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HENRIQUE FAGUNDES FILHO
A SUCESSÃO PROCESSUAL
Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito (Direito Processual Civil), sob orientação da professora doutora Teresa Arruda Alvim Wambier.
PUC / SÃO PAULO 2007
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BANCA EXAMINADORA
________________________________________ (Profª Drª Teresa Arruda Alvim Wambier)
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SUMMARIUM OPERIS
O intrincado problema da transmissão, a terceiros, pelo autor
ou pelo réu, de direitos reais ou de direitos creditórios, estando em
curso o processo onde se discute a quem toca a respectiva
t i tularidade, bem como a sucessão, também no processo já iniciado,
pelos herdeiros do autor ou réu que vem a falecer, é examinado
minuciosamente no presente trabalho.
O autor faz um apanhado comparativo dos assuntos que
permeiam o tema, sob vários ângulos: primeiramente, lança-se a uma
investigação histórica do surgimento das duas modalidades acima de
sucessão no direito discutido em juízo; demonstra de que forma o
problema, tendo de ser resolvido sob o plano do direito material,
passou a ser considerado, no curso do tempo, no processo civi l; em
seguida, discorre sobre as várias soluções emprestadas à
permeabil idade ou não do processo civi l frente à transmissão
daqueles direitos, que ocorrera no plano material, em se tratando de
negócio particular inter vivos; aborda as denominadas “teoria da
irrelevância” (Irrelevanztheorie), a “ teoria da irrelevância”
(Relevanztheorie), que se lhe opõe, e a teoria eclética, a chamada
“teoria da relevância mitigada” (Vermittelnde Theorie).
O “punctum saliens” do instituto, qual seja, o de apurar em que
medida há, no processo em curso, o reflexo daquela transmissão
( inter vivos ou mortis causa) já ocorrida no âmbito do direito
material, o que se traduz, numa só palavra, em “ legit imidade”, assim
considerada no direito processual civi l , é analisado pelo autor com
profundidade: após assentar a origem, no direito, daquele “quid” a
que se veio denominar “capacidade” e que tanto tem tirado o sono
dos estudiosos em geral, confronta esse instituto com o da
“ legit imidade” e o da “ legit imação”, no direito público, no direito
privado e, por óbvio, no direito processual. Dando por
correspondentes, no que tange a esse últ imo, os termos
“capacidade”, “ legit imidade” e “ legit imação”, passa a aplicar esse
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“quid”, uma verdadeira “qualidade processual”, à f igura da “sucessão
no processo”, apresentando os variados entendimentos doutrinários a
respeito, para, ao f inal, deixar assentada a posição que entende
correta, tendo em vista considerações que, até agora, não haviam
sido avaliadas adequadamente.
O assunto vem tratado, no Código de Processo Civil brasileiro,
no pertinente à transmissão inter vivos, em seu art. 42, caput, sob as
expressões “alienação da coisa” ou “do direito l i t igioso”, repetição,
em vernáculo, das fórmulas alemãs die in Streit befangene Sache zu
veräussern e (den geltend gemachten Anspruch), respectivamente,
havendo o Estatuto nacional, portanto, deixado de reproduzir a
locução ital iana “diritto controverso”. Lança-se o autor, portanto, a
um pormenorizado estudo do signif icado de “coisa l it igiosa” e de
“direito l it igioso”, perpassando as doutrina alemã e ital iana em torno
do assunto, até chegar ao conceito que entende ser o mais razoável,
segundo as balizas da teoria geral do processo.
O “grau de interesse” do adquirente da “coisa l i t igiosa” ou do
cessionário do “direito l i t igioso”, que repercute, necessariamente, no
processo, facultando-o, em razão disso, a nesse intervir, é objeto de
acurado estudo, proporcionando um novo enquadramento doutrinário,
aqui e alhures.
A sucessão mortis causa é, por igual, objeto do estudo a que
dedica, nesse trabalho, o autor, mas o realce ocorre por conta da
extensão do instituto, nos moldes de indiscrepante interpretação dos
doutrinadores ital ianos, às sociedades, civis e comerciais, que
venham a cindir-se, a fundir-se a outra ou ser incorporadas por uma
terceira, porque isso, também, na l inha do pensamento peninsular,
corresponde ao mesmo “desaparecimento” emprestado às pessoas
naturais.
Em conclusão, um rápido bosquejo, como não poderia deixar de ser,
ao problema da litispendência, com seus reflexos numa outra modalidade
de transmissão da “coisa” ou do “direito litigioso”, mas, agora, proibida pelo
ordenamento jurídico, aquela em “fraude à execução”.
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SUMMARIUM OPERIS
Dans cette étude i l est examiné minutieusement le complexe
problème de la transmission de droits réels ou de crédit, par le
demandant ou par le défendant, à une tierce personne, dans un
procès judiciaire dont la discussion juridique concerne la propriété
desdits droits, et aussi la question de la succession du demandeur ou
du défendant décédé au cours de l ’action judiciaire par ses hérit iers.
L’auteur fait une analyse comparative des sujets relatifs à ce
thème sous différents aspects: d’abord, i l entame une investigation
historique à propos du surgissement de ces deux modalités de
succession du droit objet d’un l i t ige devant le tr ibunal; i l démontre
comment le problème, devant être résolu dans le plan du droit
matériel, a été examiné à travers le temps par le droit de la
procédure civi le; ensuite, i l analyse les différentes solutions
empruntées à la perméabil ité ou non de la procédure civi le face à la
transmission de ces droits, qui aura l ieu dans le plan matériel
s’agissant d’un acte juridique particulier inter vivos; enfin, i l aborde
la « théorie de l ’ insignif iance» ( Irrelevanztheorie), la « théorie de la
signif iance » (Relevanztheorie) qui s’oppose à la première, et la
théorie éclectique, surnommée la « théorie de la signif iance
atténuée » (Vermittelnde Theorie).
Le « punctum saliens » de la succession dans les procès -
analysé par l ’auteur en profondeur - est d’épurer dans quelle mesure
i l y a un réflexe, sur le procès en cours, de la transmission ( inter
vivos ou mortis causa) produite dans le cadre du droit matériel. Cela
se traduit dans le droit de la procédure civi le par - en un seul mot -
« légit imité ». Après avoir établi l ’origine, dans le droit, de ce
« quid » appelé « capacité » et qui tend à t irer le sommeil des
juristes en général, i l confronte son concept à ceux de la
« légit imité » et de la « légit imation » dans le droit public, privé et,
évidemment, dans le droit de la procédure. En estimant équivalents
les termes « capacité », « légit imité » et « légit imation » dans le droit
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de la procédure, l ’auteur applique ce « quid » - véritable « qualité
processuelle » - au concept de la « succession dans le procès » et
présente les différentes orientations de la doctrine à ce sujet, pour
enfin montrer la posit ion qu’i l pense correcte, vis-à-vis de
considérations qui jusqu’à présent n’avaient pas été évaluées de
manière adéquate.
Dans le Code de Procédure Civi le Brésil ien le sujet est abordé,
concernant la transmission inter vivos, par l ’art icle 42, « caput »,
sous les expressions « aliénation de la chose » ou « du droit
l i t igieux », répétit ion en vernaculaire des formules allemandes « die
in Streit befangene Sache zu veräussern » et « den geltend
gemachten Ansprunch ». Le Code National n’a donc pas reproduit la
locution ital ienne « diritto controverso ». Entame l’auteur, alors, une
minutieuse étude de la signif ication de « chose l i t igieuse » et de
« droit l i t igieux », en faisant référence à la doctrine allemande et
i tal ienne à propos du sujet, jusqu’à arriver au concept qu’i l croit être
le plus raisonnable, selon les balises de la théorie générale du
procès.
Le « dégré d’intérêt » de l ’acquéreur de la « chose l i t igieuse »
ou du cessionnaire du « droit l i t igieux », qui se répercute
nécessairement sur le procès, puisque leur permet d’intervenir dans
le l i t ige, fait l ’objet d’une étude soignée qui autorise un nouvel
encadrement doctrinaire ici et ai l leurs.
La succession mortis causa fait, également, l ’objet de l ’étude
de l ’auteur, mais le rel ief de la matière se doit à l ’extension de son
application aux sociétés, civiles et commerciales, en cas de scission,
fusion et incorporation, car, selon la pensée des juristes ital iens, cela
correspond à la « disparit ion » des personnes naturelles.
En conclusion, l ’auteur réalise une analyse rapide, comme il ne
pourrait en être autrement, du problème de la l i t ispendance et de ses
réflexes sur une autre modalité de transmission de la « chose » ou du
« droit l i t igieux », désormais prohibé par l ’ordre juridique, celle faite
en « fraude à l ’exécution ».
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Summarium Operis
L’ intricato problema della trasmissione, a terzi, dall ’autore o dal
convenuto, di dir it t i reali o di dir it t i creditori, essendo in corso i l
processo in cui si discute a chi tocca la r ispett iva t itolarità, così come
la successione, anche nel processo appena iniziato, degli eredi
dell ’autore o del convenuto che vengono a morire, è minuziosamente
esaminato dal presente lavoro.
L’autore presenta una raccolta comparativa degli argomenti che
pervadono i l tema, attraverso diversi angoli: in primo luogo, lanciasi
ad un’indagine storica dell ’apparizione delle due modalità
sopraccitate di successione nel dir i t to considerato in giudizio,
dimostra in quale modo i l problema, dovendo essere risolto sotto i l
piano del dir i t to materiale, è stato considerato, nel corso del tempo,
nel processo civi le. In seguito, discorre sulle varie soluzioni prese in
prestito dalla permeabil ità o no del processo civi le di fronte alla
trasmissione di quei dir i t t i, che fu occorso nel piano materiale,
trattandosi d’affare particolare inter vivos; affronta le nominate
“teoria dell ’ irr i levanza” (Irrelevanztheorie), la “teoria della ri levanza”
(Relevanztheorie), che gli si oppongono, e la teoria eclett ica, la
denominata “ teoria della r i levanza mitigata” (Vermittelnde Theorie).
I l “punctum saliens” dell ’ ist i tuto, quale sia, quello di rendere
chiaro in quale misura si r intraccia, nel processo in corso, i l r if lesso
di quella trasmissione ( inter vivos o mortis causa) già verif icatasi
nell ’ambito del dir i t to materiale, i l quale si traduce in una sola parola
in “ legitt imità”, così considerata nel dir i tto processuale civi le, è
analizzato dall ’autore con profondità: dopo rendere stabile l ’origine
nel dir it to di quel “quid” a cui si è venuto a denominare “capacità” e
che tanto priva di sono gli studiosi in genere, raffronta quest’ ist ituto
con quello della “ legitt imità” e con quello della “ legitt imazione”, nel
dir i t to pubblico, nel dir i t to privato e, per ovvio, nel dir i t to
processuale.
L’argomento è trattato, nel Codice di Processo Civi le brasil iano,
riguardo alla trasmissione inter vivos, nel suo art. 42, caput, in base
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alle espressioni “alienazione della cosa” o “del dir i t to l i t igioso”,
r ipetizione, in vernacolo, delle formule tedesche die in Streit
befangene Sache zu veräussern e den geltend gemachten Anspruch,
r ispettivamente, avendo lo Statuto nazionale, pertanto, omesso di
r iprodurre la locuzione ital iana “diritto controverso”. Proiettasi
l ’autore, quindi, ad un dettagliato studio del signif icato di “cosa
l i t igiosa” e di “diritto l i t igioso”, spostandosi per le dottr ine tedesca e
ital iana circa l ’argomento, f ino ad arrivare al concetto che apprende
essere i l più ragionevole, secondo i sostegni della teoria del
processo.
I l “grado di interesse” dell ’acquirente della “cosa l i t igiosa” o del
cessionario del “diritto l i t igioso”, che ripercuote, necessariamente,
nel processo, accordandogli, perciò, in questo intervenire, è oggetto
di scrupoloso studio, propiziando un nuovo schieramento dottrinario,
qui e altrove.
La successione mortis causa è, ugualmente, lo scopo dello
studio a cui dedica, in questo lavoro, l ’autore, però la prominenza si
avviene attraverso l ’estensione dell ’ ist i tuto, nelle sagome di non
dissonante interpretazione dagli addottr inanti ital iani, al le società,
civi le e commerciale, che provengono a scindersi, a fondersi l ’una
nell ’altra o incorporarsi ad una terza, perché questo, altresì, nella
l inea del pensiero peninsulare, si r iporta alla stessa “scomparsa”
aff idata alle persone naturali.
Concludendo, un celere riassunto, come non potrebbe non
essere, al problema della l i t ispendenza, con i suoi r if lessi in un’altra
modalità di trasmissione della “cosa” o del “dirit to l i t igioso”, però,
adesso, vietata dall ’ordinamento giuridico, in “ frode alla esecuzione”.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13
Capítulo Primeiro:............................................................................................................ 18
§ 1º. Noções gerais do instituto...................................................................................... 18
§ 2º. Escorço histórico da transmissibilidade do direito material ............................... 19
§ 3º. A projeção da sucessão material no processo: valoração axiológica do
ordenamento jurídico ............................................................................................... 24
§ 4º. Resenha histórica da sucessão material no processo ........................................ 27
a) direito romano e medieval ...................................................................................... 27
b) direito luso-brasileiro............................................................................................... 35
§ 5º. As teorias construídas em torno do tema ............................................................. 39
a) introdução ................................................................................................................. 39
b) a teoria da irrelevância ........................................................................................... 41
c) a teoria da relevância.............................................................................................. 49
d) a teoria da relevância mitigada ............................................................................. 51
§ 6º. A teoria abraçada pelo Código de Processo Civil brasileiro .............................. 54
Capítulo Segundo: ........................................................................................................... 55
§ 1º. A sucessão processual e o tema da “capacidade” ou da “legitimação” ........... 55
§ 2º. O germe do conceito de “capacidade jurídica”..................................................... 56
§ 3º. A capacidade de gozo ou de direito e a capacidade de exercício ou de fato . 58
§ 4º. A capacidade de gozo e a “legitimação” no direito privado ............................... 60
§ 5º. A legitimidade, a legalidade e a “legitimação” no campo do direito público .... 63
a) Introdução ............................................................................................................. 63
b) a legitimidade em geral ........................................................................................... 64
c) a legitimação e a legitimidade............................................................................ 66
d) a legalidade e a legitimidade ............................................................................. 68
§ 6º. A capacidade e a legitimação no direito processual ........................................... 69
§ 7º. Noções gerais sobre parte. ..................................................................................... 71
§ 8º. Parte em sentido formal e parte em sentido substancial .................................... 73
§ 9º. A capacidade de ser parte ........................................................................................... 78
§10º. A capacidade de ser parte legítima: a chamada “legitimação para agir” (legitimatio
ad causam).................................................................................................................. 80
§ 11º. Parte em razão do ofício ............................................................................................ 84
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§ 12º. a parte complexa........................................................................................................ 86
§ 13º. A legitimação extraordinária ou substituição processual ........................................... 87
§ 14º. A substituição processual: desconsiderações do fenômeno...................................... 92
§ 15º. O alienante ou cedente como substituto processual do adquirente ou cessionário... 94
§ 16º. A substituição processual e o art. 472, primeira parte, do CPC................................. 98
§ 17º. a perpetuatio legitimationis....................................................................................... 101
§ 18º. A fraude à execução e a perpetuatio legitimationis.................................................. 108
Capítulo Terceiro: ............................................................................................................. 110 § 1º. A fórmula legal: “alienação da coisa ou do direito litigioso”. ...................................... 110
§ 2º. O “direito controvertido” como direito material ........................................................... 111
§ 4º. O “direito litigioso” entendido como lide ..................................................................... 117
§ 5º. O “direito litigioso” como problema de legitimidade da “parte complexa”................... 118
§ 6º. O “direito litigioso” como “direito subjetivo ao provimento de mérito”......................... 122
§ 7º. O “direito litigioso” como “objeto do processo”........................................................... 124
§ 8º O objeto litigioso como “elemento” da “relação processual”. ...................................... 136
§ 9º. A “coisa litigiosa” ou o “direito litigioso” como situações subjetivas hipotéticas e
legitimantes................................................................................................................. 138
§ 10º. A bipartição do fenômeno, segundo os planos substancial e processual. ............... 141
Capítulo IV ......................................................................................................................... 143 § 1º. O ingresso do adquirente ou do cessionário na relação processual.......................... 143
§ 2º. O ingresso, no processo, do adquirente ou do cessionário como “assistente” do
alienante ou cedente .................................................................................................. 150
§ 3º. A habilitação incidental do adquirente ou do cessionário .......................................... 161
Capítulo V.......................................................................................................................... 163 § 1º. A sucessão processual mortis causa ......................................................................... 163
a) noções gerais......................................................................................................... 163
§ 2º. O conceito de herança ............................................................................................... 164
§ 3º. A herança jacente e a herança vacante..................................................................... 167
§ 4º. A sucessão pelo espólio ou pelos sucessores........................................................... 168
§ 5º. O ingresso dos herdeiros como terceiros interessados ............................................. 170
§ 6º. O ingresso da viúva-usufrutuária para ingressar como assistente............................. 173
§ 7º Os direitos personalíssimos ........................................................................................ 174
§ 8º. A sucessão inter vivos ou mortis causa, a título particular e a título universal........... 175
a)noções gerais .......................................................................................................... 175
12
b) a sucessão processual pela sociedade incorporada ou pela sociedade derivada
da fusão.................................................................................................................. 178
Conclusões ....................................................................................................................... 182 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................. 184
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INTRODUÇÃO
I. Instituto muitíssimo mal regrado – e isso, de resto, não se dá
apenas no Brasil, mas, ao reverso, alcança Portugal, Espanha, Itália e
Alemanha, dentre outros – é o contemplado pelo Código de Processo Civil
no Capítulo IV, do Título II, do Livro I, sob a rubrica “Da Substituição das
Partes e dos Procuradores”. Certa dose da desventura, é verdade, resulta
da dificuldade de se equacionar, dentre as figuras processuais conhecidas,
o fenômeno de que cuida o referido capítulo, mas, se isso é exato, menos
não o é, também, haver o legislador para tanto contribuído, como, v.g., ao
aludir à “substituição dos procuradores”, assunto que deságua do delta da
“capacidade postulatória”, nada tendo de afinidade com o tema em apreço.
Sobreleva o infortúnio do tratamento legislativo, ademais, no olvidar o
Código de Processo Civil, por completo, na quadra, a hipótese da extinção
das pessoas jurídicas, nos variados casos em que seu patrimônio é
transferido a terceiros.
II. A dificuldade do adequado enquadramento do instituto – o que, como se
disse, não é uma singularidade do direito positivo brasileiro – reflete-se, já de
início, na anfibologia terminológica, ora a traduzir-se na locução “substituição
processual”, ora na expressão “sucessão processual”. Enquanto a notável jurista
lusitana PAULA COSTA E SILVA1, – fiel, é certo, à nomenclatura emprestada ao
instituto pelo Código de Processo Civil português – refere-se ao tema como
hipótese de “substituição processual”, o processualista espanhol FRANCISCO
1A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio – Contributo para o Estudo da Substituição Processual. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, em especial, p. 301 e seg.
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RAMOS MÉNDEZ2 e, entre nós, ARRUDA ALVIM3, Condenam expressamente essa
denominação promíscua. Autores italianos, a seu turno, apenas consentem na
referência, quando, a uma, se der a hipótese de o cessionário ou o adquirente vier
a se impedido de ingressar no processo em curso4, ou, a duas, mas, “em sentido
aproximado”, quando na sucessão universal, for o caso de o herdeiro ainda não
investido no patrimônio da herança tiver de agir em defesa do acervo hereditário5,
situações essas reguladas, entre nós, no § 1º, do art. 42, e no art. 43, do Código
de Processo Civil.
No art. 41, caput, nosso Estatuto processual, para piorar a confusão
terminológica, acena a “substituição voluntária”, apelativo que HÉLIO
TORNAGHI abona, equivalente, consoante recorda, à teutônica Gewilkürte
Prozessstandschft6. Soa, com efeito, o art. 41, caput, do Código de
Processo Civil: “Só é permitida, no curso do processo, a substituição
voluntária das partes nos casos expressos em lei”. Mas o Estatuto
processual civil brasileiro, no art. 41, ao introduzir o tema, fala em
“substituição voluntária” para abranger duas espécies de transmissão da
coisa ou do direito litigioso: a que se dá inter vivos e a que ocorre mortis
causa. Todavia, à evidência, a “substituição” do defunto pelos herdeiros
não é, a bem dizer, voluntária. Na conformidade da lembrança de RAMOS
MÉNDEZ, a sucessão, no processo, em virtude da morte, é acontecimento
imprevisível e inevitável, razão pela qual a vontade das partes nada pode fazer para
2 La Sucesión Procesal – Estudio de los cambios de parte en el proceso. Barcelona: Editorial Hispano Europea,1974, p. 27 e seg. 3Tratado de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, Vol. 2, p. 708 e 722 e 723. 4 Cf., exemplificativamente, CRISANTO MANDRIOLI, Corso di Diritto Processuale Civile. Turim: G. Giappichelli Editor, 1998, 12ª ed., § 59, p. 360; CORRADO FERRI, Lezione Sul Processo Civile. Bolonha: Il Mulino, 1995, 2ª ed., p. 361. 5 CORRADO FERRI, Lezione Sul Processo Civile, ob cit., p. 362 e 363. 6 Comentários ao Código de Processo Civil, Editora Revista dos Tribunais, 1976, Vol. I, p. 198 e 199.
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impedi-lo, ao passo que a sucessão, no processo, por ato de transmissão inter vivos,
se faz debaixo da vontade de um dos litigantes7. Somente essa última pode ser
rotulada de “voluntária”, pois, frente ao fato incontornável da morte de uma das
partes, duas soluções apenas são possíveis: a extinção do processo ou sua
continuação pelos herdeiros, mas a primeira soaria manifestamente injusta; por isso,
os ordenamentos jurídicos permitem o ingresso dos herdeiros da parte falecida no
processo, sucedendo ao defunto8. Para o caso de transmissão inter vivos da coisa
ou do direito litigioso (CPC, art. 42, caput), aí, sim, teria cabimento o qualificativo,
pois, além da previsão legal, a que se refere o art. 41, há de existir a vontade do que
pretende ingressar no processo, aliada à vontade do adversário, mas, isso, na
hipótese do art. 42, caput, do Código de Processo Civil9.
III. No tocante à sucessão inter vivos, repete o Código de Processo
Civil – e, a bem dizer, sem a possibilidade de outra escolha –, a locução
“alienação do direito litigioso” (art. 42: “A alienação da coisa ou do direito
litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade
das partes”), que tanto tem intrigado os juristas, sobretudo, os juristas
italianos, a ponto de a averbarem de “quebra-cabeças”10.
IV. Mas não é tudo, ainda. O art. 41 encabeça o tratamento
legislativo emprestado ao ingresso de terceiros na relação processual em
curso, terceiros esses a quem fora transferida a coisa ou o direito controvertido.
Denomina-a o Estatuto, como se disse, de substituição voluntária, mas nesse 7 Ob. cit., p. 36 e 37. 8 F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 36 e 37. 9 Nesse sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 727. 10 CARNELUTTI, comentando, na Rivista di Diritto Processuale, que dirigira, a obra de DE MARINI, La sucessione nel diritto controverso, publicado pelo “Foro italiano”, asseverou ser o conceito de “direito controvertido” um quebra-cabeças, pois, sendo direito, não pode ser controvertido e, se controvertido, não pode ser direito (apud SALVATORE SATTA, La sucessione nel diritto controverso (a proposito di una recensione), in Soliloqui e colloqui di un giurista, CEDAM, 1968, p. 254.
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gênero, já se o alertou, estão incluídas duas espécies: a transmissão inter vivos e
a mortis causa. Embora para nominar a uma e a outra se empregue,
genericamente, o substantivo “sucessão”, procurando-se diferenciá-las, na
aparência, somente pela locução adjetiva que lhes toca (“sucessão inter vivos” e
“sucessão mortis causa”), cuida-se de hipóteses que respondem a exigências
díspares, a par de terem funções diversas11. Na segunda, na sucessão mortis
causa (a que se refere o art. 43 do Código de Processo Civil), há a extinção de
uma parte, por força da morte, e o processo não pode prosseguir, enquanto
fenômeno essencialmente trilateral (juiz, autor e réu), impondo-se,
destarte, que os “sucessores” do falecido dêem continuidade ao
procedimento, enquanto que, na segunda, sucessão inter vivos (a que
alude o art. 42 e seus §§, do Código de Processo Civil), não há o decesso
de nenhuma parte, e a lei apenas se preocupa com o sujeito a quem deva
imputar os efeitos dos atos processuais e, dentre esses, o mais relevante,
a sentença12.
V. Por derradeiro, qualifica o Código de Processo Civil de
“assistente” (§ 2º do art. 42) ao adquirente ou cessionário que, desejando
ingressar na relação processual no lugar do transmitente ou do cedente, a
tanto é impedido, podendo, nesse caso, entretanto, “intervir no processo”
“para assistir” a qualquer um desses últimos. Será essa intervenção,
efetivamente, assistência?
VI. Nosso propósito, no enfrentar a todas essas dificuldades, não é o
de resolvê-las, em definitivo, pois isso exige contribuição de excelência
11 FRANCESO P. LUISO, Diritto Processuale Civile. Millano: Giuffrè, 3ª ed., nº 39, p. 336. 12 FRANCESO P. LUISO, ob. cit., p. 336.
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processual, a que outros atendem e não nós. Limita-se nosso escopo a
ensaiar, simplesmente, soluções que a condescendência dos doutos
abonarão, se estiverem corretas, e retocarão, quando imprecisas. Enfim,
contribuições ao estudo da ciência processual; somente isso.
18
Capítulo Primeiro: § 1º. Noções gerais do instituto. § 2º. Escorço histórico
da transmissibilidade do direito material. § 3º. A
projeção da sucessão material no processo:
valoração axiológica do ordenamento jurídico. §
4º. Resenha histórica da projeção da sucessão
material no processo: a) direito romano e
medieval; b) direito luso-brasileiro. § 4º. As
teorias construídas em torno do tema: a)
introdução; b) a teoria da irrelevância; c) a teoria
da relevância; d) a teoria da relevância mitigada.
§ 5º. A teoria abraçada pelo Código de Processo
Civil brasileiro.
§ 1º. Noções gerais do instituto
1. No sentido comum, aliás, sucessão significa o fato de se postar
alguém no lugar de outrem, a respeito de algo13. Numa noção jurídica
primeira, linear e introdutória de um exame, na seqüência, mais
aprofundado do tema, a sucessão compreende o fenômeno pelo qual
alguém vem a assumir, numa dada relação jurídica relevante, a mesma
posição de outrem, ali anteriormente figurante14. Como a define SERPA
LOPES, suceder é colocar-se outrem no lugar do sujeito, quer ativa, quer
passivamente, de modo tal que o direito deixa de permanecer no
patrimônio de um (antecessor ou cedente) e passa a ingressar no do outro
(sucessor ou cessionário)15. Por tais razões, arremata SERPA LOPES,
“acertadamente Savigny acentuou que uma sucessão não passava de 13 Curso de Direito Civil, Livraria Freitas Bastos S..A., 1961, 3ª ed., Vol. II, nº 380, p. 517. 14 ROSARIO NICOLÒ, Sucessione nei diritti, in “Novissimo Digesto Italiano”, Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1977, Vol. XVIII, p. 606. 15 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 517 e 518.
19
transformação meramente subjetiva da relação jurídica”16. Efetivamente, a
transferência subjetiva de uma obrigação representa uma sucessão, quer
ativa, se em relação ao credor, quer passiva, se em relação ao devedor17.
Mas, adverte o jurista pátrio, é necessário que essa alteração subjetiva
não repercuta na substância da relação jurídica material, que deve
permanecer intacta18, pois, aí, acrescentamos nós, poderá ocorrer outro
fenômeno, que não o da mera sucessão, como, v.g., uma novação. É
preciso, portanto, que a relação jurídica transmitida derive do precedente
sujeito (o cedente) em proveito do novo sujeito (o cessionário)19.
Essa noções, conquanto úteis para um ponto de partida do estudo da
sucessão, tem função apenas descritiva do instituto, sem mostrar, todavia,
algumas facetas necessárias à sua cabal compreensão.
É o que procuraremos fazer, com as considerações abaixo.
§ 2º. Escorço histórico da transmissibilidade do direito material
2. O conceito de sucessão emerge, historicamente, no mais antigo
direito romano, no contexto do fenômeno morte, quer em seu sentido
físico, quer em seu sentido jurídico, por uma indeclinável exigência prática,
a impor a criação de um mecanismo que impedisse a extinção de relações
jurídicas estabelecidas no confronto do falecido20. Porém, a
transmissibilidade de um sujeito para outro das obrigações (chamada, por
16 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 518. 17 SERPA LOPES, Ob. cit., nº 380, p. 517. 18 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 19 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 20 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 606.
20
isso, de transmissiblidade subjetiva) não fora fenômeno encontradiço no
direito romano, ao reverso do que se dá no direito moderno21. Contribuiu
para isso, decisivamente, a idéia de obrigação no direito romano, que não
permitia semelhante transmissibilidade22. Vínculo eminentemente pessoal,
a obrigação no direito romano ligava diretamente a pessoa do devedor e a
do credor, gerando uma intransmissibilidade que se fazia sentir até em
relação ao herdeiro – como vieram a demonstrá-lo estudos recentes –,
situação essa que somente se veio a modificar quando se enxergou nesse
último o ocupante da mesma posição jurídica do de cujus23. Todavia,
posto isso viesse a ocorrer, os créditos eram, então, ainda considerados,
como a propriedade, um elemento do patrimônio: transmitiam-se, em geral,
aos herdeiros e às pessoas a tanto assemelhadas, mas, à diferença
daquela, não podiam ser objeto de transmissão a título particular, nem por
disposição entre vivos, nem por efeito de morte, pois tudo decorria do
conceito de primitivo de obrigação; os créditos eram entendidos como
relativos a duas pessoas determinadas e essa relação não podia ter seus
termos alterados sem se destruir24.
Ademais, segundo a mais autorizada doutrina, durante longa parte
de sua história, o direito romano não conheceu senão a sucessão mortis
causa, mercê da qual um novo sujeito, investido do título de herdeiro
(nomen heredis), sub-entrava na posição (in locum) do defunto e,
conseqüentemente, adquiria todos os direitos, as obrigações e, em geral,
21 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 22 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 23 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. 24 ÉDOUARD CUQ, Manuel des Institutions Juridiques des Romains. Paris: Livrairie Plon, 1928, Cap. XIV, p. 637 e 638.
21
todas as situações jurídicas, ativas e passivas, pertinentes ao de cujus;
correspondia, portanto, a uma completa sucessio in ius que, fundada numa
qualidade pessoal do sucessor, importava a substituição integral de um
sujeito por um outro em todas as relações jurídicas suscetíveis de
transmissão25.
3. Esse mecanismo, realizado, por imposições da vida, na sucessão
mortis causa, serviu de modelo para antigas formas de sucessão universal
inter vivos (sucessio in ius) como a adrogatio, a conventio in manum,
etc26. Mas essa mudança, que se operou na sucessão mortis causa, não
pode dar-se, desde logo, na sucessão singular inter vivos e, somente
quando, frente às necessidades práticas, os romanos tiveram de criar
meios indiretos que o proporcionassem, surgiram expedientes como o da
novação e da procuração em causa própria (in rem propriam)27, de que,
abaixo, falaremos.
Em definitivo, porém, relativamente à passagem, de uma pessoa a
outra, de direitos singularmente considerados, o conceito de sucessão,
insinuado no período da pretura, somente vem a firmar no final da história
jurídica de Roma, precisamente quando a concepção primeira de uma
transferência material da coisa, objeto do direito, se substitui pela idéia de
transmutação da titularidade do direito e, sobretudo, quando a isso se
ajuntou a contingência de a disposição do direito e a sua aquisição por
outrem haver resultado da síntese de duas vontades, a do velho e a do
25 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 606. 26 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 606. 27SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 518 e 519.
22
novo titular28. Em suma, da figura típica e inconfundível da sucessão
clássica, cujo efeito último era a troca de um sujeito por outro em uma
série indefinida de relações jurídicas, vem-se desenvolvendo o conceito de
“sucessão a título particular”, arrimado no pressuposto de um ato de
disposição do respectivo titular e na admissão da transferência de direitos,
matizada pela “substituição” de um sujeito por outro no direito objeto dessa
mesma transferência. Assim, esse conceito de “sucessão particular” pôs
fim, historicamente, à primitiva noção de “sucessão universal”, quando se
fez emanarem ambos os institutos de uma mesma e só fonte, o fenômeno
da transferência29.
Destarte, corolariamente à admissão, já agora, de que o objeto da
transferência fosse o “direito”, ou seja, uma relação ideal entre o sujeito e
o bem, e não apenas a “coisa”, aliada à circunstância de o fenômeno
representar a síntese unitária entre a perda desse direito e sua correlata
aquisição, nasceu, necessariamente, o conceito de sucessão a título
particular, não mais presa aos direitos reais, mas, já então, aos direitos de
crédito, mesmo30.
4. O caminhar, contudo, da dogmática da “sucessão no direito
material” encontrou passagens árduas.
Com o surgimento, no século XIX, que propiciou a construção
conceitual do “direito subjetivo” 31, entendido como uma relação ideal entre
um sujeito e um bem, não poderia, o direito subjetivo, para muitos
28 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 29 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 30 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 31 Cf RICCARDO ORESTANO, Azzione Diritti soggetivi Persone giuridiche. Bologna: Il Mulino, 1978.
23
estudiosos, permanecer inalterado, havendo uma mudança no sujeito
dessa relação32. De fato, se o sujeito é elemento essencial na
identificação de uma relação jurídica, não seria concebível que a troca
desse sujeito não determinasse, por igual, a modificação daquela mesma e
anterior relação jurídica33. Sustentou-se, por exemplo, sem embargo da
exatidão ou não da assertiva, que, na “sucessão a título singular”, operava-
se a mudança não somente do sujeito da relação jurídica, mas, também,
do “título constitutivo”, com base no qual (“compra e venda”, “dação em
pagamento”, etc.) a coisa ou o direito viera a ser transferido, o que não se
dava, todavia, na “sucessão universal”, pois nessa o herdeiro (por laços
sangüíneos) simplesmente tomava o lugar do falecido nas relações
jurídicas antes existentes; assim, deslocado o tema para o campo
processual, somente o herdeiro poderia ser parte no processo, enquanto o
legatário seria terceiro34. Negaram, assim, os doutrinadores sequazes
desse entendimento, a possibilidade da “transferência” tout court de
direitos, pois o “direito subjetivo”, como fenômeno logicamente ligado à
pessoa, não é suscetível de passar de um a outro indivíduo e, na hipótese
de vir a ocorrer a transferência, pelo titular do direito subjetivo, de um
direito de crédito ou de um direito sobre uma coisa, com a correlata
aquisição por outrem, o que se dá, em verdade, é uma justaposição de
dois instantes distintos: a extinção do direito do primitivo titular e o
32 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607. 33 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 608. 34 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 607 e 608 e nota 4. Temos reserva quanto a tal construção: a ser correto o entendimento de que, na sucessão a título particular, ocorre, por força de uma visão exagerada do direito subjetivo, a mudança do “título aquisitivo”, isso também ocorreria na sucessão mortis causa: o título aquisitivo do direito ou da coisa pelo defunto fora um, compra e venda, usucapião, contrato, etc., ao passo que, ocorrido o falecimento, o “título aquisitivo” dos herdeiros será o próprio evento morte, ou seja, mortis causa.
24
nascimento de um novo direito, pertencente, agora, a um outro35.
Seja isso exato ou não, disse, com razão, ROSARIO NICOLÒ, então
professor de direito privado na Universidade de Roma, o certo é que o
assunto há de ser discutido frente ao direito positivo: a norma legal,
atribuindo aos fatos constitutivos ou impeditivos do direito originário a
mesma relevância do direito novo, dispõe que as regras aplicáveis ao
primeiro continuam a ter aplicação ao segundo36.
De qualquer modo, porém, havia o legislador de fazer a escolha: ou
encampar a tese da impossibilidade da “transferência” de direito subjetivo,
repudiando-a em termos legislativos, ou, ainda que a aceitando, fazendo a
concessão de atribuir ao acordo de vontades entre o transmitente e o
adquirente a mesma eficácia emprestada ao negócio jurídico subjacente.
§ 3º. A projeção da sucessão material no processo: valoração axiológica do ordenamento jurídico
5. Truísmo será o apontar o evento morte como determinante da
supressão de uma das partes (quando não, mesmo, das duas) da relação
jurídico-material. Historicamente, vimo-lo, em se tratando de sucessão
material, não teve, dentre outros, o ordenamento jurídico romano,
especialmente, como contornar a necessidade de os herdeiros
“ingressarem no lugar” do falecido, assumindo as obrigações por aquele
constituídas e recebendo os direitos constituídos em favor do
35 ROSARIO NICOLÒ, ob. cit., p. 608. 36 Ob. cit., p. 609.
25
desaparecido. Igualmente, deixamos patenteado haver sido, tal sucessão,
em seus primórdios, feita “em bloco”, ou seja, os herdeiros sucediam ao
defunto no “todo patrimonial”, idéia que, ainda hoje, prevalece37. Por fim,
demonstramos resultar a sucessão inter vivos de um “desdobramento” ou,
como se quiser, de uma “derivação conceitual” da sucessão mortis causa.
6. Problema é saber, no entanto, em que medida isso vem a projetar-
se no direito processual.
Diga-se, em primeiro lugar, que o decesso da parte pode significar
ou a necessidade de extinção da relação processual38, como, por
exemplo, nos casos de separação litigiosa dos cônjuges, de interdição,
dentre outros, ou a necessidade da “continuação processual”, como
decorrência da solução prática de encontrar, nos herdeiros ou sucessores
do falecido o sujeito que irá, em virtude da morte, “ocupar o lugar” desse
último.
No âmbito da sucessão inter vivos a questão não é muito diferente.
Três soluções se oferecem a respeito: a) ou se proíbe qualquer alteração
na relação processual em seu regular desenvolvimento e, assim, a
37 Basta, a tanto, mencionar o art. 57 do Código Civil de 1916: “O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais”. Esse princípio, embora não mais enunciado normativamente, subsiste no Código atual. Sobre o tema, cf.: HENRIQUE FAGUNDES, “A capacidade de ser parte e os entes despersonalizados”, in “Revista de Direito Renovar”, Editora Renovar, Rio de Janeiro, janeiro-abril de 2006, Vol. 34, p. 59 e seg. 38 O título ou a qualificação dessa causa de extinção não importa. Levêmo-la à conta de “ausência de interesse de agir”, fenômeno que tem repercussão inclusive nos ordenamentos que não acolhem, legislativamente, o instituto das “condições da ação”. O interesse de agir, como anotado por MATTEO PESCATORE, já ao tempo do Codice di Procedura Civile de 1865, “a todo direito corresponde uma ação” (Tratado de Derecho Judicial Civil, tradução espanhola da quinta edição italiana, de 1901, feita por Eduarto Ovejero y Maury, Editorial Reus S. A., 1930, 1ª ed., Tomo I, p. 14 e, sobretudo, nota 2.), pois “a ação pressupõe o direito em proveito do qual foi chamada a tutelar, mas para que se a exercite é necessário que a tanto haja interesse”, afirmativa, aliás, que nosso Código Civil de 1916 veio a albergar em seu art. 85. É, ainda, da lição vetusta de MATTIROLO a assertiva: “Daí, o princípio da jurisprudência tradicional: o interesse é a medida da ação, point d’intérêt, point d’action” (idem, loc. cit.).
26
sucessão material deverá ser ignorada pelo direito processual, que
continuará a ter curso, por não ter aquela nenhuma eficácia jurídica; b) ou
não se ignora de todo a sucessão no direito material, mas se proíbe,
também, a alteração da relação processual em seu regular
desenvolvimento e, por isso, uma vez ocorrida aquela, haverá a
necessidade de renovação do processo, diante da alteração subjetiva do
direito substancial; c) ou se admite um e outro fenômeno, ou seja, aceita-
se a sucessão no direito material e se submete a relação de direito
processual a essa nova situação39. A primeira dessas soluções sacrifica
completamente a liberdade contratual, pois ignorar o processo a sucessão
havida no objeto do litígio, seguindo seu curso como se nada houvesse,
não emprestando a sentença eficácia alguma ao negócio jurídico, significa
proscrever tal liberdade de contratar40. A segunda das possibilidades
causa dano injusto à parte adversa, que não se envolveu na sucessão de
direito material, pois haverá de suportar o grave dispêndio de atividades
processuais dúplices, com base numa idêntica situação substancial41. A
tendência do direito moderno, portanto, é a da adoção da terceira
alternativa, mas, aí, surge, entretanto, o problema de se saber “qual a
medida” da “aceitação” da interferência da sucessão material na relação
processual.
7. As balizas da interferência da sucessão material, inter vivos ou
mortis causa, na relação processual é dada, evidentemente, pela lei, pois,
39 Cf. GIOVANNI PAVANINI, Appunti sugli effetti della successione nella pretesa per atto tra vivi durante il processo, in Rivista di Diritto Processuale, CEDAM, 1932, nº III, Vol. IX, Parte II, p. 142 e seg.; PROTO PISANI, La Trascrizione delle domande giudiziali, CEDAM, 1968, Cap. I, § 1º, nº III, p. 9 e seg. 40 Em sentido aproximado, cf. GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., p. 143. 41 Cf. PROTO PISANI, ob. cit., Cap. I, § 1, nº III, p. 10.
27
como salienta ROSARIO NICOLÒ,
“(...) é a norma que passa a qualificar a posição do
adquirente em relação à posição do titular precedente e
estabelecer esse nexo de dependência, que se
transforma nula relação de identidade formal, que,
tecnicamente, nós chamamos de sucessão”42.
Acresce, porém, que o trabalho da doutrina é exatamente o de
“explicar” a norma jurídica, segundo critérios admitidos como próprios ao
trabalho hermenêutico. Dentre esses, sobressai, no estudo da sucessão
processual, a insistência no timbre do denominado conceito abstrato de
ação”, no propósito de extremar os efeitos da sucessão material dos
inerentes à sucessão processual. Foi esse o caminho trilhado,
aproximadamente, por notável processualista italiano, que versou o tema
nos anos sessenta do século findo43.
§ 4º. Resenha histórica da sucessão material no processo
a) direito romano e medieval
8. No tocante ao aspecto histórico-processual da sucessão ou, se se
preferir, no respeitante à transferência de direitos litigiosos, não há uma
clara e nítida posição dos estudiosos. Segundo alguns, no direito pré-
justinianeu, como a litigiosidade do direito surgia com a litis contestatio,
42 Ob. cit., p. 609 43 Referimo-nos a NICOLA PICARDI, cuja obra, já aqui, tantas vezes mencionada, remonta a 1964. Empregamos o termo “aproximadamente” porque, em verdade, NICOLA PICARDI, muito mais do que o “conceito abstrato de ação”, insiste no repisar o conceito de relação processual, como espinha dorsal do desenvolvimento de seu raciocínio.
