dissertação_lucas de melo andrade_sisbin

Upload: lucas-de-melo-andrade

Post on 01-Mar-2018

233 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    1/188

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETOINSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    Programa de Ps-Graduao em Histria

    Lucas de Melo Andrade

    Romantismo e Cincia em O Doutor Benignus(1875)Augusto Emlio Zaluar e

    seu romance cientfico e instrutivo

    Mariana2014

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    2/188

    Lucas de Melo Andrade

    Romantismo e Cincia em O Doutor Benignus(1875)Augusto Emlio Zaluar eseu romance cientfico e instrutivo

    Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Histria como requisi-to parcial obteno do ttulo de Mestreem Histria por Lucas de Melo Andrade.rea de concentrao: Poder e Lingua-gens.Orientadora: Prof. Dr. Helena MirandaMollo.

    Mariana2014

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    3/188

    A553r Andrade, Lucas de Melo.Romantismo e cincia em O Doutor Benignus (1875) [manuscrito]:

    Augusto Emlio Zaluar e seu romance cientfico e instrutivo / Lucas de MeloAndrade. - 2014.

    186f.

    Orientadora: Profa. Dra. Helena Miranda Mollo.

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto deCincias Humanas e Sociais. Departamento de Histria. Programa de Ps-Graduao em Histria.

    rea de Concentrao: Poder e Linguagens.

    1. Cincia. 2. Romantismo. 3. Natureza. I. Mollo, Helena Miranda. II.Universidade Federal de Ouro Preto. III. Titulo.

    CDU: 82(091):140.8

    Catalogao: www.sisbin.ufop.br

    http://www.sisbin.ufop.br/http://www.sisbin.ufop.br/
  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    4/188

    Lucas de Melo Andrade

    Romantismo e Cincia em O Doutor Benignus(1875)Augusto

    Emlio Zaluar e seu romance cientfico e instrutivo

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduaoem Histria da Universidade Federal de Ouro Preto comorequisito parcial para obteno do grau de Mestre emHistria. Aprovada pela Comisso Examinadora abaixoassinada.

    Prof. Dr. Helena Miranda Mollo

    Departamento de Histria, UFOP

    Prof. Dr. Marcelo de Mello Rangel

    Departamento de Histria, UFOP

    Prof. Dr. Anny Jaqueline Torres Silveira

    Departamento de Histria, UFMG

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    5/188

    mame, pois ao amor.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    6/188

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a minha orientadora Helena Miranda Mollo, pela amizade, persistncia

    e compreenso.Ao professor Marcelo de Mello Rangel, agradeo pela generosidade e por me en-

    sinar, com seu exemplo, que filosofar preciso.

    professora Anny Jaqueline Torres Silveira, sou muito grato pela prontido com

    que aceitou o sincero e convicto chamado para compor banca.

    Ao Irineu, agradeo por cuidar de mame e pelo abrao sempre fraco e alegre

    quando da minha chegada.

    Aos meus tios Giselda, Afonso e Jos, bem como aos meus primos Maiara eAfonso Junior sou grato por serem o sorriso que sempre embala o retorno de um

    viajante levado por sonhos.

    Ao Elgio e ngela, minha gratido por terem carinhosamente cuidado de mim ao

    longo desses seis anos.

    Viviane, Felipe Santiago, Nvea, Nayla, Stella, Mateus, Juliana e Bruna, agra-

    deo pela profunda amizade, to indispensvel queles que s querem ser felizes

    ao lado da famlia que a vida nos presenteia.

    Ao Felipe Godoi e a Polianna Gerssimo, tambm retribuo a amizade e a certeza

    de que o Rio de Janeiro sempre possvel e necessrio.

    Ao Bruno, agradeo pela chegada e por querer caminhar (e viajar) comigo. Cho

    de giz.

    Capes, sou grato por ter viabilizado este empreendimento asctico e expedicio-

    nrio com que se revela todo ato de escrita.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    7/188

    Ainda que eu falasse as lnguas dos homens e dos anjos, e no tivesse amor, seriacomo o metal que soa ou como o sino que tine.

    E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistrios e toda acincia, e ainda que tivesse toda a f, de maneira tal que transportasse os montes,

    e no tivesse amor, nada seria.E ainda que distribusse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda

    que entregasse o meu corpo para ser queimado, e no tivesse amor, nada dissome aproveitaria.

    O amor sofredor, benigno; o amor no invejoso; o amor no trata com levi-andade, no se ensoberbece.

    No se porta com indecncia, no busca os seus interesses, no se irrita, no sus-peita mal;

    No folga com a injustia, mas folga com a verdade;Tudo sofre, tudo cr, tudo espera, tudo suporta.

    Corntios 13: 1-7

    Amigo, quando me vejo inundar de luz, quando o mundo e o cu vm habitar den-tro de mim, como a imagem da mulher amada, ento digo a mim mesmo: Se

    pudesses exprimir o que sentes! Se pudesses exalar e fixar sobre o papel o quevive em ti com tanto calor e plenitude que essa obra se transformasse em espelho

    da tua alma, como a tua alma espelho de Deus Infinito!

    Goethe, em Os sofrimentos do jovem Werther

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    8/188

    Resumo

    A presente dissertao discute a perspectiva de cincia encontrada no romance-folhetim O doutor Benignus (1875), obra literria escrita no Brasil por AugustoEmlio Zaluar e poca apresentada como meio de vulgarizao cientfica. Ao

    narrar os desdobramentos de uma expedio cientfica dirigida ao serto brasilei-ro, tal fico constri uma concepo de cincia fortemente estruturada pelas no-vas experincias epistemolgicas (surgimento do homem como sujeito e objeto doconhecimento), temporais (afastamento entre o espao de experincia e o horizon-te de expectativa, movimento radicalizado pela ideia de progresso) e literrias(Romantismo) fomentadas pelo mundo moderno.

    Palavras-chave: CinciaRomantismoNatureza

    ABSTRACTThis research discusses the science prospect found in the serial novel O doutor

    Benignus (1875), a literary work, written in Brazil by Augusto Emilio Zaluar,which was presented at the time as a means of "vulgarizao cientfica"(i.e. scientific vulgarization: a historical Portuguese term used to refer to the evo-lution of the public understanding of science). By narrating the unfolding of ascientific expedition to the Brazilian backlands, such fiction constructs a scienceconception strongly structured by new epistemological experiences (the emergen-ce of man as subject and object of knowledge), temporal experiences (the distance

    between the space of experience and the horizon of expectation, a movement radi-calized by the idea of progress), and literary experiences (Romanticism) fostered

    by the modern world.

    Key-words: ScienceRomanticism - Nature

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    9/188

    SumrioIntroduo ........................................................................................................................... 9

    Captulo 1 - O Doutor Benignusno processo de institucionalizao das cincias naturaisno Brasil. ........................................................................................................................... 18

    1.1A dcada de 1870 e um pas em crise...................................................................... 24

    1.2 Entre homens de cincia. ......................................................................................... 31

    1.3Heris do trabalho e da cincia............................................................................ 35

    1.4Um romance e o deverde vulgarizao. ................................................................. 39

    1.5Para a cincia, uma fico. ...................................................................................... 42

    1.6Brasil, a metrpole do futuro............................................................................... 49

    Captulo 2 - Romantismo e Cincia na experincia moderna de tempo. ........................... 53

    2.1 Percorrer o mundo, evidenciar suas similitudes. ..................................................... 55

    2.2 Uma cincia universal da ordem: o saber clssico procura de identidades ediferenas. ..................................................................................................................... 61

    2.3 O saber moderno: uma nova epistme o emergir das cincias humanas. ............. 64

    2.4 O escritor romntico e a sublimidade do mundo. .................................................... 69

    2.5 O senso de misso e a posio do verbo literrio em uma atmosfera romntica. ... 72

    2.6 A evaso romntica no espao. ............................................................................... 75

    2.7 Crena no progresso: a atitude romntica dirige-se para a Histria. ...................... 79

    Captulo 3 - A expedio romntica e cientfica de um benigno homem. ..................... 86

    3.1 O banquete egipcaco........................................................................................... 93

    3.2 Um romance e uma carta. ..................................................................................... 100

    3.3 A busca pela unidade eterna. ................................................................................. 110

    3.4 Os perigos naturais interpelam o corajoso homem de cincia. ............................. 115

    3.5 O papiro indgena. ................................................................................................. 122

    3.6 Otimismo e pessimismo procura da grande lei da unidade universal............ 126

    3.7 Entre amigos, o consrcio com as estrelas....................................................... 132

    3.8 Os imperativos da amizade interpelam a observao cientfica. ........................... 135

    3.9 A presena de Deus. .............................................................................................. 139

    3.10 A morte em meio explorao .......................................................................... 144

    3.11 O problema da habitabilidade dos mundos. ........................................................ 148

    3.12 As riquezas naturais de Gois e homens em orao. ........................................... 150

    3.13 Um sonho cientfico revela a Criao. ................................................................ 151

    3. 14 Dilogos entre o chefe selvagem e o chefe civilizado.................................... 159

    3.15 O retorno. ............................................................................................................ 173

    Consideraes Finais ....................................................................................................... 176

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    10/188

    Referncias Bibliogrficas .............................................................................................. 179

    Referncias documentais ................................................................................................. 185

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    11/188

    Introduo

    Entre 1874 e 1883, os leitores localizados na Corte e nas provncias brasi-leiras podiam ter acesso s extensas pginas, s estreitas colunas e s pequenas

    letras que davam forma ao peridico carioca O Globo: Orgao da Agencia Ameri-

    cana Telegraphica, dedicado aos interesses do Commercio, Lavoura e Industria.

    Mesmo produzido no Rio de Janeiro, a capital do Brasil na poca, tal folha no

    deixava de trazer esfera pblica notcias interioranas das mais diversas, agru-

    pando-as em uma seo de nome claramente autoexplicativo Interior. Nosso

    interesse em determinada seo se justifica, uma vez que em 24 de setembro de

    1874 uma especial informao nela se registrou. Em meio a uma nota de faleci-

    mento, a novas investiduras em cargos pblicos, nomeao de professores pri-

    mrios e ao assalto de uma fazenda por escravos armados,Interior trazia a notcia

    de que Augusto Emlio Zaluar estava publicando no peridicoMunicipio, de Vas-

    souras, uma recente produco litteraria tratava-se do romance O Doutor Be-

    nignus. 1

    Era bastante comum aos redatores de O Globocompor a Interiora partir

    de informaes encontradas em peridicos publicados nas localidades interioranas

    em questo, postura textual bastante clara aos olhos do leitor, que se deparavam

    facilmente com os nomes dos peridicos nos quais cada notcia havia sido encon-

    trada. Boa parte das vezes tratava-se mesmo de uma transposio parcial ou literal

    s pginas da folha carioca dos textos informativos provenientes dos outros peri-

    dicos. No caso da notcia referente a O Doutor Benignus, no foi diferente; O

    Globotransps s suas folhas o comentrio da redao do Municipiosobre o ro-

    mance, chamando a ateno para este, por ser uma narrativa original e instructi-

    va e o ensaio de um novo gnero de literatura pouco conhecido ainda entre ns.2

    Se em 1874, como se v, a redao de O Globoj se atentara para a exis-

    tncia do novo e instrutivo romance, foi em 01 de julho de 1875 que o interesse

    pela obra se confirmou. Nesse dia, foi possvel ler nas pginas do peridico cario-

    ca o incio dos desdobramentos de uma narrativa que conduziria os leitores a uma

    1 O GLOBO. Rio de Janeiro: 24/09/1874, p. 02.2Ibidem, p. 02.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    12/188

    10

    viagem ficcional no menos cientfica, ento repleta de aventuras, mistrio, so-

    nhos, natureza e projeo. O romance narraria as aventuras de uma expedio

    cientfica e romntica comandada pelo doutor Benignus, sbio mdico e estudioso

    das cincias naturais. A viagem, que se estenderia do interior de Minas Gerais ao

    extremo norte da Ilha do Bananal, era um grande empreendimento arquitetado na

    dcada de 1870 pelo prprio Benignus com o principal objetivo de encontrar ves-

    tgios atestadores da suposta existncia de vida no sol.

