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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES DESIGN E CULTURA: UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO STRICTU SENSU São Paulo 2013

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES

DESIGN E CULTURA:

UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN

PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO STRICTU SENSU

São Paulo

2013

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES

DESIGN E CULTURA:

UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós

Graduação Strictu Sensu em Design – Mestrado,

da Universidade Anhembi Morumbi como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Design na linha de Pesquisa em Design, Arte e

Moda: Inter-Relações.

Orientador: Profª Drª Márcia Merlo.

São Paulo

2013

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES

DESIGN E CULTURA:

UM OLHAR SOBRE O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós

Graduação Strictu Sensu em Design – Mestrado,

da Universidade Anhembi Morumbi como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Design na linha de Pesquisa em Design, Arte e

Moda: Inter-Relações. Aprovada pela seguinte

Banca Examinadora:

Profª Drª Marcia Merlo

Orientadora

Universidade Anhembi Morumbi

Profº Drº. Paulo Roberto Monteiro de Araújo

Examinador Externo

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profª Drª Ana Mae Tavares Bastos Barbosa

Examinadora Interna

Universidade Anhembi Morumbi

São Paulo

2013

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do

trabalho sem a autorização da Universidade, do autor e do orientador.

LÍLIA TEREZA DINIZ NUNES

Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi, com dissertação incluida na

Linha de Pesquisa:Design Arte e Moda sob o titulo: Design e Cultura um olhar sobre

artesanato de capim dourado. Graduada em Moda pelo Centro Universitário das

Faculdades Metropolitanas Unidas (2010) com a monografia desenvolvida no

segmento de acessórios sob o título: O Ouro do Jalapão. Vem aprofundando seus

estudos na interdisciplinaridade entre a moda,arte,design e cotidiano e principalmente

no estudo da interação do design com o artesanato.

N926d Nunes, Lília Tereza Diniz Design e cultura: um olhar sobre o artesanato de Capim

Dourado / Lília Tereza Diniz Nunes. – 2013. 132 f.: il.; 30 cm.

Orientador: Profª Drª. Márcia Merlo. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 118-127.

1. Design. 2. Artesanato. 3. Cultura. 4. Patrimônio. 5. Inter-

relações. I. Título.

CDD 741.6

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AGRADECIMENTOS

Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer à Deus supremo artesão do Universo, pela

vida em sua plenitude e pelo amor imensurável.

Aos meus pais pelo apoio, incentivo incondicional e pelas privações materiais em prol

da minha formação.

À minha mãe em especial, pela amizade, compreensão, calma e segurança que me

ajudaram, nos momentos mais turbulentos, a descobrir um modo de vencer. Pelo amor

dedicado a mim em todos os dias da minha vida, e por nunca ter duvidado do meu

potencial, principalmente nos momentos em que eu mesma duvidei.

Ao meu pai em especial, pelo amor, cuidado e incentivo que direcionaram meus

esforços para o desenvolvimento desse mestrado. Por me dar todo o suporte necessário

para encaminhar meus sonhos muito além do que imaginei para a minha tenra idade.

Ao Nyder, meu amado noivo e amigo, por todo amor, companheirismo, dedicação e

principalmente paciência nesses dois anos. Por todo incentivo, ajuda e apoio nos

momentos de crises e de alegrias. Por estar presente, mesmo ausente.

Aos meus familiares e irmãos da igreja por todo carinho e orações diárias. Ao meu

amado irmão Isaias e minha cunhada Fabiana, por todo amor, orações, e por

abrilhantarem os momentos finais do meu mestrado, me dando o prazer de poder ser tia.

À querida mestre, professora, orientadora e amiga Márcia Merlo, que fez mais do que

jus à sua posição como orientadora, me ajudando a compreender meu objeto de estudo

em uma dimensão e magnitude maiores do que eu imaginava alcançar. Pela calma e

paciência com meus devaneios idealistas, me ajudando a encontrar o meu EU

acadêmico dentro de tantos outros EUS românticos.

Aos professores convidados para a banca, Profª Drª Ana Mei Bastos Barbosa e Profº

Drº. Paulo Roberto Monteiro de Araújo por emprestarem seu tempo e seu conhecimento

para enriquecer ainda mais minha pesquisa.

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Aos professores e colegas do mestrado, por todo aprendizado e por compartilharem

comigo sua experiência, seu tempo e suas histórias.

À Antônia, querida amiga e ajudadora, pelo seu papel fundamental na resolução de

todos os problemas possíveis e impossíveis que surgiram no âmbito acadêmico ao longo

desse período, se mostrando sempre pronta a auxiliar no que fosse preciso.

À Elidia, querida revisora, que apareceu nos últimos momentos mas cuja contribuição

foi valiosa para a conclusão do texto.

A todos os entrevistados nessa pesquisa, em especial à designer Heloísa Crocco pela

prontidão e disponibilidade em responder todas as questões e tantas outras questões que

levantei.

Enfim, a todos que contribuíram de forma direta ou indireta para a conclusão da minha

pesquisa científica, o meu muito obrigada.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho à comunidade quilombola da Mumbuca e todos os seus

membros, que me acolheram, me ouviram, se fizeram ouvir e compartilharam comigo

suas histórias, suas lutas e suas vidas.

Dedico-o também a todos os que foram e são culturalmente renegados; aos negros,

amarelos, brancos e vermelhos; aos silenciados, aos reprimidos, aos negligenciados;

aos povos tradicionais esquecidos e depreciados; à voz da singularidade que ecoa em

tantas histórias suprimidas dos livros acadêmicos. A esses indivíduos maravilhosos,

que constituem não só o meu foco de estudo, mas também o meu objetivo de vida, a

esses tantos, dedico o meu trabalho.

Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios

supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa

que os supliciou. A mais terrível de nossas heranças é esta de levar

sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a

explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce,

ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar,

seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém,

provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para

conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária. (DARCY

RIBEIRO, 1995, p.120).

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RESUMO

Nos últimos anos, têm se popularizado iniciativas que visam à inclusão social por meio

de práticas criativas. Com olhos postos no desenvolvimento socioeconômico,

manutenção e autonomia de comunidades artesãs, essas iniciativas têm incorporado o

design, visando inserir conceitos na produção artesanal e proporcionar melhor aceitação

dos produtos desses grupos pelo mercado. Mais do que o cunho estético, o intuito é

apresentá-lo como ferramenta utilizada em parceria com outras áreas. Nesse sentido, a

Constituição Federal de 1988 ampliou o entendimento de bens culturais, incluindo a

representação manual no patrimônio brasileiro, tornando-a passível de preservação.

