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Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 158-169.
A MANIPULAÇÃO DOS SABERES NA CONSTRUÇÃO DE UMA HISTÓRIA LOCAL1
Iranilson Pereira de Melo2
Resumo: O presente trabalho teve por objetivo discutir como a historia da cidade de João Câmara vem sendo apresentada na sociedade camaraense, seja ela no legislativo, nas esquinas, e principalmente, nas escolas, que após a institucionalização (obrigatoriedade) do ensino de historia local na rede municipal de ensino da cidade regida pela Lei nº 283/2009; tomam como base para a construção dos discursos, as escritas memorialistas, com predominância do autor Aldo Torquato da Silva com três livros publicados e aproximadamente 3 mil obras em circulação; sendo entendidas como verdades absolutas, verdadeiros manuais sobre a história da cidade. Conclui-se, então, que a utilização destes livros sem que haja uma problematização do seu conteúdo, rompem com os princípios que norteiam o ato de se pensar e ensinar história que se propõem a construção de conhecimento crítico reflexivo, que possibilitaria a compreensão e intervenção do individuo na sociedade. Palavras-chave: Historia local, memorialista, ensino.
Resumo: El presente trabajo tuvo por objetivo discutir como la historia de la ciudad de João Cámara viene siendo presentada en la sociedad camaraense, sea ella en el legislativo, em las calles, y principalmente, en las escuelas, que después de la institucionalización (obligación) de la enseñanza de historia local en la red municipal de enseñanza de la ciudad regida por la Ley nº 283/2009; toman como base para la construcción de los discursos, las escrituras escritores de memorias, con predominancia del autor Aldo Torquato de Silva con tres libros publicados y aproximadamente 3 mil obras en circulación; siendo entendidas como verdades absolutas, verdaderos manuales sobre la historia de la ciudad. Se concluye, entonces, que la utilización de estos libros sin que haya una problemática de su contenido, rompen con los principios que orientan el acto de pensarse y enseñar historia que se proponen la construcción de conocimiento crítico pensativo, que posibilitaría la comprensión e intervención de la persona en la sociedad. Palabras-chave: Historia local, escritores de memorias, enseñanza.
INTRODUÇÃO 1 Recebido em 02/10/2013. Aprovado em 15/11/2013.
2 Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Núcleo Avançado de Ensino Superior de João Câmara. E-mail: [email protected]
Iranilson Pereira de Melo
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As discussões sobre o local, na cidade de João Câmara, como em outras
cidades; ascendem em produções principalmente memorialistas exaltando grandes
nomes, famílias... “um espelho de uma história tradicional” de meados do século
passado, apresentando pouco rigor cientifico levando em consideração que seus
principais escritores fazem parte de famílias influentes da cidade, ou ainda
políticos com mandatos no poder legislativos na cidade no presente ou no passado.
Quando se trata de história local sobre a cidade de João Câmara, a
principal fonte são os livros do escritor Aldo Torquato, tomados como manuais,
verdadeiras “bíblias” sobre a cidade: São os livros “Baixa-Verde: Fatos, Causos e
Coisas” (2004) “Baixa-Verde Raízes de nossa história” (2009), e “Baixa-Verde –
outras histórias”. Em seu primeiro livro, “Baixa-Verde: fatos, Causos e Coisas”, o
autor busca mostrar, em um primeiro momento, os fatos ocorridos na história da
cidade. Ele usa o termo “fato” para dar certa consistência e credibilidade a sua fala
quando o texto trata de assuntos como a fundação da cidade Baixa-Verde,
buscando o cerne da história da cidade, apresentando grandes fatos, e fortes
nomes políticos. Na segunda parte ele busca apresentar histórias que eram
contadas, sejam elas engraçadas, como os relatos do Chico da Bomba, e, por último,
em seu terceiro capitulo intitulado “Coisas”, o autor destina este espaço para
apresentar momentos vividos por ele em diversos momentos da sua vida, como: as
brincadeiras do seu tempo de criança, as histórias de assombração que eram
contadas e aterroriza as suas noites e dos seus parentes quando crianças, a
conquista da primeira moto, entre outras histórias, Aldo Torquato também
apresenta nomes de significância na cidade, fotos etc.