    Antes de disponibilizar o primeiro captulo do cientfico e aventuroso ro-

    mance, a redao do peridico optou por no se esquivar; ela preferiu apresentar a

    obra no sentido de dirigir o olhar do leitor, utilizando-se, para tanto, de uma dupla

    estratgia. Em um primeiro momento, os redatores referiram-se diretamente ao

    pblico de leitores com o intuito de dizer que O Doutor Benignus era na literatu-

    ra nacional o primeiro ensaio do romance cientfico ou instrutivo; que a fico

    em questo era uma bela digresso humorstica, empreendida nos domnios at

    h pouco no incursados pelos poetas e romancistas.3Logo em seguida, o texto

    de apresentao escrito pela redao do peridico diz-se cumprir um especial de-

    ver, i.e., o de oferecer aos leitores a possibilidade deles mesmos lerem as li-

    nhas que o ilustrado autor havia encaminhado aos redatores quando comunica-

    do do incio da publicao do seu romance naquela folha. Em tais pargrafos,

    Emlio Zaluar procurou no apenas apresentar O Doutor Benignus, mas tambm

    direcionar a leitura daquilo que, segundo ele, no chegava a ser um ensaio, mas o

    simples pressentimento da nova fase em que necessariamente [iria] entrar a litera-

    tura contempornea.4O fabulador disse ainda:

    O esprito humano, enriquecido com a grande soma de conhe-cimentos com que as cincias tm opulentado o seu patrimnio

    intelectual no pode contentar-se unicamente com as leiturasfrvolas ou livros de exageradas e s vezes perigosas sedues.Compreendem-no assim as sociedades mais adiantadas.Na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos so raras asobras de pura imaginao e essas mesmas passam pela maiorparte desapercebidas.Assim deve ser. Para que os trabalhos de um escritor tenhamsignificado aceitvel, preciso primeiro que tudo que eles se-jam o transunto das ideias de seu tempo.Ainda h poucos dias me dizia um amigo:

    3 Ibidem, p. 01.4 Ibidem, p. 01.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    13/188

    11

    Os autores antigamente morriam e ficavam suas obras: hojemorrem as obras e vivem os autores.E por qu?A resposta j ficou acima formulada. 5

    Nesse excerto, Zaluar considera a existncia de uma soma de conheci-

    mentos, algo possvel porque ele parte do pressuposto de que todo conhecimento

    produzido ganha corpo e consequentemente alocado enquanto patrimnio inte-

    lectual. O homem do tempo presente, portanto, tem a possibilidade de acessar

    um conjunto de saberes acumulados ao longo do tempo, o que indica um processo

    no qual novas somas podem ser realizadas no transcorrer da sucesso constante de

    tempos presentes. A ideia de um processo marcado pela temporal acumulao de

    conhecimento cientfico lana o olhar de Zaluar para a dimenso do dever hu-

    mano frente a uma experincia compartilhada; o homem do presente deve reco-

    nhecer que a riqueza do esprito humano reside na cientfica soma de conheci-

    mentos, de tal sorte que as leituras frvolas ou livros de exageradas e s vezes

    perigosas sedues devam ser alocados em posies de menor relevncia. Te-

    mos, assim, o seguinte quadro: h uma soma de conhecimento real e palpvel, de

    modo que cabe a Zaluar impelir o homem do tempo presente a assumi-la enquanto

    principal medida de ao. O acesso a esse patrimnio enriquecedor do esprito

    humano coloca-se, nesse sentido, enquanto dever ao homem do tempo presente;

    este homem que, ao acessar o patrimnio, d-se conta da grande soma que ali

    existe, enriquecendo-se. Uma soma a ser, enquanto dever, veiculada na literatura.

    O presente, portanto, permite e configura a soma, de modo a ser aceitvel a afir-

    mao de que as obras, para serem legitimadas e reconhecidas, devam ser o

    transunto das ideias do tempo em que so escritas, isto , do presente mesmo

    nos quais todas elas se realizam.

    Assim, o dever para com o presente faz com que os autores suplantem assuas prprias obras; estas comporo o patrimnio, mas sero os autores de um

    momento que as entendero enquanto parcelas de uma soma a ser realizada e que

    foram produzidas por homens comprometidos com o enriquecimento do esprito

    humano; as obras ento morrem, porque deixam de ser soma e passam a serem

    parcelas de um clculo ainda futuroso obsoletas enquanto resultado, j que o

    devir e a sobreposio de presentes so incessantes, alojam-se sempre em um ho-

    rizonte projetado; os autores permanecem vivos, porque sero lembrados enquan-5 Ibidem, p. 01.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    14/188

    12

    to pessoas afeitas com o enriquecimento do esprito humano, que escreveram

    obras que foram depositadas no patrimnio intelectual. A medida do dever para

    com a soma a ser realizada no presente tomada, portanto, como medida a ser

    lembrada e seguida como modelo. Zaluar, nesse sentido, coloca-se como um autor

    que impele os homens do seu tempo presente a reconheceram o patrimnio inte-

    lectual que possuem, de modo que seus escritos (e detodos aqueles que se colo-

    carem como escritores) devam expressar tal riqueza e serem valorizados por um

    pas que vislumbre a posio das sociedades mais adiantadas.

    H, portanto, um sentido do novo inerente a cada presente, pois de pre-

    sente em presente novas somas podem ser realizadas por aqueles comprometidos

    com o processo de aperfeioamento. Em Zaluar, a novidade ainda colocada co-

    mo medida na qualificao da obra que ele mesmo produz. Segundo ele, sua obra

    um pressentimento daquilo que ainda vir; entendida, assim como reconhece

    o prprio peridico em que publicada, como uma viagem nunca antes navegada,

    como pressentimento de uma nova, e necessria, fase literria. Trata-se, mesmo,

    de uma narrativa que se apresenta enquanto novidade sob duas formas. O Doutor

    Benignus novo porque se coloca como o transunto das ideias de seu tempo, por-

    que veicula uma soma de conhecimento realizada em um dado presente, porque

    acessa um patrimnio intelectual opulentado pela cincia. O Doutor Benignus,

    assim como j adiantara o Municipio, novo enquanto gnero literrio no Bra-

    sil; novo, assim como adiantara O Globo, enquanto o primeiro ensaio cientfico

    ou instrutivo; novo, como diria Zaluar sobpretensa modstia, como o simples

    pressentimento da nova fase em que necessariamente [iria] entrar a literatura con-

    tempornea. Se h, aqui, a afirmao de uma novidade em solo brasileiro, Zaluar

    no deixa, porm, de revelar o autor que o influenciou. Questiona o escritor ainda

    em suas linhas:Se Jlio Verne tem encontrado no entanto nas regies hiperb-reas, e no conhecimento das maravilhas da natureza to vastoassunto para seus livros, que so em todo mundo lidos com in-teresse, o que no far o escritor que queira explorar no mesmosentido as prodigiosas riquezas cientficas do nosso continente?6

    Para Zaluar, Jlio Verne um modelo a ser seguido, pois nas obras do es-

    critor francs o conhecimento das maravilhas da natureza tomado enquanto

    contedo narrativo vlido. O que diferencia Zaluar de Verne, que Zaluar prope

    6Ibidem, p. 01.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    15/188

    13

    ater-se nas prodigiosas riquezas cientficas do nosso continente. Dizendo de

    outro modo, a aproximao se d entre ambos devido a uma modalidade de litera-

    tura que supe o manejo da cincia; a especificidade de Zaluar acontece porque

    este quer que o objeto da cincia a ser perscrutado seja as riquezas do continente

    americano, caracterstica que, segundo ele, atribui pioneirismo a uma obra escrita

    em solo brasileiro. Finalizando seu texto de apresentao, Emlio Zaluar prefere

    polemizar:

    [...] assim terminarei estas linhas corroborando a minha opiniocom as seguintes palavras do Sr. Draper, professor da universi-dade de New York, no prlogo do seu recente livro, Conflitosda cincia e da religio: Estamos em vspera de uma granderevoluo intelectual, diz ele, e as leituras frvolas vo ceder lu-gar a uma literatura grave e austera, a que os interesses da Igreja

    em perigo comunicaro a paixo e a fora.A. E. Zaluar.7

    V-se que, em O Doutor Benignus,o contedo da cincia, aquilo que ela

    observa e o modo como ela observa esto intimamente ligados ao que ela , ao

    que dela se espera, ao que ela deve ser, experincia de tempo que ela engendra.

    Em sua apresentao da obra ao publico leitor, a cincia de Zaluar motivo de

    enriquecimento do esprito humano, e deve continuar sendo assim entendida. Des-

    se modo, ela se afirma enquanto necessria e se abre a um devir expresso na ideiade soma: h cincia, mas sua existncia se insere em um devir constante, operado

    pelo manejo de uma soma que deve continuar sendo feita e veiculada; a cincia

    e deve continuar sendo um processo acumulativo, pois seu avano manifestado

    em soma expressa a evoluo do esprito humano. Assim, a cincia coloca-se co-

    mo uma forma de pensamento, como uma forma de experincia que no apenas

    toma o mundo como objeto, mas que tambm colabora para o seu aperfeioamen-

    to.Para Michel Foucault,8 toda imaginao, todo pensamento torna-se

    possvel apenas na medida em que as coisas e os seres possam ser enumerados ao

    compartilharem um lugar-comum, ao avizinharem-se, ao dividirem um espao

    comum dos encontros, ao relacionarem-se num espao de acolhimento. Tal

    espao, que a um s tempo possibilita e compe todo pensamento, configura-se na

    tbua de trabalho de Roussel entendida em dois sentidos superpostos: mesa

    7

    Ibidem, p. 01.8 FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das cincias humanas. So Paulo:Martins Fontes, 1999.(Coleo tpicos), p. X a XIII.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    16/188