Contudo, essas interações não parecem propor um retorno simplista ao fazer artesanal, e

sim uma inversão do olhar balizada pelo respeito e a criatividade. No presente estudo,

também se procurou entender as relações entre artesanato e cultura material,

posicionando o artesanato como parte dela e como produto cultural diferenciado. Um

breve estudo sobre as principais ações de design em comunidades no Brasil estabeleceu

análise crítica e comparativa, baseada em estudo de caso acerca da comunidade da

Mumbuca, estado do Tocantins – comunidade remanescente quilombola com heranças

indígenas, conhecida pelo artesanato com capim dourado. A pesquisa é exploratória e

descritiva, por métodos qualitativos e balizados pela antropologia, através da

observação participante. A área da Mumbuca foi incluída no recém-formado parque

estadual do Jalapão, e seus esforços por sobrevivência, emancipação e manutenção das

tradições foram contempladas no estudo de caso, buscando compreender a dinâmica

social e cultural da comunidade e o significado da inserção de conceitos de design em

sua produção artesanal tradicional. Foi possível perceber que mais que uma prática

laborativa, o artesanato produzido pela Mumbuca é dotado de valores simbólicos, como

afirmação de identidade e preservação de heranças. A comunidade apresentou

acessibilidade ao design, embora com queixas recorrentes quanto à falta de diálogo

entre a comunidade e os órgãos responsáveis pelas tais oficinas de design. Por

intermédio da pesquisa de campo foi possível perceber e compreender a importância dos

artesãos como mentes criativas e sujeitos atuantes nos processos interativos que vêm

sendo desenvolvidos na comunidade à que pertencem.

Palavras-chave: design. artesanato. cultura. patrimônio. inter-relações.

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ABSTRACT

In recent years, initiatives aimed at social inclusion through creative practices have

become popular. With eyes set on socioeconomic development, maintenance and

autonomy of artisan communities, these initiatives have incorporated design so as to

insert its concepts in handicraft production and improve acceptance of these groups’

products on the part of the market. More than the aesthetic nature, the intent is to

present design as a tool to be shared with other areas. In this sense, the 1988

Constitution has expanded the concept of cultural goods, including handmade

representation on the Brazilian heritage, making it set for preservation. However, these

interactions do not seem to propose a mere return to craftsmanship, but a reversal

parameterized by respect and creativity. The present study has also sought to

understand the relationships between craftsmanship and material culture, placing craft

as part of it and as a distinguished cultural product. A brief study of the major design

initiatives in Brazilian communities has established a critical and comparative analysis,

based on a case study about the Mumbuca community, in the state of Tocantins – a

community remaining from a Quilombo, with indigenous heritage, acknowledged for

handicrafts with golden grass. The exploratory and descriptive research is marked by

qualitative methods, anthropological fundaments, supported by participant observation.

The area of Mumbuca has been incorporated into the newly formed Jalapão State Park

and the community efforts for survival, emancipation and maintenance of traditions

were included in the case study, in an attempt to understand their social and cultural

dynamics and the role played by the insertion of design concepts in their traditional

craft production. More than a work practice, it became clear that crafts produced by

Mumbuca are endowed with symbolic values, as an affirmation of identity and heritage.

Design is fluid in the community, although with recurrent complaints about the lack of

dialogue between the community and the agencies responsible for design workshops.

Through field research was possible to perceive and understand the importance of

artisans as creative minds and working individuals in interactive processes that have

been developed in the community to which they belong.

Key words: design. handicraft. culture. heritage. interrelations.

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Artista que não seja bom artesão, não é que

não possa ser artista; simplesmente, ele

não é artista bom. E desde que vá se

tornando verdadeiramente artista, é porque

concomitantemente está se tornando

artesão.

(Mário de Andrade, 1938)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO SOCIAL ...................... 20

1.1 RELAÇÕES HISTÓRICAS ............................................................................ 20

1.2 COMPREENDENDO O ARTESANATO ...................................................... 23

1.2.1 Origem e Características ........................................................................... 23

1.2.2 Tipos de Artesanato .................................................................................. 24

1.2.3 Interações entre design e artesanato nos dias atuais ................................. 26

1.2.4 Principais programas brasileiros de desenvolvimento do artesanato ligado

ao design .................................................................................................................. 34

CAPÍTULO 2 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO POLÍTICA E

(I)MATERIAL ............................................................................................................... 55

2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .......................................................... 55

2.2 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL ................................................... 57

2.2.1 Conhecimentos Tradicionais .................................................................... 58

2.3 PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO .................................................................. 59

2.4 CULTURA MATERIAL ................................................................................. 62

2.5 CONSUMO DE VALORES SIMBÓLICOS .................................................. 68

CAPÍTULO 3 – DESIGN E ARTESANATO: O CAPIM DOURADO DA MUMBUCA . 75

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................... 75

3.2 O PARQUE ESTADUAL DO JALAPÃO ...................................................... 77

3.3 REMANESCENTES QUILOMBOLAS ......................................................... 78

3.3.1 Avanços e Conflitos ................................................................................. 80

3.4 A COMUNIDADE MUMBUCA .................................................................... 82

3.5 O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO .................................................. 83

3.5.1 Importância Socioeconômica ................................................................... 85

3.5.2 Conservação Ambiental ............................................................................ 87

3.5.3 Registro de Indicação Geográfica ............................................................ 89

3.6 ARTESANATO E AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADE ................................... 90

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3.7 A QUESTÃO DO DESIGN ............................................................................ 96

3.7.1 Contato e Percepção do “Design” ............................................................ 96

3.7.2 Oficinas ..................................................................................................... 99

3.7.3 Continuidade ........................................................................................... 101

3.7.4 Identificando Aproximações ................................................................. 102

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 113

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 119

ANEXO 1 – LEI nº 2.186 ............................................................................................. 129

ANEXO 2 – LEI nº 1.203 ............................................................................................. 130

ANEXO 3 – Fundação Palmares reconhece a comunidade Mumbuca como remanescente de

Quilombos ..................................................................................................................... 132

ANEXO 4 – Portaria Naturatins nº 362 ........................................................................ 133

ANEXO 5 – Entrevista com a designer Heloísa Crocco ............................................. 133

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INTRODUÇÃO

Penso que as técnicas manuais são o passado, e agora são o

futuro. São artes tradicionais e de infinitas possibilidades para as

quais eu oferto a minha visão. Essa fantástica combinação de

uma agulha, fios, mãos e mente presente me encanta

sobremaneira e meu esforço em renovar a técnica é, além de

realização pessoal e crença, uma vontade sincera de que a

técnica se mantenha viva, carregando consigo a mudança dos

tempos. (RÖDEL, 2010)

É com esse pensamento que introduzo o assunto do presente estudo: os

envolvimentos e desdobramentos de uma prática em processo de intensificação no

Brasil, que são as intervenções de design junto a comunidades de artesanato, e seu papel

social e cultural.