28
essa, ao empecer a pretensão obrigacional do autor, impedia-lhe que,
materialmente, fosse realizada a transmissão creditícia44; mais
precisamente, com a litis contestatio, a relação jurídico-material subjacente
era substituída por uma nova relação jurídica que, por seu caráter
estritamente unitário e contratual, não comportava nem uma distinção entre
relação jurídica substancial e procedimento judicial, nem, muito menos,
entre o processo e seu conteúdo45; em conseqüência, não seria sequer
imaginável uma “sucessão” no objeto litigioso, sem que, correlatamente,
não houvesse, também, uma sucessão no processo, a título particular, e,
mais ainda, porque, sendo o processo, então, uma nova relação jurídica,
expressa por obrigações recíprocas das partes litigantes, uma “sucessão
processual”, sem o consentimento do adversário, não seria admissível sem
44 GIOVANNI PAVANINI, p. 137 e seg.; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. Como sabido, a litis contestatio não teve, nos estudo da tripartição clássica do processo romano, um conceito uniforme (sobre o assunto, por todos, cf. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, “Direito Romano”, Forense, 1992, 8ª ed., Vol. I, nº127 e seg., p. 258 e seg.). Enquanto no processo formulário, a litis contestatio não passava de pacto, entre autor e réu, pelo qual os litigantes concordavam em submeter o julgamento do litígio a um juiz popular, nos termos da fórmula, lida pelo autor (edere iudicium) ao réu, que a aceitava, na extraordinaria cognitio, abolido o procedimento per formulas, a litis contestatio ocorria no momento, ouvidas a narratio e a contradictio, em que o juiz começava a informar-se do litígio, tomando em consideração, porém, o momento da citação (cf. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, ob. cit., loc. cit.). No direito justinianeu, a litis contestatio não diferiu, em essência, da estrutura que lhe dera o processo extrordinário (cf. VITTORIO SCIALOJA, “Procedura Civile Romana”, Anonima Romana Editoriale, 1937, § 52, p. 270). Para se não alongar no tema, contentemo-nos, por concessão, às observações de MORAES CARVALHO (ob. cit., § 238, p. 98), segundo as quais, no direito romano, ao tempo da pretura, a litis contestatio consistia no ato, que se passava na presença do pretor, resultante das declarações recíprocas das partes que, assim, fixavam o litígio, tornando-o suscetível de ser levado ao juiz, competente para conhecer da causa, segundo a fórmula dada pelo pretor, e da qual não podiam afastar-se o juiz e as mesmas partes. No direito novo, asseverou, ainda, o praxista MORAES CARVALHO (loc. cit.), a litiscontestação era a exposição controvertida e sumária do negócio que se apresentava ao juiz no começo do debate, tendo por fim fixar a questão de fato e de direito, que ao juiz cumpria resolver, na esteira, portanto, da fórmula do direito romano. TEIXEIRA DE FREITAS, em nota às “Primeiras Linhas sobre o Processo Civil”, de PEREIRA E SOUZA (ob. cit., § CXCCVIII, p. 200), ensinava: “Pela exposição da intenção do autor, e pela contradição do réu, forma-se a o estado da questão, em que a litiscontestação consiste”. Trabalhando os conceitos do direito justinianeu, o direito canônico, sob o influxo dos canonistas, concebia a litis contestatio como um efeito substancial e processual, decorrente não somente da citação, mas, também, da contestação no confronto do libelo, dando, assim, diversos valores aos atos processuais, com base nas suas distinções terminológicas (cf. ELIO MAZZACANE, “La Litis Contestatio nel Processo Civile Canonico”, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Nápolis, 1954, Cap. 7, p. 157 e seg.). O direito canônico mais recente, no entanto, aproveitando-se da doutrina construída, na época, em torno do instituto, veio a disciplinar a litis contestatio como um efeito decorrente da citação, a qual, com a notícia dada ao réu da demanda, realiza a plena litispendência (ELIO MAZZACANE, ob. cit., loc. cit.). 45 GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., loc. cit.
29
um correspondente aparato de cautela46. Da mesma forma, em se tratando
de pretensões reais, apontam os romanistas diversos casos em que a
transferência não se podia verificar47.
Vimos, entretanto, que, do ponto de vista do direito material,
utilizaram-se os romanos do instituto da novação para, em atendimento a
imperativos de ordem prática, ensejarem a alteração subjetiva na
obrigação originária48. De fato na novação, hoje na modalidade apelidada
de subjetiva, dava-se a mudança de credor, mas, para isso, se socorriam
os romanos da idéia de o novo credor agir como que ordenado pelo antigo,
a quem sucedera no crédito49. Mediante esse artifício, era o novo credor
quem cobrava o crédito, mas essa mudança não poderia afetar os
interesses do devedor e, por isso, extinguiam-se as fianças prestadas e os
direitos constituídos de penhor, se não viessem a ser renovados, o que
tudo retirou do a sua versatilidade50. Para se evitarem essas
desvantagens, recorreu-se à idéia de representação processual: o credor,
já então, nomeava procurator in rem suam ou cognitor aquele a quem quer
atribuíra o direito de crédito (diríamos, hoje, “cessionário”), dando-lhe
poderes, por direito próprio e unilateral, ordenar (iussum) que exigisse
judicialmente do devedor, mas em nome daquele (procurator ou cognitor),
46 GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., loc. cit. 47 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (Alienação da Coisa Litigiosa. Rio de Janeiro: Forense, 1984, § 2º, p. 9), louvando-se expressamente nas investigações de FRANCA DE MARINI AVONZO (I limitti alla disponibilità della res litigiosa nel diritto romano. Millano: Giuffrè, 1967), acentua recair a eficácia, nesse ponto, da litiscontestatio,apenas sobre o réu, não tendo, assim, o ato de disposição por esse praticado nenhum efeito sobre o processo; o mesmo, porém, não se dava em relação ao autor, que podia, livremente, alienar, com eficácia, a coisa reivindicada. 48 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 518 e 519. MAX KASER, Direito Privado Romano, tradução portuguesa de Samuel Rodrigues e de Ferdinand Hämmerle, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, § 55, I, p. 304. 49 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 50 Cf. MAX KASER, ibidem, loc. cit.
30
o direito de crédito, devendo considerar como ingresso em seu patrimônio
(in rem suam) o produto que lograsse obter51. Tal forma de proceder não
dependia da aquiescência do devedor, mas tinha a desvantagem de tudo
ficar à mercê da vontade do antigo credor, que podia revogar o iussum ou
exigir o crédito para si52. Esses possíveis danos do novo credor foram
prevenidos por meio de cauções, primeiramente nos contratos de “compra
de herança”, que incluía créditos e, mais tarde, nos de “compra” singular
de créditos53: o cedente, por estipulação, promete entregar ao cessionário
tudo o que recebesse da herança ou do recebimento do crédito, conforme
a hipótese, respondendo a caução se houvesse desrespeito ao
51 MAX KASER, ibidem, loc. cit. Como se sabe, desde o período processual mais arcaico, o das legis actiones, havia quatro situações, em que o direito romano permitia a ausência do próprio litigante, a saber: a) na representação pro populo, ou seja, na defesa do interesse comunidade, quando, para tanto, se acionava o Estado; nesse caso, o ente público era representado por um magistrado, fosse para defender seu particular interesse, fosse para velar pelo bem-estar de todo o povo; b) na representação pro libertate, no denominado procedimento de manumissão per vindictam, quando a condição de homem livre restasse contestada e, em lugar do escravo, que sequer era considerado pessoa e, portanto, não podia estar em juízo, comparecia o adsestor libertatis; c) na representação pro tutela, ou seja, admitia-se a defesa, pelo tutor, em favor do pupilo, por razões evidentes; d) na representação ex lege Hostilia, isto é, nas ações de furto, cuja vítima fosse prisioneiro de guerra ou estivesse ausente, a serviço do Estado (cf. LUIS ALBERTO PEÑA GUZMÁN e LUIS RODOLFO ARGÜELLO, Derecho Romano, TEA –Tipografia Editora Argentina, Buenos Aires, 1966, 2ª ed., Vol. I, nº 175, p. 452 e 453; JUAN IGLESIAS, Derecho Romano, Editorial Ariel, Barcelona, 2001, 13ª ed., § 51, p. 129; EUGÈNE PETIT, Tratado Elemental de Derecho Romano, tradução da 9ª edição francesa, por José Ferrández González, Editorial Porrúa, Cidade do México, 2003, nº 74, p. 87; LEOPOLD WENGER, Istituzioni di Procedura Civile Romana, tradução italiana de Riccardo Orestano, Giuffrè, 1938, p. 83). Mais tarde, já no Império, surgiu a figura do cognitor, nos casos em que, por idade avançada ou doença, à parte que não podia pessoalmente comparecer, permitia-se, então, nomear um cognitor, parente ou amigo, que agia em seu próprio nome (Apud ALFREDO DE ARAÚJO LOPES DA COSTA, Direito Processual Civil Brasileiro, Forense, 1959, 2ª ed., Vol. II, nº 87, p. 73). No ordo iudiciorum privatorum, o cognitor era nomeado formalmente, na fase in iure, na presença da outra parte, segundo o ensinamento de GAIO: quod ego a te fundum peto ou quod tua a me fundum petis (cf. Max Kaser, ob. cit., § 82, nº IV, p. 447). O cognitor se tornava, pois, o dominus litis: se vencedor, executava o réu; se vencido, sofria ele mesmo a execução; daí a observação de GAIO: in locum domini substituitur cognitor. Não se sabe, precisamente, de onde teria advindo essa instituição, mas se admite que sua origem seja grega, tendo sido transportada a Roma, logo depois de sua fundação (ALFREDO DE ARAÚJO LOPES DA COSTA, ob. cit., loc. cit.). O cognitor era constituído in iure, na presença do adversário e, segundo o relato de GAIO, mediante uma forma solene: quod ego a te fundum per tibi cognore do Cf. VALDEMAR CÉSAR DA SILVEIRA, “Dicionário de Direito Romano”, José Bushatsky, Editor, São Paulo, 1957, Vol. I, verbete congitor). A função do cognitor acabou por identificar-se com a figura processual do procurator, subsistente presente já mesmo na República, presente, em juízo, como mandatário do réu e que veio, no período justinianeu, a absorver, por completo, aquela primeira função, como restou consagrado no Corpus Iuris Civilis (FAUSTINO GUTIÉRREZ-ALVIZ Y ARMARIO, Diccionario de Derecho Romano, Madri, Editora REUS, S.A., 3ª ed., verbetes cognitor e procurator; VALDEMAR CÉSAR DA SILVEIRA, ob . cit., loc. cit.). 52 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 53 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305.
31
convencionado54. De qualquer forma, porém, esse engenho tinha o
inconveniente de a “autorização” extinguir-se pela morte de qualquer das
partes55.
Havia, também, ao lado da representação, a delegação. Neste caso,
o devedor, por ordem do credor, prometia ao cessionário aquilo que, antes,
prometera ao credor; com isso, também ocorria novação, mas, diferente
das hipóteses acima, tinha a desvantagem de se necessitar do
consentimento do devedor56.
Certo é que, no período clássico, no governo de ANTONIO PIO
(século II), por criação decorrente da força da autoridade do pretor, vem a
surgir a actio utilis translata, destinada, precisamente, a permitir a troca
das partes na relação processual57.
A actio translativa caracterizava-se, fundamentalmente, por uma
substituição de pessoas: a que figurava na intentio e, portanto, devia
figurar na condemnatio, era, então, substituída, no processo, por outra58.
Era o caso das actiones adiecticiæ qualitatis, concedidas ao credor para
demandar o paterfamilias ou dominus pela dívida contraída pelo filius ou
servus59. A actio translativa foi, também, utilizada para alterar a identidade
da parte litigante, nas hipóteses de intervenção do cognitor ou do
procurator, pois esses, embora agindo por conta de outrem, é que suportavam os
54 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 55 MAX KASER, ob. cit., § 55, nº II, p. 305. 56 EDOUARD CUQ, ob. cit., loc. cit. 57 SERPA LOPES, ob. cit., nº 380, p. 519; A. SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, Vol. I, Parte Geral, p. 255.; MAX KASER, ob. cit., § 55, n I, p. 305. O prætor urbanus surgiu em 367 a.C. e o prætor peregrinus, em 242 a.C. (cf. A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p; 34). 58 A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 255. 59 A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 255.
32
efeitos positivos ou negativos da sentença que, assim, era pronunciada contra tais
representantes; por meio da actio translativa, a condemnatio pode ser, então,
pronunciada contra o representados. Também, por meio da actio translativa, o
cedente, que era o credor primitivo, que aparecia na intentio, pode ser substituído, na
condemnatio, pelo cessionário, quer para os efeitos de receber o crédito, quer para o
efeito de pagá-lo60.
9. O direito justinianeu, ao fundamento de que, uma vez promovida a
demanda, em transmitindo o autor se direito, obrigacional ou real, a um
terceiro, esse, por suas por suas qualidades pessoais poderia vir a agravar
a posição do demandado no processo, procurou obstar o evento61.
HONÓRIO proibiu a cessão de qualquer crédito a poderosos, sob pena de
sua extinção, e JUSTINIANO vedou, sob a mesma pena, aos tutores e
curadores de se tornarem cessionários de um crédito contra a pessoa que
lhe está submetida à tutela ou curatela62. A restrição geral, porém, veio a
ser estabelecida em 506, por ANASTÁCIO, em retaliação aos “compradores
de crédito”, aplicável a todas as pessoas que houvessem adquirido um
crédito por um preço aquém de seu efetivo valor, ficando o devedor, em tal
hipótese, com a faculdade de se liberar da obrigação, pagando ao
cessionário o valor declarado na cessão63. Havia exceções, porém: a
cessão de créditos era permitida a título gratuito, entre co-herdeiros, bem
como a título de dação em pagamento, em caso de execução para fazer
valer o legado ou o fideicomisso, mas, sempre, sem que houvesse a idéia
60 A. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 255. 61 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. 62 EDOUARD CUQ, ob. cit., Cap. XIV, § 4º, p. 641. 63 EDOUARD CUQ, ibidem, p. 641.
33
de especulação64. Embora os estudiosos não sejam claros a respeito,
depreende-se do material fornecido que a vedação se restringisse a se
restringisse ao campo do direito material, o que não impedia que houvesse
o negócio translativo, sobressaindo, no âmbito processual o problema
prático de se ressentir o alienante, subseqüentemente, da legimatimação para a
causa, pois se considerava, para tais efeitos processuais, ineficaz a transmissão da
coisa ou do direito objeto do litígio65. Há quem sustente que essa ineficácia não se
operava pleno iure: o adversário do alienante, em se saindo vencido na demanda,
tinha a possibilidade de declarar, demonstrando ter sido por essa prejudicado, a
nulidade da alienação66. Certo é, porém, que, frente à tentativa de fraudar a lei, por
muitos cessionários que apenas ostentava a “compra” de parte do crédito,
declarando a parte remanescente como objeto de doação a seu favor, Justiniano, a
uma, dispôs que toda cessão seria reputada como tendo sido feita a título oneroso e,
a duas, em 532, proibiu, de forma geral, a cessão de direitos ou objetos litigiosos67.
De todo modo, porém, sob o plano econômico, tais óbices geravam graves
conseqüências: significavam a imobilização econômica de todos os bens que
pudessem ser disputados judicialmente, pois o motivo da ineficácia bem poderia,
in concreto, ter pouquíssimos fundamentos, mas durar anos a respectiva
impugnação, acarretando danos facilmente imagináveis68.
10. No direito medieval, a situação não se modificou, a rigor. Não
faltam, é verdade, numerosos exemplos de aplicação integral da proibição de alienar
a coisa litigiosa, mas há, sempre, uma notável tendência a se impor, como sanção, a 64 EDOUARD CUQ, ibidem, p. 641. 65 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. I, § 1º, nº III, p. 10 e 11; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.1, p. 30. 66 GIOVANNI PAVANINI, ob. cit., p. 142. 67 EDOUARD CUQ, ibidem, p. 641. 68 CARLO MARIA DE MARINI, La Successione nel diritto controverso. Roma: Socità Editrice del Foro Italiano, 1953, Cap. I, nº 3, p. 9.
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nulidade da alienação, senão, mesmo, sua simples ineficácia no confronto do
adversário processual, a continuar a agir, na tutela de seu direito, como se inexistisse
qualquer sucessão subjetiva na relação substancial controvertida69.
11. Esse espírito, aliás, o mesmo do direito justinianeu, veio a
prevalecer na Península Ibérica. A “Lei das Sete Partidas”, do Rei Dom
Afonso, o Sábio, discorria extensamente sobre a vedação da alienação da
coisa litigiosa a pessoas mais poderosas e influentes do que alienante, o
mesmo escopo, como se vê, do direito romano tardio70. Manteve vivo o
espírito do direito justinianeu, proibindo, também, que repercutisse, no
campo do processo, a alienação da coisa litigiosa; havia exceções à
proibição, embora toda a transferência da titularidade ficasse restrita ao
direito material, sem que produzisse nenhuma repercussão na esfera
processual71. Assim, quanto ao direito material, permitiam-se
transferências de titularidades, mais ou menos na esteira do direito romano
tardo-clássico, como, por exemplo, a alienação da coisa litigiosa quando
viesse a constituir dote na união conjugal; também, quando a coisa litigiosa
pertencesse a muitas pessoas e as respectivas quotas-partes viessem a
ser alienadas entre os co-proprietários litigantes; da mesma forma, em
caso de legado, na sucessão mortis causa72. Porém, como muito bem
apreendido por RAMOS MÉNDEZ, admitindo-se a transferência da coisa
litigiosa no campo do direito material, não poderiam deixar de ocorrer
conseqüências processuais dessa alteração73. Por expressa disposição
69 CARLO MARIA DE MARINI, ibidem, p. 9. 70 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 52. 71 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 50. 72 Cf. FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 50 e 51. 73 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51.
35
das “Sete Partidas”, “aquel a quien pasase la cosa tenudo serie de
responder a la demanda sobre que fuese fecho em emplazamiento"74. No
caso da sucessão mortis causa, ademais, impunha-se ao herdeiro o dever
de defender o direito do legatário até a terminação do feito já antes
iniciado75. Em tais casos, portanto, abria-se exceção à regra e se permitia
que, no processo, viesse a ocorrer a sucessão das partes76.
b) direito luso-brasileiro
12. Ao que tudo demonstra, entretanto, em Portugal, a cessão de
créditos não foi inteiramente proibida, senão, apenas, quando esses
estivessem sendo controvertidos em juízo, e, ainda, assim, para se a
reputar ineficaz, o que, segundo respeitado doutrinador brasileiro, “honra,
mais uma vez, a finura dos juristas portugueses”77.
Já as Ordenaçôes Manuelinas, com efeito, no Livro IV, Título XLV,
item 3, preconizavam:
E depois que a cousa for litigiosa per cada huu dos
sobreditos modos, pendendo o litigio ante que seja findo per
sentença definitiva, que passe em cousa julgada, non deve
o Reo vender, nem escaimbar, nem dar essa cousa a algua
outra pessoa.
74 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51. 75 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51. 76 FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., Cap. I, nº 10, p. 51 e 52. 77 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, Alienação Da Coisa Litigiosa. Rio de Janeiro: Forense, 1984, P. 11.
36
As Ordenações Filipinas, no Título X, do Livro IV, após definirem a coisa
litigiosa (“Cousa litigiosa he aquella sobre que he movido litigio em Juizo entre as
partes”), repetiam, no item 3, o preceito das Manuelinas.
13. Com o surgimento das universidades e o florescimento do direito romano,
os juristas medievais, como se sabe, louvavam-se no “Corpus Iuris Civilis” e foi
DONELLUS o primeiro a admitir a transferência de créditos por meio do instituto da
cessão, mercê dos estudos sobre a actio utilis translata78. A partir dos comentários
de DONELLUS, os pandectistas alemães passaram a conceber a possibilidade e os
contornos da cessão de créditos, segundo se extrai do ensinamento, sempre preciso,
de SERPA LOPES79.
14. A Consolidação das Leis Civis, elaborada por TEIXEIRA DE FREITAS,
consagrava, a seu turno, a proibição das Ordenações, fulminando-os de nulos,
78 SERPA LOPES, ob. cit., loc. cit. HUGUE DONEAU (em latim, DONELLUS) nasceu em Châlon-sur-Saône, em 1527, e morreu em Altdorf, em 1591. Ainda jovem, ensinou em Tolouse direito civil, mas, tendo aderido ao calvinismo e, por isso, vindo a ser perseguido na França, acabou por transferir-se, como professor, para a Universidade de Heidelberg. Nos comentários ao Corpus Iuris Civilis seguiu estilo próprio, diverso dos de seus contemporâneos, dentre os quais CUJACIUS, com o qual polemizou bravamente (FRANCESCO LUIGI BERRA, in Novissimo Digesto Italiano, Unione Tipografico-Editrice Torinese –UTET, 1975, Vol. VI, p. 255, verbete “DONELLO, UGO”). 79 Ob. cit., loc. cit. Segundo PAULA COSTA E SILVA, o vislumbre da possibilidade da transmissão de direitos controvertidos em juízo fora obra de PUFENDORF (ob. cit., n 2.1, p. 31). SAMUEL VON PUFENDORF FREIHER, jurista e historiador alemão, nasceu em Chammitz, na Saxônia, em 8 de janeiro de 1632, filho de uma pastor luterano. Iniciou seus estudos teológicos na Universidade de Leipzig, mas os logo abandonou para seguir as lições de direito natural ministradas por WENGEL na Universidade de Iena, na Prússia, localidade que deixou, em 1657, para transferir-se a Copenhagen, como integrante do pessoal da embaixada sueca. Quando a Suécia entrou em guerra com a Prússia, PUFENDORF veio a ser aprisionado e mantido encarcerado durante oito meses, período em que, refletindo sobre as obras de GROCIO e HOBBES, elaborou um sistema de direito internacional, graças ao qual o Príncipe CARLO LUDOVICO criou, para o jurista, na Universidade de Heidelberg, a primeira cadeira alemã de direito natural internacional. Em 1667, sob o pseudônimo de SEVERINO DE MONZAMBANO, fez publicar a obra De statu imperii germanici ad Lælium dominum Trezolani liber unus, pela qual contesta, em acerba crítica, a constituição do Sacro Império e da Casa de Áustria. Em 1670, PUFENDORF deixou a Alemanha para lecionar na Universidade de Lund, na Suécia, onde, em 1672, publicou sua obra principal, De iure naturæ et gentium libri octo e, no ano seguinte, De officio hominis et civis iuxta legem naturalem, breve resuma da obra maior. Em 1677, foi chamado a Estocolmo, na qualidade de Secretário de Estado e de historiador régio, onde permaneceu até 1686, quando se transferiu, definitivamente, a Berlim, na qualidade de conselheiro real; havendo, aí, obtido o título de barão, morreu em 1694. O valor da obra de PUFENDORF veio a ser reconhecido bem tarde. Atribui-se a LEIBNITZ a responsabilidade pela valoração negativa de PUFENDORF, a quem definia como “vir parum iurisconsultus et minime philosopus” (apud, Novissimo Digesto Italiano, ed. cit., Vol. XIV, p. 586 e 587, verbete PUFENDORF).
37
expressamente, os contratos onerosos sobre a “coisa litigiosa” (art. 344, caput) e
sobre as “ações litigiosas” (art. 345), não admitindo, por igual razão, fosse a
“coisa litigosa” (art. 586, § 3º). O Código de 1916 não proibiu a cessão da coisa
ou de direitos controvertidos em juízo, não os considerando, pois, objeto “extra
commercium”, como observou AGOSTINHO ALVIM80. Tudo isso, como se vê, no
âmbito do direito material. No tocante às conseqüências processuais da cessão
de crédito, de molde a propiciar o ingresso do cessionário ou o adquirente no
feito, os ordenamentos jurídicos luso-brasileiros não a condicionavam, como
alhures, ao consentimento do devedor, o que valeu a observação de PONTES DE
MIRANDA de a tradição luso-brasileira haver rompido com o romanismo, exigente
de acordo entre o cedente e o devedor81.
De fato, já o primeiro diploma processual civil em vigor, depois da
independência do Brasil, o Regulamento 737, de 1850, em seu art. 409,
assentia: “O cessionário ou subrogado pode prosseguir na execução sem
habilitação, ajuntando o título legal da cessão ou subrogação”. E o
dispositivo, em sua segunda parte, advertia: “Todavia, o cessionário ou
subrogado deverá provar sua identidade, quando dela se duvidar”.
Com a Constituição de 1891 e em proselitismo do sistema federativo
dos Estados Unidos, impondo-se legislação local para o processo, civil e
penal, inúmeros Códigos dos Estados prosseguiram na senda da admissão
do ingresso do terceiro adquirente, por ato inter vivos, no processo em
curso. Assim, por exemplo, o da Bahia (art. 1.045), o de Pernambuco (art.
445), o do Estado do Rio de Janeiro (art. 1.777), o de Minas Gerais (art.
80 Apud CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 15. 81 Comentários ao Código de Processo Civil, Edição Revista Forense, 1959, 2 ed., Tomo IX, p. 282.
38
550), o de São Paulo (art. 456) e o do Distrito Federal (art. 447). Com o
Estado Novo e nacionalização do direito processual, o Código de Processo
Civil de 1939 não destoou do coro tradicional e dispôs, em seu art. 750: “O
cessionário ou o subrogado poderá, sem habilitação, prosseguir na causa,
juntando aos autos o título da cessão ou da subrogação e promovendo a
citação da parte adversa”.
15. O Código de Processo Civil de 1973 inovou no tratamento
emprestado, pela tradição, ao ingresso do terceiro adquirente, por ato inter
vivos, no feito. A despeito de esse ingresso constituir-se, por óbvio, num
como um incidente do processo, não exige, para tanto, seja tal incidente,
processado em apartado, destinado, no caso, ao exame da legitimidade e
do interesse do terceiro. Mas, isso, também, outrora, muitas legislações já
haviam dispensado, desde o Regulamento 737, que admitia o ingresso
“sem habilitação”, isto é, sem o procedimento incidental para o juiz aferir
da qualidade do terceiro para adentar no curso do processo82. O Código
de Processo Civil italiano, de 1865, fazia da trasmissiblidade da coisa
litigiosa, por ato inter vivos ou mortis causa, uma hipótese de interrupção
do procedimento83.
O Código de Processo Civil, em vigor, porém, entendeu, inspirado
nos congêneres italiano, alemão e português, de estabelecer sobre o
assunto, como veio a fazê-lo, o constante dos arts. 41 e 42 e seus §§, em
especial. A principal distinção entre o sistema antigo e o atual está em no
82 Face ao que vimos expendendo, não nos parece tenha razão CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ao asseverar haver o legislador brasileiro, adotado, até 1973, a tese da ineficácia, no plano do direito processual, da alienação da coisa ou do direito litigioso, havida no terreno do direito substancial (ob. cit., p. 23). 83 VIRGILIO ANDRIOLI, Commento al Codice di Procedura Civile. Nápoles: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1943, Vol. I, p. 293.
39
se admitir, agora, o ingresso do adquirente ou cessionário se e quando o
consentir o litigante adversário, pois, não havendo esse assentimento,
prosseguirá o feito entre as partes originárias, ficando, todavia, o adquirente ou
cessionário subordinado aos efeitos da sentença. O novo tratamento sufragou uma
antiga aspiração de LOPES DA COSTA, qualificada de vantajosa, pois, se o adquirente
ou cessionário for insolvente, o vencedor pode optar por receber do litigante
originário as despesas do processo84.
§ 5º. As teorias construídas em torno do tema
a) introdução
16. Como se disse, a transmissiblidade das obrigações,
desconsideradas, a princípio, no direito romano, acabou por ser acolhida
legislativamente, no direito material, mercê das necessidades do tráfego
dos interesses, civis e comerciais.
As considerações doutrinárias, acerca da possibilidade de transmissão o
não do “direito subjetivo”, passou a não mais se conter nas balizas das
preocupações dos pandectistas. A partir do final do século XIX, a literatura alemã
começou a traçar a distinção entre os fenômenos translativos no curso do
processo e os que se sucedem, propriamente, no direito substancial85.
Naquela fase embrionária, a distinção era constituída, pela marca ainda
pandectista, entre a alienação da “coisa deduzida em juízo” e a cessão da
84Apud CELSO AGRÍCOLA BARBI, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975, 1ª ed., Vol. I, Tomo I, nº 267, p. 251. 85 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 92.
40
“pretensão feita valer em juízo”86. Por meio de uma operação de síntese, chega-
se à construção de uma figura unitária de sucessão, agora não mais na “coisa
deduzida em juízo” ou na “pretensão feita valer em juízo”, porém no “direito
controvertido tão-somente” (das streitige Recht allein)87. A fórmula “streitige
Recht” representa, sem dúvida, um avanço relativamente àquelas outras locuções
antes empregadas, mas não passou desapercebido o seu caráter aproximativo da
realidade, pois a locução não estava a indicar apenas o “direito subjetivo”
discutido no processo, mas, por extensão, qualquer outra “posição jurídica
subjetiva”88. Contudo, os processualistas de então, ao procurarem precisar
melhor o conceito de “controverso” ou de “litigioso”, não puderam traduzi-lo por
“contestado”, por assinalarem que “a contestação é suficiente para tornar
controvertido o direito, mas não lho é necessária”, a tanto bastando recordar a
hipótese de revelia89. Em suma, a expressão “streitige Recht” não se mostrou
suficiente, por igual, a esclarecer em que a sucessão processual se diferenciava
da sucessão material90. Não estava a ciência jurídica, entretanto, madura ainda
para isso, relegando-se a solução do problema aos estudiosos futuros91.
Modernamente, a dogmática processual considera o problema da
determinação do conceito de “direito controvertido” sob dois pontos de
vista: a um, o de apurar se o tema da sucessão no “direito controvertido”
se resolve apenas no plano do direito material ou, ao reverso, há de refletir-
se, igualmente, no direito processual; daí, as teorias “da irrelevância”
(Irrelevanztheorie) e da “relevância” (Relevanztheorie), para o direito processual,
86 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 92. 87 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 92. 88 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 89 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 90 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 91 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93.
41
da sucessão ocorrida no plano do direito substancial; a dois, o de resolver o
problema da “demanda infundada”92, mote que levou CARNELUTTI a proclamar: “o
direito controvertido pode, aliás, não existir e, se não existe, é um “nada”, e não
um “menos”, e ao “nada” não se sucede”93.
b) a teoria da irrelevância
17. Uma parte minoritária da doutrina alemã, mesmo depois da
Zivilprozessordnung de 30 de janeiro de 1877 (que se encontra, ainda, em
vigor, com alterações legislativas, é claro), apesar de considerar eficaz a
transmissão da coisa ou do direito litigioso, no plano, evidentemente, do
direito material, entendia, entretanto, que, do ponto de vista da relação
processual, a consolidação subjetiva propiciada pela citação, não poderia
alterar-se, mercê do instituto da litispendência94. Nessa quadra, algumas
palavras hão de ser ditas, para o cabal entendimento do quanto se vem de
expender.
A litispendência, para os autores alemães, não tem uma exata
correspondência ao que está asseverado no art. 301, § 1º, de nosso
Código de Processo Civil: “Há litispendência, quando se repete ação que
está em curso...” Na trilha da observação de TORNAGHI, esse é um conceito
que mais se ajusta à “alegação de litispendência”, o que supõe a co-
existência de ações (rectius, “pretensões”) idênticas95. Na hipótese,
92 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 94. 93 Apud SALVATORE SATTA, La sucessione nel diritto controverso (a proposito di una recenzione), in Soliloqui e Colloqui di un giurista, cit., p. 254. 94 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 22 e 23; HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199. 95 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199, nota 47.
42
contudo, de não haver essa existência coeva de duas pretensões idênticas
e ajuizadas, o conceito de litispendência que, então, emerge, é o do art.
219, do Código de Processo Civil; esse dispositivo, abstraindo, totalmente,
a possibilidade de duas pretensões idênticas virem a ser ajuizadas, adota
o conceito linear, traduzido pela junção das palavras lis, litis e pendentia,
e, assim, que a lide se torna pendente graças ao simples ato da citação
válida.
De fato, um dos efeitos da lide pendente (“pendente de decisão”,
como alerta TORNAGHI)96 ou, melhor, dessa litispendência, é a
estabilização subjetiva da demanda. Isso se dá com a citação válida (art.
219) do Código de Processo Civil. A relação processual, tomada como
sinônimo de processo, inicia-se nos termos do art. 263, do Estatuto em
vigor, mas os efeitos desse início, no confronto do réu, somente se dá com
a citação válida: é o que prescreve ao art. 219, a saber. “A citação válida
torna prevento o juiz, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda
quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e
interrompe a prescrição”. Exatamente por isso, depois de instaurada a
relação processual, constitui modificação da ação (rectius, do processo), a
mudança das partes, como assevera JOSÉ FREDERICO MARQUES97. O
96 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199, nota 47. Mas é o próprio jurista quem adverte: “Devo, lealmente, reconhecer que alguns autores admitem o uso da palavra litispendência nos dois sentidos. Para citar apenas um dos maiores: Chiovenda: “A melhor orientação, porém, é a que reserva a cada palavra um único sentido”. O código teve escrúpulos em empregar o termo instância, tradicional entre nós, por não ser unívoco. Isso apesar de que no contexto era sempre possível saber com qual significado a palavra era utilizada. Ninguém iria confundir o sentido dela na expressão 2ª instância com o que ela tem em absolvição da instância. Está bem: respeitemos a suscetibilidade dos redatores da lei. Mas, então, por que não ser igualmente zeloso em tudo. Por que dizer no art. 219 que a citação válida induz litispendência e no art. 301 afirmar que há litispendência quando se repete a ação?” (HÉLIO TORNAGHI, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978, 2ª ed., Vol. II, p. 153, nota 49). 97 Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1962, 2ª ed., Vol. III, § 125, nº 680, p. 226 e 227.
43
festejado processualista acrescenta:
A litispendência fixa não só a extensão objetiva do
litígio, com base no pedido, como ainda os elementos
subjetivos da res in iudicio deducta. Donde o princípio
de que “nenhuma das partes pode ser substituída, na
instância, e tampouco assumir outra qualidade diversa
da que possuía originariamente98.
Esse é o chamado efeito da estabilização da demanda99 que, no
Código de Processo Civil português, logrou obter disposição específica,
como se lê do art. 268º, verbis:
“Princípio da estabilidade da instância. Citado o réu, a
instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas,
ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades
de modificação consignadas em lei”.
Em obséquio, portanto, ao princípio da estabilização da demanda –o que se
dá, como examinado, por força da citação válida (CPC, art. 219)-, edificou-se a teoria
da irrelevância (Irrelevantztheorie), mercê da qual, a se verificar, no plano do direito
material, a transferência da coisa litigiosa, isso nenhum efeito terá no plano do direito
processual100. Daí, porque, segundo essa teoria, o processo deverá continuar entre
as partes originárias, como se nada houvesse ocorrido101.
18. A “teoria da irrelevância” foi, pioneiramente, perfilhada por GAUPP, na
98 JOSÉ FREDERICO MARQUES, ob. cit., loc. cit. 99 Cf., exemplificativamente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, Vol. II, nº 403 e seg., p. 50 e seg. 100 Cf.: NICOLA PICARDI, La Sucessione Processuale. Millano: Giuffrè, 1964, p. 95 e seg.; CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 23 e seg.; F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 38 e 39; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 33 e seg. 101 NICOLA PICARDI, ob. cit., p. 95.
44
Alemanha102. Para tanto, GAUPP partira da redação do § 265, item 2, da Z.P.O
alemã, a saber:
Die Veräuβerung oder Abtretung hat auf den Prozeβ keinen
Einfluβ. Der Rechtsnachfolger ist nicht berechtigt, ohne
Zustimmung des Gegners den Proceβ als Hauptpartei an
Stelle des Rechtsvorgängers zi übernehmen oder eine
Hauptintervention zu erheben. Tritt der Rechsnachfolger als
Nebeintervenient auf, so ist § 69 nicht anzuwenden” (“A
alienação ou cessão não tem influência no processo. O
sucessor no direito não está autorizado, sem o
consentimento do adversário, a assumir o processo como
parte principal em lugar do substituído ou a promover uma
intervenção principal. Se o sucessor jurídico se apresenta
como interveniente adesivo, não se lhe aplicará o § 69”)103.
Em virtude do acolhimento desta teoria, o parte originária, embora, no plano
do direito material, tenha efetuado a transmissão da coisa ou a cessão do direito
litigioso, continuará na relação processual, com todos os poderes e deveres que
resultam dessa legitimação, sem que o adquirente ou cessionário possa naquela
ingressar104. Por outras palavras, o alienante ou cedente permanecerá como único
titular do direito material e, embora desse venha a dispor como lho aprouver, seja por
meio de transação, seja em virtude de confissão, etc, continuará como parte
processual105.
19. Interessa, no ponto, a observação de PROTO PISANI,
segundo a qual, a doutrina alemã, na interpretação do § 265 da
102 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 34. 103 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 34. 104 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 33 e 34 e nota 30. 105 Cf.: CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 24; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 33.
45
Z.P.O., ao falar em “alienação da coisa l i t igiosa” (die in Streit
befangene Sache zu veräussern) e de “cessão da pretensão
deduzida” (den geltend gemachten Anspruch), é unânime no concluir
se deva entender por isso a “alienação de um direito substancial” e,
precisamente, da coisa (wenn auf rechtl icher Beziehung zu ihr die
Sachlegit imation des Klägers oder des Beklagten beruht)106. Na
seqüência, conclui o eminente jurista peninsular ser essa
contingência tanto mais relevante quanto, vindo a doutrina alemã,
sobretudo nos últ imos anos, a laborar em torno da noção do
Streitgegenstand e da prozessuale Anspruch , se tenha preocupado
em separar sempre mais a “pretensão processual”, entendida como
“objeto do processo”, do direito substancial107.
Por isso, ao que parece, tem sido difíci l a muitos doutrinadores
alemães, aceitar que, com a transmissão, não se opere, também,
uma alteração objetiva do processo108. Com a transmissão , o direito
material, que, na concepção apontada por PROTO PISANI, representa
a “coisa l i t igiosa” (die streit ige Sache) ou o “direito controvertido”
(das streit ige Recht), passa à t itularidade do transmissário e, como o
mesmo direito não pode pertencer a duas pessoas diversas, a
continuar o transmitente no processo, certamente que o fará com
base num direito distinto do direito substancial levado ao processo
originariamente, ou seja, o direito do transmissário é um “direito
novo”, diferente que integrava o objeto do processo
106 Ob. cit., Cap. II, § 4º, nº I. nota 45, p. 28. 107 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 4º, nº I. nota 45, p. 28. 108 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 34.
46
(Streitgegenstand)109. Ora, inexiste, no ordenamento jurídico alemão,
no dizer de MEISTER, nenhuma norma que justifique uma alteração do
objeto da relação processual, valendo notar, ademais, segundo admitiu,
que o § 265 da Z.P.O. determina, ao reverso, que esse objeto continue o
mesmo110. Ademais, sustentou MEISTER que a alteração da relação
processual violava, por igual, o § 325, da Z.P.O., na medida em que exige
vincule a sentença proferida o transmissário, enquanto sucessor da coisa
litigiosa ou do direito controvertido, mas, uma vez alterado o objeto do
processo, impossível conduzir-se esse sucessor ao alcance da sentença,
pois, como adquirente, passou a ter um direito próprio ao pronunciamento
judicial contra o adversário, direito esse que não é acessório, mas
independente, ao invés, daquele de que era titular o transmitente111.
20. Segundo PAULA COSTA E SILVA, a teoria de GAUPP encontrou
obstáculo, no terreno do direito positivo alemão, na parte 1ª do mesmo §
265, da Z.P.O., assim concebida: “Die Rechtshängigkeit schieβt das Recht
der einen oder der anderen Partei nicht aus, die in Streit befangene Sache
zu veräuβern oder den geltend gemachten Anspruch abzutreten” (“A
litispendência não exclui o direito de nenhuma das partes em alienar a
coisa objeto do litígio ou ceder a pretensão deduzida”)112.
109 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 46. Em verdade, esse raciocínio veio a ser apropriado pelos primeiros processualistas alemães da vetusta pandectística germânica. WINDSCHEID, no Diritto delle Pandette (trad. italiana de PAOLO EMILIO BENSA e CARLO FADDA, Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1902, Parte I, § 64, p. 255, nota 6), já defendera essa idéia, cunhada, de resto, pelos doutrinadores “novicentistas” com base numa concepção exagerada de direito subjetivo, como já demonstramos no corpo deste trabalho (supra, Cap. I, § 2º, nº 5). Segundo WINDSCHEID, embora na sucessão material, havendo mudança nos sujeitos da relação jurídica, haverá, também, mudança no direito subjetivo e somente por “cômoda expressão”, se poderá dizer o “direito remanesce o mesmo” (ob. cit., loc. cit.). 110 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 47. 111 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 48. 112 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 46.
47
Ademais, acrescentamos nós, a proclamação da ineficácia do
negócio jurídico material no plano do processo – Irrelevanztheorie – não
explica, por completo, o sentido da norma consubstanciado na parte 1ª, do
§ 325 da Z.P.O.:
Das rechtskräftige Urteil wirkt für und gegen die
Parteien und die Personen, die nach dem Eintritt der
Rechtshängigkeit Rechtsnachfolger der Partein
geworden sind oder den Besitz der in Streit befangenen
Sache in solcher Weise erlangt haben, daβ eine der
Parteien oder ihr Rechtsnachfolger mittelbarer Besitzer
geworden ist.
(“A sentença proferida atua em favor de e contra as
partes e pessoas que desde o começo da litispendência
tenham passado a ser substitutos jurídicos dos
litigantes ou tenham entrado na posse da coisa de
interesse do litígio, quando uma das partes ou seu
sucessor de direito tenha passado a ser possuidor
derivado”).
Por isso, quiçá, a maior parte da doutrina alemã, apesar da dicção
da parte 2ª, do § 265 da Z.P.O –“ Die Veräuβerung oder Abtretung hat auf
den Prozeβ keinen Einfluβ” (“A alienação ou cessão não tem influência no
processo“), veio a orientar-se pela doutrina da “Relevanztheorie”113.
GAUPP, entretanto, procurou contornar a dificuldade apresentada
pela regra da parte 2ª do § 265, da Z.P.O. –“Die Rechtshängigkeit schieβt
das Recht der einen oder der anderen Partei nicht aus, die in Streit
113 NICOLA PICARDI, oc. cit., nº 19, p. 98, nota 20.
48
befangene Sache zu veräuβern oder den geltend gemachten Anspruch
abzutreten” (“A litispendência não exclui o direito de nenhuma das partes
em alienar a coisa objeto do litígio ou ceder a pretensão deduzida”-,
explicando haver o ordenamento apenas admitido um negócio translativo
sujeito a condição suspensiva, em que a tanto consistiria a sentença de
acolhimento da pretensão deduzida, no caso de a transmissão haver sido
feita pelo autor, ou a sentença de rejeição dessa pretensão, em havendo
sido feita a transmissão pelo réu114. Frente ao teor da disposição contida
na parte 1ª, do § 365 da Z.P.O
(“Das rechtskräftige Urteil wirkt für und gegen die Parteien
und die Personen, die nach dem Eintritt der
Rechtshängigkeit Rechtsnachfolger der Partein geworden
sind oder den Besitz der in Streit befangenen Sache in
solcher Weise erlangt haben“ – “A sentença proferida atua
em favor de e contra as partes e pessoas que desde o
começo da litispendência tenham passado a ser substitutos
jurídicos dos litigantes ou tenham entrado na posse da coisa
de interesse do litígio-),
Admitiu GAUPP estar o adquirente ou o cessionário alcançado pela
eficácia da sentença, mas apenas de “forma indireta”, ou seja, porque,
atingindo o objeto do processo, vai, também, refletir-se sobre a indenidade
ou não do negócio jurídico translativo115.
