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HENRIQUE FAGUNDES FILHO A SUCESSÃO PROCESSUAL DOUTORADO EM DIREITO PUC / SÃO PAULO 2007

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1

HENRIQUE FAGUNDES FILHO

A SUCESSÃO PROCESSUAL

DOUTORADO EM DIREITO

PUC / SÃO PAULO 2007

2

HENRIQUE FAGUNDES FILHO

A SUCESSÃO PROCESSUAL

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito (Direito Processual Civil), sob orientação da professora doutora Teresa Arruda Alvim Wambier.

PUC / SÃO PAULO 2007

3

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ (Profª Drª Teresa Arruda Alvim Wambier)

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

4

SUMMARIUM OPERIS

O intrincado problema da transmissão, a terceiros, pelo autor

ou pelo réu, de direitos reais ou de direitos creditórios, estando em

curso o processo onde se discute a quem toca a respectiva

t i tularidade, bem como a sucessão, também no processo já iniciado,

pelos herdeiros do autor ou réu que vem a falecer, é examinado

minuciosamente no presente trabalho.

O autor faz um apanhado comparativo dos assuntos que

permeiam o tema, sob vários ângulos: primeiramente, lança-se a uma

investigação histórica do surgimento das duas modalidades acima de

sucessão no direito discutido em juízo; demonstra de que forma o

problema, tendo de ser resolvido sob o plano do direito material,

passou a ser considerado, no curso do tempo, no processo civi l; em

seguida, discorre sobre as várias soluções emprestadas à

permeabil idade ou não do processo civi l frente à transmissão

daqueles direitos, que ocorrera no plano material, em se tratando de

negócio particular inter vivos; aborda as denominadas “teoria da

irrelevância” (Irrelevanztheorie), a “ teoria da irrelevância”

(Relevanztheorie), que se lhe opõe, e a teoria eclética, a chamada

“teoria da relevância mitigada” (Vermittelnde Theorie).

O “punctum saliens” do instituto, qual seja, o de apurar em que

medida há, no processo em curso, o reflexo daquela transmissão

( inter vivos ou mortis causa) já ocorrida no âmbito do direito

material, o que se traduz, numa só palavra, em “ legit imidade”, assim

considerada no direito processual civi l , é analisado pelo autor com

profundidade: após assentar a origem, no direito, daquele “quid” a

que se veio denominar “capacidade” e que tanto tem tirado o sono

dos estudiosos em geral, confronta esse instituto com o da

“ legit imidade” e o da “ legit imação”, no direito público, no direito

privado e, por óbvio, no direito processual. Dando por

correspondentes, no que tange a esse últ imo, os termos

“capacidade”, “ legit imidade” e “ legit imação”, passa a aplicar esse

5

“quid”, uma verdadeira “qualidade processual”, à f igura da “sucessão

no processo”, apresentando os variados entendimentos doutrinários a

respeito, para, ao f inal, deixar assentada a posição que entende

correta, tendo em vista considerações que, até agora, não haviam

sido avaliadas adequadamente.

O assunto vem tratado, no Código de Processo Civil brasileiro,

no pertinente à transmissão inter vivos, em seu art. 42, caput, sob as

expressões “alienação da coisa” ou “do direito l i t igioso”, repetição,

em vernáculo, das fórmulas alemãs die in Streit befangene Sache zu

veräussern e (den geltend gemachten Anspruch), respectivamente,

havendo o Estatuto nacional, portanto, deixado de reproduzir a

locução ital iana “diritto controverso”. Lança-se o autor, portanto, a

um pormenorizado estudo do signif icado de “coisa l it igiosa” e de

“direito l it igioso”, perpassando as doutrina alemã e ital iana em torno

do assunto, até chegar ao conceito que entende ser o mais razoável,

segundo as balizas da teoria geral do processo.

O “grau de interesse” do adquirente da “coisa l i t igiosa” ou do

cessionário do “direito l i t igioso”, que repercute, necessariamente, no

processo, facultando-o, em razão disso, a nesse intervir, é objeto de

acurado estudo, proporcionando um novo enquadramento doutrinário,

aqui e alhures.

A sucessão mortis causa é, por igual, objeto do estudo a que

dedica, nesse trabalho, o autor, mas o realce ocorre por conta da

extensão do instituto, nos moldes de indiscrepante interpretação dos

doutrinadores ital ianos, às sociedades, civis e comerciais, que

venham a cindir-se, a fundir-se a outra ou ser incorporadas por uma

terceira, porque isso, também, na l inha do pensamento peninsular,

corresponde ao mesmo “desaparecimento” emprestado às pessoas

naturais.

Em conclusão, um rápido bosquejo, como não poderia deixar de ser,

ao problema da litispendência, com seus reflexos numa outra modalidade

de transmissão da “coisa” ou do “direito litigioso”, mas, agora, proibida pelo

ordenamento jurídico, aquela em “fraude à execução”.

6

SUMMARIUM OPERIS

Dans cette étude i l est examiné minutieusement le complexe

problème de la transmission de droits réels ou de crédit, par le

demandant ou par le défendant, à une tierce personne, dans un

procès judiciaire dont la discussion juridique concerne la propriété

desdits droits, et aussi la question de la succession du demandeur ou

du défendant décédé au cours de l ’action judiciaire par ses hérit iers.

L’auteur fait une analyse comparative des sujets relatifs à ce

thème sous différents aspects: d’abord, i l entame une investigation

historique à propos du surgissement de ces deux modalités de

succession du droit objet d’un l i t ige devant le tr ibunal; i l démontre

comment le problème, devant être résolu dans le plan du droit

matériel, a été examiné à travers le temps par le droit de la

procédure civi le; ensuite, i l analyse les différentes solutions

empruntées à la perméabil ité ou non de la procédure civi le face à la

transmission de ces droits, qui aura l ieu dans le plan matériel

s’agissant d’un acte juridique particulier inter vivos; enfin, i l aborde

la « théorie de l ’ insignif iance» ( Irrelevanztheorie), la « théorie de la

signif iance » (Relevanztheorie) qui s’oppose à la première, et la

théorie éclectique, surnommée la « théorie de la signif iance

atténuée » (Vermittelnde Theorie).

Le « punctum saliens » de la succession dans les procès -

analysé par l ’auteur en profondeur - est d’épurer dans quelle mesure

i l y a un réflexe, sur le procès en cours, de la transmission ( inter

vivos ou mortis causa) produite dans le cadre du droit matériel. Cela

se traduit dans le droit de la procédure civi le par - en un seul mot -

« légit imité ». Après avoir établi l ’origine, dans le droit, de ce

« quid » appelé « capacité » et qui tend à t irer le sommeil des

juristes en général, i l confronte son concept à ceux de la

« légit imité » et de la « légit imation » dans le droit public, privé et,

évidemment, dans le droit de la procédure. En estimant équivalents

les termes « capacité », « légit imité » et « légit imation » dans le droit

7

de la procédure, l ’auteur applique ce « quid » - véritable « qualité

processuelle » - au concept de la « succession dans le procès » et

présente les différentes orientations de la doctrine à ce sujet, pour

enfin montrer la posit ion qu’i l pense correcte, vis-à-vis de

considérations qui jusqu’à présent n’avaient pas été évaluées de

manière adéquate.

Dans le Code de Procédure Civi le Brésil ien le sujet est abordé,

concernant la transmission inter vivos, par l ’art icle 42, « caput »,

sous les expressions « aliénation de la chose » ou « du droit

l i t igieux », répétit ion en vernaculaire des formules allemandes « die

in Streit befangene Sache zu veräussern » et « den geltend

gemachten Ansprunch ». Le Code National n’a donc pas reproduit la

locution ital ienne « diritto controverso ». Entame l’auteur, alors, une

minutieuse étude de la signif ication de « chose l i t igieuse » et de

« droit l i t igieux », en faisant référence à la doctrine allemande et

i tal ienne à propos du sujet, jusqu’à arriver au concept qu’i l croit être

le plus raisonnable, selon les balises de la théorie générale du

procès.

Le « dégré d’intérêt » de l ’acquéreur de la « chose l i t igieuse »

ou du cessionnaire du « droit l i t igieux », qui se répercute

nécessairement sur le procès, puisque leur permet d’intervenir dans

le l i t ige, fait l ’objet d’une étude soignée qui autorise un nouvel

encadrement doctrinaire ici et ai l leurs.

La succession mortis causa fait, également, l ’objet de l ’étude

de l ’auteur, mais le rel ief de la matière se doit à l ’extension de son

application aux sociétés, civiles et commerciales, en cas de scission,

fusion et incorporation, car, selon la pensée des juristes ital iens, cela

correspond à la « disparit ion » des personnes naturelles.

En conclusion, l ’auteur réalise une analyse rapide, comme il ne

pourrait en être autrement, du problème de la l i t ispendance et de ses

réflexes sur une autre modalité de transmission de la « chose » ou du

« droit l i t igieux », désormais prohibé par l ’ordre juridique, celle faite

en « fraude à l ’exécution ».

8

Summarium Operis

L’ intricato problema della trasmissione, a terzi, dall ’autore o dal

convenuto, di dir it t i reali o di dir it t i creditori, essendo in corso i l

processo in cui si discute a chi tocca la r ispett iva t itolarità, così come

la successione, anche nel processo appena iniziato, degli eredi

dell ’autore o del convenuto che vengono a morire, è minuziosamente

esaminato dal presente lavoro.

L’autore presenta una raccolta comparativa degli argomenti che

pervadono i l tema, attraverso diversi angoli: in primo luogo, lanciasi

ad un’indagine storica dell ’apparizione delle due modalità

sopraccitate di successione nel dir i t to considerato in giudizio,

dimostra in quale modo i l problema, dovendo essere risolto sotto i l

piano del dir i t to materiale, è stato considerato, nel corso del tempo,

nel processo civi le. In seguito, discorre sulle varie soluzioni prese in

prestito dalla permeabil ità o no del processo civi le di fronte alla

trasmissione di quei dir i t t i, che fu occorso nel piano materiale,

trattandosi d’affare particolare inter vivos; affronta le nominate

“teoria dell ’ irr i levanza” (Irrelevanztheorie), la “teoria della ri levanza”

(Relevanztheorie), che gli si oppongono, e la teoria eclett ica, la

denominata “ teoria della r i levanza mitigata” (Vermittelnde Theorie).

I l “punctum saliens” dell ’ ist i tuto, quale sia, quello di rendere

chiaro in quale misura si r intraccia, nel processo in corso, i l r if lesso

di quella trasmissione ( inter vivos o mortis causa) già verif icatasi

nell ’ambito del dir i t to materiale, i l quale si traduce in una sola parola

in “ legitt imità”, così considerata nel dir i tto processuale civi le, è

analizzato dall ’autore con profondità: dopo rendere stabile l ’origine

nel dir it to di quel “quid” a cui si è venuto a denominare “capacità” e

che tanto priva di sono gli studiosi in genere, raffronta quest’ ist ituto

con quello della “ legitt imità” e con quello della “ legitt imazione”, nel

dir i t to pubblico, nel dir i t to privato e, per ovvio, nel dir i t to

processuale.

L’argomento è trattato, nel Codice di Processo Civi le brasil iano,

riguardo alla trasmissione inter vivos, nel suo art. 42, caput, in base

9

alle espressioni “alienazione della cosa” o “del dir i t to l i t igioso”,

r ipetizione, in vernacolo, delle formule tedesche die in Streit

befangene Sache zu veräussern e den geltend gemachten Anspruch,

r ispettivamente, avendo lo Statuto nazionale, pertanto, omesso di

r iprodurre la locuzione ital iana “diritto controverso”. Proiettasi

l ’autore, quindi, ad un dettagliato studio del signif icato di “cosa

l i t igiosa” e di “diritto l i t igioso”, spostandosi per le dottr ine tedesca e

ital iana circa l ’argomento, f ino ad arrivare al concetto che apprende

essere i l più ragionevole, secondo i sostegni della teoria del

processo.

I l “grado di interesse” dell ’acquirente della “cosa l i t igiosa” o del

cessionario del “diritto l i t igioso”, che ripercuote, necessariamente,

nel processo, accordandogli, perciò, in questo intervenire, è oggetto

di scrupoloso studio, propiziando un nuovo schieramento dottrinario,

qui e altrove.

La successione mortis causa è, ugualmente, lo scopo dello

studio a cui dedica, in questo lavoro, l ’autore, però la prominenza si

avviene attraverso l ’estensione dell ’ ist i tuto, nelle sagome di non

dissonante interpretazione dagli addottr inanti ital iani, al le società,

civi le e commerciale, che provengono a scindersi, a fondersi l ’una

nell ’altra o incorporarsi ad una terza, perché questo, altresì, nella

l inea del pensiero peninsulare, si r iporta alla stessa “scomparsa”

aff idata alle persone naturali.

Concludendo, un celere riassunto, come non potrebbe non

essere, al problema della l i t ispendenza, con i suoi r if lessi in un’altra

modalità di trasmissione della “cosa” o del “dirit to l i t igioso”, però,

adesso, vietata dall ’ordinamento giuridico, in “ frode alla esecuzione”.

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13

Capítulo Primeiro:............................................................................................................ 18

§ 1º. Noções gerais do instituto...................................................................................... 18

§ 2º. Escorço histórico da transmissibilidade do direito material ............................... 19

§ 3º. A projeção da sucessão material no processo: valoração axiológica do

ordenamento jurídico ............................................................................................... 24

§ 4º. Resenha histórica da sucessão material no processo ........................................ 27

a) direito romano e medieval ...................................................................................... 27

b) direito luso-brasileiro............................................................................................... 35

§ 5º. As teorias construídas em torno do tema ............................................................. 39

a) introdução ................................................................................................................. 39

b) a teoria da irrelevância ........................................................................................... 41

c) a teoria da relevância.............................................................................................. 49

d) a teoria da relevância mitigada ............................................................................. 51

§ 6º. A teoria abraçada pelo Código de Processo Civil brasileiro .............................. 54

Capítulo Segundo: ........................................................................................................... 55

§ 1º. A sucessão processual e o tema da “capacidade” ou da “legitimação” ........... 55

§ 2º. O germe do conceito de “capacidade jurídica”..................................................... 56

§ 3º. A capacidade de gozo ou de direito e a capacidade de exercício ou de fato . 58

§ 4º. A capacidade de gozo e a “legitimação” no direito privado ............................... 60

§ 5º. A legitimidade, a legalidade e a “legitimação” no campo do direito público .... 63

a) Introdução ............................................................................................................. 63

b) a legitimidade em geral ........................................................................................... 64

c) a legitimação e a legitimidade............................................................................ 66

d) a legalidade e a legitimidade ............................................................................. 68

§ 6º. A capacidade e a legitimação no direito processual ........................................... 69

§ 7º. Noções gerais sobre parte. ..................................................................................... 71

§ 8º. Parte em sentido formal e parte em sentido substancial .................................... 73

§ 9º. A capacidade de ser parte ........................................................................................... 78

§10º. A capacidade de ser parte legítima: a chamada “legitimação para agir” (legitimatio

ad causam).................................................................................................................. 80

§ 11º. Parte em razão do ofício ............................................................................................ 84

11

§ 12º. a parte complexa........................................................................................................ 86

§ 13º. A legitimação extraordinária ou substituição processual ........................................... 87

§ 14º. A substituição processual: desconsiderações do fenômeno...................................... 92

§ 15º. O alienante ou cedente como substituto processual do adquirente ou cessionário... 94

§ 16º. A substituição processual e o art. 472, primeira parte, do CPC................................. 98

§ 17º. a perpetuatio legitimationis....................................................................................... 101

§ 18º. A fraude à execução e a perpetuatio legitimationis.................................................. 108

Capítulo Terceiro: ............................................................................................................. 110 § 1º. A fórmula legal: “alienação da coisa ou do direito litigioso”. ...................................... 110

§ 2º. O “direito controvertido” como direito material ........................................................... 111

§ 4º. O “direito litigioso” entendido como lide ..................................................................... 117

§ 5º. O “direito litigioso” como problema de legitimidade da “parte complexa”................... 118

§ 6º. O “direito litigioso” como “direito subjetivo ao provimento de mérito”......................... 122

§ 7º. O “direito litigioso” como “objeto do processo”........................................................... 124

§ 8º O objeto litigioso como “elemento” da “relação processual”. ...................................... 136

§ 9º. A “coisa litigiosa” ou o “direito litigioso” como situações subjetivas hipotéticas e

legitimantes................................................................................................................. 138

§ 10º. A bipartição do fenômeno, segundo os planos substancial e processual. ............... 141

Capítulo IV ......................................................................................................................... 143 § 1º. O ingresso do adquirente ou do cessionário na relação processual.......................... 143

§ 2º. O ingresso, no processo, do adquirente ou do cessionário como “assistente” do

alienante ou cedente .................................................................................................. 150

§ 3º. A habilitação incidental do adquirente ou do cessionário .......................................... 161

Capítulo V.......................................................................................................................... 163 § 1º. A sucessão processual mortis causa ......................................................................... 163

a) noções gerais......................................................................................................... 163

§ 2º. O conceito de herança ............................................................................................... 164

§ 3º. A herança jacente e a herança vacante..................................................................... 167

§ 4º. A sucessão pelo espólio ou pelos sucessores........................................................... 168

§ 5º. O ingresso dos herdeiros como terceiros interessados ............................................. 170

§ 6º. O ingresso da viúva-usufrutuária para ingressar como assistente............................. 173

§ 7º Os direitos personalíssimos ........................................................................................ 174

§ 8º. A sucessão inter vivos ou mortis causa, a título particular e a título universal........... 175

a)noções gerais .......................................................................................................... 175

12

b) a sucessão processual pela sociedade incorporada ou pela sociedade derivada

da fusão.................................................................................................................. 178

Conclusões ....................................................................................................................... 182 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................. 184

13

INTRODUÇÃO

I. Instituto muitíssimo mal regrado – e isso, de resto, não se dá

apenas no Brasil, mas, ao reverso, alcança Portugal, Espanha, Itália e

Alemanha, dentre outros – é o contemplado pelo Código de Processo Civil

no Capítulo IV, do Título II, do Livro I, sob a rubrica “Da Substituição das

Partes e dos Procuradores”. Certa dose da desventura, é verdade, resulta

da dificuldade de se equacionar, dentre as figuras processuais conhecidas,

o fenômeno de que cuida o referido capítulo, mas, se isso é exato, menos

não o é, também, haver o legislador para tanto contribuído, como, v.g., ao

aludir à “substituição dos procuradores”, assunto que deságua do delta da

“capacidade postulatória”, nada tendo de afinidade com o tema em apreço.

Sobreleva o infortúnio do tratamento legislativo, ademais, no olvidar o

Código de Processo Civil, por completo, na quadra, a hipótese da extinção

das pessoas jurídicas, nos variados casos em que seu patrimônio é

transferido a terceiros.

II. A dificuldade do adequado enquadramento do instituto – o que, como se

disse, não é uma singularidade do direito positivo brasileiro – reflete-se, já de

início, na anfibologia terminológica, ora a traduzir-se na locução “substituição

processual”, ora na expressão “sucessão processual”. Enquanto a notável jurista

lusitana PAULA COSTA E SILVA1, – fiel, é certo, à nomenclatura emprestada ao

instituto pelo Código de Processo Civil português – refere-se ao tema como

hipótese de “substituição processual”, o processualista espanhol FRANCISCO

1A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio – Contributo para o Estudo da Substituição Processual. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, em especial, p. 301 e seg.

14

RAMOS MÉNDEZ2 e, entre nós, ARRUDA ALVIM3, Condenam expressamente essa

denominação promíscua. Autores italianos, a seu turno, apenas consentem na

referência, quando, a uma, se der a hipótese de o cessionário ou o adquirente vier

a se impedido de ingressar no processo em curso4, ou, a duas, mas, “em sentido

aproximado”, quando na sucessão universal, for o caso de o herdeiro ainda não

investido no patrimônio da herança tiver de agir em defesa do acervo hereditário5,

situações essas reguladas, entre nós, no § 1º, do art. 42, e no art. 43, do Código

de Processo Civil.

No art. 41, caput, nosso Estatuto processual, para piorar a confusão

terminológica, acena a “substituição voluntária”, apelativo que HÉLIO

TORNAGHI abona, equivalente, consoante recorda, à teutônica Gewilkürte

Prozessstandschft6. Soa, com efeito, o art. 41, caput, do Código de

Processo Civil: “Só é permitida, no curso do processo, a substituição

voluntária das partes nos casos expressos em lei”. Mas o Estatuto

processual civil brasileiro, no art. 41, ao introduzir o tema, fala em

“substituição voluntária” para abranger duas espécies de transmissão da

coisa ou do direito litigioso: a que se dá inter vivos e a que ocorre mortis

causa. Todavia, à evidência, a “substituição” do defunto pelos herdeiros

não é, a bem dizer, voluntária. Na conformidade da lembrança de RAMOS

MÉNDEZ, a sucessão, no processo, em virtude da morte, é acontecimento

imprevisível e inevitável, razão pela qual a vontade das partes nada pode fazer para

2 La Sucesión Procesal – Estudio de los cambios de parte en el proceso. Barcelona: Editorial Hispano Europea,1974, p. 27 e seg. 3Tratado de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, Vol. 2, p. 708 e 722 e 723. 4 Cf., exemplificativamente, CRISANTO MANDRIOLI, Corso di Diritto Processuale Civile. Turim: G. Giappichelli Editor, 1998, 12ª ed., § 59, p. 360; CORRADO FERRI, Lezione Sul Processo Civile. Bolonha: Il Mulino, 1995, 2ª ed., p. 361. 5 CORRADO FERRI, Lezione Sul Processo Civile, ob cit., p. 362 e 363. 6 Comentários ao Código de Processo Civil, Editora Revista dos Tribunais, 1976, Vol. I, p. 198 e 199.

15

impedi-lo, ao passo que a sucessão, no processo, por ato de transmissão inter vivos,

se faz debaixo da vontade de um dos litigantes7. Somente essa última pode ser

rotulada de “voluntária”, pois, frente ao fato incontornável da morte de uma das

partes, duas soluções apenas são possíveis: a extinção do processo ou sua

continuação pelos herdeiros, mas a primeira soaria manifestamente injusta; por isso,

os ordenamentos jurídicos permitem o ingresso dos herdeiros da parte falecida no

processo, sucedendo ao defunto8. Para o caso de transmissão inter vivos da coisa

ou do direito litigioso (CPC, art. 42, caput), aí, sim, teria cabimento o qualificativo,

pois, além da previsão legal, a que se refere o art. 41, há de existir a vontade do que

pretende ingressar no processo, aliada à vontade do adversário, mas, isso, na

hipótese do art. 42, caput, do Código de Processo Civil9.

III. No tocante à sucessão inter vivos, repete o Código de Processo

Civil – e, a bem dizer, sem a possibilidade de outra escolha –, a locução

“alienação do direito litigioso” (art. 42: “A alienação da coisa ou do direito

litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade

das partes”), que tanto tem intrigado os juristas, sobretudo, os juristas

italianos, a ponto de a averbarem de “quebra-cabeças”10.

IV. Mas não é tudo, ainda. O art. 41 encabeça o tratamento

legislativo emprestado ao ingresso de terceiros na relação processual em

curso, terceiros esses a quem fora transferida a coisa ou o direito controvertido.

Denomina-a o Estatuto, como se disse, de substituição voluntária, mas nesse 7 Ob. cit., p. 36 e 37. 8 F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 36 e 37. 9 Nesse sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 727. 10 CARNELUTTI, comentando, na Rivista di Diritto Processuale, que dirigira, a obra de DE MARINI, La sucessione nel diritto controverso, publicado pelo “Foro italiano”, asseverou ser o conceito de “direito controvertido” um quebra-cabeças, pois, sendo direito, não pode ser controvertido e, se controvertido, não pode ser direito (apud SALVATORE SATTA, La sucessione nel diritto controverso (a proposito di una recensione), in Soliloqui e colloqui di un giurista, CEDAM, 1968, p. 254.

16

gênero, já se o alertou, estão incluídas duas espécies: a transmissão inter vivos e

a mortis causa. Embora para nominar a uma e a outra se empregue,

genericamente, o substantivo “sucessão”, procurando-se diferenciá-las, na

aparência, somente pela locução adjetiva que lhes toca (“sucessão inter vivos” e

“sucessão mortis causa”), cuida-se de hipóteses que respondem a exigências

díspares, a par de terem funções diversas11. Na segunda, na sucessão mortis

causa (a que se refere o art. 43 do Código de Processo Civil), há a extinção de

uma parte, por força da morte, e o processo não pode prosseguir, enquanto

fenômeno essencialmente trilateral (juiz, autor e réu), impondo-se,

destarte, que os “sucessores” do falecido dêem continuidade ao

procedimento, enquanto que, na segunda, sucessão inter vivos (a que

alude o art. 42 e seus §§, do Código de Processo Civil), não há o decesso

de nenhuma parte, e a lei apenas se preocupa com o sujeito a quem deva

imputar os efeitos dos atos processuais e, dentre esses, o mais relevante,

a sentença12.

V. Por derradeiro, qualifica o Código de Processo Civil de

“assistente” (§ 2º do art. 42) ao adquirente ou cessionário que, desejando

ingressar na relação processual no lugar do transmitente ou do cedente, a

tanto é impedido, podendo, nesse caso, entretanto, “intervir no processo”

“para assistir” a qualquer um desses últimos. Será essa intervenção,

efetivamente, assistência?

VI. Nosso propósito, no enfrentar a todas essas dificuldades, não é o

de resolvê-las, em definitivo, pois isso exige contribuição de excelência

11 FRANCESO P. LUISO, Diritto Processuale Civile. Millano: Giuffrè, 3ª ed., nº 39, p. 336. 12 FRANCESO P. LUISO, ob. cit., p. 336.

17

processual, a que outros atendem e não nós. Limita-se nosso escopo a

ensaiar, simplesmente, soluções que a condescendência dos doutos

abonarão, se estiverem corretas, e retocarão, quando imprecisas. Enfim,

contribuições ao estudo da ciência processual; somente isso.

18

Capítulo Primeiro: § 1º. Noções gerais do instituto. § 2º. Escorço histórico

da transmissibilidade do direito material. § 3º. A

projeção da sucessão material no processo:

valoração axiológica do ordenamento jurídico. §

4º. Resenha histórica da projeção da sucessão

material no processo: a) direito romano e

medieval; b) direito luso-brasileiro. § 4º. As

teorias construídas em torno do tema: a)

introdução; b) a teoria da irrelevância; c) a teoria

da relevância; d) a teoria da relevância mitigada.

§ 5º. A teoria abraçada pelo Código de Processo

Civil brasileiro.

§ 1º. Noções gerais do instituto

1. No sentido comum, aliás, sucessão significa o fato de se postar

alguém no lugar de outrem, a respeito de algo13. Numa noção jurídica

primeira, linear e introdutória de um exame, na seqüência, mais

aprofundado do tema, a sucessão compreende o fenômeno pelo qual

alguém vem a assumir, numa dada relação jurídica relevante, a mesma

posição de outrem, ali anteriormente figurante14. Como a define SERPA

LOPES, suceder é colocar-se outrem no lugar do sujeito, quer ativa, quer

passivamente, de modo tal que o direito deixa de permanecer no

patrimônio de um (antecessor ou cedente) e passa a ingressar no do outro

(sucessor ou cessionário)15. Por tais razões, arremata SERPA LOPES,

“acertadamente Savigny acentuou que uma sucessão não passava de 13 Curso de Direito Civil, Livraria Freitas Bastos S..A., 1961, 3ª ed., Vol. II, nº 380, p. 517. 14 ROSARIO NICOLÒ, Sucessione nei diritti, in “Novissimo Digesto Italiano”, Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1977, Vol. XVIII, p. 606. 15 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 517 e 518.

19

transformação meramente subjetiva da relação jurídica”16. Efetivamente, a

transferência subjetiva de uma obrigação representa uma sucessão, quer

ativa, se em relação ao credor, quer passiva, se em relação ao devedor17.

Mas, adverte o jurista pátrio, é necessário que essa alteração subjetiva

não repercuta na substância da relação jurídica material, que deve

permanecer intacta18, pois, aí, acrescentamos nós, poderá ocorrer outro

fenômeno, que não o da mera sucessão, como, v.g., uma novação. É

preciso, portanto, que a relação jurídica transmitida derive do precedente

sujeito (o cedente) em proveito do novo sujeito (o cessionário)19.

Essa noções, conquanto úteis para um ponto de partida do estudo da

sucessão, tem função apenas descritiva do instituto, sem mostrar, todavia,

algumas facetas necessárias à sua cabal compreensão.

É o que procuraremos fazer, com as considerações abaixo.

§ 2º. Escorço histórico da transmissibilidade do direito material

2. O conceito de sucessão emerge, historicamente, no mais antigo

direito romano, no contexto do fenômeno morte, quer em seu sentido

físico, quer em seu sentido jurídico, por uma indeclinável exigência prática,

a impor a criação de um mecanismo que impedisse a extinção de relações

jurídicas estabelecidas no confronto do falecido20. Porém, a

transmissibilidade de um sujeito para outro das obrigações (chamada, por

16 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 518. 17 SERPA LOPES, Ob. cit., nº 380, p. 517. 18 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 19 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 20 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 606.

20

isso, de transmissiblidade subjetiva) não fora fenômeno encontradiço no

direito romano, ao reverso do que se dá no direito moderno21. Contribuiu

para isso, decisivamente, a idéia de obrigação no direito romano, que não

permitia semelhante transmissibilidade22. Vínculo eminentemente pessoal,

a obrigação no direito romano ligava diretamente a pessoa do devedor e a

do credor, gerando uma intransmissibilidade que se fazia sentir até em

relação ao herdeiro – como vieram a demonstrá-lo estudos recentes –,

situação essa que somente se veio a modificar quando se enxergou nesse

último o ocupante da mesma posição jurídica do de cujus23. Todavia,

posto isso viesse a ocorrer, os créditos eram, então, ainda considerados,

como a propriedade, um elemento do patrimônio: transmitiam-se, em geral,

aos herdeiros e às pessoas a tanto assemelhadas, mas, à diferença

daquela, não podiam ser objeto de transmissão a título particular, nem por

disposição entre vivos, nem por efeito de morte, pois tudo decorria do

conceito de primitivo de obrigação; os créditos eram entendidos como

relativos a duas pessoas determinadas e essa relação não podia ter seus

termos alterados sem se destruir24.

Ademais, segundo a mais autorizada doutrina, durante longa parte

de sua história, o direito romano não conheceu senão a sucessão mortis

causa, mercê da qual um novo sujeito, investido do título de herdeiro

(nomen heredis), sub-entrava na posição (in locum) do defunto e,

conseqüentemente, adquiria todos os direitos, as obrigações e, em geral,

21 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 22 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 23 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 24 ÉDOUARD CUQ, Manuel des Institutions Juridiques des Romains. Paris: Livrairie Plon, 1928, Cap. XIV, p. 637 e 638.

21

todas as situações jurídicas, ativas e passivas, pertinentes ao de cujus;

correspondia, portanto, a uma completa sucessio in ius que, fundada numa

qualidade pessoal do sucessor, importava a substituição integral de um

sujeito por um outro em todas as relações jurídicas suscetíveis de

transmissão25.

3. Esse mecanismo, realizado, por imposições da vida, na sucessão

mortis causa, serviu de modelo para antigas formas de sucessão universal

inter vivos (sucessio in ius) como a adrogatio, a conventio in manum,

etc26. Mas essa mudança, que se operou na sucessão mortis causa, não

pode dar-se, desde logo, na sucessão singular inter vivos e, somente

quando, frente às necessidades práticas, os romanos tiveram de criar

meios indiretos que o proporcionassem, surgiram expedientes como o da

novação e da procuração em causa própria (in rem propriam)27, de que,

abaixo, falaremos.

Em definitivo, porém, relativamente à passagem, de uma pessoa a

outra, de direitos singularmente considerados, o conceito de sucessão,

insinuado no período da pretura, somente vem a firmar no final da história

jurídica de Roma, precisamente quando a concepção primeira de uma

transferência material da coisa, objeto do direito, se substitui pela idéia de

transmutação da titularidade do direito e, sobretudo, quando a isso se

ajuntou a contingência de a disposição do direito e a sua aquisição por

outrem haver resultado da síntese de duas vontades, a do velho e a do

25 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 606. 26 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 606. 27SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 518 e 519.

22

novo titular28. Em suma, da figura típica e inconfundível da sucessão

clássica, cujo efeito último era a troca de um sujeito por outro em uma

série indefinida de relações jurídicas, vem-se desenvolvendo o conceito de

“sucessão a título particular”, arrimado no pressuposto de um ato de

disposição do respectivo titular e na admissão da transferência de direitos,

matizada pela “substituição” de um sujeito por outro no direito objeto dessa

mesma transferência. Assim, esse conceito de “sucessão particular” pôs

fim, historicamente, à primitiva noção de “sucessão universal”, quando se

fez emanarem ambos os institutos de uma mesma e só fonte, o fenômeno

da transferência29.

Destarte, corolariamente à admissão, já agora, de que o objeto da

transferência fosse o “direito”, ou seja, uma relação ideal entre o sujeito e

o bem, e não apenas a “coisa”, aliada à circunstância de o fenômeno

representar a síntese unitária entre a perda desse direito e sua correlata

aquisição, nasceu, necessariamente, o conceito de sucessão a título

particular, não mais presa aos direitos reais, mas, já então, aos direitos de

crédito, mesmo30.

4. O caminhar, contudo, da dogmática da “sucessão no direito

material” encontrou passagens árduas.

Com o surgimento, no século XIX, que propiciou a construção

conceitual do “direito subjetivo” 31, entendido como uma relação ideal entre

um sujeito e um bem, não poderia, o direito subjetivo, para muitos

28 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 29 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 30 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 31 Cf RICCARDO ORESTANO, Azzione Diritti soggetivi Persone giuridiche. Bologna: Il Mulino, 1978.

23

estudiosos, permanecer inalterado, havendo uma mudança no sujeito

dessa relação32. De fato, se o sujeito é elemento essencial na

identificação de uma relação jurídica, não seria concebível que a troca

desse sujeito não determinasse, por igual, a modificação daquela mesma e

anterior relação jurídica33. Sustentou-se, por exemplo, sem embargo da

exatidão ou não da assertiva, que, na “sucessão a título singular”, operava-

se a mudança não somente do sujeito da relação jurídica, mas, também,

do “título constitutivo”, com base no qual (“compra e venda”, “dação em

pagamento”, etc.) a coisa ou o direito viera a ser transferido, o que não se

dava, todavia, na “sucessão universal”, pois nessa o herdeiro (por laços

sangüíneos) simplesmente tomava o lugar do falecido nas relações

jurídicas antes existentes; assim, deslocado o tema para o campo

processual, somente o herdeiro poderia ser parte no processo, enquanto o

legatário seria terceiro34. Negaram, assim, os doutrinadores sequazes

desse entendimento, a possibilidade da “transferência” tout court de

direitos, pois o “direito subjetivo”, como fenômeno logicamente ligado à

pessoa, não é suscetível de passar de um a outro indivíduo e, na hipótese

de vir a ocorrer a transferência, pelo titular do direito subjetivo, de um

direito de crédito ou de um direito sobre uma coisa, com a correlata

aquisição por outrem, o que se dá, em verdade, é uma justaposição de

dois instantes distintos: a extinção do direito do primitivo titular e o

32 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 33 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 608. 34 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607 e 608 e nota 4. Temos reserva quanto a tal construção: a ser correto o entendimento de que, na sucessão a título particular, ocorre, por força de uma visão exagerada do direito subjetivo, a mudança do “título aquisitivo”, isso também ocorreria na sucessão mortis causa: o título aquisitivo do direito ou da coisa pelo defunto fora um, compra e venda, usucapião, contrato, etc., ao passo que, ocorrido o falecimento, o “título aquisitivo” dos herdeiros será o próprio evento morte, ou seja, mortis causa.

24

nascimento de um novo direito, pertencente, agora, a um outro35.

Seja isso exato ou não, disse, com razão, ROSARIO NICOLÒ, então

professor de direito privado na Universidade de Roma, o certo é que o

assunto há de ser discutido frente ao direito positivo: a norma legal,

atribuindo aos fatos constitutivos ou impeditivos do direito originário a

mesma relevância do direito novo, dispõe que as regras aplicáveis ao

primeiro continuam a ter aplicação ao segundo36.

De qualquer modo, porém, havia o legislador de fazer a escolha: ou

encampar a tese da impossibilidade da “transferência” de direito subjetivo,

repudiando-a em termos legislativos, ou, ainda que a aceitando, fazendo a

concessão de atribuir ao acordo de vontades entre o transmitente e o

adquirente a mesma eficácia emprestada ao negócio jurídico subjacente.

§ 3º. A projeção da sucessão material no processo: valoração axiológica do ordenamento jurídico

5. Truísmo será o apontar o evento morte como determinante da

supressão de uma das partes (quando não, mesmo, das duas) da relação

jurídico-material. Historicamente, vimo-lo, em se tratando de sucessão

material, não teve, dentre outros, o ordenamento jurídico romano,

especialmente, como contornar a necessidade de os herdeiros

“ingressarem no lugar” do falecido, assumindo as obrigações por aquele

constituídas e recebendo os direitos constituídos em favor do

35 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 608. 36 Ob. cit., p. 609.

25

desaparecido. Igualmente, deixamos patenteado haver sido, tal sucessão,

em seus primórdios, feita “em bloco”, ou seja, os herdeiros sucediam ao

defunto no “todo patrimonial”, idéia que, ainda hoje, prevalece37. Por fim,

demonstramos resultar a sucessão inter vivos de um “desdobramento” ou,

como se quiser, de uma “derivação conceitual” da sucessão mortis causa.

6. Problema é saber, no entanto, em que medida isso vem a projetar-

se no direito processual.

Diga-se, em primeiro lugar, que o decesso da parte pode significar

ou a necessidade de extinção da relação processual38, como, por

exemplo, nos casos de separação litigiosa dos cônjuges, de interdição,

dentre outros, ou a necessidade da “continuação processual”, como

decorrência da solução prática de encontrar, nos herdeiros ou sucessores

do falecido o sujeito que irá, em virtude da morte, “ocupar o lugar” desse

último.

No âmbito da sucessão inter vivos a questão não é muito diferente.

Três soluções se oferecem a respeito: a) ou se proíbe qualquer alteração

na relação processual em seu regular desenvolvimento e, assim, a

37 Basta, a tanto, mencionar o art. 57 do Código Civil de 1916: “O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais”. Esse princípio, embora não mais enunciado normativamente, subsiste no Código atual. Sobre o tema, cf.: HENRIQUE FAGUNDES, “A capacidade de ser parte e os entes despersonalizados”, in “Revista de Direito Renovar”, Editora Renovar, Rio de Janeiro, janeiro-abril de 2006, Vol. 34, p. 59 e seg. 38 O título ou a qualificação dessa causa de extinção não importa. Levêmo-la à conta de “ausência de interesse de agir”, fenômeno que tem repercussão inclusive nos ordenamentos que não acolhem, legislativamente, o instituto das “condições da ação”. O interesse de agir, como anotado por MATTEO PESCATORE, já ao tempo do Codice di Procedura Civile de 1865, “a todo direito corresponde uma ação” (Tratado de Derecho Judicial Civil, tradução espanhola da quinta edição italiana, de 1901, feita por Eduarto Ovejero y Maury, Editorial Reus S. A., 1930, 1ª ed., Tomo I, p. 14 e, sobretudo, nota 2.), pois “a ação pressupõe o direito em proveito do qual foi chamada a tutelar, mas para que se a exercite é necessário que a tanto haja interesse”, afirmativa, aliás, que nosso Código Civil de 1916 veio a albergar em seu art. 85. É, ainda, da lição vetusta de MATTIROLO a assertiva: “Daí, o princípio da jurisprudência tradicional: o interesse é a medida da ação, point d’intérêt, point d’action” (idem, loc. cit.).

26

sucessão material deverá ser ignorada pelo direito processual, que

continuará a ter curso, por não ter aquela nenhuma eficácia jurídica; b) ou

não se ignora de todo a sucessão no direito material, mas se proíbe,

também, a alteração da relação processual em seu regular

desenvolvimento e, por isso, uma vez ocorrida aquela, haverá a

necessidade de renovação do processo, diante da alteração subjetiva do

direito substancial; c) ou se admite um e outro fenômeno, ou seja, aceita-

se a sucessão no direito material e se submete a relação de direito

processual a essa nova situação39. A primeira dessas soluções sacrifica

completamente a liberdade contratual, pois ignorar o processo a sucessão

havida no objeto do litígio, seguindo seu curso como se nada houvesse,

não emprestando a sentença eficácia alguma ao negócio jurídico, significa

proscrever tal liberdade de contratar40. A segunda das possibilidades

causa dano injusto à parte adversa, que não se envolveu na sucessão de

direito material, pois haverá de suportar o grave dispêndio de atividades

processuais dúplices, com base numa idêntica situação substancial41. A

tendência do direito moderno, portanto, é a da adoção da terceira

alternativa, mas, aí, surge, entretanto, o problema de se saber “qual a

medida” da “aceitação” da interferência da sucessão material na relação

processual.

7. As balizas da interferência da sucessão material, inter vivos ou

mortis causa, na relação processual é dada, evidentemente, pela lei, pois,

39 Cf. GIOVANNI PAVANINI, Appunti sugli effetti della successione nella pretesa per atto tra vivi durante il processo, in Rivista di Diritto Processuale, CEDAM, 1932, nº III, Vol. IX, Parte II, p. 142 e seg.; PROTO PISANI, La Trascrizione delle domande giudiziali, CEDAM, 1968, Cap. I, § 1º, nº III, p. 9 e seg. 40 Em sentido aproximado, cf. GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., p. 143. 41 Cf. PROTO PISANI, ob. cit., Cap. I, § 1, nº III, p. 10.

27

como salienta ROSARIO NICOLÒ,

“(...) é a norma que passa a qualificar a posição do

adquirente em relação à posição do titular precedente e

estabelecer esse nexo de dependência, que se

transforma nula relação de identidade formal, que,

tecnicamente, nós chamamos de sucessão”42.

Acresce, porém, que o trabalho da doutrina é exatamente o de

“explicar” a norma jurídica, segundo critérios admitidos como próprios ao

trabalho hermenêutico. Dentre esses, sobressai, no estudo da sucessão

processual, a insistência no timbre do denominado conceito abstrato de

ação”, no propósito de extremar os efeitos da sucessão material dos

inerentes à sucessão processual. Foi esse o caminho trilhado,

aproximadamente, por notável processualista italiano, que versou o tema

nos anos sessenta do século findo43.

§ 4º. Resenha histórica da sucessão material no processo

a) direito romano e medieval

8. No tocante ao aspecto histórico-processual da sucessão ou, se se

preferir, no respeitante à transferência de direitos litigiosos, não há uma

clara e nítida posição dos estudiosos. Segundo alguns, no direito pré-

justinianeu, como a litigiosidade do direito surgia com a litis contestatio,

42 Ob. cit., p. 609 43 Referimo-nos a NICOLA PICARDI, cuja obra, já aqui, tantas vezes mencionada, remonta a 1964. Empregamos o termo “aproximadamente” porque, em verdade, NICOLA PICARDI, muito mais do que o “conceito abstrato de ação”, insiste no repisar o conceito de relação processual, como espinha dorsal do desenvolvimento de seu raciocínio.