    14

    niquelada, encerada, envolta em brancura, faiscante sob o sol de vidro que devora

    as sombrasl onde, por um instante, para sempre talvez, o guarda-chuva encon-

    tra a mquina de costura; quadro que permite ao pensamento operar com os

    seres uma ordenao, uma repartio em classes, um agrupamento nominal pelo

    que so designadas suas similitudes e suas diferenasl onde, desde o fundo dos

    tempos, a linguagem se entrecruza com o espao. 9No primeiro sentido, a tbua

    de trabalho de Roussel constitui-se enquanto coisas e espaos expressos em mat-

    ria, organismos manifestos em sua palpabilidade, em sua solidez. Na segunda ca-

    racterizao, a tbua de trabalho se coloca como quadro onde j se encontra pre-

    sente a linguagem, onde o pensamento movimenta-se, atribuindo sentido ao espa-

    o e s coisas que ali se apresentam. O espao material e as coisas que so nele

    deitadas, arroladas, ganham significao, classificao, ordenam-se conforme si-

    militudes e diferenas, isto , eles so traduzidos ao sobreporem-se pela lingua-

    gem, momento onde o nome atrela-se coisa e ambos tornam-se possveis por

    compartilharem um mesmo lugar. Assim, diz Foucault, correto entender que

    classificar

    no se trata de ligar consequncias, mas sim de aproximar e iso-lar, de analisar, ajuntar e encaixar contedos concretos; nadamais tateante, nada mais emprico (ao menos na aparncia) que

    a instaurao de uma ordem entre as coisas, nada que exija umolhar mais atento, uma linguagem mais fiel e mais bem modu-lada, nada que requeira com maior insistncia que se deixe con-duzir pela proliferao das qualidades e das formas. 10

    Mas qualquer experincia, seja ela a mais ingnua ou no, exige o manejo

    de uma operao precisa e da aplicao de um critrio prvio.11No mesmo re-

    sulta dizer que, para ordenar/classificar, para estabelecer uma relao entre coisas,

    entre contedos concretos, para instaurar uma ordem, para direcionar um olhar e

    operacionalizar a linguagem sempre necessrio o manejo de um sistema deelementos previamente estabelecido, ento responsvel pela definio dos seg-

    mentos sobre os quais podero aparecer as semelhanas e as diferenas, os tipos

    de variao de que esses segmentos podero ser afetados, o limiar, enfim, acima

    do qual haver diferena e abaixo do qual haver similitude.12Tal sistema, diz

    9Ibidem, p. XII.

    10

    Ibidem, p. XV.11Ibidem, p. XV.12Ibidem, p. XV-XVI.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    17/188

    15

    Foucault, condio para o estabelecimento da mais simples ordem, sendo o r-

    dem

    aquilo que se oferece nas coisas como sua lei interior, a rede se-creta segundo a qual elas se olham de algum modo umas s ou-

    tras e aquilo que s existe atravs do crivo de um olhar, de umaateno, de uma linguagem; e somente nas casas brancas des-se quadriculado que ela se manifesta em profundidade como jpresente, esperando em silncio o momento de ser enunciada. 13

    De uma forma ampla, h duas regies intermediadas por um terceiro

    domnio, diz Foucault, nos quais a experincia da ordem acontece, a linguagem

    coloca-se em movimento, o sistema dos elementos atua, o pensamento concretiza-

    se. Em um extremo do pensamento, encontra-se a regio dos cdigos fundamen-

    tais de uma cultura; tais cdigos so aqueles que regem a linguagem, os e s-quemas perceptivos, as trocas, as tcnicas, os valores e a hierarquia de

    prticas presentes em uma cultura.14 Todos eles fixam, logo de entrada, para

    cada homem, as ordens empricas com as quais ter de lidar e nas quais se h de

    encontrar.15Em outra extremidade do pensamento, temos uma segunda regio,

    ento composta pelas teorias cientficas ou interpretao dos filsofos.16Nesta

    esfera do pensamento, procura-se explicar por que h em geral uma ordem, a que

    lei geral obedece, que princpio pode justific-la, por que razo esta a ordem

    estabelecida e no outra. 17Entre essas duas regies entendidas por Foucault co-

    mo bastante distantes uma da outra, apresenta-se um terceiro domnio que, ape-

    sar de ter sobretudo um papel intermedirio, no menos fundamental. 18Trata-

    se de um obscuro domnio onde a cultura afasta-se insensivelmente das ordens

    empricas que lhes so prescritas por seus cdigos primrios. 19 Consequente-

    mente, tais ordens perdem sua transparncia inicial, a cultura cessa de se dei-

    xar passivamente atravessar por elas, desprende-se de seus poderes imediatos e

    invisveis, libera-se o bastante para constatar que essas ordens no so talvez as

    nicas possveis nem as melhores. 20Significa dizer que h, em tal obscurantis-

    mo, um movimento de pluralizao de ordens possveis: em um primeiro momen-

    13Ibidem, p. XVI.14Ibidem, p. XVI.15Ibidem, p. XVI.16Ibidem, p. XVI.17Ibidem, p. XVI.18

    Ibidem, p. XVI.19Ibidem, p. XVI,20Ibidem, p. XVI.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    18/188

    16

    to, a cultura afasta-se dos seus cdigos, percebendo a possibilidade de existncia

    de outros; acontece um movimento de cdigos que se anulam pela possibilidade

    de outros existirem, mas que novamente aparecem pela forma mesma com que se

    realiza a pluralizao. Ocorre, porm, que semelhante pluralizao de ordens pos-

    sveis vindas superfcie levam a cultura a um paradoxal encontro estabilizador:

    ela v-se diante do fato bruto de que h, sob suas ordens espontneas, coisas que

    so em si mesmas ordenveis, que pertencem a uma certa ordem muda, em suma,

    que hordem. 21Destarte,

    em nome dessa ordem que os cdigos da linguagem, da per-cepo, da prtica so criticados e parcialmente invalidados. com base nessa ordem, assumida como solo positivo, que seconstruiro as teorias gerais de ordenao das coisas e as inter-

    pretaes que esta requer. Assim, entre o olhar j codificado e oconhecimento reflexivo, h uma regio mediana que libera a or-dem no seu ser mesmo: a que ela aparece, segundo as cultu-ras e segundo as pocas, contnua e graduada ou fracionada edescontnua, ligada ao espao ou constituda a cada instante pe-lo impulso do tempo, semelhante a um quadro de variveis oudefinida por sistemas separados de coerncia, composta de se-melhanas que se aproximam sucessivamente ou que se espe-lham mutuamente, organizada em torno de diferenas crescen-tes etc. [...]. Assim, em toda cultura, entre o uso que se poderiachamar de os cdigos ordenadores e as reflexes sobre a ordem,h uma experincia nua da ordem e de seus modos de ser. 22

    O Doutor Benignusest repleto de cdigos culturais. linguagem estrutu-

    rada em romance, romance expresso em peridico, peridico impresso a partir

    de tcnicas em desenvolvimento, tcnica que d corpo prtica da leitura, lei-

    tura que, ao trazer superfcie cdigos ordenadores, d aos homens esquemas de

    percepo da realidade, de leitura do mundo. Na outra extremidade do pensamen-

    to, O Doutor Benignusengendra cincia, debrua-se sobre a explicao de como

    os cdigos culturais ordenam e nomeiam as coisas e seres e, no momento mesmo

    da reflexo, depara-se com a impossibilidade do pensamento caso no considere a

    experincia nua da ordem.

    No primeiro captulo desta dissertao, procura-se demonstrar como o ro-

    mance em questo insere-se no processo mais amplo de institucionalizao da

    cincia no Brasil. O segundo captulo destina-se a um estudo propriamente terico

    sobre a constituio do campo epistemolgico moderno, lugar a partir do qual o

    21Ibidem, p. XVII.22Ibidem, p. XVIII.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    19/188

    17

    homem emerge como sujeito e objeto do conhecimento ao mesmo tempo em que

    o Romantismo se afirma. O terceiro e ltimo captulo, por sua vez, tem o objetivo

    de situar O Doutor Benignusnesse solo epistemolgico elaborado pela moderni-

    dade, valendo-se, por conseguinte, da evidenciao da maneira com que o homem,

    no interior do romance, recorre ao Romantismo a fim de integrar-se a uma ordem

    ficcionalmente expressa pela existncia de certa lei da unidade universal.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    20/188

    18

    Captulo 1 - O Doutor Benignusno processo de institucionalizao

    das cincias naturais no Brasil.

    Augusto Emlio Zaluar nasceu em Lisboa em 14 de fevereiro de 1826. Chegou

    a matricular-se no 1. Ano da Escola Mdico-cirrgica da mesma cidade, mas no

    concluiu os estudos ao descobrir-se mais apto s atividades literrias. Escrevendo

    principalmente poemas, Zaluar colaborou com peridicos lisboetas, dentre eles o

    Epocha, Jardim das Damas e Revista Popular. Deixou Portugal em 1849, che-

    gando ao Rio de Janeiro em 3 de janeiro de 1850, lugar onde morreu em abril de

    1882. Naturalizou-se cidado brasileiro em 1856 e atuou em diversas frentes: foi

    membro da Sociedade Auxiliadora Nacional (SAIN), do Observatrio Nacionale

    Lente em pedagogia da Escola Normal. Escreveu poemas,23 biografias,24 uma

    pea de teatro,25fez apreciao crtico-literria,26 publicou um livro de contos,27

    foi tradutor,28colaborador em peridicos,29autor de obras didticas30e integrante

    da sociedade literriaArcdia Fluminense. 31

    23 ZALUAR, A. E.Dores e flores. Rio de Janeiro: Typ. De F. de Paula Brito, 1851. ZALUAR, A.

    E.Revelaes. Rio de Janeiro-Paris: Livraria de B. L. Garnier, 1862. (Disponvel na BibliotecaNacional); ZALUAR, A.E. Uruguayana. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert,1865. (Disponvel na Biblioteca Nacional); ZALUAR, A. E. Os Rios. A S.M. Imperial o Senhor

    Dom Pedro Segundo. [S.l.: s.n., s.d.] 6p. 22 cm. (Disponvel na Biblioteca Nacional). Zaluar parti-cipou das antologias:Lrica Nacional;Ao Senhor Dom Pedro II, homenagem da Imprensa Nacio-nal Coletnea de versos dedicados todos a D. Pedro II, pelos poetas D. Magalhes, OdoricoMendes, Delfina da Cunha, Gonalves Dias, Paula Brito, Fagundes Varella, Zaluar, Zeferino Ro-drigues, Rodolfo Ornellas, Paranacapiacaba e Mucio Teixeira. Rio de Janeiro: [s.n.], 1887; Collec-o de poesias, composta por poemas de: F. Palha, J. de Lemos, L. C. Sousa Almada, A. de Serpa,Mendes Leal Junior, A. E. Zaluar, L. Corra Caldeira, Antonia Pussich, Joo d'Azevedo, A. F. deCastilho, J. P. das C., Jos Osorio, Gentil e A. P. da Cunha. [S.l.: s.n., s.d.].24 CASTRO, E. de S P. de. ZALUAR, A. E.Os Heres brazileiros na campanha do sul em 1865.