O artesanato é uma tradicional forma de manifestação cultural, mas como tudo

que atravessa o tempo, acaba por se renovar de alguma maneira. Esse parece ser um dos

papéis possíveis do design, identificado nesta pesquisa – o de trabalhar em conjunto

com comunidades artesãs para identificar e propor soluções técnicas ou ainda estético-

formais e novos conceitos para essa técnica milenar, formando parcerias que

possibilitem a emancipação e o desenvolvimento do artesanato, bem como novas

oportunidades para o feito-à-mão dentro da indústria.

Podemos perceber que, em todo o mundo, é crescente o apelo por novas

expressões, por soluções inovadoras que tragam maior vitalidade ao artesanato1

(MAYWORM, 2009), seja pela globalização e as transformações sociais e culturais que

acabaram por homogeneizar a produção, ou pela percepção de atingir esse mercado

global por meio da tradição cultural que vem sendo usada para a criação de um design

de forte identidade. Bomfim (1999, p. 151) aponta que

A cultura de uma sociedade é formada pela produção de seus bens e

valores que, através das coordenadas cronológicas e cosmológicas,

caracterizam as identidades das pessoas. A atividade artística, por

excelência uma das manifestações culturais mais expressivas de uma

sociedade, oferece exemplos dos diferentes modos de percepção e

apropriação da realidade.

1 Hoje o artesanato voltou a ser valorizado. A peça única tornou-se o contraponto natural à uniformização

tecnológica em série, à mecanização, à padronização. Por isso, o artesanato é identidade, pois promove

o resgate cultural, a valorização do humano e a preservação dos costumes regionais e do folclore em

geral (MAYWORM, 2009, p. 12).

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Esses vínculos são mais amplos do que a prática industrial e a prática artesanal,

são relações entre design, cultura (material/imaterial) e sociedade. A esse respeito,

Bomfim acrescenta:

O design, entendido como matéria conformada, participa da criação

cultural, ou seja, o Design é uma práxis que confirma ou questiona a

cultura de uma determinada sociedade, o que caracteriza um

processo dialético entre mimese e poese. (1999, p. 150)

Nessas relações que o design estabelece com a cultura e a sociedade, ele

cumpre o papel aventado por Bomfim (ibid.) e, em conjunto com a prática artesanal,

confirma ou questiona a cultura local em que está inserido. É uma troca de saberes que

traz para o design o conhecimento da tradição, e para o artesanato a sua ampliação como

atividade. Porém, ao que parece, essas interações não propõem um retorno simplista ao

fazer artesanal, e sim uma inversão do olhar para criar um caminho de trocas possíveis,

balizado pelo respeito e a criatividade como determinantes.

Morace (2007, p. 19) ressalta que

Uma das dinâmicas mais profundas e relevantes que reportam à

globalização em curso diz respeito às modalidades de relacionamento

entre as diversas culturas e o papel que as pessoas e as empresas

mais desenvolvidas possam representar “na estratégia do colibri”,

isto é, na permanente “polinização criativa” entre culturas que, no

mundo das dinâmicas sociais, representam, no momento, a regra.

Esta pesquisa constatou o crescimento dessas ações de polinização criativa –

manifestadas aqui sob a forma de interações entre design e artesanato – e que políticas

de incentivo e fomento ao artesanato têm sido priorizadas por instituições públicas e

privadas, e realizadas de forma cada vez mais sistemática, aproximando o fazer manual

do design.

Apostando na modernização da produção artesanal, muitas instituições

fomentadoras do artesanato têm utilizado o processo de design como forma de

“resgatar” a tradição do fazer manual, defendendo que promovem o desenvolvimento

social e a emancipação das comunidades artesãs, as quais, com uma gama maior de

produtos, poderão atender também ao mercado e conseguir se manter frente às pressões

do mundo industrial e globalizado.

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Este estudo não visa a trazer mais uma discussão sobre os processos de

envolvimento entre esses eixos, ou ainda, os aspectos positivos e negativos dessas

aproximações. O objetivo é mostrar o crescente envolvimento, como ele tem se

realizado, sua importância no sentido de preservação do artesanato e desenvolvimento

social, formas de atuação no Brasil e um estudo de caso feito em uma comunidade

artesã tradicional.

Para discutir essas relações, é preciso levar em consideração a mudança na

profissão do designer, que adquiriu nova postura frente à sociedade, principalmente pela

adesão de conceitos como inclusão social, acessibilidade e desenvolvimento sustentável, e a

ampliação do conceito de bem cultural previsto na Carta Constitucional de 1988, cujo

art.216 passou a reconhecer o artesanato como parte integrante do nosso patrimônio cultural

material, e suas formas de expressão no que tange o patrimônio imaterial.

Juntos, esses fatores possibilitaram a criação de projetos para valorizar e

salvaguardar as práticas artesanais, muitas vezes utilizando o design como ferramenta

desses processos, o que levou à criação de um conceito de Design Social com um viés

humanístico, apontado na afirmativa de Bonsiepe (2005, p. 04), de que:

o humanismo projetual seria o exercício das faculdades do design

para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar

propostas viáveis emancipatórias em forma de artefatos instrumentais

e artefatos semióticos.

Fatores apontados também por Margolin e Margolin (2004, p. 46) propõem

uma Agenda Social para o exercício do design, que não vise exclusivamente ao mercado

e se transforme em um vetor de transformação social. Aplicado ao setor artesanal, isso

tem sido visto como um caminho para evitar a extinção do artesanato e incentivar o

desenvolvimento de comunidades artesãs.