28

essa, ao empecer a pretensão obrigacional do autor, impedia-lhe que,

materialmente, fosse realizada a transmissão creditícia44; mais

precisamente, com a litis contestatio, a relação jurídico-material subjacente

era substituída por uma nova relação jurídica que, por seu caráter

estritamente unitário e contratual, não comportava nem uma distinção entre

relação jurídica substancial e procedimento judicial, nem, muito menos,

entre o processo e seu conteúdo45; em conseqüência, não seria sequer

imaginável uma “sucessão” no objeto litigioso, sem que, correlatamente,

não houvesse, também, uma sucessão no processo, a título particular, e,

mais ainda, porque, sendo o processo, então, uma nova relação jurídica,

expressa por obrigações recíprocas das partes litigantes, uma “sucessão

processual”, sem o consentimento do adversário, não seria admissível sem

44 GIOVANNI PAVANINI, p. 137 e seg.; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. Como sabido, a litis contestatio não teve, nos estudo da tripartição clássica do processo romano, um conceito uniforme (sobre o assunto, por todos, cf. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, “Direito Romano”, Forense, 1992, 8ª ed., Vol. I, nº127 e seg., p. 258 e seg.). Enquanto no processo formulário, a litis contestatio não passava de pacto, entre autor e réu, pelo qual os litigantes concordavam em submeter o julgamento do litígio a um juiz popular, nos termos da fórmula, lida pelo autor (edere iudicium) ao réu, que a aceitava, na extraordinaria cognitio, abolido o procedimento per formulas, a litis contestatio ocorria no momento, ouvidas a narratio e a contradictio, em que o juiz começava a informar-se do litígio, tomando em consideração, porém, o momento da citação (cf. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, ob. cit., loc. cit.). No direito justinianeu, a litis contestatio não diferiu, em essência, da estrutura que lhe dera o processo extrordinário (cf. VITTORIO SCIALOJA, “Procedura Civile Romana”, Anonima Romana Editoriale, 1937, § 52, p. 270). Para se não alongar no tema, contentemo-nos, por concessão, às observações de MORAES CARVALHO (ob. cit., § 238, p. 98), segundo as quais, no direito romano, ao tempo da pretura, a litis contestatio consistia no ato, que se passava na presença do pretor, resultante das declarações recíprocas das partes que, assim, fixavam o litígio, tornando-o suscetível de ser levado ao juiz, competente para conhecer da causa, segundo a fórmula dada pelo pretor, e da qual não podiam afastar-se o juiz e as mesmas partes. No direito novo, asseverou, ainda, o praxista MORAES CARVALHO (loc. cit.), a litiscontestação era a exposição controvertida e sumária do negócio que se apresentava ao juiz no começo do debate, tendo por fim fixar a questão de fato e de direito, que ao juiz cumpria resolver, na esteira, portanto, da fórmula do direito romano. TEIXEIRA DE FREITAS, em nota às “Primeiras Linhas sobre o Processo Civil”, de PEREIRA E SOUZA (ob. cit., § CXCCVIII, p. 200), ensinava: “Pela exposição da intenção do autor, e pela contradição do réu, forma-se a o estado da questão, em que a litiscontestação consiste”. Trabalhando os conceitos do direito justinianeu, o direito canônico, sob o influxo dos canonistas, concebia a litis contestatio como um efeito substancial e processual, decorrente não somente da citação, mas, também, da contestação no confronto do libelo, dando, assim, diversos valores aos atos processuais, com base nas suas distinções terminológicas (cf. ELIO MAZZACANE, “La Litis Contestatio nel Processo Civile Canonico”, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Nápolis, 1954, Cap. 7, p. 157 e seg.). O direito canônico mais recente, no entanto, aproveitando-se da doutrina construída, na época, em torno do instituto, veio a disciplinar a litis contestatio como um efeito decorrente da citação, a qual, com a notícia dada ao réu da demanda, realiza a plena litispendência (ELIO MAZZACANE, ob. cit., loc. cit.). 45 GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., loc. cit.

29

um correspondente aparato de cautela46. Da mesma forma, em se tratando

de pretensões reais, apontam os romanistas diversos casos em que a

transferência não se podia verificar47.

Vimos, entretanto, que, do ponto de vista do direito material,

utilizaram-se os romanos do instituto da novação para, em atendimento a

imperativos de ordem prática, ensejarem a alteração subjetiva na

obrigação originária48. De fato na novação, hoje na modalidade apelidada

de subjetiva, dava-se a mudança de credor, mas, para isso, se socorriam

os romanos da idéia de o novo credor agir como que ordenado pelo antigo,

a quem sucedera no crédito49. Mediante esse artifício, era o novo credor

quem cobrava o crédito, mas essa mudança não poderia afetar os

interesses do devedor e, por isso, extinguiam-se as fianças prestadas e os

direitos constituídos de penhor, se não viessem a ser renovados, o que

tudo retirou do a sua versatilidade50. Para se evitarem essas

desvantagens, recorreu-se à idéia de representação processual: o credor,

já então, nomeava procurator in rem suam ou cognitor aquele a quem quer

atribuíra o direito de crédito (diríamos, hoje, “cessionário”), dando-lhe

poderes, por direito próprio e unilateral, ordenar (iussum) que exigisse

judicialmente do devedor, mas em nome daquele (procurator ou cognitor),

46 GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., loc. cit. 47 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (Alienação da Coisa Litigiosa. Rio de Janeiro: Forense, 1984, § 2º, p. 9), louvando-se expressamente nas investigações de FRANCA DE MARINI AVONZO (I limitti alla disponibilità della res litigiosa nel diritto romano. Millano: Giuffrè, 1967), acentua recair a eficácia, nesse ponto, da litiscontestatio,apenas sobre o réu, não tendo, assim, o ato de disposição por esse praticado nenhum efeito sobre o processo; o mesmo, porém, não se dava em relação ao autor, que podia, livremente, alienar, com eficácia, a coisa reivindicada. 48 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 518 e 519. MAX KASER, Direito Privado Romano, tradução portuguesa de Samuel Rodrigues e de Ferdinand Hämmerle, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, § 55, I, p. 304. 49 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 50 Cf. MAX KASER, ibidem, loc. cit.

30

o direito de crédito, devendo considerar como ingresso em seu patrimônio

(in rem suam) o produto que lograsse obter51. Tal forma de proceder não

dependia da aquiescência do devedor, mas tinha a desvantagem de tudo

ficar à mercê da vontade do antigo credor, que podia revogar o iussum ou

exigir o crédito para si52. Esses possíveis danos do novo credor foram

prevenidos por meio de cauções, primeiramente nos contratos de “compra

de herança”, que incluía créditos e, mais tarde, nos de “compra” singular

de créditos53: o cedente, por estipulação, promete entregar ao cessionário

tudo o que recebesse da herança ou do recebimento do crédito, conforme

a hipótese, respondendo a caução se houvesse desrespeito ao

51 MAX KASER, ibidem, loc. cit. Como se sabe, desde o período processual mais arcaico, o das legis actiones, havia quatro situações, em que o direito romano permitia a ausência do próprio litigante, a saber: a) na representação pro populo, ou seja, na defesa do interesse comunidade, quando, para tanto, se acionava o Estado; nesse caso, o ente público era representado por um magistrado, fosse para defender seu particular interesse, fosse para velar pelo bem-estar de todo o povo; b) na representação pro libertate, no denominado procedimento de manumissão per vindictam, quando a condição de homem livre restasse contestada e, em lugar do escravo, que sequer era considerado pessoa e, portanto, não podia estar em juízo, comparecia o adsestor libertatis; c) na representação pro tutela, ou seja, admitia-se a defesa, pelo tutor, em favor do pupilo, por razões evidentes; d) na representação ex lege Hostilia, isto é, nas ações de furto, cuja vítima fosse prisioneiro de guerra ou estivesse ausente, a serviço do Estado (cf. LUIS ALBERTO PEÑA GUZMÁN e LUIS RODOLFO ARGÜELLO, Derecho Romano, TEA –Tipografia Editora Argentina, Buenos Aires, 1966, 2ª ed., Vol. I, nº 175, p. 452 e 453; JUAN IGLESIAS, Derecho Romano, Editorial Ariel, Barcelona, 2001, 13ª ed., § 51, p. 129; EUGÈNE PETIT, Tratado Elemental de Derecho Romano, tradução da 9ª edição francesa, por José Ferrández González, Editorial Porrúa, Cidade do México, 2003, nº 74, p. 87; LEOPOLD WENGER, Istituzioni di Procedura Civile Romana, tradução italiana de Riccardo Orestano, Giuffrè, 1938, p. 83). Mais tarde, já no Império, surgiu a figura do cognitor, nos casos em que, por idade avançada ou doença, à parte que não podia pessoalmente comparecer, permitia-se, então, nomear um cognitor, parente ou amigo, que agia em seu próprio nome (Apud ALFREDO DE ARAÚJO LOPES DA COSTA, Direito Processual Civil Brasileiro, Forense, 1959, 2ª ed., Vol. II, nº 87, p. 73). No ordo iudiciorum privatorum, o cognitor era nomeado formalmente, na fase in iure, na presença da outra parte, segundo o ensinamento de GAIO: quod ego a te fundum peto ou quod tua a me fundum petis (cf. Max Kaser, ob. cit., § 82, nº IV, p. 447). O cognitor se tornava, pois, o dominus litis: se vencedor, executava o réu; se vencido, sofria ele mesmo a execução; daí a observação de GAIO: in locum domini substituitur cognitor. Não se sabe, precisamente, de onde teria advindo essa instituição, mas se admite que sua origem seja grega, tendo sido transportada a Roma, logo depois de sua fundação (ALFREDO DE ARAÚJO LOPES DA COSTA, ob. cit., loc. cit.). O cognitor era constituído in iure, na presença do adversário e, segundo o relato de GAIO, mediante uma forma solene: quod ego a te fundum per tibi cognore do Cf. VALDEMAR CÉSAR DA SILVEIRA, “Dicionário de Direito Romano”, José Bushatsky, Editor, São Paulo, 1957, Vol. I, verbete congitor). A função do cognitor acabou por identificar-se com a figura processual do procurator, subsistente presente já mesmo na República, presente, em juízo, como mandatário do réu e que veio, no período justinianeu, a absorver, por completo, aquela primeira função, como restou consagrado no Corpus Iuris Civilis (FAUSTINO GUTIÉRREZ-ALVIZ Y ARMARIO, Diccionario de Derecho Romano, Madri, Editora REUS, S.A., 3ª ed., verbetes cognitor e procurator; VALDEMAR CÉSAR DA SILVEIRA, ob . cit., loc. cit.). 52 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 53 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305.

31

convencionado54. De qualquer forma, porém, esse engenho tinha o

inconveniente de a “autorização” extinguir-se pela morte de qualquer das

partes55.

Havia, também, ao lado da representação, a delegação. Neste caso,

o devedor, por ordem do credor, prometia ao cessionário aquilo que, antes,

prometera ao credor; com isso, também ocorria novação, mas, diferente

das hipóteses acima, tinha a desvantagem de se necessitar do

consentimento do devedor56.

Certo é que, no período clássico, no governo de ANTONIO PIO

(século II), por criação decorrente da força da autoridade do pretor, vem a

surgir a actio utilis translata, destinada, precisamente, a permitir a troca

das partes na relação processual57.

A actio translativa caracterizava-se, fundamentalmente, por uma

substituição de pessoas: a que figurava na intentio e, portanto, devia

figurar na condemnatio, era, então, substituída, no processo, por outra58.

Era o caso das actiones adiecticiæ qualitatis, concedidas ao credor para

demandar o paterfamilias ou dominus pela dívida contraída pelo filius ou

servus59. A actio translativa foi, também, utilizada para alterar a identidade

da parte litigante, nas hipóteses de intervenção do cognitor ou do

procurator, pois esses, embora agindo por conta de outrem, é que suportavam os

54 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 55 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 56 EDOUARD CUQ, ob. cit., loc. cit. 57 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 519; A. SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, Vol. I, Parte Geral, p. 255.; MAX KASER, ob. cit., § 55, n I, p. 305. O prætor urbanus surgiu em 367 a.C. e o prætor peregrinus, em 242 a.C. (cf. A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p; 34). 58 A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 255. 59 A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 255.

32

efeitos positivos ou negativos da sentença que, assim, era pronunciada contra tais

representantes; por meio da actio translativa, a condemnatio pode ser, então,

pronunciada contra o representados. Também, por meio da actio translativa, o

cedente, que era o credor primitivo, que aparecia na intentio, pode ser substituído, na

condemnatio, pelo cessionário, quer para os efeitos de receber o crédito, quer para o

efeito de pagá-lo60.

9. O direito justinianeu, ao fundamento de que, uma vez promovida a

demanda, em transmitindo o autor se direito, obrigacional ou real, a um

terceiro, esse, por suas por suas qualidades pessoais poderia vir a agravar

a posição do demandado no processo, procurou obstar o evento61.

HONÓRIO proibiu a cessão de qualquer crédito a poderosos, sob pena de

sua extinção, e JUSTINIANO vedou, sob a mesma pena, aos tutores e

curadores de se tornarem cessionários de um crédito contra a pessoa que

lhe está submetida à tutela ou curatela62. A restrição geral, porém, veio a

ser estabelecida em 506, por ANASTÁCIO, em retaliação aos “compradores

de crédito”, aplicável a todas as pessoas que houvessem adquirido um

crédito por um preço aquém de seu efetivo valor, ficando o devedor, em tal

hipótese, com a faculdade de se liberar da obrigação, pagando ao

cessionário o valor declarado na cessão63. Havia exceções, porém: a

cessão de créditos era permitida a título gratuito, entre co-herdeiros, bem

como a título de dação em pagamento, em caso de execução para fazer

valer o legado ou o fideicomisso, mas, sempre, sem que houvesse a idéia

60 A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 255. 61 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. 62 EDOUARD CUQ, ob. cit., Cap. XIV, § 4º, p. 641. 63 EDOUARD CUQ, ibidem, p. 641.

33

de especulação64. Embora os estudiosos não sejam claros a respeito,

depreende-se do material fornecido que a vedação se restringisse a se

restringisse ao campo do direito material, o que não impedia que houvesse

o negócio translativo, sobressaindo, no âmbito processual o problema

prático de se ressentir o alienante, subseqüentemente, da legimatimação para a

causa, pois se considerava, para tais efeitos processuais, ineficaz a transmissão da

coisa ou do direito objeto do litígio65. Há quem sustente que essa ineficácia não se

operava pleno iure: o adversário do alienante, em se saindo vencido na demanda,

tinha a possibilidade de declarar, demonstrando ter sido por essa prejudicado, a

nulidade da alienação66. Certo é, porém, que, frente à tentativa de fraudar a lei, por

muitos cessionários que apenas ostentava a “compra” de parte do crédito,

declarando a parte remanescente como objeto de doação a seu favor, Justiniano, a

uma, dispôs que toda cessão seria reputada como tendo sido feita a título oneroso e,

a duas, em 532, proibiu, de forma geral, a cessão de direitos ou objetos litigiosos67.

De todo modo, porém, sob o plano econômico, tais óbices geravam graves

conseqüências: significavam a imobilização econômica de todos os bens que

pudessem ser disputados judicialmente, pois o motivo da ineficácia bem poderia,

in concreto, ter pouquíssimos fundamentos, mas durar anos a respectiva

impugnação, acarretando danos facilmente imagináveis68.

10. No direito medieval, a situação não se modificou, a rigor. Não

faltam, é verdade, numerosos exemplos de aplicação integral da proibição de alienar

a coisa litigiosa, mas há, sempre, uma notável tendência a se impor, como sanção, a 64 EDOUARD CUQ, ibidem, p. 641. 65 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. I, § 1º, nº III, p. 10 e 11; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. 66 GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., p. 142. 67 EDOUARD CUQ, ibidem, p. 641. 68 CARLO MARIA DE MARINI, La Successione nel diritto controverso. Roma: Socità Editrice del Foro Italiano, 1953, Cap. I, nº 3, p. 9.

34

nulidade da alienação, senão, mesmo, sua simples ineficácia no confronto do

adversário processual, a continuar a agir, na tutela de seu direito, como se inexistisse

qualquer sucessão subjetiva na relação substancial controvertida69.

11. Esse espírito, aliás, o mesmo do direito justinianeu, veio a

prevalecer na Península Ibérica. A “Lei das Sete Partidas”, do Rei Dom

Afonso, o Sábio, discorria extensamente sobre a vedação da alienação da

coisa litigiosa a pessoas mais poderosas e influentes do que alienante, o

mesmo escopo, como se vê, do direito romano tardio70. Manteve vivo o

espírito do direito justinianeu, proibindo, também, que repercutisse, no

campo do processo, a alienação da coisa litigiosa; havia exceções à

proibição, embora toda a transferência da titularidade ficasse restrita ao

direito material, sem que produzisse nenhuma repercussão na esfera

processual71. Assim, quanto ao direito material, permitiam-se

transferências de titularidades, mais ou menos na esteira do direito romano

tardo-clássico, como, por exemplo, a alienação da coisa litigiosa quando

viesse a constituir dote na união conjugal; também, quando a coisa litigiosa

pertencesse a muitas pessoas e as respectivas quotas-partes viessem a

ser alienadas entre os co-proprietários litigantes; da mesma forma, em

caso de legado, na sucessão mortis causa72. Porém, como muito bem

apreendido por RAMOS MÉNDEZ, admitindo-se a transferência da coisa

litigiosa no campo do direito material, não poderiam deixar de ocorrer

conseqüências processuais dessa alteração73. Por expressa disposição

69 CARLO MARIA DE MARINI, ibidem, p. 9. 70 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 52. 71 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 50. 72 Cf. FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 50 e 51. 73 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51.

35

das “Sete Partidas”, “aquel a quien pasase la cosa tenudo serie de

responder a la demanda sobre que fuese fecho em emplazamiento"74. No

caso da sucessão mortis causa, ademais, impunha-se ao herdeiro o dever

de defender o direito do legatário até a terminação do feito já antes

iniciado75. Em tais casos, portanto, abria-se exceção à regra e se permitia

que, no processo, viesse a ocorrer a sucessão das partes76.

b) direito luso-brasileiro

12. Ao que tudo demonstra, entretanto, em Portugal, a cessão de

créditos não foi inteiramente proibida, senão, apenas, quando esses

estivessem sendo controvertidos em juízo, e, ainda, assim, para se a

reputar ineficaz, o que, segundo respeitado doutrinador brasileiro, “honra,

mais uma vez, a finura dos juristas portugueses”77.

Já as Ordenaçôes Manuelinas, com efeito, no Livro IV, Título XLV,

item 3, preconizavam:

E depois que a cousa for litigiosa per cada huu dos

sobreditos modos, pendendo o litigio ante que seja findo per

sentença definitiva, que passe em cousa julgada, non deve

o Reo vender, nem escaimbar, nem dar essa cousa a algua

outra pessoa.

74 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51. 75 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51. 76 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51 e 52. 77 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, Alienação Da Coisa Litigiosa. Rio de Janeiro: Forense, 1984, P. 11.

36

As Ordenações Filipinas, no Título X, do Livro IV, após definirem a coisa

litigiosa (“Cousa litigiosa he aquella sobre que he movido litigio em Juizo entre as

partes”), repetiam, no item 3, o preceito das Manuelinas.

13. Com o surgimento das universidades e o florescimento do direito romano,

os juristas medievais, como se sabe, louvavam-se no “Corpus Iuris Civilis” e foi

DONELLUS o primeiro a admitir a transferência de créditos por meio do instituto da

cessão, mercê dos estudos sobre a actio utilis translata78. A partir dos comentários

de DONELLUS, os pandectistas alemães passaram a conceber a possibilidade e os

contornos da cessão de créditos, segundo se extrai do ensinamento, sempre preciso,

de SERPA LOPES79.

14. A Consolidação das Leis Civis, elaborada por TEIXEIRA DE FREITAS,

consagrava, a seu turno, a proibição das Ordenações, fulminando-os de nulos,

78 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. HUGUE DONEAU (em latim, DONELLUS) nasceu em Châlon-sur-Saône, em 1527, e morreu em Altdorf, em 1591. Ainda jovem, ensinou em Tolouse direito civil, mas, tendo aderido ao calvinismo e, por isso, vindo a ser perseguido na França, acabou por transferir-se, como professor, para a Universidade de Heidelberg. Nos comentários ao Corpus Iuris Civilis seguiu estilo próprio, diverso dos de seus contemporâneos, dentre os quais CUJACIUS, com o qual polemizou bravamente (FRANCESCO LUIGI BERRA, in Novissimo Digesto Italiano, Unione Tipografico-Editrice Torinese –UTET, 1975, Vol. VI, p. 255, verbete “DONELLO, UGO”). 79 Ob. cit., loc. cit. Segundo PAULA COSTA E SILVA, o vislumbre da possibilidade da transmissão de direitos controvertidos em juízo fora obra de PUFENDORF (ob. cit., n 2.1, p. 31). SAMUEL VON PUFENDORF FREIHER, jurista e historiador alemão, nasceu em Chammitz, na Saxônia, em 8 de janeiro de 1632, filho de uma pastor luterano. Iniciou seus estudos teológicos na Universidade de Leipzig, mas os logo abandonou para seguir as lições de direito natural ministradas por WENGEL na Universidade de Iena, na Prússia, localidade que deixou, em 1657, para transferir-se a Copenhagen, como integrante do pessoal da embaixada sueca. Quando a Suécia entrou em guerra com a Prússia, PUFENDORF veio a ser aprisionado e mantido encarcerado durante oito meses, período em que, refletindo sobre as obras de GROCIO e HOBBES, elaborou um sistema de direito internacional, graças ao qual o Príncipe CARLO LUDOVICO criou, para o jurista, na Universidade de Heidelberg, a primeira cadeira alemã de direito natural internacional. Em 1667, sob o pseudônimo de SEVERINO DE MONZAMBANO, fez publicar a obra De statu imperii germanici ad Lælium dominum Trezolani liber unus, pela qual contesta, em acerba crítica, a constituição do Sacro Império e da Casa de Áustria. Em 1670, PUFENDORF deixou a Alemanha para lecionar na Universidade de Lund, na Suécia, onde, em 1672, publicou sua obra principal, De iure naturæ et gentium libri octo e, no ano seguinte, De officio hominis et civis iuxta legem naturalem, breve resuma da obra maior. Em 1677, foi chamado a Estocolmo, na qualidade de Secretário de Estado e de historiador régio, onde permaneceu até 1686, quando se transferiu, definitivamente, a Berlim, na qualidade de conselheiro real; havendo, aí, obtido o título de barão, morreu em 1694. O valor da obra de PUFENDORF veio a ser reconhecido bem tarde. Atribui-se a LEIBNITZ a responsabilidade pela valoração negativa de PUFENDORF, a quem definia como “vir parum iurisconsultus et minime philosopus” (apud, Novissimo Digesto Italiano, ed. cit., Vol. XIV, p. 586 e 587, verbete PUFENDORF).

37

expressamente, os contratos onerosos sobre a “coisa litigiosa” (art. 344, caput) e

sobre as “ações litigiosas” (art. 345), não admitindo, por igual razão, fosse a

“coisa litigosa” (art. 586, § 3º). O Código de 1916 não proibiu a cessão da coisa

ou de direitos controvertidos em juízo, não os considerando, pois, objeto “extra

commercium”, como observou AGOSTINHO ALVIM80. Tudo isso, como se vê, no

âmbito do direito material. No tocante às conseqüências processuais da cessão

de crédito, de molde a propiciar o ingresso do cessionário ou o adquirente no

feito, os ordenamentos jurídicos luso-brasileiros não a condicionavam, como

alhures, ao consentimento do devedor, o que valeu a observação de PONTES DE

MIRANDA de a tradição luso-brasileira haver rompido com o romanismo, exigente

de acordo entre o cedente e o devedor81.

De fato, já o primeiro diploma processual civil em vigor, depois da

independência do Brasil, o Regulamento 737, de 1850, em seu art. 409,

assentia: “O cessionário ou subrogado pode prosseguir na execução sem

habilitação, ajuntando o título legal da cessão ou subrogação”. E o

dispositivo, em sua segunda parte, advertia: “Todavia, o cessionário ou

subrogado deverá provar sua identidade, quando dela se duvidar”.

Com a Constituição de 1891 e em proselitismo do sistema federativo

dos Estados Unidos, impondo-se legislação local para o processo, civil e

penal, inúmeros Códigos dos Estados prosseguiram na senda da admissão

do ingresso do terceiro adquirente, por ato inter vivos, no processo em

curso. Assim, por exemplo, o da Bahia (art. 1.045), o de Pernambuco (art.

445), o do Estado do Rio de Janeiro (art. 1.777), o de Minas Gerais (art.

80 Apud CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 15. 81 Comentários ao Código de Processo Civil, Edição Revista Forense, 1959, 2 ed., Tomo IX, p. 282.

38

550), o de São Paulo (art. 456) e o do Distrito Federal (art. 447). Com o

Estado Novo e nacionalização do direito processual, o Código de Processo

Civil de 1939 não destoou do coro tradicional e dispôs, em seu art. 750: “O

cessionário ou o subrogado poderá, sem habilitação, prosseguir na causa,

juntando aos autos o título da cessão ou da subrogação e promovendo a

citação da parte adversa”.

15. O Código de Processo Civil de 1973 inovou no tratamento

emprestado, pela tradição, ao ingresso do terceiro adquirente, por ato inter

vivos, no feito. A despeito de esse ingresso constituir-se, por óbvio, num

como um incidente do processo, não exige, para tanto, seja tal incidente,

processado em apartado, destinado, no caso, ao exame da legitimidade e

do interesse do terceiro. Mas, isso, também, outrora, muitas legislações já

haviam dispensado, desde o Regulamento 737, que admitia o ingresso

“sem habilitação”, isto é, sem o procedimento incidental para o juiz aferir

da qualidade do terceiro para adentar no curso do processo82. O Código

de Processo Civil italiano, de 1865, fazia da trasmissiblidade da coisa

litigiosa, por ato inter vivos ou mortis causa, uma hipótese de interrupção

do procedimento83.

O Código de Processo Civil, em vigor, porém, entendeu, inspirado

nos congêneres italiano, alemão e português, de estabelecer sobre o

assunto, como veio a fazê-lo, o constante dos arts. 41 e 42 e seus §§, em

especial. A principal distinção entre o sistema antigo e o atual está em no

82 Face ao que vimos expendendo, não nos parece tenha razão CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ao asseverar haver o legislador brasileiro, adotado, até 1973, a tese da ineficácia, no plano do direito processual, da alienação da coisa ou do direito litigioso, havida no terreno do direito substancial (ob. cit., p. 23). 83 VIRGILIO ANDRIOLI, Commento al Codice di Procedura Civile. Nápoles: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1943, Vol. I, p. 293.

39

se admitir, agora, o ingresso do adquirente ou cessionário se e quando o

consentir o litigante adversário, pois, não havendo esse assentimento,

prosseguirá o feito entre as partes originárias, ficando, todavia, o adquirente ou

cessionário subordinado aos efeitos da sentença. O novo tratamento sufragou uma

antiga aspiração de LOPES DA COSTA, qualificada de vantajosa, pois, se o adquirente

ou cessionário for insolvente, o vencedor pode optar por receber do litigante

originário as despesas do processo84.

§ 5º. As teorias construídas em torno do tema

a) introdução

16. Como se disse, a transmissiblidade das obrigações,

desconsideradas, a princípio, no direito romano, acabou por ser acolhida

legislativamente, no direito material, mercê das necessidades do tráfego

dos interesses, civis e comerciais.

As considerações doutrinárias, acerca da possibilidade de transmissão o

não do “direito subjetivo”, passou a não mais se conter nas balizas das

preocupações dos pandectistas. A partir do final do século XIX, a literatura alemã

começou a traçar a distinção entre os fenômenos translativos no curso do

processo e os que se sucedem, propriamente, no direito substancial85.

Naquela fase embrionária, a distinção era constituída, pela marca ainda

pandectista, entre a alienação da “coisa deduzida em juízo” e a cessão da

84Apud CELSO AGRÍCOLA BARBI, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975, 1ª ed., Vol. I, Tomo I, nº 267, p. 251. 85 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 92.

40

“pretensão feita valer em juízo”86. Por meio de uma operação de síntese, chega-

se à construção de uma figura unitária de sucessão, agora não mais na “coisa

deduzida em juízo” ou na “pretensão feita valer em juízo”, porém no “direito

controvertido tão-somente” (das streitige Recht allein)87. A fórmula “streitige

Recht” representa, sem dúvida, um avanço relativamente àquelas outras locuções

antes empregadas, mas não passou desapercebido o seu caráter aproximativo da

realidade, pois a locução não estava a indicar apenas o “direito subjetivo”

discutido no processo, mas, por extensão, qualquer outra “posição jurídica

subjetiva”88. Contudo, os processualistas de então, ao procurarem precisar

melhor o conceito de “controverso” ou de “litigioso”, não puderam traduzi-lo por

“contestado”, por assinalarem que “a contestação é suficiente para tornar

controvertido o direito, mas não lho é necessária”, a tanto bastando recordar a

hipótese de revelia89. Em suma, a expressão “streitige Recht” não se mostrou

suficiente, por igual, a esclarecer em que a sucessão processual se diferenciava

da sucessão material90. Não estava a ciência jurídica, entretanto, madura ainda

para isso, relegando-se a solução do problema aos estudiosos futuros91.

Modernamente, a dogmática processual considera o problema da

determinação do conceito de “direito controvertido” sob dois pontos de

vista: a um, o de apurar se o tema da sucessão no “direito controvertido”

se resolve apenas no plano do direito material ou, ao reverso, há de refletir-

se, igualmente, no direito processual; daí, as teorias “da irrelevância”

(Irrelevanztheorie) e da “relevância” (Relevanztheorie), para o direito processual,

86 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 92. 87 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 92. 88 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 89 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 90 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 91 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93.

41

da sucessão ocorrida no plano do direito substancial; a dois, o de resolver o

problema da “demanda infundada”92, mote que levou CARNELUTTI a proclamar: “o

direito controvertido pode, aliás, não existir e, se não existe, é um “nada”, e não

um “menos”, e ao “nada” não se sucede”93.

b) a teoria da irrelevância

17. Uma parte minoritária da doutrina alemã, mesmo depois da

Zivilprozessordnung de 30 de janeiro de 1877 (que se encontra, ainda, em

vigor, com alterações legislativas, é claro), apesar de considerar eficaz a

transmissão da coisa ou do direito litigioso, no plano, evidentemente, do

direito material, entendia, entretanto, que, do ponto de vista da relação

processual, a consolidação subjetiva propiciada pela citação, não poderia

alterar-se, mercê do instituto da litispendência94. Nessa quadra, algumas

palavras hão de ser ditas, para o cabal entendimento do quanto se vem de

expender.

A litispendência, para os autores alemães, não tem uma exata

correspondência ao que está asseverado no art. 301, § 1º, de nosso

Código de Processo Civil: “Há litispendência, quando se repete ação que

está em curso...” Na trilha da observação de TORNAGHI, esse é um conceito

que mais se ajusta à “alegação de litispendência”, o que supõe a co-

existência de ações (rectius, “pretensões”) idênticas95. Na hipótese,

92 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 94. 93 Apud SALVATORE SATTA, La sucessione nel diritto controverso (a proposito di una recenzione), in Soliloqui e Colloqui di un giurista, cit., p. 254. 94 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 22 e 23; HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199. 95 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199, nota 47.

42

contudo, de não haver essa existência coeva de duas pretensões idênticas

e ajuizadas, o conceito de litispendência que, então, emerge, é o do art.

219, do Código de Processo Civil; esse dispositivo, abstraindo, totalmente,

a possibilidade de duas pretensões idênticas virem a ser ajuizadas, adota

o conceito linear, traduzido pela junção das palavras lis, litis e pendentia,

e, assim, que a lide se torna pendente graças ao simples ato da citação

válida.

De fato, um dos efeitos da lide pendente (“pendente de decisão”,

como alerta TORNAGHI)96 ou, melhor, dessa litispendência, é a

estabilização subjetiva da demanda. Isso se dá com a citação válida (art.

219) do Código de Processo Civil. A relação processual, tomada como

sinônimo de processo, inicia-se nos termos do art. 263, do Estatuto em

vigor, mas os efeitos desse início, no confronto do réu, somente se dá com

a citação válida: é o que prescreve ao art. 219, a saber. “A citação válida

torna prevento o juiz, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda

quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e

interrompe a prescrição”. Exatamente por isso, depois de instaurada a

relação processual, constitui modificação da ação (rectius, do processo), a

mudança das partes, como assevera JOSÉ FREDERICO MARQUES97. O

96 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199, nota 47. Mas é o próprio jurista quem adverte: “Devo, lealmente, reconhecer que alguns autores admitem o uso da palavra litispendência nos dois sentidos. Para citar apenas um dos maiores: Chiovenda: “A melhor orientação, porém, é a que reserva a cada palavra um único sentido”. O código teve escrúpulos em empregar o termo instância, tradicional entre nós, por não ser unívoco. Isso apesar de que no contexto era sempre possível saber com qual significado a palavra era utilizada. Ninguém iria confundir o sentido dela na expressão 2ª instância com o que ela tem em absolvição da instância. Está bem: respeitemos a suscetibilidade dos redatores da lei. Mas, então, por que não ser igualmente zeloso em tudo. Por que dizer no art. 219 que a citação válida induz litispendência e no art. 301 afirmar que há litispendência quando se repete a ação?” (HÉLIO TORNAGHI, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978, 2ª ed., Vol. II, p. 153, nota 49). 97 Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1962, 2ª ed., Vol. III, § 125, nº 680, p. 226 e 227.

43

festejado processualista acrescenta:

A litispendência fixa não só a extensão objetiva do

litígio, com base no pedido, como ainda os elementos

subjetivos da res in iudicio deducta. Donde o princípio

de que “nenhuma das partes pode ser substituída, na

instância, e tampouco assumir outra qualidade diversa

da que possuía originariamente98.

Esse é o chamado efeito da estabilização da demanda99 que, no

Código de Processo Civil português, logrou obter disposição específica,

como se lê do art. 268º, verbis:

“Princípio da estabilidade da instância. Citado o réu, a

instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas,

ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades

de modificação consignadas em lei”.

Em obséquio, portanto, ao princípio da estabilização da demanda –o que se

dá, como examinado, por força da citação válida (CPC, art. 219)-, edificou-se a teoria

da irrelevância (Irrelevantztheorie), mercê da qual, a se verificar, no plano do direito

material, a transferência da coisa litigiosa, isso nenhum efeito terá no plano do direito

processual100. Daí, porque, segundo essa teoria, o processo deverá continuar entre

as partes originárias, como se nada houvesse ocorrido101.

18. A “teoria da irrelevância” foi, pioneiramente, perfilhada por GAUPP, na

98 JOSÉ FREDERICO MARQUES, ob. cit., loc. cit. 99 Cf., exemplificativamente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, Vol. II, nº 403 e seg., p. 50 e seg. 100 Cf.: NICOLA PICARDI, La Sucessione Processuale. Millano: Giuffrè, 1964, p. 95 e seg.; CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 23 e seg.; F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 38 e 39; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 33 e seg. 101 NICOLA PICARDI, ob. cit., p. 95.

44

Alemanha102. Para tanto, GAUPP partira da redação do § 265, item 2, da Z.P.O

alemã, a saber:

Die Veräuβerung oder Abtretung hat auf den Prozeβ keinen

Einfluβ. Der Rechtsnachfolger ist nicht berechtigt, ohne

Zustimmung des Gegners den Proceβ als Hauptpartei an

Stelle des Rechtsvorgängers zi übernehmen oder eine

Hauptintervention zu erheben. Tritt der Rechsnachfolger als

Nebeintervenient auf, so ist § 69 nicht anzuwenden” (“A

alienação ou cessão não tem influência no processo. O

sucessor no direito não está autorizado, sem o

consentimento do adversário, a assumir o processo como

parte principal em lugar do substituído ou a promover uma

intervenção principal. Se o sucessor jurídico se apresenta

como interveniente adesivo, não se lhe aplicará o § 69”)103.

Em virtude do acolhimento desta teoria, o parte originária, embora, no plano

do direito material, tenha efetuado a transmissão da coisa ou a cessão do direito

litigioso, continuará na relação processual, com todos os poderes e deveres que

resultam dessa legitimação, sem que o adquirente ou cessionário possa naquela

ingressar104. Por outras palavras, o alienante ou cedente permanecerá como único

titular do direito material e, embora desse venha a dispor como lho aprouver, seja por

meio de transação, seja em virtude de confissão, etc, continuará como parte

processual105.

19. Interessa, no ponto, a observação de PROTO PISANI,

segundo a qual, a doutrina alemã, na interpretação do § 265 da

102 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 34. 103 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 34. 104 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 33 e 34 e nota 30. 105 Cf.: CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 24; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 33.

45

Z.P.O., ao falar em “alienação da coisa l i t igiosa” (die in Streit

befangene Sache zu veräussern) e de “cessão da pretensão

deduzida” (den geltend gemachten Anspruch), é unânime no concluir

se deva entender por isso a “alienação de um direito substancial” e,

precisamente, da coisa (wenn auf rechtl icher Beziehung zu ihr die

Sachlegit imation des Klägers oder des Beklagten beruht)106. Na

seqüência, conclui o eminente jurista peninsular ser essa

contingência tanto mais relevante quanto, vindo a doutrina alemã,

sobretudo nos últ imos anos, a laborar em torno da noção do

Streitgegenstand e da prozessuale Anspruch , se tenha preocupado

em separar sempre mais a “pretensão processual”, entendida como

“objeto do processo”, do direito substancial107.

Por isso, ao que parece, tem sido difíci l a muitos doutrinadores

alemães, aceitar que, com a transmissão, não se opere, também,

uma alteração objetiva do processo108. Com a transmissão , o direito

material, que, na concepção apontada por PROTO PISANI, representa

a “coisa l i t igiosa” (die streit ige Sache) ou o “direito controvertido”

(das streit ige Recht), passa à t itularidade do transmissário e, como o

mesmo direito não pode pertencer a duas pessoas diversas, a

continuar o transmitente no processo, certamente que o fará com

base num direito distinto do direito substancial levado ao processo

originariamente, ou seja, o direito do transmissário é um “direito

novo”, diferente que integrava o objeto do processo

106 Ob. cit., Cap. II, § 4º, nº I. nota 45, p. 28. 107 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 4º, nº I. nota 45, p. 28. 108 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 34.

46

(Streitgegenstand)109. Ora, inexiste, no ordenamento jurídico alemão,

no dizer de MEISTER, nenhuma norma que justifique uma alteração do

objeto da relação processual, valendo notar, ademais, segundo admitiu,

que o § 265 da Z.P.O. determina, ao reverso, que esse objeto continue o

mesmo110. Ademais, sustentou MEISTER que a alteração da relação

processual violava, por igual, o § 325, da Z.P.O., na medida em que exige

vincule a sentença proferida o transmissário, enquanto sucessor da coisa

litigiosa ou do direito controvertido, mas, uma vez alterado o objeto do

processo, impossível conduzir-se esse sucessor ao alcance da sentença,

pois, como adquirente, passou a ter um direito próprio ao pronunciamento

judicial contra o adversário, direito esse que não é acessório, mas

independente, ao invés, daquele de que era titular o transmitente111.

20. Segundo PAULA COSTA E SILVA, a teoria de GAUPP encontrou

obstáculo, no terreno do direito positivo alemão, na parte 1ª do mesmo §

265, da Z.P.O., assim concebida: “Die Rechtshängigkeit schieβt das Recht

der einen oder der anderen Partei nicht aus, die in Streit befangene Sache

zu veräuβern oder den geltend gemachten Anspruch abzutreten” (“A

litispendência não exclui o direito de nenhuma das partes em alienar a

coisa objeto do litígio ou ceder a pretensão deduzida”)112.

109 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 46. Em verdade, esse raciocínio veio a ser apropriado pelos primeiros processualistas alemães da vetusta pandectística germânica. WINDSCHEID, no Diritto delle Pandette (trad. italiana de PAOLO EMILIO BENSA e CARLO FADDA, Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1902, Parte I, § 64, p. 255, nota 6), já defendera essa idéia, cunhada, de resto, pelos doutrinadores “novicentistas” com base numa concepção exagerada de direito subjetivo, como já demonstramos no corpo deste trabalho (supra, Cap. I, § 2º, nº 5). Segundo WINDSCHEID, embora na sucessão material, havendo mudança nos sujeitos da relação jurídica, haverá, também, mudança no direito subjetivo e somente por “cômoda expressão”, se poderá dizer o “direito remanesce o mesmo” (ob. cit., loc. cit.). 110 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 47. 111 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 48. 112 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 46.

47

Ademais, acrescentamos nós, a proclamação da ineficácia do

negócio jurídico material no plano do processo – Irrelevanztheorie – não

explica, por completo, o sentido da norma consubstanciado na parte 1ª, do

§ 325 da Z.P.O.:

Das rechtskräftige Urteil wirkt für und gegen die

Parteien und die Personen, die nach dem Eintritt der

Rechtshängigkeit Rechtsnachfolger der Partein

geworden sind oder den Besitz der in Streit befangenen

Sache in solcher Weise erlangt haben, daβ eine der

Parteien oder ihr Rechtsnachfolger mittelbarer Besitzer

geworden ist.

(“A sentença proferida atua em favor de e contra as

partes e pessoas que desde o começo da litispendência

tenham passado a ser substitutos jurídicos dos

litigantes ou tenham entrado na posse da coisa de

interesse do litígio, quando uma das partes ou seu

sucessor de direito tenha passado a ser possuidor

derivado”).

Por isso, quiçá, a maior parte da doutrina alemã, apesar da dicção

da parte 2ª, do § 265 da Z.P.O –“ Die Veräuβerung oder Abtretung hat auf

den Prozeβ keinen Einfluβ” (“A alienação ou cessão não tem influência no

processo“), veio a orientar-se pela doutrina da “Relevanztheorie”113.

GAUPP, entretanto, procurou contornar a dificuldade apresentada

pela regra da parte 2ª do § 265, da Z.P.O. –“Die Rechtshängigkeit schieβt

das Recht der einen oder der anderen Partei nicht aus, die in Streit

113 NICOLA PICARDI, oc. cit., nº 19, p. 98, nota 20.

48

befangene Sache zu veräuβern oder den geltend gemachten Anspruch

abzutreten” (“A litispendência não exclui o direito de nenhuma das partes

em alienar a coisa objeto do litígio ou ceder a pretensão deduzida”-,

explicando haver o ordenamento apenas admitido um negócio translativo

sujeito a condição suspensiva, em que a tanto consistiria a sentença de

acolhimento da pretensão deduzida, no caso de a transmissão haver sido

feita pelo autor, ou a sentença de rejeição dessa pretensão, em havendo

sido feita a transmissão pelo réu114. Frente ao teor da disposição contida

na parte 1ª, do § 365 da Z.P.O

(“Das rechtskräftige Urteil wirkt für und gegen die Parteien

und die Personen, die nach dem Eintritt der

Rechtshängigkeit Rechtsnachfolger der Partein geworden

sind oder den Besitz der in Streit befangenen Sache in

solcher Weise erlangt haben“ – “A sentença proferida atua

em favor de e contra as partes e pessoas que desde o

começo da litispendência tenham passado a ser substitutos

jurídicos dos litigantes ou tenham entrado na posse da coisa

de interesse do litígio-),

Admitiu GAUPP estar o adquirente ou o cessionário alcançado pela

eficácia da sentença, mas apenas de “forma indireta”, ou seja, porque,

atingindo o objeto do processo, vai, também, refletir-se sobre a indenidade

ou não do negócio jurídico translativo115.

