática e não pelos valores/ideais autênticos de sua própria fé.

(SOARES, 2010, p. 129, 130)

O Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz agrega em si o

modelo da Ciência da Religião, em suas diretrizes e práticas, conteúdos e

organização. E, ainda aberto para revisões, ajustes, como a própria área a que

pertence, a Ciência da Religião Aplicada, ainda em construção.

Page 131: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

130

Cada ano tem um tema específico principal e assuntos relacionados. No

Ensino Fundamental 1 apresenta-­se também, divididos nos quatro anos,

conteúdos sobre a Congregação de Santa Cruz, sua história, seus padres, seus

colégios e suas missões.

Os eixos programáticos são diferentes nos dois segmentos:

• EF1:

1. Valores: paz, respeito, gentileza, diversidade, gratidão, amizade, amor,

união, justiça.

2. Alteridade: relação com o outro, exercício de autoconhecimento,

diálogo e escuta.

3. Meio Ambiente: dimensão ecológica integral e o "nosso" ambiente, o

particular.

4. Espiritualidade e Religiosidade: expressões simbólicas e rituais de

diversas religiões, festas da comunidade escolar.

• EF2:

1. Tradições religiosas: estudo das manifestações em sua origem

histórica, expressão cultural e espiritual.

2. Filosofia: formulação de questionamentos existenciais, transcendência,

o fenômeno religioso.

3. Valores: diálogo, escuta, debate e expressão de ideias, moral e ética.

4. Vivencial: compromisso social e participação política.

E os temas principais de cada ano, que estão em seus planejamentos

anuais, são:

• 2o ano: Introdução à disciplina de Ensino Religioso.

• 3o ano: Explorações iniciais da dimensão religiosa.

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131

• 4o ano: Manifestações religiosas em diferentes culturas.

• 5o ano: Diversidade e cultura de paz, tradições culturais e religiosas,

ecologia integral.

• 6o ano: Comportamento do homem em relação a seus questionamentos

existenciais desde a Pré-­História.

• 7o ano: Conceitos e vivências.

• 8o ano: Liberdade e Religião. O Homem e a Liberdade: conceito em

construção.

• 9o ano: Religião no mundo contemporâneo.

4. Um confronto representativo

Os eixos programáticos e os temas principais do Ensino Religioso do

Colégio Santa Cruz aparecem em sintonia com o projeto da Coleção “TEMAS

DO Ensino Religioso”, da Editora Paulinas, que é dividida em quatro temas

centrais: “Pressupostos do Ensino Religioso”, “Questões Fundamentais”,

“Tradições Religiosas” e “Temas Contemporâneos”, e contém 23 livros

distribuídos entre eles.

A seção “Pressupostos” trata das questões de fundo, ou seja, definições,

teorias, paradigmas e sujeitos envolvidos no fenômeno religioso, a seção

“Questões Fundamentais” traz os elementos constitutivos das tradições

religiosas, a seção “Tradições Religiosas” apresenta as matrizes e instituições

predominantes no campo religioso brasileiro e mundial e a seção “Temas

Contemporâneos” mostra alguns processos que dinamizam as religiões.

Esta Coleção foi criada precisamente com o objetivo de fornecer uma

base teórico-­metodológica para a formação de docentes de Ensino Religioso a

partir da matriz da Ciência da Religião. Os temas que estruturam a Coleção

recobrem as áreas que constituem a Ciência da Religião (cf. “Compêndio de

Ciência da Religião”, João Décio Passos & Frank Usarski (organizadores),

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132

Editora Paulinas: Paulus, 2013) nas suas dimensões teóricas e práticas com

seus referidos métodos sistemáticos e empíricos54.

No Programa de Ensino Religioso do Colégio, cada tema principal

estudado nas séries é um guia para a construção dos sub-­temas, que também

são apresentados e trabalhados durante o ano letivo. E esses sub-­temas, estão

conectados a todos os eixos programáticos.

Ao relacionar os temas principais e os sub-­temas de cada ano com os

temas centrais da Coleção citada, foi possível construir quatro tabelas, nas quais

os conteúdos ministrados foram distribuídos de acordo com a relação direta a

esses temas, mesmo que apareçam mais de uma vez, por estarem relacionados

a dois ou mais temas simultaneamente.

Trata-­se de um exercício dualitivo que visa expor a conaturalidade do

Ensino Religioso com as categorias constitutivas da Ciência da Religião segundo

a representativa coleção.

I. Pressupostos

Conteúdo

2o ano

3o ano

4o ano

5o ano -­ O que é Ensino Religioso?

-­ Transcendência e religiosidade.

6o ano

54 Até agora foram publicados os seguintes títulos: “Ensino religioso: construção de uma proposta”, “Ensino Religioso: aspecto legal e curricular”, “Que é religião?”, “Religião e Ciência”, Religião e interdisciplinaridade”, “Educação e religiosidade”, “O sagrado”, “Narrativas sagradas”, “Ritos: expressões e propriedades”, “A ética”, “Como a religião se organiza: tipos e processos”, “Catolicismo brasileiro”, “As constelações protestantes” “Pentecostais: origens e começo”, “Religiões indígenas e afro-­brasileiras”, “Religiões orientais no Brasil”, “Novos movimentos religiosos: o quadro brasileiro”, “Espiritismos”, “Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual”, “Fundamentalismo ontem e hoje”, “Sincretismo religioso”, “Em que crêem as tribos urbanas?”, “O uso de símbolos: sugestões para a sala de aula”.

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133

7o ano

-­ A incerteza e as contradições como estruturantes da condição humana

(Edgar Morin). Em parceria com a disciplina de Ciências, leitura de um texto

de Carl Sagan (1996), sobre a fotografia da Terra que o motivou a escrever

“Pálido ponto azul”. O mistério como elemento que emerge do

reconhecimento de que a busca pode se dar para além dos limites do mundo

físico e material.

8o ano

-­ Idade Moderna (1453-­1789). Leitura de “GALILEU GALILEI -­ O primeiro

físico”, de James MacLachlan, em uma abordagem multidisciplinar. O

trabalho científico de Galileu no contexto religioso do Renascimento. A

Ciência moderna e os impactos na relação do homem com a Religião.