É necessário lembrar também que a relação com o artesão não comporta

imposições. O designer deve reconhecer o valor da identidade cultural do artesanato,

partindo de critérios básicos de respeito às tradições locais e, em sua atuação, buscar o

desenvolvimento de produtos com valores comerciais agregados, porém sem perder os

valores culturais intrínsecos que distinguem o produto artesanal. Além dessa postura,

outro importante aspecto que precisa estar presente nesse trabalho é a continuidade do

processo de interação, que corresponde ao retorno dos designers às comunidades e ao

acompanhamento das atividades desenvolvidas.

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Alguns designers que vêm estabelecendo tais relações com o artesanato já se

autodenominam “designer de artesanato” e, segundo o Termo de Referência do

Artesanato (SEBRAE, 2004, p.23), o fruto de sua intervenção se define como

“artesanato de referência cultural”, ou também produto cultural, como designamos nesta

pesquisa. O que se origina desse processo é um produto diferenciado que atende a um

novo posicionamento do artesanato. Esse produto cultural vem suprir a lacuna da

identificação cultural e do pertencimento, ausentes na globalização.

O desenvolvimento desse produto, manifestado por meio dos valores inerentes

à sociedade em que está inserido, está intimamente ligado ao estudo de sua própria

cultura material, que conta sua história na produção dos artefatos e nos simbolismos a

eles ligados.

No estudo da cultura material por uma visão antropológica, percebeu-se uma

forma de encaixar o consumo como uma faceta dessa própria cultura, e o produto

cultural como sua principal moeda de troca. O mercado mundial volta seus olhares a

produtos culturalmente diferenciados, e nesse contexto, o artesanato fruto de

comunidades tradicionais tem se apresentado como um campo vasto de valores

simbólicos relacionados à singularidade e ao pertencimento.

Pensando nesse artefato artesanal de tradição, e sua valoração cultural e

simbólica, iniciou-se a busca por uma comunidade artesã tradicional, plena desses

simbolismos e que estivesse experimentando sistematicamente a interação de design,

para fazer dela objeto de um estudo de caso. Como a pesquisadora mora no estado do

Tocantins e vem desenvolvendo estudos acerca do artesanato do capim dourado desde a

graduação, a escolha por ele foi feita logo em primeira instância, tendo sido detectadas

inúmeras comunidades que trabalham com essa matéria prima. A definição da

comunidade Mumbuca se deu principalmente pelo fato de ela ser o berço do artesanato

e conservar sua identidade e tradição, mantendo-se ainda um pouco mais afastada e

fechada do que as comunidades do entorno, tanto por dificuldade de acesso quanto por

motivos culturais.

A comunidade artesã da Mumbuca é remanescente quilombola, reconhecida no

ano de 2003 pela Fundação Palmares2. Está situada em uma região que foi transformada

em parque – o Parque Estadual do Jalapão, TO. Essa inclusão de suas terras em uma

2

Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública vinculada ao Ministério da

Cultura, com a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira.

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reserva desencadeou uma série de processos para reconhecimento e titulação de terras,

na busca por manter sua existência e práticas.

O artesanato de capim dourado está intimamente ligado à cultura e ao

desenvolvimento local da comunidade, e passou a ser divulgado em todo o estado, em

grandes cidades brasileiras e também no exterior a partir de meados da década de 1990.

Chegou a ser tema do caderno +B, da ABEST (Associação Brasileira de Estilistas), sob

o título “Identidade Brasil – Verão 2013”, abordando um trabalho realizado em parceria

e com apoio do SEBRAE-Tocantins, retratado em três temas: Traço, GPS e Casulo. As

atividades com capim dourado se inserem no tema GPS.

Para o presente texto, o estudo da comunidade foi realizado em pesquisa de

campo sob a forma de visitas, entrevistas e observação acompanhada de gravações, com o

objetivo de traçar um perfil das interações de design que têm sido feitas e a resposta dos

artesãos a essas ações.

À luz da antropologia, o estudo revelou detalhes importantes dessa comunidade

tão remota e estabeleceu diálogo entre o pesquisador e o pesquisado, dando voz à

comunidade, que manifestou sua opinião sobre produção artesanal, tradição, cultura

local e a inclusão do design no processo produtivo local.

Foi possível perceber a importância do artesão, nesse caso o da Mumbuca,

como sujeito ativo e participante de todos os processos desenvolvidos na comunidade

para além de beneficiários sociais. Os artesãos demonstraram participação crítica e

efetiva em todas as mudanças propostas e apresentadas nas oficinas de design, filtrando

e aplicando somente as que pareceram pertinentes às suas realidades.

Antes do trabalho de campo, foram realizadas pesquisas bibliográficas e um

estudo sobre alguns dos principais programas de design vinculados ao artesanato no

Brasil, além de um estudo sobre alguns designers com atuação nesse segmento.

Pretendeu-se estabelecer os parâmetros para a análise crítica e comparativa entre tais

ações e a própria comunidade, identificando linhas de trabalho que vêm se

intensificando nessas relações.

Tentando abordar todos esses aspectos, a pesquisa procurou refletir sobre a

inserção do design na produção artesanal, sobre a existência ou não de contribuições

significativas por parte do design, sobre a importância do artesanato como patrimônio

passível de conservação, a utilização do design como ferramenta nesse processo, a

posição do artesão brasileiro frente a essas mudanças e seu lugar dentro da produção

industrial.

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Dessa forma, a presente dissertação está assim estruturada:

O primeiro capítulo – Design e artesanato: uma relação social – traz uma

leitura histórica das aproximações entre design e artesanato e o desenvolvimento de

iniciativas ligadas a essas aproximações. Apresenta também o estudo de instituições

públicas e privadas fomentadoras do artesanato, e introduz alguns designers que são

considerados referências nesses processos.

O segundo capítulo – Design e Cultura: uma relação política e (i)material –

traz uma abordagem política e cultural do fazer manual, começando pela apresentação

das leis promulgadas na Constituição Federal de 1988, que inseriram os fazeres manuais

no patrimônio cultural brasileiro e como essa mudança na lei contribuiu para o aumento

das interações entre design e artesanato. Na sequência, aborda a cultura material,

entendendo seus desdobramentos e processos, e posicionando o fazer manual como um

artefato cultural; insere também a sua importância no estudo da cultura material de um

povo em que o design é interpretado como ferramenta, por ser, de acordo com os

autores citados, um sítio privilegiado para a formação de artefatos.