Já em seu segundo livro ele busca compilar, de forma pretensiosa, obras
como: “Baixa-Verde: fatos, causos e coisas” (2004) – Autor: Aldo Torquato –;
“História De Um Homem (João Severiano da Câmara)” (1954) – Autor: “Câmara
Cascudo -; Vertentes (Memórias)”(1976) – Autor: João Maria Furtado; “Baixa-
Verde: Ontem, Hoje e Amanhã” (2002) – Autor: Paulo Alexandre Da Silva; “Baixa-
Verde: Retalhos da sua História” (1990) – Autor: Paulo Pereira Dos Santos; “Um
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Homem Admirável” (1997) – Autor: Paulo Pereira Dos Santos; “Páginas Do
Tempo”( 2005) – Autor: Paulo Pereira Dos Santos.
Em seu terceiro livro, ele busca apresentar certo rigor à sua escrita,
deixando claro que será apresentado um ponto de vista sobre a história de João
Câmara, bem como a “isenção” no papel como escritor, quando diz que “A tarefa de
aprofundamento dos temas tratados neste livro é o desafio que proponho aos
historiadores, pesquisadores e curiosos presentes e futuros”, (TORQUATO, 2012:
17). Contudo, no decorrer do livro, o autor demonstra explicitamente sua presença
dentro da história local, bem como nomes, datas etc.
O presente trabalho traz como tema: “A manipulação dos saberes na
construção de uma história local”. A cidade de João Câmara, não distante de outros
municípios visando perpetuar sua história, e percebendo que a escola seria o
melhor espaço de (re)produzir estas acepções, cria a “Lei nº 283 de junho de 2009,
que estabelece a obrigatoriedade do Ensino de História do Município na rede
municipal de ensino e das outras províncias”, e posteriormente, em 03 de março de
2010, sob o projeto de Lei nº 01 “[que] tem como princípio anexar um parágrafo ao
artigo 2º da Lei municipal nº 283 de junho de 2009, está abarcando além das aulas,
agora, medidas preventivas no tocante aos abalos sísmicos do Município de João
Câmara” (MELO, 2013). É importante apontar que este “ensino de História Local”
se dá dentro da prerrogativa, segundo a qual, deve ser destinado no mínimo de 10
horas/aulas por ano para esta discussão, estando correlata a disciplina de História
do Rio Grande do Norte.
Para tanto, objetivou-se com o presente estudo compreender as
intencionalidades que envolvem a institucionalização da lei, de modo, a refletir
sobre incorporação de novos recursos (didáticos e paradidáticos) que possibilitem
o estudo da história local, tais como: o jornal, poema, vídeos na busca para
entendermos os abalos sísmicos ocorridos em 1986 na cidade de João Câmara;
para assim, permitir a construção de um conhecimento mais prazeroso para o
alunado, permitindo a estes discentes sentirem-se participantes na construção da
historia da sua cidade.
MATERIAIS E MÉTODOS
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O presente trabalho tem como proposta para o seu desenvolvimento o
método comparativo/analítico, pois não apenas comparamos os discursos como
também procedemos a sua analise, tentando desvendar sua ordem utilizando de
leitura de teóricos e de memorialistas para a problematização do conhecimento
que vem sendo inseridos em sala de aula, possibilitando a construção de um
estudo que forneça recursos para se pensar a historia local partindo do principio
do que esta sendo imposto como verdades na cidade de João Câmara, em
consonância a estruturação de meios que problematizem este espaço, e ainda, seja
uma fonte para o desenvolvimento do meio no ato de se ensinar a historia da
cidade.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os discursos reproduzidos pela população baixaverdense/camaraense,
pelo poder legislativo, nas esquinas e ainda nas escolas, se assemelham aos
discursos produzidos pelos memorialistas, gerando certas inquietações, pelo fato
de muitas vezes esses discursos reproduzidos serem constantemente repetidos
sem ser realizada uma análise, tidos, assim, como verdade, ou seja, um discurso
predominante, imutável às anuências do tempo e espaço, reafirmado pela
sociedade, por seus comportamento e valores que geram um aprisionamento do
indivíduo, como nos apresenta Foucault:
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade, isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros..., os meios pelo qual cada um deles é sancionado, as técnicas e procedimentos valorizados na aquisição da verdade; o status daqueles que estão encarregados de dizer o que conta como verdadeiro. (FOUCAULT, 1979)
Não é objetivo desse trabalho “dizer” que o modo como se vem
produzindo/contando a “história” na cidade João Câmara é falsa ou mentirosa, mas
sim, dizer que essa história (re)produzida é passível de ser estudada, (re)pensada,
e problematizada. Almeida (2010) nos faz pensar esses aspectos quanto em seu
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texto ela diz sobre a produção de conhecimento cientifico e sua complexibilidade:
“[...] longe do equilíbrio, dinâmicos e em grande parte imprevisíveis, o rigor não
poderá ser outra coisa senão um modo de falar do fenômeno que se caracteriza
pela mutabilidade e abertura [...]” (ALMEIDA, 2010: 33). Isto se dá como a própria
autora apresenta, sob uma metáfora – “a historia contada é apenas a parte visível
de um imenso iceberg” (ALMEIDA, 2010). Podemos entender, então, que a
utilização de fontes, tais como: jornal, arquivos, monumentos, juntamente com o
dialogo com outras ciências/disciplinas e a utilização rigor teórico-metodológico
respaldado cientificamente possibilitaria novas (re)interpretação de um dado fato,
consolidado como verdade imutável, e abrindo uma série de problematizações
possíveis para um mesmo fato, expondo versões e visões até então não pensadas,
para a construção de uma “nova” história.