    Rio de Janeiro: Typ. Pinheiro & Comp. 1865. ZALUAR, A. E.Emlia Adelaide. Rio de Janeiro,

    Typ. do Dirio de Rio de Janeiro, 1871. (Disponvel na Biblioteca Nacional)25 Intitulada O cofre da tartaruga, tal pea consiste numa conversao em um ato, de 1865.26 AZEVEDO, J. I. A. de. Poesias. Rio de Janeiro Typ. Universal de Laemmert, 1872. Aprecia-

    es crticas de Augusto Emilio Zaluar. Jos Feliciano de Castilho Barreto e Noronha Jos MariaVelho da Silva.27

    ZALUAR, A.E. Contos da Roa. Rio de Janeiro: Typographia do Diario do Rio de Janeiro,1868. (Disponvel na Biblioteca Nacional)28 FIGUIER, L. COLOMBO, Christovo. Os Sbios Illustres. Traduo de Augusto Emlio Zalu-ar. Rio de Janeiro: Oliveira & Ca. [Typographia Americana], 1869. Zaluar traduziu para o peridi-co Correio Mercantil o romance Os Moicanos de Paris, de Alexandre Dumas.29

    Zaluar colaborou com os seguintes peridicos brasileiros: O Municpio, O Parahyba, ACivilizao, Correio Mercantil,Dirio do Rio de Janeiro, O Globo e oO Vulgarisador.30

    ZALUAR, A.E.Lies das cousas animadas e inanimadas; modelos e assunptos de exerciciosoraes e por escripto para os meninos de 5 a 8 annos, imitao, para uso das escolas primarias. 3.ed.Rio de Janeiro, Liv. classica de Alves & comp., 1893. (Disponvel na Biblioteca Nacional).

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    21/188

    19

    Depois de vinte cinco anos vivendo no Brasil, Emlio Zaluar publicou o seu

    romance-folhetim O Doutor Benignus, como vimos, nas pginas do peridico

    carioca O Globo: orgao dos interesses do comercio da lavoura e da indstria .

    Ainda em 1875, o romance ganhou em dois volumes uma primeira edio em li-

    vro.32A preocupao central de Zaluar ao escrever tal obra atrela-se ao tipo de

    literatura a ser escrita e veiculada, isto , vincula-se projeo de um possvel e

    novo horizonte literrio brasileiro modelado pela produo de Jlio Verne. Pre-

    missa literria principal de Emlio Zaluar, os trabalhos de um autor ganham sig-

    nificado aceitvel na medida em que sejam o transunto das idias de seu tem-

    po. Se no tempo aqui em questo so pressupostos conhecimentos cientficos

    cuja soma enriquece o esprito humano, o autor de O Doutor Benignusento

    justifica o dever de inserir cincia na literatura, postura autoral tida como oposta

    quela encontrada em produes literrias supostamente restritas frivolidade, s

    exageradas sedues e pura imaginao. Importante observarmos que a prpria

    ideia de grande soma de conhecimentos j nos permite dizer que a experincia

    de tempo em que O Doutor Benignusse insere pressupe progresso, pressuposi-

    o confirmada quando o autor sugere que a incorporao do conhecimento cient-

    fico literatura vem sendo realizada pelas sociedades mais adiantadas. Podemos

    inicialmente concluir que, para Zaluar, inserir cincia na literatura uma forma de

    comprometer-se com o progresso visivelmente constatado em pases como a In-

    glaterra, a Alemanha e os Estados Unidos.

    Alm dessa obra, j localizada na Biblioteca Nacional, Zaluar escreveu: Compndio de um cursode Philosophia Elementar, de 1877; Primeiro livro de infncia e adolescncia, de 1880; Noes

    Elementares de Geografia, de 1880;Nova srie de livros de leitura graduada, de 1881;Nova srie

    de livros de leitura graduada, etc., segundo livro, de 1881.31AMARAL, M.PortugalDicionrio Histrico, Corogrfico, Herldico, Biogrfico, Bibliogr-

    fico, Numismtico e Artstico, 2000. Disponvel em: . Acessoem: 30/10/2011; SMANIOTTO, E. I. Uma anlise do conceito antropolgico do outro na obrado escritor Augusto Emlio Zaluar. 2007. 144f. Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Faculdade de Filosofia e Cincia, UNESP, Marlia, 2007; DUARTE, D. A S. D. Augusto EmlioZaluar: aspectos da trajetria e produo de um intelectual portugus no Brasil do sculo XIX.TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-graduao em Histria da UFMG, vol. 2,n. 1, p. 123-129, 2010.32 A publicao em peridico e a primeira edio em livro esto disponveis na Biblioteca Nacio-

    nal. Nesta dissertao, utilizamos a segunda edio em livro publicada pela Editora UFRJ no anode 1994. Distribuindo o romance em 37 captulos, tal edio ainda contm: (1) trs textos de apre-sentao da obra, cada qual redigido por Jos Murilo de Carvalho, Fernando Lobo Carneiro e Alba

    Zaluar; (2) um texto das editoras Helena Cavalcanti de Lyra e Ivette Savelli S. de Couto, momentoem que explicam-se as opes de edio; (3) algumas pginas contendo uma pequena apresentaodos personagens no fictcios citados por Zaluar ao longo da narrativa.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    22/188

    20

    Silvia Figueira, em um importante trabalho publicado pelaAsclepioem 1998,

    fez uma definidora anlise das novas perspectivas trazidas ao campo da Histria

    das Cincias por um conjunto de pesquisadoras,33 dentre as quais ela se inclui,

    que, nos ltimos anos, vem demonstrando como o processo de institucionalizao

    das cincias naturais no Brasil ainda mais recuado no tempo. Diferentemente do

    que supunha uma tradio historiogrfica assentada nos trabalhos de Fernando de

    Azevedo,34Simon Schwartzmann35e Shozo Motoyama,36a presena do conheci-

    mento cientfico-naturalista no Brasil no se restringe ao limiar do sculo XX com

    a fundao dos institutos bacteriolgicos de pesquisasendo elesBacteriolgico

    (1892),Manguinhos (1899), Butantan(1901) e Pasteur(1903). Segundo Figuei-

    ra, a afirmao das cincias naturais no Brasil est em devir desde a Ilustrao

    luso-brasileira e pode ser mensurada a partir de trs principais pontos de anlise

    que passamos a definir.

    33 Margareth Lopes, Heloisa Bertol Domingues e Maria Amlia Dantes compem o grupo de

    pesquisadoras. Em relao s obras de tais autoras, Figueira destaca: LOPES, M. M. Brazilianmuseums of natural history and international exchanges in the transition to th 20 century. In:PETITJEAN, P. et al. (eds.). Science and empires, Kluwer Acad. Press, Holanda, p. 193-200,1992. LOPES, M. M. As ciencias naturais e os museus no Brasil no sculo XIX. 1993. Tese dedoutoradoFaculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, USP, So Paulo, 1993. LOPES,M. M. As cincias dos museus: a Histria natural, os viajantes europeus e as diferentes concepesde museus no Brasil no sculo XIX. In: GOLDFARB, A. M. A.; MAIA, C. (orgs.). Histria dacincia: o mapa do conhecimento. So Paulo: Edusp, 1995, p. 721-32. DOMINGUES, M. H. B.Cincia: um caso de Poltica [As relaes entre as Cincias naturais e a Agricultura no Brasil-Imprio]. 1995. Tese de doutorado Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, USP,So Paulo, 1995.DOMINGUES, M. H. B. A idia de progresso no processo de institucionalizaonacional das cincias no Brasil: a Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional,Asclepio, 48 (2), p.149-62, 1996. DANTES, M. A. M. Institutos de pesquisa cientfica no Brasil. In: Ferri, M. G.;Motoyama, S. (coords.) (1979-81),Histria das cincias no Brasil, So Paulo: EPU: Ed. USP, v.2,1980. DANTES, M. A. M. (1988), Fases da implantao da cincia no Brasil. Quipu, Mxico, 5(2), p. 265-75, 1988. DANTES, M. A. M. (1995), Relaes cientficas e tradies cientficas lo-cais: modelos institucionais no Brasil no final do sculo XIX, In: GOLDFARB, A. M. A.; MAIA,C. (orgs.). Histria dacincia: o mapa do conhecimento. Edusp, So Paulo, 1995, p. 923-31. Noque se refere aos seus prprios trabalhos, Figueira menciona: FIGUEIRA, S. F. de M. Moder-nos bandeirantes: a Comisso Geogrfica e Geolgica de So Paulo e a explorao cientfica doterritrio paulista (1886-1931). 1987. Dissertao de mestrado Faculdade de Filosofia, Letras eCincias Humanas, USP, 1987. FIGUEIRA, S. F. de M. Associativismo cientfico no Brasil: oInstituto Histrico e Geogrfico Brasileiro como espao institucional para as cincias naturaisdurante o sculo XIX. Intercincia, Caracas,17 (3), 141-46, 1992a. FIGUEIRA, S. F. de M.Cincia na busca do Eldorado: a institucionalizao das cincias geolgicas no Brasil, 1808-1907.1992. Tese de doutorado Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, USP, 1992b. FI-GUEIRA, S. F. de M. Cincia no torro natal: a adaptao de modelos estrangeiros e a con s-truo de uma problemtica cientfica nacional (1840-1870), In: GOLDFARB, A. M. A.; MAIA,C. (orgs.).Histria da cincia: o mapa do conhecimento, Edusp, So Paulo, 1995, p. 773-84.34 AZEVEDO. F.As cincias no Brasil.So Paulo:Cia. Ed. Nacional, 1955.

    35 SCHWARTZMANN, S.Formao da comunidade cientfica no Brasil. So Paulo:Ed. Nacio-

    nal; Rio de Janeiro: Finep, 1979.36 MOTOYAMA, S. Histria da cincia no Brasil. Apontamentos para uma anlise crtica. Qui-

    pu, Mxico, vol. 5, n.2, p. 167-189, 1988.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    23/188

    21

    O primeiro ponto refere-se ao crescimento quantitativo e continuidade

    temporal dos espaos institucionais. Se a cincia luso-brasileira do incio do scu-

    lo XIX era construda, basicamente, nas dependncias doJardim Botnico(1808),

    daAcademia Real Militar(1810) e doMuseu Nacional(1818), na transio para o

    sculo XX o quadro se expande:

    alm da permanncia dessas instituies j ento quase centen-rias (algumas reformadas e subdivididas, como foi o caso da

    Academia Militar, que nos anos de 1850 separou o ensino mili-tar do civil), [constatam-se] a multiplicao de museus regio-nais, escolas profissionais, associaes de cientistas, comissesde servios afeitos aos levantamentos do territrio e um obser-vatrio astronmico, que foram surgindo no passar do sculo[XIX].37

    Decorrente do primeiro ponto, a especializao dos espaos institucionais o segundo aspecto a ser sublinhado. A especializao institucional das cincias

    naturais implicou em um duplo movimento: ao mesmo tempo em que ela engen-

    drou uma multiplicao do saber, foi responsvel por sucessivas reformas nas

    instituies pr-existentes, as quais repassaram funes e atribuies originais,

    reordenando-se internamente para acompanhar o processo geral de crescente pro-

    fissionalizao e especializao cientficas.38

    Para Margareth Lopes na dcada de 1870 em que o movimento cientfi-

    co no Brasil consolida-se, momento em que os profissionais de cincia demar-

    cam suas reas de especialidade, seus campos de atuao cientfica. Lopes afirma

    que a dcada de 1870 foi unanimemente reconhecida por contemporneos e pela

    literatura como definidora de novos tempos no Brasil, j que o perodo significou

    uma renovao substancial nacultura cientfica brasileira. Ocenrio o de mu-

    danas profundas nos paradigmas do campo das cincias naturais, que passam a

    ser associadas s novas exigncias colocadas pelo evolucionismo e por rupturas

    conceituais e institucionais.39A autora indica serem caractersticas dessa conjun-

    tura a atuao do Estado e a estreita relao estabelecida entre a multiplicao de

    novas instituies de cincia e o reordenamento de instituies pr-existentes

    ambos os elementos, como vimos, j sinalizados por Figueira enquanto estrutu-37 FIGUEIRA, S. F. de M. Mundializao da cincia e respostas locais: sobre a institucionaliza-

    o das cincias naturais no Brasil (de fins do sculo XVIII transio do sculo XX). Asclepio, v.50, n.2, p.107-123, 1998, p. 112.38 Ibidem, p. 112.39