O terceiro capítulo – Design e Cultura: um olhar sobre o artesanato do capim

dourado – traz as pesquisas de campo e o estudo de caso. Tratando, no início do

capítulo, da situação conflitante que a comunidade enfrenta, ao ver seu território

incluído no Parque Estadual do Jalapão, e os avanços no tocante a sua afirmação como

remanescente de quilombos. Adiante, traça um esboço da comunidade e da prática

artesanal que pôde ser observada como forma de afirmação da sua identidade. Por fim,

relata as entrevistas e pesquisas feitas junto à comunidade e aos designers sobre as

interações de design ocorridas na comunidade e seus efeitos segundo os artesãos,

procurando vislumbrar um diagnóstico desses processos, dando voz aos artesãos para

relatarem suas experiências e queixas acerca dessas ações desenvolvidas e finaliza com

um processo de identificação das aproximações que, de fato, pareceram contribuir para

o desenvolvimento, manutenção e autonomia dos membros na comunidade.

O quarto e último capítulo – Considerações finais – apresenta a retomada dos

temas estudados e apontados ao longo da pesquisa para uma possível conclusão.

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19

Designer sonha com objetos que, como os

gênios, sejam servidores intangíveis. O

contrário do artesanato, que é uma

presença física que nos entra pelos sentidos

e onde se quebranta continuamente o

princípio da utilidade em benefício da

tradição, da fantasia e ainda, do capricho.

(OCTÁVIO PAZ, 2006)

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20

CAPÍTULO 1 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO SOCIAL

1.1 RELAÇÕES HISTÓRICAS

As discussões sobre as relações entre design e artesanato sempre estiveram

presentes, desde a formação de um pensamento em design, e são discutidas e postas em

questão sob os mais diversos pontos de vista, inclusive o social.

O design como conceito e prática está envolvido historicamente em qualquer

fazer artesanal. Quando se estabeleceu como disciplina, surgiu vinculado aos processos

produtivos tradicionais (artesanato) e também aos emergentes (indústria). Mas Bonsiepe

e Fernandez (2008, p. 308) asseveram que

[...] devido à carência de análise teórica da prática do design, ele foi

posto numa posição oposta ao artesanato, o que derivou em uma

distinção prática entre produção em série e produção manual.

Essa distinção criou uma imagem do artesão como mão de obra obsoleta, com a

perda de prestígio de sua função. Sobre isso, Cardoso (2000, p. 28) chama atenção para o

fato de que,

Em vez de contratar muitos artesãos habilitados, bastava um bom

designer para gerar o projeto, um bom gerente para supervisionar a

produção e um grande número de operários sem qualificação

nenhuma para executar as etapas [...].

Na tentativa de lidar com essas contradições da Revolução Industrial, vários

movimentos foram criados. William Morris e John Ruskin fundaram um dos mais

notáveis, o grupo Arts and Crafts3 na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, com

o intuito de valorizar o trabalho artesanal e se opor à mecanização.

Segundo Pevsner (2002), o Movimento Arts and Crafts foi o disparador do

pensamento social para o design. Essa tendência artística lutou para revitalizar o

artesanato e as artes aplicadas em uma época de crescente produção em série, defendendo

o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à produção em massa.

3

Em oposição ao crescente prestígio do industrialismo, o Movimento Arts and Crafts, liderado pelo

escritor e projetista britânico Wiliam Morris (1834-96), partiu da Europa e da América do Norte no

final do século XIX, influenciando desde as artes decorativas de papéis de paredes e tecidos até o

projeto de livros (STRICKLAND, 1999).

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21

Morris também propunha a ideia da união entre o artesão e o

designer. Para ele, os artistas deveriam ser transformados em

artesãos-designers. Para tanto, o designer aprenderia com os técnicos

e artesãos, e estes aprenderiam com os designers [...], aprimorando

assim a qualidade do produto final e solidificando um pensamento de

design social, onde o artista manual não perderia seu espaço no

mundo industrial (Ibid., p.36).

Já no início do século XX, surge a campanha intitulada Deutscher Werkbund,

liderada por Hermann Muthesius (1861-1927) com conceitos semelhantes ao

movimento Arts and Crafts. A preocupação, na época, era centrada na padronização das

partes construtivas dos objetos industrializados e nas formas de inserção de artistas nas

indústrias. Sobre isso, Pevsner (ibid., p. 20) afirma que

A aspiração desse movimento era reunir os melhores representantes da

arte, da indústria, do artesanato e do comércio, conjugar todos os

esforços para a produção de trabalho industrial de alta qualidade e

constituir uma plataforma de união para todos aqueles que quisessem e

fossem capazes de trabalhar para conseguir uma qualidade superior.

Em 1919, surgia a Bauhaus na Alemanha, com objetivos semelhantes.

Inicialmente sob a direção de Walter Gropius4, a escola acreditava no artesanato como

metodologia didática e visava habilitar os projetistas para desenvolverem produtos

industriais com uma orientação formal, e não apenas focados no uso.

Gropius pregava uma relação de mão dupla entre o artesanato e a indústria, e

não como dois polos opostos (CARMEL-ARTHUR, 2001, p. 34). Em seu discurso de

inauguração da Bauhaus, ele afirmou: “Criemos uma nova corporação de artesãos sem

as distinções de classe que erguem uma barreira de arrogância entre o artista e o

artesão” (GROPIUS, 2001, p. 10).

Em uma linha de pensamento um tanto mais radical, Victor Papanek lançaria o

livro Design For The Real World (1971), que veio a ser um dos marcos na história dessa

relação entre design e artesanato. No livro, Papanek propôs que os designers voltassem

a sua atenção prioritariamente para a solução de problemas sociais, em favor de uma

abordagem mais solidária, encorajados a abandonar a política de design pelo lucro. Essa

abordagem social ainda é utilizada como referência para o desenvolvimento de projetos

4 Gropius esteve à frente da Bauhaus do ano de 1919 até 1928 (CARMEL-ARTHUR, 2001).

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22

de design social, que aproximam a atividade industrial da atividade artesanal

(WHITELEY, 1998).