114 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 35. 115 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 36. Em verdade, a processualista lusitana apenas afirma, no passo: “quanto ao caso julgado, defende GAUPP que este vinculará o transmissário, mas apenas de forma indireta” (ob. cit., ob. cit., nº 2.2.1., p. 36). Nada mais acrescenta. Nós é que, sentindo-nos autorizado por observação de PROTO PISANI (ob. cit., Cap. II, § 4, nº I, p. 27 e 28, nota 45), procuramos, segundo nossa compreensão, minudenciar o sentido da expressão “apenas de forma indireta”. Convém, por isso, repetir o mencionado obtemperar de PROTO PISANI: “É interessante, enfim, como a doutrina alemã, na interpretação do § 265 da Z.P.O., a falar em alienação da coisa litigiosa (die in Streit befangene Sache zu veräussern) e de

49

c) a teoria da relevância

21. À obviedade, contrapondo-se à primeira, a teoria da relevância

(Relevanztheorie) entende deva produzir efeitos, no direito processual, a

transmissão da coisa ou do objeto litigioso, havida no âmbito do direito

material116.

A formulação da teoria da relevância surge na obra conjunta de

FÖRSTER-ECCIUS, “Prëussisches Privatrecht”, editada em Berlim em 1896,

mas teria sido concebida pelo último117. Ao afirmado na Z.P.O. (“Die

Veräuβerung oder Abtretung hat auf den Prozeβ keinen Einfluβ” – “A

alienação ou cessão não tem influência no processo“), ECCIUS deu

interpretação restritiva, de modo a significar, apenas, que, apesar da

alienação, não haverá a suspensão do processo, ao invés do quanto

acontece nas hipótese de sucessão mortis causa118. Desse modo, o

legislador assegurou a prossecução do iter procedimental, protegendo a

parte estranha à transmissão da necessidade de propor uma nova “ação”

cessão da pretensão deduzida (den geltend gemachten Anspruch), é unânime no concluir que por alienação da coisa litigiosa se deva entender a alienação de um direito substancial e, precisamente, da coisa (wenn auf rechtlicher Beziehung zu ihr die Sachlegitimation des Klägers oder des Beklagten beruht)...” E, na seqüência, conclui o eminente jurista peninsular: “O relevo é tanto mais interessante quanto venha a doutrina alemã, sobretudo nos últimos anos, laborando em torno da noção do Streitgegenstand e da prozessuale Anspruch, se preocupado no separar sempre mais a pretensão processual (igual a objeto do processo) do direito substancial. É assim tanto mais singular que, interpretando o § 265 da Z.P.O, nem todos os autores vislumbram na pretensão deduzida a pretensão processual objeto do processo...e, às vezes, afirmam que essa seja perfeitamente distinta da pretensão processual, que não se reduz a um direito subjetivo e não pode ser cedida: assim, por exemplo ROSENBERG., o qual, talvez, em tem de objeto do processo...tenha acolhido a teoria mais radical desenvolvida por SCHWAB” . Sentimo-nos, por isso, como dissemos, a esclarecer, motu proprio, o sentido da expressão “apenas de forma indireta”, como uma expansão da incidência sentencial sobre a res in iudicio deducta, de forma a atingir, reflexamente, o transmissário. 116 NICOLA PICARDI, ob. cit., p. 96 e seg.; CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 26 e 27; F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 38 e seg.; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 39 e seg. 117 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40. 118 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40.

50

contra o transmissário119. Dados tais contornos à norma da Z.P.O., haver-

se-ia, igualmente, de ajustar a relação processual à nova feição da relação

material, agora objeto da sucessão inter vivos120. A primeira adaptação

implicará, desde logo, uma mudança na posição do cedente, que não mais

poderá continuar na relação processual, pois, a partir da ocorrência da

sucessão no plano material, deixou de ter legitimidade para continuar

litigando121. À míngua da legitimatio ad causam, advém a segunda

conseqüência, no caso, evidentemente, de ser autor o transmitente, qual

seja, a modificação do pedido, pois aquele nada mais poderá exigir da

parte adversa122. Por outras palavras, permanecendo, por hipótese, o

transmitente no processo, deixa de existir uma coincidência entre as partes

processuais e os sujeitos da relação material123.

A “teoria da relevância” recolheu largo apoio dos doutrinadores

alemães, não sem reparos, é verdade, à exigência, feita por ECCIUS, da

“modificação do pedido”124. Grande parte desses entendeu ser a

modificação da demanda simplesmente “admissível”, mas não

“obrigatória”. KÖHLER assentou alcançar a sentença, embora proferida em

nome do cedente, tanto o litigante como aquele que o sucedeu no

respectivo direito material; admitiu não se verificar, em tais situações, uma

correspondência entre o lado subjetivo da decisão e as pessoas que,

119 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40. 120 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40. 121 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40 e 41. 122 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 41. A autora nada diz, em sendo o réu o transmitente, quanto à necessidade de se alterar a defesa apresentada, possivelmente por não haver sido tangida a questão na obra de FÖRSTER-ECCIUS. Na seqüência de nosso trabalho, entretanto, será exposta o objeção de KOHLER a propósito do assunto, o que, conquanto não supra a omissão, ajudará a compreender a exigência da “mudança do pedido”. 123 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 39 e seg. 124 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40.

51

concretamente, hão de responder pelos efeitos da sentença, mas, ao

mesmo tempo, ponderou ser isso inevitável e constituir um mal menor, não

havendo, por tudo, razão para a modificação do pedido125. HELLWIG, a seu

turno, lecionou que, malgrado a transmissão, o transmitente continua

sendo parte do feito, não se podendo, por isso, alterar o pedido para que,

então, fizesse parte do processo o transmissário, no lugar daquele; a

sentença decidirá de modo implícito acerca do direito do sucessor, cuja

submissão ao caso julgado decorrerá da proclamação do § 325, da

Z.P.O.126. Aliás, WACH, embora não fosse adepto da teoria da relevância

na sua pureza, isto é, sem obtemperamentos, já dissera que a sentença

perderia sentido se, desde logo, não vinculasse o transmissário127.

d) a teoria da relevância mitigada

22. A fim de contornar os inconvenientes da adoção de uma ou de

outra das teorias nas suas últimas conseqüências, ADOLF WACH procurou

um meio termo, formulando uma teoria sincrética, conhecida por “teoria da

relevância mitigada” (“Vermittelnde Theorie)128. De acordo com o

talentoso processualista, há que se partir da premissa de o direito moderno

ter afastado a proibição, enxergada no direito romano, de transmissão de

coisas ou direitos litigiosos129. Essa ponderação afastou, por óbvio, a

adoção da Irrelevanztheorie, mas WACH foi além: talvez pela necessidade

125 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 43. 126 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 43. 127 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 48. Sobre o ponto, ver, também, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (ob. cit., p. 27 e seg.). 128 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 48 e 49. 129 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 49.

52

de a sentença alcançar, plenamente, o transmissário, preconizou o jurista

o reconhecimento da faculdade de esse último também ingressar na

relação processual, mas, nem por isso, se lhe minguaria legitimidade para

continuar na causa e, aí, não avançou tanto quanto a Relevanztheorie130.

De fato, de acordo com WACH, da conjugação necessária, a ser feita, da

primeira e da segunda parte, do art. 265, da Z.P.O., exsurge, por efeito da

sucessão inter vivos, um dominium litis extremamente singular: continuará

o transmitente na relação processual, embora a legitimidade para

demandar e para, em geral, a produção de efeitos processuais, passe,

agora, ao adquirente ou cessionário, mas o alienante ou cedente não

perderá, por completo, a sua legitimidade para continuar no processo,

posto não qualifique WACH, precisamente, essa legitimidade

subsistente131. Esclarece, apenas, Wach que o transmitente, malgrado

continue no processo, não o faz na qualidade de representante do

transmissário, mas não afirma, positivamente, a que figura processual

corresponderia essa atuação132. De seu lado, o adquirente ou cessionário,

dado não ser repelida pelo direito material, nos dias atuais, a sucessão no

direito controvertido, pode praticar atos processuais: assim, pode

reconhecer o direito da parte adversária ou, na hipótese inversa, pode

aduzir a exceção material de extinção da obrigação, mediante

pagamento133. O adversário do adquirente ou cessionário, a seu turno,

também pode com esse celebrar transação134 e, evidentemente,

reconhecer, contra si, a procedência da pretensão deduzida.

130 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 49 e 50. 131 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 49 e 50. 132 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50. 133 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50. 134 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50 e 51.

53

23. Porém, a interferência dos efeitos materiais da transmissão

sobre a relação processual encontra limites: tendo em vista continuar o

transmitente no processo, como sujeito dessa relação, a parte contrária

não lhe pode opor as exceções pessoais somente invocáveis contra o

transmissário, nem, tampouco, reconvir com fundamento em direito que

poderia exercer contra esse último135. Tais limites resultam da especial

configuração da legitimidade do transmitente: será esse parte ilegítima

para responder por “ações” e exceções que somente podem ser deduzidas

contra o adquirente ou cessionário, pois, em virtude da perpetuatio

legitimationis, a legitimidade do transmitente é delimitada pelo objeto inicial

do processo, não comportando extensão a direitos controvertidos

distintos136.

Pedido e sentença, segundo esta teoria, não serão influenciados

pela transmissão, devendo a relação processual continuar em nome do

transmitente, que terá a seu cargo, exclusivamente, a prática de atos

processuais de disposição137. Numa palavra, o alienante ou cedente

continua a ser o dominus litis, apesar de o direito material haver,

eficazmente, transferido ao adquirente ou cessionário que, mercê dessa

circunstância, poderá ingressar na relação processual, mas isso não

implicará nenhuma alteração em seus elementos constitutivos138.

135 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 51. 136 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 51 e 52. 137 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50. 138 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50 e seg.

54

§ 6º. A teoria abraçada pelo Código de Processo Civil brasileiro

24. Os autores, sectários da doutrina da Irrelevantztheorie acenam

com a expressão perpetuatio legitimationis para justificar a inalterabilidade

dos sujeitos da demanda (não confundir com os sujeitos do processo), os

quais, portanto, se perpetuam139. A bem de ver, esse princípio, como

regra geral, veio a ser seguido pelo art. 41 do Código de Processo Civil

brasileiro, porquanto a “substituição voluntária das partes”, na redação

discutível do dispositivo, somente se dá, de modo excepcional, “nos casos

expressos em lei”140.

Bem se vê, portanto, que, no concerto do direito positivo brasileiro,

da teoria da irrelevância (Irrelevantztheorie), na sua pureza, não se pode

cogitar141. Certo, o adquirente ou o cessionário não poderá ingressar na

relação processual, em lugar do alienante ou cedente, se o adversário não

o consentir142. Nem por isso, entretanto, poder-se-á afastar a incidência

da teoria da relevância (Relevanztheorie) e, a rigor, nem, tampouco, da

teoria da irrelevância (Irrelevantztheorie), valendo notar, alias, haver

apontado PAULA COSTA E SILVA a teoria da relevância mitigada como a

adotada pelo vigente Código de Processo Civil português, no qual se

abeberou, por excelência, o Estatuto brasileiro no trato da matéria143.

139 F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 41. 140 Nesse mesmo sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 715. 141 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 23. 142 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 723. 143 Ob. cit., nº 2.2.3, p. 48 e seg. F. RAMOS MÉNDEZ acentua ser essa solução a “etapa mais avançada do pensamento jurídico” (ob. cit., p. 43).

55

Capítulo Segundo: § 1º. A sucessão processual e o tema da “capacidade”

ou da “legitimação”. § 2º. O germe do conceito de

“capacidade jurídica”. § 3º. A capacidade de gozo ou

de direito e a capacidade de exercício ou de fato. § 4º.

A capacidade de gozo e a “legitimação”, no campo do

direito privado. § 5º. A legitimidade, a legalidade e a

legitimação no campo do direito público: a) introdução;

b) a legitimidade em geral; c) a legitimação e a

legitimidade; d) a legalidade e a legitimidade. § 6º. A

capacidade e a legitimação no direito processual. § 7º.

Noções gerais sobre parte. § 8º. Parte em sentido

formal e parte em sentido substancial. § 9º. A

capacidade de ser parte. § 10. A capacidade de ser

parte legítima: a chamada “legitimação para agir”

(legitimatio ad causam). § 11. Parte em razão do

ofício. § 12. Parte complexa. § 13. A legitimação

extraordinária ou substituição processual. § 14. A

substituição processual: desconsiderações de

fenômeno. § 15. O alienante ou cedente como

substituto processual do adquirente ou cessionário. §

16. a substituição processual e o art. 472, 1ª parte, do

CPC. § 17. A perpetuatio legitimationis. § 18. A fraude

à execução e a perpetuatio legitimationis.

§ 1º. A sucessão processual e o tema da “capacidade” ou da “legitimação”

25. Estamos falando de “sucessão processual” e, pois, se está aqui a

perlustrar em que medida essa “sucessão meramente subjetiva da relação

jurídica” (material, evidentemente) vai-se refletir no direito processual.

Segundo o disposto no art. 42, caput, do Código de Processo Civil,

56

“a alienação da coisa ou do objeto litigioso, a título particular, por ato entre

vivos, não altera a legitimidade das partes”. Assim, emerge a necessidade,

antes de mais nada, de se precisar o que se deva entender pela expressão

“legitimidade das partes”. Isso exige uma ligeira digressão sobre o conceito

de “capacidade jurídica”.

§ 2º. O germe do conceito de “capacidade jurídica”

26. Demonstrou GIOVANNI TARELLO144, com sua percuciência de

hábito, que o Iluminismo, movimento filosófico que, desde o final do século

XVIII e no curso do século XIX, tomara conta da Europa ocidental,

apregoou, como uma de suas pilastras, a idéia da igualdade das pessoas,

em contraposição àquela pluralidade de castas sociais existentes e que

geravam, por via de conseqüência, uma diversidade de direitos subjetivos,

consoante seu titular pertencesse a uma ou a outra classe social; enfim,

aquelas diferenças de direitos tão característicos do modelo a que se

denominou ancien régime. Quando essas idéias de igualdade e, logo, de

igualdade jurídica, adentraram os primeiros Códigos oitocentistas, surgiu a

necessidade de se criar o conceito de capacidade jurídica para selecionar

as pessoas autorizadas a praticar atos de direito, enquanto isso poderia

ser vedado, entretanto, a outros; não se tratava, como pode parecer, de

uma discriminação odiosa como antes (uma pessoa tendo determinado

direito, subtraído, contudo, a um outro), senão, já agora, como um

predicado dessas pessoas. O princípio da igualdade alcançava a todos,

144 Ideologie settecentesche della codificazione e struttura dei codici, in Cultura Giuridica e Politica del Diritto. Bologna: Il Mulino, p. 41 e seg.

57

pois todos, sem distinção, eram, igualmente, titulares de direitos

subjetivos, mas algumas possuíam um quê, um predicado jurídico, que as

autorizavam – e somente a essas- a praticar atos idôneos a produzir

efeitos jurídicos: a capacidade jurídica145. Aliás, etimologicamente, o

vocábulo capacidade deriva do latim capabilis, que pode ser traduzido por

“suscetível de” e formado, a seu turno, da raiz verbal capio, (cap) ere, com

o significado de tomar (para si), assenhorear-se ou apoderar-se (de

alguma coisa), conceber (um filho e, por figuração, uma idéia), gerar146.

Daí, entender-se por capacidade jurídica a aptidão, conferida a

determinados sujeitos, de produzir efeitos jurídicos147. Por sua própria

natureza, os efeitos jurídicos se relacionam necessariamente a um sujeito:

quando a norma concede autorização a um determinado sujeito para ter

esse ou aquele comportamento, ou seja, quando o autoriza, em abstrato, a

praticar esse ou aquele ato jurídico, fala-se, então, em capacidade

jurídica148.

27. O festejado civilista lusitano CUNHA GONÇALVES, procurando dar

nitidez ao conceito de capacidade, comparou-a à noção de personalidade

e, daí, lecionou:

...para ser pessoa, basta que o homem exista ou seja

homem; para ser capaz, o homem precisa de ter os 145 Observa, agudamente, RICCARDO ORESTANO (ob. cit., p. 77 e nota 37) que, no intelecto humano, há uma só categoria em torno da qual gravitam todos os predicados verbais, os adjetivos e os complementos da proposição. Essa categoria é a substância. Àquilo que, no campo gramatical, forma a relação denominada substância-predicado ou, em termos já consagrados, sujeito-predicado, sob o plano lógico essa relação se expressa pelo binômio substância-atributo e, no ontológico, pelo binômio substância-ser. 146 YVES GAUDEMET, vocábulo “Capacité”, in Dictionaire de la Culture Juridique. Paris: Quadrige/Lamy-Puf,, obra publicada sob a direção de DENIS ALLAND e STÉPHANE RIALS. 147 RICARDO ORESTANO, ob. cit., p. 77; ANGELO FALZEA, Voci di Teoria Generale de Diritto. Millano: Giuffrè, 1984, 3ª ed., p. 147. 148 ANGELO FALZEA, ob. cit., loc. cit.

58

requisitos necessários para agir por si, como sujeito

ativo ou passivo duma relação jurídica149.

Por outras palavras, todos os homens, enquanto entrevistos pelo

ângulo da personalidade, possuem os mesmos e idênticos direitos, mas,

quando se trata de estar ou não habilitado a praticar atos idôneos a gerar

efeitos jurídicos, a coisa muda de figura: estamos, agora, diante do

instituto da capacidade jurídica.

§ 3º. A capacidade de gozo ou de direito e a capacidade de exercício ou de fato

28. Muitos escritores, talvez entendendo pouco simpática a idéia de

umas pessoas terem capacidade jurídica e outras, não, principalmente

diante da adoção, por todos os Estados, de modo geral, dos princípios do

Iluminismo, criaram duas figuras de capacidade: uma, aquela decorrente

da própria personalidade humana, ou seja, aqueles direitos, que dissemos

ser inerentes à mera personalidade, passam a ingressar numa categoria

chamada capacidade de gozo ou, se preferir, capacidade de direito; de

outro lado àquilo que, até agora, vimos denominando, simplesmente,

capacidade (ou capacidade jurídica) passa a constituir, segundo esses

escritores, que são aliás, majoritários, a capacidade de exercício ou,

indiferentemente, a capacidade de fato150. A primeira, a capacidade de

149 Tratado de Direito Civil. Volume I. Tomo I. 2 ª edição. São Paulo: Max Limonad, 1955, p.189 e 190. Enfatiza, no passo, CUNHA CONÇALVES: “a personalidade é o homem jurídico num estado, por assim dizer, estático; a capacidade é o homem jurídico, no estado dinâmico” (ob. cit., p. 190). 150 Cf. LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, ob. cit., p. 190; MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, Curso de Direito Civil. Vol. I. Nº 146 e seg. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1962, p. 280 e seg.; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil. Vol. I. Nº 48. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 155 e seg.

59

gozo (ou capacidade de direito) é co-natural ao homem e assim o art. 1º do

vigente Código Civil o reconhece, ao dispor: “toda pessoa é capaz de

direitos e deveres na ordem civil”151.

A capacidade de exercício, porém, é aquele quid, aquele algo mais,

que algumas pessoas têm, para praticar atos idôneos, ou seja, atos que

produzam efeitos jurídicos. É o ensinamento, de resto, de CARNELUTTI,

segundo o qual a capacidade se traduz numa idoneidade da pessoa, em

atenção às suas qualidades, para obter efeitos jurídicos de determinados

atos152.

Os alemães, por isso, designam essas duas capacidades por termos

diversos e mais expressivos: Rechtsfähigkeit, ou aptidão de ser titular de

direitos e obrigações, e Handlungsfähigkeit, ou aptidão de adquirir direitos

e obrigações, mas, veja-se, contraindo-os por ato próprio153. Essa

expressão “contraindo-os por ato próprio” é que vai caracterizar a segunda

espécie de capacidade, a capacidade de exercício ou, indiferentemente, a

capacidade de fato. Bem é de ver, nesse sentido, que, embora “toda

pessoa seja capaz de direitos e obrigações na ordem civil” (art. 1º do C.

Civil), vale dizer, seja titular de direitos e obrigações, ou, ainda, tenha

capacidade de gozo ou capacidade de direito, os incapazes, entretanto,

dentre outras pessoas, não podem contrair obrigações, nem dispor de

direitos, “por ato próprio”, segundo se lê do art. 3º do Código Civil, por

exemplo. Os incapazes, assim, para ficarmos apenas nessa hipótese, a

151 MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 147, p. 281; LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, ob. cit., p. 190. 152 FRANCESCO CARNELUTTI, Teoria Geral do Direito. Trad. Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Ed. Lejus, 1999, § 118, p. 363. 153 Cf. LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, ob. cit., p. 190.

60

despeito de terem capacidade de gozo ou de direito, não na têm, todavia,

para a prática de atos jurídicos idôneos. E não na têm porque não podem

dispor de direitos e contrair obrigações por ato próprio, por suas próprias

pessoas, senão por intermédio de uma outra. Essa outra pessoa é que

detém a capacidade de exercício ou a capacidade de fato. Em suma o

incapaz pode praticar atos jurídicos, exatamente por ser uma pessoa,

revestindo-se, assim, de capacidade de gozo ou de capacidade de

direito; não, porém, praticar atos jurídicos por si mesmos, necessitando,

sempre, de outra pessoa que por eles o faça, representando-os (se forem

absolutamente incapazes) ou os assistindo (se forem relativamente

incapazes); enfim, malgrado possuam capacidade de gozo ou

capacidade de direito, não têm, entretanto, a de exercício ou a de fato.

§ 4º. A capacidade de gozo e a “legitimação” no direito privado

29. No campo dos negócios jurídicos, há situações em que certas

pessoas não podem constituir direitos, nem assumir obrigações, dado se

encontrarem privadas do gozo do direito à prática de determinado ato

jurídico, o que pode se dar tanto sob o ângulo do sujeito ativo desse ato,

quanto sob o prisma do sujeito passivo desse mesmo ato, isto é, tanto a

pessoa pode estar privada do direito de dispor, como tolhida do direito de

adquirir154. Às vezes, numa mesma hipótese de negócio jurídico, se dá o

encontro das duas privações, tanto a que afeta um sujeito, quanto a que

recai sob o outro, como no caso da proibição de o testador casado dispor

em proveito de sua concubina; nesse caso, ambos os sujeitos, quer o ativo 154 M. M. DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 147, p. 281 e seg.

61

(o testador hipotético), quer o passivo (a concubina), que, assim, também

nada poderá adquirir mortis causa, estão privados do direito subjetivo

correlato155. Igualmente, um ser humano, revestido, por isso mesmo, de

personalidade e de capacidade de gozo (ou de direito), pode não ter,

todavia, a conditio aetatis para adotar um filho156.

Pretende-se, então – diz SERPA LOPES -, que, nessas

hipóteses, não se trate de uma incapacidade especial

de gozo, senão de uma hipótese de legitimação; saber

se uma pessoa, em face de um determinada situação

jurídica, tem capacidade para estabelecê-la, num e

noutro sentido.

Na venda de coisa alheia, por exemplo, exatamente por não

pertencer a res ao vendedor, falta-lhe título legítimo para dispor da

coisa157. Isso, a que se denominaria capacidade de gozo, passou,

modernamente, a ser chamado de legitimação158. O ponto nuclear ao

entendimento da legitimação consiste no indagar se determinado sujeito

tem capacidade de gozo à prática daquele específico negócio jurídico159.

A sutileza da distinção autoriza-nos a averbá-la de bizantina, mas, a

despeito disso, cremos ter sido feliz ANGELO FALZEA no apontar, em um e

outro instituto, os respectivos matizes. Em linhas gerais, diz o jurista

italiano, é de se ressaltar que a capacidade consiste numa qualidade

intrínseca e abstrata do sujeito: é uma qualidade intrínseca porque não

relacionada com uma pessoa ou com uma coisa, já que o direito a

155 Idem, ibidem, loc. cit. 156 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., loc. cit. 157 Idem, ibidem, loc. cit. 158 Idem, ibidem, loc. cit. 159 Cf. M. M. DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 147, p. 283 e seg.

62

reconhece em proveito daquele a quem se diz possuir capacidade para os

interesses gerais de que é portador e sem nenhuma referência a

elementos externos; é qualidade abstrata, enquanto conferida ao sujeito

em via preventiva e não com referência a um singularizado ato ou

específico efeito160. A figura da não legitimação consiste numa mera

qualidade do sujeito, mas, já agora, numa posição, mesmo, frente a determinada

situação jurídica, ou, se se preferir, mais explicativamente, diante de um objeto ou de

um outro sujeito incluídos numa relação jurídica específica e determinada161. Em

suma, a capacidade traduz uma valoração abstrata de um ato jurídico ou de um tipo

de efeito jurídico, ou seja, é uma qualidade jurídica geral, enquanto a legitimação tem

caráter especial, é valorada frente a um elemento singularizado, constituído pelo

objeto ou pelo sujeito a que respeita a prática de um certo ato ou de determinado

negócio162.

30. Escrevendo para o “Nuovissimo Digesto Italiano”, o então

professor da Universidade de Bolonha, PIETRO RESCIGNO, assevera, com o

propósito de distinguir a capacidade da legitimação, o seguinte: “a

legitimação respeitaria a uma particular relação do sujeito com o objeto do

negócio jurídico: para usar um termo não consentido na linguagem do

direito privado, a legitimação se refere à competência do sujeito frente à

matéria daquele negócio jurídico”163.

Como se vê, porém, no afã de se distinguir a capacidade da 160 ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 229. 161 ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 229 e 230. 162 ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 230. 163 Verbete “Legitimazione”, in Nuovissimo Digesto Italiano, p. 716 e seg. A tradução em comento, que fizemos, não é a literal. Lê-se, do original: ”La legitimazione riguarderebbe invece il particolare rapporto del soggeto con l’ogetto del negozio: per usare un termino non consueto al linguaggio del diritto privato, la legitimazione si riferisce alla “competenza” del soggeto rispetto alla materia che il negozio è destinato a regolare”.

63

legitimação, pode-se aludir, com alguma licença, a uma relação de gênero

e de espécie164, mas, exatamente, por isso, o sentido de uma e de outra,

muitas vezes, se confundem e se baralham, porque, como sabido, dentre

as figuras de retórica, está a metonímia, que se expressa, dentre outras

hipóteses, pelo uso da espécie pelo gênero ou do gênero pela espécie.

De qualquer forma, porém, havia-se de esclarecer a legitimação do

direito civil, a que corresponde, segundo alguns autores, como assinalado,

a uma relativização da capacidade de gozo.

Preciso é tomar cuidado, entretanto, para não confundir essa

legitimação do direito civil com a legitimação do direito processual.

§ 5º. A legitimidade, a legalidade e a “legitimação” no campo do direito público

a) Introdução

31. Demos até aqui, segundo pensamos, cabal explicação quanto à

evolução e ao significado do instituto jurídico da capacidade.

Demonstramos, então, a sinonímia, construída pelos juristas, entre

capacidade de gozo e legitimação, no âmbito do direito privado.

Entretanto, o vocábulo legitimação, agora no terreno do direito

público, possui uma carga histórica e, mais do que isso, constitui termo de

árduo trabalho de definição, quando, a uma, quisermos diferenciá-lo de

legitimidade e, a duas, de legalidade. Preponderam, nesse terreno

164 A lembrança é de ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 230.

64

movediço, as concepções filosófico-sociológicas de cada qual, a impedir

uma unicidade de formulações teóricas. KELSEN, por exemplo, no intuito de

evitar, como sabido, a ingerência de fatores periféricos à sua concepção

do organismo jurídico como um arcabouço exclusivamente normativo, não

faz distinção entre legitimidade e legalidade, dando ambas as palavras por

sinônimas165.

32. Fala-se, aqui, em direito público; o correto, porém, seria, a

referência a direito político, porque os termos legitimação e legitimidade,

nesse compasso, deságuam no delta da justificação da prática do ato166,

embora sejam emanações do Poder Público167.

Guardadas, portanto, as reservas quanto a se poder distinguir um

conceito de outro e sem pretender instaurar, aqui, controvérsia filosófica a

respeito dos temas, os conceitos de legitimidade e de legitimação, como

virá demonstrado, são o verso e o reverso de uma mesma moeda168,

malgrado, como se disse, não haja uniformidade nas dissertações a

respeito e as posições adotadas se tornem quase opinativas.

b) a legitimidade em geral

33. Tradicionalmente - ensina SILVANA CASTIGLION, professora de

165 Teoria Geral do Direito e do Estado, apud SILVANA CASTIGNONE, Introduzione alla Filosofia del Diritto. 1ª ed. Roma-Bari: Laterza Editores, 1998, p. 59. 166 RAFAEL BIELSA, Los Conceptos Jurídicos y su terminologia. 2ª ed. Buenos Aires: Depalma, 1954, p. 85. 167 Cf.: LUÍS RECASÉNS SICHES, Tratado General de Filosofia del Derecho. 16ª edição. Cidade do México: Editorial Porrúa, p. 230; Introducción a la Fisolofia del Derecho y de la Política, p. 89; SILVANA CATIGNONE, Introduzione alla Filosofia del Diritto. 1ª ed. Roma-Bari: Laterza Editores, 1998, p. 59 e seguintes. 168 É essa a posição de LUCIO LEVI, exposta no verbete “Legitimidade”, in Dicionário de Política, p. 675 e seg., dirigido por NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI e GIANFRANCO PASQUINO, tradução de Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guilherme Pinto Cacais e Renzo Dini, publicação conjunta da Editora UnB e da LGE Editora, 12ª ed., 2004.

65

Filosofia do Direito na Faculdade de Jurisprudência da Universidade de

Gênova-, quando se aludia, muito tempo atrás, a legitimidade ou

ilegitimidade de um Poder ou de uma organização política, era facultado

entender: a) ou que se tratasse de um Poder, cuja pessoa ou órgão, que o

representasse, estivesse ou não embasado em “justo título”; isto é, a

pessoa (ou o órgão -e.g., o soberano, o governo, o Parlamento, etc.) fora

consagrada ou nomeada, quando não, mesmo, eleita, segundo o prescrito

nos costumes ou nos princípios gerais (uma espécie de lei fundamental)

comumente respeitados; era a legitimidade ex parti tituli, típica daquelas

sociedades, há tempos largamente superadas, mas nas quais o fator determinante

para a investidura política era a dinastia ou a lealdade a determinada família ou,

ainda, a escolha por parte do Imperador ou do Papa e assim por diante; em suma, a

legitimidade suportava-se no direito natural; b) ou que se tratasse de um Poder justo,

ou seja, a legitimidade continuava a dar-se ex parti tituli, mas, agora, se acrescentava

o adjetivo justo, vale dizer, exigia-se “título justo”, no sentido de que os fins e os

valores traduzidos pelo Poder deveriam respeitar os preceitos iluministas de vida, de

liberdade, etc169. No primeiro caso, o problema da legitimidade é denominado de

legitimidade formal e, no segundo, de legitimidade substancial170.

Em suma, em direito público ou, quiçá, melhor, nos expressando, em

direito político, a legitimidade ou legitimação corresponde a um atributo da

relação do Estado com os cidadãos, consistente num grau de consenso ou

de conformação de grupos ou de indivíduos frente aos atos do Poder

169 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., loc. cit. 170 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., loc. cit.

66

Público, aos quais aqueles se ajustam e respeitam171.

c) a legitimação e a legitimidade

34. Essa conformação ou consenso, entretanto, não se fazem em

níveis únicos ou indiferenciados, porque diversas são as orientações de

indivíduos e grupos no contexto político172. Daí, segundo LUCIO LEVI,

podemos falar em legitimação e legitimidade; a legitimação supõe a

conformidade dos grupos e indivíduos ao ato do Poder Público; Por isso, a

ilegitimidade, reversamente, seria termo empregado para a falta dessa

conformidade. A explicação, a seguir, dilucida a aparente dificuldade de

compreensão. Da análise da ação de grupos e indivíduos – diz LUCIO LEVI-

podemos determinar dois tipos básicos de comportamento: quando os

fundamentos e o fim do poder são percebidos como compatíveis ou de

acordo com o próprio sistema de crenças, e quando o agir é orientado para

a manutenção de aspectos básicos da vida política, o comportamento de

indivíduos e grupos pode ser definido como legitimação; quando, ao

contrário, o Estado é percebido, na sua estrutura e em seus fins, como

estando em contradição com o próprio sistema de crenças, vindo esse

julgamento negativo a se transformar numa ação tendente a modificar os

aspectos básicos da vida política, esse comportamento, então, poderá ser

definido como contestação da legitimidade173.

35. Pensamos poder traduzir essa nuança entre os dois termos

171 LUCIO LEVI, ob. cit., p. 675. 172 Cf. LUCIO LEVI, ob. cit., p. 675. 173 Ob. cit., p. 675.

67

lembrando que o direito natural e aquelas regras dos usos e costumes, que

delineavam o “título justo” para a investidura no poder, isto é, para a

legitimidade (ou legitimação), restaram substituídos, modernamente, no

Estado de Direito contemporâneo (Rechtsstaat), por preceitos normativos

estabelecidos numa lei fundamental, ou seja, segundo o modelo europeu

continental, numa Constituição escrita174. Da mesma forma, as finalidades

e os valores dos atos atribuídos ao Poder estão previamente contidos nas

normas constitucionais175. Não se perca de vista, porém, que esse novo

enfoque apenas esconde, mas não a fulmina de morte, a dicotomia

legitimidade formal e legitimidade substancial: quando se alude à mera

observância do preceito constitucional, enquanto pura norma, na

concepção kelseniana, está-se a referir à legitimidade formal; quando,

porém, se pensa em título justo, cogita-se da conformidade ao ditado

constitucional, ou seja, da vontade popular e das aspirações da sociedade;

por outras palavras, quando se vai mais além da forma, quando se procura

indagar o que de mais recôndito há por trás da mera norma, fala-se, então,

em legitimidade substancial176. Acontece, porém, somente direcionar-se a

ação dos grupos e indivíduos, segundo supomos, para perquirir o que vai

mais além da forma quando o elemento anímico dessa ação é a

contestação da legitimidade. Quando o elemento anímico da ação de

grupos e indivíduos for o de conformar-se ao ato do Poder Público, não se

pergunta, já agora, o que de mais recôndito há além da norma, porque,

174 Consoante anota, percucientemente, PAOLO BISCARETTI DI RUFFIA (Derecho Constitucional. Trad. de Pablo Lucas Verdú. Nº 70. Madri: Editorial Tecnos, 1973, p. 225 e 226), usa-se a expressão Rechsstaat para designar, especialmente, a substituição do anterior governo dos homens pelo governo das leis, mediante a possibilidade, dada aos cidadãos, de declarar a invalidade dos atos do Governo contrários às mesmas leis e, num momento jurídico mais adiantado, também dessas leis, quando choquem com a Constituição. 175 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 63. 176 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 61,

68

como acentuado, o sistema de crenças, hoje, substituiu o título justo pela

norma constitucional; fala-se, nesse último caso, em legitimação.

d) a legalidade e a legitimidade

36. Entendida a legitimação como a conformidade ao mandamento

constitucional, fácil é a substituição do termo pelo de legalidade177.

NORBERTO BOBBIO não fugiu a essa contingência, lecionando ser a

legitimidade, como a legalidade, um atributo de um Poder178; em primeiro

lugar, portanto, a legitimidade é examinada no confronto do direito público

(“atributo de um Poder”)179. Todavia, ressalta BOBBIO, enquanto a

legitimidade é requisito da titularidade desse Poder, a legalidade é o mero

exercício desse poder, ou seja, a legitimidade diz respeito ao título em que

se ancora e se justifica (título justo) a prática desse Poder, enquanto a

legalidade é o exercício, sem mais indagar, desse mesmo Poder180.

37. Deixa-se, agora, assim, de se preocupar com a dicotomia

legitimação e legtimidade, para se cair no binômio legitimidade-legalidade.

A legitimidade explica, segundo outros filósofos, algo transcendente e mais

além da legalidade181. Frente à legalidade, a legitimação é, assim, um

plus; a legitimação indaga, com carga axiológica, se o ato, no seu fundo,

está de acordo com o direito (será “direito” ou será “justiça”?) enquanto a

177 Cf. SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 63 e seg, 178 Sul principio di legittimità, apud SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 73. 179 Apud SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 73. 180 Apud SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 73. 181 Cf. LUIZ LEGAZ Y LACAMBRA, ob. cit., loc. cit.; RAFAEL BIELSA, ob. cit. loc. cit.

69

legalidade fica no plano da forma182.

Em lugar, portanto, da dicotomia legalidade-substancial e legalidade-

formal, surge o binômio legitimidade e legalidade, tout court.

38. Consoante acima insinuado, não nos seduz, a despeito da

excelência do mestre peninsular, o ensinamento de BOBBIO. Para nós, a

legalidade é um apelativo que se contém no campo exclusivamente

jurídico, enquanto as expressões legitimação e legitimidade, têm forte

conteúdo político. Verdade é, segundo dissemos, que o vocábulo

legitimação vem sendo usado para significar a conformação a

mandamentos fundamentais, mas se nos antolha inadequado reduzir um

preceito constitucional a mera expressão de norma legal.

§ 6º. A capacidade e a legitimação no direito processual

39. No campo do direito processual civil, pode-se dizer consistirem a

capacidade e a legitimação em palavras sinônimas, sem aquela distinção

ulterior, cunhada na teoria geral do direito privado, entre aptidão para

produzir efeitos jurídicos em abstrato e aptidão para produzir efeitos em

concreto, até porque, certamente, o direito processual, como regra, apenas

tem eficácia enquanto produção judiciária, diferentemente do direito civil,

que traça tais normas de aptidão sobre as pessoas, normas sobre a

182Cf. LUIZ LEGAZ Y LACAMBRA, ob. cit., loc. cit.; RAFAEL BIELSA, ob. cit., loc. cit.; JOSÉ VILANOVA, Elementos de Filosofia del Derecho. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1977, p. 364. Segundo LUIZ LEGAZ Y LACAMBRA (Filosofia del Derecho. 3ª ed. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1972, p. 621), LUÍS NAPOLEÃO, na França da Restauração de 1815, opôs o conceito de legitimação da monarquia ao de legalidade, ao proclamar, alguns anos mais tarde, que se impunha “sair da legalidade para voltar ao Direito”. Aproveitando esse relato histórico, podemos dizer que, então, se estava a aludir à legitimidade em sentido substancial, pois o direito, ali, significava as conquistas da Revolução de 1789.

70

disposição dos bens e dos requisitos necessários para eficácia dos

negócios jurídicos, tudo de maneira geral.

O direito processual, cujas regras, no tocante aos efeitos dos atos

jurídicos, herdou, outrora, do direito civil, não poderia deixar de apropriar-

se, também, de algumas noções desse último, dentre as quais, a de

capacidade e de legitimação183. Do mesmo modo, considerado, outrora, o

processo como um prolongamento do direito material, resulta evidente

terem sido construídos ensinamentos sobre a capacidade no terreno

processual com lastro na teoria geral do direito civil.

Bem é verdade que notável professor italiano184 ensina o inverso,

mas não cremos, pelas sabidas contingências históricas que permearam o

processo, antes de vir a constituir-se num ramo autônomo e desprendido

do direito civil e, mais ainda, numa ciência própria, que tenha razão o

jurista peninsular.

Como quer que seja, entretanto, certo é, no direito processual,

equivalerem-se os termos capacidade e legit imação . E – mais ainda

– diferentemente, também, do distanciamento, concebido para o

direito público, entre legit imação e legit imidade , no direito processual

ambas os vocábulos têm a mesmíssima acepção, pelo que comum é

variam-se os apelativos: ora se fala, por exemplo, em legit imação

para agir , ora se fala, com idêntico sentido, em legit imidade para

agir; ora se alude a legit imação ad processum, ora se alude a

183 Sustentando derivarem do direito processual civil os conceitos de capacidade e de legitimação da teoria geral do direito civil, cf. PIETRO RESCIGNO, verbete “Legitimazione”, in Nuovissimo Digesto Italiano, p. 716 e seg. 184 PIETRO RESCIGNO, verbete “Letimazione”, in Nuovissimo Digesto Italiano, cit., p. 716.

71

legit imidade ad processum, e, ainda, em capacidade “ad processum”.

A doutrina alienígena, como anota DONALDO ARMELIN, em notável

dissertação sobre o tema, prefere empregar o termo “legit imação”,

em vez de “legit imidade”, como consta do art. 3º, do Código de

Processo Civi l brasileiro185.

40. No terreno do direito processual, em conclusão, devem ser

mencionados, no Brasil, o instituto da capacidade de ser parte, o da

capacidade para estar em juízo (ou, indiferentemente, a legitimação

processual ou, na forma latina, legitimatio ad processum, ou, ainda, num

misto de vernáculo e latim, legitimidade ad processum ou legitimação ad

processum), em capacidade postulatória e em legitimação ou legitimidade

para a causa (ou, se se preferir, legitimatio ad causam), ou, afinal, com o

mesmo sentido, em legitimação para agir e em legitimidade para agir. Cada

um desses institutos tem contornos próprios e, pois, distinto um do outro.

Em Portugal –e, aí, o restritivo acima, “no Brasil”-, não há uma perfeita

correspondência à nossa nomenclatura, como veremos a seguir.

§ 7º. Noções gerais sobre parte.

41. Aprendido o conceito de capacidade, mister é, agora, estremar-

se o conceito de parte.

Alerte-se, todavia, não ser tarefa fácil essa, a de sintetizar uma

noção de parte, de caráter genérico. O labor, malgrado difícil, não é

185 Legitimidade para agir no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979, p. 12.

72

impossível de ser feito, entretanto, desde que se substitua a proposta de

síntese por uma outra de análise. A noção de parte, assim, será extraída

do discurso sobre as várias e múltiplas facetas pelas quais o tema se

apresenta. Ei-las.

42. À guisa de introdução, observe-se derivar o instituto da parte, na

relação processual, da teoria do direito privado186. Ali se chamam partes as

pessoas que se situam nos pólos opostos da relação jurídico-material187.

Exatamente por isso, quando surgia, entre aquelas partes, um conflito, um litígio,

referiam-se os juristas alemães de outrora, a uma luta de partes (Parteikampf) e,

transposto o direito material para a esfera judicial, como antes se entendia, então,

o “processo” (melhor seria dizer o iudicium), as partes em litígio passaram a ser,

então, partes no processo188. Ao ensejo, vale mencionar a afirmativa, a despeito

de óbvia e, ao mesmo tempo, burlesca e elucidativa, de um processualista

italiano, GIUSEPPE GUARNERI, a saber: “Se as partes não existissem, o Estado

deveria criá-las, porque sem elas praticamente não há processo e, muito menos,

processo do Estado, pelo menos como entendemos essa expressão a partir da

revolução francesa”189.

43. É preciso, no entanto, ficar claro, desde logo, que, nem sempre,

as partes da relação jurídico-material serão as mesmas da relação jurídico-

186 HÉLIO TORNAGHI, Instituições de Processo Penal. 2ª ed. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 407. 187 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., loc. cit. 188 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 407 e 408. Procurou-se, no texto, ressaltar que o emprego do termo “processo”, no direito antigo, não corresponde, exatamente, ao derivado do conceito hodierno do étimo. Como já se disse alhures, a palavra processo é relativamente nova na linguagem jurídica (cf. NICOLA PICARDI, verbete Processo Civile- Diritto Moderno, in Enciclopelia del Diritto. Vol. I Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese -UTET, 1964, p. 101 e seg.). Ao fenômeno que, hoje, averbamos de processo, se referiam os juristas, durante quase toda a Idade Média, por meio da expressão iudicium ou ordo iudiciarius, como se colhe da seguinte definição de Búlgaro: “Iudicium accipitur actus ad minus trium personarum, scilicet actoris intendentis, rei intentionem evitantis, Iudicis in medio cognoscentis” (Idem, ibidem, loc. cit.). 189 Apud HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 409.