    LOPES, M. M. O local musealizado em nacionalaspectos da cultura das cincias naturais nosculo XIX, no Brasil. In: HEIZER, A. et al. (Org). Cincia, Civilizao e Imprio nos Trpicos.Rio de Janeiro: Access, 2001, p.77-96, p. 90.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    24/188

    22

    rantes do processo mais amplo de institucionalizao das cincias naturais no Bra-

    sil. A esses traos notadamente marcantes da profissionalizao da cincia brasi-

    leira, Margareth Lopes ainda acrescenta:

    constituio de redes de interesses, nacionais e internacionais,

    evidentemente mltiplos na diversidade das reas disciplinaresj constitudas. Materializados por opes diferenciadas desdeas escolas de que cursos frequentar no exterior, que pases visi-tar, que modelos implantar, que peridicos intercambiar, comquem manter correspondncia, que opes tericas privilegiar,at a busca de hegemonias tambm no plano cientfico. Hege-monias estas disputadas efetivamente, pelo menos, pelos mu-seus brasileiros entre si e particularmente com aqueles latino-americanos atuantes no perodo, e especialmente no campo dapaleontologia tambm com instituies norte-americanas. 40

    O terceiro e ltimo ponto de destaque implica na atuao do Estado em re-

    lao s atividades cientficas. Para Figueira, o seu trabalho41e o de Margareth

    Lopes42do conta de mostrar que no fim do antigo sistema colonial o Estado por-

    tugus empreendeu reformas socioeconmicas modernizadoras e eminentemente

    fundamentadas na Ilustrao. Tais reformas ilustradas expressaram-se atravs do

    fomento e valorizao, por parte do governo portugus, das cincias naturais

    principalmente da Botnica, por ser considerada aplicvel a novos desenvolvi-

    mentos agrcolas e por estar vinculada Medicina, Qumica, Mineralogia e

    Metalurgia. As perspectivas de Maria Odila Leite da Silva Dias presentes no j

    clssicoAspectos da Ilustrao no Brasilendossam que o estmulo cincia natu-

    ral foi poltica de estado da Coroa ilustrada portuguesa: destacam-se o fomento

    criao de instituies e o financiamento de viagens cientficas, aes que, inscri-

    tas numa conjuntura de reordenamento econmico portugus com o declnio da

    produo aurfera, eram entendidas como possveis caminhos para o desenvolvi-

    mento de novas produes agrcolas em territrio colonial.

    Segundo Mary Louis Pratt,43as expedies alm-mar realizadas a partir de

    1735 expressaram uma clara mudana na conscincia planetria europeia. Dife-

    rentemente das viagens de circunavegao realizadas anteriormente, as viagens

    que se seguiram h tal ano possuam forte conotao cientfica ao tomarem como

    referenciais a expedioLa Condaminee a obra Os Sistemas da Natureza (Syste-

    40 Ibidem, p. 91.

    41 FIGUEIRA, 1992b.

    42

    LOPES, 1993.43 PRATT, M. L. Os olhos do imprio: relatos de viagem e transculturao.Bauru, So Paulo:

    EDUSC, 1999.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    25/188

    23

    ma Naturae), de Carl Linn44. Sob os registros de uma nova perspectiva de mun-

    do, a catalogao, descrio e explicao da natureza despontaram em 1735 como

    horizontes cientficos a serem perseguidos pelas viagens alm-mar:

    As viagens e os relatos de viagem jamais seriam os mesmos. Na

    segunda metade do sculo XVIII, fosse uma dada expedioprimariamente cientfica ou no, fosse o viajante um cientistaou no, a histria natural desempenharia algum papel nela. Acoleta de espcimes, a construo de colees, o batismo de no-vas espcimes, a identificao de outras j conhecidas, torna-ram-se temas tpicos nas viagens e nos livros de viagem.45

    No tocante s viagens cientficas do Portugal ilustrado, convm acrescen-

    tar que estrangeiros foram autorizados a viajar pelo Brasil a partir de 1808, conse-

    quncia da chegada de D. Joo VI ao Rio de Janeiro e da abertura dos portos bra-

    sileiros s naes amigas. Antes de 1808, dois eram os decretos que impediam

    qualquer estrangeiro de adentrar a colnia portuguesa na Amrica, um de 1591 e

    outro de 1605.46Como consequncia desse incentivo ao conhecimento cientfico,

    as viagens e seus respectivos relatos sobre o territrio brasileiro cresceram verti-

    ginosamente. 47Diz Fabula Sevilha de Souza:

    A abertura do Brasil aos cientistas estrangeiros a partir do inciodo sculo XIX foi considerada como um movimento de redes-

    cobrimento do Brasil. A clebre expresso cunhada por SrgioBuarque de Holanda sintetiza o momento em que o Brasil foialvo de inmeras viagens e expedies cientficas, com o obje-tivo de realizar o levantamento e a coleta de espcies animais,vegetais e minerais, posteriormente classificadas, catalogadas eremetidas para os grandes herbrios e museus de histria naturalda Europa. Esse reconhecimento cientfico do territrio compu-

    44 A expedio cientfica La Condaminee a obra Os Sistemas da Naturezaso entendidas por

    Pratt como os dois eventos que expressam a nova conscincia planetria europeia. Enquanto aexpedio procurou delimitar a forma exata da Terra, o livro de Linn buscou parmetros paraclassificar e descrever os elementos naturais.45 PRATT, M. L. Os olhos do imprio: relatos de viagem e transculturao.Bauru, So Paulo:EDUSC, 1999, p. 59.46 SARNAGLIA, M. O Brasil sob olhar estrangeiro: um estudo da obra Dois anos no Brasil de

    Auguste Franois Biard. In: Seminrio Brasileiro de Histria da Historiografia, 6, Mariana, Ca-derno de resumos & Anais..., Ouro Preto: EdUFOP, p. 01-11, 2012. Disponvel em: .Acesso em: 19/08/2013.47

    BELUZZO, A. M. De M. O Brasil dos viajantes. vol. 1. Imaginrio do novo mundo; Vol. 2.Um lugar no universo; Vol. 3. A construo da paisagem. So Paulo: Metalivros; Salvador: Fun-dao Emlio Odebrecht, 1994.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    26/188

    24

    nha a poltica de Ilustrao luso-brasileira que vinha sendo arti-culada desde fins do sculo XVIII. 48

    A crena de que a cincia levaria a novos progressos e que deveria ser es-

    timulada enquanto poltica de Estado permanece, diz Figueira, nos anos subse-quentes Independncia do Brasil. Assim como na Ilustrao luso-brasileira, o

    Estado do Brasil incentiva as atividades cientficas ao tambm criar instituies,

    ao financiar estas e outros rgos institudos por iniciativas privadas e ao patroci-

    nar estudantes-bolsistas. O Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB),

    fundado em 1838, um claro exemplo dessa permanncia. Segundo Manoel Luiz

    Salgado Guimares, o Instituto que se propunha pensar a histria brasileira de

    forma sistematizada sempre esteve sob o patronato do Imperador; cinco anos

    aps a sua fundao, as verbas do Estado Imperial j representavam 75 % do or-

    amento do IHGB, porcentagem que tendeu a se manter constante ao longo do

    sculo XIX. 49

    Figueira considera necessrio ainda dizer que os trs pontos de anlise

    aqui mencionados permeiam alguns temas de discusso, sendo eles: cincia e a

    construo da identidade nacional; papel dos modelos institucionais estrangeiros;

    ausncia de universidades e existncia de atividades cientficas; cincia til e

    ideologia de progresso; atividade dos cientistas locais e diversidade de seus pa-

    pis profissionais.50No captulo que segue, procuramos demonstrar atravs da

    inter-relao estabelecida entre tais eixos temticos como O Doutor Benignus

    insere-se no processo de institucionalizao das cincias naturais no Brasil.

    1.1A dcada de 1870 e um pas em crise.

    Em A construo da ordem, Jos Murilo de Carvalho defende que a elite

    poltica atuante na conjuntura da Independncia possibilitou a formao e a conso-

    lidao do Estado Nacional Brasileiro. Segundo Carvalho, o ncleo da elite polti-

    48 SOUZA, F. S. de. Natureza, ocupao territorial e vias de comunicao de Gois nos relatos de

    viagens do sculo XIX.Revista Brasileira de Histria da Cincia. vol. n.1, p. 50-59, 2012, p. 50.49

    GUIMARES, M. L. Salgado. Nao e civilizao nos trpicos: o IHGB e o projeto de umahistria nacional.Estudos Histricos, Rio de Janeiro, n.1, p.5-27, 1988, p. 09.50 FIGUEIRA, 1998, p.113.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    27/188

    25

    ca brasileira, estendendo-se segunda metade do sculo XIX, era composto por

    burocratas vinculados ao direito romano, formao presente em Coimbra. A

    unidade desse grupo, portanto, tornava-se possvel por meio da existncia de uma

    ideologia e de uma ocupao burocrtica comuns. Nesse sentido, o principal

    argumento de Jos Murilo de Carvalho centra-se na ideia de que, embora boa par-

    te da elite poltica fosse recrutada na classe latifundiria, essa mesma elite conse-

    guiu compor-se enquanto uma instncia de poder diferenciada, uma vez que pos-

    sua uma formao e uma ocupao que a distinguia de todos os outros grupos

    sociais; como no havia no Brasil uma burguesia capaz de regular as relaes so-

    ciais por meio da operacionalizao do mercado e a classe proprietria possua

    diferentes interesses advindos de necessidades regionais especficas, caberia ento

    ao prprio Estado, enquanto aparelho burocrtico composto por uma elite poltica

    devidamente treinada e afinada ideologicamente, regular as relaes sociais e eco-

    nmicas da sociedade brasileira. Para afirmar-se e retroalimentar-se, o Estado

    Nacional Brasileiro tutelou os seus letrados, diz Carvalho, inserindo-os em seu

    aparelho administrativo e alocando-os, muitas vezes, em instituies de saber por

    ele mesmo fomentadas.