Radicais ou sociais, essas discussões e uma significativa mudança de

pensamento no design foram abrindo alguns caminhos possíveis para a sua relação com

o artesanato. Os anos 1980 e 90 foram caracterizados pela compra de produtos e

serviços socialmente responsáveis e éticos e estimulados pela disseminação de

pesquisas no campo da sustentabilidade (SANTOS 2005). Esse conceito de

sustentabilidade sempre fez parte do trabalho do artesão: as matérias-primas regionais; o

modo de fazer tradicional, passado de geração a geração; e o respeito pelo meio

ambiente (CAVALCANTE; NASCIMENTO, 2009).

Nos anos 2000, disseminou-se o conceito de acessibilidade e inclusão. A

produção artesanal ressurgia como uma importante função laboral e ocupacional,

permitindo que excluídos do mercado de trabalho formal criassem novas ocupações

para geração de renda. Sampaio (2005, p. 1) acredita que

[...] precisamos entender mais esse processo em que novos usos vêm

sendo atribuídos à cultura e o que isso pode acrescentar às políticas de

promoção do artesanato como vetor de desenvolvimento local.

Nesse campo, temos a construção do Design Social que, conforme Margolin e

Margolin (2004) aponta para as necessidades sociais e é regido pela lógica do usuário,

em vez da lógica da produção.

Margolin e Margolin (2004) também se aproximam das ideias apontadas por

Bonsiepe5 (2005) quando esta diz que:

[...] o paradigma de design dominante sempre foi o de desenhar para o

mercado e devem ser criadas alternativas para um design que não vise

exclusivamente este setor.

É preciso lembrar que “não estamos propondo o abandono da indústria

tradicional pelo artesanato, mas rogando pelo reconhecimento de sua importância

cultural” (CIPINIUK, 2006, p. 5).

Desse modo, a relação entre o design e o artesanato ganha espaço como campo

de atuação, e revela que, apesar das diferenças entre ambos, o design vinculado à

produção industrial pode coexistir com a prática artesanal.

5 Ideias apresentadas em seu artigo Design e Democracia (2005).

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23

1.2 COMPREENDENDO O ARTESANATO

O mundo feito à máquina não compreende os bordos irregulares do

barro, não gosta dos vidrados escorridos desigualmente, não aprecia a

boniteza das canecas, das jarrinhas sem equilíbrio total (MEIRELES,

1968, pp. 53-54).

1.2.1 Origem e Características

Os artesanatos pertencem a um mundo anterior à separação entre o útil e o belo

(PAZ, 2006)

A história do artesanato confunde-se com a própria história da humanidade.

Estudos demonstram indícios de artesanato já no período neolítico como modo de

sobrevivência e para suprir necessidades do dia a dia, pois os homens, ao afiar peças,

criavam ferramentas que os ajudavam nos afazeres diários.

Podemos entender, então, que o artesanato existe desde os primórdios de nossa

história, “quando o ser humano passou a criar e a desenvolver artefatos para garantir sua

sobrevivência e bem-estar individual e coletivo, produzindo objetos com suas próprias

mãos” (CHITI, 2003, p. 25). Mayworm (2009, p. 10) acrescenta que

O artesanato surgiu da necessidade. Desde as épocas mais remotas,

os povos, por mais primitivos que fossem, sempre utilizaram materiais

existentes na natureza (barro, madeira, areia, palha, contas, pedras,

penas de aves, bambu, juta, bucha, vime, couro) para confeccionar

utensílios que pudessem facilitar seu modo de vida. É bem provável

que um pote ou um jarro, por seu formato côncavo, tenha surgido da

necessidade de armazenar água para o resto da semana, da mesma

forma que uma faca tenha se originado da necessidade de cortar a

carne de animais recém-caçados para serem distribuídos para o resto

da tribo, ou um espeto para que estas mesmas pessoas não

queimassem a mão com as iguarias cozinhadas na fogueira.

Dessa forma, a compreensão sobre a dimensão da produção artesanal não pode

ser linear; requer a observação de sua origem, do seu processo de criação e de todas as

nuances em que o artesanato está inserido, por se tratar de uma realidade complexa. Como

diz Lima (2002, p. 01), “o universo artesanal não é uma realidade homogênea; pressupõe

modos de fazer diferentes, estilos de visões de mundo e estéticas diferentes também”.

Necessitamos, portanto, estudar o artesanato como um processo e não como

um resultado, como produtos inseridos em relações sociais e não como objetos voltados

para si mesmos (CANCLINI, 1983).

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Quanto às suas características, Servetto et.al. (1998, p. 12) apresentam as

seguintes definições, que caracterizam o artesanato tradicional:

Trabalho predominantemente manual; utilização de recursos naturais

locais; conhecimentos transmitidos pelas gerações passadas; caráter

utilitário e funcional da obra; bagagem cultural plasmada na criação

individual; expressão de uma cultura e fator de identidade.

Partindo de uma linguagem menos pragmática, Paz (1991, p. 16) assim

caracteriza o artesanato:

[...] no artesanato, há um contínuo vaivém entre utilidade e beleza;

esse vaivém tem um nome: prazer. As coisas dão prazer porque são

úteis e belas. [...] o artesanato é uma espécie de festa do objeto:

transforma o utensílio em signo de participação.

O artesanato, então, sobreviveu ao processo de industrialização como modelo

produtivo, sustentando-se em um tipo de conhecimento especializado, não massificado

e autorrenovável.

1.2.2 Tipos de Artesanato

Com todos os processos de intervenção e adequação do artesanato ao mundo

industrial, houve uma divisão do artesanato em outras vertentes, o que resultou em tipos

diversos. Serão utilizadas neste estudo as conceituações propostas pelo Termo de

Referência do Artesanato (SEBRAE, 2004), que o divide em cinco categorias:

Artesanato Indígena, Artesanato Tradicional, Artesanato de Referência Cultural,

Artesanato Conceitual e Industrianato.

O objeto de estudo desta pesquisa pertence a duas categorias – artesanato

tradicional e artesanato de referência cultural. É o artesanato de capim dourado feito

pela comunidade Mumbuca, localizada no Parque Estadual do Jalapão, no estado do

Tocantins. O Termo de Referência do Artesanato (SEBRAE, 2004) caracteriza o

artesanato tradicional da seguinte forma:

Artesanato tradicional: conjunto de artefatos mais expressivos da

cultura de um determinado grupo, representativo de suas tradições.