Liberdade de pensamento. Ciência e Religião. Herança.

9o ano -­ Religião e Ciência.

II. Questões Fundamentais

Conteúdo

2o ano

-­ “Eu e o outro como amigo”. Valores: amizade, consideração, respeito.

Discussões a partir dos textos: poema “Amigos do peito”, HQ da Turma da

Mônica, Gilgamesh.

-­ A História dos Direitos Humanos -­ BahaiVid 2015.

3o ano

-­ “O caracol e a baleia”, de Julia Donaldson. Valores: busca de sentido,

amizade, cooperação, persistência, gratidão.

-­ “O príncipe sem sonhos”, de Marcio Vassallo. Valores: Ter ou ser.

-­ Transcendência.

4o ano

-­ O valor da Liberdade, a partir da escravidão dos povos africanos no Brasil

(interdisciplinaridade com História e Geografia). “O presente de Ossanha”,

Joel Rufino. Livro animado.

-­ Direitos e deveres da criança (ONU e Unesco). Poema Thiago de Mello,

“Os estatutos do homem”. Tema: justiça.

-­ “Onde está o amor Deus aí está”, Liev Tolstói. Valor: amor.

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134

5o ano

-­ As religiões presentes no Brasil. Os ritos, igrejas e templos, os dogmas, os

símbolos.

-­ A Regra de Ouro em diferentes caminhos religiosos. As escrituras sagradas

de diversas religiões: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem

com você”.

6o ano

-­ Mitos de origem. A necessidade humana de nomear e refletir sobre o que

é desconhecido e que é expresso de acordo com o contexto histórico, social

e cultural de cada civilização. O contexto das mitologias antigas: Babilônica,

Persa, Nórdica, Egípcia e Grega — permanências e transformações.

7o ano

-­ Religião como um espaço de busca do ser humano para as grandes

questões existenciais na relação com o sagrado (Mircea Eliade).

-­ A linguagem simbólica da religião. “O homem que plantava árvores”, de

Fréderic Back. Filme: “Contato”, de Robert Zemeckis. A experiência religiosa.

8o ano -­ Irmandades religiosas, símbolos, santidades e religiosidade.

9o ano

III. Tradições Religiosas

Conteúdo

2o ano -­ Templos e preces em diferentes religiões.

-­ Catolicismo e judaísmo: Páscoa.

3o ano

-­ Conto da tradição budista: “A jornada de Tarô”, Dosho Saikawa. Temas:

busca de sentido, atitude.

-­ Interface com o estudo dos brasileiros indígenas (religiosidade indígena).

Leitura: “Meu vô Apolinário -­ um mergulho no rio da (minha) memória”, de

Daniel Munduruku. Temas: identidade e introspecção.

4o ano -­ Religiosidade dos povos africanos no Brasil. Sincretismo. Diferentes

manifestações de espiritualidade e expressões religiosas. Candomblé:

orixás e sua iconografia.

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135

5o ano

-­ Estudo do Meio (Oeste Paulista). Imigração no Brasil: diversidade religiosa

e miscigenação. As religiões presentes no Brasil: catolicismo, judaísmo,

budismo, islamismo, protestantismo.

-­ A Congregação de Santa Cruz, Instituição Católica, no mundo. Leitura do

site http://www.holycrosscongregation.org/. Padre Corbeil, fundador do

Colégio Santa Cruz.

6o ano

-­ O contexto das mitologias antigas: Babilônica, Persa, Nórdica, Egípcia e

Grega — permanências e transformações.

-­ Primeiras manifestações religiosas nas Américas: Xamanismo, Totemismo

e Animismo.

-­ Budismo: história de uma religião que tem origem nas sociedades do antigo

oriente, a origem, as principais crenças e as práticas do universo filosófico,

simbólico e espiritual dessa tradição religiosa.

7o ano

-­ Cristianismo: origem, condições políticas, econômicas e sociais. Análise de

trechos do filme “Quo Vadis”, de Mervin LeRoy. Ciência Historiográfica:

Jesus de Nazaré, um judeu da Galileia implicado no tecido social de sua

época;; Teologia Católica: Jesus Cristo, a figura sagrada, aquele que

ressuscitou. A Páscoa na perspectiva teológica da ressurreição como

fundante da fé cristã.

-­ Judaísmo: conceitos fundantes. A aliança com Deus (sacrifício de Isaac).

A história do povo judeu. De Jerusalém à Babilônia. Visita à sinagoga da

comunidade Shalom.

8o ano

-­ A Igreja Católica e a Reforma Protestante. Luteranismo e Calvinismo.

Origens, crenças e ritos. Contrarreforma e o desenvolvimento da estética

barroca. A estética renascentista e a barroca.

-­ Estudo do Meio em Minas Gerais: a Igreja Católica Reformada e a Arte

Barroca na colonização da América portuguesa. Formação cultural e

religiosa brasileira. Irmandades religiosas, símbolos e santidades católicas.

O legado da transposição de populações africanas para o Brasil, formação

da sociedade, religiosidade e cultura brasileira.

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136

-­ Candomblé e Umbanda. Crenças e ritos. Liberdade e resistência nas

relações metrópole-­colônia, senhor-­escravo e na interface das várias

culturas e manifestações religiosas presentes no Brasil colonial.

9o ano -­ Estudo das crenças, ritos e da origem da religião islâmica.

IV. Temas Contemporâneos

Conteúdo

2o ano

-­ A História dos Direitos Humanos -­ BahaiVid 2015.

-­ “Religiões no mundo”: ficha apresentando breve resumo (Jornal Joca).

Valores: amizade, consideração. Poema “Amigos do peito”, HQ da Turma da

Mônica.

3o ano

-­ “O caracol e a baleia”, de Julia Donaldson. Valores: busca de sentido,

amizade, cooperação, persistência, gratidão.

-­ “O príncipe sem sonhos”, de Marcio Vassallo. Valores: Ter ou ser.