114 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 35. 115 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1., p. 36. Em verdade, a processualista lusitana apenas afirma, no passo: “quanto ao caso julgado, defende GAUPP que este vinculará o transmissário, mas apenas de forma indireta” (ob. cit., ob. cit., nº 2.2.1., p. 36). Nada mais acrescenta. Nós é que, sentindo-nos autorizado por observação de PROTO PISANI (ob. cit., Cap. II, § 4, nº I, p. 27 e 28, nota 45), procuramos, segundo nossa compreensão, minudenciar o sentido da expressão “apenas de forma indireta”. Convém, por isso, repetir o mencionado obtemperar de PROTO PISANI: “É interessante, enfim, como a doutrina alemã, na interpretação do § 265 da Z.P.O., a falar em alienação da coisa litigiosa (die in Streit befangene Sache zu veräussern) e de
49
c) a teoria da relevância
21. À obviedade, contrapondo-se à primeira, a teoria da relevância
(Relevanztheorie) entende deva produzir efeitos, no direito processual, a
transmissão da coisa ou do objeto litigioso, havida no âmbito do direito
material116.
A formulação da teoria da relevância surge na obra conjunta de
FÖRSTER-ECCIUS, “Prëussisches Privatrecht”, editada em Berlim em 1896,
mas teria sido concebida pelo último117. Ao afirmado na Z.P.O. (“Die
Veräuβerung oder Abtretung hat auf den Prozeβ keinen Einfluβ” – “A
alienação ou cessão não tem influência no processo“), ECCIUS deu
interpretação restritiva, de modo a significar, apenas, que, apesar da
alienação, não haverá a suspensão do processo, ao invés do quanto
acontece nas hipótese de sucessão mortis causa118. Desse modo, o
legislador assegurou a prossecução do iter procedimental, protegendo a
parte estranha à transmissão da necessidade de propor uma nova “ação”
cessão da pretensão deduzida (den geltend gemachten Anspruch), é unânime no concluir que por alienação da coisa litigiosa se deva entender a alienação de um direito substancial e, precisamente, da coisa (wenn auf rechtlicher Beziehung zu ihr die Sachlegitimation des Klägers oder des Beklagten beruht)...” E, na seqüência, conclui o eminente jurista peninsular: “O relevo é tanto mais interessante quanto venha a doutrina alemã, sobretudo nos últimos anos, laborando em torno da noção do Streitgegenstand e da prozessuale Anspruch, se preocupado no separar sempre mais a pretensão processual (igual a objeto do processo) do direito substancial. É assim tanto mais singular que, interpretando o § 265 da Z.P.O, nem todos os autores vislumbram na pretensão deduzida a pretensão processual objeto do processo...e, às vezes, afirmam que essa seja perfeitamente distinta da pretensão processual, que não se reduz a um direito subjetivo e não pode ser cedida: assim, por exemplo ROSENBERG., o qual, talvez, em tem de objeto do processo...tenha acolhido a teoria mais radical desenvolvida por SCHWAB” . Sentimo-nos, por isso, como dissemos, a esclarecer, motu proprio, o sentido da expressão “apenas de forma indireta”, como uma expansão da incidência sentencial sobre a res in iudicio deducta, de forma a atingir, reflexamente, o transmissário. 116 NICOLA PICARDI, ob. cit., p. 96 e seg.; CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 26 e 27; F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 38 e seg.; PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 39 e seg. 117 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40. 118 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40.
50
contra o transmissário119. Dados tais contornos à norma da Z.P.O., haver-
se-ia, igualmente, de ajustar a relação processual à nova feição da relação
material, agora objeto da sucessão inter vivos120. A primeira adaptação
implicará, desde logo, uma mudança na posição do cedente, que não mais
poderá continuar na relação processual, pois, a partir da ocorrência da
sucessão no plano material, deixou de ter legitimidade para continuar
litigando121. À míngua da legitimatio ad causam, advém a segunda
conseqüência, no caso, evidentemente, de ser autor o transmitente, qual
seja, a modificação do pedido, pois aquele nada mais poderá exigir da
parte adversa122. Por outras palavras, permanecendo, por hipótese, o
transmitente no processo, deixa de existir uma coincidência entre as partes
processuais e os sujeitos da relação material123.
A “teoria da relevância” recolheu largo apoio dos doutrinadores
alemães, não sem reparos, é verdade, à exigência, feita por ECCIUS, da
“modificação do pedido”124. Grande parte desses entendeu ser a
modificação da demanda simplesmente “admissível”, mas não
“obrigatória”. KÖHLER assentou alcançar a sentença, embora proferida em
nome do cedente, tanto o litigante como aquele que o sucedeu no
respectivo direito material; admitiu não se verificar, em tais situações, uma
correspondência entre o lado subjetivo da decisão e as pessoas que,
119 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40. 120 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40. 121 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40 e 41. 122 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 41. A autora nada diz, em sendo o réu o transmitente, quanto à necessidade de se alterar a defesa apresentada, possivelmente por não haver sido tangida a questão na obra de FÖRSTER-ECCIUS. Na seqüência de nosso trabalho, entretanto, será exposta o objeção de KOHLER a propósito do assunto, o que, conquanto não supra a omissão, ajudará a compreender a exigência da “mudança do pedido”. 123 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 39 e seg. 124 PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 40.
51
concretamente, hão de responder pelos efeitos da sentença, mas, ao
mesmo tempo, ponderou ser isso inevitável e constituir um mal menor, não
havendo, por tudo, razão para a modificação do pedido125. HELLWIG, a seu
turno, lecionou que, malgrado a transmissão, o transmitente continua
sendo parte do feito, não se podendo, por isso, alterar o pedido para que,
então, fizesse parte do processo o transmissário, no lugar daquele; a
sentença decidirá de modo implícito acerca do direito do sucessor, cuja
submissão ao caso julgado decorrerá da proclamação do § 325, da
Z.P.O.126. Aliás, WACH, embora não fosse adepto da teoria da relevância
na sua pureza, isto é, sem obtemperamentos, já dissera que a sentença
perderia sentido se, desde logo, não vinculasse o transmissário127.
d) a teoria da relevância mitigada
22. A fim de contornar os inconvenientes da adoção de uma ou de
outra das teorias nas suas últimas conseqüências, ADOLF WACH procurou
um meio termo, formulando uma teoria sincrética, conhecida por “teoria da
relevância mitigada” (“Vermittelnde Theorie)128. De acordo com o
talentoso processualista, há que se partir da premissa de o direito moderno
ter afastado a proibição, enxergada no direito romano, de transmissão de
coisas ou direitos litigiosos129. Essa ponderação afastou, por óbvio, a
adoção da Irrelevanztheorie, mas WACH foi além: talvez pela necessidade
125 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 43. 126 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2., p. 43. 127 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 48. Sobre o ponto, ver, também, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (ob. cit., p. 27 e seg.). 128 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 48 e 49. 129 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 49.
52
de a sentença alcançar, plenamente, o transmissário, preconizou o jurista
o reconhecimento da faculdade de esse último também ingressar na
relação processual, mas, nem por isso, se lhe minguaria legitimidade para
continuar na causa e, aí, não avançou tanto quanto a Relevanztheorie130.
De fato, de acordo com WACH, da conjugação necessária, a ser feita, da
primeira e da segunda parte, do art. 265, da Z.P.O., exsurge, por efeito da
sucessão inter vivos, um dominium litis extremamente singular: continuará
o transmitente na relação processual, embora a legitimidade para
demandar e para, em geral, a produção de efeitos processuais, passe,
agora, ao adquirente ou cessionário, mas o alienante ou cedente não
perderá, por completo, a sua legitimidade para continuar no processo,
posto não qualifique WACH, precisamente, essa legitimidade
subsistente131. Esclarece, apenas, Wach que o transmitente, malgrado
continue no processo, não o faz na qualidade de representante do
transmissário, mas não afirma, positivamente, a que figura processual
corresponderia essa atuação132. De seu lado, o adquirente ou cessionário,
dado não ser repelida pelo direito material, nos dias atuais, a sucessão no
direito controvertido, pode praticar atos processuais: assim, pode
reconhecer o direito da parte adversária ou, na hipótese inversa, pode
aduzir a exceção material de extinção da obrigação, mediante
pagamento133. O adversário do adquirente ou cessionário, a seu turno,
também pode com esse celebrar transação134 e, evidentemente,
reconhecer, contra si, a procedência da pretensão deduzida.
130 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 49 e 50. 131 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 49 e 50. 132 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50. 133 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50. 134 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50 e 51.
53
23. Porém, a interferência dos efeitos materiais da transmissão
sobre a relação processual encontra limites: tendo em vista continuar o
transmitente no processo, como sujeito dessa relação, a parte contrária
não lhe pode opor as exceções pessoais somente invocáveis contra o
transmissário, nem, tampouco, reconvir com fundamento em direito que
poderia exercer contra esse último135. Tais limites resultam da especial
configuração da legitimidade do transmitente: será esse parte ilegítima
para responder por “ações” e exceções que somente podem ser deduzidas
contra o adquirente ou cessionário, pois, em virtude da perpetuatio
legitimationis, a legitimidade do transmitente é delimitada pelo objeto inicial
do processo, não comportando extensão a direitos controvertidos
distintos136.
Pedido e sentença, segundo esta teoria, não serão influenciados
pela transmissão, devendo a relação processual continuar em nome do
transmitente, que terá a seu cargo, exclusivamente, a prática de atos
processuais de disposição137. Numa palavra, o alienante ou cedente
continua a ser o dominus litis, apesar de o direito material haver,
eficazmente, transferido ao adquirente ou cessionário que, mercê dessa
circunstância, poderá ingressar na relação processual, mas isso não
implicará nenhuma alteração em seus elementos constitutivos138.
135 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 51. 136 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 51 e 52. 137 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50. 138 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.2, p. 50 e seg.
54
§ 6º. A teoria abraçada pelo Código de Processo Civil brasileiro
24. Os autores, sectários da doutrina da Irrelevantztheorie acenam
com a expressão perpetuatio legitimationis para justificar a inalterabilidade
dos sujeitos da demanda (não confundir com os sujeitos do processo), os
quais, portanto, se perpetuam139. A bem de ver, esse princípio, como
regra geral, veio a ser seguido pelo art. 41 do Código de Processo Civil
brasileiro, porquanto a “substituição voluntária das partes”, na redação
discutível do dispositivo, somente se dá, de modo excepcional, “nos casos
expressos em lei”140.
Bem se vê, portanto, que, no concerto do direito positivo brasileiro,
da teoria da irrelevância (Irrelevantztheorie), na sua pureza, não se pode
cogitar141. Certo, o adquirente ou o cessionário não poderá ingressar na
relação processual, em lugar do alienante ou cedente, se o adversário não
o consentir142. Nem por isso, entretanto, poder-se-á afastar a incidência
da teoria da relevância (Relevanztheorie) e, a rigor, nem, tampouco, da
teoria da irrelevância (Irrelevantztheorie), valendo notar, alias, haver
apontado PAULA COSTA E SILVA a teoria da relevância mitigada como a
adotada pelo vigente Código de Processo Civil português, no qual se
abeberou, por excelência, o Estatuto brasileiro no trato da matéria143.
139 F. RAMOS MÉNDEZ, ob. cit., p. 41. 140 Nesse mesmo sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 715. 141 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 23. 142 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 723. 143 Ob. cit., nº 2.2.3, p. 48 e seg. F. RAMOS MÉNDEZ acentua ser essa solução a “etapa mais avançada do pensamento jurídico” (ob. cit., p. 43).
55
Capítulo Segundo: § 1º. A sucessão processual e o tema da “capacidade”
ou da “legitimação”. § 2º. O germe do conceito de
“capacidade jurídica”. § 3º. A capacidade de gozo ou
de direito e a capacidade de exercício ou de fato. § 4º.
A capacidade de gozo e a “legitimação”, no campo do
direito privado. § 5º. A legitimidade, a legalidade e a
legitimação no campo do direito público: a) introdução;
b) a legitimidade em geral; c) a legitimação e a
legitimidade; d) a legalidade e a legitimidade. § 6º. A
capacidade e a legitimação no direito processual. § 7º.
Noções gerais sobre parte. § 8º. Parte em sentido
formal e parte em sentido substancial. § 9º. A
capacidade de ser parte. § 10. A capacidade de ser
parte legítima: a chamada “legitimação para agir”
(legitimatio ad causam). § 11. Parte em razão do
ofício. § 12. Parte complexa. § 13. A legitimação
extraordinária ou substituição processual. § 14. A
substituição processual: desconsiderações de
fenômeno. § 15. O alienante ou cedente como
substituto processual do adquirente ou cessionário. §
16. a substituição processual e o art. 472, 1ª parte, do
CPC. § 17. A perpetuatio legitimationis. § 18. A fraude
à execução e a perpetuatio legitimationis.
§ 1º. A sucessão processual e o tema da “capacidade” ou da “legitimação”
25. Estamos falando de “sucessão processual” e, pois, se está aqui a
perlustrar em que medida essa “sucessão meramente subjetiva da relação
jurídica” (material, evidentemente) vai-se refletir no direito processual.
Segundo o disposto no art. 42, caput, do Código de Processo Civil,
56
“a alienação da coisa ou do objeto litigioso, a título particular, por ato entre
vivos, não altera a legitimidade das partes”. Assim, emerge a necessidade,
antes de mais nada, de se precisar o que se deva entender pela expressão
“legitimidade das partes”. Isso exige uma ligeira digressão sobre o conceito
de “capacidade jurídica”.
§ 2º. O germe do conceito de “capacidade jurídica”
26. Demonstrou GIOVANNI TARELLO144, com sua percuciência de
hábito, que o Iluminismo, movimento filosófico que, desde o final do século
XVIII e no curso do século XIX, tomara conta da Europa ocidental,
apregoou, como uma de suas pilastras, a idéia da igualdade das pessoas,
em contraposição àquela pluralidade de castas sociais existentes e que
geravam, por via de conseqüência, uma diversidade de direitos subjetivos,
consoante seu titular pertencesse a uma ou a outra classe social; enfim,
aquelas diferenças de direitos tão característicos do modelo a que se
denominou ancien régime. Quando essas idéias de igualdade e, logo, de
igualdade jurídica, adentraram os primeiros Códigos oitocentistas, surgiu a
necessidade de se criar o conceito de capacidade jurídica para selecionar
as pessoas autorizadas a praticar atos de direito, enquanto isso poderia
ser vedado, entretanto, a outros; não se tratava, como pode parecer, de
uma discriminação odiosa como antes (uma pessoa tendo determinado
direito, subtraído, contudo, a um outro), senão, já agora, como um
predicado dessas pessoas. O princípio da igualdade alcançava a todos,
144 Ideologie settecentesche della codificazione e struttura dei codici, in Cultura Giuridica e Politica del Diritto. Bologna: Il Mulino, p. 41 e seg.
57
pois todos, sem distinção, eram, igualmente, titulares de direitos
subjetivos, mas algumas possuíam um quê, um predicado jurídico, que as
autorizavam – e somente a essas- a praticar atos idôneos a produzir
efeitos jurídicos: a capacidade jurídica145. Aliás, etimologicamente, o
vocábulo capacidade deriva do latim capabilis, que pode ser traduzido por
“suscetível de” e formado, a seu turno, da raiz verbal capio, (cap) ere, com
o significado de tomar (para si), assenhorear-se ou apoderar-se (de
alguma coisa), conceber (um filho e, por figuração, uma idéia), gerar146.
Daí, entender-se por capacidade jurídica a aptidão, conferida a
determinados sujeitos, de produzir efeitos jurídicos147. Por sua própria
natureza, os efeitos jurídicos se relacionam necessariamente a um sujeito:
quando a norma concede autorização a um determinado sujeito para ter
esse ou aquele comportamento, ou seja, quando o autoriza, em abstrato, a
praticar esse ou aquele ato jurídico, fala-se, então, em capacidade
jurídica148.
27. O festejado civilista lusitano CUNHA GONÇALVES, procurando dar
nitidez ao conceito de capacidade, comparou-a à noção de personalidade
e, daí, lecionou:
...para ser pessoa, basta que o homem exista ou seja
homem; para ser capaz, o homem precisa de ter os 145 Observa, agudamente, RICCARDO ORESTANO (ob. cit., p. 77 e nota 37) que, no intelecto humano, há uma só categoria em torno da qual gravitam todos os predicados verbais, os adjetivos e os complementos da proposição. Essa categoria é a substância. Àquilo que, no campo gramatical, forma a relação denominada substância-predicado ou, em termos já consagrados, sujeito-predicado, sob o plano lógico essa relação se expressa pelo binômio substância-atributo e, no ontológico, pelo binômio substância-ser. 146 YVES GAUDEMET, vocábulo “Capacité”, in Dictionaire de la Culture Juridique. Paris: Quadrige/Lamy-Puf,, obra publicada sob a direção de DENIS ALLAND e STÉPHANE RIALS. 147 RICARDO ORESTANO, ob. cit., p. 77; ANGELO FALZEA, Voci di Teoria Generale de Diritto. Millano: Giuffrè, 1984, 3ª ed., p. 147. 148 ANGELO FALZEA, ob. cit., loc. cit.
58
requisitos necessários para agir por si, como sujeito
ativo ou passivo duma relação jurídica149.
Por outras palavras, todos os homens, enquanto entrevistos pelo
ângulo da personalidade, possuem os mesmos e idênticos direitos, mas,
quando se trata de estar ou não habilitado a praticar atos idôneos a gerar
efeitos jurídicos, a coisa muda de figura: estamos, agora, diante do
instituto da capacidade jurídica.
§ 3º. A capacidade de gozo ou de direito e a capacidade de exercício ou de fato
28. Muitos escritores, talvez entendendo pouco simpática a idéia de
umas pessoas terem capacidade jurídica e outras, não, principalmente
diante da adoção, por todos os Estados, de modo geral, dos princípios do
Iluminismo, criaram duas figuras de capacidade: uma, aquela decorrente
da própria personalidade humana, ou seja, aqueles direitos, que dissemos
ser inerentes à mera personalidade, passam a ingressar numa categoria
chamada capacidade de gozo ou, se preferir, capacidade de direito; de
outro lado àquilo que, até agora, vimos denominando, simplesmente,
capacidade (ou capacidade jurídica) passa a constituir, segundo esses
escritores, que são aliás, majoritários, a capacidade de exercício ou,
indiferentemente, a capacidade de fato150. A primeira, a capacidade de
149 Tratado de Direito Civil. Volume I. Tomo I. 2 ª edição. São Paulo: Max Limonad, 1955, p.189 e 190. Enfatiza, no passo, CUNHA CONÇALVES: “a personalidade é o homem jurídico num estado, por assim dizer, estático; a capacidade é o homem jurídico, no estado dinâmico” (ob. cit., p. 190). 150 Cf. LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, ob. cit., p. 190; MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, Curso de Direito Civil. Vol. I. Nº 146 e seg. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1962, p. 280 e seg.; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil. Vol. I. Nº 48. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 155 e seg.
59
gozo (ou capacidade de direito) é co-natural ao homem e assim o art. 1º do
vigente Código Civil o reconhece, ao dispor: “toda pessoa é capaz de
direitos e deveres na ordem civil”151.
A capacidade de exercício, porém, é aquele quid, aquele algo mais,
que algumas pessoas têm, para praticar atos idôneos, ou seja, atos que
produzam efeitos jurídicos. É o ensinamento, de resto, de CARNELUTTI,
segundo o qual a capacidade se traduz numa idoneidade da pessoa, em
atenção às suas qualidades, para obter efeitos jurídicos de determinados
atos152.
Os alemães, por isso, designam essas duas capacidades por termos
diversos e mais expressivos: Rechtsfähigkeit, ou aptidão de ser titular de
direitos e obrigações, e Handlungsfähigkeit, ou aptidão de adquirir direitos
e obrigações, mas, veja-se, contraindo-os por ato próprio153. Essa
expressão “contraindo-os por ato próprio” é que vai caracterizar a segunda
espécie de capacidade, a capacidade de exercício ou, indiferentemente, a
capacidade de fato. Bem é de ver, nesse sentido, que, embora “toda
pessoa seja capaz de direitos e obrigações na ordem civil” (art. 1º do C.
Civil), vale dizer, seja titular de direitos e obrigações, ou, ainda, tenha
capacidade de gozo ou capacidade de direito, os incapazes, entretanto,
dentre outras pessoas, não podem contrair obrigações, nem dispor de
direitos, “por ato próprio”, segundo se lê do art. 3º do Código Civil, por
exemplo. Os incapazes, assim, para ficarmos apenas nessa hipótese, a
151 MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 147, p. 281; LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, ob. cit., p. 190. 152 FRANCESCO CARNELUTTI, Teoria Geral do Direito. Trad. Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Ed. Lejus, 1999, § 118, p. 363. 153 Cf. LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, ob. cit., p. 190.
60
despeito de terem capacidade de gozo ou de direito, não na têm, todavia,
para a prática de atos jurídicos idôneos. E não na têm porque não podem
dispor de direitos e contrair obrigações por ato próprio, por suas próprias
pessoas, senão por intermédio de uma outra. Essa outra pessoa é que
detém a capacidade de exercício ou a capacidade de fato. Em suma o
incapaz pode praticar atos jurídicos, exatamente por ser uma pessoa,
revestindo-se, assim, de capacidade de gozo ou de capacidade de
direito; não, porém, praticar atos jurídicos por si mesmos, necessitando,
sempre, de outra pessoa que por eles o faça, representando-os (se forem
absolutamente incapazes) ou os assistindo (se forem relativamente
incapazes); enfim, malgrado possuam capacidade de gozo ou
capacidade de direito, não têm, entretanto, a de exercício ou a de fato.
§ 4º. A capacidade de gozo e a “legitimação” no direito privado
29. No campo dos negócios jurídicos, há situações em que certas
pessoas não podem constituir direitos, nem assumir obrigações, dado se
encontrarem privadas do gozo do direito à prática de determinado ato
jurídico, o que pode se dar tanto sob o ângulo do sujeito ativo desse ato,
quanto sob o prisma do sujeito passivo desse mesmo ato, isto é, tanto a
pessoa pode estar privada do direito de dispor, como tolhida do direito de
adquirir154. Às vezes, numa mesma hipótese de negócio jurídico, se dá o
encontro das duas privações, tanto a que afeta um sujeito, quanto a que
recai sob o outro, como no caso da proibição de o testador casado dispor
em proveito de sua concubina; nesse caso, ambos os sujeitos, quer o ativo 154 M. M. DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 147, p. 281 e seg.
61
(o testador hipotético), quer o passivo (a concubina), que, assim, também
nada poderá adquirir mortis causa, estão privados do direito subjetivo
correlato155. Igualmente, um ser humano, revestido, por isso mesmo, de
personalidade e de capacidade de gozo (ou de direito), pode não ter,
todavia, a conditio aetatis para adotar um filho156.
Pretende-se, então – diz SERPA LOPES -, que, nessas
hipóteses, não se trate de uma incapacidade especial
de gozo, senão de uma hipótese de legitimação; saber
se uma pessoa, em face de um determinada situação
jurídica, tem capacidade para estabelecê-la, num e
noutro sentido.
Na venda de coisa alheia, por exemplo, exatamente por não
pertencer a res ao vendedor, falta-lhe título legítimo para dispor da
coisa157. Isso, a que se denominaria capacidade de gozo, passou,
modernamente, a ser chamado de legitimação158. O ponto nuclear ao
entendimento da legitimação consiste no indagar se determinado sujeito
tem capacidade de gozo à prática daquele específico negócio jurídico159.
A sutileza da distinção autoriza-nos a averbá-la de bizantina, mas, a
despeito disso, cremos ter sido feliz ANGELO FALZEA no apontar, em um e
outro instituto, os respectivos matizes. Em linhas gerais, diz o jurista
italiano, é de se ressaltar que a capacidade consiste numa qualidade
intrínseca e abstrata do sujeito: é uma qualidade intrínseca porque não
relacionada com uma pessoa ou com uma coisa, já que o direito a
155 Idem, ibidem, loc. cit. 156 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., loc. cit. 157 Idem, ibidem, loc. cit. 158 Idem, ibidem, loc. cit. 159 Cf. M. M. DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 147, p. 283 e seg.
62
reconhece em proveito daquele a quem se diz possuir capacidade para os
interesses gerais de que é portador e sem nenhuma referência a
elementos externos; é qualidade abstrata, enquanto conferida ao sujeito
em via preventiva e não com referência a um singularizado ato ou
específico efeito160. A figura da não legitimação consiste numa mera
qualidade do sujeito, mas, já agora, numa posição, mesmo, frente a determinada
situação jurídica, ou, se se preferir, mais explicativamente, diante de um objeto ou de
um outro sujeito incluídos numa relação jurídica específica e determinada161. Em
suma, a capacidade traduz uma valoração abstrata de um ato jurídico ou de um tipo
de efeito jurídico, ou seja, é uma qualidade jurídica geral, enquanto a legitimação tem
caráter especial, é valorada frente a um elemento singularizado, constituído pelo
objeto ou pelo sujeito a que respeita a prática de um certo ato ou de determinado
negócio162.
30. Escrevendo para o “Nuovissimo Digesto Italiano”, o então
professor da Universidade de Bolonha, PIETRO RESCIGNO, assevera, com o
propósito de distinguir a capacidade da legitimação, o seguinte: “a
legitimação respeitaria a uma particular relação do sujeito com o objeto do
negócio jurídico: para usar um termo não consentido na linguagem do
direito privado, a legitimação se refere à competência do sujeito frente à
matéria daquele negócio jurídico”163.
Como se vê, porém, no afã de se distinguir a capacidade da 160 ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 229. 161 ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 229 e 230. 162 ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 230. 163 Verbete “Legitimazione”, in Nuovissimo Digesto Italiano, p. 716 e seg. A tradução em comento, que fizemos, não é a literal. Lê-se, do original: ”La legitimazione riguarderebbe invece il particolare rapporto del soggeto con l’ogetto del negozio: per usare un termino non consueto al linguaggio del diritto privato, la legitimazione si riferisce alla “competenza” del soggeto rispetto alla materia che il negozio è destinato a regolare”.
63
legitimação, pode-se aludir, com alguma licença, a uma relação de gênero
e de espécie164, mas, exatamente, por isso, o sentido de uma e de outra,
muitas vezes, se confundem e se baralham, porque, como sabido, dentre
as figuras de retórica, está a metonímia, que se expressa, dentre outras
hipóteses, pelo uso da espécie pelo gênero ou do gênero pela espécie.
De qualquer forma, porém, havia-se de esclarecer a legitimação do
direito civil, a que corresponde, segundo alguns autores, como assinalado,
a uma relativização da capacidade de gozo.
Preciso é tomar cuidado, entretanto, para não confundir essa
legitimação do direito civil com a legitimação do direito processual.
§ 5º. A legitimidade, a legalidade e a “legitimação” no campo do direito público
a) Introdução
31. Demos até aqui, segundo pensamos, cabal explicação quanto à
evolução e ao significado do instituto jurídico da capacidade.
Demonstramos, então, a sinonímia, construída pelos juristas, entre
capacidade de gozo e legitimação, no âmbito do direito privado.
Entretanto, o vocábulo legitimação, agora no terreno do direito
público, possui uma carga histórica e, mais do que isso, constitui termo de
árduo trabalho de definição, quando, a uma, quisermos diferenciá-lo de
legitimidade e, a duas, de legalidade. Preponderam, nesse terreno
164 A lembrança é de ANGELO FALZEA, ob. cit., p. 230.
64
movediço, as concepções filosófico-sociológicas de cada qual, a impedir
uma unicidade de formulações teóricas. KELSEN, por exemplo, no intuito de
evitar, como sabido, a ingerência de fatores periféricos à sua concepção
do organismo jurídico como um arcabouço exclusivamente normativo, não
faz distinção entre legitimidade e legalidade, dando ambas as palavras por
sinônimas165.
32. Fala-se, aqui, em direito público; o correto, porém, seria, a
referência a direito político, porque os termos legitimação e legitimidade,
nesse compasso, deságuam no delta da justificação da prática do ato166,
embora sejam emanações do Poder Público167.
Guardadas, portanto, as reservas quanto a se poder distinguir um
conceito de outro e sem pretender instaurar, aqui, controvérsia filosófica a
respeito dos temas, os conceitos de legitimidade e de legitimação, como
virá demonstrado, são o verso e o reverso de uma mesma moeda168,
malgrado, como se disse, não haja uniformidade nas dissertações a
respeito e as posições adotadas se tornem quase opinativas.
b) a legitimidade em geral
33. Tradicionalmente - ensina SILVANA CASTIGLION, professora de
165 Teoria Geral do Direito e do Estado, apud SILVANA CASTIGNONE, Introduzione alla Filosofia del Diritto. 1ª ed. Roma-Bari: Laterza Editores, 1998, p. 59. 166 RAFAEL BIELSA, Los Conceptos Jurídicos y su terminologia. 2ª ed. Buenos Aires: Depalma, 1954, p. 85. 167 Cf.: LUÍS RECASÉNS SICHES, Tratado General de Filosofia del Derecho. 16ª edição. Cidade do México: Editorial Porrúa, p. 230; Introducción a la Fisolofia del Derecho y de la Política, p. 89; SILVANA CATIGNONE, Introduzione alla Filosofia del Diritto. 1ª ed. Roma-Bari: Laterza Editores, 1998, p. 59 e seguintes. 168 É essa a posição de LUCIO LEVI, exposta no verbete “Legitimidade”, in Dicionário de Política, p. 675 e seg., dirigido por NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI e GIANFRANCO PASQUINO, tradução de Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guilherme Pinto Cacais e Renzo Dini, publicação conjunta da Editora UnB e da LGE Editora, 12ª ed., 2004.
65
Filosofia do Direito na Faculdade de Jurisprudência da Universidade de
Gênova-, quando se aludia, muito tempo atrás, a legitimidade ou
ilegitimidade de um Poder ou de uma organização política, era facultado
entender: a) ou que se tratasse de um Poder, cuja pessoa ou órgão, que o
representasse, estivesse ou não embasado em “justo título”; isto é, a
pessoa (ou o órgão -e.g., o soberano, o governo, o Parlamento, etc.) fora
consagrada ou nomeada, quando não, mesmo, eleita, segundo o prescrito
nos costumes ou nos princípios gerais (uma espécie de lei fundamental)
comumente respeitados; era a legitimidade ex parti tituli, típica daquelas
sociedades, há tempos largamente superadas, mas nas quais o fator determinante
para a investidura política era a dinastia ou a lealdade a determinada família ou,
ainda, a escolha por parte do Imperador ou do Papa e assim por diante; em suma, a
legitimidade suportava-se no direito natural; b) ou que se tratasse de um Poder justo,
ou seja, a legitimidade continuava a dar-se ex parti tituli, mas, agora, se acrescentava
o adjetivo justo, vale dizer, exigia-se “título justo”, no sentido de que os fins e os
valores traduzidos pelo Poder deveriam respeitar os preceitos iluministas de vida, de
liberdade, etc169. No primeiro caso, o problema da legitimidade é denominado de
legitimidade formal e, no segundo, de legitimidade substancial170.
Em suma, em direito público ou, quiçá, melhor, nos expressando, em
direito político, a legitimidade ou legitimação corresponde a um atributo da
relação do Estado com os cidadãos, consistente num grau de consenso ou
de conformação de grupos ou de indivíduos frente aos atos do Poder
169 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., loc. cit. 170 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., loc. cit.
66
Público, aos quais aqueles se ajustam e respeitam171.
c) a legitimação e a legitimidade
34. Essa conformação ou consenso, entretanto, não se fazem em
níveis únicos ou indiferenciados, porque diversas são as orientações de
indivíduos e grupos no contexto político172. Daí, segundo LUCIO LEVI,
podemos falar em legitimação e legitimidade; a legitimação supõe a
conformidade dos grupos e indivíduos ao ato do Poder Público; Por isso, a
ilegitimidade, reversamente, seria termo empregado para a falta dessa
conformidade. A explicação, a seguir, dilucida a aparente dificuldade de
compreensão. Da análise da ação de grupos e indivíduos – diz LUCIO LEVI-
podemos determinar dois tipos básicos de comportamento: quando os
fundamentos e o fim do poder são percebidos como compatíveis ou de
acordo com o próprio sistema de crenças, e quando o agir é orientado para
a manutenção de aspectos básicos da vida política, o comportamento de
indivíduos e grupos pode ser definido como legitimação; quando, ao
contrário, o Estado é percebido, na sua estrutura e em seus fins, como
estando em contradição com o próprio sistema de crenças, vindo esse
julgamento negativo a se transformar numa ação tendente a modificar os
aspectos básicos da vida política, esse comportamento, então, poderá ser
definido como contestação da legitimidade173.
35. Pensamos poder traduzir essa nuança entre os dois termos
171 LUCIO LEVI, ob. cit., p. 675. 172 Cf. LUCIO LEVI, ob. cit., p. 675. 173 Ob. cit., p. 675.
67
lembrando que o direito natural e aquelas regras dos usos e costumes, que
delineavam o “título justo” para a investidura no poder, isto é, para a
legitimidade (ou legitimação), restaram substituídos, modernamente, no
Estado de Direito contemporâneo (Rechtsstaat), por preceitos normativos
estabelecidos numa lei fundamental, ou seja, segundo o modelo europeu
continental, numa Constituição escrita174. Da mesma forma, as finalidades
e os valores dos atos atribuídos ao Poder estão previamente contidos nas
normas constitucionais175. Não se perca de vista, porém, que esse novo
enfoque apenas esconde, mas não a fulmina de morte, a dicotomia
legitimidade formal e legitimidade substancial: quando se alude à mera
observância do preceito constitucional, enquanto pura norma, na
concepção kelseniana, está-se a referir à legitimidade formal; quando,
porém, se pensa em título justo, cogita-se da conformidade ao ditado
constitucional, ou seja, da vontade popular e das aspirações da sociedade;
por outras palavras, quando se vai mais além da forma, quando se procura
indagar o que de mais recôndito há por trás da mera norma, fala-se, então,
em legitimidade substancial176. Acontece, porém, somente direcionar-se a
ação dos grupos e indivíduos, segundo supomos, para perquirir o que vai
mais além da forma quando o elemento anímico dessa ação é a
contestação da legitimidade. Quando o elemento anímico da ação de
grupos e indivíduos for o de conformar-se ao ato do Poder Público, não se
pergunta, já agora, o que de mais recôndito há além da norma, porque,
174 Consoante anota, percucientemente, PAOLO BISCARETTI DI RUFFIA (Derecho Constitucional. Trad. de Pablo Lucas Verdú. Nº 70. Madri: Editorial Tecnos, 1973, p. 225 e 226), usa-se a expressão Rechsstaat para designar, especialmente, a substituição do anterior governo dos homens pelo governo das leis, mediante a possibilidade, dada aos cidadãos, de declarar a invalidade dos atos do Governo contrários às mesmas leis e, num momento jurídico mais adiantado, também dessas leis, quando choquem com a Constituição. 175 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 63. 176 SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 61,
68
como acentuado, o sistema de crenças, hoje, substituiu o título justo pela
norma constitucional; fala-se, nesse último caso, em legitimação.
d) a legalidade e a legitimidade
36. Entendida a legitimação como a conformidade ao mandamento
constitucional, fácil é a substituição do termo pelo de legalidade177.
NORBERTO BOBBIO não fugiu a essa contingência, lecionando ser a
legitimidade, como a legalidade, um atributo de um Poder178; em primeiro
lugar, portanto, a legitimidade é examinada no confronto do direito público
(“atributo de um Poder”)179. Todavia, ressalta BOBBIO, enquanto a
legitimidade é requisito da titularidade desse Poder, a legalidade é o mero
exercício desse poder, ou seja, a legitimidade diz respeito ao título em que
se ancora e se justifica (título justo) a prática desse Poder, enquanto a
legalidade é o exercício, sem mais indagar, desse mesmo Poder180.
37. Deixa-se, agora, assim, de se preocupar com a dicotomia
legitimação e legtimidade, para se cair no binômio legitimidade-legalidade.
A legitimidade explica, segundo outros filósofos, algo transcendente e mais
além da legalidade181. Frente à legalidade, a legitimação é, assim, um
plus; a legitimação indaga, com carga axiológica, se o ato, no seu fundo,
está de acordo com o direito (será “direito” ou será “justiça”?) enquanto a
177 Cf. SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 63 e seg, 178 Sul principio di legittimità, apud SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 73. 179 Apud SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 73. 180 Apud SILVANA CASTIGNONE, ob. cit., p. 73. 181 Cf. LUIZ LEGAZ Y LACAMBRA, ob. cit., loc. cit.; RAFAEL BIELSA, ob. cit. loc. cit.
69
legalidade fica no plano da forma182.
Em lugar, portanto, da dicotomia legalidade-substancial e legalidade-
formal, surge o binômio legitimidade e legalidade, tout court.
38. Consoante acima insinuado, não nos seduz, a despeito da
excelência do mestre peninsular, o ensinamento de BOBBIO. Para nós, a
legalidade é um apelativo que se contém no campo exclusivamente
jurídico, enquanto as expressões legitimação e legitimidade, têm forte
conteúdo político. Verdade é, segundo dissemos, que o vocábulo
legitimação vem sendo usado para significar a conformação a
mandamentos fundamentais, mas se nos antolha inadequado reduzir um
preceito constitucional a mera expressão de norma legal.
§ 6º. A capacidade e a legitimação no direito processual
39. No campo do direito processual civil, pode-se dizer consistirem a
capacidade e a legitimação em palavras sinônimas, sem aquela distinção
ulterior, cunhada na teoria geral do direito privado, entre aptidão para
produzir efeitos jurídicos em abstrato e aptidão para produzir efeitos em
concreto, até porque, certamente, o direito processual, como regra, apenas
tem eficácia enquanto produção judiciária, diferentemente do direito civil,
que traça tais normas de aptidão sobre as pessoas, normas sobre a
182Cf. LUIZ LEGAZ Y LACAMBRA, ob. cit., loc. cit.; RAFAEL BIELSA, ob. cit., loc. cit.; JOSÉ VILANOVA, Elementos de Filosofia del Derecho. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1977, p. 364. Segundo LUIZ LEGAZ Y LACAMBRA (Filosofia del Derecho. 3ª ed. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1972, p. 621), LUÍS NAPOLEÃO, na França da Restauração de 1815, opôs o conceito de legitimação da monarquia ao de legalidade, ao proclamar, alguns anos mais tarde, que se impunha “sair da legalidade para voltar ao Direito”. Aproveitando esse relato histórico, podemos dizer que, então, se estava a aludir à legitimidade em sentido substancial, pois o direito, ali, significava as conquistas da Revolução de 1789.
70
disposição dos bens e dos requisitos necessários para eficácia dos
negócios jurídicos, tudo de maneira geral.
O direito processual, cujas regras, no tocante aos efeitos dos atos
jurídicos, herdou, outrora, do direito civil, não poderia deixar de apropriar-
se, também, de algumas noções desse último, dentre as quais, a de
capacidade e de legitimação183. Do mesmo modo, considerado, outrora, o
processo como um prolongamento do direito material, resulta evidente
terem sido construídos ensinamentos sobre a capacidade no terreno
processual com lastro na teoria geral do direito civil.
Bem é verdade que notável professor italiano184 ensina o inverso,
mas não cremos, pelas sabidas contingências históricas que permearam o
processo, antes de vir a constituir-se num ramo autônomo e desprendido
do direito civil e, mais ainda, numa ciência própria, que tenha razão o
jurista peninsular.
Como quer que seja, entretanto, certo é, no direito processual,
equivalerem-se os termos capacidade e legit imação . E – mais ainda
– diferentemente, também, do distanciamento, concebido para o
direito público, entre legit imação e legit imidade , no direito processual
ambas os vocábulos têm a mesmíssima acepção, pelo que comum é
variam-se os apelativos: ora se fala, por exemplo, em legit imação
para agir , ora se fala, com idêntico sentido, em legit imidade para
agir; ora se alude a legit imação ad processum, ora se alude a
183 Sustentando derivarem do direito processual civil os conceitos de capacidade e de legitimação da teoria geral do direito civil, cf. PIETRO RESCIGNO, verbete “Legitimazione”, in Nuovissimo Digesto Italiano, p. 716 e seg. 184 PIETRO RESCIGNO, verbete “Letimazione”, in Nuovissimo Digesto Italiano, cit., p. 716.
71
legit imidade ad processum, e, ainda, em capacidade “ad processum”.
A doutrina alienígena, como anota DONALDO ARMELIN, em notável
dissertação sobre o tema, prefere empregar o termo “legit imação”,
em vez de “legit imidade”, como consta do art. 3º, do Código de
Processo Civi l brasileiro185.
40. No terreno do direito processual, em conclusão, devem ser
mencionados, no Brasil, o instituto da capacidade de ser parte, o da
capacidade para estar em juízo (ou, indiferentemente, a legitimação
processual ou, na forma latina, legitimatio ad processum, ou, ainda, num
misto de vernáculo e latim, legitimidade ad processum ou legitimação ad
processum), em capacidade postulatória e em legitimação ou legitimidade
para a causa (ou, se se preferir, legitimatio ad causam), ou, afinal, com o
mesmo sentido, em legitimação para agir e em legitimidade para agir. Cada
um desses institutos tem contornos próprios e, pois, distinto um do outro.
Em Portugal –e, aí, o restritivo acima, “no Brasil”-, não há uma perfeita
correspondência à nossa nomenclatura, como veremos a seguir.
§ 7º. Noções gerais sobre parte.
41. Aprendido o conceito de capacidade, mister é, agora, estremar-
se o conceito de parte.
Alerte-se, todavia, não ser tarefa fácil essa, a de sintetizar uma
noção de parte, de caráter genérico. O labor, malgrado difícil, não é
185 Legitimidade para agir no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979, p. 12.
72
impossível de ser feito, entretanto, desde que se substitua a proposta de
síntese por uma outra de análise. A noção de parte, assim, será extraída
do discurso sobre as várias e múltiplas facetas pelas quais o tema se
apresenta. Ei-las.
42. À guisa de introdução, observe-se derivar o instituto da parte, na
relação processual, da teoria do direito privado186. Ali se chamam partes as
pessoas que se situam nos pólos opostos da relação jurídico-material187.
Exatamente por isso, quando surgia, entre aquelas partes, um conflito, um litígio,
referiam-se os juristas alemães de outrora, a uma luta de partes (Parteikampf) e,
transposto o direito material para a esfera judicial, como antes se entendia, então,
o “processo” (melhor seria dizer o iudicium), as partes em litígio passaram a ser,
então, partes no processo188. Ao ensejo, vale mencionar a afirmativa, a despeito
de óbvia e, ao mesmo tempo, burlesca e elucidativa, de um processualista
italiano, GIUSEPPE GUARNERI, a saber: “Se as partes não existissem, o Estado
deveria criá-las, porque sem elas praticamente não há processo e, muito menos,
processo do Estado, pelo menos como entendemos essa expressão a partir da
revolução francesa”189.
43. É preciso, no entanto, ficar claro, desde logo, que, nem sempre,
as partes da relação jurídico-material serão as mesmas da relação jurídico-
186 HÉLIO TORNAGHI, Instituições de Processo Penal. 2ª ed. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 407. 187 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., loc. cit. 188 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 407 e 408. Procurou-se, no texto, ressaltar que o emprego do termo “processo”, no direito antigo, não corresponde, exatamente, ao derivado do conceito hodierno do étimo. Como já se disse alhures, a palavra processo é relativamente nova na linguagem jurídica (cf. NICOLA PICARDI, verbete Processo Civile- Diritto Moderno, in Enciclopelia del Diritto. Vol. I Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese -UTET, 1964, p. 101 e seg.). Ao fenômeno que, hoje, averbamos de processo, se referiam os juristas, durante quase toda a Idade Média, por meio da expressão iudicium ou ordo iudiciarius, como se colhe da seguinte definição de Búlgaro: “Iudicium accipitur actus ad minus trium personarum, scilicet actoris intendentis, rei intentionem evitantis, Iudicis in medio cognoscentis” (Idem, ibidem, loc. cit.). 189 Apud HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 409.