A construção escrita de história local geralmente é apresentada por
memorialistas, pois, costumeiramente, os historiadores dão maior atenção a
histórias macro. Sendo populares influentes (advogados, médicos, políticos) os
principais escritores locais, contudo, estes não conseguem condensar as
características cientificistas necessárias para academia. Nesta perspectiva, Certeau
argumenta que “Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de
produção socioeconômico, político e cultural” (CERTEAU, 2002: 62). Ou seja, a
partir da definição de uma temática, o autor faz um recorte que possibilitará na sua
escrita apresentar questões relativas às aproximações e distanciamentos que ele,
como autor, deixará explicito ou implícito em seu texto, bem como o seu “lugar
social” (posicionamento na sociedade), “uma prática” (a utilização de arquivos e
das fontes e posterior analise) e “uma escrita” (sistematização do conhecimento).
Este conjunto de fatores permite construir e discutir a história, utilizando os
diversos lugares, sobre questionamentos coerentes que poderão auxiliar na
compreensão e posterior disseminação do trabalho historiográfico pronto, ainda
que apenas para aquele momento. Assim, percebemos que as produções
acadêmicas utilizam-se como base para o seu desenvolvimento as fontes, a episte e
o lugar, dialogando entre si, buscando no e do historiador a imparcialidade, para
posterior concretização e construção da escrita.
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Contudo, notou-se na cidade de João Câmara, que na busca da
disseminação da história da cidade institui a obrigatoriedade do Ensino de história
local. Em parte, a inserção do conteúdo local nas escolas municipais de forma
obrigatória pretende apresentar questões deixadas de lado pelos grandes recortes
adotados nos livros didáticos, contemplando histórias negadas, histórias que são
deixadas de lado que deixam aparecer figuras populares, fatos significativos para a
comunidade. Ainda que a história local apresentada na cidade de João Câmara
consiga apresentar questões locais, problematizando-as, existe, na realidade, um
verdadeiro jogo de interesses, pois o então redator da Lei nº 283/09, o Sr. Aldo
Torquato, presidente da Câmara (no período de aprovação da lei), vereador com 5
mandatos no Legislativo, ex-prefeito, escritor de 3 obras memorialistas sobre a
cidade de João Câmara, institui aos professores a obrigatoriedade de se destinar
no mínimo de 10 horas/aulas por ano para a discussão local. Desse modo, o autor
da lei (escritor, político) defende sua memória, contando histórias sempre
dominantes à sua vivência, buscando compor uma identidade camaraense
unificada, partindo muitas vezes do “EU” (Aldo Torquato), de sua vivência na
construção dos seus livros, em que os títulos publicados por Aldo Torquato são as
principais fontes de estudos sobre João Câmara, rompendo com princípios
norteadores da prática do ensino de história.