-­ Interface com o Estudo de Meio em Barra Bonita. Leitura: “Velha

Tartaruga”, Douglas Wood. Tema: relação com a natureza.

4o ano

-­ Consumo consciente. Reflexão sobre o valor e lugar do ser e do ter.

Ganância. Interface com Língua Portuguesa, “De quanta terra precisa o

homem?”, Liev Tolstói.

-­ O valor da Liberdade, a partir da escravidão dos povos africanos no Brasil

(interdisciplinaridade com História e Geografia). Sincretismo, Candomblé.

-­ Direitos e deveres da criança (ONU e Unesco). Poema Thiago de Mello,

“Os estatutos do homem”. Tema: justiça.

-­ “Onde está o amor Deus aí está”, Liev Tolstói. Valor: amor.

5o ano

-­ Diversidade. A metáfora da orquestra: disparador de reflexão. (Orquestra

Sinfônica Del Vallés – flashmob). Os diferentes papéis e funções na

sociedade. O respeito pelo direito de escolha. A importância da diversidade

para a sobrevivência humana e cultura de paz. Playing for Change: projeto

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137

musical para mudanças globais. Músicas: “United” e “A better place”. A

imagem da obra de arte "Coexistence" de Piotr Mlodozeniec, do Museum on

the Seam em Jerusalém. Mural da diversidade.

-­ Pluralismo religioso no Brasil e no Mundo. Estudo do Meio (Oeste Paulista),

imigração no Brasil: diversidade religiosa, miscigenação, sincretismo.

-­ Líderes pacifistas: Gandhi, "Quando uma pessoa dá um passo em direção

à Paz, toda a humanidade avança um passo em direção à Paz". Filme:

“Gandhi: seu triunfo mudou o mundo para sempre”;; e a luta não violenta pela

igualdade na África do Sul e liberdade da Índia. Mandela, filme “Invictus”,

parceria com Educação Física.

-­ Ecologia integral. O respeito pelo coletivo e o cuidado com o meio

ambiente/planeta. Vídeo: “Money”, WWF (World Wildlife Fund). Problemas

socioambientais. O projeto de sustentabilidade do Colégio, “Santa Recicla”.

Trecho da Carta Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco. Vídeo e

Documentos da ONU: “O que é desenvolvimento sustentável”, “Agenda

2030” e os “17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”. Documentário:

“Trashed”, de Candida Brady, Reino Unido (2012) e Mostra Ecofalante de

Cinema Ambiental.

6o ano

-­ Primeiras manifestações religiosas nas Américas: Xamanismo, Totemismo

e Animismo. As questões indígenas e seus desdobramentos na

contemporaneidade.

-­ Estudo do Meio na Baixada Santista: cultura dos primeiros habitantes do

litoral brasileiro e a interação com os europeus. Líderes religiosos e seu

papel na organização das comunidades de hoje.

7o ano

-­ Estudo do Meio: Ilha do Cardoso. Relação do homem com a Natureza.

Alteridade. Análise do filme “Blackfish”, de Gabriela Cowperthwaite. A vida

dos caiçaras em comparação à vida dos estudantes.

-­ Filme: “Contato”, de Robert Zemeckis, e a experiência religiosa hoje.

8o ano

-­ Estudo do Meio em Minas Gerais: a formação cultural e religiosa brasileira.

Irmandades religiosas, símbolos e santidades católicas. O legado da

transposição de populações africanas para o Brasil, formação da sociedade,

religiosidade e cultura brasileira contemporânea.

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138

-­ Liberdade e Iluminismo: lemas da Revolução Francesa e seus significados

no atual contexto histórico. Direitos humanos. Discussão multidisciplinar

sobre as liberdades individuais e a coletividade.

9o ano

-­ Reflexão obre a religiosidade no mundo contemporâneo (pós-­

modernidade) – ocidental e islâmico. Relação entre informações de

diferentes áreas das humanidades.

-­ Religião no mundo ocidental: dessacralização do mundo e laicização do

Estado (revolução americana e francesa – séc. XVIII) + “neoateístas” crentes

na razão e na ciência do século XXI, o lugar da religião no mundo ocidental

atual. Positivismo (Comte) e socialismo científico (Marx e Engels). Pós-­

modernidade: a retomada da discussão sobre Deus e da expressão da

religiosidade. Zygmunt Bauman e “modernidade líquida”. O sujeito pós-­

moderno e a religião. Terry Eagleton: o debate com os “neoateístas”;; o

fundamentalismo religioso (islamismo radical) e o fundamentalismo

científico.

-­ Religião no mundo islâmico: Islamismo no mundo contemporâneo.

Condições históricas. Conceito de Orientalismo (Edward Said);; a imagem do

Islã para o Ocidente;; práticas de dominação. Estudo das crenças, ritos e da

origem da religião islâmica;; compreensão dos conflitos atuais no mundo

islâmico.

Analisando as tabelas acima, pôde-­se perceber uma predominância nos

conteúdos relacionados aos “Temas Contemporâneos”, e uma menor

quantidade dos conteúdos relacionados aos “Pressupostos”. Considerando o

Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, que organiza os

objetivos, a metodologia e os conteúdos ministrados, isso, talvez, aconteça, por

causa da faixa etária do grupo em questão, ou seja, o fato do público se restringir

a crianças e adolescentes de 8 a 15 anos do EF1 e do EF2. Valorizando fatos

concretos e da vida cotidiana deles, há uma ênfase nos temas contemporâneos

porque podem ser discutidos em vários níveis de complexidade e compreensão,

além de estarem mais próximos da realidade da vida diária dos alunos. Assim,

trabalhados em gradação, com conteúdos que estão mais próximos das

necessidades e preocupações de cada faixa etária, e, em espiral, pois um

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139

mesmo assunto pode voltar a ser abordado, sob outra óptica, em outra série,

sendo “revisitado e ressignificado conforme o desenvolvimento emocional e

intelectual dos alunos, uma vez que, nesse segmento escolar, ocorrem grandes

transformações do pensamento em direção à capacidade de abstração”. Além

de irem ao encontro dos temas desenvolvidos pelas demais disciplinas e dos

conteúdos transversais das séries.