Sua produção é, em geral, de origem familiar ou de pequenos grupos

vizinhos. Sua importância e seu valor cultural decorrem do fato de ser

depositária de um passado, de acompanhar histórias transmitidas de

geração em geração (Ibid, p. 22).

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25

O artesanato tradicional encontrado na Mumbuca coexiste com o artesanato de

referência cultural, pois ambos fazem parte da gama de produtos tradicionais,

principalmente as peças utilitárias, como cumbucas de diversos tamanhos.

De outro lado, o Artesanato de Referência Cultural consiste em:

Produtos cuja característica é a incorporação de elementos culturais

tradicionais da região onde são produzidos. São, em geral,

resultantes de uma intervenção planejada de artistas e designers, em

parceria com os artesãos, sempre preservando seus traços culturais

mais representativos (Ibid, p. 23).

Dentro dessa categoria, encontram-se na comunidade da Mumbuca diversas

peças inventadas e reinventadas em oficinas e em trabalhos realizados em parcerias com

designers, como sousplats (oficina realizada com Renato Imbroisi, em 2001), além de

acessórios como brincos, pulseiras, colares e artigos de ornamentação.

Fig 1: Sousplat Capim Dourado.

Fonte: Foto da Autora (2011)

Fig 2: Pulseiras de Capim Dourado com inserção de outros materiais.

Fonte: Foto da Autora (2011)

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26

Em entrevista realizada na pesquisa de campo para o presente trabalho, pode

ser constatado que os artefatos propostos nas oficinas têm boa aceitação por parte dos

artesãos. No entanto, eles explicam que o desenvolvimento de novos produtos, e até de

novas técnicas, não significa o fim das tradicionais. Em razão disso, encontram-se à

venda na comunidade produtos pertencente às duas categorias, com características bem

diversas, desde o modelo até o modo de trançar e os materiais usados em associação

com o capim dourado.

Essa postura dos artesãos de aceitar as mudanças sem abrir mão das tradições é

muito importante porque, além de preservar a cultura tradicional, faz com que mesmo

os novos produtos desenvolvidos não percam o seu valor agregado mais importante, que

é toda a história por trás do objeto artesanal.

1.2.3 Interações entre design e artesanato nos dias atuais

O artesanato, [assim como o design], é patrimônio inestimável que

nenhum povo pode se dar ao luxo de perder. Mas esse patrimônio não

deve ser congelado no tempo. Congelado ele morre. E é na

transformação respeitosa que entra o papel dos designers (BORGES,

2009, p. 68).

Nos últimos anos, vêm se propagando no Brasil iniciativas promovidas por

instituições públicas e privadas para a inclusão das pessoas pela potencialização das

suas vocações produtivas. Esta pesquisa constatou a existência de uma crescente

participação do design junto ao segmento do artesanato.

Tal aproximação, hoje vista como possível, se iniciou na década de 80, com

destaque para dois importantes artistas – Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães – no

processo de construção de caminhos para o trabalho conjunto entre design e artesanato.

Bardi e Magalhães foram pioneiros na reflexão sobre o artesanato como cultura nacional

e na aproximação entre ele e o design.

A arquiteta Lina Bo Bardi se interessou pela arte, artesanato e cultura

brasileira. Mudou-se para o Brasil no ano de 1946, trazendo consigo a experiência do

design italiano desenvolvido a partir de habilidades e tradições artesanais. Em seu

livro Tempos de Grossura: o design no impasse, que começou a ser redigido em 1980,

mas só foi concluído e lançado pelo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi em 1994 (dois

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anos após sua morte), ela faz uma análise apaixonada da criação popular, e mostra seu

trabalho e empenho pela inserção do artesanato e da cultura brasileira em grandes

salões de artes. Há fotos e relatos de estudos, das exposições, salões e projetos que

visavam configurar uma identidade brasileira, principalmente no período em que

trabalhou com artesãos no Nordeste.

Risério (1995, p. 116) relata que Bardi tinha um modo peculiar de enxergar o

artesanato, pois

[…] não olhava o produto do artesanato popular com o fascínio

esnobe, pelo frescor, pelo ingênuo ou pelo espontâneo, não era das que

interpretavam e engrandeciam imperfeições em “primitivismo”. Nem

submetia a idealizações o que estava comprometido pela miséria. Com

ela, o objeto popular era visto em sua inteireza e dignidade. Respeitado

como trabalho humano e como solução criativa diante de certo

problema e a partir de determinados materiais.

Com trajetória de aspirações semelhantes à de Lina Bo Bardi está Aloísio

Magalhães (1997, p. 79), que se empenhou pela inserção do artesanato em uma categoria

que equivalesse à arte e ao design, e ainda afirmou que “o artesão brasileiro é um designer

em potencial, muito mais do que propriamente um artesão no sentido clássico”.

No intuito de fazer com que o Brasil valorizasse os conhecimentos do povo e

buscando referenciá-los, Magalhães criou o Centro Nacional de Referência Cultural

(CNRC), que tinha como objetivos revelar a diversidade da cultura brasileira e

documentar referências do saber popular, de forma a conhecer os processos de

produção, comercialização e consumo, as matérias primas e as técnicas artesanais. “A

intenção era ir além do conhecimento, era possibilitar a continuidade daquele processo”

(LEITE, 2003, p. 237).

Magalhães demonstra claramente a sua vontade de que o brasileiro se

preocupasse com a sua própria cultura e voltasse os olhares para dentro do seu país. Isso

já fica claro no título do livro E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil, em

referência a uma cidadezinha nordestina chamada Triunfo, rica em cultura, mas

esquecida pelos grandes centros de artes elitistas.

Tanto Lina Bo Bardi quanto Aloísio Magalhães trabalharam pela valorização

da cultura e do artesanato brasileiro, e propunham um intenso relacionamento entre

designers e artesãos. As reflexões, projetos e pesquisas por eles desenvolvidos são

utilizados até hoje como referência para um design nacional aliado ao artesanato.

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Todas essas importantes iniciativas ajudaram a criar um panorama positivo

para a interação. A mudança mais eficaz para o fortalecimento dessa linha de trabalho

veio com a promulgação da Constituição Federal de 19886, que trouxe uma nova

perspectiva sobre o que seriam os bens culturais e reconheceu as formas de

representação manual (como os artefatos artesanais) como sendo parte integrante desse

patrimônio cultural. Desde então, pesquisas no tocante à preservação e continuidade de

suas práticas vêm sendo estudadas e difundidas.