73
processual, pois, uma vez conceituada a ação como um direito público
subjetivo, a ligar autor e juiz, as partes no processo podem ou não coincidir
com as partes na relação de direito material190.
§ 8º. Parte em sentido formal e parte em sentido substancial
44. Os velhos doutrinadores do processo, presos umbilicalmente à
teoria privatística, aceitavam a idéia de que as partes do processo eram
sempre as mesmas da relação de direito material191. Nessa linha de
raciocínio, demonstrativamente, o credor de algum direito, para aqueles
vetustos doutrinadores, haveria de adotar o nome e a posição de autor na
relação processual ou, para exemplificar, o credor de um direito ameaçado
ou violado é que deveria comparecer, segundo a provecta e superada
teoria, perante o órgão judiciário, pedindo-lhe fosse aquele seu direito
amparado e reconhecido. Por seu turno, o devedor, isto é, aquele contra
quem se pedia o reconhecimento do direito ameaçado ou violado, assumia,
no processo, sempre o papel de réu. Em resumo, consoante salienta
WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JR., o autor, no processo, seria sempre o
credor da relação de direito material e o réu, o devedor figurante nessa
mesma relação192. É o que, então, ensinavam entre nós, PAULA BATISTA e
JOÃO MONTEIRO193.
45. A título de ilustração, convém transcrever a concepção, agora
190 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 410. 191 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JR., Substituição Processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1971, pag. 23. 192 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JUNIOR, ob. cit., loc. cit. 193 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JR., ob. cit. loc. cit.
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superada, do insigne professor JOÃO MONTEIRO: "Dissemos, no parágrafo
12, que toda ação tem seu germe em uma relação de direito pré-existente
e sua negação. Mas não há relação de direito sem um agente ativo, que é
o credor, e o passivo, que é o devedor. Logo, toda a ação pressupõe a
presença de um credor, que pede a reintegração de seu direito, e de um
devedor contra quem aquele deve a dita reintegração. Quando a ação é
posta em juízo, o titular da relação de direito se chama autor, e o paciente,
réu"194.
46. Essa vetusta concepção de parte, no entanto, está, no presente,
inteiramente superada pelos contornos modernos do direito processual. Ao
que parece, a formulação originária do conceito de “parte em sentido
formal” teria surgido com os estudos de FRIEDRICH OETKER, sobre o
processo falimentar (“Konkursrechtliche Begriffe”), publicado em 1891195.
Na esteira da concepção de OETKER as partes processuais não são os
sujeitos da res in iudicium deducta, mas, sim, os da rem in iudicium
deducens e is contra quem res in iudicium deducitur196. OETKER construíra
essa noção de parte para explicar a posição do administrador da falência
que, demandando, segundo as normas do direito germânico, em nome
próprio no interesse dos bens da massa, mostrava destruída a coincidência
entre os sujeitos da relação material e os sujeitos da relação
processual197. De qualquer modo, ADOLF WACH, em seu “Manual”
(Handbuch), vindo à luz em 1885, demonstrou a autonomia do direito de
ação e, com isso, o conceito de parte, no processo, também se libertou do
194 JOÃO MONTEIRO, Processo Civil. Nº XXIII, § 52, 1ª parte, p. 241. 195 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 116 e nota 45. 196 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 116. 197 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 116.
75
direito civil198. Com efeito, como lembra, com inteiro acerto, PRIETO-
CASTRO, o conceito de parte é, hoje, puramente processual e nasce dentro
do processo, por via de conseqüência. Disso decorre não se identificar
essa moderna concepção com a titularidade dos direitos e das obrigações
materiais, insuscetíveis de determinar o aparecimento do processo, já que,
a rigor, pode-se iniciar o processo, mediante o exercício do direito de ação
por quem afirma ter o direito material, sem realmente possuí-lo, como da
mesma maneira, pode-se proclamar determinada pretensão processual
contra quem não seja o obrigado à satisfação material do direito.
Igualmente, ponderou PRIETO-CASTRO, o processo pode ser iniciado e
seguido por pessoas a quem a lei atribua a faculdade de nele exercer uma
titularidade jurídico-material alheia e, então, somente são partes em
sentido formal199.
Daí, a escorreita definição de JAIME GUASP: "Parte é quem pretende
e frente a quem se pretende ou, mais amplamente, quem reclama e frente
a quem se reclama a satisfação de uma pretensão”200.
Disso decorre a conclusão que o “ser parte” é um fenômeno
198 LOPES DA COSTA, ob. cit. nº 414, p. 348. 199 LEONARDO PRIETO-CASTRO Y FERRANDIZ, Derecho Procesal Civil. Vol. 1º. Nº 27. 2a. ed. Madri: Editorial Tecnos, 1974, pags. 56 e 57. Na doutrina alemã, a locução parte em sentido material (Partei im materiellen Sinne) sempre teve a mesma significação que lhe é dada no presente texto, designando o titular do direito em litígio. Já a outra, parte em sentido formal (Partei im formellen Sinne), indicava as coletividades (de pessoas) ou massas (de bens) que, mesmo sem ter personalidade jurídica, podiam ser autoras ou rés no processo (apud HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 410, nota 9). A expressão partes em sentido formal veio a ser empregada, na Itália, por CARNELUTTi, com a substituição, embora, do adjetivo formal por processual, dentro de sua concepção sociológica das relações jurídicas (Instituciones del Proceso Civil, Vol. I. Nº 101. Ed. Cit., p. 175). A expressão parte em sentido formal é condenada por JAIME GUASP, para quem, no processo, “não há partes materiais e formais, senão, apenas, a condição de ser ou não parte processual" (Derecho Procesal Civil. Tomo I. Ed. Cit., p. 170/171). 200 Derecho Procesal Civil. Tomo I. Ed. cit., pag. 170.
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essencialmente processual ou formal, desligado do direito substantivo201.
Parte é, de um lado, o autor, que deduz a pretensão processual e, de
outro, o réu, contra quem essa pretensão é deduzida. Essa definição,
aceita pela communis opinio dos doutrinadores, remonta a CHIOVENDA e
tem a virtude de, simplesmente, qualificar como parte (em sentido
processual, é evidente), quem figura no processo, seja como autor, seja
como réu, sem nenhuma indagação quanto a uma possível legitimidade
para tanto202.
47. Em suma, assentamos acima ser a capacidade de ser parte
instituto essencialmente processual. Em nossas aulas na Universidade de
Brasília, temos exemplificado, aos estudantes do bacharelado em Direito,
com a história do pai que, morando nas proximidades da casa de sua filha,
casada, tem, necessariamente, no trajeto do serviço para sua morada, de
passar defronte à residência daquela; todos os dias, fazendo esse
itinerário, o pai, ao passar pela casa da filha, se apercebe das agressões
físicas e verbais que lhe são desferidas, quotidianamente, pelo marido.
Não mais suportando esse estado de coisas, o pai, resolve, então, propor,
ele mesmo, contra o genro, uma ação (rectius, pretensão processual) de
separação conjugal. Não importa, em tal situação, se poderia ou não fazê-
lo, porque o fato é que o fez e, aí, ele, pai, será o autor da demanda de
separação e o genro, o réu. O juiz, evidentemente, vai extinguir o feito, por
meio de uma sentença não de mérito, reconhecendo ser o pai parte
201 OTHMAR JAURENIG, Direito Processual Civil. Trad. da 25ª edição da obra de FRIEDRICH LENT, por F. Silveira Ramos, Almedina, § 15, p. 97. 202 Cf. GIUSEPPE CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil. Tradução da 2ª ed. italiana por J. Guimarães Menegale. Vol. II. Nº 214. São Paulo: Livraria Acadêmica–Saraiva Cia, Editores, 1943, p. 320 e 321.
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ilegítima para a ação (rectius, pretensão processual) de separação
conjugal, pois essa é de cunho personalíssimo, somente cabendo a
quem for cônjuge. Para os efeitos do instituto da parte em sentido
processual , pouco se dá, destarte, que o pai tenha ou não
legit imidade “ad causam” para deduzir, contra o genro, uma
pretensão processual de separação; o fato é que, em a deduzindo,
tornou-se autor e o genro, réu, tendo-se estabelecido uma relação
processual , tanto assim que o juiz veio a extinguí-la por meio de
sentença. Nessa sentença, evidentemente, o juiz proclamou o autor
parte i legít ima para a ação de separação in concreto; mas não se
está, aqui e por ora, avançando até esse ponto, o da i legit imidade ;
para o entendimento do conceito de parte em sentido processual
basta a indagação quanto a quem, no processo, f igura (devida ou
indevidamente, é outra história) como autor ou como réu,
efetivamente.
Eis, pois, o caráter processual do instituto da parte.
Para encerrar esse tópico, apesar de jocosa, não pode deixar de
lembrada, porque deveras ilustrativa, a afirmação exagerada de H. OTTO
DE BOOR, em opúsculo denominado “Zur Lehre vom Pateiweschsel und
vom Pateibegriff”, segundo a qual o conceito de parte formal é de tal forma
abstraído do direito material que sua definição pode assim ser resumida:
“as partes são efetivamente as partes”203.
203 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 2.2.1, p. 121.
78
§ 9º. A capacidade de ser parte
48. Por meio do exemplo acima, aflora, cristalinamente, a noção de
parte em sentido processual.
Todavia, uma coisa é o “ser parte”; outra, um pouco mais avançada, é o
“dever-ser parte”. Essa distinção, retirada da lógica deôntica, a que é própria,
permite enxergar um instituto que, a nosso ver, merece ser estremado do mero
conceito de “ser parte” em sentido processual. Já não se indaga, agora, quem é
parte, senão quem pode ser parte, ou seja, quem tem suscetibilidade de ser
parte. Uma advertência, porém: ainda aqui, está-se a trabalhar dentro do conceito
de parte em sentido processual, mas sob uma outra ótica, a do dever-ser parte.
Quando se pergunta quem deve ou não deve ser parte, deseja-se um pouco
mais do que constatar, simplesmente, quem é parte ou não é parte. Um exemplo
pode esclarecer melhor a distinção tentada: se JOÃO DA SILVA propuser uma ação
(rectius, “deduzir uma pretensão processual”) contra o Tribunal de Contas da
União, JOÃO DA SILVA será o autor e o Tribunal de Contas, o réu; até aqui se está
no plano do “ser”. No plano do “dever-ser”, entretanto, ou seja, no campo da
suscetibilidade de ser parte –ou, se se preferir, da “capacidade de ser parte”-,
indaga-se não se o Tribunal é ou não é réu, efetivamente, mas, já então, se pode
ou não ser réu; por outras palavras, questiona-se se não é a União Federal a
pessoa jurídica de direito público, que engloba o Tribunal de Contas, quem, então,
deve-ser réu ou, ao contrário, se deve sê-lo, mesmo, o Tribunal de Contas,
embora sem personalidade jurídica própria. Em suma, aquelas noções sobre
legimitidade ou capacidade podem ser aqui aplicadas para a distinção entre o “ser
parte” e o “dever-ser parte”: como um acontecimento fático, todos poderão figurar-
79
embora seja isso uma deformidade, ou seja, uma falta de
pressuposto processual, como abaixo será analisado-,
concretamente, como autor ou como réu, a tanto bastando que assim
sejam apontados na petição inicial; esse é um dado da realidade , um
dado fático; todavia, nem todos terão o mesmo quid para, sem
deformidade alguma, comparecer ao processo, no pólo ativo ou no
pólo passivo; isto é, não são todos que têm a capacidade de ser
parte, a suscetibi l idade de ser parte.
Ter capacidade de ser parte é ter capacidade para ser sujeito
de uma dada relação jurídico-processual, ou seja, capacidade de ser
sujeito processual204.
49. Acima, quando estudamos o instituto da “capacidade de ser
parte”, insistimos na distinção entre o conceito de parte em sentido
material e parte em sentido formal . Pois bem, agora temos de recuar
um pouco nessa caminhada, para dizer que, no instituto da sucessão
processual , há uma interferência profunda do direito material no
direito processual205 e, dizemos nós, a recíproca é também
verdadeira.
204 CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. Cit. Ed. cit. § 35-bis, p. 356; OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, ob. cit., loc. cit. 205 Cf., por todos, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 720 e seg.
80
§ 10. A capacidade de ser parte legítima: a chamada “legitimação para agir” (legitimatio ad causam)206
50. Demonstramos, acima, a sinonímia, construída, outrora, pelos
juristas, entre capacidade e legitimação.
Uma das espécies de legitimação, a ser, agora, versada, é a
legitimatio ad causam, também apelidada de legitimação substancial207,
porque se constitui, precisamente, na aptidão de produzir o efeito
(capacidade) de o juiz pronunciar-se sobre o direito material. O conceito de
parte, em sentido formal ou processual, alertou LIEBMAN208, nada tem que
ver com a capacidade ou legitimação para agir, que consiste na
identificação das partes justas ou legítimos contraditores; são, destarte,
partes no processo aqueles que de fato o são, como sujeitos da relação
processual, com todas as conseqüências que daí derivam e
independentemente da circunstância de serem ou não consideradas
legítimas".
Indaga-se: essa legitimidade, de que fala o art. 3º, é a mesma
206 Sobre a legitimação para agir, cf., dentre outros: CHIOVENDA, ob. cit., nº 39-B, p. 258 e seg; LIEBMAN, Manuale di Diritto Processuale Civile. Vol I. Nº 74. 3ª ed. Millano: Giuffrè, 1973, p. 122 e seg.; JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 304, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1962, p. 164 e seg.; MOACYR AMARAL SANTOS, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. Nº 129. São Paulo: Max Limonad, 1962, p. 201; LUIZ MACHADO GUIMARÃES, Carência de Ação, in Estudos de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Jurídica e Universitária Ltda., 1969, p. 101 e seg; ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil.Vol. I. Nº 122. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 375 e seg.; OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, Curso de Direito Processual Civil. Vol I. Nº 48. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 105 e seg.; EDUARDO ARRUDA ALVIM, Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 162 e seg.; ANDREA LUGO, Manuale di Diritto Processuale Civile. 13ª ed. § 9. Millano: Giuffrè, 1999, p. 21 e seg.; LUIGI PAOLO COMOGLIO, Lezioni Sul Processo Civile (com a colaboração de CORRADO FERRI e MICHELE TARUFFO). 2ª ed. Bologna: Il Mulino, 1998, p. 244; CRISANTO MANDRIOLI, Corso di Diritto Processuale Civile (Nozione Introduttive e Disposizione Generali). Nº 13. G. Giappichelli-Editore, 1998, p. 49 e seg. 207 Assim, por exemplo, ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Vol. I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1975, p. 274. 208 Manuale di Diritto Processuale Civile. vol. I. Nº 41. Ed. cit., pag. 70.
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legitimidade ad causam, ordinária ou extraordinária, a que alude o art. 6º?
E, ainda, interesse e legitimidade são termos com distintos conteúdos? A
resposta exige pesquisa, reflexão e, sobretudo, cuidados.
51. Significa o instituto da legitimatio ad causam que, para o juiz
acolher a demanda, não basta que repute existente o direito alegado pelo
autor, mas que o repute pertencente àquele que propôs a demanda (autor)
e contrário àquele contra quem essa foi proposta (réu)209. Por outras
palavras, o juiz, no exame da legitimatio ad causam, não adentra o direito
material a ponto de dizê-lo existente ou não, mas, apenas, se aquele que
pediu a proteção jurisdicional é o ente autorizado pelo sistema jurídico a
fazê-lo. A legitimatio ad causam, destarte, espelha e reflete a qualidade
para agir, seja como autor, seja como réu. De fato, toda vez que surge um
conflito de interesses, o ordenamento jurídico não dá a qualquer um a
faculdade (ou direito ou o poder ou, ainda, o direito potestativo: toda essa
distinção, algo preciosista, aqui não vai importar) de se dirigir ao juiz para
que intervenha e faça prevalecer o direito210; mas, ainda, exige o
ordenamento que somente se faça prevalecer o direito frente a quem,
realmente, seja a pessoa responsável pela observância desse direito. A
legitimatio ad causam é, assim, uma condição à apreciação do mérito,
porque o juiz vai fazer um mero exercício de raciocínio, decidindo a causa
em abstrato, in these, mas, ao contrário, somente vai examiná-la na
presença das pessoas diretamente interessadas na solução do conflito.
Auxilia o esclarecimento desse tema, sem dúvida tormentoso, o
209 CHIOVENDA, ob. cit., nº 39-B, p. 258 e seg. 210 LUIZ MACHADO GUIMARÃES, ob. cit., p. 101.
82
magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES211:
Parte legítima é aquela que tem direito a uma decisão
sobre o mérito da causa. Trata-se de conceito situado
entre o de parte no sentido processual e o de parte
vencedora. Parte é todo aquele que aparece como
sujeito processual com direito a um pronunciamento
qualquer do órgão jurisdicional; enquanto que parte
vencedora é aquela que obteve decisão definitiva (id
est sobre o mérito) favorável a seus interesses.
De outro canto, ajunta ARRUDA ALVIM212, em observação atenta:
A legitimidade é idéia transitiva, isto é, alguém é legítimo em
função de outro; vale dizer, o perfil final da legitimidade exige a
consideração do outro. Esta realidade pode, muitas vezes,
passar despercebida, mas é verdadeira. Assim, o proprietário,
que sofreu esbulho, será parte legítima ativa em face de quem,
efetivamente, esbulhou; o marido em relação à mulher, e vice-
versa, para solicitar separação; o credor em relação ao seu
devedor (e não, por hipótese, em relação à sociedade de que
faça parte o devedor) e, assim, sucessivamente”.
52. Quando se examina essa qualidade do autor para agir, falar-se
em legitimação ad causam ativa e, quando se alude à qualidade do réu
para se contrapor ao desejado materialmente pelo autor, em legitimação
ad causam passiva.
Como regra, a admitir, todavia, exceção, a parte justa, a parte
legítima, vista pelo ângulo ativo (o autor), deverá ser o titular do direito
211 Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 340. ed. cit., p. 164 e seg. 212 Manual de Direito Processual Civil. Vol. I. Nº 122. Ed cit., p. 377.
83
material que, judicialmente, formula uma pretensão contra o réu; também,
reversamente, sob o prisma, agora, do ângulo passivo (o réu), parte justa,
parte legítima, deverá, também, ser o titular do interesse resistido frente ao
autor e que, por isso, acha que o direito material deva militar em seu
proveito e não, em prol do autor.
A legitimação para agir (legitimatio ad causam), destarte, exige,
ordinariamente, que haja uma perfeita coincidência entre a parte em sentido
processual e a parte em sentido material. Note-se, porém, que, nesta afirmação,
introduzimos o advérbio ordinariamente. De fato, amiúde, é isso o que sucede: o
titular do direito material, isto é, a parte em sentido material, é parte processual
legítima (legitimatio ad causam ativa) para deduzir, judicialmente, sua pretensão
contra o réu. Igualmente, aquele que é parte passiva em sentido material, ou seja,
aquele que está obrigado a respeitar o direito material do autor, deverá, também, ser
a parte processual legítima (legitimatio ad causam passiva).
Um exemplo, pinçado, com felicidade, por OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA213,
poderá esclarecer o assunto. Celebrado um contrato de locação entre A e B, em
caso de inadimplemento do locatário, como, v. g., a falta de pagamento dos
alugueres, parte legítima (ativa) para propor a ação de despejo será o locador e,
também, parte legítima (passiva) para responder pela ação de despejo será o
locatário. Se, em vez disso, a ação for promovida pela sociedade imobiliária,
gerenciadora do contrato de locação, haverá ilegitimidade ativa ad causam.
Preciso é, nesse tema, ficar bem claro que a questão da legitimatio ad
causam, para ser deslindada, exige do juiz a observação do direito material,
213 Ob. cit., nº 4.8, p. 105.
84
mirando-lhe a vista, para determinar se uma das partes é legít ima ou
i legít ima . Não se quer dizer com isso que o juiz vá decidir, desde
logo, se o direito material protege o autor ou o réu; direito material214,
ou seja, como diz ROSENBERG215, frente às partes verdadeiras.
§ 11- Parte em razão do ofício
53. Um segmento da doutrina alemã216 construiu a f igura da
parte em razão do ofício ou, se se preferir, parte em razão do cargo
(Partei kraft Amts). O exemplo típico, dado pela doutrina teutônica, é
t irado do administrador da herança (Nachlassverwalter), ou seja, o
inventariante, e do administrador da massa fal ida (Konkursverwalter),
isto é, o nosso síndico da massa –e, também, por extensão, o
comissário, na concordata. A parte em razão do ofício atua no
processo não em virtude de um direito próprio ou de um interesse
que lhe seja inerente, mas, sim, porque tem a função de perseguir e
defender direitos e deveres de outrem217. Sustentam os sequazes
dessa doutrina que o administrador da massa fal ida, assim como o
da herança, conduz o processo em nome próprio e, pois, como parte,
destinado, porém, a produzir efeito em benefício do respectivo acervo 214 JUAN MONTERO AROCA, La Legitimación en el Proceso Civil. Nº 11. Madri: Editorial Civitas S. A., 1994, p. 51. 215 LEO ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil. Trad. de Angela Romera Vera. Vol. I. § 45. Buenos Aires: EJEA, 1955, p. 254. No entender de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO –a que não queremos aderir, por antipatia a essa história de condições da ação, mas, superada a idiossincrasia, é observação feliz-, “em rigorosa técnica processual, a legitimidade ad causam insere-se no âmbito do interesse de agir porque sua falta traduz-se em ausência de utilidade do provimento jurisdicional”.não, mas, apenas, que, na oportunidade dessa decisão, quando da sentença, fá-lo-á às partes reconhecidas pelo ordenamento jurídico como idôneas à disputa do direito material. Essa legitimação ad causam, chamada ordinãria –em contraposição à extraordinária - significa somente poder-se reconhecer o direito material ao titular do respectivo direito subjetivo e contra aquele obrigado à observância e respeito desse. 216 Cf. LENT, ob. cit., § 18, p. 63. 217 LENT, ob. cit., § 18, p. 63.
85
patrimonial218.
54. Segundo SCHÖNKE219, tais pessoas, como o administrador da massa
falida, o administrador da herança e quejandos, não podem ser consideradas
representantes, pois o círculo dos possíveis representados é objetivamente
indeterminado, além do que os interesses desses eventuais representados muitas
vezes são opostos. Na esteira desse entendimento, ensina SCHÖNKE220 que, em se
tratando os interesses de uma pessoa, atua um representante, mas, em havendo
vários interesses em pugna, a qualificação de representante a tais pessoas não
corresponde às exigências de uma prática administração da justiça e, assim, utilizar-
se da fórmula germânica, sem guardar, no entanto, absoluta fidelidade e respeito à
essência do instituto, nesses casos, atua um gestor ou fiduciário, que, diferentemente
do representante, é parte no feito. Esse entendimento, porém, não é uniforme.
ROSENBERG221 refuta-o, dando-o por equivocado.
No sistema do Código de Processo Civil brasileiro, não há lugar para
o instituto da parte em razão do ofício, nas situações mencionadas pela
literatura alemã. Nosso Estatuto, no art. 12, incisos III e IV, assim como, à
semelhança desses, o inciso IX, considera, por expresso, serem
representantes os administradores ou gestores de tais acervos, pouco
importando, assim, a observação de SCHÖNKE, quanto a não se poder falar
em representação, por serem díspares, amiúde, os interesses dos
sedizentes representados. Essa postura do Código em vigor amolda-se à
tradição do direito brasileiro e os preceitos do art. 12 do atual Estatuto
218 Idem, ibidem, loc. cit. 219 ADOLF SCHÖNKE, Derecho Procesal Civil. Tradução da quinta edição alemã por Victor Fairém Guillén e outros. § 23. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1950, p. 85. 220 Idem, loc. cit. 221 LEO ROSENBERG, ob. cit., § 39, 214.
86
constavam, em proporções mais reduzidas, do art. 85 do Código
derrogado.
55. Na pureza, portanto, com que delineiam o instituto a
jurisprudência e a doutrina alemãs, não há correspondência, no direito
positivo brasileiro, à parte em razão do ofício. Guardadas, porém, essas
proporções, podemos utilizar-nos da fórmula germânica, transportando-a
não apenas para o mandado de segurança, mas, também, para outras
hipóteses em que a ação pode ser intentada contra tais entes
despersonalizados ou nas quais podem estes intervir.
56. Não é este a quadra idônea para se proceder a uma ampla
análise do instituto denominado amicus curiae, consagrado em nosso
ordenamento jurídico, com atuação, sobretudo, no controle de
constitucionalidade normativo222. A despeito da qualificação emprestada
pelo Supremo Tribunal Federal de “colaborador informal da Corte” 223, o
tema, ainda não devidamente analisado pela doutrina brasileira, reflete, a
nosso ver, a figura da parte em razão do ofício.
§ 12º. a parte complexa
57. O conceito de “parte complexa” foi construído por CARNELUTTI224.
O processualista insigne principia sua exposição por ressaltar o sentido
222 Sobre o tema, cf. CASSIO SCARPINELLA BUENO, Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006; MIRELLA DE CARVALHO AGUIAR. Amicus Curiae. Vol V. Salvador: JusPodivm, 2005. 223 AgR na ADI 748/RS, rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 01.08.1994, DJ 18.11.1994, p. 31.392 e AgR na ADI 2581, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 11.04.2002, DJ 18.04.2002. 224 FRANCESCO CARNELUTTI, Arte del diritto. Pádua: Cedam, 1949, apud CARLO MARIA DE MARINI, “La successione nel diritto controverso”, Società Editrice del Foro Italiano, Roma, 1953, Cap. VI, nº 42, p. 160.
87
etimológico de parte. Parte, diz ele, vem contraposto ao conceito de
“tudo”ou de “unidade”; o conceito de “parte” guarda, assim, em si mesmo, o
significado de limitação, pelo que, assim, não existe uma parte que
englobe todas essas “limitações”225. A “parte” assim é chamada porque
está em relação com o “todo”226. Em virtude desse vislumbre, é possível,
portanto, que o “sujeito” do processo seja parte no sentido de gozar,
apenas, da legitimatio ad causam, vindo outro sujeito, entretanto, a
ostentar a capacidade ad processum227. Isso é possível porque “parte”
outra cosa não é senão aquele sujeito portador de um “interesse” e esse
“interesse” é o de “participar” de uma determinada situação processual que
é cindida, muitas vezes, pelo ordenamento jurídico228.
A teoria da “parte complexa”, que teve pouca simpatia da doutrina,
veio a ser retomada por CARLO MARIA DE MARINI para explicar o
fenômeno da “sucessão processual”229, como veremos no passo
apropriado.
§ 13º. A legitimação extraordinária ou substituição processual
58. Embora não se vá, hic et nunc, discorrer, profundamente acerca
do instituto preanunciado, algumas ligeiras considerações, todavia, devem
ser feitas a respeito, porque úteis à exata e cabal compreensão do tema da
legitimatio ad causam.
225 Apud CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit., loc. cit. 226 Apud CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit., loc. cit. 227 CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit., Cap. VI, nº 42 e seg., p. 154 e seg. 228 Idem, ibidem, loc. cit. 229 Ob. cit., Cap. VI, nº 42 e seg., p. 154 e seg.
88
O que acima se escreve acerca da coincidência entre a parte em
sentido material e a parte em sentido processual constitui a regra geral que
admite, contudo, exceções. Muitas vezes, com efeito, a lei (veja-se: somente
a lei pode estabelecer essas exceções) determina que, em juízo, a defesa do
direito material haverá de caber a uma outra pessoa. Por outras palavras,
nesses casos excepcionais, quem deve comparecer em juízo, para assumir a
qualidade de autor ou de réu, isto é, a qualidade de agir, não é o titular do
direito material, mas aquela outra pessoa a quem a lei a tanto determina.
Nesses casos, parte legítima não é o titular do direito material, mas aquela
outra pessoa a quem a lei atribui a qualidade de agir230. Como o denuncia a
própria nomenclatura, investe-se uma outra pessoa, não titular do
correspondente direito substancial, o atributo de provocar efeitos
jurisdicionais sobre essa situação material231.
A regra geral, isto é, o que ocorre de ordinário, é ser parte
processual legítima a mesma pessoa que é parte na relação substancial,
vale dizer, parte em sentido material; fala-se, então, nessa hipótese mais
comum, em legitimação ordinária (assim chamada exatamente por isso, por
ser a ordinária). Quando, entretanto, se está diante da hipótese em que o
230 EPHRAIN DE CAMPOS JÚNIOR, Substituição Processual. Nº 13. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, p. 16 e seg. 231 ELIO FAZZALARI, Sostituzione processuale (dir. proc. civile), in Enciclopedia del Diritto. Millano: Giuffrè, 1990, Vol. XKIII, p. 160. Segundo ELIO FAZZALARI (idem, p. 161), costuma-se falar, amiúde, em “substituição processual” como sinônimo de “legitimação extraordinária”, ao pálio de estar a pessoa dessa revestido autorizado a desempenhar atividades processuais no lugar do destinatário dos seus respectivos efeitos, mas se trata de “um emprego conceitual e lingüístico de todo impróprio , pois a “substituição processual” consiste numa species do genus “legitimação extraordinária”. Os exemplos mencionados pelo eminente processualista, tirados do ordenamento jurídico italiano, não têm, a nosso ver, semelhança com o que dá no direito brasileiro. Por isso, feita a observação, continuamos a empregar ambas as expressões como de idêntico conteúdo. De acordo com ELIO FAZZALARI (idem, p. 16o), ainda, está o substituído autorizado a ingressar na relação processual na qualidade de litisconsorte necessário, embora não vá desempenhar atividade processual “convergente” ou “divergente”, no confronto da desenvolvida pelo substituto, como se dá, por exemplo, segundo o processualista, na anulação do casamento promovida pelo Ministério Público.
89
titular do direito material não tem a qualidade de agir, conferida a uma
outra pessoa, o que sucede extraordinariamente, fala-se, daí, em
legitimação extraordinária (daquele autorizado a agir em juízo em defesa
do verdadeiro titular do direito material). Na primeira parte do art. 6º, do
Código de Processo Civil, está a regra geral (“Ninguém poderá pleitear, em
nome próprio, direito alheio...”); na segunda parte, a exceção (“salvo
quando autorizado por lei”)232.
Por isso, quando, acima, falamos sobre a distinção entre partes em
sentido formal e partes em sentido material, mencionamos o obtemperar de
PRIETO-CASTRO, segundo o qual o processo pode ser iniciado e seguido por
pessoas a quem a lei atribua a faculdade de nele exercer uma titularidade
jurídico-material alheia e, então, somente são partes em sentido formal233.
59. Tal fenômeno fora acusado, primeiramente, por JOSEF KOHLER,
em 1886, discorrendo a propósito do direito civil e, mais precisamente,
sobre o usufruto234. Deu-lhe KOHLER, em batismo, o nome de
Prozesstandschaft (estado processual, situação processual), traduzido, por
CHIOVENDA, construtor do instituto para o mundo latino, por substituição
processual, terminologia que restou, afinal, consagrada235. Para KOHLER,
a substituição processual decorre da relação de direito substancial,
existente entre o substituto e o substituído, por força da qual se confere ao
232 Demonstrou ARRUDA ALVIM (Impossibilidade de Substituição Processual Voluntária face ao Código de Processo Civil, in Revista de Processo. Nº 5. Ano 1977, p. 216 e seg.), ser impossível, por convenção das partes, instituir-se a substituição processual. Nesse mesmo sentido, WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 65, p. 135 e seg. 233 LEONARDO PRIETO-CASTRO Y FERRANDIZ, Derecho Procesal Civil. Vol. 1º. Nº 27. 2a. ed. Madri: Editorial Tecnos, 1974, pags. 56 e 57. 234 Apud ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Vol. I, nº 41. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1975, p. 426 e seg., e JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 373. Ed. cit., p. 224. 235 ARRUDA ALVIM, idem, loc. cit.; JOSÉ FREDERICO MARQUES, ibidem, loc. cit.
90
substituto o direito subjetivo de se fazer presente em juízo236. Esse
conceito de substituição processual foi transportado para o âmbito do
processo civil por HELLWIG, que ao instituto deu o nome de
Prozessfürungsrecht (poder de conduzir o processo), atribuindo, assim, ao
substituto um direito de caráter exclusivamente processual237.
Consiste a substituição processual, em síntese, no verdadeiro
descompasso, autêntica dissociação, entre duas titularidades jurídicas: a
de direito material e a de direito processual238. Na substituição
processual, é parte em sentido processual uma pessoa distinta do titular do
direito substancial239. Essa parte processual age, no processo, em nome
próprio (exatamente por isso, é parte processual), mas defendendo direito
material alheio240. Esse, o timbre da substituição processual, o agir em
nome próprio, defendendo, porém, como autor ou réu, pouco importa,
direito alheio. Distingue-se, por isso, da representação (pense-se, por
exemplo, na hipótese de mandato), na qual o representante age em nome
alheio (em nome do representado) e em defesa do direito alheio (do
representado, obviamente)241. No caso de representação quem figura,
portanto, como parte em sentido processual é o representado (que,
também, como evidente, é parte em sentido material). Distingue-se,
igualmente, a substituição processual da sucessão processual, prevista,
esta, no art. 41 do Código de Processo Civil (com evidente erronia de 236 Cf. WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, Substituição Processual. Nº 40. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971, p. 87. 237 Idem, ibidem, nº 40, p. 87 e 88. 238 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 40, p. 88; ARRUDA ALVIM, idem, loc. cit.; JOSÉ FREDERICO MARQUES, ibidem, loc. cit. 239 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Nº 68. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 77. 240 LEO ROSENBERG, ob. cit., § 45, p. 257. 241 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 43, p. 91.
91
nomenclatura, pois o Código alude, equivocadamente, aí, a substituição
processual).
Exemplo clássico242 de substituição processual é o marido que, no
regime dotal, administra os bens da mulher e, pois, na dicção do art. 289,
do Código Civil, pode “usar das ações judiciais” em defesa de tais bens.
Mas há muitas outras hipóteses. Para não se estender em demasia,
mencione-se o caso do art. 527 do Código Comercial, legitimando o
capitão do navio -o qual, portanto, não é o dono ou afretador da
embarcação- a promover o arresto da carga transportada para garantir o
pagamento do frete243, e a hipótese do gestor de negócios que atua em
juízo na defesa dos direitos do gerido (art. 1.331, do Código Civil)244.
60. Autorizada doutrina245 sustenta que nas hipóteses de atuação
do Ministério Público como parte (Código de Processo Civil, art. 81), fá-lo a
Instituição na qualidade de substituto processual. Com lastro nesse
entendimento, quando o Ministério Público Federal, promove a ação
declaratória de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público (Constituição Federal, art. 105, inciso I, letra a, e art. 103, item VI),
atua como substituto processual e, da mesma forma, quando o Ministério
Público estadual ou o do Distrito Federal promove a ação de anulação de
casamento (na hipótese do art. 208, inciso II, do Código Civil), a ação de
dissolução das sociedades comerciais (na hipótese do art. 670 do Código
242 Cf. LEO ROSENBERG, ob. cit., § 45, p. 257; CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. Nº 224. Ed. cit., p. 348 e 349. 243 EPHRAIM DE CAMPOR JÚNIOR, ob. cit., p. 44. ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Nº 45. Ed. Cit., p. 442. 244 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 60, p. 125. 245 PIERO CALAMANDREI, Instituciones de Derecho Procesal Civil. Trad. de Santiago Sentís Melendo, Vol. II. Buenos Aires: Ejea, p. 438 e seg.; LIEBMAN, ob. cit., nº 74, p. 125.
92
de Processo Civil de 1939, nesse tocante em vigor), a ação de extinção
das fundações (na hipótese do art. 30, parágrafo único, do Código Civil,
com a qual se relaciona a do art. 1.204 do Código de Processo Civil), atua,
igualmente, como substituto processual246. Essa posição doutrinária não
é, porém, unânime, na Itália247, pois forte corrente considera defender o
Ministério Público, em juízo, direito que lhe é próprio, conferido, que lhe
foi, pelo ordenamento jurídico, e, portanto, está o órgão, nesses casos,
legitimado ordinariamente para demandar.
§ 14º. A substituição processual: desconsiderações do fenômeno.
61. Como já se disse, o instituto da substituição fora concebido por
KOHLER, primeiramente248, desenvolvido, na Alemanha, por HELLWIG, e
introduzido, o respectivo estudo, na Itália, graças ao germanismo de
CHIOVENDA, vindo, a partir daí, a sedimentar-se na cultura jurídica do
mundo latino249.
Porém, não foram todos os doutrinadores que aceitaram a
construção dogmática da substituição processual. Na Itália, UGO ROCCO,
SALVATORE SATTA, ANTONIO SEGNI e MARCO TULLIO ZANZUCCHI não a
admitem.
246 É a opinião de JOSÉ FERNANDO DA SILVA LOPES, O Ministério Público e o Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 12. 247 Cf. HENRIQUE FAGUNDES, O Ministério Público Federal na defesa, em juízo, da União Federal, in Revista de Processo nº 05 (ano 1980), p. 38 e seg. 248 ARRUDA ALVIM (Código de Processo Civil Comentado. Ed. cit., nº 4.1., p. 427), de forma não expressa, mas, implícita, atribui a ADOLF WACH, adjetivado pelo mestre paulista como “o mais completo processualista alemão, maior mesmo do que OSKAR VON BÜLOW”, a anterioridade no vislumbre do instituto. 249 Cf. ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Ed. cit. Nº 4.1., p. 439.
93
ROCCO concorda em apontar, no fenômeno jurídico mencionado, uma
não coincidência entre o sujeito processual com o sujeito substancial, mas
entende ser isso um problema não jurídico, mas, metajurídico, que os
sistemas ainda não explicaram satisfatoriamente250. A inexistência da
repercussão do fenômeno no campo processual, leva ROCCO a concluir que
o substituto não defende direito alheio, quando se queira entender por
essa expressão o direito de agir251. Assim, ao deduzir uma pretensão
processual, o substituto exerce um direito que lhe é próprio, o direito de
ação252.
SALVATORE SATTA, assim como ANTONIO SEGNI, que comunga da opinião do
primeiro, não concordam com a redução do fenômeno a uma categoria própria, a
da substituição processual253. Para eles, vista a situação pelo lado meramente
processual, o denominado substituto age por direito próprio254. SATTA examina
vários casos, alguns duvidosos na doutrina, de substituição processual para,
depois, concluir no sentido de que, em todos, o apelidado substituto age em
defesa de direito próprio255. Na consagrada hipótese do marido que comparece
em juízo para a defesa dos bens dotais, diz SATTA, o varão demanda por um
direito próprio, o de administrador dos bens dotais256.
ZANZUCCHI, partindo da distinção ente o agir em nome próprio e o agir no
próprio interesse, entende que o substituto age, na verdade, em nome próprio,
250 Apud ARRUDA ALVIM, Código de Processo Civil Comentado. Ed. cit. Nº 4.1., p. 437. 251 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 61, p.128. 252Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., loc. cit. 253 Apud ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., loc. cit. 254 Idem, ibidem, loc. cit. 255 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., loc. cit. 256 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., loc. cit.
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mas condicionado por um interesse que tem na causa257. Tal interesse, porém, é
metajurídico, ou seja, emana do legislador, quando estatui sobre a legitimidade
para agir em juízo, nesse ou naquele caso258. Assim, o juiz, no caso concreto, não
vai indagar se há um interesse em discussão que é próprio do dizente substituto,
mas, sim, se a lei processual ou, mesmo, a lei material (que, nessa hipótese,
será, intrinsicamente, processual) atribui ao autor ou ao réu, conforme o caso,
legitimidade para litigar em juízo259.
Realmente, casos há, rotulados de substituição processual, em que,
perfeitamente, se pode sustentar agir o chamado substituto em defesa de um
direito próprio, como no caso do marido, no regime da comunhão dotal, ou do
Ministério Público, nas hipóteses em que atua como parte. De outro lado,
sedutora, também, é a tese de ZANZUCCHI. Todavia, dentre os que se opõem à
construção de uma categoria própria para a apontada situação, nenhum deles
nega a existência do fenômeno. Uma vez consagrado na doutrina, ainda que com
as mencionadas oposições, o instituto em exame, parece inserir-se a
recalcitrância na aceitação da substituição processual, na esteira da definição já
sedimentada, no campo das discussões bizantinas, tão ao gosto dos sábios
religiosos da antiga capital do Império Romano do Oriente.
§ 15º. O alienante ou cedente como substituto processual do adquirente ou cessionário
62. O Código de Processo Civil, já o dissemos, vale-se, inadequadamente,
ora do termo “substituição” –assim, especificadamente, na rubrica “Da
257Apud ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., nº 4.1., p. 432 258Idem, ibidem, loc. cit. 259Idem, ibidem, loc. cit.
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Substituição das Partes e dos Procuradores”, no Capítulo IV, do Título II, do Livro
I)-, ora do equivalente verbal “substituindo” –no § 2º, do art. 42: “o adquirente ou o
cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante ou cedente,
sem que o consinta a parte contrária”260.
No entanto, o fenômeno da substituição processual pode, realmente,
verificar-se, uma vez ocorrida, no plano do direito material, a sucessão na
coisa ou no direito litigioso. Trata-se, porém, de hipótese inversa à prevista
no § 1º, do art. 42. Ali, diz-se que o adquirente ou cessionário podem
“substituir” o alienante ou cedente; aqui, afirma-se que esses últimos, o
alienante ou o cedente é que podem ser substitutos processuais dos
primeiros, o adquirente ou o cessionário.
Com efeito, na hipótese de não restar consentida a “sucessão
processual” (erradamente mencionada pelo Código de “substituição da
parte”), quem continuará, na relação processual, como parte (e, aí, parte
em sentido formal, apenas) será o transmitente, ao qual o Código
denomina de “alienante” ou “cedente”. Esse, então, defenderá, em nome
próprio, um direito material de outro, o “adquirente” o “cessionário”, o que
se delineia como típica hipótese de substituição processual.
Essa situação, embora, no Brasil, pouco ou nada se tenha dito a
260Sobre a imprecisão da nomenclatura, de resto, patente, cf. ARRUDA ALVIM (“Tratado de Direito Processual”, ed. cit., p. 723) e CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (ob. cit., p. 172 e seg.). Nem mesmo a lembrança de haver o Código de Processo Civil se valido do termos “substituição” e “substituindo” em sentido vulgar pode atenuar-lhe a reprovação terminológica. Como muito lembra esse último doutrinador, nem sempre o alienante ou cedente é substituído, no processo (idem, ibidem, loc. cit.).Sobre a imprecisão da nomenclatura, de resto, patente, cf. ARRUDA ALVIM (“Tratado de Direito Processual”, ed. cit., p. 723) e CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (ob. cit., p. 172 e seg.). Nem mesmo a lembrança de haver o Código de Processo Civil se valido do termos “substituição” e “substituindo” em sentido vulgar pode atenuar-lhe a reprovação terminológica. Como muito lembra esse último doutrinador, nem sempre o alienante ou cedente é substituído, no processo (idem, ibidem, loc. cit.).
96
respeito, não é novidade na doutrina. Na Alemanha, JOSEPH KOHLER
ensinava, frente ao direito daquele país, restritivo, como vimos, do
ingresso do adquirente ou cessionário no processo em curso, que a
permanência, na causa, do transmitente, teria explicação nas vestes do
instituto da substituição processual261. Da mesma forma, HELLWIG, no
analisar o § 265, da Zivilprozessordnung, entreviu, na atividade do
alienante ou do cedente, que, na Alemanha, permanecem no processo, um
exemplo típico de substituição processual262. Na Itália, CRISANTO
MANDRIOLI obtempera que o fenômeno de, na sucessão processual, não se
dar o ingresso, no processo em curso, do adquirente ou do cessionário,
“põe em evidência que o alienante age (ou resiste), em juízo, para fazer
valer um direito que não é mais seu, com a conseqüência de estarmos
diante de uma exceção à regra da legitimação de agir, ou seja, frente a um
dos casos de legitimação extraordinária”263.