Todos os cursos em que o Ensino Religioso é ministrado, tem suas

especificidades e modos de realização, principalmente pela faixa etária e

consequente amadurecimento dos alunos. Por isso a diferença entre EF1 e EF2,

no primeiro os assuntos se repetem e evoluem, ficam mais complexos, de acordo

com o crescimento dos alunos, e no segundo, já é possível demarcar eixos

específicos em cada série.

O Ensino Religioso é realizado uma vez por semana, sendo uma aula de

50' por classe, do 2o ano do EF1 até o 9o ano do EF2. No 2o ano são as próprias

professoras de classe que ministram as aulas, do 3o ao 5o ano são as

professoras "especialistas", ou seja, professoras que ministram especificamente

o Ensino Religioso, e do 6o ao 9o ano são os professores disciplinares, ou seja,

divididos por disciplina. Mas nesse caso, os professores ministram duas

disciplinas cada um, o Ensino Religioso e a outra disciplina de formação, sendo

dois professores de História, um de Ciências e uma de Francês.

No EF1 os alunos não fazem provas, mas têm uma nota de atitude. No

EF2 os alunos fazem provas e têm notas de Ensino Religioso no boletim,

podendo até ficar de recuperação. As outras atividades são trabalhos em grupo,

leitura de textos, vivências e encontros com líderes espirituais, filmes, livros

paradidáticos, pesquisas, rodas de conversa etc.

O material das aulas, são formulados pelos próprios professores

específicos de sua série e orientados pelos coordenadores pedagógicos de seus

cursos. Podem ser apostilas, fichas de atividades, avaliações e outros. Todos

produzidos pelos setores de editoração e gráfica do Colégio.

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140

Considerações Finais

O percurso pelo qual passou o Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz é

muito singular, em sua construção;; mas, ao mesmo tempo, muito global e aberto

ao que diz respeito à forma como foi sendo construído, podendo contribuir com

as pesquisas da área do conhecimento da Ciência da Religião Aplicada.

Fornecendo caminhos, diretrizes e visões de como outros colégios podem

também seguir a sua experiência.

Desde a origem da Congregação de Santa Cruz, instituição mantenedora,

na França, pós Revolução Francesa, que já tinha como base e meta a educação,

até os dias de hoje, pudemos conhecer um pouco mais a história da fundação

do Colégio Santa Cruz, pelos padres canadenses, e o trajeto de sua Educação

Religiosa. As fases pelas quais passou, e a que está nesse momento, de acordo

com as questões mais relevantes que apareciam, como discussão sobre a área

religiosa e da forma como conviviam com as demais religiões, além da Católica.

Épocas de ditadura, e de avanços científicos e tecnológicos, tempos de

secularização e globalização. Épocas de padres-­educadores e tempos de leigos.

Para conhecer o seu Ensino Religioso e colocá-­lo no tempo e espaço do

Estado, vimos um pouco sobre o percurso dessa disciplina nas Leis

Constitucionais, nas reflexões e discussões acadêmicas e no próprio Colégio,

entre padres, professores e famílias. Um colégio católico que não era proselitista,

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141

que tinha a catequese como opcional e a Educação Religiosa obrigatória (hoje,

tudo continua assim).

Olhando para os modelos de Ensino Religioso, o Catequético, o Teológico

e o da Ciência da Religião, o trabalho passa por todos eles, pelo Projeto

Educacional do Colégio Santa Cruz, pelos Planos Diretores e pelo Marco

Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz,

para mostrar como foi possível chegar ao modelo atual, o da Ciência da Religião,

e, à Fase Teórico-­Científica, Transreligiosa, em que se encontra atualmente.

Para, enfim, chegar na escrita do Documento do Ensino Religioso, apresentado

e oficializado em 2014.

Em seguida, são apresentados os eixos programáticos, temas principais e

os sub-­temas de cada ano dos cursos de EF1 e EF2, em concordância com os

pressupostos definidos, descritos e firmados pelas bases epistemológicas da

Ciência da Religião. Sendo apresentada na interpretação e análise do

Documento.

Dessa forma, logo percebeu-­se uma sintonia entre os conteúdos

desenvolvidos no Colégio e os temas publicados na Coleção “TEMAS DO Ensino

Religioso”, da Editora Paulinas, assim, foram construídas tabelas com esses

conteúdos distribuídos nos quatro temas apresentados na coleção. E, após a

análise das mesmas, concluiu-­se que os conteúdos foram pensados e

separados pelas séries de acordo com a faixa etária e maturidade dos alunos,

segundo o Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz.

Portanto, o Ensino Religioso, por ser apresentado e conduzido dessa

maneira, garante uma formação integral dos alunos de acordo com seu

desenvolvimento cognitivo e etário. De acordo com as linhas básicas e filosóficas

do Colégio, uma formação para a cidadania e humanização.

O trabalho teve limites também, por tratar-­se de uma pesquisa de estudo

de caso. Mas, ao mesmo tempo, muito amplo;; por tratar-­se de um colégio, os

resultados podem ser transportados para outras escolas, mesmo com perfis

diferentes. Pois, a partir de agora, com essa pesquisa realizada, pôde-­se verificar

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142

que um Ensino Religioso com base na Ciência da Religião pode ser construído,

com ideias do que precisa seguir, do que deve ter como conteúdos e

organização;; e assim, ficar mais tangível e possível sua transposição.

E, mais especificamente, como uma pesquisa da Ciência da Religião

Aplicada, área ainda recente e em construção, que gera conhecimento útil e

utilizável. Uma área ainda nova e aberta a discussões, reflexões e aplicações,

assim, espero que essa pesquisa possa corroborar para que os estudos dessa

área avancem, e tornem-­se cada vez mais sólidos, principalmente, para a sua

constituição como base epistemológica da disciplina de Ensino Religioso.