73

processual, pois, uma vez conceituada a ação como um direito público

subjetivo, a ligar autor e juiz, as partes no processo podem ou não coincidir

com as partes na relação de direito material190.

§ 8º. Parte em sentido formal e parte em sentido substancial

44. Os velhos doutrinadores do processo, presos umbilicalmente à

teoria privatística, aceitavam a idéia de que as partes do processo eram

sempre as mesmas da relação de direito material191. Nessa linha de

raciocínio, demonstrativamente, o credor de algum direito, para aqueles

vetustos doutrinadores, haveria de adotar o nome e a posição de autor na

relação processual ou, para exemplificar, o credor de um direito ameaçado

ou violado é que deveria comparecer, segundo a provecta e superada

teoria, perante o órgão judiciário, pedindo-lhe fosse aquele seu direito

amparado e reconhecido. Por seu turno, o devedor, isto é, aquele contra

quem se pedia o reconhecimento do direito ameaçado ou violado, assumia,

no processo, sempre o papel de réu. Em resumo, consoante salienta

WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JR., o autor, no processo, seria sempre o

credor da relação de direito material e o réu, o devedor figurante nessa

mesma relação192. É o que, então, ensinavam entre nós, PAULA BATISTA e

JOÃO MONTEIRO193.

45. A título de ilustração, convém transcrever a concepção, agora

190 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 410. 191 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JR., Substituição Processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1971, pag. 23. 192 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JUNIOR, ob. cit., loc. cit. 193 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JR., ob. cit. loc. cit.

74

superada, do insigne professor JOÃO MONTEIRO: "Dissemos, no parágrafo

12, que toda ação tem seu germe em uma relação de direito pré-existente

e sua negação. Mas não há relação de direito sem um agente ativo, que é

o credor, e o passivo, que é o devedor. Logo, toda a ação pressupõe a

presença de um credor, que pede a reintegração de seu direito, e de um

devedor contra quem aquele deve a dita reintegração. Quando a ação é

posta em juízo, o titular da relação de direito se chama autor, e o paciente,

réu"194.

46. Essa vetusta concepção de parte, no entanto, está, no presente,

inteiramente superada pelos contornos modernos do direito processual. Ao

que parece, a formulação originária do conceito de “parte em sentido

formal” teria surgido com os estudos de FRIEDRICH OETKER, sobre o

processo falimentar (“Konkursrechtliche Begriffe”), publicado em 1891195.

Na esteira da concepção de OETKER as partes processuais não são os

sujeitos da res in iudicium deducta, mas, sim, os da rem in iudicium

deducens e is contra quem res in iudicium deducitur196. OETKER construíra

essa noção de parte para explicar a posição do administrador da falência

que, demandando, segundo as normas do direito germânico, em nome

próprio no interesse dos bens da massa, mostrava destruída a coincidência

entre os sujeitos da relação material e os sujeitos da relação

processual197. De qualquer modo, ADOLF WACH, em seu “Manual”

(Handbuch), vindo à luz em 1885, demonstrou a autonomia do direito de

ação e, com isso, o conceito de parte, no processo, também se libertou do

194 JOÃO MONTEIRO, Processo Civil. Nº XXIII, § 52, 1ª parte, p. 241. 195 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 116 e nota 45. 196 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 116. 197 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 116.

75

direito civil198. Com efeito, como lembra, com inteiro acerto, PRIETO-

CASTRO, o conceito de parte é, hoje, puramente processual e nasce dentro

do processo, por via de conseqüência. Disso decorre não se identificar

essa moderna concepção com a titularidade dos direitos e das obrigações

materiais, insuscetíveis de determinar o aparecimento do processo, já que,

a rigor, pode-se iniciar o processo, mediante o exercício do direito de ação

por quem afirma ter o direito material, sem realmente possuí-lo, como da

mesma maneira, pode-se proclamar determinada pretensão processual

contra quem não seja o obrigado à satisfação material do direito.

Igualmente, ponderou PRIETO-CASTRO, o processo pode ser iniciado e

seguido por pessoas a quem a lei atribua a faculdade de nele exercer uma

titularidade jurídico-material alheia e, então, somente são partes em

sentido formal199.

Daí, a escorreita definição de JAIME GUASP: "Parte é quem pretende

e frente a quem se pretende ou, mais amplamente, quem reclama e frente

a quem se reclama a satisfação de uma pretensão”200.

Disso decorre a conclusão que o “ser parte” é um fenômeno

198 LOPES DA COSTA, ob. cit. nº 414, p. 348. 199 LEONARDO PRIETO-CASTRO Y FERRANDIZ, Derecho Procesal Civil. Vol. 1º. Nº 27. 2a. ed. Madri: Editorial Tecnos, 1974, pags. 56 e 57. Na doutrina alemã, a locução parte em sentido material (Partei im materiellen Sinne) sempre teve a mesma significação que lhe é dada no presente texto, designando o titular do direito em litígio. Já a outra, parte em sentido formal (Partei im formellen Sinne), indicava as coletividades (de pessoas) ou massas (de bens) que, mesmo sem ter personalidade jurídica, podiam ser autoras ou rés no processo (apud HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 410, nota 9). A expressão partes em sentido formal veio a ser empregada, na Itália, por CARNELUTTi, com a substituição, embora, do adjetivo formal por processual, dentro de sua concepção sociológica das relações jurídicas (Instituciones del Proceso Civil, Vol. I. Nº 101. Ed. Cit., p. 175). A expressão parte em sentido formal é condenada por JAIME GUASP, para quem, no processo, “não há partes materiais e formais, senão, apenas, a condição de ser ou não parte processual" (Derecho Procesal Civil. Tomo I. Ed. Cit., p. 170/171). 200 Derecho Procesal Civil. Tomo I. Ed. cit., pag. 170.

76

essencialmente processual ou formal, desligado do direito substantivo201.

Parte é, de um lado, o autor, que deduz a pretensão processual e, de

outro, o réu, contra quem essa pretensão é deduzida. Essa definição,

aceita pela communis opinio dos doutrinadores, remonta a CHIOVENDA e

tem a virtude de, simplesmente, qualificar como parte (em sentido

processual, é evidente), quem figura no processo, seja como autor, seja

como réu, sem nenhuma indagação quanto a uma possível legitimidade

para tanto202.

47. Em suma, assentamos acima ser a capacidade de ser parte

instituto essencialmente processual. Em nossas aulas na Universidade de

Brasília, temos exemplificado, aos estudantes do bacharelado em Direito,

com a história do pai que, morando nas proximidades da casa de sua filha,

casada, tem, necessariamente, no trajeto do serviço para sua morada, de

passar defronte à residência daquela; todos os dias, fazendo esse

itinerário, o pai, ao passar pela casa da filha, se apercebe das agressões

físicas e verbais que lhe são desferidas, quotidianamente, pelo marido.

Não mais suportando esse estado de coisas, o pai, resolve, então, propor,

ele mesmo, contra o genro, uma ação (rectius, pretensão processual) de

separação conjugal. Não importa, em tal situação, se poderia ou não fazê-

lo, porque o fato é que o fez e, aí, ele, pai, será o autor da demanda de

separação e o genro, o réu. O juiz, evidentemente, vai extinguir o feito, por

meio de uma sentença não de mérito, reconhecendo ser o pai parte

201 OTHMAR JAURENIG, Direito Processual Civil. Trad. da 25ª edição da obra de FRIEDRICH LENT, por F. Silveira Ramos, Almedina, § 15, p. 97. 202 Cf. GIUSEPPE CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil. Tradução da 2ª ed. italiana por J. Guimarães Menegale. Vol. II. Nº 214. São Paulo: Livraria Acadêmica–Saraiva Cia, Editores, 1943, p. 320 e 321.

77

ilegítima para a ação (rectius, pretensão processual) de separação

conjugal, pois essa é de cunho personalíssimo, somente cabendo a

quem for cônjuge. Para os efeitos do instituto da parte em sentido

processual , pouco se dá, destarte, que o pai tenha ou não

legit imidade “ad causam” para deduzir, contra o genro, uma

pretensão processual de separação; o fato é que, em a deduzindo,

tornou-se autor e o genro, réu, tendo-se estabelecido uma relação

processual , tanto assim que o juiz veio a extinguí-la por meio de

sentença. Nessa sentença, evidentemente, o juiz proclamou o autor

parte i legít ima para a ação de separação in concreto; mas não se

está, aqui e por ora, avançando até esse ponto, o da i legit imidade ;

para o entendimento do conceito de parte em sentido processual

basta a indagação quanto a quem, no processo, f igura (devida ou

indevidamente, é outra história) como autor ou como réu,

efetivamente.

Eis, pois, o caráter processual do instituto da parte.

Para encerrar esse tópico, apesar de jocosa, não pode deixar de

lembrada, porque deveras ilustrativa, a afirmação exagerada de H. OTTO

DE BOOR, em opúsculo denominado “Zur Lehre vom Pateiweschsel und

vom Pateibegriff”, segundo a qual o conceito de parte formal é de tal forma

abstraído do direito material que sua definição pode assim ser resumida:

“as partes são efetivamente as partes”203.

203 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 121.

78

§ 9º. A capacidade de ser parte

48. Por meio do exemplo acima, aflora, cristalinamente, a noção de

parte em sentido processual.

Todavia, uma coisa é o “ser parte”; outra, um pouco mais avançada, é o

“dever-ser parte”. Essa distinção, retirada da lógica deôntica, a que é própria,

permite enxergar um instituto que, a nosso ver, merece ser estremado do mero

conceito de “ser parte” em sentido processual. Já não se indaga, agora, quem é

parte, senão quem pode ser parte, ou seja, quem tem suscetibilidade de ser

parte. Uma advertência, porém: ainda aqui, está-se a trabalhar dentro do conceito

de parte em sentido processual, mas sob uma outra ótica, a do dever-ser parte.

Quando se pergunta quem deve ou não deve ser parte, deseja-se um pouco

mais do que constatar, simplesmente, quem é parte ou não é parte. Um exemplo

pode esclarecer melhor a distinção tentada: se JOÃO DA SILVA propuser uma ação

(rectius, “deduzir uma pretensão processual”) contra o Tribunal de Contas da

União, JOÃO DA SILVA será o autor e o Tribunal de Contas, o réu; até aqui se está

no plano do “ser”. No plano do “dever-ser”, entretanto, ou seja, no campo da

suscetibilidade de ser parte –ou, se se preferir, da “capacidade de ser parte”-,

indaga-se não se o Tribunal é ou não é réu, efetivamente, mas, já então, se pode

ou não ser réu; por outras palavras, questiona-se se não é a União Federal a

pessoa jurídica de direito público, que engloba o Tribunal de Contas, quem, então,

deve-ser réu ou, ao contrário, se deve sê-lo, mesmo, o Tribunal de Contas,

embora sem personalidade jurídica própria. Em suma, aquelas noções sobre

legimitidade ou capacidade podem ser aqui aplicadas para a distinção entre o “ser

parte” e o “dever-ser parte”: como um acontecimento fático, todos poderão figurar-

79

embora seja isso uma deformidade, ou seja, uma falta de

pressuposto processual, como abaixo será analisado-,

concretamente, como autor ou como réu, a tanto bastando que assim

sejam apontados na petição inicial; esse é um dado da realidade , um

dado fático; todavia, nem todos terão o mesmo quid para, sem

deformidade alguma, comparecer ao processo, no pólo ativo ou no

pólo passivo; isto é, não são todos que têm a capacidade de ser

parte, a suscetibi l idade de ser parte.

Ter capacidade de ser parte é ter capacidade para ser sujeito

de uma dada relação jurídico-processual, ou seja, capacidade de ser

sujeito processual204.

49. Acima, quando estudamos o instituto da “capacidade de ser

parte”, insistimos na distinção entre o conceito de parte em sentido

material e parte em sentido formal . Pois bem, agora temos de recuar

um pouco nessa caminhada, para dizer que, no instituto da sucessão

processual , há uma interferência profunda do direito material no

direito processual205 e, dizemos nós, a recíproca é também

verdadeira.

204 CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. Cit. Ed. cit. § 35-bis, p. 356; OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, ob. cit., loc. cit. 205 Cf., por todos, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 720 e seg.

80

§ 10. A capacidade de ser parte legítima: a chamada “legitimação para agir” (legitimatio ad causam)206

50. Demonstramos, acima, a sinonímia, construída, outrora, pelos

juristas, entre capacidade e legitimação.

Uma das espécies de legitimação, a ser, agora, versada, é a

legitimatio ad causam, também apelidada de legitimação substancial207,

porque se constitui, precisamente, na aptidão de produzir o efeito

(capacidade) de o juiz pronunciar-se sobre o direito material. O conceito de

parte, em sentido formal ou processual, alertou LIEBMAN208, nada tem que

ver com a capacidade ou legitimação para agir, que consiste na

identificação das partes justas ou legítimos contraditores; são, destarte,

partes no processo aqueles que de fato o são, como sujeitos da relação

processual, com todas as conseqüências que daí derivam e

independentemente da circunstância de serem ou não consideradas

legítimas".

Indaga-se: essa legitimidade, de que fala o art. 3º, é a mesma

206 Sobre a legitimação para agir, cf., dentre outros: CHIOVENDA, ob. cit., nº 39-B, p. 258 e seg; LIEBMAN, Manuale di Diritto Processuale Civile. Vol I. Nº 74. 3ª ed. Millano: Giuffrè, 1973, p. 122 e seg.; JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 304, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1962, p. 164 e seg.; MOACYR AMARAL SANTOS, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. Nº 129. São Paulo: Max Limonad, 1962, p. 201; LUIZ MACHADO GUIMARÃES, Carência de Ação, in Estudos de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Jurídica e Universitária Ltda., 1969, p. 101 e seg; ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil.Vol. I. Nº 122. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 375 e seg.; OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, Curso de Direito Processual Civil. Vol I. Nº 48. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 105 e seg.; EDUARDO ARRUDA ALVIM, Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 162 e seg.; ANDREA LUGO, Manuale di Diritto Processuale Civile. 13ª ed. § 9. Millano: Giuffrè, 1999, p. 21 e seg.; LUIGI PAOLO COMOGLIO, Lezioni Sul Processo Civile (com a colaboração de CORRADO FERRI e MICHELE TARUFFO). 2ª ed. Bologna: Il Mulino, 1998, p. 244; CRISANTO MANDRIOLI, Corso di Diritto Processuale Civile (Nozione Introduttive e Disposizione Generali). Nº 13. G. Giappichelli-Editore, 1998, p. 49 e seg. 207 Assim, por exemplo, ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Vol. I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1975, p. 274. 208 Manuale di Diritto Processuale Civile. vol. I. Nº 41. Ed. cit., pag. 70.

81

legitimidade ad causam, ordinária ou extraordinária, a que alude o art. 6º?

E, ainda, interesse e legitimidade são termos com distintos conteúdos? A

resposta exige pesquisa, reflexão e, sobretudo, cuidados.

51. Significa o instituto da legitimatio ad causam que, para o juiz

acolher a demanda, não basta que repute existente o direito alegado pelo

autor, mas que o repute pertencente àquele que propôs a demanda (autor)

e contrário àquele contra quem essa foi proposta (réu)209. Por outras

palavras, o juiz, no exame da legitimatio ad causam, não adentra o direito

material a ponto de dizê-lo existente ou não, mas, apenas, se aquele que

pediu a proteção jurisdicional é o ente autorizado pelo sistema jurídico a

fazê-lo. A legitimatio ad causam, destarte, espelha e reflete a qualidade

para agir, seja como autor, seja como réu. De fato, toda vez que surge um

conflito de interesses, o ordenamento jurídico não dá a qualquer um a

faculdade (ou direito ou o poder ou, ainda, o direito potestativo: toda essa

distinção, algo preciosista, aqui não vai importar) de se dirigir ao juiz para

que intervenha e faça prevalecer o direito210; mas, ainda, exige o

ordenamento que somente se faça prevalecer o direito frente a quem,

realmente, seja a pessoa responsável pela observância desse direito. A

legitimatio ad causam é, assim, uma condição à apreciação do mérito,

porque o juiz vai fazer um mero exercício de raciocínio, decidindo a causa

em abstrato, in these, mas, ao contrário, somente vai examiná-la na

presença das pessoas diretamente interessadas na solução do conflito.

Auxilia o esclarecimento desse tema, sem dúvida tormentoso, o

209 CHIOVENDA, ob. cit., nº 39-B, p. 258 e seg. 210 LUIZ MACHADO GUIMARÃES, ob. cit., p. 101.

82

magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES211:

Parte legítima é aquela que tem direito a uma decisão

sobre o mérito da causa. Trata-se de conceito situado

entre o de parte no sentido processual e o de parte

vencedora. Parte é todo aquele que aparece como

sujeito processual com direito a um pronunciamento

qualquer do órgão jurisdicional; enquanto que parte

vencedora é aquela que obteve decisão definitiva (id

est sobre o mérito) favorável a seus interesses.

De outro canto, ajunta ARRUDA ALVIM212, em observação atenta:

A legitimidade é idéia transitiva, isto é, alguém é legítimo em

função de outro; vale dizer, o perfil final da legitimidade exige a

consideração do outro. Esta realidade pode, muitas vezes,

passar despercebida, mas é verdadeira. Assim, o proprietário,

que sofreu esbulho, será parte legítima ativa em face de quem,

efetivamente, esbulhou; o marido em relação à mulher, e vice-

versa, para solicitar separação; o credor em relação ao seu

devedor (e não, por hipótese, em relação à sociedade de que

faça parte o devedor) e, assim, sucessivamente”.

52. Quando se examina essa qualidade do autor para agir, falar-se

em legitimação ad causam ativa e, quando se alude à qualidade do réu

para se contrapor ao desejado materialmente pelo autor, em legitimação

ad causam passiva.

Como regra, a admitir, todavia, exceção, a parte justa, a parte

legítima, vista pelo ângulo ativo (o autor), deverá ser o titular do direito

211 Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 340. ed. cit., p. 164 e seg. 212 Manual de Direito Processual Civil. Vol. I. Nº 122. Ed cit., p. 377.

83

material que, judicialmente, formula uma pretensão contra o réu; também,

reversamente, sob o prisma, agora, do ângulo passivo (o réu), parte justa,

parte legítima, deverá, também, ser o titular do interesse resistido frente ao

autor e que, por isso, acha que o direito material deva militar em seu

proveito e não, em prol do autor.

A legitimação para agir (legitimatio ad causam), destarte, exige,

ordinariamente, que haja uma perfeita coincidência entre a parte em sentido

processual e a parte em sentido material. Note-se, porém, que, nesta afirmação,

introduzimos o advérbio ordinariamente. De fato, amiúde, é isso o que sucede: o

titular do direito material, isto é, a parte em sentido material, é parte processual

legítima (legitimatio ad causam ativa) para deduzir, judicialmente, sua pretensão

contra o réu. Igualmente, aquele que é parte passiva em sentido material, ou seja,

aquele que está obrigado a respeitar o direito material do autor, deverá, também, ser

a parte processual legítima (legitimatio ad causam passiva).

Um exemplo, pinçado, com felicidade, por OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA213,

poderá esclarecer o assunto. Celebrado um contrato de locação entre A e B, em

caso de inadimplemento do locatário, como, v. g., a falta de pagamento dos

alugueres, parte legítima (ativa) para propor a ação de despejo será o locador e,

também, parte legítima (passiva) para responder pela ação de despejo será o

locatário. Se, em vez disso, a ação for promovida pela sociedade imobiliária,

gerenciadora do contrato de locação, haverá ilegitimidade ativa ad causam.

Preciso é, nesse tema, ficar bem claro que a questão da legitimatio ad

causam, para ser deslindada, exige do juiz a observação do direito material,

213 Ob. cit., nº 4.8, p. 105.

84

mirando-lhe a vista, para determinar se uma das partes é legít ima ou

i legít ima . Não se quer dizer com isso que o juiz vá decidir, desde

logo, se o direito material protege o autor ou o réu; direito material214,

ou seja, como diz ROSENBERG215, frente às partes verdadeiras.

§ 11- Parte em razão do ofício

53. Um segmento da doutrina alemã216 construiu a f igura da

parte em razão do ofício ou, se se preferir, parte em razão do cargo

(Partei kraft Amts). O exemplo típico, dado pela doutrina teutônica, é

t irado do administrador da herança (Nachlassverwalter), ou seja, o

inventariante, e do administrador da massa fal ida (Konkursverwalter),

isto é, o nosso síndico da massa –e, também, por extensão, o

comissário, na concordata. A parte em razão do ofício atua no

processo não em virtude de um direito próprio ou de um interesse

que lhe seja inerente, mas, sim, porque tem a função de perseguir e

defender direitos e deveres de outrem217. Sustentam os sequazes

dessa doutrina que o administrador da massa fal ida, assim como o

da herança, conduz o processo em nome próprio e, pois, como parte,

destinado, porém, a produzir efeito em benefício do respectivo acervo 214 JUAN MONTERO AROCA, La Legitimación en el Proceso Civil. Nº 11. Madri: Editorial Civitas S. A., 1994, p. 51. 215 LEO ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil. Trad. de Angela Romera Vera. Vol. I. § 45. Buenos Aires: EJEA, 1955, p. 254. No entender de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO –a que não queremos aderir, por antipatia a essa história de condições da ação, mas, superada a idiossincrasia, é observação feliz-, “em rigorosa técnica processual, a legitimidade ad causam insere-se no âmbito do interesse de agir porque sua falta traduz-se em ausência de utilidade do provimento jurisdicional”.não, mas, apenas, que, na oportunidade dessa decisão, quando da sentença, fá-lo-á às partes reconhecidas pelo ordenamento jurídico como idôneas à disputa do direito material. Essa legitimação ad causam, chamada ordinãria –em contraposição à extraordinária - significa somente poder-se reconhecer o direito material ao titular do respectivo direito subjetivo e contra aquele obrigado à observância e respeito desse. 216 Cf. LENT, ob. cit., § 18, p. 63. 217 LENT, ob. cit., § 18, p. 63.

85

patrimonial218.

54. Segundo SCHÖNKE219, tais pessoas, como o administrador da massa

falida, o administrador da herança e quejandos, não podem ser consideradas

representantes, pois o círculo dos possíveis representados é objetivamente

indeterminado, além do que os interesses desses eventuais representados muitas

vezes são opostos. Na esteira desse entendimento, ensina SCHÖNKE220 que, em se

tratando os interesses de uma pessoa, atua um representante, mas, em havendo

vários interesses em pugna, a qualificação de representante a tais pessoas não

corresponde às exigências de uma prática administração da justiça e, assim, utilizar-

se da fórmula germânica, sem guardar, no entanto, absoluta fidelidade e respeito à

essência do instituto, nesses casos, atua um gestor ou fiduciário, que, diferentemente

do representante, é parte no feito. Esse entendimento, porém, não é uniforme.

ROSENBERG221 refuta-o, dando-o por equivocado.

No sistema do Código de Processo Civil brasileiro, não há lugar para

o instituto da parte em razão do ofício, nas situações mencionadas pela

literatura alemã. Nosso Estatuto, no art. 12, incisos III e IV, assim como, à

semelhança desses, o inciso IX, considera, por expresso, serem

representantes os administradores ou gestores de tais acervos, pouco

importando, assim, a observação de SCHÖNKE, quanto a não se poder falar

em representação, por serem díspares, amiúde, os interesses dos

sedizentes representados. Essa postura do Código em vigor amolda-se à

tradição do direito brasileiro e os preceitos do art. 12 do atual Estatuto

218 Idem, ibidem, loc. cit. 219 ADOLF SCHÖNKE, Derecho Procesal Civil. Tradução da quinta edição alemã por Victor Fairém Guillén e outros. § 23. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1950, p. 85. 220 Idem, loc. cit. 221 LEO ROSENBERG, ob. cit., § 39, 214.

86

constavam, em proporções mais reduzidas, do art. 85 do Código

derrogado.

55. Na pureza, portanto, com que delineiam o instituto a

jurisprudência e a doutrina alemãs, não há correspondência, no direito

positivo brasileiro, à parte em razão do ofício. Guardadas, porém, essas

proporções, podemos utilizar-nos da fórmula germânica, transportando-a

não apenas para o mandado de segurança, mas, também, para outras

hipóteses em que a ação pode ser intentada contra tais entes

despersonalizados ou nas quais podem estes intervir.

56. Não é este a quadra idônea para se proceder a uma ampla

análise do instituto denominado amicus curiae, consagrado em nosso

ordenamento jurídico, com atuação, sobretudo, no controle de

constitucionalidade normativo222. A despeito da qualificação emprestada

pelo Supremo Tribunal Federal de “colaborador informal da Corte” 223, o

tema, ainda não devidamente analisado pela doutrina brasileira, reflete, a

nosso ver, a figura da parte em razão do ofício.

§ 12º. a parte complexa

57. O conceito de “parte complexa” foi construído por CARNELUTTI224.

O processualista insigne principia sua exposição por ressaltar o sentido

222 Sobre o tema, cf. CASSIO SCARPINELLA BUENO, Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006; MIRELLA DE CARVALHO AGUIAR. Amicus Curiae. Vol V. Salvador: JusPodivm, 2005. 223 AgR na ADI 748/RS, rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 01.08.1994, DJ 18.11.1994, p. 31.392 e AgR na ADI 2581, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 11.04.2002, DJ 18.04.2002. 224 FRANCESCO CARNELUTTI, Arte del diritto. Pádua: Cedam, 1949, apud CARLO MARIA DE MARINI, “La successione nel diritto controverso”, Società Editrice del Foro Italiano, Roma, 1953, Cap. VI, nº 42, p. 160.

87

etimológico de parte. Parte, diz ele, vem contraposto ao conceito de

“tudo”ou de “unidade”; o conceito de “parte” guarda, assim, em si mesmo, o

significado de limitação, pelo que, assim, não existe uma parte que

englobe todas essas “limitações”225. A “parte” assim é chamada porque

está em relação com o “todo”226. Em virtude desse vislumbre, é possível,

portanto, que o “sujeito” do processo seja parte no sentido de gozar,

apenas, da legitimatio ad causam, vindo outro sujeito, entretanto, a

ostentar a capacidade ad processum227. Isso é possível porque “parte”

outra cosa não é senão aquele sujeito portador de um “interesse” e esse

“interesse” é o de “participar” de uma determinada situação processual que

é cindida, muitas vezes, pelo ordenamento jurídico228.

A teoria da “parte complexa”, que teve pouca simpatia da doutrina,

veio a ser retomada por CARLO MARIA DE MARINI para explicar o

fenômeno da “sucessão processual”229, como veremos no passo

apropriado.

§ 13º. A legitimação extraordinária ou substituição processual

58. Embora não se vá, hic et nunc, discorrer, profundamente acerca

do instituto preanunciado, algumas ligeiras considerações, todavia, devem

ser feitas a respeito, porque úteis à exata e cabal compreensão do tema da

legitimatio ad causam.

225 Apud CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit., loc. cit. 226 Apud CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit., loc. cit. 227 CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit., Cap. VI, nº 42 e seg., p. 154 e seg. 228 Idem, ibidem, loc. cit. 229 Ob. cit., Cap. VI, nº 42 e seg., p. 154 e seg.

88

O que acima se escreve acerca da coincidência entre a parte em

sentido material e a parte em sentido processual constitui a regra geral que

admite, contudo, exceções. Muitas vezes, com efeito, a lei (veja-se: somente

a lei pode estabelecer essas exceções) determina que, em juízo, a defesa do

direito material haverá de caber a uma outra pessoa. Por outras palavras,

nesses casos excepcionais, quem deve comparecer em juízo, para assumir a

qualidade de autor ou de réu, isto é, a qualidade de agir, não é o titular do

direito material, mas aquela outra pessoa a quem a lei a tanto determina.

Nesses casos, parte legítima não é o titular do direito material, mas aquela

outra pessoa a quem a lei atribui a qualidade de agir230. Como o denuncia a

própria nomenclatura, investe-se uma outra pessoa, não titular do

correspondente direito substancial, o atributo de provocar efeitos

jurisdicionais sobre essa situação material231.

A regra geral, isto é, o que ocorre de ordinário, é ser parte

processual legítima a mesma pessoa que é parte na relação substancial,

vale dizer, parte em sentido material; fala-se, então, nessa hipótese mais

comum, em legitimação ordinária (assim chamada exatamente por isso, por

ser a ordinária). Quando, entretanto, se está diante da hipótese em que o

230 EPHRAIN DE CAMPOS JÚNIOR, Substituição Processual. Nº 13. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, p. 16 e seg. 231 ELIO FAZZALARI, Sostituzione processuale (dir. proc. civile), in Enciclopedia del Diritto. Millano: Giuffrè, 1990, Vol. XKIII, p. 160. Segundo ELIO FAZZALARI (idem, p. 161), costuma-se falar, amiúde, em “substituição processual” como sinônimo de “legitimação extraordinária”, ao pálio de estar a pessoa dessa revestido autorizado a desempenhar atividades processuais no lugar do destinatário dos seus respectivos efeitos, mas se trata de “um emprego conceitual e lingüístico de todo impróprio , pois a “substituição processual” consiste numa species do genus “legitimação extraordinária”. Os exemplos mencionados pelo eminente processualista, tirados do ordenamento jurídico italiano, não têm, a nosso ver, semelhança com o que dá no direito brasileiro. Por isso, feita a observação, continuamos a empregar ambas as expressões como de idêntico conteúdo. De acordo com ELIO FAZZALARI (idem, p. 16o), ainda, está o substituído autorizado a ingressar na relação processual na qualidade de litisconsorte necessário, embora não vá desempenhar atividade processual “convergente” ou “divergente”, no confronto da desenvolvida pelo substituto, como se dá, por exemplo, segundo o processualista, na anulação do casamento promovida pelo Ministério Público.

89

titular do direito material não tem a qualidade de agir, conferida a uma

outra pessoa, o que sucede extraordinariamente, fala-se, daí, em

legitimação extraordinária (daquele autorizado a agir em juízo em defesa

do verdadeiro titular do direito material). Na primeira parte do art. 6º, do

Código de Processo Civil, está a regra geral (“Ninguém poderá pleitear, em

nome próprio, direito alheio...”); na segunda parte, a exceção (“salvo

quando autorizado por lei”)232.

Por isso, quando, acima, falamos sobre a distinção entre partes em

sentido formal e partes em sentido material, mencionamos o obtemperar de

PRIETO-CASTRO, segundo o qual o processo pode ser iniciado e seguido por

pessoas a quem a lei atribua a faculdade de nele exercer uma titularidade

jurídico-material alheia e, então, somente são partes em sentido formal233.

59. Tal fenômeno fora acusado, primeiramente, por JOSEF KOHLER,

em 1886, discorrendo a propósito do direito civil e, mais precisamente,

sobre o usufruto234. Deu-lhe KOHLER, em batismo, o nome de

Prozesstandschaft (estado processual, situação processual), traduzido, por

CHIOVENDA, construtor do instituto para o mundo latino, por substituição

processual, terminologia que restou, afinal, consagrada235. Para KOHLER,

a substituição processual decorre da relação de direito substancial,

existente entre o substituto e o substituído, por força da qual se confere ao

232 Demonstrou ARRUDA ALVIM (Impossibilidade de Substituição Processual Voluntária face ao Código de Processo Civil, in Revista de Processo. Nº 5. Ano 1977, p. 216 e seg.), ser impossível, por convenção das partes, instituir-se a substituição processual. Nesse mesmo sentido, WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 65, p. 135 e seg. 233 LEONARDO PRIETO-CASTRO Y FERRANDIZ, Derecho Procesal Civil. Vol. 1º. Nº 27. 2a. ed. Madri: Editorial Tecnos, 1974, pags. 56 e 57. 234 Apud ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Vol. I, nº 41. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1975, p. 426 e seg., e JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 373. Ed. cit., p. 224. 235 ARRUDA ALVIM, idem, loc. cit.; JOSÉ FREDERICO MARQUES, ibidem, loc. cit.

90

substituto o direito subjetivo de se fazer presente em juízo236. Esse

conceito de substituição processual foi transportado para o âmbito do

processo civil por HELLWIG, que ao instituto deu o nome de

Prozessfürungsrecht (poder de conduzir o processo), atribuindo, assim, ao

substituto um direito de caráter exclusivamente processual237.

Consiste a substituição processual, em síntese, no verdadeiro

descompasso, autêntica dissociação, entre duas titularidades jurídicas: a

de direito material e a de direito processual238. Na substituição

processual, é parte em sentido processual uma pessoa distinta do titular do

direito substancial239. Essa parte processual age, no processo, em nome

próprio (exatamente por isso, é parte processual), mas defendendo direito

material alheio240. Esse, o timbre da substituição processual, o agir em

nome próprio, defendendo, porém, como autor ou réu, pouco importa,

direito alheio. Distingue-se, por isso, da representação (pense-se, por

exemplo, na hipótese de mandato), na qual o representante age em nome

alheio (em nome do representado) e em defesa do direito alheio (do

representado, obviamente)241. No caso de representação quem figura,

portanto, como parte em sentido processual é o representado (que,

também, como evidente, é parte em sentido material). Distingue-se,

igualmente, a substituição processual da sucessão processual, prevista,

esta, no art. 41 do Código de Processo Civil (com evidente erronia de 236 Cf. WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, Substituição Processual. Nº 40. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971, p. 87. 237 Idem, ibidem, nº 40, p. 87 e 88. 238 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 40, p. 88; ARRUDA ALVIM, idem, loc. cit.; JOSÉ FREDERICO MARQUES, ibidem, loc. cit. 239 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Nº 68. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 77. 240 LEO ROSENBERG, ob. cit., § 45, p. 257. 241 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 43, p. 91.

91

nomenclatura, pois o Código alude, equivocadamente, aí, a substituição

processual).

Exemplo clássico242 de substituição processual é o marido que, no

regime dotal, administra os bens da mulher e, pois, na dicção do art. 289,

do Código Civil, pode “usar das ações judiciais” em defesa de tais bens.

Mas há muitas outras hipóteses. Para não se estender em demasia,

mencione-se o caso do art. 527 do Código Comercial, legitimando o

capitão do navio -o qual, portanto, não é o dono ou afretador da

embarcação- a promover o arresto da carga transportada para garantir o

pagamento do frete243, e a hipótese do gestor de negócios que atua em

juízo na defesa dos direitos do gerido (art. 1.331, do Código Civil)244.

60. Autorizada doutrina245 sustenta que nas hipóteses de atuação

do Ministério Público como parte (Código de Processo Civil, art. 81), fá-lo a

Instituição na qualidade de substituto processual. Com lastro nesse

entendimento, quando o Ministério Público Federal, promove a ação

declaratória de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder

Público (Constituição Federal, art. 105, inciso I, letra a, e art. 103, item VI),

atua como substituto processual e, da mesma forma, quando o Ministério

Público estadual ou o do Distrito Federal promove a ação de anulação de

casamento (na hipótese do art. 208, inciso II, do Código Civil), a ação de

dissolução das sociedades comerciais (na hipótese do art. 670 do Código

242 Cf. LEO ROSENBERG, ob. cit., § 45, p. 257; CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 224. Ed. cit., p. 348 e 349. 243 EPHRAIM DE CAMPOR JÚNIOR, ob. cit., p. 44. ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Nº 45. Ed. Cit., p. 442. 244 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 60, p. 125. 245 PIERO CALAMANDREI, Instituciones de Derecho Procesal Civil. Trad. de Santiago Sentís Melendo, Vol. II. Buenos Aires: Ejea, p. 438 e seg.; LIEBMAN, ob. cit., nº 74, p. 125.

92

de Processo Civil de 1939, nesse tocante em vigor), a ação de extinção

das fundações (na hipótese do art. 30, parágrafo único, do Código Civil,

com a qual se relaciona a do art. 1.204 do Código de Processo Civil), atua,

igualmente, como substituto processual246. Essa posição doutrinária não

é, porém, unânime, na Itália247, pois forte corrente considera defender o

Ministério Público, em juízo, direito que lhe é próprio, conferido, que lhe

foi, pelo ordenamento jurídico, e, portanto, está o órgão, nesses casos,

legitimado ordinariamente para demandar.

§ 14º. A substituição processual: desconsiderações do fenômeno.

61. Como já se disse, o instituto da substituição fora concebido por

KOHLER, primeiramente248, desenvolvido, na Alemanha, por HELLWIG, e

introduzido, o respectivo estudo, na Itália, graças ao germanismo de

CHIOVENDA, vindo, a partir daí, a sedimentar-se na cultura jurídica do

mundo latino249.

Porém, não foram todos os doutrinadores que aceitaram a

construção dogmática da substituição processual. Na Itália, UGO ROCCO,

SALVATORE SATTA, ANTONIO SEGNI e MARCO TULLIO ZANZUCCHI não a

admitem.

246 É a opinião de JOSÉ FERNANDO DA SILVA LOPES, O Ministério Público e o Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 12. 247 Cf. HENRIQUE FAGUNDES, O Ministério Público Federal na defesa, em juízo, da União Federal, in Revista de Processo nº 05 (ano 1980), p. 38 e seg. 248 ARRUDA ALVIM (Código de Processo Civil Comentado. Ed. cit., nº 4.1., p. 427), de forma não expressa, mas, implícita, atribui a ADOLF WACH, adjetivado pelo mestre paulista como “o mais completo processualista alemão, maior mesmo do que OSKAR VON BÜLOW”, a anterioridade no vislumbre do instituto. 249 Cf. ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Ed. cit. Nº 4.1., p. 439.

93

ROCCO concorda em apontar, no fenômeno jurídico mencionado, uma

não coincidência entre o sujeito processual com o sujeito substancial, mas

entende ser isso um problema não jurídico, mas, metajurídico, que os

sistemas ainda não explicaram satisfatoriamente250. A inexistência da

repercussão do fenômeno no campo processual, leva ROCCO a concluir que

o substituto não defende direito alheio, quando se queira entender por

essa expressão o direito de agir251. Assim, ao deduzir uma pretensão

processual, o substituto exerce um direito que lhe é próprio, o direito de

ação252.

SALVATORE SATTA, assim como ANTONIO SEGNI, que comunga da opinião do

primeiro, não concordam com a redução do fenômeno a uma categoria própria, a

da substituição processual253. Para eles, vista a situação pelo lado meramente

processual, o denominado substituto age por direito próprio254. SATTA examina

vários casos, alguns duvidosos na doutrina, de substituição processual para,

depois, concluir no sentido de que, em todos, o apelidado substituto age em

defesa de direito próprio255. Na consagrada hipótese do marido que comparece

em juízo para a defesa dos bens dotais, diz SATTA, o varão demanda por um

direito próprio, o de administrador dos bens dotais256.

ZANZUCCHI, partindo da distinção ente o agir em nome próprio e o agir no

próprio interesse, entende que o substituto age, na verdade, em nome próprio,

250 Apud ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Ed. cit. Nº 4.1., p. 437. 251 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 61, p.128. 252Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., loc. cit. 253 Apud ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., loc. cit. 254 Idem, ibidem, loc. cit. 255 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., loc. cit. 256 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., loc. cit.

94

mas condicionado por um interesse que tem na causa257. Tal interesse, porém, é

metajurídico, ou seja, emana do legislador, quando estatui sobre a legitimidade

para agir em juízo, nesse ou naquele caso258. Assim, o juiz, no caso concreto, não

vai indagar se há um interesse em discussão que é próprio do dizente substituto,

mas, sim, se a lei processual ou, mesmo, a lei material (que, nessa hipótese,

será, intrinsicamente, processual) atribui ao autor ou ao réu, conforme o caso,

legitimidade para litigar em juízo259.

Realmente, casos há, rotulados de substituição processual, em que,

perfeitamente, se pode sustentar agir o chamado substituto em defesa de um

direito próprio, como no caso do marido, no regime da comunhão dotal, ou do

Ministério Público, nas hipóteses em que atua como parte. De outro lado,

sedutora, também, é a tese de ZANZUCCHI. Todavia, dentre os que se opõem à

construção de uma categoria própria para a apontada situação, nenhum deles

nega a existência do fenômeno. Uma vez consagrado na doutrina, ainda que com

as mencionadas oposições, o instituto em exame, parece inserir-se a

recalcitrância na aceitação da substituição processual, na esteira da definição já

sedimentada, no campo das discussões bizantinas, tão ao gosto dos sábios

religiosos da antiga capital do Império Romano do Oriente.

§ 15º. O alienante ou cedente como substituto processual do adquirente ou cessionário

62. O Código de Processo Civil, já o dissemos, vale-se, inadequadamente,

ora do termo “substituição” –assim, especificadamente, na rubrica “Da

257Apud ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., nº 4.1., p. 432 258Idem, ibidem, loc. cit. 259Idem, ibidem, loc. cit.

95

Substituição das Partes e dos Procuradores”, no Capítulo IV, do Título II, do Livro

I)-, ora do equivalente verbal “substituindo” –no § 2º, do art. 42: “o adquirente ou o

cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante ou cedente,

sem que o consinta a parte contrária”260.

No entanto, o fenômeno da substituição processual pode, realmente,

verificar-se, uma vez ocorrida, no plano do direito material, a sucessão na

coisa ou no direito litigioso. Trata-se, porém, de hipótese inversa à prevista

no § 1º, do art. 42. Ali, diz-se que o adquirente ou cessionário podem

“substituir” o alienante ou cedente; aqui, afirma-se que esses últimos, o

alienante ou o cedente é que podem ser substitutos processuais dos

primeiros, o adquirente ou o cessionário.

Com efeito, na hipótese de não restar consentida a “sucessão

processual” (erradamente mencionada pelo Código de “substituição da

parte”), quem continuará, na relação processual, como parte (e, aí, parte

em sentido formal, apenas) será o transmitente, ao qual o Código

denomina de “alienante” ou “cedente”. Esse, então, defenderá, em nome

próprio, um direito material de outro, o “adquirente” o “cessionário”, o que

se delineia como típica hipótese de substituição processual.

Essa situação, embora, no Brasil, pouco ou nada se tenha dito a

260Sobre a imprecisão da nomenclatura, de resto, patente, cf. ARRUDA ALVIM (“Tratado de Direito Processual”, ed. cit., p. 723) e CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (ob. cit., p. 172 e seg.). Nem mesmo a lembrança de haver o Código de Processo Civil se valido do termos “substituição” e “substituindo” em sentido vulgar pode atenuar-lhe a reprovação terminológica. Como muito lembra esse último doutrinador, nem sempre o alienante ou cedente é substituído, no processo (idem, ibidem, loc. cit.).Sobre a imprecisão da nomenclatura, de resto, patente, cf. ARRUDA ALVIM (“Tratado de Direito Processual”, ed. cit., p. 723) e CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (ob. cit., p. 172 e seg.). Nem mesmo a lembrança de haver o Código de Processo Civil se valido do termos “substituição” e “substituindo” em sentido vulgar pode atenuar-lhe a reprovação terminológica. Como muito lembra esse último doutrinador, nem sempre o alienante ou cedente é substituído, no processo (idem, ibidem, loc. cit.).