63. Problema, é verdade, será explicar o fenômeno da substituição
processual, frente à regra, segundo a qual, na sucessão processual, a
eficácia da coisa julgada vincula tanto o transmitente quanto o adquirente
ou o cessionário. Fiel a esse princípio, dispõe o § 3º, do art. 42, do Código
de Processo Civil:
A sentença, proferida entre as partes originárias,
estende os seus efeitos ao adquirente ou ao
cessionário”. alienação da coisa ou do direito litigioso,
a título particular, por ato entre vivos, não altera a 261 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., p. 303. 262 Apud PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., p. 305 e seg. 263Ob. cit., p. 361. Em sentido diverso, expressamente, da admissão da substituição processual, no instituto da sucessão por ato inter vivos, cf. FERRUCCIO TOMMASEO, “L’Estromissione di una parte dal giudizio”, Giuffrè, 1975, p. 248 e seg.
97
legitimidade das partes.
WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, em conhecida monografia
sobre o tema, demonstrou não existir, entre os doutrinadores, uniformidade
de opinião, a uma, quanto à extensão da coisa julgada material ao
substituído, além na natural eficácia, que possui, no confronto do
substituto, e, a duas, quanto aos fundamentos para tanto264. Tendo em
vista a norma do § 3º, do art. 42, em apreço, não nos interessa discutir
quem, no instituto da substituição processual, deverá submeter-se à
eficácia material da sentença, se o substituto ou o substituído. Nos termos
desse § 3º, a eficácia da sentença estender-se-á tanto ao transmitente
quanto ao adquirente ou ao cessionário, de forma que, ao se admitir possa
aquele desempenhar o papel da substituição processual, quando
inadmitido o ingresso dos últimos na relação processual em curso, haver-
se-á de entender, corolariamente, que a eficácia dessa mesma sentença
alcançará quer o substituto (no caso, o transmitente) quer o substituído (o
adquirente ou o cessionário). Assim, por força da lei, a primeira indagação,
formulada in thesi, a eficácia da sentença, certo ou errado, não importa,
alcança, a um só tempo, o substituto (o transmitente) e o substituído (o
adquirente ou o cessionário). Remanesce, portanto, apenas a questão de
saber quais os fundamentos para tanto.
264 “Substituição Processual”, Editora Revista dos Tribunais, 1971, nº 77 e seg., p. 167 e seg.
98
§ 16º. A substituição processual e o art. 472, primeira parte, do CPC.
64. Na literalidade do art. 472, primeira parte, de nosso Estatuto
processual, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada,
não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. De outro canto, como
ensina a doutrina, “o substituto é parte no processo e o substituído não”265.
Aplicando-se, portanto, aquela primeira parte do art. 472 à substituição
processual, seremos levados a concluir que a sentença fará coisa julgada
para o substituto, que é parte no processo. Acontece, porém, que, em se
tratando de substituição processual, não é assim. Se o instituto da
substituição pressupõe, precisamente, o poder de um alguém fazer valer,
no processo, um direito alheio, é óbvio que a coisa julgada material vai
alcançar não o substituto, mas o substituído266. Ademais, nas pretensões
condenatórias, não se pode compreender que a condenação seja
pronunciada a favor ou contra o substituto, pois o condenado há de ser o
titular do direito substancial, isto é, o substituído267. Assim, nos casos em
que a substituição não se estende, necessariamente, a todo o processo,
pois o titular da relação jurídica nesse poderá adentrar, como, por
exemplo, o armador na demanda intentada, em seu nome, pelo capitão do
navio268, formando-se a coisa julgada, na lide em que foi parte o
substituto, não poderá o substituído, de forma alguma, pretender rediscutir,
265 WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., nº 59, p. 124. 266 EPHRAIN DE CAMPOS JÚNIOR, ob. cit., nº 13.2.1, p. 76. 267 EPHRAIN DE CAMPOS JÚNIOR, ob. cit., loc. cit. 268 Cf. CHIOVENDA, “Instituições”, Vol. II, nº 225, p. 352 e 353.
99
em nome próprio, o que fora objeto da sentença passada em julgado, não
mais podendo, em idêntica demanda, ser réu ou autor269.
Há, portanto, na primeira parte do art. 472, do Código de Processo
Civil, o emprego da locução parte, com um sentido diverso do que se
encontra em outros passos do Estatuto. Na lição de COMOGLIO, o termo
parte, aqui, tem o significado de pessoas destinatárias dos efeitos da
sentença270.
65. Na doutrina da substituição processual, autores há, como KISCH,
na Alemanha, e GARBAGNATI e MICHELI, na Itália, que sustentam sofrer o
substituto processual, como parte, os efeitos processuais da sentença,
como a responsabilidade pelo pagamento das despesas do processo271.
ANA PAULA COSTA E SILVA, mais modernamente, cuidando especificamente
do tema, ensina que a vinculação do alienante aos efeitos da sentença
deverá ocorrer na medida, apenas, em que seja compatível a esse último,
na sua qualidade de parte formal272. Desse modo, continua a jurista
lusitana, somente os efeitos processuais (maxime, a obrigação pelo
pagamento das custas) refletir-se-ão diretamente no transmitente273.
A nosso ver, assim deve ser entendido o § 3º, do art. 42, do Código
de Processo Civil: o transmitente, na hipótese em que se não consinta ao
adquirente ou cessionário ingressar na relação processual, nessa atuará
269 � ARRUDA ALVIM, “Tratado de Direito Processual Civil”, Editora Revista dos Tribunais, 1990, Vol. I, nº 4.3, p. 529. 270 LUIGI PAOLO COMOGLIO, “Lezioni sul Processo Civile”, com a colaboração de CORRADO FERRI e MICHELE TARUFFO, Il Molino, 1998, 2ª ed., p. 288. 271 Apud WALDEMAR MARIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR, ob. cit., p. 168. 272 Ob. cit., nº 3.2.2., p. 282. 273 ANA PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., p. 282.
100
na qualidade de substituto processual e, portanto, na parte formal. Ficará,
pois, submetido, apenas, à eficácia processual da coisa julgada. O
adquirente ou o cessionário, exatamente porque, então, se erigem em
titulares do direito material controvertido ou da coisa litigiosa, sujeitar-se-
ão aos efeitos materiais da decisão, até porque, quando mais não seja,
somente é possível, no plano da realidade, subordinar alguém à eficácia
material do julgado quando esse bem material lhe toca; quem não possui,
como o substituto (no caso, o transmitente) o direito material, a sentença
de mérito não pode atingi-lo; o direito material assentado, portanto, nesse
pronunciamento judicial, somente pode repercutir em quem, no processo,
se afigura como titular desse mesmo direito material, ou seja, o substituído
(no caso, o adquirente ou o cessionário).
O § 3º, do art. 42, do Código de Processo Civil, não fala que o
transmitente e o adquirente ou cessionário estarão submetidos à eficácia
material da sentença e, tampouco, poderia fazê-lo, sob pena de pronunciar
um absurdo. Diz, apenas, que “a sentença estende seus efeitos ao
adquirente ou ao cessionário” e isso, como se disse, é da própria natureza
das coisas. Titular do direito material, o adquirente ou o cessionário ficará
adstrito à eficácia material do julgado, como substituídos processuais; aos
efeitos processuais da sentença, ficará submetido o alienante ou cedente,
substitutos processuais.
Apenas, um derradeiro esclarecimento: o substituto (isto é, o adquirente ou
cessionário) não se torna co-responsável pelos efeitos processuais da sentença.
De fato, está-se, na quadra, a cogitar da vedação, ao adquirente ou cessionário,
de seu ingresso na relação processual em curso. Ora, isso somente se pode dar,
101
como acima salientado, por ato do litigante adversário. Esse, portanto, no renitir
ao ingresso do adquirente ou cessionário, assume, inteiramente, a
responsabilidade decorrente da permanência, no feito, do alienante ou cedente,
inclusive no tocante à sua eventual insolvência ou, quando menos, aos
empeços no atendimento concreto aos efeitos processuais da sentença.
§ 17º. a perpetuatio legitimationis
66. Preceitua o art. 42 do Código de Processo Civi l pátrio que
“a alienação da coisa ou do direito l i t igioso, a título particular, por
ato entre vivos, não altera a legit imidade das partes”.
A locução “não altera a legit imidade das partes” não signif ica, à
evidência, estar-se a proibir a “alienação da coisa ou do direito
l i t igioso”. Ao reverso, o art. 42, do Código de Processo Civi l,
contempla a possibil idade de, no plano do direito material, vir a
acontecer a “alienação da coisa ou do direito l i t igioso”274.
Entretanto, constata-se que, a apesar de ocorrer a alienação da
coisa ou do direito l i t igioso, reputada, por via de conseqüência,
válida e eficaz , no plano do direito material, esse negócio jurídico
não altera, só por si, a legit imidade das partes, ou seja, consolida-se
a perpetuatio legit imationis275, mas, nos termos do § 3º, desse
mesmo art. 42, “a sentença, proferida entre as partes originárias,
estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário”. Sobre os
274 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 721. 275 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 721.
102
efeitos da sentença, no tema da sucessão material na coisa ou no
direito l it igioso, diremos em pouco.
67. Importante, contudo, é salientar, no passo, haver a doutrina
construído, no tema da legitimidade ad causam –a que, evidentemente, se
refere o art. 42, do Código de Processo Civil-, a regra da coincidência,
segundo a qual a legitimidade processual (Prozessführungsbefugnis), que
a tanto corresponde, em sinonímia, a legitimatio ad causam, deve coincidir
com a legitimidade material (Sachelegitimation)276, ou seja, as partes da
relação jurídico-material devem coincidir com as partes da relação jurídico-
processual, salvo, é claro, a hipótese da denominada substituição
processual.
Daí porque, a rigor, a legitimidade processual
(Prozessführungsbefugnis), na hipótese de sucessão inter vivos, deveria
ostentá-la, em princípio, apenas o adquirente ou cessionário. Exatamente
por isso, tornou-se indispensável o preceito do art. 42, caput, do Código de
Processo Civil: “A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título
particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”. Está aí
contemplada a perpetuatio legitimationis, por força de lei.
68. O princípio da perpetuatio legitimationis remonta às fontes
romanas277, com lastro nas quais os canonistas extraíram as máximas per
276 Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 1, p. 134 e seg. 277GIUSEPPE CHIOVENDA, “Instituições de Direito Processual Civil”, ed. cit., vol. cit., nº 256, p. 449. A explanação de Chiovenda é feita tendo em vista o problema da perpetuatio iurisdictiones, mas, quer essa, quer a perpetuatio legitimationis, decorrem, uma e outra, do princípio per citationem perpetuatur iurisdicitio e ubi acceptum est semel iudicium, ibi et finem accipere debet, tendo os dois a mesma gênese. Para uma completa análise e compreensão da evolução histórica do instituto da perpetuatio iurisdictionis, fundamental é o estudo empreendido por CHIOVENDA, “Sulla “perpetuatio iurisdictionis” (in Saggi di Dirittto Processuale Civile”, Società Editrice “Foro Italiano”, Roma, 1930, Vol. I, p. 271 e seg).
103
citationem perpetuatur iurisdicitio e ubi acceptum est semel iudicium, ibi et
finem accipere debet278. O princípio passou para o direito comum e, com
as codificações, foi adotado pelos países da Europa Continental, de
tradição romanística279.
O direito canônico desenvolveu o aforismo per citationem perpetuatio
jurisdictio como decorrência da litis contestatio ou, mais, precisamente,
como efeito processual da litis contestatio. E, de fato, estudando, notável
e profundamente, o instituto da litis contestatio, desde o antigo direito
medieval até seu abrigo no Código Canônico, ELIO MAZZACANE demonstra,
com apoio no ensinamento de REIFFENSTUEL, que os canonistas da Idade
Média, interpretando o direito justinianeu, estendiam os efeitos da
litiscontestatio à própria constituição do juízo (“Hinc ante litem contestatam
proprie no dicuntur iudicium”) e, uma vez assim constituído, operava-se a
perpetuatio jurisdictionis (“...iudicium incipit quoad tres effectus...primo
primum quidem quoad perpetuandam iurisdictionem delegatam...”)280 .
Com a evolução do direito canônico, por fim, a estabilização da
demanda, primitivamente nascida do caráter contratual ou quase-contratual
da litis contestatio, emerge, assumindo essa circunstância caráter público,
Anota HÉLIO TORNAGHI (Ob. cit., p. 297, nota 61): “...afirma CHIOVENDA que a expressão perpetuatio iurisdictionis vem do Direito Canônico. É possível. Mas estou inclinado a acreditar que esse rótulo não se deve apenas ao emprego do verbo perpetuar em cânones citados pelo eminente mestre italiano, mas também à semelhança com a perpetuatio obligationis”. 278 Anota, nesse passo, HÉLIO TORNAGHI (Ob. cit., p. 297, nota 61): “...afirma CHIOVENDA que a expressão perpetuatio iurisdictionis vem do Direito Canônico. É possível. Mas estou inclinado a acreditar que esse rótulo não se deve apenas ao emprego do verbo perpetuar em cânones citados pelo eminente mestre italiano, mas também à semelhança com a perpetuatio obligationis”. CHIOVENDA, “Sulla perpetuatio iurisdictionis”, loc. cit., p. 291; UGO ROCCO, “Corso di Teoria e Pratica del Processo Civile”, Libreria Scientifica Editrice, Nápolis, 1951, Vol. I, Cap. IV, nº 3, p. 360. 279Demonstra, aliás, ARRUDA ALVIM (“A perpetuatio jurisdictionis no Código de Processo Civil Brasileiro”, in Revista de Processo, Editora Revista dos Tribunais, 1976, nº 4, p. 29) que, também em países não ocidentais, como na Polônia e na antiga União Soviética, o princípio viera a prevalecer. Idem, ibidem, p. 291 e seg. 280 Ob. cit., p. 158 e seg, especialmente, nota 1.
104
como efeito da litispendência, a proibição tanto da mutatio libelli quanto da
renuntiatio instantiae281. Diz, em verdade, ELIO MAZZACANE que, dado o
significado que o ato processual demanda assume em qualquer que seja o
sistema processual, de criar e constituir a situação sobre a qual se
desenvolverá o processo, é uma exigência lógica da defesa do réu que,
uma vez posta a base do processo, essa não mais poderá alterar-se282. É
essa uma exigência de ordem pública que não provém de nenhum
contrato, como tal, de resto, então considerada a litis contestatio283. Em
suma, a finalidade da perpetuatio legitimationis, na doutrina canonista,
deriva de razão processual, nascida da litispendência284.
69. O preceito do Direito Canônico, segundo CHIOVENDA,
condensado, então, na frase per citationem perpetuatur iurisdicitio, não se
contentava, ao reverso do quanto, literalmente, pudesse ensejar, com o
mera citação285. CHIOVENDA, na tentativa de explicar o fundamento da
perpetuatio jurisdictionis, fazendo-a repousar na aplicação do princípio
victus victori, remontava, no direito antigo, o momento da propositura da
demanda, aos efeitos da litis contestatio, com base no escólio de
SAVIGNY286. À luz do direito moderno, porém, CHIOVENDA afastou decorrer o
momento da propositura da demanda da eficácia da litis contestatio,
doutrinando: “Afaste-se a presunção de que a relação processual se
281 Cf. ELIO MAZZACANE, ob. cit., p. 101 e seg. e, especialmente, p. 163 e seg. 282 Ob. cit., p. 167. 283 Cf. ELIO MAZZACANE, ob. cit., p. 101 e seg. 284 Segundo RICARDO REIMUNDÍN (“La prohibición de innovar en el estado de la cosa o derecho litigiosp”, in Revista de Derecho Procesal, dirigida por HUGO ALSINA, Compaňia Argentina de Editores, S. R..L., Buenos Aires, 1943, nº III, p. 240,), o direito romano houvera consagrado o princípio lite pendente nihil innovetur; omnia suo statu esse debet donec res finiatur, incorporado pelo direito canônico, como um dos efeitos da citação. 285 CHIOVENDA, “Sulla Perpetuatito Jurisdictionis”, ob. cit., p. 274. 286“Sulla perpetuatio jurisdictionis”, in ob. cit., p. 274 e 275.
105
constitua e complete no momento em que ocorre o comparecimento das
partes, ou de uma delas, perante o juiz. Opinião tal encarta-se na
reminiscência dos sistemas históricos, segundo os quais, para a
constituição da lide, era necessária a vontade do réu, ao passo que, nos
sistemas modernos, como no italiano, as partes se acham envoltas na
relação processual pelo fato, unicamente, da demanda, queira ou não
queira o réu”287. E, passos antes, advertiu o genial processualista: “Como
já se disse, o ato constitutivo da relação processual é a demanda judicial:
o momento em que existe uma demanda judicial é, pois, também, o
momento em que nasce a relação”288. Daí, concluir: “Por isso, a demanda
judicial existe no momento em que se comunica regularmente à outra
parte; nesse momento existe a relação processual”289. Fiel a essa
tradição, o Código de Processo Civil de 1939, em seu art. 196, dispunha:
“A instância começará pela citação inicial válida...” E o art. 292 daquele
Estatuto preceituava: “Feita a citação, considerar-se-á proposta a ação”.
Por isso, ensinava, então, PONTES DE MIRANDA290: “As transformações
entre o despacho e a citação influem na competência. Só não influem os
posteriores à propositura da demanda”, ou seja, complementamos nós,
depois da citação válida. Daí, à época do Código derrogado, doutrinar JOSÉ
FREDERICO MARQUES: “A citação válida dá causa à instauração da instância
(Cód. de Proc. Civil, art. 196), além de outros efeitos que produz e que
vêm mencionados no art. 166 do estatuto processual vigente”291.
287 “Instituições de Direito Processual Civil”, ed. cit., vol. cit., nº 242, p. 399 e seg. 288 CHIOVENDA, “Instituições de Direito Processual Civil”, ed. cit., vol. cit., nº 242, p. 399. 289Idem, ibidem, loc. cit. 290“Comentários ao Código de Processo Civil”, Forense, 1947, Vol. I, p. 517. 291“Instituições de Direito Processual Civil”, Forense, 1962, 2ª ed., Vol. II, nº 531, p. 476.
106
70. Acresce, porém, haver o Código de Processo Civil em vigor
rompido, em parte, no art. 263, com a noção de ser a relação jurídico-
processual, quanto ao instante de seu nascimento, frise-se, um actus trium
personarum. O escólio é de ARRUDA ALVIM, na esteira do qual, no direito
anterior, o ato da propositura da ação decorria do estabelecimento da
triangularidade, mas, no direito vigente, veio a ser alterada a sistemática,
por adotar o legislador, à semelhança do direito português, uma
modalidade de formação escalonada do processo, ou seja, centralizou-se,
fundamentalmente, na citação, grande parte dos efeitos dos atos
processuais, embora se localizem efeitos oriundos da formação do
processo em outros atos, de que é exemplo o art. 263292.
Essas considerações, entretanto, não se aplicam à perpetuatio
legitimationis. A relação processual, tomada como sinônimo de processo,
inicia-se nos termos do art. 263, do Estatuto em vigor, mas os efeitos
desse início, no confronto do réu, somente se dá com a citação válida: é o
que prescreve ao art. 219, caput, a saber. “A citação válida torna prevento
o juiz, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada
por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a
prescriçao”. Exatamente por isso, depois de instaurada a relação
processual, constitui modificação da ação (rectius, do processo), a
mudança das partes, como assevera JOSÉ FREDERICO MARQUES. O
festejado processualista acrescenta: “A litispendência fixa não só a
292 “A perpetuatio jurisdictionis no Código de Processo Civil Brasileiro”, ob. cit., p. 31 e 32. Aliás, MICHEL (GIAN ANTONIO MICHELI, OB. CIT., Nº 33, P. 115) mesmo diante do direito italiano, que não contém dispositivo semelhante ao nosso art. 263, acentua dever-se entender o princípio da perpetuatio jurisdicitionis tendo-se presente o momento em que se pede a tutela jurisdicional.
107
extensão objetiva do litígio, com base no pedido, como ainda os elementos
subjetivos da res in iudicio deducta”293. Como já salientado, um dos
efeitos da lide pendente (“pendente de decisão”) ou, melhor, dessa
litispendência, é a estabilização subjetiva da demanda. Isso se dá com a
citação válida (art. 219) do Código de Processo Civil294. Donde o princípio
de que “nenhuma das partes pode ser substituída, na instância, e
tampouco assumir outra qualidade diversa da que possuía
originariamente”295. Esse é o chamado efeito da estabilização da
demanda296 que, no Código de Processo Civil português, logrou obter
disposição específica, como se lê do art. 268º, verbis: “Princípio da
estabilidade da instância. Citado o réu, a instância deve manter-se a
mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as
possibilidades de modificação consignadas em lei”. Essa, por derradeiro, é
a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do
REsp nº 782.980/SC, quando deixou assente: “Ainda que sem citação do
alienante, o conhecimento prévio – de alienante e adquirente – sobre a
existência de ação proposta sobre coisa ou direito objeto de alienação, a
título particular, por ato entre vivos, implica ciência de respectiva
litigiosidade do bem alienado e, por isso, não altera a legitimidade das
293 “Instituições de Direito Processual Civil”, Forense, 1962, 2ª ed., Vol. III, § 125, nº 680, p. 226 e 227. 294 HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 199, nota 47. Mas é o próprio jurista quem adverte: “Devo, lealmente, reconhecer que alguns autores admitem o uso da palavra litispendência nos dois sentidos. Para citar apenas um dos maiores: Chiovenda...A melhor orientação, porém, é a que reserva a cada palavra um único sentido. O código teve escrúpulos em empregar o termo instância, tradicional entre nós, por não ser unívoco. Isso apesar de que no contexto era sempre possível saber com qual significado a palavra era utilizada. Ninguém iria confundir o sentido dela na expressão 2ª instância com o que ela tem em absolvição da instância. Está bem: respeitemos a suscetibilidade dos redatores da lei. Mas, então, por que não ser igualmente zeloso em tudo. Por que dizer no art. 219 que a citação válida induz litispendência e no art. 301 afirmar que há litispendência quando se repete a ação?” (HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Editora Revista dos Tribunais, 1978, 2ª ed., Vol. II, p. 153, nota 49). 295 JOSÉ FREDERICO MARQUES, ob. cit., loc. cit. 296 Cf., exemplificativamente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “Instituições de Direito Processual Civil”, Malheiros Editores, 2001, Vol. II, nº 403 e seg., p. 50 e seg.
108
partes originárias da demanda proposta sobre o objeto da alienação”297.
§ 18º. A fraude à execução e a perpetuatio legitimationis
71. O problema da perpetuatio legitimationis é, sobretudo, importante
na medida em delimita a licitude da ilicitude, na transmissão da coisa ou do
objeto litigioso.
Vimos que, no plano do direito material, a alienação da coisa ou do
objeto litigioso é, de ordinário, admissível. Há hipóteses, entretanto, em
que essa alienação no plano material invade de tal forma o processo, que
lhe subtrai a finalidade última, que é o de satisfazer concretamente o
direito ofendido. Trata-se do fenômeno denominado de “fraude à execução”
e, como decorre da própria nomenclatura, visa a impedir que a “execução”,
em se tratando da denominada “execução por título extrajudicial”, ou a
“execução da sentença”, chamada, hoje, de “cumprimento da sentença”, se
realize em termos concretos298. A fraude à execução consiste, em rápidas
palavras, na alienação ou na oneração real de bem do executado (ou, em
caso de sentença, do vencido), a um terceiro, a fim que, subtrair esse bem
(ou ao menos, em caso de oneração real a posteriori, de subtrair os
direitos plenos da respectiva propriedade), do patrimônio que vai
responder pela execução ou pelo cumprimento da sentença.
Pois bem, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
297 Re. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, in DJU 23.10.2006, p. 311. 298 Sobre a “fraude à execução”, consultar, dentre outros, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Execução Civil, Malheiros Editores, 1993, 3ª ed., § 23, p. 274 e seg.; ARAKEN DE ASSIS, Manual do Processo de Execução, Editora Revista dos Tribunais, 2000, 6ª ed., § 36, p. 384 e seg.
109
consolidou-se no sentido de que “a fraude à execução só se caracteriza
quando existe uma lide pendente e, para que isso ocorra, indispensável se
torna a citação.O mero ajuizamento da ação ou da execução não traduz
essa “299.
299 REsp 122523/SP, Rel. Min.EDUARDO RIBEIRO,in DJU 08.03.1999, p. 217; REsp 40239/SP, Rel. Min COSTA LEITE in DJU 01.02.1999, p. 182; REsp 153458/MG, Rel. Min EDUARDO RIBEIRO, in DJU 09.03.1998, p.106; AgRg no Ag 125776/PR, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER in DJU 20.10.1997, p.53059; REsp 68212/SP, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, in DJU 15.04.1996, p. 11525; REsp 53756/SP, Rel. Min. NILSON NAVES, in DJU 19.12.1994, p.35315;
110
Capítulo Terceiro: § 1º. A fórmula legal: a coisa litigiosa ou o direito
controvertido. § 2º O direito controvertido como direito
material. § 3º. A teoria nihilista do direito controvertido.
§ 4º. O “direito litigioso” entendido como lide. § 5º. O
“direito litigioso” como problema de legitimidade da
“parte complexa”. § 6º. O “direito litigioso” como “direito
subjetivo ao provimento de mérito”. § 7º. O “direito
litigioso” como “objeto do processo”. § 8º. O objeto
litigioso como “elemento” da relação processual. § 9º A
“coisa litigiosa” ou o “direito litigioso” como situações
subjetivas, hipotéticas e legitimantes. § 10. A bipartição
do fenômeno, segundo os planos substancial e
processual.
§ 1º. A fórmula legal: “alienação da coisa ou do direito litigioso”.
72. Fala o art. 42, caput, do Código de Processo Civil, em “alienação
da coisa” ou “do direito litigioso” (“Art. 42. A alienação da coisa ou do
direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a
legitimidade das partes”). Cumpre, pois, precisarem-se os conceitos de
um e de outro.
Em primeiro lugar, há de se ter presente que o adjetivo “litigioso” não
qualifica, apenas, o vocábulo “direito”, mas, também, a locução substantiva
“alienação da coisa”. Vale dizer, por “alienação da coisa”, há de se
entender “alienação da coisa litigiosa”300.
300 HÉLIO TORNAGHI, (Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. Vol. I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1976, p. 200 e 201), expressamente, alerta que, no dispositivo em apreço, “se prevêem duas hipóteses: a) alienação de cousa litigiosa; b) cessão de direito litigioso”.
111
73. As fórmulas “alienação da coisa litigiosa” e “alienação do
direito litigioso” remontam à Zivilproceβordnung alemã, que menciona as
formas análogas die in Streit befangene Sache zu veräussern e (den
geltend gemachten Anspruch), respectivamente (§ 265)301. O art. 111 do
Codice di Procedura Civile, que se dedica ao trato do mesmo assunto,
fala em “diritto controverso”, expressão menos feliz, talvez, porque, como
já assinalamos, o conceito de “controverso” ou de “litigioso”, não pode ser
apreendido pelo de “contestado”, pois, se “a contestação é suficiente para
tornar controvertido o direito, a tanto não é necessária”, bastando recordar
a hipótese de revelia302. .
A doutrina italiana, muito mais do que a alemã, debruçou-se sobre
estudo do tema, construindo teorias diversas para explicar o sentido de
“alienação de coisa litigiosa” e de “alienação do direito litigioso”303.
§ 2º. O “direito controvertido” como direito material
74. A doutrina mais antiga considera a sucessão processual inter
vivos como hipótese de sucessão na relação material subjacente.
CHIOVENDA, expressamente, ensinava que, na sucessão processual,
301 É, ainda, de HÉLIO TORNAGHI (ibidem, p. 201) a observação de “provavelmente” haver sido o § 265 da Z.P.O. alemã o inspirador do art. 42 de nosso vigente Código de Processo Civil. 302 NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, nº 18, p. 93. 303 Em 1968, veio a lume, em Tübingen, na Alemanha, a obra de WOLFGANG GRUNSKY, “Die Veräusserung der streitbefangenen Sache”. E, logo na introdução do trabalho, o autor adverte não haver, na Alemanha e na Áustria, pesquisas de primeira linha voltadas à alienação da coisa litigiosa (e, por óbvio, do “direito litigioso”, também) como sucede na Itália, verbis: “Andres als in Deutchland und in Österreich ist die Wirkung einer Veräusserung der in Streit befangenen Sache in Italien erst seit kurzen Gegenstand intensiver Forschung geworden” (Apud NICOLA PICARDI, Flussi e riflussi fra due dottrine, in Rivista di Diritto Processuale, CEDAM, janeiro-março de 1970, p. 82).
112
vem a dar-se uma mera transposição subjetiva no processo, sem que
desapareça o sujeito jurídico originário, “como por venda da coisa sobre
a qual recai o direito, cessão de crédito e o mais”, verificando-se a
possibilidade de prosseguimento do processo entre os sujeitos primitivos,
mesmo que não sejam mais os sujeitos atuais da relação litigiosa304.
REDENTI, escrevendo, em 1955, veio a explicar que o regime da sucessão e
da transferência é determinado em relação ao nexo, indissolúvel, que
subsiste, entre a violação do direito material, de que se origina o direito
subjetivo primário, e a “ação”, daí emergente305. Com a alienação do
“direito controvertido”, a “ação” é, também, alienada e transferida ao
adquirente, por ato entre vivos, na pendência do processo306.
75. A objeção à teoria em exame decorre da concepção ainda
promíscua entre o direito material e o processual. Se a transferência do
direito litigioso acarreta, de iure, a transferência da respectiva “ação”, por
esta se entendendo a “pretensão processual”, tem-se sustentado ser
objeto da sucessão processual, em última análise, a “situação jurídica
substancial que legitima a provocação jurisdicional por uma das partes”307.
Tal concepção acaba por desaguar, a rigor, nos alicerces da construção
wisdcheidiana da Anspruchlehre, pois, do ponto de vista do titular
presuntivo do direito, se passa a sustentar que a pretensão processual se
constitua, em um de seus elementos, ao menos, numa projeção do direito
304 GIUSEPPE CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, § 68, nº 362. São Paulo: Livraria Acadêmica -Saraiva & Cia., 1945, p. 245. 305 ENRICO REDENTI, Sui trasferimenti delle azioni civili, in “Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile”, Giuffrè, 1955, p. 74 e seg. 306 ENRICO REDENTI e MARIO VELLANI, Diritto Processuale Civile, 5ª ed., Cap. V, nº 48. Milano: Giuffrè, 2000, p. 207. 307 NICOLA PICARDI. La successione processuale, Cap. V, nº 23, p. 116 e 117.
113
substancial, que dimana de uma violação ou de uma ameaça de
violação308. A pretensão substancial, ademais, construída no confronto do
processo, como sendo o aspecto pelo qual transparece o direito subjetivo,
se transforma, quando o respectivo titular lhe requeira a proteção
jurisdicional, em pretensão processual, mas não deixa de configurar a
concepção substancial do direito de ação309.
76. DE MARINI seguiu, em parte, essa corrente, sustentado,
entretanto, ser o direito litigioso “alguma coisa do menos” do que o direito
subjetivo desde logo reparado; assim, enquanto “litigioso”, não
corresponderia a um “direito subjetivo perfeito”310. De qualquer modo,
porém, esse “direito menor”, sendo uma manifestação de vontade de seu
titular, não deixará de compor a pretensão processual e, aí, incide o
processualista nas mesmas críticas acima.
§ 3º. A teoria nihilista do direito controvertido
77. No curso do ano de 1953, CARLO MARIA DE MARINI publicou a
obra, de que aqui nos estamos valendo, monografia pioneira, aliás, no
estudo da sucessão processual, após a entrada em vigor, em 1942, do
“Codice di Procedura Civile” (promulgado, entretanto, em 1940). Na
“Rivista di Diritto Processuale”, de que era um de seus fundadores (ao
lado de CHIOVENDA e de CALAMANDREI), CARNELUTTI, comentando o
lançamento daquele livro, no local do periódico a tanto reservado, a par do
308 NICOLA PICARDI, ibidem, loc. cit. 309 NICOLA PICARDI, ibidem, loc. cit. 310 Ob. cit., Cap. I, nº 10 e seg., p. 43 e seg.
114
menoscabo dirigido ao autor quanto ao estudo empreendido (“non dico la
sua inidoneità, ma la sua immaturità a fare della scienza”), atacou o
próprio tema da obra (“Successione nel diritto controverso”), averbando
a expressão “direito controvertido” de “quebra-cabeças”, porque, “se é
controvertido, não é direito e, se é direito, não é controvertido”311. Na
sucessão processual, disse CARNELUTTI, pode não existir o direito material
alienado pelo autor, nas hipóteses em que o juiz rejeita a demanda e,
assim, “se vendo uma coisa da qual pretendo ser reconhecido
proprietário, mas, pela sentença, não vim a sê-lo, onde está a
“sucessão no direito”312?
Insistiu CARNELUTTI, ao final de suas observações, não haver,
propriamente, “sucessão no direito controvertido”, mas, sim, “sucessão na
lide”, assunto que, a seguir, será versado313.
78. SATTA respondendo à crítica de CARNELUTTI, afirmou “não ter o
direito quebra-cabeças”, que apenas quando se confundem os conceitos
abstratos com a realidade; não há, disse SATTA, in rerum natura, um
conceito chamado “direito”, pois isso é construção intelectiva; na vida e,
portanto, na experiência jurídica, existem interesses ou, se se preferir, uma
série indefinida de interesses, aos quais nós concebemos como “direito”,
enquanto tutelados e tuteláveis314. Assim, por exemplo, a propriedade é
definida pelo ordenamento jurídico como um direito de que se pode gozar e
311 Apud SALVATORE SATTA, Soliloqui e colloqui di un giurista. Parte III. Pádua: CEDAM, 1968, p. 254. 312 Apud SALVATORE SATTA, ibidem, p. 254. 313 Apud SALVATORE SATTA, ibidem, p. 255. 314 SALVATORE SATTA, ibidem, p. 255.
115
dispor, mas é claro que isso tudo são, antes, “interesses reunidos”,
tutelados por “ações”; quando meu “direito de propriedade” é contestado,
tenho também o direito de ir a juízo para defendê-lo e não há nenhuma
importância que essa “ação” seja fundada ou infundada: porque se é
fundada, o juiz me reconhecerá o direito de propriedade (isto é,
reconhecer-me-á a tutela de “todos aqueles interesses” que se resumem
no conceito de propriedade); se é infundada, privar-me-á de minha
propriedade, ou seja, daquele interesse que era o “meu direito” no
momento em que o pleiteie em juízo, mas que, agora, não mais o tenho315.
Em suma, para SATTA, o tema de “direito controvertido”
é um problema que não existe, porque, na vida e na
experiência jurídica, os direitos não existem: existem
interesses que nós concebemos como direitos
enquanto são tutelados e tuteláveis316.
79. Segundo obtemperou PICARDI, entre SATTA e CARNELUTTI há duas
posições distintas: uma, que insiste no conceito de “direito controvertido”
como sinônimo de direito material; outra, que procura destacar o fenômeno
do direito substancial, passando a ser apresentada a sucessão processual
como um quid diferente da relação jurídica controvertida, designado pelo
nome de lide317. Como veremos a seguir, entretanto, as posições não são,
a rigor, diametralmente opostas.
315 SALVATORE SATTA, ibidem, p. 255 e 256. 316 Apud PROTO PISANI, La trascrizione delle domande giudiziale. ob. cit., Cap. II, § 4º, nota 62, p. 34 317 NICOLA PICARDI, La successione processuale. ob. cit., Cap. V, nº 20, p. 103.
116
SALVATORE SATTA, como sabemos, foi um jurista fortemente
influenciado pela obra filosófica de CAPOGRASSI318, para quem a única
realidade efetiva é a realidade colhida da experiência jurídica, ou seja, a
realidade concreta319, na qual se insere a realidade processual, pois é o
juiz quem traduz em ordo concreto o comando (iussus) abstrato da
norma320. Quando SATTA argumenta que “o direito se resume a um
conceito e não a uma realidade existente in natura”, essa observação
deve ser entendida no contexto de sua formação jurídico-filosófica,
segundo a qual não há uma duplicidade de institutos, “direito subjetivo” e
“ação”, pois aquele se reduz a essa última321. Nesse particular, não
passou desapercebida a proximidade dessa concepção monística da
clássica posição de PEKELIS sobre o “direito de ação”, a negar, de forma
expressa a realidade substancial, que passava, assim, a ser uma “sombra”
projetada sobre o processo; reduzir-se-ia todo o ordenamento jurídico ao
momento sancionatório em que o Estado, provocado pela ação do
administrado, age, a seu turno, contra o violador, pois o sujeito privado,
proibida a ação direta mediante a qual exercia a correspondente auto-
tutela, não tem mais senão ação contra o Estado, como direito a pretender
a aplicação de sanções; a ação, dirigida ao Estado, seria a única
apreciável posição subjetiva de um ordenamento moderno, da qual
resultaria banido o direito subjetivo, relegado a mera aparência322.
No considerar SATTA, como única “realidade concreta”, a realidade que nasce 318 Nesse sentido, cf. ELIO FAZZALARI, Note in tema di diritto e processo. Milão: Giuffrè, Cap. I, nº 6, 1957, p. 21 e 22; PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 319 PROTO PISANI , ibidem, p. 34 e 35, nota 62. 320 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 22. 321 NICOLA PICARDI, ibidem, p. 104. 322 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 22.
117
do processo, nega a existência de uma terceira hipótese, intermediária entre o direito
e o “não-direito”, constituída do “direito controvertido”, cuja existência constitui uma
necessidade derivada da condição existencial de incerteza em que vive o direito, fora
do exame judicial323.
CARNELUTTI, por sua vez, não trilha por caminho diferente: a noção
de direito subjetivo é substituída pela de “interesses em conflito”, que o
Estado resolve, é verdade, mas não pondo o dedo, propriamente, no direito
substancial, senão numa outra entidade, denominada “lide”. É o que
veremos, a seguir.
§ 4º. O “direito litigioso” entendido como lide
80. CARNELUTTI, para contornar as dificuldades oferecidas pela
denominada “demanda infundada”, que ele próprio apontara, apregoou não
se poder falar, em verdade, em “sucessão no direito controvertido”,
segundo a terminologia adotada pelo direito positivo italiano, mas, sim, em
“sucessão como se o direito controvertido existisse”324. Por isso, ensinou,
não se trata de “sucessão na relação jurídica” (material, claro), senão de
“sucessão na lide”325.
As críticas que se fazem à teoria derivam, todas, das resistências
que o conceito de “lide” encontrou em grande parte da doutrina italiana326.
323 PROTO PISANI , ibidem, p. 35, nota 62. 324 FRANCESCO CARNELUTTI, Derecho y Proceso. Trad. de Santiago Sentís Melendo, Edidicones Juridicas Europa-America -EJEA, Vol. I, Cap. III, “Del procedimiento”, nº 101, p. 189 e 190. Ainda, do mesmo autor, Appunti sulla successione nella lite, in Rivista di Diritto Processuale Civile”, ano 1932, Vol. IX, p. 3 e seg. 325 Idem, ibidem, loc. cit. 326 Cf. ver, por tudo, a ampla bibliografia mencionada por NICOLA PICARDI (Successione Processuale, Cap. V, nº 22, p. 109, nota 55.
118
Além dessas críticas, na construção carneluttiana, a figura da “lide”
somente pode ser compreendida no confronto da “pretensão”, entendida
como “a exigência da subordinação do interesse próprio ao interesse
de outrem”, mas o “interesse”, a não se enveredar no campo metajurídico,
é o próprio substrato do direito; na medida, portanto, em que a “lide”
resulta numa tentativa de desvinculação dos institutos de direito material,
nega-se, paradoxalmente, na sucessão processual, relevância ao
“interesse” na reconstrução do fenômeno jurídico. Por derradeiro (last, but
not least), há de se apontar ser a “lide” uma figura que pressupõe, ao
menos, dois litigantes e, por isso, o subingresso do adquirente ou
cessionário somente se dará na lide, como tal, quando, antes, se der em
“qualquer coisa” subjacente ao âmbito da lide; somente subentrando nessa
“qualquer coisa” é possível entrar-se na “lide”327. Em suma, transparece o
“calcanhar de Aquiles” na teoria carneluttiana.
§ 5º. O “direito litigioso” como problema de legitimidade da “parte complexa”
81. Interessante é a tese preconizada por DE MARINI328. Partiu o
jurista italiano da concepção de “parte complexa”, feita por CARNELUTTI, a
que aludimos anteriormente. DE MARINI inicia seu raciocínio tomando por
premissa a diversidade dos significados do termo “parte”329. Assim, diz ele,
há um conceito de parte em alusão aos sujeitos idôneos à prática de atos
processuais; há um segundo conceito de parte, agora para indicar os
327 NICOLA PICARDI, La successione processuale, ibidem, loc. cit. 328 CARLO MARIA DE MARINI, ob. cit. 329 Ibidem, Cap. VI, nº 42 e seg., p. 154 e seg.
119
sujeitos submetidos aos efeitos dos atos processuais e, finalmente, há um
terceiro significado a alcançar, apenas, os sujeitos atingidos pelos efeitos
da sentença330. Na primeira categoria, incluem-se aqueles que figuram no
processo como autor ou como réu, pouco importando se defendendo
interesses em nome próprio ou em nome de outrem, pois somente esses
podem ser sujeitos idôneos a praticar atos processuais, pois os
destinatários dos direitos, deveres e ônus que derivam do processo são
identificáveis apenas por uma maneira formal, que é a propositura da
demanda331. Na segunda categoria, estão os sujeitos da relação
processual, sem qualquer perscrutação ao direito material, mas que,
todavia, sofrem os efeitos dos atos processuais332. Na terceira categoria,
os sujeitos que sofrem os efeitos substanciais da sentença333.
A posição singular de cada sujeito, acrescenta, é regulada pela lei e
a missão do intérprete é exatamente aquela de precisar, nas vezes em que
se encontra a palavra parte, em qual dos três significados o legislador a
empregou334. Da mesma forma, não tem sentido indagar-se em qual das
modalidades deve ser incluída a “verdadeira” parte, porque, de ordinário,
essas três formas podem referir-se a uma mesma pessoa, que é o caso da
“parte simples”, mas, em alguns casos, o legislador resolve cindir essas
330 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 162 e seg. 331 DE MARINI (ob. cit., loc. cit.), em verdade, não fala, singularizadamente, em autor e réu; de modo oblíquo, menciona, “aquele que subscreve a procuração ao defensor” e ajunta: “na prática, quem pode praticar atos tecnicamente processuais é somente o defensor, donde a conclusão de que sujeitos dos atos processuais não pode ser outro senão aquele em cujo nome o defensor age”. 332 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg. 333 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg. 334Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg.
120
formas ou modalidades em pessoas diversas, o que se explica pelo
conceito de “parte complexa”335.
Assentado o conceito de parte complexa, finda DE MARINI por concluir que,
na sucessão processual, o alienante ou cedente, por haver perdido a legitimatio ad
causam, mercê da transmissão da coisa ou do direito litigioso, continua, no
entanto, a ser legítimo sujeito da prática dos atos processuais336. Não podendo, por
isso, praticar atos de disposição do direito material, conserva, todavia, o alienante
ou cedente a legitimatio ad processum, pois a lei lhe confere a faculdade de
prosseguir no processo, tal como originariamente instaurado337. O adquirente ou
cessionário, a seu turno, são os sujeitos a quem a lei, no caso da sucessão
processual, confere legitimidade para a prática de atos processuais. A questão,
enfim, reside em saber, a que título essa legitimidade é exercida, muitas vezes,
pelo transmitente ou cedente que, não “saindo” da relação processual, continua a
lavrar atos processuais. DE MARINI responde a essa objeção salientando que “o
alienante e o sucessor universal se encontram em uma posição análoga à do
representante”, mas se apressa em esclarecer, não no conceito de “representação
processual”, senão do interesse da “contra-parte”, pois o “representante” não é o
sujeito dos efeitos do processo, que recaem sobre o adquirente ou cessionário338.