Para mim, alcançar o meu intuito, de confirmar que o Ensino Religioso do

Colégio Santa Cruz tem como modelo, hoje, a Ciência da Religião,

demonstrando e elucidando qual foi esse percurso, me deixa realizada. Foi um

trabalho de muita pesquisa histórica, com visitas a instituições da Congregação,

com bibliografia e documentos mais antigos, um pouco difícil de serem

encontrados;; mas, uma pesquisa muito feliz também, pelas descobertas feitas e

por conhecer tantas pessoas que fizeram e fazem parte dessa história, e

também, claro, por tratar-­se do Colégio em que trabalho há quase 15 anos, como

professora.

Conhecer sua história a fundo, seus personagens, suas origens, sua

essência, e poder verificar que ele é pioneiro em muitas ações educacionais, não

só municipais, mas também nacionais, inclusive ter o seu Ensino Religioso no

modelo da Ciência da Religião, é restaurador. E me deixa muito esperançosa e

revigorada para poder pesquisar ainda mais sobre o Ensino Religioso em suas

diversas frentes de trabalho. Como implementá-­lo em escolas de perfis

diferentes, o que e como ministrá-­lo, fazer parte ou não do currículo escolar,

enfim, colaborar para que o Ensino Religioso possa ser constituído como

disciplina e como uma área de conhecimento.

Page 144: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

143

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Page 149: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

148

ANEXOS

Page 150: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

149

ANEXO 1 – PLANOS DIRETORES DO COLÉGIO SANTA CRUZ

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150

A seguir, o percurso do Ensino Religioso, registrado nos Planos Diretores,

de acordo com suas mudanças e transformações. Os trechos transcritos estão

exatamente como nos Planos e marcados com aspas. Comentários e

interpretações estarão redigidos entre os trechos.

Foram escolhidos alguns Planos Diretores como exemplo: 1965 e 1967

(1a Fase/1952-­1968);; 1974 e 1983 (2a Fase/1969-­1987);; 1994, 2006 e 2010 (3a

Fase/1988-­2011);; 2012 e 2014 (4a Fase/2012-­até hoje).

1965: Plano Acadêmico do curso Ginasial do Colégio Santa Cruz.

O Plano amplia-­se para o Curso Ginasial também, que até então estava

estabelecido nas Classes Experimentais.

Primeira Parte: objetivos gerais

1. O ambiente:

“Pelo ambiente que a escola cria, as disciplinas que inclui no programa,

os métodos que emprega, ajuda a moldar sua personalidade e a adquirir atitudes

altruístas. Procura em última análise, uma melhor adaptação da criança, da

família e de si própria à sociedade e deseja, através do desenvolvimento das

pessoas, a realização de uma Humanidade solidária e fraternal onde o progresso

das sucessivas gerações seja proveitoso a cada um dos membros e vice-­versa.

Que a escola o queira ou não, ela exerce sempre, quer seja positivamente ou

negativamente, uma influência sobre a formação física, moral, social ou religiosa

da criança.

O problema da formação religiosa da criança é mais delicado. Com efeito,

ideias pré-­concebidas e empedernidas despontam facilmente em torno desse

assunto. A fé ou a crença, pensa-­se muitas vezes, pertencem à vida particular e

não interessam senão à consciência de cada um. Isto é verdade, sem dúvida.

Mas precisamos entender-­nos. Existem problemas que não sejam senão

individuais? A Religião exprime uma das dimensões do homem e nesse sentido

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151

é uma interrogação permanente feita aos nossos espíritos inquietos. Esforcemo-­

nos por ignorá-­la ou silenciá-­la e teremos imediatamente por resultado graves

desequilíbrios. De qualquer forma, porque essa questão é importante, a ela nos

dedicaremos com mais vagar.

A escola deve favorecer o desenvolvimento das tendências religiosas do

indivíduo. Com mais razão nada deve empreender que venha a corromper ou

abafar essas tendências. Acreditamos que a Religião, sob forma de História da

Atividade Religiosa do Homem, deve ser ensinada em todas as escolas, assim

como as Letras, as Ciências e as Artes. Dever-­se-­ia poder conhecer as diversas

manifestações do sentimento religioso no seio das numerosas crenças que

agrupam e às vezes separam os homens. Tal pesquisa constituiria uma espécie

de reflexão acerca das inquietações fundamentais que encontramos em cada

um de nós, aceleraria a aproximação das diferentes confissões oferecendo-­lhes

bases de acordo tão vastas e universais quanto possível, e apressar a marcha

da Humanidade para uma Unidade que o homem hoje em dia pode

razoavelmente entrever. Em resumo, acreditamos que a Religião, encarada

numa relação cada vez mais estreita com as Ciências, as Artes e o conjunto das

atividades humanas, está destinada a desempenhar um papel de relevo no

desenvolvimento da Humanidade.

Em se tratando da educação religiosa cristã ou mesmo, se quisermos,

católica, pertence à Igreja concebê-­la e assegurá-­la aos seus adeptos. Pode

esta, se servir da escola como de um instrumento para divulgar a Mensagem

Evangélica? Certamente não. A escola é uma instituição que depende da

sociedade civil e tem direito a que sejam respeitadas sua finalidade própria e sua

autonomia. É o meio, universalmente difundido, pelo qual a sociedade educa

seus cidadãos, transmite-­lhes sua cultura e comunica-­lhes os valores

civilizadores de que é portadora.

A Igreja pode, sem dúvida, com o mesmo direito que outros agrupamentos

particulares e com o mesmo respeito à autoridade constituída, criar escolas que

se tornam o que, por um nome no fundo infeliz, chamamos de escolas

confessionais. Fá-­lo então para compensar alguma insuficiência da sociedade

civil e se compromete a respeitar as normas que regem intrinsecamente essas

Page 153: DISSERTAÇÃO 27 11 17 FINAL - PUC-SP

152

instituições. De qualquer forma, o que se pode esperar dela, -­ e aqui é preciso

render-­lhe justiça: em geral ela cumpre essa exigência -­ é que se prenda a uma

forma de agir que torne mais forte e aperfeiçoe a fé dos fiéis que ela ali reúne,

sem forçar a liberdade de quem quer que seja e sem prejudicar àqueles que, por

um ou outro motivo, se encontram sob seu teto sem professar o mesmo credo.