    Angela Alonso51refora e complementa a perspectiva de Jos Murilo de

    Carvalho ao afirmar que, desde a Independncia poltica brasileira, os homens de

    letras e de Estado, associando de forma intrnseca literatura, poltica e historio-

    grafia, se voltaram construo de uma brasilidade responsvel em vincular o

    Brasil s civilizaes de tipo europeu. No Segundo Reinado, o Romantismo foi o

    modelo desse discurso civilizador que, a partir do indianismo, procurou lanar as

    bases da brasilidade. 52

    Passado o conflituoso Perodo Regencial, diz Alonso, o contexto de Conci-

    liao trouxe estabilidade e unidade poltico-territorial ao pas em torno de um reibrasileiro. Dentre as preocupaes do monarca, estava a clara necessidade de

    estimular a consolidao de uma elite intelectual, fosse atravs da contribuio

    estatal na realizao de viagens e na publicao de obras, fosse mediante a aloca-

    o, no IHGB, dos letrados que iam se destacando;

    as cincias naturais, atravs da botnica, da zoologia, da mine-ralogia, da geologia e, principalmente da geografia, astronomia

    51 ALONSO, A. Eplogo do romantismo. In:Dados, vol. 39, n.1, 1996.

    52 Ibidem, p. 139.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    28/188

    26

    e da etnografia (pois o conhecimento cientfico dos povos do in-terior era condio para alargar as fronteiras), deram suporte ese desenvolveram inseridas no processo poltico de consolida-o e afirmao do estado-nao brasileiro dentro do qual esta-va inscrito o propsito do IHGB. 53

    Assim, os primeiros homens de letras ntimos do imperador, alguns deles

    membros da Nitheroy, Revista Brasiliense. Sciencias, Lettras, e Artes. Tudo pelo

    Brasil e para o Brasil54e doInstituto Histrico e Geogrfico Brasileiro,elabora-

    ram um indianismo que procurava ser o programa oficial das letras nacionais no

    Brasil, projeto voltado definio da civilizada e nova nao. Mas uma polmica

    ocorre em meados da dcada de 1850, diz Alonso, quando o desestabilizador Jos

    de Alencar surge no cenrio pblico ao criticar a Confederao dos Tamoios de

    Gonalves de Magalhes, obra que melhor expressava as perspectivas dos inte-lectuais daNitheroy. A polmica55entre ambos foi publicada no jornal O Globo

    e no deixou de ter a participao de correligionrios.56O debate no se referia

    diretamente aos princpios romnticos a serem empregados na construo dos

    textos literrios, mas sim ao tipo de indianismo a ser manejado. Para Alencar, o

    indianismo de Magalhes era a realizao mais acabada do que a literatura naci-

    onal no deveria ser, por basear-se em uma idealizao do Pas que desandava em

    um indianismo sem a correspondncia com a realidade nacional;

    57

    Alencar diziaque Gonalves de Magalhes, ao desconsiderar o movimento especfico de misci-

    genao da tradio e da histria indgena com a cultura europeia, forjava o ndio

    em um molde greco-romano. E o crtico ferrenho ao autor de a Confederaoain-

    da foi mais alm: o insucesso da falseadora obra de Magalhes podia ser explica-

    do pela escolha infeliz do gnero literrio a epopeia. Jos de Alencar propunha,

    assim, um novo indianismo a ser escrito enquanto romance e a ter como cerne a

    53 DOMINGUES, H. M. B. Viagens cientficas: descobrimento e colonizao no Brasil no sculoXIX. In: HEIZER, A. et al. (Org). Cincia, Civilizao e Imprio nos Trpicos. Rio de Janeiro:Access, 2001, p.55-75, p. 57.54 ANitheroyfoi editada em apenas um tomo, dividido em dois nmeros, ambos publicados em

    1836. Ganhou estatuto de grande definidora da nacionalidade brasileira, sendo os seus membros: opoeta Gonalves de Magalhes, o importante pintor e poltico Arajo Porto Alegre, Francisco deSalles Torres Homem e Pereira da Silva (ALONSO, op. cit., p.158, nota 2).55 Angela Alonso destaca que a discusso apresentada por ela sobre tal polmica deve quase que

    integralmente s consideraes apresentadas por Antnio Candido em Formao da literaturabrasileira.56Participaram da polmica, encobertos por pseudnimos, Jos de Alencar (Ig.), Manuel Arajo

    de Porto Alegre (O Amigo do Poeta), D. Pedro II (Outro Amigo do Poeta), Pinheiro Guimares

    (mega)esta identificao duvidosa, alm de dois outros cuja identidade no foi descoberta:'O Boqui-aberto' e 'O Inimigo dos Capoeiras'(CASTELLO, 1953 apudALONSO, 1996, nota 2)57 ALONSO, 1996, p. 141.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    29/188

    27

    verossimilhana histrica aceitao limitada da imaginao em uma narrativa

    que se considerasse veculo de realidade.

    A nosso ver, tal polmica confirma as perspectivas terico-metodolgicas

    desenvolvidas por Mikhail Bakhtin em relao ao romance como gnero literrio.

    Para Bakhtin58, os gneros so tipos de enunciados temticos, estilsticos e com-

    posicionais que estabilizam suas normas em especficas situaes de comunicao

    social. Por serem, portanto, expresses particulares da linguagem que se dese-

    nham na sociedade, Bakhtin permite-se de outro modo dizer que os gneros so

    constitudos historicamente, ao passo que diferentes formas de interao verbal da

    vida social vo se consolidando. O romance, como um dentre os gneros presentes

    na interao social permeada pela linguagem, apresenta especificidades. Embora

    possua elementos que o reportem a gneros populares antigos de escopo cmico,

    o romance, diz Bakhtin,59nasce e alimenta-se efetivamente com a modernidade,

    tornando-se a melhor expresso das tendncias evolutivas do novo mundo. Sem

    referentes fixos de estabilizao, o romance permeado por uma postura literria

    desagregadora, sempre direcionada pela busca de supremacia em relao aos ou-

    tros gneros presentes. Quando consegue ser o enunciado dominante, ele, no lugar

    de possibilitar uma integrao harmnica que respeite os limites estruturais dos

    outros discursos, parodia os outros gneros (justamente como gneros), revela o

    convencionalismo de suas formas e linguagens, elimina alguns gneros, reinter-

    pretando-os e dando-lhes outro tom.60Assim, pode-se dizer que o romance, alm

    de ser crtico da literatura como um todo, insere-se nela autocriticamente, j que

    sempre se volta necessidade de repensar o seu prprio lugar dentro de uma poli-

    fonia de gneros da qual ele mesmo a expresso moderna resultante. 61

    Se o presente fundamentalmente inacabado o referente mximo do

    romance, Bakhtin prope pensar tal gnero em contraponto com a epopeia. Aepopeia, diz o russo, possui como objeto de representao um passado absoluto.

    Esse passado se adjetiva e se substancia como sendo o passado heroico nacional,

    [...] o mundo das 'origens' e dos 'fastgios' da histria nacional, o mundo dos pais e

    ancestrais, o mundo dos 'primeiros' e dos 'melhores', [o mundo da lenda nacio-

    58 BAKHTIN, M.Esttica da criao verbal. So Paulo: Martins Fontes, 2006.

    59 Idem, Epos e romance: sobre a metodologia do estudo do romance. In: Questes de literatura e

    de esttica: a teoria do romance. 4.ed. So Paulo: Editora UNESP, 1998, p. 397-428.60 Ibidem, p. 399.61 Ibidem, p. 400.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    30/188

    28

    nal].62O autor epopeico (o aedo) fala aos seus ouvintes, portanto, sempre na po-

    sio de algum que tem como contedo de discurso um passado inacessvel, pas-

    sado cuja perfeio distancia-se de um presente inferiorizado. Desse modo, aedo e

    pblico, de um lado, e os personagens da epopeia, de outro, situam-se em nveis e

    tempos completamente diferenciados.

    Quando retomadas as caractersticas dos gneros populares antigos que

    pertencentes atmosfera literria de rica criao cmica popular podem ser

    considerados razes folclricas do romance,63o contraponto de anlise propos-

    to por Bakhtin pode ser viabilizado. O gnero literrio cmico popular 64realiza

    em relao epopeia uma ruptura fundamental: volta-se para a representao da

    atualidade das pessoas inseridas no discurso (autor e pblico), bem como para a

    parodizao e travestizao de todos os gneros elevados e dasgrandes figuras da mitologia nacional. O passado absolutodos deuses, dos semideuses e dos heris nas pardias e nostravestimentos atualiza-se: rebaixa-se, representado emnvel de atualidade, no ambiente dos costumes da poca, na lin-guagem vulgar daquele tempo.65

    Encontra-se no cmico popular antigo, realizadas tais consideraes, a

    passagem da linguagem epopeica para a romanesca. No romance, diferentemente

    da epopeia, o objeto e as pessoas do discurso esto em um mesmo plano temporal

    (o presente) e axiolgico. Mesmo quando o mito e o passado aparecem como ob-

    jeto do discurso romanesco, o presente quem fornece o ponto de partida para a

    compreenso, a avaliao e a formulao.66Se o objeto /ou parte da atualidade,

    a experincia humana a ele pode interpelar mudanas, releituras, dvidas e dife-

    rentes pontos de vista. Como vimos, na epopeia essa postura no possvel, pois o

    objeto no pode ser tocado, nem manejado pela atividade humana ao constituir-se

    enquanto passado distante, absoluto, autossuficiente, isolado e superior. 67

    62 Ibidem, p. 405.63 Ibidem, p. 412.64 Do riso popular, surgiuno solo literrio clssico aquilo que os antigos denominavam como odomnio do 'srio cmico'. A esta literatura pertenceram os mimos de pequeno enredo de Sofr-nio, toda a poesia buclica, a fbula, a primeira literatura de memrias ([...] de on de Quios, [e] a[...] de Crtias) e os panfletos. A ela pertencem tambm os antigos 'dilogos socrticos' (enquantognero) e, ainda mais, a stira romana (Luclio, Horcio, Prsio, Juvenal), a vasta literatura dosSimpsios e, finalmente, a stira menipeia (como gnero) e os dilogos maneira de Luciano.(Ibidem, p. 412)65

    Ibidem, p. 412.66 Ibidem, p. 413.67 Ibidem, p. 409.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    31/188

    29

    No romance, a autoridade da narrativa, por recair na ideia de um presente

    sempre inconcluso manifestado atravs de um devir que se estende, engendra ou-

    tro elemento importante de anlise: a concepo de autoria. Com o autor faz parte

    dessa atualidade que se coloca como referente suprema do romance legtimo que

    a autoria aparea em todo escopo representativo que a obra engendra; o autor,

    nesse sentido, pode representar os momentos reais de sua vida ou fazer uma alu-

    so, pode se intrometer na conversa das personagens, pode polemizar abertamente

    com seus inimigos literrios.68Tem-se no gnero romanesco, portanto, a autori-

    zao para que o autor e suas personagens, ao estabelecerem relaes dialgicas e

    hbridas entre si, coabitem em um nico plano de representao discursiva.