96

respeito, não é novidade na doutrina. Na Alemanha, JOSEPH KOHLER

ensinava, frente ao direito daquele país, restritivo, como vimos, do

ingresso do adquirente ou cessionário no processo em curso, que a

permanência, na causa, do transmitente, teria explicação nas vestes do

instituto da substituição processual261. Da mesma forma, HELLWIG, no

analisar o § 265, da Zivilprozessordnung, entreviu, na atividade do

alienante ou do cedente, que, na Alemanha, permanecem no processo, um

exemplo típico de substituição processual262. Na Itália, CRISANTO

MANDRIOLI obtempera que o fenômeno de, na sucessão processual, não se

dar o ingresso, no processo em curso, do adquirente ou do cessionário,

“põe em evidência que o alienante age (ou resiste), em juízo, para fazer

valer um direito que não é mais seu, com a conseqüência de estarmos

diante de uma exceção à regra da legitimação de agir, ou seja, frente a um

dos casos de legitimação extraordinária”263.

63. Problema, é verdade, será explicar o fenômeno da substituição

processual, frente à regra, segundo a qual, na sucessão processual, a

eficácia da coisa julgada vincula tanto o transmitente quanto o adquirente

ou o cessionário. Fiel a esse princípio, dispõe o § 3º, do art. 42, do Código

de Processo Civil:

A sentença, proferida entre as partes originárias,

estende os seus efeitos ao adquirente ou ao

cessionário”. alienação da coisa ou do direito litigioso,

a título particular, por ato entre vivos, não altera a 261 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., p. 303. 262 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., p. 305 e seg. 263Ob. cit., p. 361. Em sentido diverso, expressamente, da admissão da substituição processual, no instituto da sucessão por ato inter vivos, cf. FERRUCCIO TOMMASEO, “L’Estromissione di una parte dal giudizio”, Giuffrè, 1975, p. 248 e seg.

97

legitimidade das partes.

WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, em conhecida monografia

sobre o tema, demonstrou não existir, entre os doutrinadores, uniformidade

de opinião, a uma, quanto à extensão da coisa julgada material ao

substituído, além na natural eficácia, que possui, no confronto do

substituto, e, a duas, quanto aos fundamentos para tanto264. Tendo em

vista a norma do § 3º, do art. 42, em apreço, não nos interessa discutir

quem, no instituto da substituição processual, deverá submeter-se à

eficácia material da sentença, se o substituto ou o substituído. Nos termos

desse § 3º, a eficácia da sentença estender-se-á tanto ao transmitente

quanto ao adquirente ou ao cessionário, de forma que, ao se admitir possa

aquele desempenhar o papel da substituição processual, quando

inadmitido o ingresso dos últimos na relação processual em curso, haver-

se-á de entender, corolariamente, que a eficácia dessa mesma sentença

alcançará quer o substituto (no caso, o transmitente) quer o substituído (o

adquirente ou o cessionário). Assim, por força da lei, a primeira indagação,

formulada in thesi, a eficácia da sentença, certo ou errado, não importa,

alcança, a um só tempo, o substituto (o transmitente) e o substituído (o

adquirente ou o cessionário). Remanesce, portanto, apenas a questão de

saber quais os fundamentos para tanto.

264 “Substituição Processual”, Editora Revista dos Tribunais, 1971, nº 77 e seg., p. 167 e seg.

98

§ 16º. A substituição processual e o art. 472, primeira parte, do CPC.

64. Na literalidade do art. 472, primeira parte, de nosso Estatuto

processual, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada,

não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. De outro canto, como

ensina a doutrina, “o substituto é parte no processo e o substituído não”265.

Aplicando-se, portanto, aquela primeira parte do art. 472 à substituição

processual, seremos levados a concluir que a sentença fará coisa julgada

para o substituto, que é parte no processo. Acontece, porém, que, em se

tratando de substituição processual, não é assim. Se o instituto da

substituição pressupõe, precisamente, o poder de um alguém fazer valer,

no processo, um direito alheio, é óbvio que a coisa julgada material vai

alcançar não o substituto, mas o substituído266. Ademais, nas pretensões

condenatórias, não se pode compreender que a condenação seja

pronunciada a favor ou contra o substituto, pois o condenado há de ser o

titular do direito substancial, isto é, o substituído267. Assim, nos casos em

que a substituição não se estende, necessariamente, a todo o processo,

pois o titular da relação jurídica nesse poderá adentrar, como, por

exemplo, o armador na demanda intentada, em seu nome, pelo capitão do

navio268, formando-se a coisa julgada, na lide em que foi parte o

substituto, não poderá o substituído, de forma alguma, pretender rediscutir,

265 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 59, p. 124. 266 EPHRAIN DE CAMPOS JÚNIOR, ob. cit., nº 13.2.1, p. 76. 267 EPHRAIN DE CAMPOS JÚNIOR, ob. cit., loc. cit. 268 Cf. CHIOVENDA, “Instituições”, Vol. II, nº 225, p. 352 e 353.

99

em nome próprio, o que fora objeto da sentença passada em julgado, não

mais podendo, em idêntica demanda, ser réu ou autor269.

Há, portanto, na primeira parte do art. 472, do Código de Processo

Civil, o emprego da locução parte, com um sentido diverso do que se

encontra em outros passos do Estatuto. Na lição de COMOGLIO, o termo

parte, aqui, tem o significado de pessoas destinatárias dos efeitos da

sentença270.

65. Na doutrina da substituição processual, autores há, como KISCH,

na Alemanha, e GARBAGNATI e MICHELI, na Itália, que sustentam sofrer o

substituto processual, como parte, os efeitos processuais da sentença,

como a responsabilidade pelo pagamento das despesas do processo271.

ANA PAULA COSTA E SILVA, mais modernamente, cuidando especificamente

do tema, ensina que a vinculação do alienante aos efeitos da sentença

deverá ocorrer na medida, apenas, em que seja compatível a esse último,

na sua qualidade de parte formal272. Desse modo, continua a jurista

lusitana, somente os efeitos processuais (maxime, a obrigação pelo

pagamento das custas) refletir-se-ão diretamente no transmitente273.

A nosso ver, assim deve ser entendido o § 3º, do art. 42, do Código

de Processo Civil: o transmitente, na hipótese em que se não consinta ao

adquirente ou cessionário ingressar na relação processual, nessa atuará

269 � ARRUDA ALVIM, “Tratado de Direito Processual Civil”, Editora Revista dos Tribunais, 1990, Vol. I, nº 4.3, p. 529. 270 LUIGI PAOLO COMOGLIO, “Lezioni sul Processo Civile”, com a colaboração de CORRADO FERRI e MICHELE TARUFFO, Il Molino, 1998, 2ª ed., p. 288. 271 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., p. 168. 272 Ob. cit., nº 3.2.2., p. 282. 273 ANA PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., p. 282.

100

na qualidade de substituto processual e, portanto, na parte formal. Ficará,

pois, submetido, apenas, à eficácia processual da coisa julgada. O

adquirente ou o cessionário, exatamente porque, então, se erigem em

titulares do direito material controvertido ou da coisa litigiosa, sujeitar-se-

ão aos efeitos materiais da decisão, até porque, quando mais não seja,

somente é possível, no plano da realidade, subordinar alguém à eficácia

material do julgado quando esse bem material lhe toca; quem não possui,

como o substituto (no caso, o transmitente) o direito material, a sentença

de mérito não pode atingi-lo; o direito material assentado, portanto, nesse

pronunciamento judicial, somente pode repercutir em quem, no processo,

se afigura como titular desse mesmo direito material, ou seja, o substituído

(no caso, o adquirente ou o cessionário).

O § 3º, do art. 42, do Código de Processo Civil, não fala que o

transmitente e o adquirente ou cessionário estarão submetidos à eficácia

material da sentença e, tampouco, poderia fazê-lo, sob pena de pronunciar

um absurdo. Diz, apenas, que “a sentença estende seus efeitos ao

adquirente ou ao cessionário” e isso, como se disse, é da própria natureza

das coisas. Titular do direito material, o adquirente ou o cessionário ficará

adstrito à eficácia material do julgado, como substituídos processuais; aos

efeitos processuais da sentença, ficará submetido o alienante ou cedente,

substitutos processuais.

Apenas, um derradeiro esclarecimento: o substituto (isto é, o adquirente ou

cessionário) não se torna co-responsável pelos efeitos processuais da sentença.

De fato, está-se, na quadra, a cogitar da vedação, ao adquirente ou cessionário,

de seu ingresso na relação processual em curso. Ora, isso somente se pode dar,

101

como acima salientado, por ato do litigante adversário. Esse, portanto, no renitir

ao ingresso do adquirente ou cessionário, assume, inteiramente, a

responsabilidade decorrente da permanência, no feito, do alienante ou cedente,

inclusive no tocante à sua eventual insolvência ou, quando menos, aos

empeços no atendimento concreto aos efeitos processuais da sentença.

§ 17º. a perpetuatio legitimationis

66. Preceitua o art. 42 do Código de Processo Civi l pátrio que

“a alienação da coisa ou do direito l i t igioso, a título particular, por

ato entre vivos, não altera a legit imidade das partes”.

A locução “não altera a legit imidade das partes” não signif ica, à

evidência, estar-se a proibir a “alienação da coisa ou do direito

l i t igioso”. Ao reverso, o art. 42, do Código de Processo Civi l,

contempla a possibil idade de, no plano do direito material, vir a

acontecer a “alienação da coisa ou do direito l i t igioso”274.

Entretanto, constata-se que, a apesar de ocorrer a alienação da

coisa ou do direito l i t igioso, reputada, por via de conseqüência,

válida e eficaz , no plano do direito material, esse negócio jurídico

não altera, só por si, a legit imidade das partes, ou seja, consolida-se

a perpetuatio legit imationis275, mas, nos termos do § 3º, desse

mesmo art. 42, “a sentença, proferida entre as partes originárias,

estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário”. Sobre os

274 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 721. 275 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 721.

102

efeitos da sentença, no tema da sucessão material na coisa ou no

direito l it igioso, diremos em pouco.

67. Importante, contudo, é salientar, no passo, haver a doutrina

construído, no tema da legitimidade ad causam –a que, evidentemente, se

refere o art. 42, do Código de Processo Civil-, a regra da coincidência,

segundo a qual a legitimidade processual (Prozessführungsbefugnis), que

a tanto corresponde, em sinonímia, a legitimatio ad causam, deve coincidir

com a legitimidade material (Sachelegitimation)276, ou seja, as partes da

relação jurídico-material devem coincidir com as partes da relação jurídico-

processual, salvo, é claro, a hipótese da denominada substituição

processual.

Daí porque, a rigor, a legitimidade processual

(Prozessführungsbefugnis), na hipótese de sucessão inter vivos, deveria

ostentá-la, em princípio, apenas o adquirente ou cessionário. Exatamente

por isso, tornou-se indispensável o preceito do art. 42, caput, do Código de

Processo Civil: “A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título

particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”. Está aí

contemplada a perpetuatio legitimationis, por força de lei.

68. O princípio da perpetuatio legitimationis remonta às fontes

romanas277, com lastro nas quais os canonistas extraíram as máximas per

276 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 1, p. 134 e seg. 277GIUSEPPE CHIOVENDA, “Instituições de Direito Processual Civil”, ed. cit., vol. cit., nº 256, p. 449. A explanação de Chiovenda é feita tendo em vista o problema da perpetuatio iurisdictiones, mas, quer essa, quer a perpetuatio legitimationis, decorrem, uma e outra, do princípio per citationem perpetuatur iurisdicitio e ubi acceptum est semel iudicium, ibi et finem accipere debet, tendo os dois a mesma gênese. Para uma completa análise e compreensão da evolução histórica do instituto da perpetuatio iurisdictionis, fundamental é o estudo empreendido por CHIOVENDA, “Sulla “perpetuatio iurisdictionis” (in Saggi di Dirittto Processuale Civile”, Società Editrice “Foro Italiano”, Roma, 1930, Vol. I, p. 271 e seg).

103

citationem perpetuatur iurisdicitio e ubi acceptum est semel iudicium, ibi et

finem accipere debet278. O princípio passou para o direito comum e, com

as codificações, foi adotado pelos países da Europa Continental, de

tradição romanística279.

O direito canônico desenvolveu o aforismo per citationem perpetuatio

jurisdictio como decorrência da litis contestatio ou, mais, precisamente,

como efeito processual da litis contestatio. E, de fato, estudando, notável

e profundamente, o instituto da litis contestatio, desde o antigo direito

medieval até seu abrigo no Código Canônico, ELIO MAZZACANE demonstra,

com apoio no ensinamento de REIFFENSTUEL, que os canonistas da Idade

Média, interpretando o direito justinianeu, estendiam os efeitos da

litiscontestatio à própria constituição do juízo (“Hinc ante litem contestatam

proprie no dicuntur iudicium”) e, uma vez assim constituído, operava-se a

perpetuatio jurisdictionis (“...iudicium incipit quoad tres effectus...primo

primum quidem quoad perpetuandam iurisdictionem delegatam...”)280 .

Com a evolução do direito canônico, por fim, a estabilização da

demanda, primitivamente nascida do caráter contratual ou quase-contratual

da litis contestatio, emerge, assumindo essa circunstância caráter público,

Anota HÉLIO TORNAGHI (Ob. cit., p. 297, nota 61): “...afirma CHIOVENDA que a expressão perpetuatio iurisdictionis vem do Direito Canônico. É possível. Mas estou inclinado a acreditar que esse rótulo não se deve apenas ao emprego do verbo perpetuar em cânones citados pelo eminente mestre italiano, mas também à semelhança com a perpetuatio obligationis”. 278 Anota, nesse passo, HÉLIO TORNAGHI (Ob. cit., p. 297, nota 61): “...afirma CHIOVENDA que a expressão perpetuatio iurisdictionis vem do Direito Canônico. É possível. Mas estou inclinado a acreditar que esse rótulo não se deve apenas ao emprego do verbo perpetuar em cânones citados pelo eminente mestre italiano, mas também à semelhança com a perpetuatio obligationis”. CHIOVENDA, “Sulla perpetuatio iurisdictionis”, loc. cit., p. 291; UGO ROCCO, “Corso di Teoria e Pratica del Processo Civile”, Libreria Scientifica Editrice, Nápolis, 1951, Vol. I, Cap. IV, nº 3, p. 360. 279Demonstra, aliás, ARRUDA ALVIM (“A perpetuatio jurisdictionis no Código de Processo Civil Brasileiro”, in Revista de Processo, Editora Revista dos Tribunais, 1976, nº 4, p. 29) que, também em países não ocidentais, como na Polônia e na antiga União Soviética, o princípio viera a prevalecer. Idem, ibidem, p. 291 e seg. 280 Ob. cit., p. 158 e seg, especialmente, nota 1.

104

como efeito da litispendência, a proibição tanto da mutatio libelli quanto da

renuntiatio instantiae281. Diz, em verdade, ELIO MAZZACANE que, dado o

significado que o ato processual demanda assume em qualquer que seja o

sistema processual, de criar e constituir a situação sobre a qual se

desenvolverá o processo, é uma exigência lógica da defesa do réu que,

uma vez posta a base do processo, essa não mais poderá alterar-se282. É

essa uma exigência de ordem pública que não provém de nenhum

contrato, como tal, de resto, então considerada a litis contestatio283. Em

suma, a finalidade da perpetuatio legitimationis, na doutrina canonista,

deriva de razão processual, nascida da litispendência284.

69. O preceito do Direito Canônico, segundo CHIOVENDA,

condensado, então, na frase per citationem perpetuatur iurisdicitio, não se

contentava, ao reverso do quanto, literalmente, pudesse ensejar, com o

mera citação285. CHIOVENDA, na tentativa de explicar o fundamento da

perpetuatio jurisdictionis, fazendo-a repousar na aplicação do princípio

victus victori, remontava, no direito antigo, o momento da propositura da

demanda, aos efeitos da litis contestatio, com base no escólio de

SAVIGNY286. À luz do direito moderno, porém, CHIOVENDA afastou decorrer o

momento da propositura da demanda da eficácia da litis contestatio,

doutrinando: “Afaste-se a presunção de que a relação processual se

281 Cf. ELIO MAZZACANE, ob. cit., p. 101 e seg. e, especialmente, p. 163 e seg. 282 Ob. cit., p. 167. 283 Cf. ELIO MAZZACANE, ob. cit., p. 101 e seg. 284 Segundo RICARDO REIMUNDÍN (“La prohibición de innovar en el estado de la cosa o derecho litigiosp”, in Revista de Derecho Procesal, dirigida por HUGO ALSINA, Compaňia Argentina de Editores, S. R..L., Buenos Aires, 1943, nº III, p. 240,), o direito romano houvera consagrado o princípio lite pendente nihil innovetur; omnia suo statu esse debet donec res finiatur, incorporado pelo direito canônico, como um dos efeitos da citação. 285 CHIOVENDA, “Sulla Perpetuatito Jurisdictionis”, ob. cit., p. 274. 286“Sulla perpetuatio jurisdictionis”, in ob. cit., p. 274 e 275.

105

constitua e complete no momento em que ocorre o comparecimento das

partes, ou de uma delas, perante o juiz. Opinião tal encarta-se na

reminiscência dos sistemas históricos, segundo os quais, para a

constituição da lide, era necessária a vontade do réu, ao passo que, nos

sistemas modernos, como no italiano, as partes se acham envoltas na

relação processual pelo fato, unicamente, da demanda, queira ou não

queira o réu”287. E, passos antes, advertiu o genial processualista: “Como

já se disse, o ato constitutivo da relação processual é a demanda judicial:

o momento em que existe uma demanda judicial é, pois, também, o

momento em que nasce a relação”288. Daí, concluir: “Por isso, a demanda

judicial existe no momento em que se comunica regularmente à outra

parte; nesse momento existe a relação processual”289. Fiel a essa

tradição, o Código de Processo Civil de 1939, em seu art. 196, dispunha:

“A instância começará pela citação inicial válida...” E o art. 292 daquele

Estatuto preceituava: “Feita a citação, considerar-se-á proposta a ação”.

Por isso, ensinava, então, PONTES DE MIRANDA290: “As transformações

entre o despacho e a citação influem na competência. Só não influem os

posteriores à propositura da demanda”, ou seja, complementamos nós,

depois da citação válida. Daí, à época do Código derrogado, doutrinar JOSÉ

FREDERICO MARQUES: “A citação válida dá causa à instauração da instância

(Cód. de Proc. Civil, art. 196), além de outros efeitos que produz e que

vêm mencionados no art. 166 do estatuto processual vigente”291.

287 “Instituições de Direito Processual Civil”, ed. cit., vol. cit., nº 242, p. 399 e seg. 288 CHIOVENDA, “Instituições de Direito Processual Civil”, ed. cit., vol. cit., nº 242, p. 399. 289Idem, ibidem, loc. cit. 290“Comentários ao Código de Processo Civil”, Forense, 1947, Vol. I, p. 517. 291“Instituições de Direito Processual Civil”, Forense, 1962, 2ª ed., Vol. II, nº 531, p. 476.

106

70. Acresce, porém, haver o Código de Processo Civil em vigor

rompido, em parte, no art. 263, com a noção de ser a relação jurídico-

processual, quanto ao instante de seu nascimento, frise-se, um actus trium

personarum. O escólio é de ARRUDA ALVIM, na esteira do qual, no direito

anterior, o ato da propositura da ação decorria do estabelecimento da

triangularidade, mas, no direito vigente, veio a ser alterada a sistemática,

por adotar o legislador, à semelhança do direito português, uma

modalidade de formação escalonada do processo, ou seja, centralizou-se,

fundamentalmente, na citação, grande parte dos efeitos dos atos

processuais, embora se localizem efeitos oriundos da formação do

processo em outros atos, de que é exemplo o art. 263292.

Essas considerações, entretanto, não se aplicam à perpetuatio

legitimationis. A relação processual, tomada como sinônimo de processo,

inicia-se nos termos do art. 263, do Estatuto em vigor, mas os efeitos

desse início, no confronto do réu, somente se dá com a citação válida: é o

que prescreve ao art. 219, caput, a saber. “A citação válida torna prevento

o juiz, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada

por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a

prescriçao”. Exatamente por isso, depois de instaurada a relação

processual, constitui modificação da ação (rectius, do processo), a

mudança das partes, como assevera JOSÉ FREDERICO MARQUES. O

festejado processualista acrescenta: “A litispendência fixa não só a

292 “A perpetuatio jurisdictionis no Código de Processo Civil Brasileiro”, ob. cit., p. 31 e 32. Aliás, MICHEL (GIAN ANTONIO MICHELI, OB. CIT., Nº 33, P. 115) mesmo diante do direito italiano, que não contém dispositivo semelhante ao nosso art. 263, acentua dever-se entender o princípio da perpetuatio jurisdicitionis tendo-se presente o momento em que se pede a tutela jurisdicional.

107

extensão objetiva do litígio, com base no pedido, como ainda os elementos

subjetivos da res in iudicio deducta”293. Como já salientado, um dos

efeitos da lide pendente (“pendente de decisão”) ou, melhor, dessa

litispendência, é a estabilização subjetiva da demanda. Isso se dá com a

citação válida (art. 219) do Código de Processo Civil294. Donde o princípio

de que “nenhuma das partes pode ser substituída, na instância, e

tampouco assumir outra qualidade diversa da que possuía

originariamente”295. Esse é o chamado efeito da estabilização da

demanda296 que, no Código de Processo Civil português, logrou obter

disposição específica, como se lê do art. 268º, verbis: “Princípio da

estabilidade da instância. Citado o réu, a instância deve manter-se a

mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as

possibilidades de modificação consignadas em lei”. Essa, por derradeiro, é

a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do

REsp nº 782.980/SC, quando deixou assente: “Ainda que sem citação do

alienante, o conhecimento prévio – de alienante e adquirente – sobre a

existência de ação proposta sobre coisa ou direito objeto de alienação, a

título particular, por ato entre vivos, implica ciência de respectiva

litigiosidade do bem alienado e, por isso, não altera a legitimidade das

293 “Instituições de Direito Processual Civil”, Forense, 1962, 2ª ed., Vol. III, § 125, nº 680, p. 226 e 227. 294 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199, nota 47. Mas é o próprio jurista quem adverte: “Devo, lealmente, reconhecer que alguns autores admitem o uso da palavra litispendência nos dois sentidos. Para citar apenas um dos maiores: Chiovenda...A melhor orientação, porém, é a que reserva a cada palavra um único sentido. O código teve escrúpulos em empregar o termo instância, tradicional entre nós, por não ser unívoco. Isso apesar de que no contexto era sempre possível saber com qual significado a palavra era utilizada. Ninguém iria confundir o sentido dela na expressão 2ª instância com o que ela tem em absolvição da instância. Está bem: respeitemos a suscetibilidade dos redatores da lei. Mas, então, por que não ser igualmente zeloso em tudo. Por que dizer no art. 219 que a citação válida induz litispendência e no art. 301 afirmar que há litispendência quando se repete a ação?” (HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Editora Revista dos Tribunais, 1978, 2ª ed., Vol. II, p. 153, nota 49). 295 JOSÉ FREDERICO MARQUES, ob. cit., loc. cit. 296 Cf., exemplificativamente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “Instituições de Direito Processual Civil”, Malheiros Editores, 2001, Vol. II, nº 403 e seg., p. 50 e seg.

108

partes originárias da demanda proposta sobre o objeto da alienação”297.

§ 18º. A fraude à execução e a perpetuatio legitimationis

71. O problema da perpetuatio legitimationis é, sobretudo, importante

na medida em delimita a licitude da ilicitude, na transmissão da coisa ou do

objeto litigioso.

Vimos que, no plano do direito material, a alienação da coisa ou do

objeto litigioso é, de ordinário, admissível. Há hipóteses, entretanto, em

que essa alienação no plano material invade de tal forma o processo, que

lhe subtrai a finalidade última, que é o de satisfazer concretamente o

direito ofendido. Trata-se do fenômeno denominado de “fraude à execução”

e, como decorre da própria nomenclatura, visa a impedir que a “execução”,

em se tratando da denominada “execução por título extrajudicial”, ou a

“execução da sentença”, chamada, hoje, de “cumprimento da sentença”, se

realize em termos concretos298. A fraude à execução consiste, em rápidas

palavras, na alienação ou na oneração real de bem do executado (ou, em

caso de sentença, do vencido), a um terceiro, a fim que, subtrair esse bem

(ou ao menos, em caso de oneração real a posteriori, de subtrair os

direitos plenos da respectiva propriedade), do patrimônio que vai

responder pela execução ou pelo cumprimento da sentença.

Pois bem, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

297 Re. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, in DJU 23.10.2006, p. 311. 298 Sobre a “fraude à execução”, consultar, dentre outros, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Execução Civil, Malheiros Editores, 1993, 3ª ed., § 23, p. 274 e seg.; ARAKEN DE ASSIS, Manual do Processo de Execução, Editora Revista dos Tribunais, 2000, 6ª ed., § 36, p. 384 e seg.

109

consolidou-se no sentido de que “a fraude à execução só se caracteriza

quando existe uma lide pendente e, para que isso ocorra, indispensável se

torna a citação.O mero ajuizamento da ação ou da execução não traduz

essa “299.

299 REsp 122523/SP, Rel. Min.EDUARDO RIBEIRO,in DJU 08.03.1999, p. 217; REsp 40239/SP, Rel. Min COSTA LEITE in DJU 01.02.1999, p. 182; REsp 153458/MG, Rel. Min EDUARDO RIBEIRO, in DJU 09.03.1998, p.106; AgRg no Ag 125776/PR, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER in DJU 20.10.1997, p.53059; REsp 68212/SP, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, in DJU 15.04.1996, p. 11525; REsp 53756/SP, Rel. Min. NILSON NAVES, in DJU 19.12.1994, p.35315;

110

Capítulo Terceiro: § 1º. A fórmula legal: a coisa litigiosa ou o direito

controvertido. § 2º O direito controvertido como direito

material. § 3º. A teoria nihilista do direito controvertido.

§ 4º. O “direito litigioso” entendido como lide. § 5º. O

“direito litigioso” como problema de legitimidade da

“parte complexa”. § 6º. O “direito litigioso” como “direito

subjetivo ao provimento de mérito”. § 7º. O “direito

litigioso” como “objeto do processo”. § 8º. O objeto

litigioso como “elemento” da relação processual. § 9º A

“coisa litigiosa” ou o “direito litigioso” como situações

subjetivas, hipotéticas e legitimantes. § 10. A bipartição

do fenômeno, segundo os planos substancial e

processual.

§ 1º. A fórmula legal: “alienação da coisa ou do direito litigioso”.

72. Fala o art. 42, caput, do Código de Processo Civil, em “alienação

da coisa” ou “do direito litigioso” (“Art. 42. A alienação da coisa ou do

direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a

legitimidade das partes”). Cumpre, pois, precisarem-se os conceitos de

um e de outro.

Em primeiro lugar, há de se ter presente que o adjetivo “litigioso” não

qualifica, apenas, o vocábulo “direito”, mas, também, a locução substantiva

“alienação da coisa”. Vale dizer, por “alienação da coisa”, há de se

entender “alienação da coisa litigiosa”300.

300 HÉLIO TORNAGHI, (Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. Vol. I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1976, p. 200 e 201), expressamente, alerta que, no dispositivo em apreço, “se prevêem duas hipóteses: a) alienação de cousa litigiosa; b) cessão de direito litigioso”.

111

73. As fórmulas “alienação da coisa litigiosa” e “alienação do

direito litigioso” remontam à Zivilproceβordnung alemã, que menciona as

formas análogas die in Streit befangene Sache zu veräussern e (den

geltend gemachten Anspruch), respectivamente (§ 265)301. O art. 111 do

Codice di Procedura Civile, que se dedica ao trato do mesmo assunto,

fala em “diritto controverso”, expressão menos feliz, talvez, porque, como

já assinalamos, o conceito de “controverso” ou de “litigioso”, não pode ser

apreendido pelo de “contestado”, pois, se “a contestação é suficiente para

tornar controvertido o direito, a tanto não é necessária”, bastando recordar

a hipótese de revelia302. .

A doutrina italiana, muito mais do que a alemã, debruçou-se sobre

estudo do tema, construindo teorias diversas para explicar o sentido de

“alienação de coisa litigiosa” e de “alienação do direito litigioso”303.

§ 2º. O “direito controvertido” como direito material

74. A doutrina mais antiga considera a sucessão processual inter

vivos como hipótese de sucessão na relação material subjacente.

CHIOVENDA, expressamente, ensinava que, na sucessão processual,

301 É, ainda, de HÉLIO TORNAGHI (ibidem, p. 201) a observação de “provavelmente” haver sido o § 265 da Z.P.O. alemã o inspirador do art. 42 de nosso vigente Código de Processo Civil. 302 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 303 Em 1968, veio a lume, em Tübingen, na Alemanha, a obra de WOLFGANG GRUNSKY, “Die Veräusserung der streitbefangenen Sache”. E, logo na introdução do trabalho, o autor adverte não haver, na Alemanha e na Áustria, pesquisas de primeira linha voltadas à alienação da coisa litigiosa (e, por óbvio, do “direito litigioso”, também) como sucede na Itália, verbis: “Andres als in Deutchland und in Österreich ist die Wirkung einer Veräusserung der in Streit befangenen Sache in Italien erst seit kurzen Gegenstand intensiver Forschung geworden” (Apud NICOLA PICARDI, Flussi e riflussi fra due dottrine, in Rivista di Diritto Processuale, CEDAM, janeiro-março de 1970, p. 82).

112

vem a dar-se uma mera transposição subjetiva no processo, sem que

desapareça o sujeito jurídico originário, “como por venda da coisa sobre

a qual recai o direito, cessão de crédito e o mais”, verificando-se a

possibilidade de prosseguimento do processo entre os sujeitos primitivos,

mesmo que não sejam mais os sujeitos atuais da relação litigiosa304.

REDENTI, escrevendo, em 1955, veio a explicar que o regime da sucessão e

da transferência é determinado em relação ao nexo, indissolúvel, que

subsiste, entre a violação do direito material, de que se origina o direito

subjetivo primário, e a “ação”, daí emergente305. Com a alienação do

“direito controvertido”, a “ação” é, também, alienada e transferida ao

adquirente, por ato entre vivos, na pendência do processo306.

75. A objeção à teoria em exame decorre da concepção ainda

promíscua entre o direito material e o processual. Se a transferência do

direito litigioso acarreta, de iure, a transferência da respectiva “ação”, por

esta se entendendo a “pretensão processual”, tem-se sustentado ser

objeto da sucessão processual, em última análise, a “situação jurídica

substancial que legitima a provocação jurisdicional por uma das partes”307.

Tal concepção acaba por desaguar, a rigor, nos alicerces da construção

wisdcheidiana da Anspruchlehre, pois, do ponto de vista do titular

presuntivo do direito, se passa a sustentar que a pretensão processual se

constitua, em um de seus elementos, ao menos, numa projeção do direito

304 GIUSEPPE CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, § 68, nº 362. São Paulo: Livraria Acadêmica -Saraiva & Cia., 1945, p. 245. 305 ENRICO REDENTI, Sui trasferimenti delle azioni civili, in “Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile”, Giuffrè, 1955, p. 74 e seg. 306 ENRICO REDENTI e MARIO VELLANI, Diritto Processuale Civile, 5ª ed., Cap. V, nº 48. Milano: Giuffrè, 2000, p. 207. 307 NICOLA PICARDI. La successione processuale, Cap. V, nº 23, p. 116 e 117.

113

substancial, que dimana de uma violação ou de uma ameaça de

violação308. A pretensão substancial, ademais, construída no confronto do

processo, como sendo o aspecto pelo qual transparece o direito subjetivo,

se transforma, quando o respectivo titular lhe requeira a proteção

jurisdicional, em pretensão processual, mas não deixa de configurar a

concepção substancial do direito de ação309.

76. DE MARINI seguiu, em parte, essa corrente, sustentado,

entretanto, ser o direito litigioso “alguma coisa do menos” do que o direito

subjetivo desde logo reparado; assim, enquanto “litigioso”, não

corresponderia a um “direito subjetivo perfeito”310. De qualquer modo,

porém, esse “direito menor”, sendo uma manifestação de vontade de seu

titular, não deixará de compor a pretensão processual e, aí, incide o

processualista nas mesmas críticas acima.

§ 3º. A teoria nihilista do direito controvertido

77. No curso do ano de 1953, CARLO MARIA DE MARINI publicou a

obra, de que aqui nos estamos valendo, monografia pioneira, aliás, no

estudo da sucessão processual, após a entrada em vigor, em 1942, do

“Codice di Procedura Civile” (promulgado, entretanto, em 1940). Na

“Rivista di Diritto Processuale”, de que era um de seus fundadores (ao

lado de CHIOVENDA e de CALAMANDREI), CARNELUTTI, comentando o

lançamento daquele livro, no local do periódico a tanto reservado, a par do

308 NICOLA PICARDI, ibidem, loc. cit. 309 NICOLA PICARDI, ibidem, loc. cit. 310 Ob. cit., Cap. I, nº 10 e seg., p. 43 e seg.

114

menoscabo dirigido ao autor quanto ao estudo empreendido (“non dico la

sua inidoneità, ma la sua immaturità a fare della scienza”), atacou o

próprio tema da obra (“Successione nel diritto controverso”), averbando

a expressão “direito controvertido” de “quebra-cabeças”, porque, “se é

controvertido, não é direito e, se é direito, não é controvertido”311. Na

sucessão processual, disse CARNELUTTI, pode não existir o direito material

alienado pelo autor, nas hipóteses em que o juiz rejeita a demanda e,

assim, “se vendo uma coisa da qual pretendo ser reconhecido

proprietário, mas, pela sentença, não vim a sê-lo, onde está a

“sucessão no direito”312?

Insistiu CARNELUTTI, ao final de suas observações, não haver,

propriamente, “sucessão no direito controvertido”, mas, sim, “sucessão na

lide”, assunto que, a seguir, será versado313.

78. SATTA respondendo à crítica de CARNELUTTI, afirmou “não ter o

direito quebra-cabeças”, que apenas quando se confundem os conceitos

abstratos com a realidade; não há, disse SATTA, in rerum natura, um

conceito chamado “direito”, pois isso é construção intelectiva; na vida e,

portanto, na experiência jurídica, existem interesses ou, se se preferir, uma

série indefinida de interesses, aos quais nós concebemos como “direito”,

enquanto tutelados e tuteláveis314. Assim, por exemplo, a propriedade é

definida pelo ordenamento jurídico como um direito de que se pode gozar e

311 Apud SALVATORE SATTA, Soliloqui e colloqui di un giurista. Parte III. Pádua: CEDAM, 1968, p. 254. 312 Apud SALVATORE SATTA, ibidem, p. 254. 313 Apud SALVATORE SATTA, ibidem, p. 255. 314 SALVATORE SATTA, ibidem, p. 255.

115

dispor, mas é claro que isso tudo são, antes, “interesses reunidos”,

tutelados por “ações”; quando meu “direito de propriedade” é contestado,

tenho também o direito de ir a juízo para defendê-lo e não há nenhuma

importância que essa “ação” seja fundada ou infundada: porque se é

fundada, o juiz me reconhecerá o direito de propriedade (isto é,

reconhecer-me-á a tutela de “todos aqueles interesses” que se resumem

no conceito de propriedade); se é infundada, privar-me-á de minha

propriedade, ou seja, daquele interesse que era o “meu direito” no

momento em que o pleiteie em juízo, mas que, agora, não mais o tenho315.

Em suma, para SATTA, o tema de “direito controvertido”

é um problema que não existe, porque, na vida e na

experiência jurídica, os direitos não existem: existem

interesses que nós concebemos como direitos

enquanto são tutelados e tuteláveis316.

79. Segundo obtemperou PICARDI, entre SATTA e CARNELUTTI há duas

posições distintas: uma, que insiste no conceito de “direito controvertido”

como sinônimo de direito material; outra, que procura destacar o fenômeno

do direito substancial, passando a ser apresentada a sucessão processual

como um quid diferente da relação jurídica controvertida, designado pelo

nome de lide317. Como veremos a seguir, entretanto, as posições não são,

a rigor, diametralmente opostas.

315 SALVATORE SATTA, ibidem, p. 255 e 256. 316 Apud PROTO PISANI, La trascrizione delle domande giudiziale. ob. cit., Cap. II, § 4º, nota 62, p. 34 317 NICOLA PICARDI, La successione processuale. ob. cit., Cap. V, nº 20, p. 103.

116

SALVATORE SATTA, como sabemos, foi um jurista fortemente

influenciado pela obra filosófica de CAPOGRASSI318, para quem a única

realidade efetiva é a realidade colhida da experiência jurídica, ou seja, a

realidade concreta319, na qual se insere a realidade processual, pois é o

juiz quem traduz em ordo concreto o comando (iussus) abstrato da

norma320. Quando SATTA argumenta que “o direito se resume a um

conceito e não a uma realidade existente in natura”, essa observação

deve ser entendida no contexto de sua formação jurídico-filosófica,

segundo a qual não há uma duplicidade de institutos, “direito subjetivo” e

“ação”, pois aquele se reduz a essa última321. Nesse particular, não

passou desapercebida a proximidade dessa concepção monística da

clássica posição de PEKELIS sobre o “direito de ação”, a negar, de forma

expressa a realidade substancial, que passava, assim, a ser uma “sombra”

projetada sobre o processo; reduzir-se-ia todo o ordenamento jurídico ao

momento sancionatório em que o Estado, provocado pela ação do

administrado, age, a seu turno, contra o violador, pois o sujeito privado,

proibida a ação direta mediante a qual exercia a correspondente auto-

tutela, não tem mais senão ação contra o Estado, como direito a pretender

a aplicação de sanções; a ação, dirigida ao Estado, seria a única

apreciável posição subjetiva de um ordenamento moderno, da qual

resultaria banido o direito subjetivo, relegado a mera aparência322.

No considerar SATTA, como única “realidade concreta”, a realidade que nasce 318 Nesse sentido, cf. ELIO FAZZALARI, Note in tema di diritto e processo. Milão: Giuffrè, Cap. I, nº 6, 1957, p. 21 e 22; PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 319 PROTO PISANI , ibidem, p. 34 e 35, nota 62. 320 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 22. 321 NICOLA PICARDI, ibidem, p. 104. 322 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 22.

117

do processo, nega a existência de uma terceira hipótese, intermediária entre o direito

e o “não-direito”, constituída do “direito controvertido”, cuja existência constitui uma

necessidade derivada da condição existencial de incerteza em que vive o direito, fora

do exame judicial323.

CARNELUTTI, por sua vez, não trilha por caminho diferente: a noção

de direito subjetivo é substituída pela de “interesses em conflito”, que o

Estado resolve, é verdade, mas não pondo o dedo, propriamente, no direito

substancial, senão numa outra entidade, denominada “lide”. É o que

veremos, a seguir.

§ 4º. O “direito litigioso” entendido como lide

80. CARNELUTTI, para contornar as dificuldades oferecidas pela

denominada “demanda infundada”, que ele próprio apontara, apregoou não

se poder falar, em verdade, em “sucessão no direito controvertido”,

segundo a terminologia adotada pelo direito positivo italiano, mas, sim, em

“sucessão como se o direito controvertido existisse”324. Por isso, ensinou,

não se trata de “sucessão na relação jurídica” (material, claro), senão de

“sucessão na lide”325.

As críticas que se fazem à teoria derivam, todas, das resistências

que o conceito de “lide” encontrou em grande parte da doutrina italiana326.

323 PROTO PISANI , ibidem, p. 35, nota 62. 324 FRANCESCO CARNELUTTI, Derecho y Proceso. Trad. de Santiago Sentís Melendo, Edidicones Juridicas Europa-America -EJEA, Vol. I, Cap. III, “Del procedimiento”, nº 101, p. 189 e 190. Ainda, do mesmo autor, Appunti sulla successione nella lite, in Rivista di Diritto Processuale Civile”, ano 1932, Vol. IX, p. 3 e seg. 325 Idem, ibidem, loc. cit. 326 Cf. ver, por tudo, a ampla bibliografia mencionada por NICOLA PICARDI (Successione Processuale, Cap. V, nº 22, p. 109, nota 55.

118

Além dessas críticas, na construção carneluttiana, a figura da “lide”

somente pode ser compreendida no confronto da “pretensão”, entendida

como “a exigência da subordinação do interesse próprio ao interesse

de outrem”, mas o “interesse”, a não se enveredar no campo metajurídico,

é o próprio substrato do direito; na medida, portanto, em que a “lide”

resulta numa tentativa de desvinculação dos institutos de direito material,

nega-se, paradoxalmente, na sucessão processual, relevância ao

“interesse” na reconstrução do fenômeno jurídico. Por derradeiro (last, but

not least), há de se apontar ser a “lide” uma figura que pressupõe, ao

menos, dois litigantes e, por isso, o subingresso do adquirente ou

cessionário somente se dará na lide, como tal, quando, antes, se der em

“qualquer coisa” subjacente ao âmbito da lide; somente subentrando nessa

“qualquer coisa” é possível entrar-se na “lide”327. Em suma, transparece o

“calcanhar de Aquiles” na teoria carneluttiana.

§ 5º. O “direito litigioso” como problema de legitimidade da “parte complexa”

81. Interessante é a tese preconizada por DE MARINI328. Partiu o

jurista italiano da concepção de “parte complexa”, feita por CARNELUTTI, a

que aludimos anteriormente. DE MARINI inicia seu raciocínio tomando por

premissa a diversidade dos significados do termo “parte”329. Assim, diz ele,

há um conceito de parte em alusão aos sujeitos idôneos à prática de atos

processuais; há um segundo conceito de parte, agora para indicar os

327 NICOLA PICARDI, La successione processuale, ibidem, loc. cit. 328 CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit. 329 Ibidem, Cap. VI, nº 42 e seg., p. 154 e seg.

119

sujeitos submetidos aos efeitos dos atos processuais e, finalmente, há um

terceiro significado a alcançar, apenas, os sujeitos atingidos pelos efeitos

da sentença330. Na primeira categoria, incluem-se aqueles que figuram no

processo como autor ou como réu, pouco importando se defendendo

interesses em nome próprio ou em nome de outrem, pois somente esses

podem ser sujeitos idôneos a praticar atos processuais, pois os

destinatários dos direitos, deveres e ônus que derivam do processo são

identificáveis apenas por uma maneira formal, que é a propositura da

demanda331. Na segunda categoria, estão os sujeitos da relação

processual, sem qualquer perscrutação ao direito material, mas que,

todavia, sofrem os efeitos dos atos processuais332. Na terceira categoria,

os sujeitos que sofrem os efeitos substanciais da sentença333.

A posição singular de cada sujeito, acrescenta, é regulada pela lei e

a missão do intérprete é exatamente aquela de precisar, nas vezes em que

se encontra a palavra parte, em qual dos três significados o legislador a

empregou334. Da mesma forma, não tem sentido indagar-se em qual das

modalidades deve ser incluída a “verdadeira” parte, porque, de ordinário,

essas três formas podem referir-se a uma mesma pessoa, que é o caso da

“parte simples”, mas, em alguns casos, o legislador resolve cindir essas

330 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 162 e seg. 331 DE MARINI (ob. cit., loc. cit.), em verdade, não fala, singularizadamente, em autor e réu; de modo oblíquo, menciona, “aquele que subscreve a procuração ao defensor” e ajunta: “na prática, quem pode praticar atos tecnicamente processuais é somente o defensor, donde a conclusão de que sujeitos dos atos processuais não pode ser outro senão aquele em cujo nome o defensor age”. 332 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg. 333 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg. 334Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg.

120

formas ou modalidades em pessoas diversas, o que se explica pelo

conceito de “parte complexa”335.