O problema religioso situa-­se na raiz de nosso ser. A Religião dá um

grande valor ao sentido comunitário da existência: ela exige o respeito da

liberdade individual, mas, por outro lado, insiste fortemente sobre a comunhão

com valores universais. Eis por que ambos, o sentimento religioso e a Religião,

devem merecer a atenção de todos aqueles que se dedicam a tarefas

educativas.

É primeiramente pela formação do espírito que a escola pretende exercer

uma influência educadora junto à criança. Uma coordenação judiciosa, de

atividades exercitando a reflexão, o raciocínio, a memória, o espírito crítico, a

expressão de si mesmo sob todos os aspectos, assegurará a formação da

inteligência, do coração e da vontade dos jovens e permitirá levá-­los ao

alargamento progressivo de sua experiência pessoal”.

Segunda Parte: fatos pedagógicos

2. Pessoal

“Na medida em que a Educação Religiosa exige um ensino e, por

conseguinte, um programa definido, um lugar no horário semanal e a inserção,

no calendário anual, de algumas atividades próprias, o Coordenador Pedagógico

é conduzido a consultar a Equipe responsável por esse setor essencial da

formação do indivíduo”.

Haviam salas especiais para todas as disciplinas. As aulas de Educação

Religiosa (ou, Religião, como também era chamada) eram realizadas na Capela.

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153

A Educação Religiosa fazia parte das Práticas Educativas com número de

horas definidas no quadro de disciplinas regulares (currículo), sendo destinados

às essas aulas 66 minutos semanais, de 1a à 4a séries. Mas, não havia uma nota

específica.

1967: Plano Diretor do Curso Colegial do Colégio Santa Cruz

Nossa concepção comunitária de escola

“Cabe-­nos lembrar, a esta altura, remetendo nossos leitores à obra que

os padres de Santa Cruz publicaram pela Editora Herder, "Educação Brasileira

e Colégios de Padres", que as metas norteadoras do Colégio são a

desclericalização, praticamente realizada no Curso Colegial, a democratização

que, embora muito cautelosamente, se iniciou em 1966, pela eliminação do

refeitório, readaptação do conceito de semi-­internato, além da manutenção do

sistema de bolsas de estudo, a que acresce agora, em 1967, o aumento do

número de classes no 1o colegial, a sacerdotalização das tarefas dos padres que

em 1967, trará para a animação espiritual de nossos alunos o Pe. Eugênio (como

era chamado) Charbonneau, agora liberado de suas funções de Diretor de

Curso.

Fiéis à perspectiva pedagógica que nos diz respeito, compreendemos que

a democratização não se faz apenas por uma recomposição da população

escolar, para permitir a conveniência das diversas classes sociais, mas também

pela formulação duma estrutura capaz de levar o adolescente a atingir os dois

processos básicos de sua própria educação: a independentização e a

enculturação.

Como se vê, tem-­se em mira o mundo de hoje, que é pluralista, no qual e

sobre o qual o aluno vai agir. Donde a necessidade de um curso eclético em que

se atende simultaneamente à formação humanística e a científica, resultando o

encaminhamento vocacional de uma opção verdadeira, baseada num

conhecimento menos superficial da realidade que o cerca”.

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154

Conteúdo curricular

Às disciplinas regulares, acrescentar-­se-­ão os horários de Educação

Física, Esportes, Orientação Pedagógica e Religiosa.

Vida comunitária e religiosa

“Declara-­se o Colégio, uma instituição temporal de ensino médio ao

serviço da sociedade, apolítica e sem fins lucrativos, aberta a todos sem

discriminações de cor, raça, religião, condição social ou econômica, desde que

sejam aceitos os objetivos educacionais, a estrutura e a mentalidade cristã que

a inspiram, convencidos de que qualquer forma de discriminação nos direitos

fundamentais da pessoa, deve ser superada e eliminada, porque contraria o

plano de Deus. E garante a todos uma total liberdade religiosa e total liberdade

de manifestarem sua fé, porque a própria natureza social do homem exige que

ele manifeste externamente atos internos de religião, que se comunique com

outros em matéria religiosa, que professe sua religião em forma comunitária”.

A Animação Religiosa do Curso Colegial tem como orientador o Padre

Charbonneau.

“Cultura Religiosa: por maior que seja a regularidade e a profundidade

deste curso, estavam convencidos de que ele não se podia confundir, por seu

caráter eminentemente vivencial, com os demais cursos a que todos estavam

obrigados”. Assim, em 1967, ele se torna facultativo, realizando-­se uma vez por

semana, na Capela. “Ministrado por sacerdotes e leigos, terá lugar, como

acontecia nas primeiras comunidades cristãs, na primeira parte da Santa Missa,

a Liturgia da Palavra”. A grande vantagem dessa forma de instrução religiosa

sobre a anterior (aulas regulares, em classe) parece ser o fato de se “unir o

ensinamento à vivência litúrgica e sacramental”. São também fonte de

evangelização os Retiros Anuais, que atingem a todas as classes, ao nível de

série.

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1974: Plano Diretor do Curso Ginasial do Colégio Santa Cruz

Nesse ano, o curso ginasial também muda a nomenclatura de seu curso

para Ensino Religioso. “A expressão ‘Animação Espiritual’ é abrangente e refere-­se ao Ensino Religioso no sentido da Lei”. Portanto, apenas uma mudança

de nome para um curso que sempre existiu no Colégio, que sempre foi uma

preocupação dos padres de Santa Cruz.

“O curso de ‘Animação Espiritual’ não é catequese propriamente dita, e

não é, especificamente, um curso de cultura religiosa”. Por isso, ainda havia

tanto temas relacionados ao cristianismo, à Bíblia quanto temas relacionados à

vida cotidiana, valores, moral etc. Como recebiam alunos pertencentes à várias

tradições religiosas, queriam que houvesse o respeito à essa liberdade de

escolha. “Portanto, o Colégio Santa Cruz, mesmo sendo uma instituição

particular e confessional, acolhe a todos sem distinção de religião”.

E, continua a oferecer a catequese, de inscrição facultativa.