O escritor/memorialista em sua escrita discorre e expõem todos os seus
desejos e anseios, mostrando a sua vida de modo que o leitor chega a confundir a
vida do autor com a história da cidade. Esse texto foi extraído do seu primeiro
livro, “Baixa-Verde fatos, causos e coisas” e inserido no livro “Baixa-Verde Raízes
de nossa história”, como os primeiros capítulos. É notória tal afirmação em certas
passagens do seu texto, tais como:
Como já tive a oportunidade de mencionar anteriormente, os habitantes de Assunção chamavam o lugar onde a estrada de ferro se instalara simplesmente de Matas, porém os novos habitantes preferiram denominá-lo de Baixa-Verde, por situar-se em uma região de baixo relevo e solo arenoso, coberto por uma gramínea sempre verde, mesmo nas épocas de secas mais intensas. Coube ao Dr. Antônio Proença oficializar o nome Baixa-Verde apondo-o na fachada da Estação Ferroviária que construíra. Na chamada
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“graminha”, até os vinte e cinco anos, joguei “peladas” inesquecíveis. (TORQUATO, 2009) (grifo do autor).
No parágrafo seguinte mostra a presença de sua família desde os
“primórdios” (título dado pelo autor ao capítulo) da cidade:
Pouco depois da chegada da estrada de ferro, chegaram a Baixa-Verde, entre os anos de 1915 e 1920, meu avô, Pedro Torquato, vindo da região conhecida como beira-do-rio e Antônio Justino de Souza, entre tantos outros desbravadores. Foi também por aquele tempo que nasceu no lugar um menino a quem os pais deram o nome de Gumercindo Saraiva, que se fez músico, comerciante e folclorista, há alguns anos falecido em Natal, onde ainda moram sua esposa e seus filhos. Gumercindo foi amigo de infância de meu pai, Abdon Torquato. (TORQUATO, 2009) (grifo do autor).
Não diferente do seu terceiro livro, que usa de dois textos em forma
literária para apresentar a sua história e a história da cidade, no capítulo Na
Fazenda de Santa Rosa e no capitulo seguinte, Retalhos do Caminhar de uma família
nordestina.
E segue em seu texto fazendo em certos momentos menção a ele (Aldo) e
sua família, buscando instituir sua vivência, a sua memória, para o coletivo, onde
Halbwachs reflete: “toda memória coletiva tem como suporte um grupo limitado
no tempo e no espaço” (HALBWACHS, 2006: 106), Esta se apresenta de forma
implícita, ou explicitamente, nas diversas camadas da sociedade (re)afirmando um
molde estruturante da mesma. Estruturante por que esta memória se consolida
como verdade “indiscutível” e genealógica3, onde “são mascarados os defeitos e
enaltecidas as qualidades” (HALBWACHS, 2006: 143). Por tanto, o
compartilhamento que vai para além do indivíduo compõe um ambiente de
comunhão de saberes internalizados pelos indivíduos, que objetivam um
sentimento de pertença ao local, ainda que este local não exista fisicamente.
Estas relações de pertença que são impostas, desenvolvidas e
disseminadas em João Câmara são (re)afirmadas pela repetição nos diversos meios
3“Ela é a consciência de pertencer a uma cadeia de gerações sucessivas das quais o grupo ou o indivíduo se sente mais ou menos herdeiro”. (CANDAU, 2012: 142)
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de diálogo deste conhecimento, tendo em sua finalidade, como já citado
anteriormente, uma “construção cultural”, por meio dos “fatos, dos causos, e das
coisas”, estabelecida nas relações de identidade para com a cidade vista pelo olhar
do autor memorialista. Para tanto, Hall analisa as acepções relacionadas a
identidade cultural:
[...] ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “ parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais queeles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e previsíveis. (HALL, 2011)
As adversidades presentes ainda que nos pequenos espaços, no local, são
indeterminadas e substancialmente singulares, mesmo por que, estas relações de
identidade(s) de um dado local são compostas por memórias diversas, não
homogêneas, sendo as experiências de cada individuo parte integrante da história
do espaço que ele pertence; negligenciá-la, sem perguntar: “Quando?”, “Por quê?”,
“Fundado e embaso em quê?”, ou seja, não problematizá-lo segundo as
(re)produções e pensamento elitizado, aceitando pensamentos e reflexões de um
dado grupo de forma passiva, sem manifestar seus desejos e anseios nessa história,
culmina num “fechar de portas” para outros tantos “fatos, causos e coisas”.
Neste momento é importante que distingamos a memória e a história.