    O perodo, fins da dcada de 1860, que marca a ascenso do polmico Jos

    de Alencar como o grande nome do romance brasileiro tambm o que sinaliza o

    fim, destaca Angela Alonso, da estabilidade politica presente no perodo de Con-

    ciliao. O Brasil inseria-se em um perodo de transformaes estruturais, quadro

    responsvel pelo emergir de uma gerao (a gerao 1870) que, mobilizando um

    discurso associado s novas perspectivas cientficas ento elaboradas (darwinis-

    mo, evolucionismo e positivismo), questiona o bacharelismo e as instituies

    constituintes do Estado Monrquico Brasileiro.69Para Alonso, so elementos des-

    se novo quadro scio-poltico: a desestabilizao da elite imperial e da prpria

    monarquia, j que se fala em reorganizao econmica e poltica; a interferncia

    nos recursos materiais, polticos e simblicos de todos os grupos sociais em meio

    crise poltica e modernizao conservadora o que gera descontentamentos e

    possibilidade de express-los; a explicitao das assunes tcitas do universo

    cultural do Imprio no debate pblico, visibilidade forada pela combinao en-

    tre mudana social e crise poltica. 70

    Como estrutural o processo de mudana social e poltica, a delimitaoprecisa dos estratos sociais do momento fica dificultada. Nesse sentido, Alonso

    afirma no ser possvel estabelecer um vnculo estreito entre os membros da gera-

    o 1870 e o emergir de um setor mdio urbano. Defende a estudiosa, contudo,

    que mesmo no fazendo parte de uma origem social em comum, eles comparti-

    lhavam uma comunidade de experincia, a saber:

    68 Ibidem, p. 417.69

    ALONSO, A.Idias em movimento: a gerao 1870 na crise do Brasil-Imprio. So Paulo: Paze Terra, 2002.70 Ibidem, p. 42.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    32/188

    30

    as instituies imperiais prejudicavam as suas carreiras ou blo-queavam seu acesso s posies de proeminncia no regimeimperial, fosse por no pertencerem aos estamentos senhoriais,de onde se extraa a elite imperial, fosse por serem membros desuas faces politicamente subordinadas. Esta experincia com-partilhada de marginalizao poltica a chave para entender osentido de suas manifestaes intelectuais: so formas coleti-vas de crtica s instituies, aos valores e s prticas funda-mentais da ordem imperial. 71

    Fazendo parte das tenses dessa nova conjuntura poltica, so justificveis

    as crticas feitas Franklin Tvora,72membro da gerao cientificista emergente, ao

    romantismo alencariano. Para Tvora, a literatura deveria estar associada a uma

    pesquisa efetivamente documental do pas, e, ao contrrio do que havia dito Alen-

    car no seu famoso embate com Magalhes, no poderia caber nos textos literrios

    qualquer lastro de imaginao. Na perspectiva do cientificista da nova gerao, a

    verossimilhana de Alencar no era satisfatria, pois o que deveria ser buscada era

    uma literatura fiel verdade de fatos cuidadosamente constatados pelo saber cien-

    tfico em voga.73Interessante observar que o argumento baseado na noo de fal-

    seamento da realidade utilizado por Jos de Alencar contra Gonalves Magalhes

    o manejado por Tvora nas suas crticas ao escritor de O Gacho e Iracema:

    Jos de Alencar d poemas e romances de costumes, sem ter estudado a natureza

    71 Ibidem, p. 43.72 As Cartas a Cincinato, de Franklin Tvora, foram publicadas no jornal Questes do dia, entre

    14 de setembro de 1871 e 22 de fevereiro de 1872, e reunidas em livro no mesmo ano. Editadopelo portugus Jos Feliciano de Castilho, o jornal havia surgido em agosto de 1871, no contextodos debates travados sobre o projeto da lei do ventre livre, e tinha a finalidade de rebater os argu-mentos contrrios libertao dos filhos de escravos, levantados na cmara pelos membros daminoria do partido conservador, alm de defender Dom Pedro II da acusao de interferir indevi-damente nos negcios do Estado. Escrevendo com o pseudnimo de Cincinato, Feliciano de Casti-lho indicava na sua segunda carta quais eram as duas questes da ordem do dia: poder pessoal e

    elemento servil (CASTILHO, J. F. de. Questes do dia. 3 Tomos. Rio de Janeiro: TipografiaImparcial, 1871, p. 30). Desde a primeira carta, Cincinato elegeu Jos de Alencar como seu princi-pal interlocutor, convertendo as Questes do dia num verdadeiro libelo contra o escritor cearense.Inicialmente restrito ao mbito da poltica, o embate adquiriu feio literria quando Tvora come-ou a enviar do Recife diversas cartas discutindo os romances de Alencar. Enquadrando-se nomodelo dos artigos estampados nas Questes do dia, o crtico assumiu uma mscara romana e, sobo pseudnimo de Semprnio, transmitia ao amigo Cincinato suas impresses sobre o romancista.As Cartas a Cincinatodividem-se em duas sries: a primeira contm oito cartas sobre O gacho,

    publicadas entre 14 de setembro e 12 de outubro de 1871; a segunda formada por 13 cartas sobreIracema, publicadas entre 13 de dezembro de 1871 e 22 de fevereiro do ano seguinte. (MAR-TINS, E. V. Observao e imaginao nas Cartas a Cincinato. In: Congresso Internacional daAssociao Brasileira de Literatura Comparada ABRALIC, 11, So Paulo, Anais..., So Paulo:USP, s/p, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 02/09/2013, s/p73 ALONSO, 1996.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    33/188

    31

    nem os povos [...]. Essas obras, ele as d do fundo de seu gabinete [...]. 74 Tal

    polemizao marca, segundo Alonso, o incio efetivo do processo de esmaecimen-

    to do romantismo brasileiro; se o romantismo, ainda que mitigado, perdura, o

    indianismo declina francamente.75 No horizonte da gerao 1870, despontava

    uma nova maneira de compreender o Brasil:

    Findo o longo perodo de formao, esteado na necessidade defundar-se numa tradio, a de uma nao tupi-portuguesa, gera-da como uma espcie de mito de formao de um povo, o Paspassava, ento, a ser concebido a partir de sua insero no con-texto mundial, e, por consequncia, por recurso dos padres eu-ropeus ento em voga, de civilizao e atraso. Se o bacharelis-mo liberal combinava com o discurso romntico, em grandemedida conciliador de diferenas, o cientificismo emergente iriaencontrar a forma de seu discurso na prpria cincia. [...]. A ci-

    ncia emergia, portanto, como a grande fornecedora de repos-tas, lugar a partir do qual a nova gerao iria se contrapor aoindianismo romntico e ao bacharelismo liberal. Nesse momen-to, a euforia do pas novo cedia compreenso de um fosso queseparava o Brasil da civilizao. Esta conscincia amena doatraso levaria a intelectualidade brasileira a reconsiderar aspossibilidades de progresso futuro a partir de uma releitura de siprpria. 76

    Para compreendermos de que maneira O Doutor Benignus, enquanto ro-

    mance, atua nessa conjuntura caracterizada pelo manejo tambm poltico do co-

    nhecimento cientfico, apostamos no estudo da forma como o ethos do persona-gem principal construdo. A partir de agora, veremos que a composio da ima-

    gem do benigno homem realiza-se atravs de quatro principais registros, sendo

    eles: a cincia enquanto cdigo partilhado por certo grupo de homens; o carter

    heroico do cientista viajante; os imperativos de vulgarizao cientficaem uma

    obra de fico cientfica; uma perspectiva de Brasil vinculada ao ato de fazer ci-

    ncia.

    1.2 Entre homens de cincia.

    Ao longo da narrativa, Benignus se refere a um conjunto de outros homens

    que, assim como ele, so portadores de um olhar dirigido produo do conheci-

    74 TVORA, F. Carta III. In: PROENA, M. C (ed.).Iracema. So Paulo: Edusp, 1979, p. 164

    apudALONSO, 1996, p. 145.75 ALONSO, 1996, p.146.76 Ibidem, p. 144.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    34/188

    32

    mento cientfico. Escrita pelo sbio Saint-Hilaire, a obra Viagem provncia de

    Goisno deixa de ser considerada quando o doutor se defronta com informaes

    etnogrficas a respeito de uma aldeia indgena localizada ao norte de Minas Ge-

    rais. Ao depararem-se com a figura do faiscador s vezes um msero negro ou

    mulato, coberto de andrajos, quase sem sustento e sem abrigo, mas que arranca do

    seio da terra brilhante metal com que se adornam todas as grandezas e todas as

    mediocridades felizes da sociedade , Benignus e seus companheiros lembram-se

    do encontro que teve de natureza anloga o sbio A. de Saint-Hilaire, visitando

    em companhia de seus amigos M. Langsdorff e o baro dEschwege uma pitores-

    ca cascata nas vizinhanas de Ouro Preto.77 O nosso sbio mostra-se cada vez

    mais convencido da verdade para ele inconcussa das concluses cientficas s

    quais o darwinismo havia chegado, a ponto de provar que ele mesmo podia ser o

    descendente de um chimpanz.78Quando um imenso meteoro luminoso, fen-

    dendo obliquamente o espao azul, foi cair com violenta detonao, seguida de

    um agudo silvo, alguns centos de metros distante do lugar onde se achavam, Be-

    nignus e M. de Fronville, moo de mediana fortuna, inteligente e estudioso das

    cincias naturais, recorrem prontamente a informaes oferecidas por outros ho-

    mens de cincia:

    Quanto sua origem, [diz M. de Fronville], a hiptese que esthoje mais aceita que estes corpos so fragmentos destacadosdo anel dos asteroides que gira em torno do Sol, e encontradospelo nosso planeta na sua imensa elipse, deslocados por umanova atrao, atravessam horizontalmente a atmosfera da Terra,iluminam-se ao seu contacto e enquanto uns desaparecem com-

    77 ZALUAR, A. E. O doutor Benignus. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994, p. 154.78 Ibidem, p. 35-36. Figueira (1998) destaca que o processo de implantao das cincias naturais

    na realidade brasileira est intimamente relacionado mundializao da cincia europeia, isto ,

    expanso do conhecimento cientfico produzido na Europa pelo restante do mundo. No se tratade dizer, porm, que a adoo de modelos europeus por parte da cincia natural brasileira sin-nimo de imitao. O que ocorre, diz Figueira, um processo ativo de incorporao e aclima-tao do pensamento europeu s realidades histricas e disciplinares vigentes no Brasil. Em O

    Doutor Benignus, a teoria da evoluo de Darwin apropriada. Como bem observa Ricardo Waiz-bort, no perodo em que Zaluar publicou seu livro o evolucionismo j aparecia em outras obrasliterrias como um discurso progressista de valorizao da cincia. A ideia de que o evolucionismoafirmava a superioridade da raa branca tambm no era uma novidade presente em O Doutor

    Benignus, assim como no o era a pergunta sobre a natureza do homem. Mas O Doutor Benignusmerece ser lido, talvez, pela janela que nos abre sobre como se usou o discurso evolucionista noBrasil. Afinal, pela primeira vez o nome de Darwin e sua teoria so aqui usados, em um textoliterrio no Brasil, para sugerir o processo civilizatrio que iria nos alar ao caminho trilhado pelasgrandes naes na viso de Emlio Zaluar. (WAIZBORT, R. F. O Doutor Benignus: a origem do

    homem na concepo de natureza em Emlio Zaluar. Revista Brasileira de Histria da Cincia,Rio de Janeiro, v. n.1, p.60-76, 2012, p. 75.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    35/188