A carga horária muda novamente, 2 horas semanais na 5a série, uma hora

na 6a série, duas horas na 7a série e uma hora na 8a série.

1983: Plano Diretor do Curso Colegial do Colégio Santa Cruz

“A Orientação Pastoral do 2º Grau do Colégio Santa Cruz procura aplicar

na vida escolar as linhas mestras da Ação Pastoral da Igreja Católica em São

Paulo, assim como apresentadas nas Diretrizes Pastorais da CNBB para o

período de 1983 a 1986. Estas diretrizes, em suma, englobam as diferentes

dimensões da ação da Igreja Católica no Brasil”. São elas: comunitária e

participativa, missionária, catequética, litúrgica, ecumênica e de diálogo

religioso, profética e transformadora.

Programa de Cultura Religiosa no Curso Colegial

“A programação curricular de Cultura Religiosa, iniciada nas 1as séries do

Colegial em 1977, sob a denominação de História das Religiões, foi estendida

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às 2as séries em 1982 e, a partir deste ano, passa a integrar o currículo das 3as

séries do Curso Colegial”.

Na 1a série, o objetivo básico é falar sobre o fato cultural da Religião, na

2a série o tema é Fé e na 3a série, com uma abordagem expositiva e crítica, fala-­

se sobre atuação efetiva de pessoas e grupos na esfera social, política e

econômica no primeiro semestre e, sobre os problemas da passagem do

Colegial para a Universidade, como opção ideológica, drogas, relacionamento

afetivo-­sexual.

1994: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz

Nesse ano, há apenas um Plano Diretor, integrando todos os Cursos e Atividades do Projeto Santa Cruz. Uma grande novidade e a oportunidade de

organização detalhada de todos os Cursos, Áreas e atividades do Colégio.

A Palavra do Diretor fala sobre isso, e explica a importância de se ter essa

unidade, apesar de prezar pela diversidade e liberdade, ou seja, “unidade não

significa homogeneidade, mas harmonização de componentes heterogêneos;; o

respeito pela diversidade é um princípio básico quando se busca compor um

todo, tão integrado quanto múltiplo, tão único quanto complexo”.

Há um novo texto do Projeto Santa Cruz, em que se discorre sobre

educação e o seu papel na sociedade e, depois, sobre uma formação

multidimensional e integral, humanizadora e cristã que compõem o projeto

educacional do Colégio.

Apresenta como o Colégio pensa a formação da inteligência, psicológica

e moral. “Formar moralmente uma juventude é ensinar-­lhe o compromisso com

o outro, com sua comunidade, com seu país. É apontar-­lhe os princípios que

inspiram o amor e a justiça. Essa formação repousa nos valores cristãos. Aqui a

educação também se alicerça na crença de que toda existência é marcada por

uma dimensão transcendental. E, embora respeite a liberdade de consciência e

religião e abra suas portas indiferenciadamente a todos os que, não obstante

diversidades religiosas, aceitem seus objetivos educacionais, o Colégio Santa

Cruz reafirma sua orientação católica”.

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E, por fim, relembra que o Santa Cruz sempre vai além dos limites

mínimos exigidos pelas deliberações legais, ou seja, com mais dias letivos, com

novas alternativas disciplinares, atividades formativas, culturais e esportivas

para todos os alunos. Valorizando a capacidade de aprendizado e criação deles.

O Ensino Religioso aparece na área de Pastoral e Ação Comunitária,

dirigida a todos os alunos do 1o Grau, e em palestras sobre formação religiosa

para os alunos do 2o Grau.

O Ensino Religioso

“No Curso de 1o Grau, as aulas de Ensino Religioso compõem o currículo

normal de cada série;; objetivam o conhecimento do evangelho, a orientação

espiritual e a introjeção de valores humanitários;; para isso, além dos temas

programados e desenvolvidos nas aulas, a Campanha da Fraternidade inspira a

realização de atividades extraclasse, tais como visitas organizadas a

comunidades carentes e campanhas de solidariedade pertinentes ao tema de

cada ano.

No Curso de 2o Grau, o trabalho da Pastoral não é um componente

curricular, mas desenvolve-­se através de palestras em cada série, oferecidas no

horário normal de aulas, além de reflexão sobre os temas referentes às

Campanhas da Fraternidade por parte dos professores de Filosofia e de outras

áreas afins. Essa estratégia deriva dos objetivos específicos da Pastoral do 2o

Grau: desenvolver no aluno o aprofundamento da espiritualidade, a opção

existencial consciente e a sensibilidade para a realidade social”.

A descrição dos temas apresentados aula a aula é retirada do Plano

Diretor. O que dá mais liberdade à formulação dos programas, planejamentos

curriculares e conteúdos disciplinares.

2006: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz

Ano de implantação do Ensino Fundamental de 9 anos, que no Colégio

Santa Cruz não foi uma simples adaptação das séries existentes para “anos” e,

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sim, a criação de um novo 1o ano. Em que as séries irão seguir até acabarem, e

o novo ciclo se inicia e, a cada ano, um novo “ano” surge.

O Ensino Religioso não é mais ministrado no 1o ano. E, para tanto, há

modificações do texto sobre o Ensino Religioso no Ensino Fundamental 1.

Há a inserção de questões sobre a dimensão exterior que é a que “agrega

a experiência das relações humanas”, como “a percepção das diversidades

(ética, social, cultural, corporal) e a consequente atitude de respeito,

compreensão e solidariedade, sem abrir mão dos valores cristãos”. E sobre a

dimensão interior que é a da introspecção, que “possibilita a cada um aprender

a dialogar com seu eu profundo e o mistério de transcendência que nos constitui

em essência”.

“No 2o ano do Ensino Fundamental de nove anos (série em que se inicia

o Ensino Religioso), o tema gerador das aulas e projetos é Eu e o outro. No 3o

ano, A amizade e o encantamento pelo mundo em que vivemos (o maravilhar-­

se). No 4o ano, o tema a ser desenvolvido é Tomar consciência de si e da

importância da vida para todos”.