Pierre Nora diz:
[...] A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas realizações.[...] [decontraponto] A história [por ser uma produção] intelectual e laicizante, demanda análise e discurso critico [...] A memória instala a lembrança de um grupo que une. [...] A história, ao contrario, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal (NORA, 1981).
Podemos, então, afirmar que os livros: “Baixa-Verde: Fatos, Causos e
Coisas” (2004), “Baixa-Verde Raízes de nossa história” (2009) e “Baixa-Verde –
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outras histórias” (2012) têm suas características essencialmente atreladas à
memória de um dado grupo, ainda, que dentro desse processo dialético, esse
constructo apresente lacunas que a memória apresenta, a serem estudadas,
problematizadas e historicizadas, tornando, neste caso, o local factível para a
história.
Assim, a inserção desses livros memorialistas nas salas de aula, tomados
como verdades, devem atentar a essas particularidades do discurso pensado pelo
autor, bem como o seu desejo de reproduzir as suas análises, de quem e do que é
bom ou ruim para cidade. Dentro desta proposta, “(...) o professor pode deixar
[aflorar, na utilização desses livros] as contradições, identificá-las, problematizá-
las e compreendê-las, com criatividade e criticidade, um processo de ensino
aprendizagem livre de preconceitos e estereótipos” (FONSECA, 2003: 167),
visando a ampliação dos horizontes na utilização dos livros. Desde que
questionados, mediante o diálogo com documentos, há aberturas para uma nova
escrita e interpretação da história contada; e ainda, compreendendo estes (os
documentos – jornais, fotos, poesia, cordel, vídeos) como uma possibilidade de
recurso a ser inserida dentro do contexto escolar, visando auxiliar a prática
docente, que se apresenta no livro memorialista que por diversas vezes compõem
“o” instrumento nas aulas, ao se tratar de história local na cidade de forma
dominante na construção dos discursos. Para tanto, os recursos paradidáticos
possibilitam uma análise e distanciamento das ideias memorialistas possibilitando
a construção do saber mais isento e menos pragmático compactuado nos livros do
autor Aldo Torquato.
CONCLUSÃO
Diante do caminho percorrido neste trabalho, pode-se concluir que a
influência da figura do memorialista na escrita da história local e na influência que
ele exerce na sociedade é inegável, mesmo por que esses pequenos recortes
espaciais, o local, pouco tem interessado aos estudiosos e suas respectivas
publicações a abordar questões, muitas vezes simplistas, que muitas vezes não
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excederia aos limites da própria cidade, cabendo, assim, muitas vezes aos
trabalhos monográficos atenderem essa demanda para com o conhecimento local.
A grande questão que se deve atentar para com a leitura dos livros do
autor Aldo Torquato na cidade João Câmara é a tomada dos discursos
apresentados por ele (Aldo Torquato) como verdades, ou melhor, sem
problematizá-los, sem questionar os discursos que chegam até a população. A
escrita memorialista, como o próprio nome sugere, se trata de memórias, ou seja, a
organização de memórias divulgadas, disseminadas e, neste caso, publicadas. São 3
títulos publicados, sendo eles Baixa-Verde: Fatos, Causos e Coisas (2004), Baixa-
Verde Raízes da nossa história (2009), e Baixa-Verde – outras histórias (2012),
circulando na cidade aproximadamente 3.000 mil cópias. O método utilizado por
Aldo Torquato não condensa as características necessárias para academia, e a
utilização destes livros sem questioná-los, sem usar fontes alternativas, para
afirmar ou apresentar outras versões sobre os fatos, acaba condenando ao
descrédito as informações.
Por tanto, verificou-se, ao longo da elaboração dessa pesquisa, que se deve
ir além dos livros: Fatos, Causos e Coisas (2004), Baixa-Verde Raízes da nossa
história (2009), e Baixa-Verde – outras histórias (2012), mas também destaco que
estes são importantes: estes livros não devem ser excluídos da construção da
história da cidade de João Câmara, mas, sim, manter um diálogo com outros
recursos que possibilite tornar o local mais compreensível, como jornais, poesia,
cordel, vídeo etc. Cada temática exige sua especificidade, cabendo ao
professor/aluno/popular buscar os recursos possíveis para tornar a sua aula, e o
seu discurso mais prazeroso, sem as longas repetições de uma história tradicional.
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