    33

    pletamente nos vapores do ambiente terrestre, os outros chegama alcanar a sua superfcie, com tanta velocidade e peso, quemuitas vezes se encravam cinco e seis metros pelo solo. Estahiptese prende-se, pois, teoria cosmognica de Laplace, queremonta origem do mundo a uma nebulosa, teoria que explicasatisfatoriamente muitos fenmenos das regies celestes, sendoainda a composio qumica dos aerlitos uma prova da unida-de dos elementos componentes de nosso sistema planetrio e dacoeso por consequncia das foras fsicas, to sabidamente ex-plicadas pelo R. P. Secchi.O Dr. Benignus, apreciando devidamente ainda uma vez os co-nhecimentos cientficos de seu companheiro e amigo, acrescen-tou rpida notcia formulada pelo ilustrado naturalista francsas seguintes palavras:Ao calcular-se o nmero destes meteoros que conhecemos,com os que devem ter cado nos mares, nos rios, ou em regiesdesconhecidas, a soma deve ser prodigiosa. Juntarei os factos

    que mencionou dous que se deram no Brasil e que nesse mo-mento me ocorrem. No Museu Nacional do Rio de Janeiro exis-te uma pequena pedra amarelada, que deve pesar apenas dozegramas e dizem ser parte de um aerlito cado a 3 de fevereirode 1829, na rua da Ajuda n. 128, porta de um sapateiro ale-mo, chamado Scheidal, e cuja pedra pesava mais de duas li-bras.Mas o testemunho mais importante a respeito dos grandes aer-litos o que examinaram em 1818 os Srs. Spix e Martius, de-pois de haverem visitado o serto da Bahia e Pernambuco, diri-gindo-se ao Piau, e penetrando aquelas regies desertas com ofim de observarem no caminho uma massa de ferro meterica,

    clebre em todo o pas, e tal era realmente a dureza do projetilceleste que foram ver, que empregaram muitos dias em bat-loa martelo, sem conseguirem nunca destacar-lhe um s fragmen-to. provavelmente este blide que o Sr. Rambosson diz existirno Brasil e pesar setecentos quilogramas. Seja, porm, comofor, continuou o sbio, a queda do aerlito, que h pouco pre-senciamos, veio robustecer ainda mais em meu esprito a ideiade que, por assim dizer, se me tornou fixa da habitabilidade dosmundos. 79

    Com a leitura dessa citao, percebemos ainda que no apenas os olhares

    de Laplace, Spix e Martius convergem, junto aos de Benignus, a um mesmo planode interpretao do mundo. Alm desses homens, que em constante dilogo narra-

    tivo do a ver novas concluses cientficas, uma instituio de saber menciona-

    da. Mesmo sem a presena de universidades, lembra Figueira,80foram vrias as

    instituies a partir das quais a cincia natural conseguiu marcar presena no Bra-

    sil desde o final do sculo XVIII, dentre elas: a Academia Cientfica do Rio de

    Janeiro (1772- 1779), a Sociedade Literria do Rio de Janeiro (1786 - 1794), a

    79 ZALUAR, 1994, p. 285-286.80 FIGUEIRA, 1998.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    36/188

    34

    Casa dos Pssaros, a Sociedade Auxiliadora Nacional (SAIN)(1827), oImperial

    Observatrio do Rio de Janeiro (1827), o IHGB,oMuseu Nacional e o Jardim

    Botnico.Alm desses espaos, podem ser consideradas as escolas profissionais

    ligadas Medicina ou s Engenharias, como a Academia Real Militare aquelas

    que a sucederam Escola Militar(1839), Escola Central (1855) e Escola Poli-

    tcnica do Rio de Janeiro (1874), ou ainda a Escola de Minas de Ouro Preto

    (1875) e aEscola Politcnica de So Paulo(1873).

    Em O Doutor Benignus, nesse sentido, torna-se coerente a meno aoMu-

    seu Nacional, principal instituio de pesquisa ento existente no Brasil,81 bem

    como aoIHGBe aoImperial Observatrio do Rio de Janeiro. Diz o narrador que

    foi destinado ao primeiro-secretrio do Instituto Histrico e Geogrfico Brasilei-

    ro, ento o preclarssimo cnego Janurio da Cunha Barbosaaquilo que Dr. Lund

    escrevera, em 12 de janeiro de 1842, em uma carta publicada na Revista do

    mesmo Instituto, na qual dava conta a seus consrcios que h mais de seis anos j

    estudava a criao animal que habitava no Brasil na poca geolgica precedente

    atual ordem de cousas.82 A referncia ao Observatrio, por sua vez, tambm

    acontece de dupla forma, pois alm de ser nominalmente mencionado dois dos

    homens que o dirigiram na dcada de 1870 so lembrados pelo sbio Camilo

    Maria Ferreira Armond (Conde de Prados) e Emmanuel de Liais. Depois da morte

    de uma cobra que quase o ferira, diz o doutor:

    O veneno dessa cobra dos mais enrgicos e determina inocu-lado no sangue, tendncias coagulao, segundo as sbias ob-servaes do eminente astrnomo e notvel homem de cincia,o nosso distinto compatriota o Sr. Visconde de Prados. Segundotambm a valiosa opinio do mesmo, esta espcie de serpentes diversa da das Antilhas.83

    Instrumentalizando o olhar para uma melhor observao do sol, Benignus

    recorda-se das importantes premissas formuladas por outro homem de cincia.

    Diz o narrador:

    Lembrou-se que para melhor conseguir este importante traba-lho, lhe era preciso pr em prtica uma opinio do ilustrado Sr.Liais, que julgava acertadssima.Entende o eminente astrnomo, e com razo que no nasgrandes cidades europeias, onde a atmosfera est sempre vicia-da por grande quantidade de vapores estranhos, e cuja densida-

    81 CARVALHO, J. M. de. Benigna Cincia. In: ZALUAR, A. E. O Doutor Benignus. Rio de Ja-

    neiro: UFRJ, 1994, p. 09.82 ZALUAR, 1994, p. 161-162.83 Ibidem, p. 75.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    37/188

    35

    de intercepta os raios de luz, produzindo notveis alteraes nosoculares, o lugar mais apropriado para estabelecer os melhorespontos de observaes astronmicas. As vastas regies da Am-rica oferecem neste sentido mais seguras condies de sucesso.84

    Destarte, Benignus atribui legitimidade ao conhecimento produzido por

    naturalistas vinculados a importantes instituies de pesquisa do sculo XIX. A

    construo narrativa do ethosprotagonista, contudo, no se esgota na tentativa de

    inseri-lo em um grupo de homens e de instituies que veem o mundo a partir de

    uma mesma perspectiva (a cincia). Trata-se, pois, de uma segunda predicao a

    ser especialmente considerada: o herosmo inerente aos viajantes naturalistas.

    1.3Heris do trabalho e da cincia.

    Maria da Glria Oliveira constata que, entre 1839 e 1899, profuso e re-

    gular o nmero de escritos biogrficos publicados na Revista do Instituto Histri-

    co e Geogrfico Brasileiro(RIHGB).85Manoel Ferreira Lagos autor de um de-

    les, cuja publicao, em 1840, se deteve na vida do frei Jos Mariano da Concei-

    o Veloso. Nessa biografia, as dificuldades inerentes ao empreendimento dosviajantes so enaltecidas:

    mister descer aos mais profundos vales, emaranhar-se nosvastos e inextricveis bosques, arriscar-se no declive das escar-padas e escorregadias serras, trepar ao cume de picos cobertosde rochedos sobranceiros ou gelos formidveis, seguir as mar-gens dos mares, dos lagos, dos rios, dos precipcios, e das cas-catas, onde o botnico deve procurar o objeto de seu culto e oalimento de seu ardor, porque os nicos livros que nos podeminstruir a fundo sobre a matria, foram lanados ao acaso sobretoda a superfcie da terra.86

    Como vimos, Saint-Hilaire, Eschwege, Langsdorf, Martius, Spix so al-

    guns dos viajantes mencionados em O Doutor Benignus, mas Jos Vieira Couto

    84 Ibidem, p. 95.85 OLIVEIRA, M. da G. de. Traando vidas de brasileiros distintos com escrupulosa exatido:

    biografia, erudio e escrita da histria na Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro(1839-1850).Histria, Franca, v. 26, n. 1, 2007. Disponvel emhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010190742007000100013&lng=pt&nrm=iso Acesso em: 08/08/2013.86

    LAGOS, M. F. Biografia de frei Jos Mariano da Conceio Veloso.RIHGB, v. 2, 1840, p. 598apud DIAS, M. O. L. da S. Aspectos da Ilustrao no Brasil. In: DIAS, M. O. L. da. S. A interiori-zao da metrpole e outros estudos. So Paulo: Alameda, 2005, p. 116.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    38/188

    36

    de Magalhes que poca de escrita do romance j havia publicado, segundo

    Jos Murilo de Carvalho,87Viagem ao rio Araguaia (1863),As Dezoito mil milhas

    do interior do Brasil (1872) e Ensaio de antropologia (1874) o viajante que

    ganha, assim como frei Veloso nas pginas escritas por Ferreira Lagos, um claro

    estatuto de heri por parte do narrador:

    Quem, na idade de pouco mais de trinta anos, j viajou tantasvezes desde o golfo do Prata por entre nvias regies at a fozdo Amazonas, e subiu em uma frgil barca, movida por umapequena mquina a vapor de fora de 8 cavalos, oitenta lguasde cachoeiras no rio Araguaia e pode dizer a seus compatriotasque j arcou mil vezes com a morte, lutando quase simultanea-mente com ndios bravos, com medonhas feras e ainda com fu-riosas e terrveis conflagraes dos elementos, aprendendo as

    lnguas e os dialectos selvagens, levando a civilizao ao deser-to e chegando a impor-se considerao e ao respeito dessasraas indomveis, merece realmente a admirao de todos queprezam o arrojo audacioso dos grandes homens, dos heris dotrabalho e da cincia, que so a um tempo a verdadeira glria dasua ptria e do sculo em que viveram!88

    Correndo perigos de morte quando imerso no mundo natural, o benigno

    viajante transforma-se em heri89e no deixa de fazer cincia. Dizendo de outro

    modo, as dificuldades em produzir conhecimento traduzem-se em herosmo e, a

    um s tempo, legitimam a cincia enquanto viso de mundo ao coloc-la comohorizonte a ser perseguido em detrimento de desertos, medonhas feras e raas

    indomveis que porventura apaream no caminho. Presente do mundo ilustrado

    ao incio do sculo XX, a crena de que a cincia pode ser utilitria e por conse-

    quncia vinculada aos imperativos civilizadores de um progresso econmico con-

    tribui para a justificao do herosmo inerente ao ato de viajar. Se ao estudar a

    atuao do primeiro diretor do Jardim Botnico, frei Leandro de Sacramento

    (1774-1829), Heloisa Bertol Domingues90evidencia um entrelaamento entre Bo-

    tnica e as necessidades prticas de progressos agrcolas, Margareth Lopes mostra

    que o cunho aplicativo das cincias naturais possibilitou que o Museu Nacional

    funcionasse,

    87CARVALHO, 1994.88 ZALUAR, 1994, p. 86.89 Sobre as perspectivas de heri presentes na literatura, ver: CEIA,C (coord.).E-Dicionrio de

    termos literrios. Disponvel em:

    . Acessoem: 19/08/2013.90 DOMINGUES, 1995.

  • 7/26/2019 Dissertao_Lucas de Melo Andrade_SISBIN

    39/188

    37

    desde seus primeiros anos at praticamente o final do sculo[XIX], como um rgo consultor governamental para assuntosde Geologia, minerao e recursos naturais. Da decorreu a im-portncia de seu laboratrio de anlises, das amostras de sua co-leo que orientariam viagens [...]. A significao dessa rea deconhecimentos no Museu levou, inclusive, a que ao longo demuitos anos, seus diretores fossem escolhidos exatamente emfuno de seus conhecimentos qumicos, mineralgicos e geo-lgicos.91

    Ao finalizar o livro, o narrador atribui uma clara conotao utilitria ex-

    pedio empreendida pelo heri Benignus e seus companheiros. Ao jovem Fron-

    ville, o doutor Benignus e o