Assentado o conceito de parte complexa, finda DE MARINI por concluir que,

na sucessão processual, o alienante ou cedente, por haver perdido a legitimatio ad

causam, mercê da transmissão da coisa ou do direito litigioso, continua, no

entanto, a ser legítimo sujeito da prática dos atos processuais336. Não podendo, por

isso, praticar atos de disposição do direito material, conserva, todavia, o alienante

ou cedente a legitimatio ad processum, pois a lei lhe confere a faculdade de

prosseguir no processo, tal como originariamente instaurado337. O adquirente ou

cessionário, a seu turno, são os sujeitos a quem a lei, no caso da sucessão

processual, confere legitimidade para a prática de atos processuais. A questão,

enfim, reside em saber, a que título essa legitimidade é exercida, muitas vezes,

pelo transmitente ou cedente que, não “saindo” da relação processual, continua a

lavrar atos processuais. DE MARINI responde a essa objeção salientando que “o

alienante e o sucessor universal se encontram em uma posição análoga à do

representante”, mas se apressa em esclarecer, não no conceito de “representação

processual”, senão do interesse da “contra-parte”, pois o “representante” não é o

sujeito dos efeitos do processo, que recaem sobre o adquirente ou cessionário338.

O alienante ou cessionário deverá, segundo essa tese, ser considerado

“representante” porque, a finalidade última da figura da sucessão processual é a de

não causar prejuízo ao adversário do alienante ou cedente, a existir, todavia, se

devessem ser aplicados os princípios gerais do direito processual em assunto de

335 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg. 336 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 178. 337 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 179. 338 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 179.

121

legitimação339. Extrai-se, portanto, que o alienante ou cedente, no praticar os atos

processuais, sua legitimidade, para tanto, decorrerá dessa especial “representação”

em benefício da “contra-parte”340.

O adquirente ou cessionário adquire a legitimatio ad causam e se

torna sujeito dos efeitos da sentença341.

82. A tese não seduz, sem embargo da excelência da autoria. Ainda

que se admita a veracidade de o legislador nem sempre empregar o termo

“parte” com um só significado, a dicotomia sujeitos legitimados a praticar

atos processuais e sujeitos legitimados a suportarem seus efeitos, não

encontra ressonância na teoria geral do processo e, mais precisamente, na

teoria das cargas processuais, pois, no âmbito da relação processual, que

tem a faculdade de praticar atos, tem, também, o ônus de suportar os

efeitos decorrentes da carga processual, quer se trate de representação ou

de substituição processual. De mais a mais, a singular “representação”, no

interesse do adversário do alienante ou cedente, deixaria órfão o

adquirente ou cessionário, quando, ao menos, estaria a exercer inegável

patrocínio infiel, na medida em que,

na sucessão no direito controvertido, o alienante continua a

estar em juízo, fazendo valer a pretensão do adquirente, não

por um interesse deste último, mas no interesse da parte

adversária, que não deve ser prejudicada com a mudança

da situação substancial342.

339 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 180. 340 Ibidem, Cap. VI, nº 45, p. 168. 341 Ibidem, Cap. VI, nº 49, p. 182. 342 Ibidem, Cap. VI, nº 45, p. 168.

122

§ 6º. O “direito litigioso” como “direito subjetivo ao provimento de mérito”

83. NICOLA PICARDI propôs interessante e inteligente construção

explicativa do significado de “direito litigioso”343. Observou o

processualista, com muito forte argumento, que, na chamada “renúncia à

ação”, o que se repudia é apenas o direito ao provimento de mérito; assim,

por exemplo, na ação reinvindicatória de bem imóvel, a desistência da

“ação” (rectius, à “pretensão deduzida”) não significara, ipso facto, que,

homologada a desistência, o imóvel (ou seja, o direito substancial) passará

à propriedade do réu, nem, tampouco, que não possa, subseqüentemente,

ser novamente reivindicado344. Assim, o objeto da renúncia recairá sobre o

por ele denominado “direito subjetivo ao provimento de mérito”.

Da mesma forma, na hipótese de sucessão processual, não se cogita

da transmissão do direito substancial, que pode, inclusive, vir a inexistir,

assim reconhecido pela sentença, mas, apenas, do direito subjetivo ao

provimento de mérito: esse, pois, será o objeto da sucessão processual345.

84. A tese é engenhosa, sem dúvida, mas esbarra, a nosso ver, numa

obviedade: ninguém, que se interesse por adquirir a “coisa litigiosa” ou o “objeto do

litígio”, virá a “dar de ombros” para a sorte do provimento de mérito; a expressão

“direito subjetivo ao provimento de mérito” esconde, sem dúvida, o verdadeiro

interesse das partes contratantes, o alienante ou cedente, e o adquirente ou

cessionário: a coisa demandada ou o direito litigioso. Está-se, pois, frente a um

mero jogo de palavras. 343 La successione processuale, cit.; cf., especialmente, Cap. IV, p. 159 e seg. 344 NICOLA PICARDI, ibidem, p. 163 e seg. 345 NICOLA PICARDI, ibidem, p. 163 e seg.

123

PICARDI, ao f inal, procura fazer uma distinção entre a

existência de um “direito subjetivo inativo ao provimento de mérito” e

o direito subjetivo material, o qual pretende, também, ser diverso

do “direito de ação”346. Nisso, porém, acaba por admitir haver um

“direito subjetivo processual a um provimento de mérito, favorável ou

desfavorável, ao autor”, mas, nessa mesma l inha, na sua famosa da

prolusão Torinense, LIEBMAN veio a explicar a natureza do “direito de

ação”, como muito bem observado por PROTO PISANI347.

Outrossim, quando se fala em “direito subjetivo ao provimento de

mérito”, está-se a aludir a “direito subjetivo” referente a algum “direito

material”, pois o mérito a tanto se identifica, a menos que esse direito

subjetivo se restrinja, apenas, a obter uma sentença, seja qual for,

favorável ou desfavorável, mas, aí, incidirá a crítica acima.

De mais a mais, se a preocupação de NICOLA PICARDI fora a de contornar a

objeção de, em caso de pronunciamento adverso do juiz, não se poder falar em direito

material, objetivo ou subjetivo, indiferentemente, a construção ignora uma outra face

da realidade, a de que o direito substancial vive, sim, em “estado de incerteza”, mas

uma “incerteza relativa”, tanto quanto a sentença de mérito, que também poderá,

mesmo havendo transitado em julgado, ser desconstituída348. Por fim, embora a

“certeza” seja uma qualidade agregada à sentença de mérito em sua projeção para o

futuro, seu objeto se prende a uma controvérsia pretérita e, portanto, recai sobre a

sucessão processual, enquanto transmissão de “coisa ou direito litigioso”, o mesmo

346 La sucessione processuale, Cap. VIII, nº 36, p. 190. 347 La Trascrizione delle domande giudiziali, Cap. II, § 4º, nº I, p. 27 e 28, nota 45. 348 PROTO PISANI , La Trascrizione delle domande giudiziali, Cap. II, § 4º, n º III, p. 31 e 32.

124

atributo de “incerteza”349

§ 7º. O “direito litigioso” como “objeto do processo”

85. A doutrina alemã do final do século XIX, no anseio de fazer o

direito processual submergir da velha concepção privatística, em que se

achava atolado, cuidou de dar forma própria aos institutos processuais,

desvinculando-os do direito material. Como, todavia, não é possível afastá-

lo do fim último do processo, o direito material, apresentado, então, sob as

vestes processuais, como res in iudicio deducta, veio a ser tratado a

título de meritum causae350. O meritum causae, assim, se constituiu no

objeto do processo e, pois, no objeto litigioso, cujos contornos e elementos

configuradores a doutrina cuidou e cuida, ainda, de esculpir351.

349 PROTO PISANI , ibidem, p. 33, nota 56. 350 ALFREDO BUZAID (Do Despacho Saneador, in Estudos de Direito, Saraiva, 1972, p. 1) observou: “Quando, na segunda metade do século passado, se operou a revisão científica do direito processual civil, um dos problemas mais importantes que doutrina teve de resolver foi o da distinção entre o processo, considerado como continente (iudicium) e o seu objeto, considerado como o mérito da causa (res in iudicio deducta)”. No mesmo sentido, também de ALFREDO BUZAID, Do Agravo de Petição no Sistema do Código de Processo Civil, Saraiva: 1956, nº 36, p. 81 e seg. 351 Nesse passo, vale mencionar o alvitre de ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ed. cit., nº 131, p. 393 e seg.): “O conceito de mérito é congruente ao de lide, como ao de objeto litigioso, na terminologia alemã. Já o disse LIEBMAN: é o pedido do autor que fixa o mérito. Nesse sentido, em obra clássica do Direito alemão, se esclarece que o pedido (usa a palavra pretensão: “Anspruch”) é o mesmo que mérito (usa a palavra objeto litigioso: “Streitgegenstand”)”. Nesse sentido, v.g., a Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, Cap. III, item II, nº 6: “A lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes”. Guardamos reserva frente a tais assertiva. A uma, como virá exposto nessa parte do trabalho, o conceito de objeto litigioso, hoje, ao menos na Itália, tem uma acepção mais ampla, de objeto do processo, a compreender, não apenas a pretensão deduzida, mas, também, outras questóes, inclusive de rito. O objeto do processo, disse-o ELIO FAZZALARI (não é constituído apenas da questão final de mérito, mas de um iter de quaestiones, inclusive de rito, que afloram no processo mesmo. O dever decisório do juiz, portanto, nasce, sob uma visão cronológica, na solução de todas essas questões, de molde a capacitar o processo ao pronunciamento de mérito (in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1986, p. 430 e seg.). A duas, porque, ainda que possa aceitar a absoluta coincidência entre a figura da lide e a do objeto litigioso, a redução desse último ao pedido fomulado pelo autor é obra de KARL HEINZ SCHWAB (El Objeto Litigioso en el Proceso Civil, trad. de Tomas A. Banzhaf, EJEA, Buenos Aires: 1968), mas, essa opinião, como já tivemos ocasião de demonstrar em dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, à titulação de mestre em Direito Processual Civil, em 1988 ( “A Conexão de Causas”), não é exata. Em abono de nossa censura, como argumento de autoridade, cite-se WALTER J. HABSCHEID ( ob. cit., p. 454 e seg.).

125

Valendo-se da construção feita em torno do “objeto litigioso”, a

doutrina alemã procura explicar o fenômeno da sucessão processual352.

Houve, mesmo, doutrinadores de peso, como LENT e JAURERING, que

propuseram designar o instituto em exame por “transferência do objeto

litigioso” (Veräusserung des Streitgegenstandes)353.

A doutrina italiana traduz a expressão “Streitgegenstand” -que,

literalmente, significa “objeto do litígio” (Streit, substantivo que significa

briga, contenda, litígio, e gegenstand –no plural, gegenstandes-,

substantivo que pode ser traduzido por objeto) por objeto do processo. Em

obséquio à preferência unânime dos doutrinadores italianos, também

vamos aludir a “objeto do processo”, como forma de verter ao português a

composição “Streitgegenstand”354.

A preocupação da doutrina germânica contagiou os estudos da

processualística italiana, vindo, então, a merecer estudos acurados355. No

352 Cf. NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, Cap. V, nº 24, p. 121. 353 NICOLA PICARDI, ibidem, loc. cit. O insitituto do “objeto do processo”, de resto, é utilizado pela doutrina alemã como premissa de raciocínio na explicação de outros fenômenos processuais, como, verbi gratia, a competência, a declaratória incidental, a conexão de causas, a intervenção de terceiros, a demanda reconvencional, os limites objetivos da coisa julgada, a relevância dos meios probatórios, os poderes dos defensores, etc. (PROTO PISANI, La trascrizione delle domande giudiziali, ob.cit. , Cap. II, § 5, nº I, p. 48, nota 77). 354 Não é esse, entretanto, o pensamento de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, A causa petendi no processo civil, 2ª ed., nº 3.7, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 92 e seg. O autor assinala que, “apesar do emprego indiscriminado, por muitos autores, das expressões objeto litigioso e objeto do processo, com o intuito de designar a pretensão processual, é evidente que aquela (correspondente a toda matéria submetida à cognição judicial) é espécie, enquanto esta (indicativa da pretensão processual) é o gênero” (ibidem, nota 47). 355 Equivocada, nesse passo, é a afirmativa de CÂNDIDO R. DINAMARCO (Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2ª ed., nº 144. Ed. Revista dos Tribunais: 1987, p. 210) : “Entre os italianos, o interesse pelo objeto do processo é menor. São ligados, por tradição longeva, ao método concentrado na ação e, por isso, têm esta como centro de convergência...” Tal se deu, efetivamente, nos princípios do século passado (século XX). Comentando, efetivamente, em 1957, a obra de HABSCHEID acerca do objeto litigioso, GIUSEPPE DE STEFANO (ob. cit., p. 328 e 329) anotou: “A informação é limitada apenas à literatura alemã, o que é certamente injustificado, porquanto as contribuições que sobre o tema têm conferido, posto inspirados em outras premissas e tradições, os estudiosos de outros países, especialmente os italianos, não podem ser descuradas”.

126

Brasil, contudo, a atenção dos processualistas se voltou, apenas, à teoria

dos pressupostos processuais, salvo algumas exceções356. Quanto ao

objeto litigioso (Streitgegenstand), os doutrinadores patrícios se

mantiveram, ainda, preocupados com o conceito de lide, instituto que, em

certa medida, é levado a substituir aqueloutro357.

O assunto, assim, por não se constituir, de ordinário, em

preocupação da literatura jurídica brasileira, exige algumas palavras a

respeito358.

86. Fruto, de um lado, da concepção da natureza do processo como

relação jurídica de direito público, a vincular, triangularmente, o autor, o

réu e o Estado, na qualidade, esse, de senhor da função jurisdicional,

representado pelo juiz, no sentido de órgão judiciário, e, de outro lado,

entrevendo o pronunciamento sobre o direito substancial como a finalidade

última do processo, a doutrina alemã criou, em decorrência disso, nos

meados do século XIX, a teoria dos pressupostos processuais

356 Exemplificativamente, sem prejuízo da omissão eventual a algum outro autor, apenas dedicaram atenção ao fenômeno do objeto litigioso, entre nós, ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ed. cit., nº 135, p. 409), ARAKEN DE ASSIS (ob. cit., loc. cit.) e JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (ob. cit., loc. cit.). 357 Cf. ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ed. cit., nº 135, p. 409), verbis: “A nossa doutrina denomina de fundo de litígio, mérito ou lide aquilo que os alemães chamam de objeto litigioso”. Quanto a isso, diverge, em parte, mas, a nosso ver, equivocadamente, CÂNDIDO R. DINAMARCO (Fundamentos do Processo Civil Moderno, ed. cit., nº 119, p. 218), verbis: “Por ora, satisfaço-me em concluir quanto à pretensão processual como objeto do processo, excluídas as questões e excluído também que a lide ou a própria demanda judicial é que constituam tal objeto”. Há nessa última assertiva, posto emanada de processualista eminente e culto, dois enganos: um, o de dissociar o conceito de pretensão processual do de lide (o que se faz pela desconsideração da causa petendi como integrante do conceito de pretensão processual, satisfazendo-se, unicamente, com o pedido –Antrag- para idenficá-la); outro, o de resumir o objeto do processo ao objeto litigioso, tomando-os por sinônimos, quando, hoje, ao menos, na Itália, indiscutível é compreender, também, o objeto do processo, além do meritum caausae, as questões de rito ou de forma (prozessualer Streigegestand) – ver, a propósito, nesta obra, o nº , p. ). 358 Não cabe, aqui, nos lindes e no propósito do presente trabalho esmiuçar, por completo, cada uma das teorias desenvolvidas na Alemanha para conceituar o objeto do processo (Streitgegenstand), mas, além da bibliografia estrangeira mencionada nas notas de rodapé aqui apresentadas, será útil, no Brasil, a consulta às exposições, dentre outras, de: ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ob. cit., loc. cit. ; JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, ob. cit., nº 3.7, p. 92 e seg.)

127

(Processvoraussetzugen)359 e, no segundo quartel do século XX, a teoria

do objeto do processo (Streitgegenstand). A paternidade da primeira é

atribuída a OSKAR VON BÜLOW, em obra conhecida (“Die Lehre von den

Processeinreden um die Processvoraussetzugen”), publicada em

1868360; a da segunda, a ARTHUR NIKISCH, que, em 1935, com a

monografia “Der Streitgegenstand im Zivilprozess”, abre o estudo do

tema361 que passou, então, a ser ali “reconhecido como absolutamente central

no estudo da teoria do processo, porque, subseqüentemente, nenhum

processualista germânico há deixado de tecer-lhe considerações”,

segundo as palavras de GIUSEPPE DE STEFANO362. Claro, dada a

preconizada autonomia do direito processual frente ao direito material, a

tendência da doutrina se dirige “a uma sempre crescente

processualização” do objeto litigioso, o Streitgegenstand363. Embora

recaia a pretensão processual (Rechtsschutzanspruch), remota e

359 Acentua CRISANTO MANDRIOLI (ob. cit., p. 787 e 788) que a categoria dos pressupostos processuais nasce quando BÜLOW e os autores que, como ele, trabalharam para tirar possível vantagem sistemática da instituição da autonomia do processo como fenômeno jurídico, pretenderam dar fundamento concreto a tal autonomia, configurando o processo como relação jurídica distinta da relação jurídico-material e, também, unitária. A unidade e juridicidade dessa relação postulava a configuração dos requisitos para sua autônoma constituição e para seu desenvolvimento, enquanto a autonomia da relação material reclamava a contraposição de tais requisitos processuais àqueles próprios da relação substancial objeto do processo. Nascem, assim –conclui MANDRIOLI (ob. cit., loc. cit.)-, os pressupostos processuais, fórmula sintética da expressão pressupostos da relação processual, como contraposto lógico e jurídico aos pressupostos da relação substancial. 360 Cf. HÉLIO TORNAGHI, A relação processual penal. 2ª ed. Saraiva: 1987, p. 66 e seg. 361 Cf. GIUSEPPE DE STEFANO, L’oggetto del processo in um libro recente di Walter J. Habscheid, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile.1957, p. 327 e seg.; PROTO PISANI , La Trascrizione delle domande giudiziali, Cap. II, § 5º, n º I, p. 45 e seg., nota 76. 362 Ob. cit., p. 327. No mesmo sentido, GIUSEPPE TARZIA, Ricenti Orientamenti della Dottrina Germanica intorno all’Oggetto del Processo, in Problemi del processo civile di cognizione, Cedam, 1989, p. 107: “A noção de objeto do processo permanece sendo, na Alemanha, ainda, uma da mais controvertidas e das mais cuidadosamente examinadas”. 363 GIUSEPPE DE STEFANO, ob. cit., p. 328. Anota, ainda, GIUSEPPE TARZIA (ob. cit., p. 125) haver uma inclinação, hoje, na doutrina alemã, quanto a valorizar, na identificação do objeto litigioso, a causa petendi, e arremata: “...in armonia, se non erro, con le recenti tendenze a ricondurre il diritto soggettivo al centro del fenomeno processuale”.

128

mediatamente, sobre o direito material, assumindo aquela, no entanto,

feição própria e autônoma no campo do processo, a divergência dos

doutrinadores germânicos, de ordinário, reside, precisamente, no modo

pelo qual o direito material é transposto, pelo autor, para o campo

processual, por meio da Rechtsschutzanspruch, ou seja, toda a

discussão teórica gira em torno dos elementos que delineiam e identificam

essa pretensão364. À vôl d’oiseau, pode-se dizer oscilarem os autores

entre a conceituação do objeto litigioso ora como mera afirmação jurídica

(Rechtsbehauptung) do direito material subjacente, ora como pretensão

deduzida (pretensão no sentido, não de Rechtsschutzanspruch, mas, no

de Begehren), ora, ainda, entre os elementos que identificam essa

pretensão, ou seja, se essa última se determina tão-somente pelo pedido

(Antrag) ou, também, pelo “relato dos fatos” (Sachverhalt)365. Feita essa

singela apresentação do problema, cumpre, agora, acentuar os pontos

principais que o assunto veio a tomar na preocupação da doutrina.

Como se falou, os estudos do “objeto litigioso” têm por ponto de

partida a obra clássica de NIKISCH (“Der Streitgegenstand im Zivilprocess”,

publicada em Tübingen, em 1935). Ali, então, o “objeto do processo”

(Streitgengestand), identificado, desde logo, com a “pretensão

processual” (prozessuale Anspruch), correspondia à “afirmação jurídica” 364 Cf.: GIUSEPPE TARZIA, ob. cit., p. 108; GIUSEPPE DE STEFANO, ob. cit., p. 328. 365 Cf.: GIUSEPPE DE STEFANO, ob. cit., p. 329; WALTER J. HABSCHEID, L’Oggetto de Processo nel Diritto Processuale Civile Tedesco, in Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 458 e seg; GIUSEPPE TARZIA, ob. cit., p. 107 e seg.; MICHELE FORNACIARI, Pressuposti Processuali e Giudizio di Merito, Turim: G. Giappichelli Editore, 1996, p. 140 e seg.; ARAKEN DE ASSIS, Cumulação de Ações, 3ª ed., nº 22, Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 109 e seg. ;JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, A Causa Petendi no Processo Civil, 2ª ed., nº 3.7 e seg. Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 92 e seg. Com inteiro acerto, esse último autor (ob. cit., nº 3.1 e seg., p. 75 e seg/), enfatiza residir a polêmica, em última ratio, a aplicação, a uma ou a outra tese, da teoria da substanciação ou da individualização da demanda.

129

(Rechtsbehauptung), feita pelo autor ao demandar e sobre a qual pedia

uma decisão idônea a se revestir de coisa julgada366 (material,

evidentemente). NIKISCH concluiu que essa “afirmação jurídica”

(Rechsbehauptung) não deveria ser identificada por uma concreta

situação de direito material (embora, depois, venha a atenuar, lentamente,

essa posição, admitindo uma maior ingerência do direito material no

processo)367.

87. A dissenção doutrinária, entretanto, surgiu cerca de dez anos

após, em virtude de um escrito de BÖTTICHER (“Zur Lehre vom

Streitgegenstand im Eheprocess”), na obra em homenagem a LEO

ROSENBERG, que veio à luz, em Munique e em Berlim, em 1949 (“Festgabe

zum 70. Geburstag von Leo Rosenberg”)368. Esse opúsculo, malgrado

escrito, como o próprio título o denota, com vistas ao processo

matrimonial, que, na Z.P.O. alemã, apresenta aspectos peculiares no

confronto de outros ordenamentos, punha em dúvida a correção dos

ensinamentos de NIKISCH, passando, então, a sustentar não haver

correspondência entre a “afirmação jurídica” (Rechstbehauptung) e o

“objeto do processo” (Streitgegenstand), porque esse se identificava,

antes, com a “exigência”, o “invitamento” (Begehren), contido no petitum

(Antrag); a seu turno, essa “exigência” (Begehren) restava identificada,

individualizada, não com base na causa petendi (Klagegrund), mas,

exclusivamente, no epílogo (Ziel) e, assim, exemplificando-se com o trato

366 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 367 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 368 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit.

130

do processo matrimonial, com o requerimento final de “dissolução do

matrimônio”369. Em 1954, SCHWAB publica o livro intitulado “Der

Streitgegenstand im Zivilprozess”, no qual, sob a tônica da separação

entre o direito material e o direito processual, prossegue na trilha aberta

por BÖTTICHER e afasta a possibilidade de a causa de pedir (Klagegrund),

ainda que na genérica acepção de “episódio da vida” (Lebensvorgang),

configurar o “objeto do processo”, já agora definido como “a exigência

que, no petitum, aponta a decisão” colimada: “das Begheren der im

Klageantrag bezeichneten Entscheidung”370.

A tese de SCHWAB, a despeito de a obra “conter contradições e

adotar impostações metodológicas nem sempre aceitáveis”, como

assinala PROTO PISANI, restou adotada por ROSENBERG, em grande parte,

no seu Lehrbuch371.

88. Em sentido diverso colocou-se HABSCHEID (“Der

Streitgegenstand im Zivilprozess”)372. A fim de melhor compreendê-lo,

convém não se esquecer ter sido o conceito de “pretensão jurídica”

(Rechtsanspruch) uma criação da então nascente processualística dos

fins do século XIX, fruto dos estudos a que se lançara ADOLF WACH, mas

não inteiramente despojado das concepções “pandectísticas”, ainda

369 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 370 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 371 A afirmação é de PROTO PISANI (ob. cit., Cap. II, § 5º, nota 76, p. 46), mas, em nosso trabalho de mestrado (“A conexão de causas”), apresentado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, já apontávamos, em 1988, as incorreções a que chegara SCHWAB em mencionada obra, como, de resto, já acima salientado. 372 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nota 76, p. 46.

131

vigorantes na Alemanha373. Pois bem, HABSCHEID volta a estudar aqueles

conceitos firmados havia muito e nega que a Rechtsanspruch possa ser

considerada um direito subjetivo público; sustenta que, por meio da “ação”

(Klage), se pode fazer valer, apenas, “uma petição de amparo jurídico”

(ein Rechtschutzgesuch) –o que não deve ser traduzido, na linguagem de

hoje, por “pedido de proteção jurisdicional”, pois significa mais uma

“súplica” (Bitte), um “empenho” (Aufforderung)- ao juiz, para que atenda à

posição jurídica sustentada pelo autor; por isso, no tocante ao “objeto do

processo” (Streitgegenstand), propriamente dito, HABSCHEID assume uma 373 GIOVANNI TARELLO, “Dottrine de Processo Civile”, ed. cit., p. 62 e 63; NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y

CASTILLO, “Momentos y Figuras del Procesalismo Italiano”, cit., p. 510. A resenha, tecida por GIOVANNI TARELLO, ajuda a entender o pensamento desenvolvido por ADOLF WACH. Escritor bem mais fecundo do que BÜLOW, tivera sua formação intelectual moldada na escola de um daqueles estudiosos liberais que, ativos na metade do século XIX, prepararam a codificação processual e a transição do processo comum ordinário a um novo processo de modelo napoleônico e de inspiração liberal: H. K. BRIEGLEB. Ainda jovem, seguindo seu mestre, ADOLF WACH houvera tomado o caminho do estudo histórico, colaborando na operação, então na moda, de expungir do processo de direito comum os elementos formalísticos qualificados por “romano-canônicos”, em proveito dos elementos pensados como propriamente germânicos, da oralidade e da celeridade. Como estudioso do processo comum, WACH cuidou da edição póstuma de do tratado de F. L. VON KELLER. Tempestivo comentador da nova codificação processual, construiu e teorizou os institutos ali entrevistos e em particular o princípio da oralidade (no sentido antigo e pré-kleiniano) em escritos compilados em um livro; sempre, porém, permaneceu com a atenção voltada para o direito civil e no liame deste com o processo, tanto que sempre dava a impressão de sustentar somente uma relativa autonomia do processo frente à relação substancial. De fato, contra a tendência da escola de BÜLOW, desejosa de enquadrar, cada vez mais, o processo no direito público (e contra, também, o endereço autoritário e “hiperestatalístico” de quase toda a cultura jurídica da idade bismarkiana), WACH principiou, a partir de 1885, a elaborar uma nova construção dogmática do processo sob a pilastra de uma enésima doutrina da “ação civil”: a ação civil seria um direito autônomo, atribuído ao particular frente ao Estado, tendo por objeto a prestação, por parte deste, de um “provimento favorável”. Falar-se em provimento favorável, como objeto do direito autônomo de ação, significava, claramente, conceber a sentença como atuação do direito substancial objetivo (a par do direito processual), mas a situação subjetiva do réu não surge (como na construção de DEGENKOLB) como um dever, porque a única situação passiva qualificada é aquela do sucumbente (situação de sujeição). Assim construída a ação, a relação processual toma uma conformação diversa daquela teorizada por BÜLOW e DEGENKOLB: WACH, efetivamente, criticou a idéia de que o processo se constituísse numa única relação jurídica de direito público (de três lados) formal e autônoma do direito substancial, alvitrando distinguirem-se duas diversas relações jurídicas, a saber, uma entre as partes e outra entre as partes e o juiz.; a relação entre as partes e o juiz está fundeada na pretensão à tutela jurídica (Rechschutzanspruch) ou pretensão a uma sentença favorável e pode muito bem não conter a atuação de um direito subjetivo no confronto de um (outro) particular, como, por exemplo, nos casos em que se faz valer puramente o interesse à existência ou à inexistência de um direito (ações declaratórias): onde o interesse jurídico de agir não se confunde com o direito subjetivo (disciplinado pelo direito privado material), mas é uma entidade autônoma (disciplinada pelo direito processual) que se inclui na relação entre a parte e o juiz. Também na teoria de Wach, o processo é visto objetivamente e a relação processual, autônoma: trata-se, porém, de autonomia ambígua, realizada desdobrando-se uma posição subjetiva em duas figuras (direito subjetivo e direito de agir) ((ob. cit., p. 39 e seg.).

132

posição mais moderada que SCHWAB, aderindo, em grande parte, ao

magistério de NIKISCH; enxerga como ponto matizador do “objeto do

processo” (Streitgegenstand) a “afirmação jurídica” (Rechtsbehauptung)

feita pelo autor, a que se deve reconhecer, no processo, um “efeito

jurídico” (Rechtsfolge); desse modo, ao contrário de SCHWAB, conclui ser o

“objeto litigioso” constituído não apenas do petitum (Antrag), mas,

também, da causa petendi (Klagegrund)374. A dúvida, porém,

remanesceu quanto a dever a Klagegrund retratar uma “exposição dos

fatos da vida” (Lebenssachverhalt) ou dos “episódios da vida”

(Lebensvorgang)375. A dissensão é fácil de ser explicada: a causa

petendi (Klagegrund) deve, segundo essa teoria, retratar o “mundo

externo” que ingressa, contudo, no processo, por lhe dar, o ordenamento

estatal, eficácia jurídica, ou seja, deve esse “mundo externo” coincidir com

o preceito abstrato de lei, a fim de que se revista de eficácia jurídica376. A

esse mundo externo, HABSCHEID denominou de Lebenssachverhalt, mas

outros preferiram designar-lhe por Lebensvorgang.

89. Em verdade, como diagnostica PROTO PISANI, o fundo da

discussão quanto aos exatos contornos do Stretitgegenstand repousa à

impostação clássica da adesão à “teoria da individualização da demanda”

ou à “teoria da substanciação da demanda”: “BÖTTICHER, SCHWAB,

ROSENBERG, MÜFFELMANN, andando à margem da mesma teoria da

374 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nota 76, p. 47. 375 NICOLA PICARDI, La Successione Processuale, cit., Cap. V, nº 24, p. 125. 376 GIANCARLO GIANOZZI, Le modificazione della domanda nel processo civile, Giuffrè, 1958, Cap. I, nº 5, p. 17.

133

substanciação, excluem qualquer da causa de pedir, reputando

relevante, exclusivamente, o petitum (o Begehren enquanto tal)”377.

Pela teoria da individualização, como sabido, a mera alteração dos fatos

não modificava a causa de pedir, ao reverso do sustentado pela teoria da

substanciação, para a qual isso importava, ipso facto, em recomposição

dos fatos constitutivos e, pois, da causa petendi378.

PROTO PISANI, fazendo uma avaliação dessas diversas teorias

construídas, na Alemanha, em torno do “objeto do processo”, chega à

conclusão da deficiência, quando não, mesmo, da superação científica do

conceito, nos moldes em que tratado pela doutrina germânica379. No

identificarem, os escritores italianos, o “objeto do processo”

(Streitgegenstand) com a prozessuale Anspruch, não se dão conta de

haver essa figura surgido para designar, sob a nova ótica em que passara

a enxergar o direito processual, aquilo que, anteriormente, era designado

por “direito de ação”380.

Por isso, ao falar, em “objeto do processo”, a doutrina alemã o

identifica com a situação substancial, alerta PROTO PISANI381. E, na

seqüência, anota o jurista talentoso ser interessante que, na interpretação

do § 265, da Z.P.O. alemã, que fala em “alienação da coisa litigiosa” (die

in Streit befangene Sache zu veräussen), seja unânime no preconizar

que, por “alienação da coisa litigiosa”, se deva entender “alienação de um

377 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, p. 59 e 60, nota 100. 378 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, p. 59, nota 100. 379 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nº II, p. 43 e seg. 380 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 381 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 4º, nº I, p. 27 e 28, nota 45.

134

direito substancial” e, mais precisamente, da coisa, pois isso vai repercutir

no processo, “sempre que a legitimidade dessa relação dependa a

legitimação do autor ou do réu” (wenn auf rechtlicher Beziehung zu ihr

die Sachelegitimation des Klägers oder des Beklagten beruht); no caso

de “cessão da pretensão deduzida” (den geltend gemachten Anspruch)

lança mão a doutrina da noção da prozessuale Anspruch382. Na Itália,

porém, diz o jurista, essa concepção de há muito está superada, pois, hoje,

já não se vê o processo, simplesmente, como uma relação jurídica, mas

como uma “relação jurídica compósita”, ou seja, formada por poderes,

deveres e faculdades processuais, que tocam às situações subjetivas que

o processo abraça, a do autor, a do réu e a do juiz383. Vê-se, ali, o

processo em sentido dinâmico, enquanto, na Alemanha, o ângulo

examinado, na construção das teorias do “Streitgegenstand”, é o

processo estaticamente considerado, sem a valoração daquelas situações

subjetivas384. O emprego, pelos expositores italianos, do método

“conceitualístico” dos institutos jurídicos -que tanto os alemães reprovam,

segundo o notável jurista peninsular- permitiu um avanço na compreensão

do fenômeno processual e a necessária crítica à noção clássica do direito

de ação, diferentemente do sucedido na Alemanha, que ainda insiste no

destacar a separação entre o processo civil e o direito privado; pode

mostrar a doutrina italiana como o conceito de ação de outro modo não

pode ser entendido senão como um esquema representativo de um 382 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 383 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nº II, p. 43 e seg. Vale observar, nesse sentido, que, ao reverso da moderna tendência, hoje, no estudo do processo, qual seja, o de considerá-lo como “relação jurídica compósita”, as teorias sobre o objeto litigioso têm que partir de uma relação jurídica apenas bilateral, a que se forma entre o Estado e o autor, na exata medida em que toma, como ponto de partida, a Anspruch, ou seja, a pretensão deduzida (PROTO PISANI, ibidem, p. 50 e p. 52, nota 88). 384 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit.

135

agregado de situações subjetivas (constituídas de poderes, deveres e

faculdades processuais), as quais encontram seu elemento unificador,

tendo em vista a função a que se propõe o processo, no propósito único do

efeito final (a providência jurisdicional), independentemente da efetiva

existência do direito substancial385. Nesse passo, se, por “objeto do

processo”, se deva entender uma concreta situação jurídica substancial,

deduzida em juízo, a dinâmica processual submete essa situação jurídico-

substancial a tratos diferenciados, tais sejam os instantes em que, no

processo, isso se venha a dar e, assim, os poderes, deveres e faculdades

pertinentes à relação processual se conjugam, também, nos instantes da

dinâmica, à mesma situação juridico- substancial, mas, para cada

específico fenômeno jurídico, como, por exemplo, na litispendência, na

modificação da demanda, no cúmulo objetivo, na admissibilidade da prova,

da competência, etc., o que implica sofra o “objeto do processo” exames

diferenciados a cada momento do trajeto processual386. Por esse motivo,

conclui PROTO PISANI, não é possível uma noção unitária e, “como tal,

útil”, de “objeto do processo”. Enfim, aponta para o fato de a doutrina

alemã aludir a “objeto do processo”, mais num sentido discursivo do que

numa rigorosa acepção científica387.

Por tudo isso, a noção de “objeto do processo” (Streitgegenstand),

por não poder, ademais, obter uma pacífica concepção na Alemanha, não

se presta para resolver o problema da sucessão processual388. Diante

desse quadro, não vê PROTO PISANI motivo para se buscar no 385 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 386 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 387 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 388 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit.

136

“Streitgengstand” a definição de “direito controvertido”389. O “direito

controvertido”, conclui o eminente processualista, é o direito substancial

deduzido em juízo, direito meramente hipotético, afirmado, simplesmente,

cuja existência ou inexistência resultará somente da decisão final de

mérito390.

90. Não pensamos exatamente como PROTO PISANI. A doutrina

italiana, é certo, por razões ainda não perquiridas -quando for o caso de

perquirí-las-, tem-se dado a trabalho investigatório mais profundo, não

apenas do campo do direito processual civil, mas nas diversas áreas do

saber jurídico. Mas isso não autoriza o festejado processualista a qualificar de

improfícua a perscrutação da natureza do Streitgegenstand. Não vamos, no

presente trabalho acolher a tese de o fenômeno da sucessão processual dever

ser resolvido à luz do objeto litigioso ou, se se preferir, do objeto do processo,

mas isso por motivos outros, como abaixo se verá, que não os enfatizados por

PROTO PISANI, cuja proclamação preferimos, no passo, acompanhar, apenas no

que se refere à ausência de consenso na determinação do Streitgegenstand,

bem como, até por razão daí decorrente, da inadequação do estudo da sucessão

processual sobre tal prisma.

§8º O objeto litigioso como “elemento” da “relação processual”.

91. Já entre nós, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, em apreciável

monografia, veio a desenvolver idéia singular391. Segundo o eminente

389 PROTO PISANI, ibidem, p. 60 e 61. 390 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 391 Alienação da coisa litigiosa, cit.

137

professor sulino, o “direito litigioso” tem sido estudado, até aqui,em seu

aspecto meramente estático; sob a análise “dinâmica” do processo, ou

seja, “entre o início da litispendência e a sentença”, o “objeto litigioso

se desenvolve” pari passu ao desenrolar do processo, pois desse constitui

seu elemento392. A sentença proporciona uma “mudança qualitativa” do

direito material e, ao momento em que é proferida, “já não se tem o

direito litigioso, nem sequer o direito litigioso acertado, mas tão-só o

direito material acertado”393. “O desenvolvimento do processo, rumo à

sentença, constitui mediação necessária para que se verifique a

mudança qualitativa da coisa julgada”, tornando-se o “objeto litigioso” o

“elemento material dessa mediação, necessário e imprescindível,

porque sem ele não haveria processo e muito menos sentença”394.

92. A tese do festejado processualista não esclarece, contudo, quais

sejam os “outros” “elementos” do processo, senão que o “direito litigioso”

“constitui seu elemento”. Dessa forma, falta explicar porque, na sucessão

processual, há apenas a transferência desse “elemento” e não dos demais,

justamente quando a preocupação da doutrina reside no traçar os limites

da transferência, ao adquirente ou cessionário, dos “poderes, deveres e

faculdades” do transmitente ou cedente, que compõem, aliás, o “conteúdo

dinâmico do processo”, como acima aludido. De outro canto, ao não se

ter, até a sentença, “o direito litigioso, nem sequer o direito litigioso

acertado”, não esclarece o autor o que se tem até então: a mera

392 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 59. 393 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ibidem, loc. cit. 394 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ibidem, loc. cit.

138

“afirmação de um direito”, a “Anspruch” de sabor winscheidiano, ou a

“prozessuale Anspruch” a que se referem os teóricos do objeto do

processo? As afirmações do eminente processualista ressoam, portanto,

como palavras sem conteúdo, à míngua de toda uma construção teórica

que as explique.

§ 9º. A “coisa litigiosa” ou o “direito litigioso” como situações subjetivas hipotéticas e legitimantes.

93. O problema da sucessão na coisa ou no objeto litigioso há de ser

analisado sob dois planos: por um, o fenômeno translativo explicar-se-á

unicamente pelo lado do direito substancial; certo, diz o doutrinador,

inibido o adquirente ou cessionário de ingressar na relação processual,

será alcançado pela eficácia da sentença proferida contra o alienante ou

cedente, mas, exatamente por não ingressar no processo, o fenômeno

ficará restrito ao plano substancial; outro, o problema da mudança no

direito material vai projetar-se no plano processual395. Isso ressoa como

truísmo, é certo, mas também o é a circunstância de os doutrinadores, de

um modo geral, quererem definir o instituto da sucessão processual (e,

portanto, dado ser “processual”, sob o ponto de vista do processo) de

envolto com o direito material, pois a alienação da coisa ou do direito, se

dá, antes, no terreno das relações privadas, mas, nisso, não admitem a

interferência do direito material no processo, em homenagem à concepção

moderna da autonomia das respectivas relações jurídicas. Também,

constituirá obviedade assinalar que, malgrado a preconizada autonomia do

395 Nesse sentido, NICOLA PICARDI, La successione processule, cit., Cap. VI, nº 25, p. 133 e 134.

139

direito processual frente ao direito substancial, não há possibilidade de se

determinar uma inteira separação entre um e outro. Trata-se, portanto, de

estabelecer, em que sentido o processo é coordenado ao direito

substancial, para se valer das palavras de FAZZALARI396.

O processo, diz FAZZALARI, é a conjugação de várias etapas de um

procedimento, constituído, a seu turno, de uma série de atos e posições

subjetivas, mutuamente implicadas entre si, mas, cada uma, determinada

em razão de um sujeito (o órgão jurisdicional, o autor, o réu, etc.)397. Essas

posições subjetivas se traduzem nos deveres do ofício jurisdicional e nas

faculdades e poderes das partes, em seu sentido mais amplo, e, no

dinamismo concreto do processo, essas posições dão nascimento a uma

série de atos ligados ao procedimento, de tal sorte que um é conseqüente

de outro398. Essas posições processuais, como se qualificam essas

posições subjetivas, hão de ser consideradas unitariamente, ou seja, não

pode voltar-se a atenção do estudioso do fenômeno processual

exclusivamente à posição do autor, como vieram a fazer, no começo do

século passado, as nascentes teorias do direito de ação399.

Assim considerado o processo, resulta claro não poder o fenômeno

da sucessão processual ser analisado senão sob o aspecto do

procedimento e à luz desse feixe de deveres do ofício jurisdicional e das

faculdades e deveres das partes (lato sensu). A alienação da coisa ou do

direito litigioso, enquanto transmissão de um direito real ou obrigacional, é

396 ELIO FAZZALARI, Note in tema di diritto e processo, Giuffrè, 1957, Cap. III, nº 1, p. 109. 397 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 110. 398 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 110. 399 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 111.

140

assunto que deve ficar restrito ao campo do direito privado. Essa

transmissão apenas vai interferir no processo, a fim de se determinar quem

“pode” exercer as faculdades e deveres que competem às partes (lato

sensu), em geral ou, por outras palavras, quem a tanto estará legitimado.

94. Como salientado, nesta dissertação, fala-se em legitimação, em

sede de teoria geral, para indicar a titularidade de um poder, de uma

faculdade ou de um dever de um dado sujeito que, assim, se diz legitimado

a ter um certo comportamento, ou seja, investido, pela norma, de titular de

uma situação jurídica subjetiva400. Segundo obtempera, irreparavelmente,

PROTO PISANI, com referência ao processo, a noção de legitimação serve

para individuar quais são os sujeitos titulares de poderes, deveres e

faculdades processuais em ordem a um dado processo, mas, para isso, há

de se determinar a exata situação legitimante401. Em decorrência dessa

afirmação, PROTO PISANI sentencia: “Disso se segue que as expressões

direito controvertido, objeto do processo e situação legitimante (em

via ordinária) se referem a uma mesma realidade: o direito

substancial (meramente hipotético, afirmado) feito valer em juízo”402.

Por outras palavras, segundo iremos utilizá-las para concluir nosso

raciocínio, são afirmações hipotéticas, simplesmente, mas idôneas, de

outro lado, a determinar, no plano processual, a transferência de poderes,

deveres e faculdades processuais de uma parte a um terceiro.