O alienante ou cessionário deverá, segundo essa tese, ser considerado
“representante” porque, a finalidade última da figura da sucessão processual é a de
não causar prejuízo ao adversário do alienante ou cedente, a existir, todavia, se
devessem ser aplicados os princípios gerais do direito processual em assunto de
335 Ibidem, Cap. VI, nº 42, p. 154 e seg. 336 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 178. 337 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 179. 338 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 179.
121
legitimação339. Extrai-se, portanto, que o alienante ou cedente, no praticar os atos
processuais, sua legitimidade, para tanto, decorrerá dessa especial “representação”
em benefício da “contra-parte”340.
O adquirente ou cessionário adquire a legitimatio ad causam e se
torna sujeito dos efeitos da sentença341.
82. A tese não seduz, sem embargo da excelência da autoria. Ainda
que se admita a veracidade de o legislador nem sempre empregar o termo
“parte” com um só significado, a dicotomia sujeitos legitimados a praticar
atos processuais e sujeitos legitimados a suportarem seus efeitos, não
encontra ressonância na teoria geral do processo e, mais precisamente, na
teoria das cargas processuais, pois, no âmbito da relação processual, que
tem a faculdade de praticar atos, tem, também, o ônus de suportar os
efeitos decorrentes da carga processual, quer se trate de representação ou
de substituição processual. De mais a mais, a singular “representação”, no
interesse do adversário do alienante ou cedente, deixaria órfão o
adquirente ou cessionário, quando, ao menos, estaria a exercer inegável
patrocínio infiel, na medida em que,
na sucessão no direito controvertido, o alienante continua a
estar em juízo, fazendo valer a pretensão do adquirente, não
por um interesse deste último, mas no interesse da parte
adversária, que não deve ser prejudicada com a mudança
da situação substancial342.
339 Ibidem, Cap. VI, nº 48, p. 180. 340 Ibidem, Cap. VI, nº 45, p. 168. 341 Ibidem, Cap. VI, nº 49, p. 182. 342 Ibidem, Cap. VI, nº 45, p. 168.
122
§ 6º. O “direito litigioso” como “direito subjetivo ao provimento de mérito”
83. NICOLA PICARDI propôs interessante e inteligente construção
explicativa do significado de “direito litigioso”343. Observou o
processualista, com muito forte argumento, que, na chamada “renúncia à
ação”, o que se repudia é apenas o direito ao provimento de mérito; assim,
por exemplo, na ação reinvindicatória de bem imóvel, a desistência da
“ação” (rectius, à “pretensão deduzida”) não significara, ipso facto, que,
homologada a desistência, o imóvel (ou seja, o direito substancial) passará
à propriedade do réu, nem, tampouco, que não possa, subseqüentemente,
ser novamente reivindicado344. Assim, o objeto da renúncia recairá sobre o
por ele denominado “direito subjetivo ao provimento de mérito”.
Da mesma forma, na hipótese de sucessão processual, não se cogita
da transmissão do direito substancial, que pode, inclusive, vir a inexistir,
assim reconhecido pela sentença, mas, apenas, do direito subjetivo ao
provimento de mérito: esse, pois, será o objeto da sucessão processual345.
84. A tese é engenhosa, sem dúvida, mas esbarra, a nosso ver, numa
obviedade: ninguém, que se interesse por adquirir a “coisa litigiosa” ou o “objeto do
litígio”, virá a “dar de ombros” para a sorte do provimento de mérito; a expressão
“direito subjetivo ao provimento de mérito” esconde, sem dúvida, o verdadeiro
interesse das partes contratantes, o alienante ou cedente, e o adquirente ou
cessionário: a coisa demandada ou o direito litigioso. Está-se, pois, frente a um
mero jogo de palavras. 343 La successione processuale, cit.; cf., especialmente, Cap. IV, p. 159 e seg. 344 NICOLA PICARDI, ibidem, p. 163 e seg. 345 NICOLA PICARDI, ibidem, p. 163 e seg.
123
PICARDI, ao f inal, procura fazer uma distinção entre a
existência de um “direito subjetivo inativo ao provimento de mérito” e
o direito subjetivo material, o qual pretende, também, ser diverso
do “direito de ação”346. Nisso, porém, acaba por admitir haver um
“direito subjetivo processual a um provimento de mérito, favorável ou
desfavorável, ao autor”, mas, nessa mesma l inha, na sua famosa da
prolusão Torinense, LIEBMAN veio a explicar a natureza do “direito de
ação”, como muito bem observado por PROTO PISANI347.
Outrossim, quando se fala em “direito subjetivo ao provimento de
mérito”, está-se a aludir a “direito subjetivo” referente a algum “direito
material”, pois o mérito a tanto se identifica, a menos que esse direito
subjetivo se restrinja, apenas, a obter uma sentença, seja qual for,
favorável ou desfavorável, mas, aí, incidirá a crítica acima.
De mais a mais, se a preocupação de NICOLA PICARDI fora a de contornar a
objeção de, em caso de pronunciamento adverso do juiz, não se poder falar em direito
material, objetivo ou subjetivo, indiferentemente, a construção ignora uma outra face
da realidade, a de que o direito substancial vive, sim, em “estado de incerteza”, mas
uma “incerteza relativa”, tanto quanto a sentença de mérito, que também poderá,
mesmo havendo transitado em julgado, ser desconstituída348. Por fim, embora a
“certeza” seja uma qualidade agregada à sentença de mérito em sua projeção para o
futuro, seu objeto se prende a uma controvérsia pretérita e, portanto, recai sobre a
sucessão processual, enquanto transmissão de “coisa ou direito litigioso”, o mesmo
346 La sucessione processuale, Cap. VIII, nº 36, p. 190. 347 La Trascrizione delle domande giudiziali, Cap. II, § 4º, nº I, p. 27 e 28, nota 45. 348 PROTO PISANI , La Trascrizione delle domande giudiziali, Cap. II, § 4º, n º III, p. 31 e 32.
124
atributo de “incerteza”349
§ 7º. O “direito litigioso” como “objeto do processo”
85. A doutrina alemã do final do século XIX, no anseio de fazer o
direito processual submergir da velha concepção privatística, em que se
achava atolado, cuidou de dar forma própria aos institutos processuais,
desvinculando-os do direito material. Como, todavia, não é possível afastá-
lo do fim último do processo, o direito material, apresentado, então, sob as
vestes processuais, como res in iudicio deducta, veio a ser tratado a
título de meritum causae350. O meritum causae, assim, se constituiu no
objeto do processo e, pois, no objeto litigioso, cujos contornos e elementos
configuradores a doutrina cuidou e cuida, ainda, de esculpir351.
349 PROTO PISANI , ibidem, p. 33, nota 56. 350 ALFREDO BUZAID (Do Despacho Saneador, in Estudos de Direito, Saraiva, 1972, p. 1) observou: “Quando, na segunda metade do século passado, se operou a revisão científica do direito processual civil, um dos problemas mais importantes que doutrina teve de resolver foi o da distinção entre o processo, considerado como continente (iudicium) e o seu objeto, considerado como o mérito da causa (res in iudicio deducta)”. No mesmo sentido, também de ALFREDO BUZAID, Do Agravo de Petição no Sistema do Código de Processo Civil, Saraiva: 1956, nº 36, p. 81 e seg. 351 Nesse passo, vale mencionar o alvitre de ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ed. cit., nº 131, p. 393 e seg.): “O conceito de mérito é congruente ao de lide, como ao de objeto litigioso, na terminologia alemã. Já o disse LIEBMAN: é o pedido do autor que fixa o mérito. Nesse sentido, em obra clássica do Direito alemão, se esclarece que o pedido (usa a palavra pretensão: “Anspruch”) é o mesmo que mérito (usa a palavra objeto litigioso: “Streitgegenstand”)”. Nesse sentido, v.g., a Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, Cap. III, item II, nº 6: “A lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes”. Guardamos reserva frente a tais assertiva. A uma, como virá exposto nessa parte do trabalho, o conceito de objeto litigioso, hoje, ao menos na Itália, tem uma acepção mais ampla, de objeto do processo, a compreender, não apenas a pretensão deduzida, mas, também, outras questóes, inclusive de rito. O objeto do processo, disse-o ELIO FAZZALARI (não é constituído apenas da questão final de mérito, mas de um iter de quaestiones, inclusive de rito, que afloram no processo mesmo. O dever decisório do juiz, portanto, nasce, sob uma visão cronológica, na solução de todas essas questões, de molde a capacitar o processo ao pronunciamento de mérito (in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1986, p. 430 e seg.). A duas, porque, ainda que possa aceitar a absoluta coincidência entre a figura da lide e a do objeto litigioso, a redução desse último ao pedido fomulado pelo autor é obra de KARL HEINZ SCHWAB (El Objeto Litigioso en el Proceso Civil, trad. de Tomas A. Banzhaf, EJEA, Buenos Aires: 1968), mas, essa opinião, como já tivemos ocasião de demonstrar em dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, à titulação de mestre em Direito Processual Civil, em 1988 ( “A Conexão de Causas”), não é exata. Em abono de nossa censura, como argumento de autoridade, cite-se WALTER J. HABSCHEID ( ob. cit., p. 454 e seg.).
125
Valendo-se da construção feita em torno do “objeto litigioso”, a
doutrina alemã procura explicar o fenômeno da sucessão processual352.
Houve, mesmo, doutrinadores de peso, como LENT e JAURERING, que
propuseram designar o instituto em exame por “transferência do objeto
litigioso” (Veräusserung des Streitgegenstandes)353.
A doutrina italiana traduz a expressão “Streitgegenstand” -que,
literalmente, significa “objeto do litígio” (Streit, substantivo que significa
briga, contenda, litígio, e gegenstand –no plural, gegenstandes-,
substantivo que pode ser traduzido por objeto) por objeto do processo. Em
obséquio à preferência unânime dos doutrinadores italianos, também
vamos aludir a “objeto do processo”, como forma de verter ao português a
composição “Streitgegenstand”354.
A preocupação da doutrina germânica contagiou os estudos da
processualística italiana, vindo, então, a merecer estudos acurados355. No
352 Cf. NICOLA PICARDI, La sucessione processuale, Cap. V, nº 24, p. 121. 353 NICOLA PICARDI, ibidem, loc. cit. O insitituto do “objeto do processo”, de resto, é utilizado pela doutrina alemã como premissa de raciocínio na explicação de outros fenômenos processuais, como, verbi gratia, a competência, a declaratória incidental, a conexão de causas, a intervenção de terceiros, a demanda reconvencional, os limites objetivos da coisa julgada, a relevância dos meios probatórios, os poderes dos defensores, etc. (PROTO PISANI, La trascrizione delle domande giudiziali, ob.cit. , Cap. II, § 5, nº I, p. 48, nota 77). 354 Não é esse, entretanto, o pensamento de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, A causa petendi no processo civil, 2ª ed., nº 3.7, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 92 e seg. O autor assinala que, “apesar do emprego indiscriminado, por muitos autores, das expressões objeto litigioso e objeto do processo, com o intuito de designar a pretensão processual, é evidente que aquela (correspondente a toda matéria submetida à cognição judicial) é espécie, enquanto esta (indicativa da pretensão processual) é o gênero” (ibidem, nota 47). 355 Equivocada, nesse passo, é a afirmativa de CÂNDIDO R. DINAMARCO (Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2ª ed., nº 144. Ed. Revista dos Tribunais: 1987, p. 210) : “Entre os italianos, o interesse pelo objeto do processo é menor. São ligados, por tradição longeva, ao método concentrado na ação e, por isso, têm esta como centro de convergência...” Tal se deu, efetivamente, nos princípios do século passado (século XX). Comentando, efetivamente, em 1957, a obra de HABSCHEID acerca do objeto litigioso, GIUSEPPE DE STEFANO (ob. cit., p. 328 e 329) anotou: “A informação é limitada apenas à literatura alemã, o que é certamente injustificado, porquanto as contribuições que sobre o tema têm conferido, posto inspirados em outras premissas e tradições, os estudiosos de outros países, especialmente os italianos, não podem ser descuradas”.
126
Brasil, contudo, a atenção dos processualistas se voltou, apenas, à teoria
dos pressupostos processuais, salvo algumas exceções356. Quanto ao
objeto litigioso (Streitgegenstand), os doutrinadores patrícios se
mantiveram, ainda, preocupados com o conceito de lide, instituto que, em
certa medida, é levado a substituir aqueloutro357.
O assunto, assim, por não se constituir, de ordinário, em
preocupação da literatura jurídica brasileira, exige algumas palavras a
respeito358.
86. Fruto, de um lado, da concepção da natureza do processo como
relação jurídica de direito público, a vincular, triangularmente, o autor, o
réu e o Estado, na qualidade, esse, de senhor da função jurisdicional,
representado pelo juiz, no sentido de órgão judiciário, e, de outro lado,
entrevendo o pronunciamento sobre o direito substancial como a finalidade
última do processo, a doutrina alemã criou, em decorrência disso, nos
meados do século XIX, a teoria dos pressupostos processuais
356 Exemplificativamente, sem prejuízo da omissão eventual a algum outro autor, apenas dedicaram atenção ao fenômeno do objeto litigioso, entre nós, ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ed. cit., nº 135, p. 409), ARAKEN DE ASSIS (ob. cit., loc. cit.) e JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (ob. cit., loc. cit.). 357 Cf. ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ed. cit., nº 135, p. 409), verbis: “A nossa doutrina denomina de fundo de litígio, mérito ou lide aquilo que os alemães chamam de objeto litigioso”. Quanto a isso, diverge, em parte, mas, a nosso ver, equivocadamente, CÂNDIDO R. DINAMARCO (Fundamentos do Processo Civil Moderno, ed. cit., nº 119, p. 218), verbis: “Por ora, satisfaço-me em concluir quanto à pretensão processual como objeto do processo, excluídas as questões e excluído também que a lide ou a própria demanda judicial é que constituam tal objeto”. Há nessa última assertiva, posto emanada de processualista eminente e culto, dois enganos: um, o de dissociar o conceito de pretensão processual do de lide (o que se faz pela desconsideração da causa petendi como integrante do conceito de pretensão processual, satisfazendo-se, unicamente, com o pedido –Antrag- para idenficá-la); outro, o de resumir o objeto do processo ao objeto litigioso, tomando-os por sinônimos, quando, hoje, ao menos, na Itália, indiscutível é compreender, também, o objeto do processo, além do meritum caausae, as questões de rito ou de forma (prozessualer Streigegestand) – ver, a propósito, nesta obra, o nº , p. ). 358 Não cabe, aqui, nos lindes e no propósito do presente trabalho esmiuçar, por completo, cada uma das teorias desenvolvidas na Alemanha para conceituar o objeto do processo (Streitgegenstand), mas, além da bibliografia estrangeira mencionada nas notas de rodapé aqui apresentadas, será útil, no Brasil, a consulta às exposições, dentre outras, de: ARRUDA ALVIM (Manual de Direito Processual Civil, ob. cit., loc. cit. ; JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, ob. cit., nº 3.7, p. 92 e seg.)
127
(Processvoraussetzugen)359 e, no segundo quartel do século XX, a teoria
do objeto do processo (Streitgegenstand). A paternidade da primeira é
atribuída a OSKAR VON BÜLOW, em obra conhecida (“Die Lehre von den
Processeinreden um die Processvoraussetzugen”), publicada em
1868360; a da segunda, a ARTHUR NIKISCH, que, em 1935, com a
monografia “Der Streitgegenstand im Zivilprozess”, abre o estudo do
tema361 que passou, então, a ser ali “reconhecido como absolutamente central
no estudo da teoria do processo, porque, subseqüentemente, nenhum
processualista germânico há deixado de tecer-lhe considerações”,
segundo as palavras de GIUSEPPE DE STEFANO362. Claro, dada a
preconizada autonomia do direito processual frente ao direito material, a
tendência da doutrina se dirige “a uma sempre crescente
processualização” do objeto litigioso, o Streitgegenstand363. Embora
recaia a pretensão processual (Rechtsschutzanspruch), remota e
359 Acentua CRISANTO MANDRIOLI (ob. cit., p. 787 e 788) que a categoria dos pressupostos processuais nasce quando BÜLOW e os autores que, como ele, trabalharam para tirar possível vantagem sistemática da instituição da autonomia do processo como fenômeno jurídico, pretenderam dar fundamento concreto a tal autonomia, configurando o processo como relação jurídica distinta da relação jurídico-material e, também, unitária. A unidade e juridicidade dessa relação postulava a configuração dos requisitos para sua autônoma constituição e para seu desenvolvimento, enquanto a autonomia da relação material reclamava a contraposição de tais requisitos processuais àqueles próprios da relação substancial objeto do processo. Nascem, assim –conclui MANDRIOLI (ob. cit., loc. cit.)-, os pressupostos processuais, fórmula sintética da expressão pressupostos da relação processual, como contraposto lógico e jurídico aos pressupostos da relação substancial. 360 Cf. HÉLIO TORNAGHI, A relação processual penal. 2ª ed. Saraiva: 1987, p. 66 e seg. 361 Cf. GIUSEPPE DE STEFANO, L’oggetto del processo in um libro recente di Walter J. Habscheid, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile.1957, p. 327 e seg.; PROTO PISANI , La Trascrizione delle domande giudiziali, Cap. II, § 5º, n º I, p. 45 e seg., nota 76. 362 Ob. cit., p. 327. No mesmo sentido, GIUSEPPE TARZIA, Ricenti Orientamenti della Dottrina Germanica intorno all’Oggetto del Processo, in Problemi del processo civile di cognizione, Cedam, 1989, p. 107: “A noção de objeto do processo permanece sendo, na Alemanha, ainda, uma da mais controvertidas e das mais cuidadosamente examinadas”. 363 GIUSEPPE DE STEFANO, ob. cit., p. 328. Anota, ainda, GIUSEPPE TARZIA (ob. cit., p. 125) haver uma inclinação, hoje, na doutrina alemã, quanto a valorizar, na identificação do objeto litigioso, a causa petendi, e arremata: “...in armonia, se non erro, con le recenti tendenze a ricondurre il diritto soggettivo al centro del fenomeno processuale”.
128
mediatamente, sobre o direito material, assumindo aquela, no entanto,
feição própria e autônoma no campo do processo, a divergência dos
doutrinadores germânicos, de ordinário, reside, precisamente, no modo
pelo qual o direito material é transposto, pelo autor, para o campo
processual, por meio da Rechtsschutzanspruch, ou seja, toda a
discussão teórica gira em torno dos elementos que delineiam e identificam
essa pretensão364. À vôl d’oiseau, pode-se dizer oscilarem os autores
entre a conceituação do objeto litigioso ora como mera afirmação jurídica
(Rechtsbehauptung) do direito material subjacente, ora como pretensão
deduzida (pretensão no sentido, não de Rechtsschutzanspruch, mas, no
de Begehren), ora, ainda, entre os elementos que identificam essa
pretensão, ou seja, se essa última se determina tão-somente pelo pedido
(Antrag) ou, também, pelo “relato dos fatos” (Sachverhalt)365. Feita essa
singela apresentação do problema, cumpre, agora, acentuar os pontos
principais que o assunto veio a tomar na preocupação da doutrina.
Como se falou, os estudos do “objeto litigioso” têm por ponto de
partida a obra clássica de NIKISCH (“Der Streitgegenstand im Zivilprocess”,
publicada em Tübingen, em 1935). Ali, então, o “objeto do processo”
(Streitgengestand), identificado, desde logo, com a “pretensão
processual” (prozessuale Anspruch), correspondia à “afirmação jurídica” 364 Cf.: GIUSEPPE TARZIA, ob. cit., p. 108; GIUSEPPE DE STEFANO, ob. cit., p. 328. 365 Cf.: GIUSEPPE DE STEFANO, ob. cit., p. 329; WALTER J. HABSCHEID, L’Oggetto de Processo nel Diritto Processuale Civile Tedesco, in Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 458 e seg; GIUSEPPE TARZIA, ob. cit., p. 107 e seg.; MICHELE FORNACIARI, Pressuposti Processuali e Giudizio di Merito, Turim: G. Giappichelli Editore, 1996, p. 140 e seg.; ARAKEN DE ASSIS, Cumulação de Ações, 3ª ed., nº 22, Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 109 e seg. ;JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, A Causa Petendi no Processo Civil, 2ª ed., nº 3.7 e seg. Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 92 e seg. Com inteiro acerto, esse último autor (ob. cit., nº 3.1 e seg., p. 75 e seg/), enfatiza residir a polêmica, em última ratio, a aplicação, a uma ou a outra tese, da teoria da substanciação ou da individualização da demanda.
129
(Rechtsbehauptung), feita pelo autor ao demandar e sobre a qual pedia
uma decisão idônea a se revestir de coisa julgada366 (material,
evidentemente). NIKISCH concluiu que essa “afirmação jurídica”
(Rechsbehauptung) não deveria ser identificada por uma concreta
situação de direito material (embora, depois, venha a atenuar, lentamente,
essa posição, admitindo uma maior ingerência do direito material no
processo)367.
87. A dissenção doutrinária, entretanto, surgiu cerca de dez anos
após, em virtude de um escrito de BÖTTICHER (“Zur Lehre vom
Streitgegenstand im Eheprocess”), na obra em homenagem a LEO
ROSENBERG, que veio à luz, em Munique e em Berlim, em 1949 (“Festgabe
zum 70. Geburstag von Leo Rosenberg”)368. Esse opúsculo, malgrado
escrito, como o próprio título o denota, com vistas ao processo
matrimonial, que, na Z.P.O. alemã, apresenta aspectos peculiares no
confronto de outros ordenamentos, punha em dúvida a correção dos
ensinamentos de NIKISCH, passando, então, a sustentar não haver
correspondência entre a “afirmação jurídica” (Rechstbehauptung) e o
“objeto do processo” (Streitgegenstand), porque esse se identificava,
antes, com a “exigência”, o “invitamento” (Begehren), contido no petitum
(Antrag); a seu turno, essa “exigência” (Begehren) restava identificada,
individualizada, não com base na causa petendi (Klagegrund), mas,
exclusivamente, no epílogo (Ziel) e, assim, exemplificando-se com o trato
366 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 367 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 368 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit.
130
do processo matrimonial, com o requerimento final de “dissolução do
matrimônio”369. Em 1954, SCHWAB publica o livro intitulado “Der
Streitgegenstand im Zivilprozess”, no qual, sob a tônica da separação
entre o direito material e o direito processual, prossegue na trilha aberta
por BÖTTICHER e afasta a possibilidade de a causa de pedir (Klagegrund),
ainda que na genérica acepção de “episódio da vida” (Lebensvorgang),
configurar o “objeto do processo”, já agora definido como “a exigência
que, no petitum, aponta a decisão” colimada: “das Begheren der im
Klageantrag bezeichneten Entscheidung”370.
A tese de SCHWAB, a despeito de a obra “conter contradições e
adotar impostações metodológicas nem sempre aceitáveis”, como
assinala PROTO PISANI, restou adotada por ROSENBERG, em grande parte,
no seu Lehrbuch371.
88. Em sentido diverso colocou-se HABSCHEID (“Der
Streitgegenstand im Zivilprozess”)372. A fim de melhor compreendê-lo,
convém não se esquecer ter sido o conceito de “pretensão jurídica”
(Rechtsanspruch) uma criação da então nascente processualística dos
fins do século XIX, fruto dos estudos a que se lançara ADOLF WACH, mas
não inteiramente despojado das concepções “pandectísticas”, ainda
369 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 370 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 371 A afirmação é de PROTO PISANI (ob. cit., Cap. II, § 5º, nota 76, p. 46), mas, em nosso trabalho de mestrado (“A conexão de causas”), apresentado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, já apontávamos, em 1988, as incorreções a que chegara SCHWAB em mencionada obra, como, de resto, já acima salientado. 372 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nota 76, p. 46.
131
vigorantes na Alemanha373. Pois bem, HABSCHEID volta a estudar aqueles
conceitos firmados havia muito e nega que a Rechtsanspruch possa ser
considerada um direito subjetivo público; sustenta que, por meio da “ação”
(Klage), se pode fazer valer, apenas, “uma petição de amparo jurídico”
(ein Rechtschutzgesuch) –o que não deve ser traduzido, na linguagem de
hoje, por “pedido de proteção jurisdicional”, pois significa mais uma
“súplica” (Bitte), um “empenho” (Aufforderung)- ao juiz, para que atenda à
posição jurídica sustentada pelo autor; por isso, no tocante ao “objeto do
processo” (Streitgegenstand), propriamente dito, HABSCHEID assume uma 373 GIOVANNI TARELLO, “Dottrine de Processo Civile”, ed. cit., p. 62 e 63; NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y
CASTILLO, “Momentos y Figuras del Procesalismo Italiano”, cit., p. 510. A resenha, tecida por GIOVANNI TARELLO, ajuda a entender o pensamento desenvolvido por ADOLF WACH. Escritor bem mais fecundo do que BÜLOW, tivera sua formação intelectual moldada na escola de um daqueles estudiosos liberais que, ativos na metade do século XIX, prepararam a codificação processual e a transição do processo comum ordinário a um novo processo de modelo napoleônico e de inspiração liberal: H. K. BRIEGLEB. Ainda jovem, seguindo seu mestre, ADOLF WACH houvera tomado o caminho do estudo histórico, colaborando na operação, então na moda, de expungir do processo de direito comum os elementos formalísticos qualificados por “romano-canônicos”, em proveito dos elementos pensados como propriamente germânicos, da oralidade e da celeridade. Como estudioso do processo comum, WACH cuidou da edição póstuma de do tratado de F. L. VON KELLER. Tempestivo comentador da nova codificação processual, construiu e teorizou os institutos ali entrevistos e em particular o princípio da oralidade (no sentido antigo e pré-kleiniano) em escritos compilados em um livro; sempre, porém, permaneceu com a atenção voltada para o direito civil e no liame deste com o processo, tanto que sempre dava a impressão de sustentar somente uma relativa autonomia do processo frente à relação substancial. De fato, contra a tendência da escola de BÜLOW, desejosa de enquadrar, cada vez mais, o processo no direito público (e contra, também, o endereço autoritário e “hiperestatalístico” de quase toda a cultura jurídica da idade bismarkiana), WACH principiou, a partir de 1885, a elaborar uma nova construção dogmática do processo sob a pilastra de uma enésima doutrina da “ação civil”: a ação civil seria um direito autônomo, atribuído ao particular frente ao Estado, tendo por objeto a prestação, por parte deste, de um “provimento favorável”. Falar-se em provimento favorável, como objeto do direito autônomo de ação, significava, claramente, conceber a sentença como atuação do direito substancial objetivo (a par do direito processual), mas a situação subjetiva do réu não surge (como na construção de DEGENKOLB) como um dever, porque a única situação passiva qualificada é aquela do sucumbente (situação de sujeição). Assim construída a ação, a relação processual toma uma conformação diversa daquela teorizada por BÜLOW e DEGENKOLB: WACH, efetivamente, criticou a idéia de que o processo se constituísse numa única relação jurídica de direito público (de três lados) formal e autônoma do direito substancial, alvitrando distinguirem-se duas diversas relações jurídicas, a saber, uma entre as partes e outra entre as partes e o juiz.; a relação entre as partes e o juiz está fundeada na pretensão à tutela jurídica (Rechschutzanspruch) ou pretensão a uma sentença favorável e pode muito bem não conter a atuação de um direito subjetivo no confronto de um (outro) particular, como, por exemplo, nos casos em que se faz valer puramente o interesse à existência ou à inexistência de um direito (ações declaratórias): onde o interesse jurídico de agir não se confunde com o direito subjetivo (disciplinado pelo direito privado material), mas é uma entidade autônoma (disciplinada pelo direito processual) que se inclui na relação entre a parte e o juiz. Também na teoria de Wach, o processo é visto objetivamente e a relação processual, autônoma: trata-se, porém, de autonomia ambígua, realizada desdobrando-se uma posição subjetiva em duas figuras (direito subjetivo e direito de agir) ((ob. cit., p. 39 e seg.).
132
posição mais moderada que SCHWAB, aderindo, em grande parte, ao
magistério de NIKISCH; enxerga como ponto matizador do “objeto do
processo” (Streitgegenstand) a “afirmação jurídica” (Rechtsbehauptung)
feita pelo autor, a que se deve reconhecer, no processo, um “efeito
jurídico” (Rechtsfolge); desse modo, ao contrário de SCHWAB, conclui ser o
“objeto litigioso” constituído não apenas do petitum (Antrag), mas,
também, da causa petendi (Klagegrund)374. A dúvida, porém,
remanesceu quanto a dever a Klagegrund retratar uma “exposição dos
fatos da vida” (Lebenssachverhalt) ou dos “episódios da vida”
(Lebensvorgang)375. A dissensão é fácil de ser explicada: a causa
petendi (Klagegrund) deve, segundo essa teoria, retratar o “mundo
externo” que ingressa, contudo, no processo, por lhe dar, o ordenamento
estatal, eficácia jurídica, ou seja, deve esse “mundo externo” coincidir com
o preceito abstrato de lei, a fim de que se revista de eficácia jurídica376. A
esse mundo externo, HABSCHEID denominou de Lebenssachverhalt, mas
outros preferiram designar-lhe por Lebensvorgang.
89. Em verdade, como diagnostica PROTO PISANI, o fundo da
discussão quanto aos exatos contornos do Stretitgegenstand repousa à
impostação clássica da adesão à “teoria da individualização da demanda”
ou à “teoria da substanciação da demanda”: “BÖTTICHER, SCHWAB,
ROSENBERG, MÜFFELMANN, andando à margem da mesma teoria da
374 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nota 76, p. 47. 375 NICOLA PICARDI, La Successione Processuale, cit., Cap. V, nº 24, p. 125. 376 GIANCARLO GIANOZZI, Le modificazione della domanda nel processo civile, Giuffrè, 1958, Cap. I, nº 5, p. 17.
133
substanciação, excluem qualquer da causa de pedir, reputando
relevante, exclusivamente, o petitum (o Begehren enquanto tal)”377.
Pela teoria da individualização, como sabido, a mera alteração dos fatos
não modificava a causa de pedir, ao reverso do sustentado pela teoria da
substanciação, para a qual isso importava, ipso facto, em recomposição
dos fatos constitutivos e, pois, da causa petendi378.
PROTO PISANI, fazendo uma avaliação dessas diversas teorias
construídas, na Alemanha, em torno do “objeto do processo”, chega à
conclusão da deficiência, quando não, mesmo, da superação científica do
conceito, nos moldes em que tratado pela doutrina germânica379. No
identificarem, os escritores italianos, o “objeto do processo”
(Streitgegenstand) com a prozessuale Anspruch, não se dão conta de
haver essa figura surgido para designar, sob a nova ótica em que passara
a enxergar o direito processual, aquilo que, anteriormente, era designado
por “direito de ação”380.
Por isso, ao falar, em “objeto do processo”, a doutrina alemã o
identifica com a situação substancial, alerta PROTO PISANI381. E, na
seqüência, anota o jurista talentoso ser interessante que, na interpretação
do § 265, da Z.P.O. alemã, que fala em “alienação da coisa litigiosa” (die
in Streit befangene Sache zu veräussen), seja unânime no preconizar
que, por “alienação da coisa litigiosa”, se deva entender “alienação de um
377 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, p. 59 e 60, nota 100. 378 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, p. 59, nota 100. 379 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nº II, p. 43 e seg. 380 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 381 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 4º, nº I, p. 27 e 28, nota 45.
134
direito substancial” e, mais precisamente, da coisa, pois isso vai repercutir
no processo, “sempre que a legitimidade dessa relação dependa a
legitimação do autor ou do réu” (wenn auf rechtlicher Beziehung zu ihr
die Sachelegitimation des Klägers oder des Beklagten beruht); no caso
de “cessão da pretensão deduzida” (den geltend gemachten Anspruch)
lança mão a doutrina da noção da prozessuale Anspruch382. Na Itália,
porém, diz o jurista, essa concepção de há muito está superada, pois, hoje,
já não se vê o processo, simplesmente, como uma relação jurídica, mas
como uma “relação jurídica compósita”, ou seja, formada por poderes,
deveres e faculdades processuais, que tocam às situações subjetivas que
o processo abraça, a do autor, a do réu e a do juiz383. Vê-se, ali, o
processo em sentido dinâmico, enquanto, na Alemanha, o ângulo
examinado, na construção das teorias do “Streitgegenstand”, é o
processo estaticamente considerado, sem a valoração daquelas situações
subjetivas384. O emprego, pelos expositores italianos, do método
“conceitualístico” dos institutos jurídicos -que tanto os alemães reprovam,
segundo o notável jurista peninsular- permitiu um avanço na compreensão
do fenômeno processual e a necessária crítica à noção clássica do direito
de ação, diferentemente do sucedido na Alemanha, que ainda insiste no
destacar a separação entre o processo civil e o direito privado; pode
mostrar a doutrina italiana como o conceito de ação de outro modo não
pode ser entendido senão como um esquema representativo de um 382 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 383 PROTO PISANI, ob. cit., Cap. II, § 5º, nº II, p. 43 e seg. Vale observar, nesse sentido, que, ao reverso da moderna tendência, hoje, no estudo do processo, qual seja, o de considerá-lo como “relação jurídica compósita”, as teorias sobre o objeto litigioso têm que partir de uma relação jurídica apenas bilateral, a que se forma entre o Estado e o autor, na exata medida em que toma, como ponto de partida, a Anspruch, ou seja, a pretensão deduzida (PROTO PISANI, ibidem, p. 50 e p. 52, nota 88). 384 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit.
135
agregado de situações subjetivas (constituídas de poderes, deveres e
faculdades processuais), as quais encontram seu elemento unificador,
tendo em vista a função a que se propõe o processo, no propósito único do
efeito final (a providência jurisdicional), independentemente da efetiva
existência do direito substancial385. Nesse passo, se, por “objeto do
processo”, se deva entender uma concreta situação jurídica substancial,
deduzida em juízo, a dinâmica processual submete essa situação jurídico-
substancial a tratos diferenciados, tais sejam os instantes em que, no
processo, isso se venha a dar e, assim, os poderes, deveres e faculdades
pertinentes à relação processual se conjugam, também, nos instantes da
dinâmica, à mesma situação juridico- substancial, mas, para cada
específico fenômeno jurídico, como, por exemplo, na litispendência, na
modificação da demanda, no cúmulo objetivo, na admissibilidade da prova,
da competência, etc., o que implica sofra o “objeto do processo” exames
diferenciados a cada momento do trajeto processual386. Por esse motivo,
conclui PROTO PISANI, não é possível uma noção unitária e, “como tal,
útil”, de “objeto do processo”. Enfim, aponta para o fato de a doutrina
alemã aludir a “objeto do processo”, mais num sentido discursivo do que
numa rigorosa acepção científica387.
Por tudo isso, a noção de “objeto do processo” (Streitgegenstand),
por não poder, ademais, obter uma pacífica concepção na Alemanha, não
se presta para resolver o problema da sucessão processual388. Diante
desse quadro, não vê PROTO PISANI motivo para se buscar no 385 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 386 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 387 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 388 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit.
136
“Streitgengstand” a definição de “direito controvertido”389. O “direito
controvertido”, conclui o eminente processualista, é o direito substancial
deduzido em juízo, direito meramente hipotético, afirmado, simplesmente,
cuja existência ou inexistência resultará somente da decisão final de
mérito390.
90. Não pensamos exatamente como PROTO PISANI. A doutrina
italiana, é certo, por razões ainda não perquiridas -quando for o caso de
perquirí-las-, tem-se dado a trabalho investigatório mais profundo, não
apenas do campo do direito processual civil, mas nas diversas áreas do
saber jurídico. Mas isso não autoriza o festejado processualista a qualificar de
improfícua a perscrutação da natureza do Streitgegenstand. Não vamos, no
presente trabalho acolher a tese de o fenômeno da sucessão processual dever
ser resolvido à luz do objeto litigioso ou, se se preferir, do objeto do processo,
mas isso por motivos outros, como abaixo se verá, que não os enfatizados por
PROTO PISANI, cuja proclamação preferimos, no passo, acompanhar, apenas no
que se refere à ausência de consenso na determinação do Streitgegenstand,
bem como, até por razão daí decorrente, da inadequação do estudo da sucessão
processual sobre tal prisma.
§8º O objeto litigioso como “elemento” da “relação processual”.
91. Já entre nós, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, em apreciável
monografia, veio a desenvolver idéia singular391. Segundo o eminente
389 PROTO PISANI, ibidem, p. 60 e 61. 390 PROTO PISANI, ibidem, loc. cit. 391 Alienação da coisa litigiosa, cit.
137
professor sulino, o “direito litigioso” tem sido estudado, até aqui,em seu
aspecto meramente estático; sob a análise “dinâmica” do processo, ou
seja, “entre o início da litispendência e a sentença”, o “objeto litigioso
se desenvolve” pari passu ao desenrolar do processo, pois desse constitui
seu elemento392. A sentença proporciona uma “mudança qualitativa” do
direito material e, ao momento em que é proferida, “já não se tem o
direito litigioso, nem sequer o direito litigioso acertado, mas tão-só o
direito material acertado”393. “O desenvolvimento do processo, rumo à
sentença, constitui mediação necessária para que se verifique a
mudança qualitativa da coisa julgada”, tornando-se o “objeto litigioso” o
“elemento material dessa mediação, necessário e imprescindível,
porque sem ele não haveria processo e muito menos sentença”394.
92. A tese do festejado processualista não esclarece, contudo, quais
sejam os “outros” “elementos” do processo, senão que o “direito litigioso”
“constitui seu elemento”. Dessa forma, falta explicar porque, na sucessão
processual, há apenas a transferência desse “elemento” e não dos demais,
justamente quando a preocupação da doutrina reside no traçar os limites
da transferência, ao adquirente ou cessionário, dos “poderes, deveres e
faculdades” do transmitente ou cedente, que compõem, aliás, o “conteúdo
dinâmico do processo”, como acima aludido. De outro canto, ao não se
ter, até a sentença, “o direito litigioso, nem sequer o direito litigioso
acertado”, não esclarece o autor o que se tem até então: a mera
392 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 59. 393 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ibidem, loc. cit. 394 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ibidem, loc. cit.
138
“afirmação de um direito”, a “Anspruch” de sabor winscheidiano, ou a
“prozessuale Anspruch” a que se referem os teóricos do objeto do
processo? As afirmações do eminente processualista ressoam, portanto,
como palavras sem conteúdo, à míngua de toda uma construção teórica
que as explique.
§ 9º. A “coisa litigiosa” ou o “direito litigioso” como situações subjetivas hipotéticas e legitimantes.
93. O problema da sucessão na coisa ou no objeto litigioso há de ser
analisado sob dois planos: por um, o fenômeno translativo explicar-se-á
unicamente pelo lado do direito substancial; certo, diz o doutrinador,
inibido o adquirente ou cessionário de ingressar na relação processual,
será alcançado pela eficácia da sentença proferida contra o alienante ou
cedente, mas, exatamente por não ingressar no processo, o fenômeno
ficará restrito ao plano substancial; outro, o problema da mudança no
direito material vai projetar-se no plano processual395. Isso ressoa como
truísmo, é certo, mas também o é a circunstância de os doutrinadores, de
um modo geral, quererem definir o instituto da sucessão processual (e,
portanto, dado ser “processual”, sob o ponto de vista do processo) de
envolto com o direito material, pois a alienação da coisa ou do direito, se
dá, antes, no terreno das relações privadas, mas, nisso, não admitem a
interferência do direito material no processo, em homenagem à concepção
moderna da autonomia das respectivas relações jurídicas. Também,
constituirá obviedade assinalar que, malgrado a preconizada autonomia do
395 Nesse sentido, NICOLA PICARDI, La successione processule, cit., Cap. VI, nº 25, p. 133 e 134.
139
direito processual frente ao direito substancial, não há possibilidade de se
determinar uma inteira separação entre um e outro. Trata-se, portanto, de
estabelecer, em que sentido o processo é coordenado ao direito
substancial, para se valer das palavras de FAZZALARI396.
O processo, diz FAZZALARI, é a conjugação de várias etapas de um
procedimento, constituído, a seu turno, de uma série de atos e posições
subjetivas, mutuamente implicadas entre si, mas, cada uma, determinada
em razão de um sujeito (o órgão jurisdicional, o autor, o réu, etc.)397. Essas
posições subjetivas se traduzem nos deveres do ofício jurisdicional e nas
faculdades e poderes das partes, em seu sentido mais amplo, e, no
dinamismo concreto do processo, essas posições dão nascimento a uma
série de atos ligados ao procedimento, de tal sorte que um é conseqüente
de outro398. Essas posições processuais, como se qualificam essas
posições subjetivas, hão de ser consideradas unitariamente, ou seja, não
pode voltar-se a atenção do estudioso do fenômeno processual
exclusivamente à posição do autor, como vieram a fazer, no começo do
século passado, as nascentes teorias do direito de ação399.
Assim considerado o processo, resulta claro não poder o fenômeno
da sucessão processual ser analisado senão sob o aspecto do
procedimento e à luz desse feixe de deveres do ofício jurisdicional e das
faculdades e deveres das partes (lato sensu). A alienação da coisa ou do
direito litigioso, enquanto transmissão de um direito real ou obrigacional, é
396 ELIO FAZZALARI, Note in tema di diritto e processo, Giuffrè, 1957, Cap. III, nº 1, p. 109. 397 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 110. 398 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 110. 399 ELIO FAZZALARI, ibidem, p. 111.
140
assunto que deve ficar restrito ao campo do direito privado. Essa
transmissão apenas vai interferir no processo, a fim de se determinar quem
“pode” exercer as faculdades e deveres que competem às partes (lato
sensu), em geral ou, por outras palavras, quem a tanto estará legitimado.
94. Como salientado, nesta dissertação, fala-se em legitimação, em
sede de teoria geral, para indicar a titularidade de um poder, de uma
faculdade ou de um dever de um dado sujeito que, assim, se diz legitimado
a ter um certo comportamento, ou seja, investido, pela norma, de titular de
uma situação jurídica subjetiva400. Segundo obtempera, irreparavelmente,
PROTO PISANI, com referência ao processo, a noção de legitimação serve
para individuar quais são os sujeitos titulares de poderes, deveres e
faculdades processuais em ordem a um dado processo, mas, para isso, há
de se determinar a exata situação legitimante401. Em decorrência dessa
afirmação, PROTO PISANI sentencia: “Disso se segue que as expressões
direito controvertido, objeto do processo e situação legitimante (em
via ordinária) se referem a uma mesma realidade: o direito
substancial (meramente hipotético, afirmado) feito valer em juízo”402.
Por outras palavras, segundo iremos utilizá-las para concluir nosso
raciocínio, são afirmações hipotéticas, simplesmente, mas idôneas, de
outro lado, a determinar, no plano processual, a transferência de poderes,
deveres e faculdades processuais de uma parte a um terceiro.
400 ELIO FAZZALARI, ibidem, nº 5, p. 132. 401 La trascrizione delle domande giudiziali, cit., Cap. II, § 7, nº II, p. 64. 402 Ibidem, loc. cit. No mesmo sentido: NICOLA PICARDI (La successione processuale, Cap. V, nº24, p. 123), a saber: “Aflora, de fato, induvidoso que no processo venham deduzidas não “relações jurídcas substanciais”, efetivamente existentes, mas, apenas, situações substanciais meramente hipotéticas”
141
§ 10º. A bipartição do fenômeno, segundo os planos substancial e processual.