No Ensino Médio a Cultura Religiosa sai do currículo como parte da

Disciplina de Filosofia, ficando apenas como atividade optativa dentro da

Pastoral.

2010: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz

Neste ano, com a chegada do 5o ano do Ensino Fundamental 1, um

complemento o texto de Ensino Religioso, com o tema a ser trabalhado: Refletir

e transferir para o dia a dia a palavra de Deus.

O Pe. José Amaral de Almeida Prado C.S.C., assume a Animação

Espiritual do Colégio.

2012: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz

Nesse ano, que o Colégio comemora 60 anos, faz uma reavaliação de seu

projeto pedagógico e reestrutura o seu apoio administrativo. E, para este

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aprimoramento, algumas mudanças já foram feitas: a criação de uma Direção

Pedagógica, exercida pela Vice-­Diretora Geral. Foram criadas nove comissões

disciplinares – Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia,

Artes, Educação Física, Inglês e Ensino Religioso -­, que reúnem os professores

de todos os cursos, para um planejamento transversal de cada área. Cada

comissão tem um professor-­coordenador e, esses coordenadores reúnem-­se

mensalmente com a Direção Geral com a finalidade de esboçarem seus

parâmetros curriculares.

O ano de 2012, “é também especial para a Congregação de Santa Cruz,

que finaliza a fusão, no Brasil, com os Padres de Santa Cruz, reunidos, agora,

nos Religiosos da Congregação de Santa Cruz”. Corrigindo, a fusão entre os

Padres e os Irmãos de Santa Cruz, que se iniciou em 2010. Descrita com

maiores detalhes no texto: “A Congregação de Santa Cruz, Ontem e Hoje”,

escrito pelo Pe. José de almeida Prado, C.S.C. (Presidente do Conselho

Administrativo do Colégio e Orientador Espiritual do Colégio), no Plano Diretor

desse ano.

Em seguida, um texto da Profa. Cristine Conforti (Vice-­diretora Geral e

Diretora Pedagógica) com o título “Educação na Pós-­Modernidade: 60 anos do

Projeto Santa Cruz”, dividido em quatro partes: 1) “Introdução: Diário de bordo”,

que, metaforicamente, coloca a educação como o leme do navio em que viajam

os jovens em sua formação, 2) “Da modernidade à pós-­modernidade: o itinerário

da história”, em que discute, filosoficamente, as mudanças dos tempos e a

influência na área educacional, 3) “Modernidade sólida e pós-­modernidade

líquida: os limites e a resistência da educação”, em que, partindo da análise do

sociólogo Zigmunt Bauman, sobre a sociedade (efêmera) em que vivemos e

passando sobre os pensamentos de Walter Benjamin, em que a existência

humana não corresponde à incorporação das respectivas experiências, que os

acontecimentos não tornam-­se significados, não transformam o sujeito.

Relacionando-­os com o papel que deveria ser o da educação e, 4) “A pedagogia

no Colégio Santa Cruz: pluralismo e humanismo, permanência e transformação”,

que discorre e reflete sobre o fundamento que sustenta o projeto pedagógico do

Colégio, que lembrado pelos dizeres do Pe. José, expressa a conciliação entre

a doutrina católica que orienta a instituição e sua concepção educacional

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pluralista, de defesa e respeito à liberdade de pensamento e demais direitos

humanos: uma educação multidimensional de caráter humanista, por meio de

definições histórico-­sociais do que é “humanismo”. Para concluir, de onde veio e

como se forma e consolida o programa educacional, ou seja, a proposta

pedagógica do Colégio Santa Cruz.

Formação Religiosa

O novo texto descrito no Plano Diretor:

“A Pastoral coordena a ação educativa voltada à formação religiosa dos alunos do Colégio Santa Cruz a partir de quatro dimensões:

-­ sensibilização para a questão social e o voluntariado pedagógico;;

-­ ensino religioso e o desenvolvimento da espiritualidade e valores;;

-­ catequese e a iniciação para a primeira Eucaristia e Crisma;;

-­ liturgia”.

2014: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz

Nesse ano, tem-­se a apresentação do Programa Socioambiental, Santa

Recicla, que surgiu inicialmente como uma ação dos alunos participantes do

Voluntariado Educativo, e hoje, segue também com a formação de um Comitê

de Sustentabilidade que planeja e executa ações, campanhas etc.

No Capítulo da Pastoral, há uma nova apresentação:

“A Pastoral compõe, de modo abrangente, o projeto pedagógico e

educacional do Colégio Santa Cruz. É um dos pilares estruturantes do programa

de formação ética, que constitui e concretiza o conteúdo essencial da concepção

humanista do Colégio. A pastoral desenvolve, no âmbito da reflexão e da ação,

os valores a serem incorporados pelos educandos em seu processo de

formação, para conscientizá-­los da necessidade de atuação transformadora, e

de corresponsabilidade na construção de uma sociedade mais justa e menos

desigual”.

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E o texto do Ensino Religioso aparece com uma pequena alteração. “O

Ensino Religioso é oferecido a todos os alunos do Colégio e faz parte da grade

curricular, tendo início no 2o ano do Ensino Fundamental e término no 9o ano.

São aulas semanais que permitem ao educando situar-­se diante do fenômeno

religioso de forma livre, coerente e engajada. Para tal, o aluno toma

conhecimento de diferentes tradições religiosas, incluindo a cristã, vivencia

valores humanos, desenvolve o potencial para uma vivência espiritual e é

estimulado a uma prática consciente de solidariedade”. Lembrando que o Ensino

Médio não tem essa disciplina em seu currículo. E no Ensino Fundamental 1, no

2o ano, passa a ser ministrado pela professora de classe, e não por um

professore especialista.

Há também, nesse ano, a separação dos professores de Ensino Religioso

dos professores de Catequese.

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ANEXO 2 – DOCUMENTO: O MARCO REFERENCIAL DA

EDUCAÇÃO RELIGIOSA NO CURSO DE 1O GRAU DO COLÉGIO SANTA CRUZ

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ANEXO 3 – LIVROS DO PADRE CHARBONNEAU: UMA

ILUSTRAÇÃO

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