400 ELIO FAZZALARI, ibidem, nº 5, p. 132. 401 La trascrizione delle domande giudiziali, cit., Cap. II, § 7, nº II, p. 64. 402 Ibidem, loc. cit. No mesmo sentido: NICOLA PICARDI (La successione processuale, Cap. V, nº24, p. 123), a saber: “Aflora, de fato, induvidoso que no processo venham deduzidas não “relações jurídcas substanciais”, efetivamente existentes, mas, apenas, situações substanciais meramente hipotéticas”

141

§ 10º. A bipartição do fenômeno, segundo os planos substancial e processual.

95. Corolário do exposto é constituir-se a “alienação da coisa

litigiosa” ou a “alienação do direito litigioso”, sob o plano processual, que é

o único que deve interessar ao processo civil, no transferência de uma

situação legitimante, a qual, por definição, importa a transferência de

poderes, deveres e faculdades processuais.

Alerte-se estar-se a falar de sucessão processual. A sucessão

material, tão-somente, não acarreta, por si só, a sucessão processual,

pois, para tanto, mister se faz que haja a “extromissão” do alienante ou

cedente e o ingresso do adquirente ou cessionário. Esse é o fenômeno que

a sucessão processual determina.

DE MARINI ao afirmar ser objeto da sucessão processual a situação

jurídica substancial que legitima o “estar em juízo” por uma das partes403,

pode ser censurado no haver omitido constituir-se essa “situação jurídica”

no direito substancial simplesmente afirmado, direito hipotético, portanto.

Em suma, o “direito controvertido”, a “coisa litigiosa” e, ainda,o “direito

litigioso” são expressões equivalentes e significam, simplesmente, o

substrato de uma situação legitimante.

O direito litigioso ou a coisa litigiosa é, em conclusão, no plano do

direito processual, a situação subjetiva substancial meramente hipotética

e, mais do que isso, legitimante, no sentido de conferir ao que se afirma

titular a idoneidade para praticar atos processuais.

403 Ob. cit., Cap. III, nº 11, p. 48

142

Essa idoneidade pode, por vezes, não vir a ser inteiramente exercida

pelo adquirente ou cessionário, no caso em que se veja impedido de

ingressar na relação processual. Nessa hipótese, entretanto, poderá, como

virá tratado no Capítulo IV, § 2º, recorrer na qualidade de “terceiro”.

143

Capítulo IV - § 1º. O ingresso do adquirente ou do cessionário na relação

processual. § 2º. O ingresso, no processo, do adquirente ou do

cessionário como “assistente” do alienante ou cedente. § 3º. A

habilitação incidental do adquirente ou do cessionário.

§ 1º. O ingresso do adquirente ou do cessionário na relação processual

96. Nos termos do § 1º, do art. 42, em referência, “o adquirente ou

o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante

ou cedente, sem que o consinta a parte contrária”. Nesse aspecto da

questão, o Código de Processo Civil brasileiro foi mais rigoroso do que

seus congêneres italiano e português, aproximando-se, na inteireza, da

redação similar do modelo alemão. Diz a ZPO tedesca, na segunda parte

do § 265:

A alienação ou cessão não influi no processo. O

sucessor jurídico não está autorizado, sem o

consentimento do adversário, a assumir o processo

como parte principal em lugar do substituído ou a

promover uma intervenção principal. Se o sucessor

jurídico se apresenta como interveniente adesivo, não

se lhe aplicará o §69.

97. Apenas para efeito de comparação, diga-se o Codice di Procedura

Civile tem redação um tanto diferente, pois, expressamente, autoriza, o ingresso

do adquirente ou do cessionário no feito em curso. A necessidade da

concordância da parte contrária se faz, somente, para expulsar da relação

144

processual o alienante ou cedente, conforme o caso. Eis o que, no azo,

preceituam partes em que se desdobra o art. 111 do Estatuto peninsular:

(Sucessão a título particular no direito controvertido). – Se no

curso do processo se transfere o direito controvertido por ato

entre vivos a título particular, o processo prossegue entre as

partes originárias. Se a transmissão a título particular decorre

de morte, o processo prossegue pelo sucessor universal ou

em confronto deste. Em todos os casos, o sucessor a título

particular pode intervir ou ser chamado ao processo e, se as

outras partes nisso consentem, o alienante ou o sucessor

universal podem ser retirados do processo.

(Sucessione a titolo particolare nel diritto controverso). – Se nel

corso del processo si trasferisce il diritto controverso per atto

tra vivi a titolo particolares, il processo prosegue tra le parti

originarie. Se il trasferimento a titolo particolare avviene a

causa di morte, il processo è proseguito da successore

universale o in suo confronto. In ogni caso il successore a

tilolo particolare può intervenire o essere chiamato nel

processo e, se le altre parti vi consentono, l’alienante o il

successore universale può esserne estromesso404.

404 O terceiro parágrafo do art. 111, do Codice di Procedura Civile, fala na “extromissão” do alienante ou do sucessor universal. A locução “sucessor universal” pode não restar, ao menos para nós, de língua portuguesa, exatamente compreendida. Está empregado, ambiguamente, no Codice di Procedura Civile. No terceiro parágrafo do art. 111, tem o sentido de agente causador da sucessão (na sucessão inter vivos, bem entendido), em contraposição a sucedido, aquele que, no plano do direito material, está no pólo passivo da sucessão. O sufixo or, em português, também é atributivo da qualidade de agente causador de algo; assim, por exemplo, motor, é o agente causador da coisa que está em movimento, etc., etc. Essa conclusão, que a nós, brasileiros, pode causar perplexidade, se comprova, quando mais não for, pelo excerto, a seguir, de passo de CORRADO FERRI, a saber: “Ponha-se, agora, em relevo como o 3º item do art. 111 se destina a enunciar uma simplificação da regra, porquanto está prevista a hipótese de que o sucessor a título particular, atual titular do direito, e, com efeito, o verdadeiro interessado na controvérsia, possa intervir no processo ou possa ser chamado pela outra parte; nesse caso, se as partes estão de acordo quanto a isso (“vi consentono”), as partes originárias, ou seja, o alienante ou sucessor universal, podem ser “extrometidos” (o itálico não é nosso). Em original:”Va ancora rilevato come il 3º comma dell’art. 111 tenda poi ad enunciare una semplificazione della regola, poiché è prevista l’ipotesi che il successore a titolo particolare, attuale titolare del diritto, e in effetti il reale interessato alla controversia, possa essevi chiamato dalle altre parti; in questo caso, se le parti sono d’accordo (“vi consentono”), de parti originarie, ossia l’alienante o il sucessore universale, potranno essere estromessi” (ob. cit., p. 302).

145

O Código de Processo Civi l português, em seu artigo 271º,

assevera, no que interessa ao tópico:

1- No caso de transmissão, por ato entre vivos, da

coisa ou do direito l it igioso, o transmitente

continua a ter legit imidade para a causa, enquanto

o adquirente não for, por meio de habil i tação,

admitido a substituí-lo. 2- A substituição é admitida

quando a parte contrária esteja de acordo. Na falta

de acordo, só deve recusar-se a substituição

quando se entenda que a transmissão foi para

tornar mais difíci l , no processo, a posição da parte

contrária.

A transcrição dos disposit ivos legais de fora da terra tem sua

razão de ser: a interpretação, quanto aos contornos do ingresso do

adquirente ou do cessionário, que passaremos a fazer, levará em

conta, precisamente, essas disposições de direito comparado.

Os autores que, no Brasil, versaram o tema, um pouco mais,

um pouco menos, aprofundado, estão em que, por força da leitura

“tout court” do § 2º, do art. 42, de nosso Código de Processo Civi l , o

ingresso do adquirente o cessionário concretizar-se-á somente se “a

parte contrária o consentir”, constituindo, pois, esse assentimento,

uma condição sine qua non para tanto405. Não comungamos desse

extremado rigor, entretanto.

98. A ratio essendi do instituto se prende ao princípio geral,

405 Nesse sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 722 e seg.; HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 202.

146

acenado, vanguardeiramente, por CHIOVENDA406 e que se manifesta nas

diversas quadras da ciência processual, segundo o qual “deve-se impedir,

tanto quanto seja possível, que a necessidade de servir-se do

processo para fazer valer um direito resulte em prejuízo para aquele

que fora tangido a agir ou a defender-se em juízo”407. Ora, uma vez

resguardados os interesses da parte adversária, que, de ordinário, se

resumem na garantia do pagamento das verbas de uma eventual

sucumbência, o ingresso do adquirente ou do cessionário no processo,

posto que nisso recalcitre a parte adversária, poderá ser determinado pelo

juiz. Por outras palavras, a renitência do antagonista deve ser razoável e

isso pode e deve ser analisado pelo magistrado, sob pena de se estar a

encampar o entendimento esdrúxulo de dever o juiz curvar-se à resistência

caprichosa ou, ao menos, estulta, desse ou daquele litigante. Veja-se que,

no direito português, o instituto, cuja espinha dorsal restou transplantada

para o direito brasileiro, há recomendação expressa de que, “na falta de

acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a 406 A jurisprudência seguiu o desaviso, como, v.g., se pode ler do REsp. nº 59.594-MG (rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, in DJU de 05.3.2001, p. 158, e RT, Vol. 790, p. 231): “O art. 42 do CPC fixou como regra a estabilidade subjetiva da relação processual. Apenas permite a alteração das partes, em virtude de alienação posterior do objeto litigioso, se a parte contrária concordar com a sucessão processual. Caso não haja concordância, permanece inalterada a relação subjetiva no processo, devendo prosseguir entre as mesmas partes originárias”. Interessante, entretanto, é sublinhar que, em caso típico de sucessão processual (cuidava-se de incorporação de sociedade, o que é uma das hipóteses de alienação inter vivos, a título universal, de bens e direitos, consoante, mais abaixo, no corpo do texto, explicaremos), o Superior Tribunal de Justiça, enfatizou dar-se a sucessão “independentemente da anuência da parte contrária” (REsp. nº 14.180-SP, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 28.6.1993, p. 12.895, e LEX-STJ, Vol. 51, p. 134). Cf. “Sulla perpetuatio iurisdictionis”, in “Saggi di Diritto Processuale Civile”, Società Editrice “Foro Italiano”, Roma, 1930, Vol. I, p. 273 e seg. 407 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA não chega, em verdade, a afirmá-lo de forma categórica. A bem de ver, aliás, acrescenta o ilustre processualista mais um requisito condicionante do ingresso do adquirente ou do cessionário ao processo, não previsto na lei: o consentimento do transmitente ou do cedente, “quando exigível”. Mas, de outro lado, embora sem tirar alguma a respeito, diz: “O consentimento das demais partes, quando exigível, não é discricionário, devendo a recusa ser motivada e justificada, a fim de ser valorizada pelo juiz chamado a decidir quanto à substituição” (ob. cit., p. 171 e seg. e, especialmente, p. 176). ANDREA PROTO PISANI, “Lezioni di Diritto Processuale Civile”, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Nápoles, 1994, nº 8.2, p. 432.

147

transmissão foi efetuada para tornar, mais difícil, no processo, a

posição da parte contrária” (Código de Processo Civil, art. 271º, nº 2,

segunda parte). Aliás, a bem de ver, como regra geral, a permanência da

parte originária, que conhece e sabe das provas que devam ser produzidas

para fazer suas alegações, menos condiz com os interesses do adversário,

salvo, é evidente, a hipótese de má-fé, a que alude o dispositivo de lei

lusitano.

Mas não é somente isso. Não se pode construir uma regra imperativa

e peremptória da proibição do ingresso do adquirente ou do cessionário no

processo, ante a simples discordância, quanto a isso, do litigante

antagônico, pois a aquisição da coisa litigiosa ou a cessão dos direitos

controvertidos pode fazer-se, um ou outro, sob a cláusula “pro

solvendo”408. Por fim, a perpetuatio legitimationis, em detrimento da

capacitas ordinaria, é sempre excepcional. Exatamente por isso, a

aquisição do direito litigioso traz consigo uma “vocação ao processo”, de

molde a buscar o afastamento da ficção da perpetuatio legitimationis, cujo

superamento as exigências de ordem prática impõem409. Lembre-se,

outrossim, que, no âmbito do processo de execução, a sucessão na

relação processual, por força da transmissão do crédito, independe do

consentimento do devedor, muito embora a recíproca não seja igualmente

verdade; havendo, é exato, assunção do débito por terceiro, é

indispensável a anuência do credor (art. 568, inciso III, do Código de 408 Na hipótese de o crédito cedido destinar-se ao pagamento de dívida exeqüenda, diz LOPES DA COSTA, com vistas ao direito alemão, o exeqüente livremente escolhe: a) ou recebe o crédito pro solvendo (transferência para recebimento –Ueberweisung zur Einziehung- ou b) pro soluto (transferência em pagamento pelo valor nominal –Ueberweisung un Zahlungs Statt zum Nenwert” (“Direito Processual Civil Brasileiro”, Forense, 1959, 2ª ed., Vol IV, nº 197, p. 161). 409 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 167.

148

Processo Civil), mas isso ante a razão óbvia da conveniência, em proveito

desse último, na manutenção das condições pessoais da responsabilidade

obrigacional (persönliche Haftung)410, a par da circunstância, nenhum

pouco olvidável, de realizar-se a execução no “interesse do credor”

(Código de Processo Civil, art. 612). Por derradeiro, não serão

despicientes as razões tiradas pela Corte de Cassação italiana -devendo,

ao reverso, ser aproveitadas, no que couberem, para forrar a

argumentação que vimos despendendo-, no sentido de que,

... o princípio da continuação do processo entre as

partes originárias, na hipótese de transmissão do

direito litigioso a título particular, não consente que

uma medida cautelar no curso do processo principal

possa ser concedida no confronto do transmitente;

dada a autonomia do processo cautelar, ainda que

conexo àquele de mérito, a ação cautelar deve ser

dirigida contra o adquirente411.

99. Em conclusão, nesse tópico, a expressão “sem que o consinta

a parte contrária”, contida no § 1º, do art. 42, do Código de Processo

Civil, não tem o condão de subverter o interesse dominante na relação

processual, que é de natureza pública. O interesse particular do litigante

adversário fica limitado ao princípio brandido por CHIOVENDA e acima

410 Cf. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 175. 411 Julgado nº 1.536, de 25 de maio de 1973 (apud M. BATTAGLINI e T. NOVELLI, “Codice di Procedura e Norme Complementari – con il commento della giurisprudenza della Cassazione”, Giuffrè, 1990, 8ª ed., p. 487). Lê, do original: “Il principio della continuazione del processo tra le parti originarie in ipotesi di trasferimento del diritto controverso a titolo particolare avvenuto nel corso del processo, non consente che una misura cautelare in corso di causa possa essere concessa nei confronti del dante causa; data l’autonomia del processo cautelare, ache se connesso con quello di merito, l’azione cautelare deve essere rivolta nei confronti dell’avente causa” (idem, ibidem, loc. cit.).

149

invocado, na esteira do qual “deve-se impedir, tanto quanto seja

possível, que a necessidade de servir-se do processo para fazer valer

um direito resulte em prejuízo para aquele que fora tangido a agir ou

a defender-se em juízo”. Fora dessa hipótese, portanto, a objeção do

demandante antagonista soa como simplesmente emulativa ou caprichosa

e deve, por isso, ser rejeitada, motivadamente, pelo juiz, sob pena de se

estar a consagrar a concepção duelística do processo, sob cujas vestes

era a formalidade considerada um fim em si mesma.

Por último, insista-se não se levar em conta, em tal caso, a vontade

do transmitente. A opinião doutrinária412 de que o alienante ou cedente

deve, a par do que sucede com seu adversário, ser ouvido sobre o

ingresso do adquirente ou cessionário é inaceitável. A recalcitrância do

transmitente no continuar no processo, embora por ele alienada a coisa ou

o direito litigioso, não permite justificativa alguma que não seja a

decorrente do mero espírito de emulação, para se dizer o menos. Não há,

no plano processual, fundamento para atuar contra a vontade do

adquirente ou cessionário de ingresso no processo. Na Itália, como se

falou, o que se dá é o inverso: o adquirente ou cessionário, uma vez

admitido ao processo, pode, se o entender assim mais conveniente,

desejar a exclusão (“extromissão”, na linguagem da lei) do alientante ou

cedente, Essa conduta, entretanto, tem a seu favor –o que se não dá na

hipótese inversa- de não ser o alienante ou o cedente, já agora, o titular da

coisa ou do direito litigioso, como, a seguir, virá demonstrado. Em suma, a

vontade do transmitente é juridicamente irrelevante para obstar o ingresso 412 Assim, por exemplo, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 174.

150

do adquirente ou cessionário, segunda a melhor doutrina413 e como, de

resto, decidiu o Superior Tribunal de Justiça414.

§ 2º. O ingresso, no processo, do adquirente ou do cessionário como “assistente” do alienante ou cedente

100. Em inadmitindo o juiz a sucessão processual, malgrado tenha havido,

no plano do direito material, a “alienação da coisa ou do objeto litigioso”, na

esteira do § 2º, do art. 42, ”o adquirente ou o cessionário poderá, no entanto,

intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente”.

Esse “assistindo o alienante ou o cedente” resultou de

transplante de disposit ivo do direito tedesco (“§ 265, item 3º: “Se o

sucessor jurídico se apresenta como interveniente adesivo, não

se lhe aplicará o § 69”)415. Mas foi transplante mal feito e com isso

se criou um aleijão. E o que é pior: de roldão, levou ao equívoco

parte da doutrina -capitaneada, al iás, sem favor algum, por

representantes da excelência jurídica do país-, que sustenta, a nosso

ver, erradamente, dar-se, na hipótese do § 2º, do art. 42, do Código

de Processo Civil brasileiro, a intervenção adesiva li t isconsorcial

413 Nesse sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 723. No texto ora mencionado há evidente equívoco, quando alude ao ingresso do “alienante”, devendo-se ler, pois, “adquirente”. Confira-se: “A vontade do alienante, portanto, é juridicamente irrelevante para obstar o ingresso do alienante” (a cursiva não é do original). 414 REsp. nº 280.993-PR, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in RSTJ, Vol. 175, p. 332 e seg. 415 Anota F. RAMOS MÉNDEZ, com o que estamos inteiramente de acordo, representar a solução do direito italiano um avanço notável relativamente ao direito alemão (ob. cit., p. 275). Pelo direito teutônico, “os interesses do sucessor, titular dos direitos sobre a coisa litigiosa, restam debilmente tutelados mediante o remédio da intervenção adesiva simples. Por força dessa, sua postura no processo fica reduzida ao papel de mero coadjuvante, quando o sucessor é a parte mais interessada na condução e no resultado do processo” (idem, ibidem, loc. cit.).

151

(assistência l i t isconsorcial)416. O lapso, entretanto, não desapercebido

a CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, quem, entre nós, cuidou,

pioneiramente, do assunto417.

E, de fato, o lapso é perceptível prima ictu oculi: o adquirente ou

cessionário, no plano do direito material, torna-se, por efeito da transmissão, o

verdadeiro titular da coisa ou do direito litigioso e, portanto, seu interesse jurídico

recai sobre o que lhe é próprio e constitui o objeto, mesmo, do litígio. A jurisprudência

da Corte de Cassação italiana é exuberante e, de resto, uníssona, no asseverar a

impossibilidade, por isso, de, por empréstimo à lei alemã, vislumbrar-se a hipótese de

intervenção assistencial. Assim, por exemplo: “O sucessor a título particular do

direito controvertido pode, com base, no art. 111 cpc., desenvolver todas as

atividades processuais consentidas ao transmitente, tendo o direito geral de

intervir no processo, mas que não se confunde com a intervenção de que

cuida o art. 105 CPC, respeitante ao terceiro, porquanto o sucessor não é

terceiro, mas o verdadeiro e próprio titular da res litigiosa”418; outrossim, a título

meramente enunciativo: “o sucessor a título particular no direito controvertido,

que pode intervir no processo à luz do art. 111, 3º inciso, não pode ser

considerado terceiro, porque é o efetivo titular do direito litigioso e por isso

416 Assim, por exemplo, equivocadamente, HÉLIO TORNAGHI (ob. cit., p. 203) e ARRUDA ALVIM (“Tratado de Direito Processual Civil”, ed. cit., p. 723 e seg.). HÉLIO TORNAGHI, que comentou essa parte do Código de Processo Civil, logo que o ordenamento entrou em vigor, afirmou, desavisadamente: “Dado o interesse jurídico do adquirente ou cessionário em que a sentença seja favorável ao alienante ou cedente, pode ele ingressar no processo para assistir a esse último” (idem, ibidem, loc. cit.). A seu turno, ARRUDA ALVIM proclama: 417 “Alienação da Coisa Litigiosa”, ed. cit. 418 Corte de Cassação, julgado nº 6.220, de 03 de junho de 1993, apud FRANCO CIPRIANI e GIAMPIERO BALENA, “Codice di Procedura Civile annotato com la giurisprudenza”, Edizioni Scientifiche Italiane, p. 349). No original: “Il successore a titolo particolare del diritto controverso potendo, in base all’art. 111 cpc., svolgere tutte le attività processuali consentite al suo dante causa, ha un generale diritto di intervento nel processo – da non confondere con l’intervento di cui all’art. 105 cpc., riguardante il terzo, essendo il successore non terzo, ma vero e proprio titolare della res litigiosa” (idem, ibidem, loc. cit.).

152

pode assumir a mesma posição do transmitente”419; e, ainda, também

enfaticamente: “quem intervem no processo por força do art. 111, inciso

terceiro, CPC, não é terceiro em sentido próprio e substancial, mas é o efetivo

titular do direito litigioso”420. Advirta-se que o Codice di Procedura Civile, um pouco

diferente do nosso, não determina a “substituição” do alienante pelo adquirente, mas,

como regra, prevê a permanência, no processo, de um e de outro; por isso, falar a

jurisprudência peninsular em “intervenção” do adquirente ou do cessionário. (Acima,

fizemos a transcrição do art. 111, do Estatuto processual italiano, à qual, nesse

passo, nos remetemos). O que se vem de dizer vale, perfeitamente, para o direito

brasileiro. O adquirente ou o cessionário do direito controvertido é o titular da relação

jurídica litigiosa, em um de seus pólos e, daí, seu interesse na solução do conflito ser

direito e não reflexo, ficando, logo, submetido aos efeitos da coisa julgada material421.

101. O adquirente ou o cessionário não pode, destarte, ser assistente simples

do alienante ou cedente. E, também, não pode ser assistente litisconsorcial desse

transmitente. Certo, em tema de assistência litisconsorcial, a doutrina, de modo geral,

sustenta –e, aí, com acerto- que a sentença, proferida contra o assistido, alcança o

assistente.

A situação processual, portanto, do “assistente”, a que refere o

§ 2º, do art. 42, do Código de Processo Civi l , não se confunde,

portanto, com a posição daquele assistente na espécie de

419 Corte de Cassação, julgado nº 6.220, de 03 de junho de 1993, apud FRANCO CIPRIANI e GIAMPIERO BALENA, ob. cit., p. 350. No original: “Il successore a titolo particolare nel diritto controverso, che può intervenire nel processo a norma dell’art. 111, 3º comma, cpc., non può essere considerato terzo, ma è l’effettivo titolare del diritto in contestazione e perciò può assumere la stessa posizione de suo dante causa”. (idem, ibidem, loc. cit.). 420 Corte de Cassação, julgado nº 4.904, de 10 de agosto de 1988, apud M. BATTAGLINI e T. NOVELLI, ob. cit., p. 487. No original: “Chi interviene nel processo a norma dell’art. 111, comma terzo, C.P.C., non è terzo in senso proprio e sostanziale, ma è l’effettivo titolare del diritto in contestazione”. (idem, ibidem, loc. cit.). 421 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 162.

153

intervenção de que cuidam os arts. 50 e seguintes do mesmo

Estatuto, pois, aqui, há a transferência do objeto l it igioso e, portanto,

da t i tularidade do direito material.

Sem pretender enfrentar, a contento, a polêmica doutrinária

acerca do grau de interesse do terceiro, na assistência denominada

simples , no confronto do grau de interesse do terceiro, na

assistência qualif icada ou l i t isconsorcial, há, entre um e outro desses

institutos, uma diferença quanto a precisar-se a legit imação

processual ( leia-se legit imação para agir , legitimatio ad causam)

desse terceiro, a determinar intensidade dessa intervenção e a

extensão subjetiva da coisa julgada422.

102. Na assistência simples , o terceiro pode intervir no

processo em curso, apenas para sustentar a razão de uma das

partes, quando tiver um interesse ( jurídico, é claro) decorrente da

circunstância de a relação jurídica, a que se prende o terceiro, ser

dependente (no sentido silogístico do termo) da relação jurídica

l i t igiosa423, ou seja, quando a solução dada à relação jurídica

controvertida, embora inter alios, vai ter o efeito de estabelecer,

com vistas à relação jurídica do terceiro, um fato constitutivo,

modificativo ou extintivo do direito que se constitui na espinha dorsal

dessa últ ima (da relação jurídica do terceiro); ainda, o fato 422 Cf.: GIOVANNI FABRINI, “Contributo alla dottrina dell’intervento adesivo”, Giuffrè, 1964, p. 35 e seg.; JUAN MONTERO AROCA, “La intervención adhesiva simple –contribución al estudio da la pluralidad de partes en el proceso civil”, Editorial Hispano Europea, Barcelona, 1972, p. 171 e seg.; HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 223; ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, Editora Revista dos Tribunais, 1976, Vol. III, p. 8 e seg.; MOACYR LOBO DA COSTA, “Assistência”, Edição Saraiva, 1968, p.; 159 e seg.; CORRADO FERRI, ob. cit., p. 313. 423 GIROLAMO MONTELEONE, “Diritto Processuale Civile”, CEDAM, 2002, 3ª ed., p. 217 e seg.; CORRADO FERRI, ob. cit., p. 313;

154

constitutivo , modificativo ou extintivo , que recai sobre a relação

jurídico-material do terceiro, é dependente (por via reflexa, portanto)

da sentença proferida no processo em deseja ou pode intervir o

assistente simples424. Assim, a sentença, emanada num processo inter alios, vai

servir de fundamento (compondo, destarte, a respectiva causa petendi) para uma

futura ação (rectius: pretensão processual), que pode vir a ser proposta contra o

terceiro. Por isso, o direito positivo alemão faz desaguar o ingresso do terceiro no

interesse jurídico à vitória de uma das partes425.

103. Na assistência litisconsorcial, a relação jurídica do assistente é com o

424O fenômeno, curialmente, foi tratado por ADOLF WACH, no seu “Handbuch”. Como anota FABRINI, WACH teria seguido, no trato da matéria, a via dos interesses reflexos da sentença para assinalar os contornos da intervenção adesiva simples, sustentando, então, que a titularidade de uma situação jurídica, suscetível de sofrer efeitos reflexos de uma decisão proferida em um processo pendente entre outros sujeitos, justifica, necessária e suficientemente, essa intervenção adesiva (GIOVANNI FABRINI, ob. cit., p. 5). Assim, os caracteres que, segundo WACH, devem matizar o interesse para intervir, são os seguintes: o interesse deve ser próprio do interveniente; esse interesse deve ser, também, atual; por fim, o interesse deve ser, ademais, jurídico (idem, ibidem, loc. cit.). A esse propósito, importantíssimo à compreensão do tema, WACH explica que, além da hipótese da extensão subjetiva do julgado, um interesse desse porte se dá quando, por seu próprio conteúdo, constitui elemento da relação jurídica do terceiro, ou, por outras palavras, quando a solução da relação jurídica controvertida inter alios não recai, como uma norma aplicável por via de conseqüência, sobre a relação jurídica do terceiro, mas que a esse interesa somente pelas conseqüências que produz para uma das partes e que se manifestam, sobre o terceiro, como efeitos reflexos da sentença, que vão servir, a seu turno, de fato jurídico constitutivo, modificativo ou extintivo de uma outra relação jurídica, à qual se prende, pois, o terceiro (cf.: ALDOF WACH, “Manual de Derecho Procesal Civil”, tradução do alemão por Tomás A. Banzhaf, Ediciones Jurídicas Europa-America –EJEA, Buenos Aires, Vol. II, p. 416 e seg.; GIOVANNI FABRINI, ob. cit., p. 5 e 6). Por essa razão, certamente, HÉLIO TORNAGHI, ao discorrer sobre a assistência, assevera: “Posição do terceiro em relação à sentença. Aquele que não é parte no processo, em geral, não é atingido pela sentença. Essa lhe é indiferente: neque nocet, neque prodest, não o prejudica nem o beneficia” “Por vezes, entretanto –continua o jurista renomado-, a sentença proferida entre as partes vai atingir terceiro, ou diretamente, como ato, ou reflexamente, como fato. No primeiro caso, a lei permite ao terceiro a intervenção no processo como parte principal (art. 54); no segundo, como parte acessória, mero coadjuvante (art. 50)”. E, no que convém à explanação que vimos fazendo, conclui: “O art. 50 se refere, exatamente, a esse último caso. Trata esse dispositivo da intervenção pela qual o terceiro interessado na vitória de uma das partes adere a ela para ajudá-la (ad adiuvandum tantum). Por isso mesmo é chamada em outras legislações intervenção adesiva (intervento adesivo; Nebenintervention)...” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 223). A seu turno, ARRUDA ALVIM ensina: “Na assistência simples, o que se verifica é que o assistente não tem pretensão própria que venha a fazer parte integrante do objeto litigioso (“lide”). Na assistência simples, o que ocorre é que há repercussão de fato, seja de caráter econômico, seja de caráter moral, sobre o direito (relação, esfera ou situação jurídica) do assistente; e, a esse tipo de repercussão, para que possa ser evitado, o direito definiu como base do interesse jurídico do assistente simples” (“Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., Vol. III, p. 8). 425 Eis o que diz o § 66 da Zivilprozessordnung: “(Intervenção adesiva). Quem, em processo pendente entre outros sujeitos, tiver interesse jurídico na vitória de uma das partes, pode intervir em auxílio de uma dessas” No original: “(Nebenintervention). Wer ein rechtliches Interesse daran hat dass in einen zwischen anderen Personen anhängigen Rechtsstreit die eine Partei obsiege, kann dieser Partei zum Zweche ihrer Unterstützung beitretren”.

155

adversário do assistido, cuja relação jurídico-material, entretanto, já faz parte, à guisa

de seu objeto litigioso, do processo em curso426. Por outras palavras, o terceiro

ingressa no processo em curso para fazer, tal qual na assistência simples, um direito

seu, com a diferença, contudo, de que, nesse caso, o da assistência qualificada, o

direito do terceiro, muito mais do que simplesmente compatível com o da relação

jurídica controvertida, emerge da mesma causa petendi ou do mesmo objeto,

delineado, uma ou outro, na relação jurídica já estabelecida427. Pode-se dizer, por

isso, que o interesse do terceiro, na assistência qualificada ou litisconsorcial, deriva

do mesmo fato constitutivo, eleito como o fundamento jurídico da demanda em curso,

mas, a despeito disso, é um direito autônomo do terceiro428. Em suma,

constituem casos de intervenção litisconsorcial todos aquelas hipóteses que

envolvam casos de mais de um sujeito ser titular de um mesmo direito (que deságua,

processualmente, nas mesmas causæ petendi) ou de um mesmo bem (de que

deriva, processualmente, a identidade de objetos), donde a conseqüência, a se

extrair, de estarem ambos (os sujeitos) ou todos legitimados à propositura de uma

mesma ação (rectius: pretensão) ou à propositura de ações distintas, mas de

conteúdos idênticos; nessa contingência, se um desses legitimados é autor ou réu

num processo em curso, o outro co-legitimado tem interesse legítimo para intervir na

causa, na qualidade de assistente litisconsorcial daquele429. Em arremate, a

assistência qualificada (ou litisconsorcial) consagra os mesmos pressupostos do

litisconsórcio facultativo, muito embora concretizado in itinere, isto, no curso de um

processo já instaurado; de fato, por meio dessa intervenção, um terceiro, titular de

426 ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., Vol. III, p. 8. 427 GIROLAMO MONTELEONE, ob. cit., p. 214 e seg.; ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., p. 411 e seg.; CORRADO FERRI, ob. cit., p. 312. 428 CORRADO FERRI, ob. cit., p. 312. 429 GIROLAMO MONTELEONE, p. 215 e 216.

156

uma relação jurídica conexa, seja pelo título (causa petendi), seja pelo objeto

(petitum), no confronto de alguma das partes (por isso, a relação do terceiro é

conexa à relação jurídica controvertida), ingressa, no feito, para auxiliar uma das

partes (evidentemente, aquela cuja relação jurídica é conexa à sua)430.

104. De qualquer forma, contudo, como ficou demonstrado, seja na

assistência simples, seja na assistência litisconsorcial, o a coisa ou o

objeto do litígio relaciona-se com a parte, aquela que pode vir a ser

assistida. Claro, consoante, igualmente, ficou assentado, na assistência

litisconsorcial, a coisa ou o fundamento do litígio é comum à relação

jurídica do terceiro, mas não se perca de vista que a parte, a cuja relação

jurídica é conexa a do terceiro, é quem, alegadamente, possui o direito ou

a coisa litigiosa. Por outras palavras, a assistência do § 3º (“O adquirente

ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo

o alientante ou o cedente”), do art. 42, do Código de Processo Civil, é 430 FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., p. 296. Muito embora isso não seja de notável relevo, sob o aspecto prático (cf. GIROLAMO MONTELEONE, ob. cit., p. 214 e 215), entendemos ser o assistente litisconsorcial um terceiro e não, parte. A intervenção continua adesiva, porque se exerce no auxílio de uma somente das partes (cf. CORRADO FERRI, ob. cit., p. 312). Embora no confronto da relação jurídica posta em juízo não seja o assistente qualificado, verdadeiramente, um terceiro, frente ao processo ele o é, ante a circunstância elementar de, nessa, não ser autor nem réu. À assistência litisconsorcial, refere-se o § 69 da Zivilprozessordnung, a saber: “(Intervenção adesiva litisconsorcial). Nos limites em que, segundo as disposições do direito civil, a sentença, ditada no processo principal, surta efeitos na relação jurídica do interveniente adesivo com seu adversário, esse interveniente, para os fins do § 61, deve ser considerado litisconsorte da parte principal”. No original: “(Intervenção adesiva litisconsorcial”). Insofern nach den Vorschriften des bürgelichen Rechts die Rechtskraft der in dem Hauptprozess erlassenen Entscheidung auf das Rechtsverhältnis des Nebenintervenienten zu dem Gegner von Wirksamkeit ist, gilt der Nebenintevenient im Sinne des § 61 als Streitgenosse der Hauptpartei”. Como anota TORNAGHI, no direito alemão, na expressão da lei “gilt der Nebenintervenient” (do verbo gelten, que significa valer) leva alguns autores a sustentar que o interveniente não se torna, por isso, litisconsorte (er aber nicht wirklich Streitgenosse der Partei wird), nem pode pedir nada para si (und kann keine Anträge für sich stellen), como, por exemplo, que a sentença seja dada em seu nome, pois essa não é dada nem a favor dele, nem contra ele (das Urteil ergeht nicht für oder gegen ihn), mas, apenas, em face da parte assistida (sondern nu gegenüber der unterstützten Partei) (HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 231). Tampouco a circunstância de a parte final do art. 54, do Código de Processo Civil brasileiro prever a hipótese de a sentença “influir entre ele e o adversário do assistido” torna o assistente litisconsorcial parte (em sentido contrário: HÉLIO TORNAGHI, idem, p. 323). Como anota ARRUDA ALVIM, com inteiro acerto, o terceiro, legitimado a ingressar na causa como assistente litisconsorcial, somente será atingido pela eficácia material da sentença se e quando tiver de fato ingressado na relação processual em curso (“Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., Vol. III, p. 9).

157

uma assistência às avessas, na qual o “assistido” não é mais titular de

nenhum direito material comum à relação jurídica controvertida, ao passo

que o assistente, sim, vem aí a sobressair-se como o verdadeiro titular de

tal relação material-litigiosa. Como se falou, esse ponto, na Corte de

Cassação italiana, é pacífico, muito embora, bom é que se diga, não haja,

no direito positivo peninsular, norma semelhante à do § 3º, do art. 42 de

nosso Código. De qualquer modo, porém, vale insistir tolerar a Corte de

Cassação italiana o ingresso do adquirente ou do cessionário no processo,

numa forma genérica e imprecisa de “intervenção de terceiros”, mas não,

enfatize-se, à luz do art. 105 do Codice di Procedura Civile, dispositivo

que alberga, a um só tempo, a assistência simples e a assistência

litisconsorcial. Como assentado na Corte de Cassação italiana, a que, de

resto, acima já se aludiu: “O sucessor a título particular do direito

controvertido pode, com base, no art. 111 CPC, desenvolver todas as

atividades processuais consentidas ao transmitente, tendo o direito

geral de intervir no processo, mas que não se confunde com a

intervenção de que cuida o art. 105 CPC, respeitante ao terceiro,

porquanto o sucessor não é terceiro, mas o verdadeiro e próprio

titular da res litigiosa”431. No âmbito doutrinário, igualmente na Itália,

entende-se não se inserir a intervenção do sucessor a título particular em

nenhuma das espécies de intervenção adesiva, quer a simples, quer a

431Corte de Cassação, julgado nº 6.220, de 03 de junho de 1993, apud FRANCO CIPRIANI e GIAMPIERO BALENA, “Codice di Procedura Civile annotato com la giurisprudenza”, Edizioni Scientifiche Italiane, p. 349). No original: “Il successore a titolo particolare del diritto controverso potendo, in base all’art. 111 CPC, svolgere tutte le attività processuali consentite al suo dante causa, ha un generale diritto di intervento nel processo – da non confondere con l’intervento di cui all’art. 105 CPC., riguardante il terzo, essendo il successore non terzo, ma vero e proprio titolare della res litigiosa” (idem, ibidem, loc. cit.). Ver, ainda, as notas 64 e 65.

158

litisconsorcial432. No tocante à assistência simples, não lhe é equiparável

pelos seguintes motivos: a) o sucessor do direito controvertido, a título

particular, enquanto se torna seu titular, é, igualmente, titular da situação

substancial que legitima, em via ordinária, a parte a litigar em juízo; em

conseqüência, é por força de sua legitimação ordinária e não em virtude de

uma legitimação própria da intervenção adesiva; b) posto intervenha o

assistente em processo inter alios, cujo objeto é constituído de uma

situação jurídica substancial, objetiva e subjetivamente diversa daquela da

qual é titular (e que não é objeto do processo), embora, dessa mesma

relação, seja a sua juridicamente dependente, o sucessor a título particular

intervém num processo inter alios, mas cujo objeto é constituído por seu

próprio direito; c) paralelamente, se, de um lado, o adquirente, enquanto

titular do direito discutido em juízo, se sujeita aos efeitos diretos da

sentença, o interveniente adesivo, sendo titular de uma situação

juridicamente dependente da controvertida, fica, apenas, submetido à

eficácia reflexa dessa mesma sentença433.

105. Isso não passou desapercebido a CARLOS ALBERTO ALVARO DE

OLIVEIRA, ao salientar estar o adquirente ou cessionário sujeito aos efeitos

diretos –e não, portanto, a seus efeitos reflexos- da sentença, situação,

portanto, muito diversa da que sucede com o assistente simples434. Da

mesma forma, anota o processualista gaúcho não se poder falar, também,

em assistência litisconsorcial, ao menos porque, ainda que se trate de

assistente qualificado, esse é sempre terceiro, ou seja, a relação jurídico-

432Cf. ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., p. 436. 433 Cf. ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., p. 436. 434Ob. cit., p. 162.

159

material litigiosa, posto lhe seja comum (conexa àquela de que participa),

não é a sua435.

Por generosa concessão, poder-se-ia admitir o inverso: que o

alienante ou o cedente (veja-se, porém, que o § 3º em apreço fala

exatamente no oposto, ou seja, o adquirente ou o cessionário é que

assistem aqueles) ingressasse no feito para assistir, na qualidade de

assistente simples, o adquirente ou o cessionário. Isso, sim, seria possível,

pois, tendo o alienante ou o cessionário, por hipótese, de assegurar, em

proveito do alienante, sob pena de responder pela indenização das

respectivas perdas e danos, não pertencer ao adversário a coisa ou o

direito litigioso, poderia ele, em tal caso, intervir, mas na qualidade de

assistente simples do adquirente ou do cessionário, conforme o caso,

desde que, um ou outro, haja ingressado no feito, na qualidade de

sucessor inter vivos. A sentença, que reconhecer pertencer a coisa ou o

direito litigioso ao adversário do alienante ou do cedente, servirá de fato

constitutivo do direito (de parte do adquirente ou do cessionário) à

indenização por perdas e danos contra aquele transmitente436.

106. Para finalizar: fala o texto que o “adquirente ou o cessionário

poderá intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente”;

frente a isso, ou se considera o preceito normativo não escrito, o que

435 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 164 e 165. No mesmo sentido, frente ao direito espanhol, F. RAMOS MÉNDEZ (ob. cit., p. 278 e seg). 436 Nesse sentido, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, verbis: “A sentença proferida, atingindo diretamente a contra-parte e o sucessor, só reflexamente (quanto aos efeitos materiais) alcançará o transmitente, na medida em que poderá determinar ou não a indenização dos prejuízos que tiver causado ao adquirente do direito litigioso, matéria a ser resolvida em outro processo e segundo os princípios de direito material. O seu interesse, assim, é de evitar um prejuízo jurídico, daí o apenas auxiliar o sucessor. O direito discutido no processo, com a transmissão, já lhe é completamente estranho” (ob. cit., p. 170).

160

redunda no legislar o intérprete e, ademais, contra legem, ou, então, se

dá uma outra roupagem a essa assistência, caminho esse que se nos

alvitra mais conforme a razão. No considerar a assistência, de que cuida o

§ 3º, tertium genus da intervenção voluntária (no confronto, a uma, da

intervenção voluntária ad excludendum, isto é, a oposição, e, a duas, no

confronto da intervenção voluntária adesiva, que compreende, a seu turno,

a modalidade simples e a qualificada), não se está senão construindo um

gênero de intervenção de terceiros que possa abrigar algumas hipóteses

legais que, posto sejam averbadas de assistência, não têm, todavia, a

natureza dessa intervenção, segundo a tradição jurídico luso-brasileira. É o

que se dava, por exemplo, com as normas contidas na antiga Lei de

Falências (Dec.-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945), art. 36, caput

(“Além dos direitos que esta lei especialmente lhe confere, tem o

falido os de fiscalizar a administração da massa, de requerer

providências conservatórias dos bens arrecadados e o que for a bem

dos seus direitos e interesses, podendo intervir, como assistente, nos

processos em que a massa seja parte ou interessada, e interpor os

recursos cabíveis")437, no Código Civil, art. 637 (“O herdeiro do

depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a

assistir o depositante na reivindicação, e a restituir ao comprador o

preço recebido”), e, por igual, no Código de Processo Civil, art. 42, § 3º.

107. A questão desagua no tormentoso problema da apuração do

verdadeiro conteúdo do art. 499, do Código de Processo Civil, mais 437 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, sem maiores explicações, considera essa intervenção uma hipótese de ingresso ad adjuvandum (“Comentários à Lei de Falências”, Forense, 3ª ed., 1962, Vol. I, nº 234, p. 240).

161

especificamente, sobre a legitimidade do adquirente ou cessionário, que

não ingressou no feito, para recorrer. O tema, de escassa preocupação

entre nós, veio a ser tratado, em notável e brilhante trabalho, pela

professora TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM438, mas a talentosa

processualista não de seu conta, então, da possibilidade decorrente da

sucessão processual, quiçá por considerar o adquirente ou cessionário

legitimado para ingressar na relação processual a título de assistente.