95. Corolário do exposto é constituir-se a “alienação da coisa
litigiosa” ou a “alienação do direito litigioso”, sob o plano processual, que é
o único que deve interessar ao processo civil, no transferência de uma
situação legitimante, a qual, por definição, importa a transferência de
poderes, deveres e faculdades processuais.
Alerte-se estar-se a falar de sucessão processual. A sucessão
material, tão-somente, não acarreta, por si só, a sucessão processual,
pois, para tanto, mister se faz que haja a “extromissão” do alienante ou
cedente e o ingresso do adquirente ou cessionário. Esse é o fenômeno que
a sucessão processual determina.
DE MARINI ao afirmar ser objeto da sucessão processual a situação
jurídica substancial que legitima o “estar em juízo” por uma das partes403,
pode ser censurado no haver omitido constituir-se essa “situação jurídica”
no direito substancial simplesmente afirmado, direito hipotético, portanto.
Em suma, o “direito controvertido”, a “coisa litigiosa” e, ainda,o “direito
litigioso” são expressões equivalentes e significam, simplesmente, o
substrato de uma situação legitimante.
O direito litigioso ou a coisa litigiosa é, em conclusão, no plano do
direito processual, a situação subjetiva substancial meramente hipotética
e, mais do que isso, legitimante, no sentido de conferir ao que se afirma
titular a idoneidade para praticar atos processuais.
403 Ob. cit., Cap. III, nº 11, p. 48
142
Essa idoneidade pode, por vezes, não vir a ser inteiramente exercida
pelo adquirente ou cessionário, no caso em que se veja impedido de
ingressar na relação processual. Nessa hipótese, entretanto, poderá, como
virá tratado no Capítulo IV, § 2º, recorrer na qualidade de “terceiro”.
143
Capítulo IV - § 1º. O ingresso do adquirente ou do cessionário na relação
processual. § 2º. O ingresso, no processo, do adquirente ou do
cessionário como “assistente” do alienante ou cedente. § 3º. A
habilitação incidental do adquirente ou do cessionário.
§ 1º. O ingresso do adquirente ou do cessionário na relação processual
96. Nos termos do § 1º, do art. 42, em referência, “o adquirente ou
o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante
ou cedente, sem que o consinta a parte contrária”. Nesse aspecto da
questão, o Código de Processo Civil brasileiro foi mais rigoroso do que
seus congêneres italiano e português, aproximando-se, na inteireza, da
redação similar do modelo alemão. Diz a ZPO tedesca, na segunda parte
do § 265:
A alienação ou cessão não influi no processo. O
sucessor jurídico não está autorizado, sem o
consentimento do adversário, a assumir o processo
como parte principal em lugar do substituído ou a
promover uma intervenção principal. Se o sucessor
jurídico se apresenta como interveniente adesivo, não
se lhe aplicará o §69.
97. Apenas para efeito de comparação, diga-se o Codice di Procedura
Civile tem redação um tanto diferente, pois, expressamente, autoriza, o ingresso
do adquirente ou do cessionário no feito em curso. A necessidade da
concordância da parte contrária se faz, somente, para expulsar da relação
144
processual o alienante ou cedente, conforme o caso. Eis o que, no azo,
preceituam partes em que se desdobra o art. 111 do Estatuto peninsular:
(Sucessão a título particular no direito controvertido). – Se no
curso do processo se transfere o direito controvertido por ato
entre vivos a título particular, o processo prossegue entre as
partes originárias. Se a transmissão a título particular decorre
de morte, o processo prossegue pelo sucessor universal ou
em confronto deste. Em todos os casos, o sucessor a título
particular pode intervir ou ser chamado ao processo e, se as
outras partes nisso consentem, o alienante ou o sucessor
universal podem ser retirados do processo.
(Sucessione a titolo particolare nel diritto controverso). – Se nel
corso del processo si trasferisce il diritto controverso per atto
tra vivi a titolo particolares, il processo prosegue tra le parti
originarie. Se il trasferimento a titolo particolare avviene a
causa di morte, il processo è proseguito da successore
universale o in suo confronto. In ogni caso il successore a
tilolo particolare può intervenire o essere chiamato nel
processo e, se le altre parti vi consentono, l’alienante o il
successore universale può esserne estromesso404.
404 O terceiro parágrafo do art. 111, do Codice di Procedura Civile, fala na “extromissão” do alienante ou do sucessor universal. A locução “sucessor universal” pode não restar, ao menos para nós, de língua portuguesa, exatamente compreendida. Está empregado, ambiguamente, no Codice di Procedura Civile. No terceiro parágrafo do art. 111, tem o sentido de agente causador da sucessão (na sucessão inter vivos, bem entendido), em contraposição a sucedido, aquele que, no plano do direito material, está no pólo passivo da sucessão. O sufixo or, em português, também é atributivo da qualidade de agente causador de algo; assim, por exemplo, motor, é o agente causador da coisa que está em movimento, etc., etc. Essa conclusão, que a nós, brasileiros, pode causar perplexidade, se comprova, quando mais não for, pelo excerto, a seguir, de passo de CORRADO FERRI, a saber: “Ponha-se, agora, em relevo como o 3º item do art. 111 se destina a enunciar uma simplificação da regra, porquanto está prevista a hipótese de que o sucessor a título particular, atual titular do direito, e, com efeito, o verdadeiro interessado na controvérsia, possa intervir no processo ou possa ser chamado pela outra parte; nesse caso, se as partes estão de acordo quanto a isso (“vi consentono”), as partes originárias, ou seja, o alienante ou sucessor universal, podem ser “extrometidos” (o itálico não é nosso). Em original:”Va ancora rilevato come il 3º comma dell’art. 111 tenda poi ad enunciare una semplificazione della regola, poiché è prevista l’ipotesi che il successore a titolo particolare, attuale titolare del diritto, e in effetti il reale interessato alla controversia, possa essevi chiamato dalle altre parti; in questo caso, se le parti sono d’accordo (“vi consentono”), de parti originarie, ossia l’alienante o il sucessore universale, potranno essere estromessi” (ob. cit., p. 302).
145
O Código de Processo Civi l português, em seu artigo 271º,
assevera, no que interessa ao tópico:
1- No caso de transmissão, por ato entre vivos, da
coisa ou do direito l it igioso, o transmitente
continua a ter legit imidade para a causa, enquanto
o adquirente não for, por meio de habil i tação,
admitido a substituí-lo. 2- A substituição é admitida
quando a parte contrária esteja de acordo. Na falta
de acordo, só deve recusar-se a substituição
quando se entenda que a transmissão foi para
tornar mais difíci l , no processo, a posição da parte
contrária.
A transcrição dos disposit ivos legais de fora da terra tem sua
razão de ser: a interpretação, quanto aos contornos do ingresso do
adquirente ou do cessionário, que passaremos a fazer, levará em
conta, precisamente, essas disposições de direito comparado.
Os autores que, no Brasil, versaram o tema, um pouco mais,
um pouco menos, aprofundado, estão em que, por força da leitura
“tout court” do § 2º, do art. 42, de nosso Código de Processo Civi l , o
ingresso do adquirente o cessionário concretizar-se-á somente se “a
parte contrária o consentir”, constituindo, pois, esse assentimento,
uma condição sine qua non para tanto405. Não comungamos desse
extremado rigor, entretanto.
98. A ratio essendi do instituto se prende ao princípio geral,
405 Nesse sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 722 e seg.; HÉLIO TORNAGHI, ob. cit., p. 202.
146
acenado, vanguardeiramente, por CHIOVENDA406 e que se manifesta nas
diversas quadras da ciência processual, segundo o qual “deve-se impedir,
tanto quanto seja possível, que a necessidade de servir-se do
processo para fazer valer um direito resulte em prejuízo para aquele
que fora tangido a agir ou a defender-se em juízo”407. Ora, uma vez
resguardados os interesses da parte adversária, que, de ordinário, se
resumem na garantia do pagamento das verbas de uma eventual
sucumbência, o ingresso do adquirente ou do cessionário no processo,
posto que nisso recalcitre a parte adversária, poderá ser determinado pelo
juiz. Por outras palavras, a renitência do antagonista deve ser razoável e
isso pode e deve ser analisado pelo magistrado, sob pena de se estar a
encampar o entendimento esdrúxulo de dever o juiz curvar-se à resistência
caprichosa ou, ao menos, estulta, desse ou daquele litigante. Veja-se que,
no direito português, o instituto, cuja espinha dorsal restou transplantada
para o direito brasileiro, há recomendação expressa de que, “na falta de
acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a 406 A jurisprudência seguiu o desaviso, como, v.g., se pode ler do REsp. nº 59.594-MG (rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, in DJU de 05.3.2001, p. 158, e RT, Vol. 790, p. 231): “O art. 42 do CPC fixou como regra a estabilidade subjetiva da relação processual. Apenas permite a alteração das partes, em virtude de alienação posterior do objeto litigioso, se a parte contrária concordar com a sucessão processual. Caso não haja concordância, permanece inalterada a relação subjetiva no processo, devendo prosseguir entre as mesmas partes originárias”. Interessante, entretanto, é sublinhar que, em caso típico de sucessão processual (cuidava-se de incorporação de sociedade, o que é uma das hipóteses de alienação inter vivos, a título universal, de bens e direitos, consoante, mais abaixo, no corpo do texto, explicaremos), o Superior Tribunal de Justiça, enfatizou dar-se a sucessão “independentemente da anuência da parte contrária” (REsp. nº 14.180-SP, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 28.6.1993, p. 12.895, e LEX-STJ, Vol. 51, p. 134). Cf. “Sulla perpetuatio iurisdictionis”, in “Saggi di Diritto Processuale Civile”, Società Editrice “Foro Italiano”, Roma, 1930, Vol. I, p. 273 e seg. 407 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA não chega, em verdade, a afirmá-lo de forma categórica. A bem de ver, aliás, acrescenta o ilustre processualista mais um requisito condicionante do ingresso do adquirente ou do cessionário ao processo, não previsto na lei: o consentimento do transmitente ou do cedente, “quando exigível”. Mas, de outro lado, embora sem tirar alguma a respeito, diz: “O consentimento das demais partes, quando exigível, não é discricionário, devendo a recusa ser motivada e justificada, a fim de ser valorizada pelo juiz chamado a decidir quanto à substituição” (ob. cit., p. 171 e seg. e, especialmente, p. 176). ANDREA PROTO PISANI, “Lezioni di Diritto Processuale Civile”, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Nápoles, 1994, nº 8.2, p. 432.
147
transmissão foi efetuada para tornar, mais difícil, no processo, a
posição da parte contrária” (Código de Processo Civil, art. 271º, nº 2,
segunda parte). Aliás, a bem de ver, como regra geral, a permanência da
parte originária, que conhece e sabe das provas que devam ser produzidas
para fazer suas alegações, menos condiz com os interesses do adversário,
salvo, é evidente, a hipótese de má-fé, a que alude o dispositivo de lei
lusitano.
Mas não é somente isso. Não se pode construir uma regra imperativa
e peremptória da proibição do ingresso do adquirente ou do cessionário no
processo, ante a simples discordância, quanto a isso, do litigante
antagônico, pois a aquisição da coisa litigiosa ou a cessão dos direitos
controvertidos pode fazer-se, um ou outro, sob a cláusula “pro
solvendo”408. Por fim, a perpetuatio legitimationis, em detrimento da
capacitas ordinaria, é sempre excepcional. Exatamente por isso, a
aquisição do direito litigioso traz consigo uma “vocação ao processo”, de
molde a buscar o afastamento da ficção da perpetuatio legitimationis, cujo
superamento as exigências de ordem prática impõem409. Lembre-se,
outrossim, que, no âmbito do processo de execução, a sucessão na
relação processual, por força da transmissão do crédito, independe do
consentimento do devedor, muito embora a recíproca não seja igualmente
verdade; havendo, é exato, assunção do débito por terceiro, é
indispensável a anuência do credor (art. 568, inciso III, do Código de 408 Na hipótese de o crédito cedido destinar-se ao pagamento de dívida exeqüenda, diz LOPES DA COSTA, com vistas ao direito alemão, o exeqüente livremente escolhe: a) ou recebe o crédito pro solvendo (transferência para recebimento –Ueberweisung zur Einziehung- ou b) pro soluto (transferência em pagamento pelo valor nominal –Ueberweisung un Zahlungs Statt zum Nenwert” (“Direito Processual Civil Brasileiro”, Forense, 1959, 2ª ed., Vol IV, nº 197, p. 161). 409 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 167.
148
Processo Civil), mas isso ante a razão óbvia da conveniência, em proveito
desse último, na manutenção das condições pessoais da responsabilidade
obrigacional (persönliche Haftung)410, a par da circunstância, nenhum
pouco olvidável, de realizar-se a execução no “interesse do credor”
(Código de Processo Civil, art. 612). Por derradeiro, não serão
despicientes as razões tiradas pela Corte de Cassação italiana -devendo,
ao reverso, ser aproveitadas, no que couberem, para forrar a
argumentação que vimos despendendo-, no sentido de que,
... o princípio da continuação do processo entre as
partes originárias, na hipótese de transmissão do
direito litigioso a título particular, não consente que
uma medida cautelar no curso do processo principal
possa ser concedida no confronto do transmitente;
dada a autonomia do processo cautelar, ainda que
conexo àquele de mérito, a ação cautelar deve ser
dirigida contra o adquirente411.
99. Em conclusão, nesse tópico, a expressão “sem que o consinta
a parte contrária”, contida no § 1º, do art. 42, do Código de Processo
Civil, não tem o condão de subverter o interesse dominante na relação
processual, que é de natureza pública. O interesse particular do litigante
adversário fica limitado ao princípio brandido por CHIOVENDA e acima
410 Cf. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 175. 411 Julgado nº 1.536, de 25 de maio de 1973 (apud M. BATTAGLINI e T. NOVELLI, “Codice di Procedura e Norme Complementari – con il commento della giurisprudenza della Cassazione”, Giuffrè, 1990, 8ª ed., p. 487). Lê, do original: “Il principio della continuazione del processo tra le parti originarie in ipotesi di trasferimento del diritto controverso a titolo particolare avvenuto nel corso del processo, non consente che una misura cautelare in corso di causa possa essere concessa nei confronti del dante causa; data l’autonomia del processo cautelare, ache se connesso con quello di merito, l’azione cautelare deve essere rivolta nei confronti dell’avente causa” (idem, ibidem, loc. cit.).
149
invocado, na esteira do qual “deve-se impedir, tanto quanto seja
possível, que a necessidade de servir-se do processo para fazer valer
um direito resulte em prejuízo para aquele que fora tangido a agir ou
a defender-se em juízo”. Fora dessa hipótese, portanto, a objeção do
demandante antagonista soa como simplesmente emulativa ou caprichosa
e deve, por isso, ser rejeitada, motivadamente, pelo juiz, sob pena de se
estar a consagrar a concepção duelística do processo, sob cujas vestes
era a formalidade considerada um fim em si mesma.
Por último, insista-se não se levar em conta, em tal caso, a vontade
do transmitente. A opinião doutrinária412 de que o alienante ou cedente
deve, a par do que sucede com seu adversário, ser ouvido sobre o
ingresso do adquirente ou cessionário é inaceitável. A recalcitrância do
transmitente no continuar no processo, embora por ele alienada a coisa ou
o direito litigioso, não permite justificativa alguma que não seja a
decorrente do mero espírito de emulação, para se dizer o menos. Não há,
no plano processual, fundamento para atuar contra a vontade do
adquirente ou cessionário de ingresso no processo. Na Itália, como se
falou, o que se dá é o inverso: o adquirente ou cessionário, uma vez
admitido ao processo, pode, se o entender assim mais conveniente,
desejar a exclusão (“extromissão”, na linguagem da lei) do alientante ou
cedente, Essa conduta, entretanto, tem a seu favor –o que se não dá na
hipótese inversa- de não ser o alienante ou o cedente, já agora, o titular da
coisa ou do direito litigioso, como, a seguir, virá demonstrado. Em suma, a
vontade do transmitente é juridicamente irrelevante para obstar o ingresso 412 Assim, por exemplo, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 174.
150
do adquirente ou cessionário, segunda a melhor doutrina413 e como, de
resto, decidiu o Superior Tribunal de Justiça414.
§ 2º. O ingresso, no processo, do adquirente ou do cessionário como “assistente” do alienante ou cedente
100. Em inadmitindo o juiz a sucessão processual, malgrado tenha havido,
no plano do direito material, a “alienação da coisa ou do objeto litigioso”, na
esteira do § 2º, do art. 42, ”o adquirente ou o cessionário poderá, no entanto,
intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente”.
Esse “assistindo o alienante ou o cedente” resultou de
transplante de disposit ivo do direito tedesco (“§ 265, item 3º: “Se o
sucessor jurídico se apresenta como interveniente adesivo, não
se lhe aplicará o § 69”)415. Mas foi transplante mal feito e com isso
se criou um aleijão. E o que é pior: de roldão, levou ao equívoco
parte da doutrina -capitaneada, al iás, sem favor algum, por
representantes da excelência jurídica do país-, que sustenta, a nosso
ver, erradamente, dar-se, na hipótese do § 2º, do art. 42, do Código
de Processo Civil brasileiro, a intervenção adesiva li t isconsorcial
413 Nesse sentido, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 723. No texto ora mencionado há evidente equívoco, quando alude ao ingresso do “alienante”, devendo-se ler, pois, “adquirente”. Confira-se: “A vontade do alienante, portanto, é juridicamente irrelevante para obstar o ingresso do alienante” (a cursiva não é do original). 414 REsp. nº 280.993-PR, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in RSTJ, Vol. 175, p. 332 e seg. 415 Anota F. RAMOS MÉNDEZ, com o que estamos inteiramente de acordo, representar a solução do direito italiano um avanço notável relativamente ao direito alemão (ob. cit., p. 275). Pelo direito teutônico, “os interesses do sucessor, titular dos direitos sobre a coisa litigiosa, restam debilmente tutelados mediante o remédio da intervenção adesiva simples. Por força dessa, sua postura no processo fica reduzida ao papel de mero coadjuvante, quando o sucessor é a parte mais interessada na condução e no resultado do processo” (idem, ibidem, loc. cit.).
151
(assistência l i t isconsorcial)416. O lapso, entretanto, não desapercebido
a CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, quem, entre nós, cuidou,
pioneiramente, do assunto417.
E, de fato, o lapso é perceptível prima ictu oculi: o adquirente ou
cessionário, no plano do direito material, torna-se, por efeito da transmissão, o
verdadeiro titular da coisa ou do direito litigioso e, portanto, seu interesse jurídico
recai sobre o que lhe é próprio e constitui o objeto, mesmo, do litígio. A jurisprudência
da Corte de Cassação italiana é exuberante e, de resto, uníssona, no asseverar a
impossibilidade, por isso, de, por empréstimo à lei alemã, vislumbrar-se a hipótese de
intervenção assistencial. Assim, por exemplo: “O sucessor a título particular do
direito controvertido pode, com base, no art. 111 cpc., desenvolver todas as
atividades processuais consentidas ao transmitente, tendo o direito geral de
intervir no processo, mas que não se confunde com a intervenção de que
cuida o art. 105 CPC, respeitante ao terceiro, porquanto o sucessor não é
terceiro, mas o verdadeiro e próprio titular da res litigiosa”418; outrossim, a título
meramente enunciativo: “o sucessor a título particular no direito controvertido,
que pode intervir no processo à luz do art. 111, 3º inciso, não pode ser
considerado terceiro, porque é o efetivo titular do direito litigioso e por isso
416 Assim, por exemplo, equivocadamente, HÉLIO TORNAGHI (ob. cit., p. 203) e ARRUDA ALVIM (“Tratado de Direito Processual Civil”, ed. cit., p. 723 e seg.). HÉLIO TORNAGHI, que comentou essa parte do Código de Processo Civil, logo que o ordenamento entrou em vigor, afirmou, desavisadamente: “Dado o interesse jurídico do adquirente ou cessionário em que a sentença seja favorável ao alienante ou cedente, pode ele ingressar no processo para assistir a esse último” (idem, ibidem, loc. cit.). A seu turno, ARRUDA ALVIM proclama: 417 “Alienação da Coisa Litigiosa”, ed. cit. 418 Corte de Cassação, julgado nº 6.220, de 03 de junho de 1993, apud FRANCO CIPRIANI e GIAMPIERO BALENA, “Codice di Procedura Civile annotato com la giurisprudenza”, Edizioni Scientifiche Italiane, p. 349). No original: “Il successore a titolo particolare del diritto controverso potendo, in base all’art. 111 cpc., svolgere tutte le attività processuali consentite al suo dante causa, ha un generale diritto di intervento nel processo – da non confondere con l’intervento di cui all’art. 105 cpc., riguardante il terzo, essendo il successore non terzo, ma vero e proprio titolare della res litigiosa” (idem, ibidem, loc. cit.).
152
pode assumir a mesma posição do transmitente”419; e, ainda, também
enfaticamente: “quem intervem no processo por força do art. 111, inciso
terceiro, CPC, não é terceiro em sentido próprio e substancial, mas é o efetivo
titular do direito litigioso”420. Advirta-se que o Codice di Procedura Civile, um pouco
diferente do nosso, não determina a “substituição” do alienante pelo adquirente, mas,
como regra, prevê a permanência, no processo, de um e de outro; por isso, falar a
jurisprudência peninsular em “intervenção” do adquirente ou do cessionário. (Acima,
fizemos a transcrição do art. 111, do Estatuto processual italiano, à qual, nesse
passo, nos remetemos). O que se vem de dizer vale, perfeitamente, para o direito
brasileiro. O adquirente ou o cessionário do direito controvertido é o titular da relação
jurídica litigiosa, em um de seus pólos e, daí, seu interesse na solução do conflito ser
direito e não reflexo, ficando, logo, submetido aos efeitos da coisa julgada material421.
101. O adquirente ou o cessionário não pode, destarte, ser assistente simples
do alienante ou cedente. E, também, não pode ser assistente litisconsorcial desse
transmitente. Certo, em tema de assistência litisconsorcial, a doutrina, de modo geral,
sustenta –e, aí, com acerto- que a sentença, proferida contra o assistido, alcança o
assistente.
A situação processual, portanto, do “assistente”, a que refere o
§ 2º, do art. 42, do Código de Processo Civi l , não se confunde,
portanto, com a posição daquele assistente na espécie de
419 Corte de Cassação, julgado nº 6.220, de 03 de junho de 1993, apud FRANCO CIPRIANI e GIAMPIERO BALENA, ob. cit., p. 350. No original: “Il successore a titolo particolare nel diritto controverso, che può intervenire nel processo a norma dell’art. 111, 3º comma, cpc., non può essere considerato terzo, ma è l’effettivo titolare del diritto in contestazione e perciò può assumere la stessa posizione de suo dante causa”. (idem, ibidem, loc. cit.). 420 Corte de Cassação, julgado nº 4.904, de 10 de agosto de 1988, apud M. BATTAGLINI e T. NOVELLI, ob. cit., p. 487. No original: “Chi interviene nel processo a norma dell’art. 111, comma terzo, C.P.C., non è terzo in senso proprio e sostanziale, ma è l’effettivo titolare del diritto in contestazione”. (idem, ibidem, loc. cit.). 421 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 162.
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intervenção de que cuidam os arts. 50 e seguintes do mesmo
Estatuto, pois, aqui, há a transferência do objeto l it igioso e, portanto,
da t i tularidade do direito material.
Sem pretender enfrentar, a contento, a polêmica doutrinária
acerca do grau de interesse do terceiro, na assistência denominada
simples , no confronto do grau de interesse do terceiro, na
assistência qualif icada ou l i t isconsorcial, há, entre um e outro desses
institutos, uma diferença quanto a precisar-se a legit imação
processual ( leia-se legit imação para agir , legitimatio ad causam)
desse terceiro, a determinar intensidade dessa intervenção e a
extensão subjetiva da coisa julgada422.
102. Na assistência simples , o terceiro pode intervir no
processo em curso, apenas para sustentar a razão de uma das
partes, quando tiver um interesse ( jurídico, é claro) decorrente da
circunstância de a relação jurídica, a que se prende o terceiro, ser
dependente (no sentido silogístico do termo) da relação jurídica
l i t igiosa423, ou seja, quando a solução dada à relação jurídica
controvertida, embora inter alios, vai ter o efeito de estabelecer,
com vistas à relação jurídica do terceiro, um fato constitutivo,
modificativo ou extintivo do direito que se constitui na espinha dorsal
dessa últ ima (da relação jurídica do terceiro); ainda, o fato 422 Cf.: GIOVANNI FABRINI, “Contributo alla dottrina dell’intervento adesivo”, Giuffrè, 1964, p. 35 e seg.; JUAN MONTERO AROCA, “La intervención adhesiva simple –contribución al estudio da la pluralidad de partes en el proceso civil”, Editorial Hispano Europea, Barcelona, 1972, p. 171 e seg.; HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 223; ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, Editora Revista dos Tribunais, 1976, Vol. III, p. 8 e seg.; MOACYR LOBO DA COSTA, “Assistência”, Edição Saraiva, 1968, p.; 159 e seg.; CORRADO FERRI, ob. cit., p. 313. 423 GIROLAMO MONTELEONE, “Diritto Processuale Civile”, CEDAM, 2002, 3ª ed., p. 217 e seg.; CORRADO FERRI, ob. cit., p. 313;
154
constitutivo , modificativo ou extintivo , que recai sobre a relação
jurídico-material do terceiro, é dependente (por via reflexa, portanto)
da sentença proferida no processo em deseja ou pode intervir o
assistente simples424. Assim, a sentença, emanada num processo inter alios, vai
servir de fundamento (compondo, destarte, a respectiva causa petendi) para uma
futura ação (rectius: pretensão processual), que pode vir a ser proposta contra o
terceiro. Por isso, o direito positivo alemão faz desaguar o ingresso do terceiro no
interesse jurídico à vitória de uma das partes425.
103. Na assistência litisconsorcial, a relação jurídica do assistente é com o
424O fenômeno, curialmente, foi tratado por ADOLF WACH, no seu “Handbuch”. Como anota FABRINI, WACH teria seguido, no trato da matéria, a via dos interesses reflexos da sentença para assinalar os contornos da intervenção adesiva simples, sustentando, então, que a titularidade de uma situação jurídica, suscetível de sofrer efeitos reflexos de uma decisão proferida em um processo pendente entre outros sujeitos, justifica, necessária e suficientemente, essa intervenção adesiva (GIOVANNI FABRINI, ob. cit., p. 5). Assim, os caracteres que, segundo WACH, devem matizar o interesse para intervir, são os seguintes: o interesse deve ser próprio do interveniente; esse interesse deve ser, também, atual; por fim, o interesse deve ser, ademais, jurídico (idem, ibidem, loc. cit.). A esse propósito, importantíssimo à compreensão do tema, WACH explica que, além da hipótese da extensão subjetiva do julgado, um interesse desse porte se dá quando, por seu próprio conteúdo, constitui elemento da relação jurídica do terceiro, ou, por outras palavras, quando a solução da relação jurídica controvertida inter alios não recai, como uma norma aplicável por via de conseqüência, sobre a relação jurídica do terceiro, mas que a esse interesa somente pelas conseqüências que produz para uma das partes e que se manifestam, sobre o terceiro, como efeitos reflexos da sentença, que vão servir, a seu turno, de fato jurídico constitutivo, modificativo ou extintivo de uma outra relação jurídica, à qual se prende, pois, o terceiro (cf.: ALDOF WACH, “Manual de Derecho Procesal Civil”, tradução do alemão por Tomás A. Banzhaf, Ediciones Jurídicas Europa-America –EJEA, Buenos Aires, Vol. II, p. 416 e seg.; GIOVANNI FABRINI, ob. cit., p. 5 e 6). Por essa razão, certamente, HÉLIO TORNAGHI, ao discorrer sobre a assistência, assevera: “Posição do terceiro em relação à sentença. Aquele que não é parte no processo, em geral, não é atingido pela sentença. Essa lhe é indiferente: neque nocet, neque prodest, não o prejudica nem o beneficia” “Por vezes, entretanto –continua o jurista renomado-, a sentença proferida entre as partes vai atingir terceiro, ou diretamente, como ato, ou reflexamente, como fato. No primeiro caso, a lei permite ao terceiro a intervenção no processo como parte principal (art. 54); no segundo, como parte acessória, mero coadjuvante (art. 50)”. E, no que convém à explanação que vimos fazendo, conclui: “O art. 50 se refere, exatamente, a esse último caso. Trata esse dispositivo da intervenção pela qual o terceiro interessado na vitória de uma das partes adere a ela para ajudá-la (ad adiuvandum tantum). Por isso mesmo é chamada em outras legislações intervenção adesiva (intervento adesivo; Nebenintervention)...” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 223). A seu turno, ARRUDA ALVIM ensina: “Na assistência simples, o que se verifica é que o assistente não tem pretensão própria que venha a fazer parte integrante do objeto litigioso (“lide”). Na assistência simples, o que ocorre é que há repercussão de fato, seja de caráter econômico, seja de caráter moral, sobre o direito (relação, esfera ou situação jurídica) do assistente; e, a esse tipo de repercussão, para que possa ser evitado, o direito definiu como base do interesse jurídico do assistente simples” (“Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., Vol. III, p. 8). 425 Eis o que diz o § 66 da Zivilprozessordnung: “(Intervenção adesiva). Quem, em processo pendente entre outros sujeitos, tiver interesse jurídico na vitória de uma das partes, pode intervir em auxílio de uma dessas” No original: “(Nebenintervention). Wer ein rechtliches Interesse daran hat dass in einen zwischen anderen Personen anhängigen Rechtsstreit die eine Partei obsiege, kann dieser Partei zum Zweche ihrer Unterstützung beitretren”.
155
adversário do assistido, cuja relação jurídico-material, entretanto, já faz parte, à guisa
de seu objeto litigioso, do processo em curso426. Por outras palavras, o terceiro
ingressa no processo em curso para fazer, tal qual na assistência simples, um direito
seu, com a diferença, contudo, de que, nesse caso, o da assistência qualificada, o
direito do terceiro, muito mais do que simplesmente compatível com o da relação
jurídica controvertida, emerge da mesma causa petendi ou do mesmo objeto,
delineado, uma ou outro, na relação jurídica já estabelecida427. Pode-se dizer, por
isso, que o interesse do terceiro, na assistência qualificada ou litisconsorcial, deriva
do mesmo fato constitutivo, eleito como o fundamento jurídico da demanda em curso,
mas, a despeito disso, é um direito autônomo do terceiro428. Em suma,
constituem casos de intervenção litisconsorcial todos aquelas hipóteses que
envolvam casos de mais de um sujeito ser titular de um mesmo direito (que deságua,
processualmente, nas mesmas causæ petendi) ou de um mesmo bem (de que
deriva, processualmente, a identidade de objetos), donde a conseqüência, a se
extrair, de estarem ambos (os sujeitos) ou todos legitimados à propositura de uma
mesma ação (rectius: pretensão) ou à propositura de ações distintas, mas de
conteúdos idênticos; nessa contingência, se um desses legitimados é autor ou réu
num processo em curso, o outro co-legitimado tem interesse legítimo para intervir na
causa, na qualidade de assistente litisconsorcial daquele429. Em arremate, a
assistência qualificada (ou litisconsorcial) consagra os mesmos pressupostos do
litisconsórcio facultativo, muito embora concretizado in itinere, isto, no curso de um
processo já instaurado; de fato, por meio dessa intervenção, um terceiro, titular de
426 ARRUDA ALVIM, “Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., Vol. III, p. 8. 427 GIROLAMO MONTELEONE, ob. cit., p. 214 e seg.; ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., p. 411 e seg.; CORRADO FERRI, ob. cit., p. 312. 428 CORRADO FERRI, ob. cit., p. 312. 429 GIROLAMO MONTELEONE, p. 215 e 216.
156
uma relação jurídica conexa, seja pelo título (causa petendi), seja pelo objeto
(petitum), no confronto de alguma das partes (por isso, a relação do terceiro é
conexa à relação jurídica controvertida), ingressa, no feito, para auxiliar uma das
partes (evidentemente, aquela cuja relação jurídica é conexa à sua)430.
104. De qualquer forma, contudo, como ficou demonstrado, seja na
assistência simples, seja na assistência litisconsorcial, o a coisa ou o
objeto do litígio relaciona-se com a parte, aquela que pode vir a ser
assistida. Claro, consoante, igualmente, ficou assentado, na assistência
litisconsorcial, a coisa ou o fundamento do litígio é comum à relação
jurídica do terceiro, mas não se perca de vista que a parte, a cuja relação
jurídica é conexa a do terceiro, é quem, alegadamente, possui o direito ou
a coisa litigiosa. Por outras palavras, a assistência do § 3º (“O adquirente
ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo
o alientante ou o cedente”), do art. 42, do Código de Processo Civil, é 430 FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., p. 296. Muito embora isso não seja de notável relevo, sob o aspecto prático (cf. GIROLAMO MONTELEONE, ob. cit., p. 214 e 215), entendemos ser o assistente litisconsorcial um terceiro e não, parte. A intervenção continua adesiva, porque se exerce no auxílio de uma somente das partes (cf. CORRADO FERRI, ob. cit., p. 312). Embora no confronto da relação jurídica posta em juízo não seja o assistente qualificado, verdadeiramente, um terceiro, frente ao processo ele o é, ante a circunstância elementar de, nessa, não ser autor nem réu. À assistência litisconsorcial, refere-se o § 69 da Zivilprozessordnung, a saber: “(Intervenção adesiva litisconsorcial). Nos limites em que, segundo as disposições do direito civil, a sentença, ditada no processo principal, surta efeitos na relação jurídica do interveniente adesivo com seu adversário, esse interveniente, para os fins do § 61, deve ser considerado litisconsorte da parte principal”. No original: “(Intervenção adesiva litisconsorcial”). Insofern nach den Vorschriften des bürgelichen Rechts die Rechtskraft der in dem Hauptprozess erlassenen Entscheidung auf das Rechtsverhältnis des Nebenintervenienten zu dem Gegner von Wirksamkeit ist, gilt der Nebenintevenient im Sinne des § 61 als Streitgenosse der Hauptpartei”. Como anota TORNAGHI, no direito alemão, na expressão da lei “gilt der Nebenintervenient” (do verbo gelten, que significa valer) leva alguns autores a sustentar que o interveniente não se torna, por isso, litisconsorte (er aber nicht wirklich Streitgenosse der Partei wird), nem pode pedir nada para si (und kann keine Anträge für sich stellen), como, por exemplo, que a sentença seja dada em seu nome, pois essa não é dada nem a favor dele, nem contra ele (das Urteil ergeht nicht für oder gegen ihn), mas, apenas, em face da parte assistida (sondern nu gegenüber der unterstützten Partei) (HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 231). Tampouco a circunstância de a parte final do art. 54, do Código de Processo Civil brasileiro prever a hipótese de a sentença “influir entre ele e o adversário do assistido” torna o assistente litisconsorcial parte (em sentido contrário: HÉLIO TORNAGHI, idem, p. 323). Como anota ARRUDA ALVIM, com inteiro acerto, o terceiro, legitimado a ingressar na causa como assistente litisconsorcial, somente será atingido pela eficácia material da sentença se e quando tiver de fato ingressado na relação processual em curso (“Código de Processo Civil Comentado”, ed. cit., Vol. III, p. 9).
157
uma assistência às avessas, na qual o “assistido” não é mais titular de
nenhum direito material comum à relação jurídica controvertida, ao passo
que o assistente, sim, vem aí a sobressair-se como o verdadeiro titular de
tal relação material-litigiosa. Como se falou, esse ponto, na Corte de
Cassação italiana, é pacífico, muito embora, bom é que se diga, não haja,
no direito positivo peninsular, norma semelhante à do § 3º, do art. 42 de
nosso Código. De qualquer modo, porém, vale insistir tolerar a Corte de
Cassação italiana o ingresso do adquirente ou do cessionário no processo,
numa forma genérica e imprecisa de “intervenção de terceiros”, mas não,
enfatize-se, à luz do art. 105 do Codice di Procedura Civile, dispositivo
que alberga, a um só tempo, a assistência simples e a assistência
litisconsorcial. Como assentado na Corte de Cassação italiana, a que, de
resto, acima já se aludiu: “O sucessor a título particular do direito
controvertido pode, com base, no art. 111 CPC, desenvolver todas as
atividades processuais consentidas ao transmitente, tendo o direito
geral de intervir no processo, mas que não se confunde com a
intervenção de que cuida o art. 105 CPC, respeitante ao terceiro,
porquanto o sucessor não é terceiro, mas o verdadeiro e próprio
titular da res litigiosa”431. No âmbito doutrinário, igualmente na Itália,
entende-se não se inserir a intervenção do sucessor a título particular em
nenhuma das espécies de intervenção adesiva, quer a simples, quer a
431Corte de Cassação, julgado nº 6.220, de 03 de junho de 1993, apud FRANCO CIPRIANI e GIAMPIERO BALENA, “Codice di Procedura Civile annotato com la giurisprudenza”, Edizioni Scientifiche Italiane, p. 349). No original: “Il successore a titolo particolare del diritto controverso potendo, in base all’art. 111 CPC, svolgere tutte le attività processuali consentite al suo dante causa, ha un generale diritto di intervento nel processo – da non confondere con l’intervento di cui all’art. 105 CPC., riguardante il terzo, essendo il successore non terzo, ma vero e proprio titolare della res litigiosa” (idem, ibidem, loc. cit.). Ver, ainda, as notas 64 e 65.
158
litisconsorcial432. No tocante à assistência simples, não lhe é equiparável
pelos seguintes motivos: a) o sucessor do direito controvertido, a título
particular, enquanto se torna seu titular, é, igualmente, titular da situação
substancial que legitima, em via ordinária, a parte a litigar em juízo; em
conseqüência, é por força de sua legitimação ordinária e não em virtude de
uma legitimação própria da intervenção adesiva; b) posto intervenha o
assistente em processo inter alios, cujo objeto é constituído de uma
situação jurídica substancial, objetiva e subjetivamente diversa daquela da
qual é titular (e que não é objeto do processo), embora, dessa mesma
relação, seja a sua juridicamente dependente, o sucessor a título particular
intervém num processo inter alios, mas cujo objeto é constituído por seu
próprio direito; c) paralelamente, se, de um lado, o adquirente, enquanto
titular do direito discutido em juízo, se sujeita aos efeitos diretos da
sentença, o interveniente adesivo, sendo titular de uma situação
juridicamente dependente da controvertida, fica, apenas, submetido à
eficácia reflexa dessa mesma sentença433.
105. Isso não passou desapercebido a CARLOS ALBERTO ALVARO DE
OLIVEIRA, ao salientar estar o adquirente ou cessionário sujeito aos efeitos
diretos –e não, portanto, a seus efeitos reflexos- da sentença, situação,
portanto, muito diversa da que sucede com o assistente simples434. Da
mesma forma, anota o processualista gaúcho não se poder falar, também,
em assistência litisconsorcial, ao menos porque, ainda que se trate de
assistente qualificado, esse é sempre terceiro, ou seja, a relação jurídico-
432Cf. ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., p. 436. 433 Cf. ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., p. 436. 434Ob. cit., p. 162.
159
material litigiosa, posto lhe seja comum (conexa àquela de que participa),
não é a sua435.
Por generosa concessão, poder-se-ia admitir o inverso: que o
alienante ou o cedente (veja-se, porém, que o § 3º em apreço fala
exatamente no oposto, ou seja, o adquirente ou o cessionário é que
assistem aqueles) ingressasse no feito para assistir, na qualidade de
assistente simples, o adquirente ou o cessionário. Isso, sim, seria possível,
pois, tendo o alienante ou o cessionário, por hipótese, de assegurar, em
proveito do alienante, sob pena de responder pela indenização das
respectivas perdas e danos, não pertencer ao adversário a coisa ou o
direito litigioso, poderia ele, em tal caso, intervir, mas na qualidade de
assistente simples do adquirente ou do cessionário, conforme o caso,
desde que, um ou outro, haja ingressado no feito, na qualidade de
sucessor inter vivos. A sentença, que reconhecer pertencer a coisa ou o
direito litigioso ao adversário do alienante ou do cedente, servirá de fato
constitutivo do direito (de parte do adquirente ou do cessionário) à
indenização por perdas e danos contra aquele transmitente436.
106. Para finalizar: fala o texto que o “adquirente ou o cessionário
poderá intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente”;
frente a isso, ou se considera o preceito normativo não escrito, o que
435 CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 164 e 165. No mesmo sentido, frente ao direito espanhol, F. RAMOS MÉNDEZ (ob. cit., p. 278 e seg). 436 Nesse sentido, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, verbis: “A sentença proferida, atingindo diretamente a contra-parte e o sucessor, só reflexamente (quanto aos efeitos materiais) alcançará o transmitente, na medida em que poderá determinar ou não a indenização dos prejuízos que tiver causado ao adquirente do direito litigioso, matéria a ser resolvida em outro processo e segundo os princípios de direito material. O seu interesse, assim, é de evitar um prejuízo jurídico, daí o apenas auxiliar o sucessor. O direito discutido no processo, com a transmissão, já lhe é completamente estranho” (ob. cit., p. 170).
160
redunda no legislar o intérprete e, ademais, contra legem, ou, então, se
dá uma outra roupagem a essa assistência, caminho esse que se nos
alvitra mais conforme a razão. No considerar a assistência, de que cuida o
§ 3º, tertium genus da intervenção voluntária (no confronto, a uma, da
intervenção voluntária ad excludendum, isto é, a oposição, e, a duas, no
confronto da intervenção voluntária adesiva, que compreende, a seu turno,
a modalidade simples e a qualificada), não se está senão construindo um
gênero de intervenção de terceiros que possa abrigar algumas hipóteses
legais que, posto sejam averbadas de assistência, não têm, todavia, a
natureza dessa intervenção, segundo a tradição jurídico luso-brasileira. É o
que se dava, por exemplo, com as normas contidas na antiga Lei de
Falências (Dec.-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945), art. 36, caput
(“Além dos direitos que esta lei especialmente lhe confere, tem o
falido os de fiscalizar a administração da massa, de requerer
providências conservatórias dos bens arrecadados e o que for a bem
dos seus direitos e interesses, podendo intervir, como assistente, nos
processos em que a massa seja parte ou interessada, e interpor os
recursos cabíveis")437, no Código Civil, art. 637 (“O herdeiro do
depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a
assistir o depositante na reivindicação, e a restituir ao comprador o
preço recebido”), e, por igual, no Código de Processo Civil, art. 42, § 3º.
107. A questão desagua no tormentoso problema da apuração do
verdadeiro conteúdo do art. 499, do Código de Processo Civil, mais 437 TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, sem maiores explicações, considera essa intervenção uma hipótese de ingresso ad adjuvandum (“Comentários à Lei de Falências”, Forense, 3ª ed., 1962, Vol. I, nº 234, p. 240).
161
especificamente, sobre a legitimidade do adquirente ou cessionário, que
não ingressou no feito, para recorrer. O tema, de escassa preocupação
entre nós, veio a ser tratado, em notável e brilhante trabalho, pela
professora TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM438, mas a talentosa
processualista não de seu conta, então, da possibilidade decorrente da
sucessão processual, quiçá por considerar o adquirente ou cessionário
legitimado para ingressar na relação processual a título de assistente.
Como estamos entendendo não se constituir o adquirente ou
cessionário em verdadeiro e próprio assistente, assim considerado pela
doutrina no tratar do tema da intervenção de terceiros, resulta estar o
transmissário habilitado a recorrer como terceiro, malgrado, rigorosamente,
assistente não deva ser qualificado.