Como estamos entendendo não se constituir o adquirente ou

cessionário em verdadeiro e próprio assistente, assim considerado pela

doutrina no tratar do tema da intervenção de terceiros, resulta estar o

transmissário habilitado a recorrer como terceiro, malgrado, rigorosamente,

assistente não deva ser qualificado.

§ 3º. A habilitação incidental do adquirente ou do cessionário

108. O Código de Processo Civil brasileiro é silente, por completo,

quanto à necessidade ou não de habilitação e, portanto, em procedimento

incidental, do adquirente ou do cessionário. O correspondente Estatuto

português é mais preciso e, expressamente, em seu art. 271º, item 1, o

preconiza.

Para nós, longe de constituir-se em formalismo exacerbado, até

porque a sua inobservância nenhuma nulidade poderá acarretar, seria de

bom aviso exigir-se, em casos tais, a habilitação. O alvitre tem por escopo,

exclusivamente, atender à melhor ordem procedimental: o adquirente ou 438O terceiro recorrente. Revista de Processo, n.º 59, julho-setembro de 1990, p. 7 e seg.

162

cessionário, com o respectivo requerimento de ingresso na relação

processual, deverá fazer a prova de seu interesse para tanto e, logo,

demonstrar a regularidade do negócio jurídico material de transmissão da

coisa ou do direito litigioso; depois, há de manifestar-se a parte adversa na

demanda, o que poderá dar ensejo a impugnação, a ser resolvida pelo

magistrado e, daí, sujeita a impugnação por meio de recurso; de mais a

mais, fala o Código que, indeferida a sucessão processual, o adquirente ou

cessionário poderá intervir no feito para assistir o alienante ou o cedente

(CPC, art. 42, § 3º); muito embora, consideremos essa intervenção um

tertium genus, não compreendido quer na assistência simples quer na

assistência litisconsorcial, essa admissão não é automática, mas, antes,

exige assentimento do juiz, que terá de examinar, frente ao caso concreto,

se a capacidade postulatória está íntegra, por exemplo, se há ou

necessidade de assentimento uxório ou marital e, enfim, todas aquelas

contingências insuscetíveis de ser sumariadas em abstrato, mas que

surpreendem o juiz e o advogado no processo em curso; da mesma forma,

poderá o juiz entender –e não sem algum acerto, a nosso sentir- ser caso,

apenas, de substituição processual de parte do alienante ou cedente e

tudo isso não convém seja revolvido, decidido e impugnado nos autos

principais. Quando mais não seja, somente depois de admitido pelo juiz

seu ingresso, poderá o adquirente ou o cessionário ostentar-se na relação

processual e, até que isso ocorra, a discussão deve ser travada em autos

incidentais, ou seja, em prévia habilitação.

163

Capítulo V - §1º A sucessão processual mortis causa. § 2º O Conceito de

herança. § 3º A herança jacente e a herança vacante. § 4º. A

sucessão pelo espólio ou pelos sucessores. § 5º. O ingresso

dos herdeiros como terceiros interessados. § 6º. O ingresso

da viúva-usufrutuária para ingressar como assistente. § 7º os

direitos personalíssimos. § 8º. A sucessão inter vivos ou

mortis causa, a título particular e a título universal: a)noções

gerais. b) a sucessão processual pela sociedade incorporada

ou pela sociedade derivada da fusão.

§ 1º. A sucessão processual mortis causa

a) noções gerais

109. O art. 43 (“Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-

se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores,

observado o disposto no art. 265”) disciplina hipótese inteiramente

distinta da consagrada no art. 42, do mesmo Diploma. Consoante acima já

se asseverou, quando há o decesso de uma parte, o processo, entendido

como relação jurídica, não pode prosseguir, ante a contingência elementar

de ser um fenômeno essencialmente trilateral: autor, réu e juiz439. Se falta,

destarte, um desses sujeitos, nasce a imperiosidade de se ter de recompor

essa triangularidade. Mas, o processo, sob os olhos de quem o vê como

situação jurídica e, pois, em evolução, permite, por igual, a admissão

desse evento incontornável da realidade440.

439 FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., p. 337. 440 CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., § 59, p. 358.

164

Havendo, diz o art. 43, “a morte de qualquer das partes”, seus

sucessores tornam-se titulares, no plano do direito material, de todo o

complexo de direitos, deveres e obrigações daquele sujeito processual

agora morto; esse sucessores materiais subentram, no plano processual,

na posição antes desfrutada pela parte falecida, com os mesmos poderes,

deveres e ônus dessa última441.

§ 2º. O conceito de herança

110. A herança é o patrimônio do defunto, compreendido, aquele, como

uma unidade que abraça e compreende todas as relações jurídicas do

falecido442; é, um suma, uma universitas, que engloba em si coisas e direitos,

créditos e débitos, e que, como tal, pode se constituir num patrimônio ativo, se

seus haveres superarem o passivo (lucrativa hereditas), da mesma forma que

pode ser um patrimônio passivo, no caso inverso (damnosa hereditas)443.

A herança não tem personalidade jurídica444, pois, nessa, todo o

conjunto de valores se apura e se transmite aos sucessores, sem que dê

441 CORRADO FERRI, ob. cit., nº 6.1, p. 300. 442 ROBERTO DE RUGGIERO, “Instituições de Direito Civil”, tradução da 6ª edição italiana pelo Dr. Ary dos Santos, Saraiva, 1973, Vol. III, § 127, p. 400 e 401. Como aduz CLÓVIS BEVILÁQUA, “a idéia de sucessão não é exclusiva do direito hereditário. Aqui ela se opera mortis causa, em outros domínios será inter vivos. Esta última é sempre a título singular, como na cessão de um crédito, na transferência de um bem ou, ainda, de um complexo de bens. A sucessão hereditária pode ser singular, nos legados, ou universal. É universal a sucessão, quando se transfere a totalidade do acervo hereditário ou uma quota parte dele; é a título singular quando se transfere determinada porção de bens” (“Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”, Livraria Francisco Alves, 1953, 8ª ed., atualizada por Achilles Beviláqua, Vol. VI, obs. ao art. 1.572, p. 7). E arremata o insigne civilista: “Entre vivos não há sucessão universal, porque não pode ela abranger a totalidade do patrimônio do transmitente e, terá, sempre, valor determinado” (idem, loc. cit. 443 ROBERTO DE RUGGIERO, ob. cit., loc. cit. 444 Cf. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., nº 38, p. 111, nota 1.

165

personalidade ao acervo de bens445. Os bens da herança também não

integram, desde logo, o patrimônio do herdeiro, nem, mesmo, constituem

patrimônio separado do sucessor mortis causa; formam, isso sim, uma

massa distinta de bens, situação essa que vai perdurar até a liquidação do

acervo hereditário, com a sua adjudicação ao único herdeiro ou, havendo

mais de um, com a respectiva partilha446. Segundo preceituam ANTUNES

VARELA et Alli, ”por analogia (baseada no argumento a maiori ad

minus) se há de entender que, estando o processo de inventário em

curso, mas não estando ainda efetuada a partilha, é em nome da

herança (ou contra a herança), embora carecida de personalidade

jurídica, que hão de ser instauradas as ações destinadas a defender

(ou a sacrificar) interesses do acervo hereditário”447. Bem é verdade

que o art. 1.784 do Código Civil, reproduzindo o quanto constava do art.

1.572 do Código de 1916, preceitua: “Aberta a sucessão, a herança

transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Menos

verdade não é, também, ser lição de CLÓVIS o passo seguinte: “A

sucessão hereditária abre-se com a morte do autor da herança.

Desde esse momento, opera-se a transmissão da propriedade e da

posse dos bens, substituindo-se os sujeitos das relaçãoes jurídicas;

no instante, que precede a morte, o sujeito dessas relações jurídicas

é o de cujus; no instante que se segue à morte, o sujeito é o

herdeiro”448. O que se haverá de entender, entretanto, é que, somente

445 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, Forense, 1994, 6ª ed., Vol I, nº 67, p. 248. 446 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., nº 67, p. 245 e seg. 447 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, Forense, 1994, 6ª ed., Vol I, nº 67, p. 248. 448 CLÓVIS BEVILÁQUA, ob. cit., Vol. VI, loc. cit.

166

quando ultimada a partilha, opera-se, com efeito ex tunc, a transmissão do

domínio e da posse, mas não da herança, no seu todo, senão no

respectivo direito que ao herdeiro, então, vier tocar. Em suma, enquanto

não ultimada a partilha, é a herança que deve comparecer a juízo, seja

como autora, seja como ré, nas causas que venham a refletir-se nos

interesses do acervo. Mas, uma vez julgada por sentença a partilha (CPC,

art. 1026), cada herdeiro receberá o bem que lhe tocar (CPC, art. 1027) e

a respectiva posse e domínio retroagirão, pois, à data da sucessão.

Realmente, consoante verbera CARVALHO SANTOS, com a morte do autor da

herança, resulta a indivisão do acervo entre os herdeiros e é a sentença de

partilha, de cunho declarativo, que vai distribuir os bens entre os

sucessores do falecido449. “O ato –dí-lo, expressamente CARVALHO

SANTOS- retroage, quanto a seus efeitos, ao dia da abertura da

sucessão”450.

O momento da aquisição dos bens do de cujus, portanto, é o de seu

falecimento, mas essa aquisição fica protraída para o instante da partilha;

contudo, uma vez declarada essa por sentença, os efeitos da divisão dos

bens entre os herdeiros (ou os efeitos da adjudicação dos bens ao único

herdeiro, se for o caso) retroagem à data do decesso do autor da herança.

449 “Código Civil Brasileiro Interpretado”, Livraria Editora Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1938, 2ª ed., Vol. XXII, com. ao art. 1.572, p. 9. 450Autor da herança: autor, aqui, não tem o sentido processual que, à primeira vista, por engano, pode ensejar; autor da herança é o construtor do patrimônio hereditário; empregamos a expressão unicamente porque a essa se refere, expressamente, o Código de Processo Civil, ao cuidar do tema da competência, como se lê dos arts. 89 (“Compete à autoridade judiciária brasileira...”, inciso II (“proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional”), e 96 (“O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente...”). Ob. cit., loc. cit.

167

§ 3º. A herança jacente e a herança vacante

111. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo

(segundo a ordem enunciada no art. 1.829, do Código Civil), ou, em o

havendo, mas renunciando os herdeiros (inclusive os testamentários) à

herança, passarão os respectivos bens ao Município ou ao Distrito Federal,

se localizados nas correlatas circunscrições, ou à União, quando situados

em Território federal (Código Civil, arts. 1.819 e 1.844). Nesses casos, a

herança não será, desde logo, “devolvida” (na expressão do Código Civil)

aos entes públicos, mas ficará, então, em estado jacente, no aguardo,

durante cinco anos, contados do falecimento do autor da herança (Código

Civil, art. 1.822), do aparecimento de herdeiro ao qual possam os bens ser

transmitidos. Por outras palavras, não havendo herdeiros legítimos, nem

testamentários, a herança é jacente e os bens que formam o seu acervo

deverão ser arrecadados, ficando sob a guarda, conservação e

administração de um curador (o procedimento de arrecadação de bens na

herança jacente, da natureza de jurisdição voluntária, está previsto nos

arts. 1.142 e seguintes do Código de Processo Civil), no aguardo do

transcurso do lapso de cinco anos, prazo concedido pela lei para o

aparecimento de herdeiro legítimo; ao cabo desse prazo, a herança

jacente, já arrecadada, será declarada vaga (fala-se, então, em herança

vacante). Uma vez declarada vacante a herança, os bens passarão, daí, ao

domínio do Município, do Distrito Federal ou da União Federal, conforme o

caso (Código Civil, art. 1.822).

168

§ 4º. A sucessão pelo espólio ou pelos sucessores

112. Utiliza-se o legislador, no dispositivo em apreço, da conjunção

ou, como segue: “dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos

seus sucessores”. Resta saber, portanto, qual o sentido dessa alternativa.

Ao cuidarmos do instituto da “capacidade de ser parte”, acenamos

com o ensinamento de CARVALHO SANTOS, segundo o qual resulta, com a

morte de alguém, um estado de indivisão no respectivo patrimônio, até que

a sentença de partilha, de cunho declarativo, distribua os bens do falecido,

que compunham, então, o patrimônio hereditário, entre os respectivos

sucessores451. Por isso, enquanto não efetuado o inventário dos bens do

falecido, nem, ademais, havida a partilha, é a herança que deve figurar, na

demanda, como autora ou como ré452. Obtempera CAIO MÁRIO não

constituírem os bens da herança um patrimônio estanque e separado,

pertencente aos herdeiros, mas, ao reverso, uma massa distinta de bens,

assim temporariamente mantida, até operar-se a liquidação do acervo

hereditário453. Daí, a razão de se dar a sucessão da parte falecida pelo

seu espólio e não, “por seus sucessores”, como regra geral454. A palavra

451 “Código Civil Brasileiro Interpretado”, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1938, 2ª ed., Vol. XXII, com. ao art. 1.572, p. 9. 452 De acordo com essa doutrina, o acórdão lavrado no REsp nº 319.719-SP (rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in DJU de 16.9.2002, p. 181): “O patrimônio deixado pelo de cujus permanece indiviso até a partilha, de forma que cada herdeiro é titular de uma fração ideal daquela universalidade e não de qualquer dos bens individualizados que a compõem”. Nesse sentido, conferir ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, Ltda., 1985, 2ª ed., nº 38, p. 111, nota 1. 453 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, Forense, 1966, 2ª ed., Vol. I, nº 67, p. 232. 454Tolera-se, porém, o ingresso, desde logo, dos herdeiros do de cujus, no caso de não haver bens a serem inventariados, constituindo, por isso, eventual patrimônio único, os direitos controvertidos em juízo. Confira-se o Superior Tribunal de Justiça, no REsp. nº 254.180-SP (rel. Min. VICENTE LEAL, in DJU de 15.10.2001, p. 304): “Embora no caso de morte do autor da ação seja efetuada a substituição pelo seu espólio, é admissível a simples habilitação dos seus herdeiros na hipótese de inexistência de patrimônio suscetível de abertura de inventário”.

169

espólio é empregada como sinônimo de herança e, sobre essa última,

discorremos, minudentemente, ao versarmos o tema da “capacidade de

ser parte”, a que nos reportamos por inteiro455.

Mas, como tantas vezes ocorre na linguagem culta, a conjunção ou

tem, aí, o valor de uma conectiva (“e”), ou seja, há uma sucessividade na

transferência da massa hereditária: primeiro, transfere-se essa ao espólio

e, depois, a seus herdeiros. Com efeito, se, com o advento da sentença de

partilha, há a atribuição, a cada herdeiro, legítimo ou testamentário, pouco

importa, de seu quinhão no património do defunto, a partir desse momento,

quem deve figurar, no processo, sucedendo à parte falecida, são esses

herdeiros mesmos, por força, a contrario sensu, do quanto acima se veio

de expender.

113. Não é essa, entretanto, a única interpretação que a conjunção ou,

oferece, tal como empregada no texto. Quando a herança não tiver, por

inventariante, nenhuma das pessoas mencionadas nos art. 990, à exceção de

seus incisos V e VI, diz-se, então, ser dativo o inventariante. É a lição do

eminente PEDRO BATISTA MARTINS: ”Chama-se dativo o inventariante cuja

nomeação não resulta de determinação da lei, mas de livre escolha do

455 Espólio. Interessante é notar a evolução etimológica da palavra espólio. Derivada do latim spolium, u, tinha, então, o significado de “avançar sobre algo”, de “apoderar-se de algo”, de “privar alguém ou algo de coisas que lhe são inerentes”. Desse radical, temos a palavra despojo (e, por óbvio, daí, despejo), além de outras, como, v.g., esbulho (no direito italiano, prefere-se, como regra, empregar o termo “espólio da posse”, em vez de, como ocorre no Brasil e Portugal, “esbulho da posse”). No sentido mais puro da palavra, diz-se “despojar um animal”, a traduzir privá-lo de sua carne, de sua pele, de seu couro, velo, etc.; vale-se, também, com esse mesmo sentido, da expressão “despojo de guerra”, a significar o apossamento de bens do inimigo (cf. “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, Editora Objetiva, 2001, 1ª ed.). Esse “apossamento em bens de alguém” deu-nos, numa idéia secundária (mas que, como regra acaba, com o tempo, se desprendendo, inteiramente, da idéia primária (e.g., do latim solitarium, a, um, cuja idéia primária era a de “ausência de pessoas ao redor”, temos solteiro, solteira, que é a idéia secundária, inteiramente desprendida, hoje, da original), a palavra espólio, com a idéia de demitir a pessoa falecida de seus bens (ainda que respaldado pela lei); os “despojos do morto” traduzem a mesma idéia de “despojos de guerra”.

170

juiz”456. Nos termos do art. 12, § 1º, do Código de Processo Civil, “quando o

inventariante for dativo, todos os herdeiros e sucessores do falecido serão

autores ou réus nas ações em que o espólio for parte”. O intuito da lei, ao

assim dispor, é o de evitar a representação da herança por estranhos, que

possam não empenhar-se o suficiente na defesa de bens e direitos que, sequer

potencialmente, possam vir a pertencer-lhes457. Tais argumentos servem para

considerar o inventariante judicial, por extensão, inventariante dativo, para os fins

da lei458. Nas hipóteses, portanto, do § 1º, do art. 12, do Código de Processo

Civil, ocorrendo a morte de alguma das partes, a dar-se-á a sucessão processual

na pessoa de “todos os sucessores do falecido”459.

Por fim, na expressão “sucessores”, empregada no art. 43, em tela,

incluem-se tanto os herdeiros legítimos quanto os testamentários460.

§ 5º. O ingresso dos herdeiros como terceiros interessados

114. Tendo havido a sucessão da parte falecida pelo respectivo

espólio , pergunta-se: podem os herdeiros intervir na relação

processual e, em caso posit ivo, sob qual de suas modalidades?

Os herdeiros, legít imos ou testamentários, enquanto o sucessor

do falecido for o espólio , têm, sobre o acervo hereditário, direitos,

456 “Comentários ao Código de Processo Civil”, Edição Revista Forense, 1940, Vol. I, n 220, p. 262. 457 PEDRO BATISTA MARTINS, ob. cit., nº 220, p. 262; HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 136. 458 Nesse sentido, PEDRO BATISTA MARTINS, ob. cit., nº 220, p. 263. 459 Ainda que de forma não muito explícita, essa é, ao que se deduz, a opinião de HÉLIO TORNAGHI (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 136) e de CELSO AGRÍCOLA BARBI (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, Tomo I, nº 277, p. 255 e 256). 460Nesse sentido, PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Forense, 1973, Tomo I, p. 465 e seg.

171

embora ainda não singularizados. O art. 1.784 do Código Civi l ,

reproduzindo o quanto constava do art. 1.572 do Código de 1916,

preceitua: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo,

aos herdeiros legítimos e testamentários”. Ao tempo do Estatuto

anterior, ensinava CLÓVIS:

A sucessão hereditária abre-se com a morte do autor da

herança. Desde esse momento, opera-se a transmissão da

propriedade e da posse dos bens, substituindo-se os sujeitos

das relações jurídicas; no instante, que precede a morte, o

sujeito dessas relações jurídicas é o de cujus; no instante que

se segue à morte, o sujeito é o herdeiro461.

Vimos, ao estudar o tema da “capacidade de ser parte”, que

essa afirmativa comporta um obtemperat. Haver-se-á de entender,

efetivamente, que, somente quando ult imada a parti lha, opera-se,

com efeito ex tunc, a transmissão do domínio e da posse, mas não

da herança, no seu todo , mas no respectivo direito que ao herdeiro,

então, vier tocar. Se e enquanto não ult imada a parti lha, é a herança

que deve comparecer a juízo, seja como autora, seja como ré, nas

causas que venham a refletir-se nos interesses do acervo. Mas, uma

vez julgada por sentença a parti lha (CPC, art. 1026), cada herdeiro

receberá o bem que lhe tocar (CPC, art. 1027) e a respectiva posse e

domínio retroagirão, pois, à data da sucessão. Realmente, consoante

verbera CARVALHO SANTOS, “o ato retroage, quanto a seus efeitos, ao

461CLÓVIS BEVILÁQUA, ob. cit., loc. cit.

172

dia da abertura da sucessão”462.

115. O direito ou a coisa litigiosa, portanto, não é senão dos

herdeiros. A figura da herança –justificável, enquanto não se sabe a quem

toca esse ou aquele bem do acervo- faz as vezes de substituto processual

do herdeiros, pois, em nome próprio, defende direito que, desde a abertura

da sucessão, pertence aos sucessores do falecido. Por isso, não pode o

herdeiro ingressar, no processo em curso, uma vez operada a sucessão da

parte decaída por seu espólio, na qualidade de terceiro interveniente.

Dir-se-á que, em sendo dativo o inventariante, todos os herdeiros

ingressam no processo, na qualidade de sucessores da parte falecida. Isso

é verdade, mas menos não o é, também, que, em tema de substituição

processual, como adverte CORRADO FERRI, não encontra a atribuição

expressa dessa legitimação extraordinária nenhuma justificação de caráter

lógico-jurídico, pois é, simplesmente, conseqüência da valoração de

oportunidade do legislador, segundo diretivas de caráter político-

legislativas fundadas, essencialmente, em dados das tradições adquiridas

pelos ordenamentos jurídicos, ou assim entendidas, em determinados

casos, pelo mesmo legislador463.

462 Autor da herança: autor, aqui, não tem o sentido processual que, à primeira vista, por engano, pode ensejar; autor da herança é o construtor do patrimônio hereditário; empregamos a expressão unicamente porque a essa se refere, expressamente, o Código de Processo Civil, ao cuidar do tema da competência, como se lê dos arts. 89 (“Compete à autoridade judiciária brasileira”, inciso II (“proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional”), e 96 (“O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente...”). Ob. cit., com. ao art. 1.572, p. 9. 463 Ob. cit., p. 303. com. ao art. 1;572, p. 9.

173

§ 6º. O ingresso da viúva-usufrutuária para ingressar como assistente

116. Bem pode se dar a hipótese de o falecido, além de herdeiros

necessários, deixar viúva. Essa, por força do art. 1.603, do Código Civil,

não concorreria à herança, pois seu direito a isso apenas afloraria no caso

de não haver herdeiros necessáiros. Todavia, em virtude do art. 1831,

também do Código Civil, “qualquer que seja o regime de bens”, estar-

lhe-á assegurado “o direito real de habitação relativamente ao imóvel

destinado à residência da família”, desde que seja o único dessa

natureza464.

Em tal circunstância, se o imóvel, sobre o qual a viúva tem o direito

real de habitação, constituir o objeto do litígio ou sobre esse disserem

respeito os direitos controvertidos, poderá a mulher ingressar no processo,

na qualidade de assistente do sucessor no processo (o espólio ou os

herdeiros). O liame entre sua relação jurídica (a decorrente do direito real

de habitação) e a relação jurídica controvertida (pense-se, por exemplo,

numa ação reivindicatória proposta contra o falecido consorte, em que se

sustenta ser esse falsus dominus do imóvel reivindicando, o mesmo sobre

o qual recai o direito real de habitação) dar-se-á em virtude do objeto (o

imóvel, que será o mesmo, numa e noutra relação jurídica). Nesse caso,

consoante acima expusemos, a intervenção adesiva será a litisconsorcial.

464 O Código Civil emprega, no artigo, o demonstrativo “daquela” (“desde que seja o único daquela natureza a inventariar”), mas nisso ofende a gramática portuguesa, pois se está, aí, a aludir, em continuação à mesma “natureza” da “residência da família” e, portanto, dever-se-ia empregar a forma “dessa”.

174

§ 7º os direitos personalíssimos

117. A toda evidência, a hipótese do art. 43, do Código de Processo Civil,

cuida das situações em é possível aos sucessores mortis causa suceder o falecido

em seus direitos obrigações465. Se o direito material é, por natureza intrasmissível,

ou se, embora disso não se cuide, o objeto da prestação jurisdicional desaparece, o

processo deve extinguir-se, sem se cogitar da sucessão da parte por seu espólio ou

pelos respectivos herdeiros, como, por exemplo, nos casos de interdição, em que há

a morte do interditando (embora se trate, em verdade, de jurisdição voluntária e, pois,

mais consentâneo a isso seria o emprego do termo procedimento, em vez de

processo), nos casos de separação, em que um dos cônjuges, antes da sentença,

vem a morrer, etc.466. Nesses casos, o processo prosseguirá apenas para que

465 FRANCESO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 337. 466Cf.: FRANCESO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 337; CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356, nota 2. Essa é a posição da Corte de Cassação italiana, estampada nos julgados nºs: 3.181, de 07 de outubro de 1975; 3.885, de 20 de novembro de 1975; 3.949, de 28 de outubro de 1976 (apud CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356, nota 2). No julgamento do REsp. nº 331.924-SP (rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in DJU de 18.02.2002, p. 422), decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Em ação de divórcio, o falecimento do autor, em anterior ao trânsito em julgado da decisão que decreta o divórcio, implica a extinção do processo sem julgamento do mérito”. No tocante ao direito à imagem, é preciso distinguir. Esse direito, enquanto exteriorização da intimidade, é personalíssimo, por isso apenas seu titular desse pode dispor; nesse sentido: REsp. nº 45.305-SP (rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 25.10.1999, p. 83); REsp. nº 182.977-PR (rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 07.8.2000, p. 111, e LEX-STJ, Vol. 135, p. 177). Tem o direito à imagem, no entanto, uma vertente patrimonial (cf. REsp. nº 45.305-SP citado). Daí, se extrai: “Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de ninguém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memórias, com bem imortal que se prolonga para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto” (REsp. nº 268.660-RJ, rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, in DJU de 19.02.2001, p. 179, RSTJ, Vol. 142, p. 378, e RT, Vol. 789, p. 201). E prossegue a ementa desse acórdão: “Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo” (REsp. nº 268.660-RJ citado). Por isso, reconheceu o Superior Tribunal de Justiça: “1.Os pais estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados por agentes públicos que deram publicidade ao fato de a vítima ser portadora do vírus HIV. 2. Os autores, no caso, são herdeiros da vítima, pelo que exigem indenização pela dor (dano moral) sofrida, em vida, pelo filho já falecido, em virtude da publicação de edital, pelos agentes do Estado réu, referente à sua condição de portador do vírus HIV...7. ‘O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Na seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou ... se estendesse ao herdeiro e esse, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores” (REsp. nº 324.886-PR, rel. Min. JOSÉ DELGADO, in DJU de 03.9.2001, p. 159. RSTJ, Vol. 151, p. 157, e RT, Vol. 799, p. 208).

175

advenha uma sentença (Código de Processo Civil, art. 267, inciso IX) que

o extinga por impossibilidade jurídica de prosseguir467. Ocorre, igualmente,

que o próprio direito subjetivo de acionar o Poder Judiciário, por meio de

determinado procedimento, seja intransmissível, como se dá no caso de

mandado de segurança468.

§ 8º. A sucessão inter vivos ou mortis causa, a título particular e a título universal

a)noções gerais

118. O Código de Processo Civil, no art. 42, apenas regula a

sucessão processual, por ato inter vivos, a título “singular”, como, de

resto, se lê desse mesmo artigo. Há, portanto, no artigo, dois restritivos: o

primeiro, impondo que a sucessão seja inter vivos; a segunda, a título

particular. Isso tudo merece algumas ponderações.

Embora se dê por ato inter vivos, a sucessão pode recair sobre toda

uma universalidade e, à vista disso, não será inexato falar-se em

sucessão, por ato inter vivos, a título universal, como não se pode afastar

a hipótese de a sucessão, embora decorre mortis causa, seja a título

467 CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356, nota 2. 468 Nesse sentido, o decidido, pelo Superior Tribunal de Justiça, no AgRg. na AR nº 845-RS (rel. Min. PAULO MEDINA, in DJU de 30.6.2003, p. 126): “...tratando a ação rescisória de direito personalíssimo, com a morte do autor outra possibilidade inexistiria, a não ser aquela de extinção do processo, sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, inc. IX, do Código de Processo Civil”). Tratava-se, no caso, de pretenso direito, versado na ação subjacente à rescisória, de assunção ao cargo de Tabelião, postulado pelo serventuário interino. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no considerar personalíssimo o direito à impetração de mandado de segurança, pelo que, inadmissível se torna a sucessão, no processo, do impetrante por seu espólio ou por seus herdeiros, ressalvada a possibilidade de acesso às vias ordinárias (cf.: RMS nº 2.415-ES, rel. Min. VICENTE LEAL, in DJU de 21.10.1996, p. 40.271; REsp. nº 89.882-MG, rel. Min. EDSON VIDIGAL, in DJU de 14.12.1998, p. 266; REsp. nº 112.207, rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, in DJU de 05.11.2001, p. 146).

176

particular, pois, como assinala PONTES DE MIRANDA, “há sucessão a causa

de morte sem ser de universitas, como há sucessão de universitas

entre vivos”469. Poder-se-ia extrair, daí, a conclusão apressada de a

sucessão, inter vivos ou mortis causa, quando incidisse sobre uma

universalidade, de fato ou de direito, não importa, espelhasse uma

sucessão a título universal e quando a sucessão, inter vivos ou mortis

causa, recaisse sobre um bem determinado, ensejasse uma sucessão a

titulo particular. Não é bem assim, entretanto.

No tocante à sucessão material inter vivos, essa, como regra, é

sempre a título particular470. A razão para isso, di-lo SERPA LOPES, está no

considerarem os juristas, de modo geral, ainda que por motivos diversos,

ser inalienável, por seu titular, a totalidade do patrimônio, daí decorrendo a

circunstância de que toda alienação inter vivos somente pode ser

considerada a título particular e não, a título universal471. As sucessões

inter vivos são, pois, sucessio in rem ou sucessio in rerum singularum

dominium. Nossa ordem jurídica, contudo, admite exceções, quando se

trata de direito societário, tal qual se dá na hipótese incorporação de uma

469 “Tratado de Direito Privado”, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1972, 3ª ed., Tomo LV, § 5.584, nº 1, p. 5. 470 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cti., nº 67, p. 234; M.M. DE SERPA LOPES, “Curso de Direito Civil”, Livraria Freitas Bastos S.A,. 1962, 2ª ed., Vol. VI, nº 33, p. 64 e seg. 471 M.M. DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 33, p. 66. Na quadra, esclarece SERPA LOPES: “Nós entendemos, igualmente, que, em face das noções já expostas em torno da idéia de patrimônio, este não pode ser objeto de uma transferência total, como uma universalidade. Pode sim o mesmo objetivo ser alcançado mediante disposição a título particular. Não nos leva a essa conclusão qualquer idéia de vinculação entre o patrimônio e a personalidade, que peremptoriamente negamos, senão a razão suprema de que o patrimônio, em si mesmo considerado, não pode ser, inter vivos, objeto de um direito suscetível de transmissão. Há, em torno dele, um substratum ideal, se assim se pode dizer, que o individualiza, porquanto a alteração do seu valor por atos do seu titular pode acarretar a intervenção dos credores ou dos herdeiros necessários, se tais atos se refletirem em prejuízo dos seus interesses respectivos” (idem, ibidem, loc. cit.).

177

sociedade anônima por outra, consoante exemplifica CAIO MÁRIO472. O

mesmo ocorre na fusão de duas sociedades, prevista na Lei n.º 6.404, de

15 de dezembro de 1976 (com as alterações determinadas pela Lei n.º

10.303, de 31 de outubro de 2001), momento em que as duas se

extinguem para dar nascimento a uma terceira, que lhas sucede no todo do

acervo patrimonial473. A fusão de municípios (Constituição Federal, art. 18,

§ 4º) –e, teoricamente, também a de estados-membros (Constituição

Federal, art. 18, § 3º)-, dando por resultante um ente público novo, à

semelhança do que ocorre na fusão das sociedades por ações, é hipótese

de sucessão inter vivos, a título universal474. Assim também, nas

denominadas “privatizações”, a supressão do ente público, mediante o

subingresso, na relação jurídico-material, da sociedade comercial, dá

472 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., nº 67, p. 234. Não se poderá, entretanto, como hipótese de alienação universal, inter vivos, o traspasse da empresa pelo empresário a outrem (art. 1.144, do Código Civil), ao contrário do preconizado por PONTES DE MIRANDA; o jurista considera a hipótese de trespasse de empresa, considerada como sinônimo de estabelecimento comercial (“Tratado de Direito Privado”, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, 3ª ed., Tomo XV, § 1.797 e seg., p. 351 e seg e, especialmente, o § 1.799). Bem é de ver, entretanto, que a empresa não é, exatamente, o mesmo que estabelecimento. Segundo o professor OSCAR BARRETO FILHO, em obra específica sobre o tema, pode-se definir empresa como “organização de capital e de trabalho destinada à produção ou mediação de bens e ou de serviços para o mercado, coordenada pelo empresário, que lhe assume os resultados e os riscos” (“Teoria do Estabelecimento Comercial”, Max Limonad –Editor de Livros de Direito, São Paulo, 1969, nº 13, p. 23). A empresa, na esteira desse entendimento, não é uma universitas iuris, porque gravita em torno da figura do empresário, esse, sim, titular de direitos e obrigações; por isso, na definição acima, a empresa é o objeto da atividade do empresário. O Código Civil em vigor apenas define o empresário (art. 966), mas nessa definição ingressa a empresa e, malgrado expressamente o Estatuto não o diga, como objeto da atividade organizada do empresário. Embora correlativos, empresa e estabelecimento não se confundem: o exercício da atividade econômica organizada pelo empresário pressupõe, necessariamente, uma base formada por um “complexo de bens que constituem o objeto de seu trabalho”; a esse objeto de bens denomina-se fazenda ou estabelecimento (OSCAR BARRETO FILHO, ob. cit., nº 85, p. 115). De qualquer modo, porém, o traspasse da empresa, em seu todo, enquanto objeto complexo da atividade do empresário, pode vir a corresponder –seguindo, nesse passo, portanto, do ponto de vista de alguns doutrinadores, dentre os quais sobreleva SERPA LOPES, para quem somente pode haver hipótese de alienação, inter vivos, a título universal, se o objeto da transmissão vier a recair em uma universitas iuris. (ob. cit., nº 33, p. 66 e 67)- a uma transmissão inter vivos, a título universal, se seu respectivo objeto for expressa por uma empresa personificada, isto é, uma sociedade regular. 473 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., nº 67, p. 234. Segundo CAIO MÁRIO, “na comunicação dos bens, em conseqüência ao regime da comunhão universal, opera-se uma espécie de transmissão a título universal inter vivos, porque os bens passam a constituir a propriedade comum dos cônjuges sem que tenha havido a transferência individuada de um ao outro” (idem, ibidem, loc. cit.). 474 Nesse sentido, embora de forma não clara, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 103.

178

ensejo à sucessão processual, se do contrário não resultar dos termos da

lei reguladora do tema475.

Já como regra, a sucessão mortis causa pode, a seu turno, dar-se a

título universal e a título particular, tal qual se dá, nesse último caso, com o

legatário, que é sucessor a título particular, embora mortis causa. O Código de

Processo Civil, no entanto, ao cuidar da sucessão processual mortis causa, nenhuma

restrição faz quanto a ser o sucessor herdeiro a título universal ou particular.

b) a sucessão processual pela sociedade incorporada ou pela sociedade derivada da fusão

119. Já vimos referir-se o art. 42, do Código de Processo Civil,

exclusivamente, à hipótese de sucessão inter vivos, a título singular. Em

se dando, portanto, a sucessão inter vivos, mas a título universal, quais as

hipótese de incorporação e de fusão de sociedades, além das outras acima

mencionadas, como tratar, processualmente, o assunto?

O Código de Processo Civil português cuida, de forma ampla, em seu artigo

271º, da sucessão inter vivos, sem o restritivo que o Estatuto processual brasileiro

ostenta – “a título particular”. O Diploma italiano correspondente, embora chegue ao

mesmo resultado, prefere incluir a hipótese de incorporação e de fusão de

sociedades no mesmo dispositivo que regula a sucessão mortis causa,

naturalmente porque entendeu de enfeixar, num só artigo (o art. 110), ambas as

hipóteses de sucessão universal. Lê-se do Codice di Procedura Civile: “Art. 110.

475CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356 e seg. e, especialmente, nota 3; FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 336.

179

Sucessão no processo. Quando há o decesso da parte por morte ou por outra

causa, a continuação do processo se faz pelo sucessor universal ou no

confronto desse”476. A doutrina italiana é unânime no albergar, na expressão “ou

por outra causa”, os casos de sucessão inter vivos, a título universal e, portanto, as

hipóteses de incorporação e de fusão de sociedades477.

Claro não ser uma raridade, na vida jurídica, a incorporação de

uma sociedade por outra e, assim ocorrendo, teve o Superior

Tribunal de Justiça de pronunciar-se a respeito. A Corte não se deu

conta, em verdade, de estar frente a típica hipótese de sucessão

processual e tratou o caso tão-somente à luz do art. 12, inciso VII,

do Código de Processo Civi l . A despeito do enquadramento legal

acanhado, mas a leitura da ementa, apenas, no que interessa ao

assunto, é uma proclamação veemente da admissão da sucessão

processual da sociedade incorporada –que figurava originariamente

na demanda- pela sociedade incorporadora. Ei- la:

Civil. Comercial e Processo Civil. Personalidade Jurídica.

Capacidade para ser parte e “legitimatio ad causam”. Arts. 18,

CC, e 12, VII, CPC. Incorporação. Arquivamento no Registro do

Comércio. Sucessão Processual. Recurso acolhido. II-

Enquanto não arquivado no registro próprio o contrato de

incorporação, incorporadora e incorporada continuam a ser, em

relação a terceiros, pessoas jurídicas distintas, cada qual

legitimada para figurar em juízo na defesa de seus interesses.

III- Ajuizada a causa pela incorporada, opera-se automática e

476 No original: “Art. 110. Successione nel processo. Quando la parte vien meno per morte o per altra causa, il processo è prosseguito dal successore universale o in suo confronto” 477 Cf., exemplificativamente, CORRADO FERRI, ob. cit., nº 6.1., p. 300; ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., nº 7.3, p. 430; CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356; FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 336 e seg.

180

naturalmente, a partir do posterior registro do contrato de

incorporação, sua sucessão pela incorporadora,

independentemente da anuência da parte contrária”478.

Aí está, de outro canto, o brado de não ter a “anuência da parte

contrária”, o rigor pretendido por alguns processualistas.

Mas, no tocante ao tópico em apreço, em que artigo arrimar-se-á a

sucessão processual. Em verdade, desde que se admita, em tais casos, ter

ocorrido a sucessão material, a acarretar, como corolário, a sucessão

processual –e o acórdão mencionado expressamente o verberou- a

questão do enquadramento legal torna-se mero preciosismo, mas não se

pode negar serem a isso devotados os processualistas, de modo geral.

Portanto, cumpre apontar, agora, a norma a dar amparo à solução alvitrada

pelo Superior Tribunal de Justiça.

A questão, é certo, fica quase opinativa, mas preferimos, no azo,

seguir a doutrina portuguesa que faz uma distinção entre a hipótese de

sucessão processual inter vivos e a de sucessão procesual mortis causa:

na primeira, sobreleva o caráter do ato negocial e, pois, a vontade das

478 Entre nós, sem explicação convincente, segundo pensamos, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA combate a inserção das incorporações ou de fusões de sociedades dente os casos de sucessão processual, quer ao pálio do art. 42, quer à luz do art. 43, ambos do Código de Processo Civil, (cf. ob. cit., p. 103). Interessante, porém, é dar o autor, logo a seguir, argumento, atinente à sub-rogação voluntária, que serve, como luva, ao caso de incorporação ou de fusão de sociedade, no trato do temo à luz do art. 42, do Código de Processo Civil: “Trata-se de espécie assimilável à cessão de crédito, porque há sucessão de direito material no crédito, passível de ser atingida pela sentença. Assim, a sub-rogação negocial nos direitos do credor, quando litigiosos, implicará sucessão no processo pendente, do sub-rogado. A não ser dessa forma, o credor sub-rogado, segundo os princípios gerais, viria a perder a legitimatio ad causam, com a conseqüência, em caso de não incidência do art. 42, de ficar o devedor constrangido a sofrer dois processos por uma mesma obrigação, o que é inaceitável” (ob. cit., p. 118 e 119). Ora, ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio... REsp. nº 14.180-SP, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 28.6.1963, p. 12.895, e LEX-STJ, Vol. 51, p. 134. Em sentido que se aproxima, no resultado, o REsp. nº 394.379-MG (rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 19.12.2003, p. 471): “A incorporação de uma empresa por outra extingue a incorporada, nos termos do art. 227, § 3º, da Lei das Sociedades Anônimas, tornando irregular a representação processual”.

181

partes, ao passo que, na segunda, essa vontade é desconsiderada, por

razão óbvia, avultando apenas o caráter da sucessão na herança, pura e

simplesmente, sem indagação dos aspectos da transmissão da coisa ou do

direito litigioso, que matizam a sucessão inter vivos479. Em suma, a

incorporação de uma sociedade por outra, a fusão de sociedades, a fusão

de municípios e a sucessão material em virtude da “privatização” são

casos de aplicação do art. 42 e §§, do Código de Processo Civil.

479Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 3, p. 71 e seg. e nota 48. No Brasil, ao que parece, segue esse critério CELSO AGRÍCOLA BARBI, mas as razões invocadas não verdadeiramente claras para se as invocar como aval à solução por nós alvitrada, verbis: “Os casos de alienação regulados pelo art. 42 são apenas aqueles em que ela é feita a título particular, isto é, singular, o que se dá quando a pessoa natural ou jurídica aliena determinados bens. Mas se a coisa ou direito pertencer a pessoa jurídica que venha a desaparecer em conseqüência de fusão ou incorporação, o sucessor substituirá a pessoa jurídica extinta, porque esta, tendo desaparecido, não mais poderá ser parte”.

182

Conclusões

1. São três as teorias construídas para cuidar do fenômeno, havido no

plano material, da alienação da coisa ou do direito litigioso, inter vivos: a teoria da

irrelevância de sua transmissão no plano material, a teoria de sua inteira

relevância, autorizando o adquirente ou o cessionário a refundar a demanda

segundo seus interesses adventícios, e a teoria da relevância mitigada, que veio a

ser adotada pela legislação processual brasileira.

2. No direito processual, as noções de capacidade, legitimidade e

legitimação são equivalentes.

3. A sucessão processual é atributo de legitimação, no processo,

evidentemente, do adquirente ou cessionário.

4. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” não é absolutamente

coincidente com o de direito substancial.

5. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” não é absolutamente

coincidente com o de lide.

6. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” não é absolutamente

coincidente com o de objeto litigioso.

7. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” é, entretanto,

correspondente ao de “direito substancial hipoteticamente existente” .

8. A sucessão no plano processual, com a “extromissão” do alienante ou

cedente e com o ingresso do adquirente ou cessionário, apenas autoriza,

183

segundo a moderna teoria do processo a conferir a esse último deveres, poderes

e faculdades processuais para a prática de atos juridicamente eficazes.

9. A sucessão processual, como acima considerada, é condição legitimante

do adquirente ou cessionário.

10. O adquirente ou cessionário não pode, em verdade, ser considerado,

em não sucedendo na relação processual o alienante ou o cedente, assistente

desse último, senão, o contrário, o que desagua na substituição processual.

11. A dissolução, a cisão da sociedade civil ou comercial, bem como a sua

incorporação por outra, corresponde a sucessão mortis causa da pessoa jurídica

dissolvida, cindida ou incorporada, aplicando-se ao caso a normas da sucessão

processual.

184

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