§ 3º. A habilitação incidental do adquirente ou do cessionário
108. O Código de Processo Civil brasileiro é silente, por completo,
quanto à necessidade ou não de habilitação e, portanto, em procedimento
incidental, do adquirente ou do cessionário. O correspondente Estatuto
português é mais preciso e, expressamente, em seu art. 271º, item 1, o
preconiza.
Para nós, longe de constituir-se em formalismo exacerbado, até
porque a sua inobservância nenhuma nulidade poderá acarretar, seria de
bom aviso exigir-se, em casos tais, a habilitação. O alvitre tem por escopo,
exclusivamente, atender à melhor ordem procedimental: o adquirente ou 438O terceiro recorrente. Revista de Processo, n.º 59, julho-setembro de 1990, p. 7 e seg.
162
cessionário, com o respectivo requerimento de ingresso na relação
processual, deverá fazer a prova de seu interesse para tanto e, logo,
demonstrar a regularidade do negócio jurídico material de transmissão da
coisa ou do direito litigioso; depois, há de manifestar-se a parte adversa na
demanda, o que poderá dar ensejo a impugnação, a ser resolvida pelo
magistrado e, daí, sujeita a impugnação por meio de recurso; de mais a
mais, fala o Código que, indeferida a sucessão processual, o adquirente ou
cessionário poderá intervir no feito para assistir o alienante ou o cedente
(CPC, art. 42, § 3º); muito embora, consideremos essa intervenção um
tertium genus, não compreendido quer na assistência simples quer na
assistência litisconsorcial, essa admissão não é automática, mas, antes,
exige assentimento do juiz, que terá de examinar, frente ao caso concreto,
se a capacidade postulatória está íntegra, por exemplo, se há ou
necessidade de assentimento uxório ou marital e, enfim, todas aquelas
contingências insuscetíveis de ser sumariadas em abstrato, mas que
surpreendem o juiz e o advogado no processo em curso; da mesma forma,
poderá o juiz entender –e não sem algum acerto, a nosso sentir- ser caso,
apenas, de substituição processual de parte do alienante ou cedente e
tudo isso não convém seja revolvido, decidido e impugnado nos autos
principais. Quando mais não seja, somente depois de admitido pelo juiz
seu ingresso, poderá o adquirente ou o cessionário ostentar-se na relação
processual e, até que isso ocorra, a discussão deve ser travada em autos
incidentais, ou seja, em prévia habilitação.
163
Capítulo V - §1º A sucessão processual mortis causa. § 2º O Conceito de
herança. § 3º A herança jacente e a herança vacante. § 4º. A
sucessão pelo espólio ou pelos sucessores. § 5º. O ingresso
dos herdeiros como terceiros interessados. § 6º. O ingresso
da viúva-usufrutuária para ingressar como assistente. § 7º os
direitos personalíssimos. § 8º. A sucessão inter vivos ou
mortis causa, a título particular e a título universal: a)noções
gerais. b) a sucessão processual pela sociedade incorporada
ou pela sociedade derivada da fusão.
§ 1º. A sucessão processual mortis causa
a) noções gerais
109. O art. 43 (“Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-
se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores,
observado o disposto no art. 265”) disciplina hipótese inteiramente
distinta da consagrada no art. 42, do mesmo Diploma. Consoante acima já
se asseverou, quando há o decesso de uma parte, o processo, entendido
como relação jurídica, não pode prosseguir, ante a contingência elementar
de ser um fenômeno essencialmente trilateral: autor, réu e juiz439. Se falta,
destarte, um desses sujeitos, nasce a imperiosidade de se ter de recompor
essa triangularidade. Mas, o processo, sob os olhos de quem o vê como
situação jurídica e, pois, em evolução, permite, por igual, a admissão
desse evento incontornável da realidade440.
439 FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., p. 337. 440 CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., § 59, p. 358.
164
Havendo, diz o art. 43, “a morte de qualquer das partes”, seus
sucessores tornam-se titulares, no plano do direito material, de todo o
complexo de direitos, deveres e obrigações daquele sujeito processual
agora morto; esse sucessores materiais subentram, no plano processual,
na posição antes desfrutada pela parte falecida, com os mesmos poderes,
deveres e ônus dessa última441.
§ 2º. O conceito de herança
110. A herança é o patrimônio do defunto, compreendido, aquele, como
uma unidade que abraça e compreende todas as relações jurídicas do
falecido442; é, um suma, uma universitas, que engloba em si coisas e direitos,
créditos e débitos, e que, como tal, pode se constituir num patrimônio ativo, se
seus haveres superarem o passivo (lucrativa hereditas), da mesma forma que
pode ser um patrimônio passivo, no caso inverso (damnosa hereditas)443.
A herança não tem personalidade jurídica444, pois, nessa, todo o
conjunto de valores se apura e se transmite aos sucessores, sem que dê
441 CORRADO FERRI, ob. cit., nº 6.1, p. 300. 442 ROBERTO DE RUGGIERO, “Instituições de Direito Civil”, tradução da 6ª edição italiana pelo Dr. Ary dos Santos, Saraiva, 1973, Vol. III, § 127, p. 400 e 401. Como aduz CLÓVIS BEVILÁQUA, “a idéia de sucessão não é exclusiva do direito hereditário. Aqui ela se opera mortis causa, em outros domínios será inter vivos. Esta última é sempre a título singular, como na cessão de um crédito, na transferência de um bem ou, ainda, de um complexo de bens. A sucessão hereditária pode ser singular, nos legados, ou universal. É universal a sucessão, quando se transfere a totalidade do acervo hereditário ou uma quota parte dele; é a título singular quando se transfere determinada porção de bens” (“Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”, Livraria Francisco Alves, 1953, 8ª ed., atualizada por Achilles Beviláqua, Vol. VI, obs. ao art. 1.572, p. 7). E arremata o insigne civilista: “Entre vivos não há sucessão universal, porque não pode ela abranger a totalidade do patrimônio do transmitente e, terá, sempre, valor determinado” (idem, loc. cit. 443 ROBERTO DE RUGGIERO, ob. cit., loc. cit. 444 Cf. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, ob. cit., nº 38, p. 111, nota 1.
165
personalidade ao acervo de bens445. Os bens da herança também não
integram, desde logo, o patrimônio do herdeiro, nem, mesmo, constituem
patrimônio separado do sucessor mortis causa; formam, isso sim, uma
massa distinta de bens, situação essa que vai perdurar até a liquidação do
acervo hereditário, com a sua adjudicação ao único herdeiro ou, havendo
mais de um, com a respectiva partilha446. Segundo preceituam ANTUNES
VARELA et Alli, ”por analogia (baseada no argumento a maiori ad
minus) se há de entender que, estando o processo de inventário em
curso, mas não estando ainda efetuada a partilha, é em nome da
herança (ou contra a herança), embora carecida de personalidade
jurídica, que hão de ser instauradas as ações destinadas a defender
(ou a sacrificar) interesses do acervo hereditário”447. Bem é verdade
que o art. 1.784 do Código Civil, reproduzindo o quanto constava do art.
1.572 do Código de 1916, preceitua: “Aberta a sucessão, a herança
transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Menos
verdade não é, também, ser lição de CLÓVIS o passo seguinte: “A
sucessão hereditária abre-se com a morte do autor da herança.
Desde esse momento, opera-se a transmissão da propriedade e da
posse dos bens, substituindo-se os sujeitos das relaçãoes jurídicas;
no instante, que precede a morte, o sujeito dessas relações jurídicas
é o de cujus; no instante que se segue à morte, o sujeito é o
herdeiro”448. O que se haverá de entender, entretanto, é que, somente
445 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, Forense, 1994, 6ª ed., Vol I, nº 67, p. 248. 446 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., nº 67, p. 245 e seg. 447 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, Forense, 1994, 6ª ed., Vol I, nº 67, p. 248. 448 CLÓVIS BEVILÁQUA, ob. cit., Vol. VI, loc. cit.
166
quando ultimada a partilha, opera-se, com efeito ex tunc, a transmissão do
domínio e da posse, mas não da herança, no seu todo, senão no
respectivo direito que ao herdeiro, então, vier tocar. Em suma, enquanto
não ultimada a partilha, é a herança que deve comparecer a juízo, seja
como autora, seja como ré, nas causas que venham a refletir-se nos
interesses do acervo. Mas, uma vez julgada por sentença a partilha (CPC,
art. 1026), cada herdeiro receberá o bem que lhe tocar (CPC, art. 1027) e
a respectiva posse e domínio retroagirão, pois, à data da sucessão.
Realmente, consoante verbera CARVALHO SANTOS, com a morte do autor da
herança, resulta a indivisão do acervo entre os herdeiros e é a sentença de
partilha, de cunho declarativo, que vai distribuir os bens entre os
sucessores do falecido449. “O ato –dí-lo, expressamente CARVALHO
SANTOS- retroage, quanto a seus efeitos, ao dia da abertura da
sucessão”450.
O momento da aquisição dos bens do de cujus, portanto, é o de seu
falecimento, mas essa aquisição fica protraída para o instante da partilha;
contudo, uma vez declarada essa por sentença, os efeitos da divisão dos
bens entre os herdeiros (ou os efeitos da adjudicação dos bens ao único
herdeiro, se for o caso) retroagem à data do decesso do autor da herança.
449 “Código Civil Brasileiro Interpretado”, Livraria Editora Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1938, 2ª ed., Vol. XXII, com. ao art. 1.572, p. 9. 450Autor da herança: autor, aqui, não tem o sentido processual que, à primeira vista, por engano, pode ensejar; autor da herança é o construtor do patrimônio hereditário; empregamos a expressão unicamente porque a essa se refere, expressamente, o Código de Processo Civil, ao cuidar do tema da competência, como se lê dos arts. 89 (“Compete à autoridade judiciária brasileira...”, inciso II (“proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional”), e 96 (“O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente...”). Ob. cit., loc. cit.
167
§ 3º. A herança jacente e a herança vacante
111. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo
(segundo a ordem enunciada no art. 1.829, do Código Civil), ou, em o
havendo, mas renunciando os herdeiros (inclusive os testamentários) à
herança, passarão os respectivos bens ao Município ou ao Distrito Federal,
se localizados nas correlatas circunscrições, ou à União, quando situados
em Território federal (Código Civil, arts. 1.819 e 1.844). Nesses casos, a
herança não será, desde logo, “devolvida” (na expressão do Código Civil)
aos entes públicos, mas ficará, então, em estado jacente, no aguardo,
durante cinco anos, contados do falecimento do autor da herança (Código
Civil, art. 1.822), do aparecimento de herdeiro ao qual possam os bens ser
transmitidos. Por outras palavras, não havendo herdeiros legítimos, nem
testamentários, a herança é jacente e os bens que formam o seu acervo
deverão ser arrecadados, ficando sob a guarda, conservação e
administração de um curador (o procedimento de arrecadação de bens na
herança jacente, da natureza de jurisdição voluntária, está previsto nos
arts. 1.142 e seguintes do Código de Processo Civil), no aguardo do
transcurso do lapso de cinco anos, prazo concedido pela lei para o
aparecimento de herdeiro legítimo; ao cabo desse prazo, a herança
jacente, já arrecadada, será declarada vaga (fala-se, então, em herança
vacante). Uma vez declarada vacante a herança, os bens passarão, daí, ao
domínio do Município, do Distrito Federal ou da União Federal, conforme o
caso (Código Civil, art. 1.822).
168
§ 4º. A sucessão pelo espólio ou pelos sucessores
112. Utiliza-se o legislador, no dispositivo em apreço, da conjunção
ou, como segue: “dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos
seus sucessores”. Resta saber, portanto, qual o sentido dessa alternativa.
Ao cuidarmos do instituto da “capacidade de ser parte”, acenamos
com o ensinamento de CARVALHO SANTOS, segundo o qual resulta, com a
morte de alguém, um estado de indivisão no respectivo patrimônio, até que
a sentença de partilha, de cunho declarativo, distribua os bens do falecido,
que compunham, então, o patrimônio hereditário, entre os respectivos
sucessores451. Por isso, enquanto não efetuado o inventário dos bens do
falecido, nem, ademais, havida a partilha, é a herança que deve figurar, na
demanda, como autora ou como ré452. Obtempera CAIO MÁRIO não
constituírem os bens da herança um patrimônio estanque e separado,
pertencente aos herdeiros, mas, ao reverso, uma massa distinta de bens,
assim temporariamente mantida, até operar-se a liquidação do acervo
hereditário453. Daí, a razão de se dar a sucessão da parte falecida pelo
seu espólio e não, “por seus sucessores”, como regra geral454. A palavra
451 “Código Civil Brasileiro Interpretado”, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1938, 2ª ed., Vol. XXII, com. ao art. 1.572, p. 9. 452 De acordo com essa doutrina, o acórdão lavrado no REsp nº 319.719-SP (rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in DJU de 16.9.2002, p. 181): “O patrimônio deixado pelo de cujus permanece indiviso até a partilha, de forma que cada herdeiro é titular de uma fração ideal daquela universalidade e não de qualquer dos bens individualizados que a compõem”. Nesse sentido, conferir ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, Ltda., 1985, 2ª ed., nº 38, p. 111, nota 1. 453 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Instituições de Direito Civil”, Forense, 1966, 2ª ed., Vol. I, nº 67, p. 232. 454Tolera-se, porém, o ingresso, desde logo, dos herdeiros do de cujus, no caso de não haver bens a serem inventariados, constituindo, por isso, eventual patrimônio único, os direitos controvertidos em juízo. Confira-se o Superior Tribunal de Justiça, no REsp. nº 254.180-SP (rel. Min. VICENTE LEAL, in DJU de 15.10.2001, p. 304): “Embora no caso de morte do autor da ação seja efetuada a substituição pelo seu espólio, é admissível a simples habilitação dos seus herdeiros na hipótese de inexistência de patrimônio suscetível de abertura de inventário”.
169
espólio é empregada como sinônimo de herança e, sobre essa última,
discorremos, minudentemente, ao versarmos o tema da “capacidade de
ser parte”, a que nos reportamos por inteiro455.
Mas, como tantas vezes ocorre na linguagem culta, a conjunção ou
tem, aí, o valor de uma conectiva (“e”), ou seja, há uma sucessividade na
transferência da massa hereditária: primeiro, transfere-se essa ao espólio
e, depois, a seus herdeiros. Com efeito, se, com o advento da sentença de
partilha, há a atribuição, a cada herdeiro, legítimo ou testamentário, pouco
importa, de seu quinhão no património do defunto, a partir desse momento,
quem deve figurar, no processo, sucedendo à parte falecida, são esses
herdeiros mesmos, por força, a contrario sensu, do quanto acima se veio
de expender.
113. Não é essa, entretanto, a única interpretação que a conjunção ou,
oferece, tal como empregada no texto. Quando a herança não tiver, por
inventariante, nenhuma das pessoas mencionadas nos art. 990, à exceção de
seus incisos V e VI, diz-se, então, ser dativo o inventariante. É a lição do
eminente PEDRO BATISTA MARTINS: ”Chama-se dativo o inventariante cuja
nomeação não resulta de determinação da lei, mas de livre escolha do
455 Espólio. Interessante é notar a evolução etimológica da palavra espólio. Derivada do latim spolium, u, tinha, então, o significado de “avançar sobre algo”, de “apoderar-se de algo”, de “privar alguém ou algo de coisas que lhe são inerentes”. Desse radical, temos a palavra despojo (e, por óbvio, daí, despejo), além de outras, como, v.g., esbulho (no direito italiano, prefere-se, como regra, empregar o termo “espólio da posse”, em vez de, como ocorre no Brasil e Portugal, “esbulho da posse”). No sentido mais puro da palavra, diz-se “despojar um animal”, a traduzir privá-lo de sua carne, de sua pele, de seu couro, velo, etc.; vale-se, também, com esse mesmo sentido, da expressão “despojo de guerra”, a significar o apossamento de bens do inimigo (cf. “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, Editora Objetiva, 2001, 1ª ed.). Esse “apossamento em bens de alguém” deu-nos, numa idéia secundária (mas que, como regra acaba, com o tempo, se desprendendo, inteiramente, da idéia primária (e.g., do latim solitarium, a, um, cuja idéia primária era a de “ausência de pessoas ao redor”, temos solteiro, solteira, que é a idéia secundária, inteiramente desprendida, hoje, da original), a palavra espólio, com a idéia de demitir a pessoa falecida de seus bens (ainda que respaldado pela lei); os “despojos do morto” traduzem a mesma idéia de “despojos de guerra”.
170
juiz”456. Nos termos do art. 12, § 1º, do Código de Processo Civil, “quando o
inventariante for dativo, todos os herdeiros e sucessores do falecido serão
autores ou réus nas ações em que o espólio for parte”. O intuito da lei, ao
assim dispor, é o de evitar a representação da herança por estranhos, que
possam não empenhar-se o suficiente na defesa de bens e direitos que, sequer
potencialmente, possam vir a pertencer-lhes457. Tais argumentos servem para
considerar o inventariante judicial, por extensão, inventariante dativo, para os fins
da lei458. Nas hipóteses, portanto, do § 1º, do art. 12, do Código de Processo
Civil, ocorrendo a morte de alguma das partes, a dar-se-á a sucessão processual
na pessoa de “todos os sucessores do falecido”459.
Por fim, na expressão “sucessores”, empregada no art. 43, em tela,
incluem-se tanto os herdeiros legítimos quanto os testamentários460.
§ 5º. O ingresso dos herdeiros como terceiros interessados
114. Tendo havido a sucessão da parte falecida pelo respectivo
espólio , pergunta-se: podem os herdeiros intervir na relação
processual e, em caso posit ivo, sob qual de suas modalidades?
Os herdeiros, legít imos ou testamentários, enquanto o sucessor
do falecido for o espólio , têm, sobre o acervo hereditário, direitos,
456 “Comentários ao Código de Processo Civil”, Edição Revista Forense, 1940, Vol. I, n 220, p. 262. 457 PEDRO BATISTA MARTINS, ob. cit., nº 220, p. 262; HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 136. 458 Nesse sentido, PEDRO BATISTA MARTINS, ob. cit., nº 220, p. 263. 459 Ainda que de forma não muito explícita, essa é, ao que se deduz, a opinião de HÉLIO TORNAGHI (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, p. 136) e de CELSO AGRÍCOLA BARBI (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. cit., Vol. I, Tomo I, nº 277, p. 255 e 256). 460Nesse sentido, PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Forense, 1973, Tomo I, p. 465 e seg.
171
embora ainda não singularizados. O art. 1.784 do Código Civi l ,
reproduzindo o quanto constava do art. 1.572 do Código de 1916,
preceitua: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo,
aos herdeiros legítimos e testamentários”. Ao tempo do Estatuto
anterior, ensinava CLÓVIS:
A sucessão hereditária abre-se com a morte do autor da
herança. Desde esse momento, opera-se a transmissão da
propriedade e da posse dos bens, substituindo-se os sujeitos
das relações jurídicas; no instante, que precede a morte, o
sujeito dessas relações jurídicas é o de cujus; no instante que
se segue à morte, o sujeito é o herdeiro461.
Vimos, ao estudar o tema da “capacidade de ser parte”, que
essa afirmativa comporta um obtemperat. Haver-se-á de entender,
efetivamente, que, somente quando ult imada a parti lha, opera-se,
com efeito ex tunc, a transmissão do domínio e da posse, mas não
da herança, no seu todo , mas no respectivo direito que ao herdeiro,
então, vier tocar. Se e enquanto não ult imada a parti lha, é a herança
que deve comparecer a juízo, seja como autora, seja como ré, nas
causas que venham a refletir-se nos interesses do acervo. Mas, uma
vez julgada por sentença a parti lha (CPC, art. 1026), cada herdeiro
receberá o bem que lhe tocar (CPC, art. 1027) e a respectiva posse e
domínio retroagirão, pois, à data da sucessão. Realmente, consoante
verbera CARVALHO SANTOS, “o ato retroage, quanto a seus efeitos, ao
461CLÓVIS BEVILÁQUA, ob. cit., loc. cit.
172
dia da abertura da sucessão”462.
115. O direito ou a coisa litigiosa, portanto, não é senão dos
herdeiros. A figura da herança –justificável, enquanto não se sabe a quem
toca esse ou aquele bem do acervo- faz as vezes de substituto processual
do herdeiros, pois, em nome próprio, defende direito que, desde a abertura
da sucessão, pertence aos sucessores do falecido. Por isso, não pode o
herdeiro ingressar, no processo em curso, uma vez operada a sucessão da
parte decaída por seu espólio, na qualidade de terceiro interveniente.
Dir-se-á que, em sendo dativo o inventariante, todos os herdeiros
ingressam no processo, na qualidade de sucessores da parte falecida. Isso
é verdade, mas menos não o é, também, que, em tema de substituição
processual, como adverte CORRADO FERRI, não encontra a atribuição
expressa dessa legitimação extraordinária nenhuma justificação de caráter
lógico-jurídico, pois é, simplesmente, conseqüência da valoração de
oportunidade do legislador, segundo diretivas de caráter político-
legislativas fundadas, essencialmente, em dados das tradições adquiridas
pelos ordenamentos jurídicos, ou assim entendidas, em determinados
casos, pelo mesmo legislador463.
462 Autor da herança: autor, aqui, não tem o sentido processual que, à primeira vista, por engano, pode ensejar; autor da herança é o construtor do patrimônio hereditário; empregamos a expressão unicamente porque a essa se refere, expressamente, o Código de Processo Civil, ao cuidar do tema da competência, como se lê dos arts. 89 (“Compete à autoridade judiciária brasileira”, inciso II (“proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional”), e 96 (“O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente...”). Ob. cit., com. ao art. 1.572, p. 9. 463 Ob. cit., p. 303. com. ao art. 1;572, p. 9.
173
§ 6º. O ingresso da viúva-usufrutuária para ingressar como assistente
116. Bem pode se dar a hipótese de o falecido, além de herdeiros
necessários, deixar viúva. Essa, por força do art. 1.603, do Código Civil,
não concorreria à herança, pois seu direito a isso apenas afloraria no caso
de não haver herdeiros necessáiros. Todavia, em virtude do art. 1831,
também do Código Civil, “qualquer que seja o regime de bens”, estar-
lhe-á assegurado “o direito real de habitação relativamente ao imóvel
destinado à residência da família”, desde que seja o único dessa
natureza464.
Em tal circunstância, se o imóvel, sobre o qual a viúva tem o direito
real de habitação, constituir o objeto do litígio ou sobre esse disserem
respeito os direitos controvertidos, poderá a mulher ingressar no processo,
na qualidade de assistente do sucessor no processo (o espólio ou os
herdeiros). O liame entre sua relação jurídica (a decorrente do direito real
de habitação) e a relação jurídica controvertida (pense-se, por exemplo,
numa ação reivindicatória proposta contra o falecido consorte, em que se
sustenta ser esse falsus dominus do imóvel reivindicando, o mesmo sobre
o qual recai o direito real de habitação) dar-se-á em virtude do objeto (o
imóvel, que será o mesmo, numa e noutra relação jurídica). Nesse caso,
consoante acima expusemos, a intervenção adesiva será a litisconsorcial.
464 O Código Civil emprega, no artigo, o demonstrativo “daquela” (“desde que seja o único daquela natureza a inventariar”), mas nisso ofende a gramática portuguesa, pois se está, aí, a aludir, em continuação à mesma “natureza” da “residência da família” e, portanto, dever-se-ia empregar a forma “dessa”.
174
§ 7º os direitos personalíssimos
117. A toda evidência, a hipótese do art. 43, do Código de Processo Civil,
cuida das situações em é possível aos sucessores mortis causa suceder o falecido
em seus direitos obrigações465. Se o direito material é, por natureza intrasmissível,
ou se, embora disso não se cuide, o objeto da prestação jurisdicional desaparece, o
processo deve extinguir-se, sem se cogitar da sucessão da parte por seu espólio ou
pelos respectivos herdeiros, como, por exemplo, nos casos de interdição, em que há
a morte do interditando (embora se trate, em verdade, de jurisdição voluntária e, pois,
mais consentâneo a isso seria o emprego do termo procedimento, em vez de
processo), nos casos de separação, em que um dos cônjuges, antes da sentença,
vem a morrer, etc.466. Nesses casos, o processo prosseguirá apenas para que
465 FRANCESO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 337. 466Cf.: FRANCESO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 337; CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356, nota 2. Essa é a posição da Corte de Cassação italiana, estampada nos julgados nºs: 3.181, de 07 de outubro de 1975; 3.885, de 20 de novembro de 1975; 3.949, de 28 de outubro de 1976 (apud CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356, nota 2). No julgamento do REsp. nº 331.924-SP (rel. Min. NANCY ANDRIGHI, in DJU de 18.02.2002, p. 422), decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Em ação de divórcio, o falecimento do autor, em anterior ao trânsito em julgado da decisão que decreta o divórcio, implica a extinção do processo sem julgamento do mérito”. No tocante ao direito à imagem, é preciso distinguir. Esse direito, enquanto exteriorização da intimidade, é personalíssimo, por isso apenas seu titular desse pode dispor; nesse sentido: REsp. nº 45.305-SP (rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 25.10.1999, p. 83); REsp. nº 182.977-PR (rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 07.8.2000, p. 111, e LEX-STJ, Vol. 135, p. 177). Tem o direito à imagem, no entanto, uma vertente patrimonial (cf. REsp. nº 45.305-SP citado). Daí, se extrai: “Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de ninguém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memórias, com bem imortal que se prolonga para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto” (REsp. nº 268.660-RJ, rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, in DJU de 19.02.2001, p. 179, RSTJ, Vol. 142, p. 378, e RT, Vol. 789, p. 201). E prossegue a ementa desse acórdão: “Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo” (REsp. nº 268.660-RJ citado). Por isso, reconheceu o Superior Tribunal de Justiça: “1.Os pais estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados por agentes públicos que deram publicidade ao fato de a vítima ser portadora do vírus HIV. 2. Os autores, no caso, são herdeiros da vítima, pelo que exigem indenização pela dor (dano moral) sofrida, em vida, pelo filho já falecido, em virtude da publicação de edital, pelos agentes do Estado réu, referente à sua condição de portador do vírus HIV...7. ‘O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Na seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou ... se estendesse ao herdeiro e esse, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores” (REsp. nº 324.886-PR, rel. Min. JOSÉ DELGADO, in DJU de 03.9.2001, p. 159. RSTJ, Vol. 151, p. 157, e RT, Vol. 799, p. 208).
175
advenha uma sentença (Código de Processo Civil, art. 267, inciso IX) que
o extinga por impossibilidade jurídica de prosseguir467. Ocorre, igualmente,
que o próprio direito subjetivo de acionar o Poder Judiciário, por meio de
determinado procedimento, seja intransmissível, como se dá no caso de
mandado de segurança468.
§ 8º. A sucessão inter vivos ou mortis causa, a título particular e a título universal
a)noções gerais
118. O Código de Processo Civil, no art. 42, apenas regula a
sucessão processual, por ato inter vivos, a título “singular”, como, de
resto, se lê desse mesmo artigo. Há, portanto, no artigo, dois restritivos: o
primeiro, impondo que a sucessão seja inter vivos; a segunda, a título
particular. Isso tudo merece algumas ponderações.
Embora se dê por ato inter vivos, a sucessão pode recair sobre toda
uma universalidade e, à vista disso, não será inexato falar-se em
sucessão, por ato inter vivos, a título universal, como não se pode afastar
a hipótese de a sucessão, embora decorre mortis causa, seja a título
467 CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356, nota 2. 468 Nesse sentido, o decidido, pelo Superior Tribunal de Justiça, no AgRg. na AR nº 845-RS (rel. Min. PAULO MEDINA, in DJU de 30.6.2003, p. 126): “...tratando a ação rescisória de direito personalíssimo, com a morte do autor outra possibilidade inexistiria, a não ser aquela de extinção do processo, sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, inc. IX, do Código de Processo Civil”). Tratava-se, no caso, de pretenso direito, versado na ação subjacente à rescisória, de assunção ao cargo de Tabelião, postulado pelo serventuário interino. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no considerar personalíssimo o direito à impetração de mandado de segurança, pelo que, inadmissível se torna a sucessão, no processo, do impetrante por seu espólio ou por seus herdeiros, ressalvada a possibilidade de acesso às vias ordinárias (cf.: RMS nº 2.415-ES, rel. Min. VICENTE LEAL, in DJU de 21.10.1996, p. 40.271; REsp. nº 89.882-MG, rel. Min. EDSON VIDIGAL, in DJU de 14.12.1998, p. 266; REsp. nº 112.207, rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, in DJU de 05.11.2001, p. 146).
176
particular, pois, como assinala PONTES DE MIRANDA, “há sucessão a causa
de morte sem ser de universitas, como há sucessão de universitas
entre vivos”469. Poder-se-ia extrair, daí, a conclusão apressada de a
sucessão, inter vivos ou mortis causa, quando incidisse sobre uma
universalidade, de fato ou de direito, não importa, espelhasse uma
sucessão a título universal e quando a sucessão, inter vivos ou mortis
causa, recaisse sobre um bem determinado, ensejasse uma sucessão a
titulo particular. Não é bem assim, entretanto.
No tocante à sucessão material inter vivos, essa, como regra, é
sempre a título particular470. A razão para isso, di-lo SERPA LOPES, está no
considerarem os juristas, de modo geral, ainda que por motivos diversos,
ser inalienável, por seu titular, a totalidade do patrimônio, daí decorrendo a
circunstância de que toda alienação inter vivos somente pode ser
considerada a título particular e não, a título universal471. As sucessões
inter vivos são, pois, sucessio in rem ou sucessio in rerum singularum
dominium. Nossa ordem jurídica, contudo, admite exceções, quando se
trata de direito societário, tal qual se dá na hipótese incorporação de uma
469 “Tratado de Direito Privado”, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1972, 3ª ed., Tomo LV, § 5.584, nº 1, p. 5. 470 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cti., nº 67, p. 234; M.M. DE SERPA LOPES, “Curso de Direito Civil”, Livraria Freitas Bastos S.A,. 1962, 2ª ed., Vol. VI, nº 33, p. 64 e seg. 471 M.M. DE SERPA LOPES, ob. cit., nº 33, p. 66. Na quadra, esclarece SERPA LOPES: “Nós entendemos, igualmente, que, em face das noções já expostas em torno da idéia de patrimônio, este não pode ser objeto de uma transferência total, como uma universalidade. Pode sim o mesmo objetivo ser alcançado mediante disposição a título particular. Não nos leva a essa conclusão qualquer idéia de vinculação entre o patrimônio e a personalidade, que peremptoriamente negamos, senão a razão suprema de que o patrimônio, em si mesmo considerado, não pode ser, inter vivos, objeto de um direito suscetível de transmissão. Há, em torno dele, um substratum ideal, se assim se pode dizer, que o individualiza, porquanto a alteração do seu valor por atos do seu titular pode acarretar a intervenção dos credores ou dos herdeiros necessários, se tais atos se refletirem em prejuízo dos seus interesses respectivos” (idem, ibidem, loc. cit.).
177
sociedade anônima por outra, consoante exemplifica CAIO MÁRIO472. O
mesmo ocorre na fusão de duas sociedades, prevista na Lei n.º 6.404, de
15 de dezembro de 1976 (com as alterações determinadas pela Lei n.º
10.303, de 31 de outubro de 2001), momento em que as duas se
extinguem para dar nascimento a uma terceira, que lhas sucede no todo do
acervo patrimonial473. A fusão de municípios (Constituição Federal, art. 18,
§ 4º) –e, teoricamente, também a de estados-membros (Constituição
Federal, art. 18, § 3º)-, dando por resultante um ente público novo, à
semelhança do que ocorre na fusão das sociedades por ações, é hipótese
de sucessão inter vivos, a título universal474. Assim também, nas
denominadas “privatizações”, a supressão do ente público, mediante o
subingresso, na relação jurídico-material, da sociedade comercial, dá
472 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., nº 67, p. 234. Não se poderá, entretanto, como hipótese de alienação universal, inter vivos, o traspasse da empresa pelo empresário a outrem (art. 1.144, do Código Civil), ao contrário do preconizado por PONTES DE MIRANDA; o jurista considera a hipótese de trespasse de empresa, considerada como sinônimo de estabelecimento comercial (“Tratado de Direito Privado”, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, 3ª ed., Tomo XV, § 1.797 e seg., p. 351 e seg e, especialmente, o § 1.799). Bem é de ver, entretanto, que a empresa não é, exatamente, o mesmo que estabelecimento. Segundo o professor OSCAR BARRETO FILHO, em obra específica sobre o tema, pode-se definir empresa como “organização de capital e de trabalho destinada à produção ou mediação de bens e ou de serviços para o mercado, coordenada pelo empresário, que lhe assume os resultados e os riscos” (“Teoria do Estabelecimento Comercial”, Max Limonad –Editor de Livros de Direito, São Paulo, 1969, nº 13, p. 23). A empresa, na esteira desse entendimento, não é uma universitas iuris, porque gravita em torno da figura do empresário, esse, sim, titular de direitos e obrigações; por isso, na definição acima, a empresa é o objeto da atividade do empresário. O Código Civil em vigor apenas define o empresário (art. 966), mas nessa definição ingressa a empresa e, malgrado expressamente o Estatuto não o diga, como objeto da atividade organizada do empresário. Embora correlativos, empresa e estabelecimento não se confundem: o exercício da atividade econômica organizada pelo empresário pressupõe, necessariamente, uma base formada por um “complexo de bens que constituem o objeto de seu trabalho”; a esse objeto de bens denomina-se fazenda ou estabelecimento (OSCAR BARRETO FILHO, ob. cit., nº 85, p. 115). De qualquer modo, porém, o traspasse da empresa, em seu todo, enquanto objeto complexo da atividade do empresário, pode vir a corresponder –seguindo, nesse passo, portanto, do ponto de vista de alguns doutrinadores, dentre os quais sobreleva SERPA LOPES, para quem somente pode haver hipótese de alienação, inter vivos, a título universal, se o objeto da transmissão vier a recair em uma universitas iuris. (ob. cit., nº 33, p. 66 e 67)- a uma transmissão inter vivos, a título universal, se seu respectivo objeto for expressa por uma empresa personificada, isto é, uma sociedade regular. 473 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, ob. cit., nº 67, p. 234. Segundo CAIO MÁRIO, “na comunicação dos bens, em conseqüência ao regime da comunhão universal, opera-se uma espécie de transmissão a título universal inter vivos, porque os bens passam a constituir a propriedade comum dos cônjuges sem que tenha havido a transferência individuada de um ao outro” (idem, ibidem, loc. cit.). 474 Nesse sentido, embora de forma não clara, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 103.
178
ensejo à sucessão processual, se do contrário não resultar dos termos da
lei reguladora do tema475.
Já como regra, a sucessão mortis causa pode, a seu turno, dar-se a
título universal e a título particular, tal qual se dá, nesse último caso, com o
legatário, que é sucessor a título particular, embora mortis causa. O Código de
Processo Civil, no entanto, ao cuidar da sucessão processual mortis causa, nenhuma
restrição faz quanto a ser o sucessor herdeiro a título universal ou particular.
b) a sucessão processual pela sociedade incorporada ou pela sociedade derivada da fusão
119. Já vimos referir-se o art. 42, do Código de Processo Civil,
exclusivamente, à hipótese de sucessão inter vivos, a título singular. Em
se dando, portanto, a sucessão inter vivos, mas a título universal, quais as
hipótese de incorporação e de fusão de sociedades, além das outras acima
mencionadas, como tratar, processualmente, o assunto?
O Código de Processo Civil português cuida, de forma ampla, em seu artigo
271º, da sucessão inter vivos, sem o restritivo que o Estatuto processual brasileiro
ostenta – “a título particular”. O Diploma italiano correspondente, embora chegue ao
mesmo resultado, prefere incluir a hipótese de incorporação e de fusão de
sociedades no mesmo dispositivo que regula a sucessão mortis causa,
naturalmente porque entendeu de enfeixar, num só artigo (o art. 110), ambas as
hipóteses de sucessão universal. Lê-se do Codice di Procedura Civile: “Art. 110.
475CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356 e seg. e, especialmente, nota 3; FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 336.
179
Sucessão no processo. Quando há o decesso da parte por morte ou por outra
causa, a continuação do processo se faz pelo sucessor universal ou no
confronto desse”476. A doutrina italiana é unânime no albergar, na expressão “ou
por outra causa”, os casos de sucessão inter vivos, a título universal e, portanto, as
hipóteses de incorporação e de fusão de sociedades477.
Claro não ser uma raridade, na vida jurídica, a incorporação de
uma sociedade por outra e, assim ocorrendo, teve o Superior
Tribunal de Justiça de pronunciar-se a respeito. A Corte não se deu
conta, em verdade, de estar frente a típica hipótese de sucessão
processual e tratou o caso tão-somente à luz do art. 12, inciso VII,
do Código de Processo Civi l . A despeito do enquadramento legal
acanhado, mas a leitura da ementa, apenas, no que interessa ao
assunto, é uma proclamação veemente da admissão da sucessão
processual da sociedade incorporada –que figurava originariamente
na demanda- pela sociedade incorporadora. Ei- la:
Civil. Comercial e Processo Civil. Personalidade Jurídica.
Capacidade para ser parte e “legitimatio ad causam”. Arts. 18,
CC, e 12, VII, CPC. Incorporação. Arquivamento no Registro do
Comércio. Sucessão Processual. Recurso acolhido. II-
Enquanto não arquivado no registro próprio o contrato de
incorporação, incorporadora e incorporada continuam a ser, em
relação a terceiros, pessoas jurídicas distintas, cada qual
legitimada para figurar em juízo na defesa de seus interesses.
III- Ajuizada a causa pela incorporada, opera-se automática e
476 No original: “Art. 110. Successione nel processo. Quando la parte vien meno per morte o per altra causa, il processo è prosseguito dal successore universale o in suo confronto” 477 Cf., exemplificativamente, CORRADO FERRI, ob. cit., nº 6.1., p. 300; ANDREA PROTO PISANI, ob. cit., nº 7.3, p. 430; CRISANTO MANDRIOLI, ob. cit., nº 59, p. 356; FRANCESCO P. LUISO, ob. cit., nº 39, p. 336 e seg.
180
naturalmente, a partir do posterior registro do contrato de
incorporação, sua sucessão pela incorporadora,
independentemente da anuência da parte contrária”478.
Aí está, de outro canto, o brado de não ter a “anuência da parte
contrária”, o rigor pretendido por alguns processualistas.
Mas, no tocante ao tópico em apreço, em que artigo arrimar-se-á a
sucessão processual. Em verdade, desde que se admita, em tais casos, ter
ocorrido a sucessão material, a acarretar, como corolário, a sucessão
processual –e o acórdão mencionado expressamente o verberou- a
questão do enquadramento legal torna-se mero preciosismo, mas não se
pode negar serem a isso devotados os processualistas, de modo geral.
Portanto, cumpre apontar, agora, a norma a dar amparo à solução alvitrada
pelo Superior Tribunal de Justiça.
A questão, é certo, fica quase opinativa, mas preferimos, no azo,
seguir a doutrina portuguesa que faz uma distinção entre a hipótese de
sucessão processual inter vivos e a de sucessão procesual mortis causa:
na primeira, sobreleva o caráter do ato negocial e, pois, a vontade das
478 Entre nós, sem explicação convincente, segundo pensamos, CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA combate a inserção das incorporações ou de fusões de sociedades dente os casos de sucessão processual, quer ao pálio do art. 42, quer à luz do art. 43, ambos do Código de Processo Civil, (cf. ob. cit., p. 103). Interessante, porém, é dar o autor, logo a seguir, argumento, atinente à sub-rogação voluntária, que serve, como luva, ao caso de incorporação ou de fusão de sociedade, no trato do temo à luz do art. 42, do Código de Processo Civil: “Trata-se de espécie assimilável à cessão de crédito, porque há sucessão de direito material no crédito, passível de ser atingida pela sentença. Assim, a sub-rogação negocial nos direitos do credor, quando litigiosos, implicará sucessão no processo pendente, do sub-rogado. A não ser dessa forma, o credor sub-rogado, segundo os princípios gerais, viria a perder a legitimatio ad causam, com a conseqüência, em caso de não incidência do art. 42, de ficar o devedor constrangido a sofrer dois processos por uma mesma obrigação, o que é inaceitável” (ob. cit., p. 118 e 119). Ora, ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio... REsp. nº 14.180-SP, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 28.6.1963, p. 12.895, e LEX-STJ, Vol. 51, p. 134. Em sentido que se aproxima, no resultado, o REsp. nº 394.379-MG (rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in DJU de 19.12.2003, p. 471): “A incorporação de uma empresa por outra extingue a incorporada, nos termos do art. 227, § 3º, da Lei das Sociedades Anônimas, tornando irregular a representação processual”.
181
partes, ao passo que, na segunda, essa vontade é desconsiderada, por
razão óbvia, avultando apenas o caráter da sucessão na herança, pura e
simplesmente, sem indagação dos aspectos da transmissão da coisa ou do
direito litigioso, que matizam a sucessão inter vivos479. Em suma, a
incorporação de uma sociedade por outra, a fusão de sociedades, a fusão
de municípios e a sucessão material em virtude da “privatização” são
casos de aplicação do art. 42 e §§, do Código de Processo Civil.
479Cf. PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., nº 3, p. 71 e seg. e nota 48. No Brasil, ao que parece, segue esse critério CELSO AGRÍCOLA BARBI, mas as razões invocadas não verdadeiramente claras para se as invocar como aval à solução por nós alvitrada, verbis: “Os casos de alienação regulados pelo art. 42 são apenas aqueles em que ela é feita a título particular, isto é, singular, o que se dá quando a pessoa natural ou jurídica aliena determinados bens. Mas se a coisa ou direito pertencer a pessoa jurídica que venha a desaparecer em conseqüência de fusão ou incorporação, o sucessor substituirá a pessoa jurídica extinta, porque esta, tendo desaparecido, não mais poderá ser parte”.
182
Conclusões
1. São três as teorias construídas para cuidar do fenômeno, havido no
plano material, da alienação da coisa ou do direito litigioso, inter vivos: a teoria da
irrelevância de sua transmissão no plano material, a teoria de sua inteira
relevância, autorizando o adquirente ou o cessionário a refundar a demanda
segundo seus interesses adventícios, e a teoria da relevância mitigada, que veio a
ser adotada pela legislação processual brasileira.
2. No direito processual, as noções de capacidade, legitimidade e
legitimação são equivalentes.
3. A sucessão processual é atributo de legitimação, no processo,
evidentemente, do adquirente ou cessionário.
4. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” não é absolutamente
coincidente com o de direito substancial.
5. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” não é absolutamente
coincidente com o de lide.
6. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” não é absolutamente
coincidente com o de objeto litigioso.
7. O conceito de “coisa litigiosa” e de “direito litigioso” é, entretanto,
correspondente ao de “direito substancial hipoteticamente existente” .
8. A sucessão no plano processual, com a “extromissão” do alienante ou
cedente e com o ingresso do adquirente ou cessionário, apenas autoriza,
183
segundo a moderna teoria do processo a conferir a esse último deveres, poderes
e faculdades processuais para a prática de atos juridicamente eficazes.
9. A sucessão processual, como acima considerada, é condição legitimante
do adquirente ou cessionário.
10. O adquirente ou cessionário não pode, em verdade, ser considerado,
em não sucedendo na relação processual o alienante ou o cedente, assistente
desse último, senão, o contrário, o que desagua na substituição processual.
11. A dissolução, a cisão da sociedade civil ou comercial, bem como a sua
incorporação por outra, corresponde a sucessão mortis causa da pessoa jurídica
dissolvida, cindida ou incorporada, aplicando-se ao caso a normas da sucessão
processual.
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