Com isso, após a mudança na lei a partir dos anos 907, as interações entre

design e artesanato passaram a ser observadas como uma forma de valorização e

conservação do patrimônio cultural brasileiro. Políticas de incentivo e fomento ao

artesanato foram e têm sido priorizadas por instituições públicas e privadas, como

também por várias Organizações Não Governamentais (ONGs). Empresas e

movimentos ligados à “revitalização” da atividade artesanal têm aproximado cada vez

mais o design do artesanato como uma ferramenta importante nesse processo conhecido

como “revitalização do artesanato”. Podemos destacar que, especialmente no ano de

2003, foram criados no Brasil 120 núcleos de design, dos quais vinte por cento tinham

atuação voltada para o artesanato (SEBRAE, 2004).

Por intermédio da comercialização dos produtos artesanais, essas parcerias

buscam maior inserção no mercado globalizado, desenvolvimento socioeconômico dos

artesãos e a consequente manutenção e autossuficiência da atividade artesanal.

É importante ressaltar que todas essas parceiras devem ter sempre em mente a

continuidade das tradições artesanais, que também se renovam, como Paz (2006)

afirma: “o artesão não quer vencer o tempo, mas unir-se ao seu fluir”.

Assim, não deve ser um mero trabalho de repetição, visto que a cultura é

dinâmica e possui uma lógica própria, como afirma Laraia (2002, p. 65). E

complementa, dizendo que “qualquer sistema cultural está num contínuo processo de

modificação” (Ibid, p. 95), e essas modificações são desejadas pelos próprios artesãos.

6 Assunto que será tratado mais especificamente no Capítulo 2

7 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) – Programa de Artesanato

Brasileiro (PAB) – 1991; Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE) –

Programa SEBRAE de Artesanato – 1997; Ministério do Desenvolvimento Agrário – Programa

Talentos do Brasil – 2006; Programa Artesanato Solidário – 1998; Paraná – Secretaria de Estado do

Trabalho e Ação Social – Programa de Artesanato Paranaense (PAP) – 1984.

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Aloísio Magalhães (1997, p.172) também demonstrava preocupação em relação à

cristalização do fazer artesanal, entendendo que o artesanato evolui com o tempo. “Então, o

artesanato é um momento da trajetória, e não uma coisa estática”. E acrescentava que:

O remédio, a coisa que se oferece, é a ideia que ele repita mais. Que

passe a ter mais benefícios através da repetição reiterada e monótona

daquele momento da trajetória. E isso é inadequado porque você

corta o fio da trajetória, o fio da invenção, da evolução, para que ele

permaneça parado no tempo (Ibid., p. 172).

Lina Bo Bardi também enxergava o artesanato como manifestação cultural

dinâmica e criticava a arte popular conservadora. Citada por Suzuki (1994, p. 21), afirma:

Procurar com atenção as bases culturais de um País, (sejam quais

forem, pobres, míseras, populares) quando reais, não significa

conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades

criativas originais. Os materiais modernos e os modernos sistemas de

produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando,

não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades.

Canclini (1983, p. 138), como Bardi, também se coloca contrário a posições

[...] conservadoras que enxergam apenas a questão cultural ou

meramente estética, e se consagra a vigiar as tradições

embalsamando os desenhos, técnicas e as relações sociais diante das

quais alguma vez os indígenas se reconheceram.

Podemos perceber que ambos veem a produção artesanal como uma prática

viva e mutante, que amadurece ao lado da modernização. Canclini (Ibid., p. 139) ainda

vai além, quando destaca que, nessas parcerias, é necessário permitir uma participação

democrática e crítica aos próprios artesãos:

Necessitamos que os artesãos participem, critiquem e se organizem,

que redefinam a sua produção e o seu modo de relacionar-se com o

mercado e com os consumidores; mas também precisamos que se

forme um novo público, um novo turismo, um outro modo de exercer o

gosto e de pensar a cultura.

Com o crescimento dessas parcerias, alguns designers como Renato Imbroisi8,

Marcelo Rosenbaum e Heloísa Crocco9 se autodenominam designers de artesanato, e o

8 Será retomado mais à frente por meio de seu trabalho desenvolvido na comunidade da Mumbuca, estudo

de caso desta pesquisa. 9 Idem nota acima.

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fruto de sua intervenção como artesanato de referência cultural – segundo o Termo de

Referência do SEBRAE (2004). Eles têm se destacado por prezarem um diálogo com os

artesãos e pela busca de um comércio tido como justo, em que a política utilizada valoriza

a produção, além de abrir possibilidades de escoamento dos produtos e dos serviços entre

o artesão (produtor) e o comerciante, eliminando a presença dos intermediários.

Esse artesanato de referência cultural vem ganhando cada vez mais importância

dentro do processo de “revitalização” do artesanato. Segundo o SEBRAE,

Este é um dos segmentos mais promissores para o incremento

competitivo do artesanato brasileiro, pois se trata de produtos

concebidos dentro de uma lógica de mercado, orientados para a

demanda, acompanhados por designers, tendo como referência os

elementos mais expressivos e significativos da cultura regional. Além

disso, é o que mais favorece a ampliação de postos de trabalho.

Incremento importante da diversidade de produtos de uma região ou

grupo de produtores é a realização de consultorias em design para

grupos de artesãos, para o desenvolvimento de coleções temáticas

inspiradas na iconografia regional. A introdução de novas técnicas,

novas ferramentas, novos processos e/ou novas matérias primas é

uma ação estratégica para esta subcategoria, objetivando agregar

valor aos produtos [...].(2004, p. 59)

A interação entre design e artesanato que possibilita a concepção de novos

produtos artesanais de referência cultural é defendida por diversos autores, como Cipiniuk10

(2006), que considera possível o diálogo entre o desenho industrial e o artesanato; isso

porque a maior parte da produção nacional não decorre da indústria de alta tecnologia, já

que trabalham na produção artesanal aproximadamente 8,5 milhões de pessoas.

Para se ter uma ideia da dimensão da produção artesanal, segundo dados do

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC, 2002), o artesanato é

responsável por 2,8% do PIB – Produto Interno Bruto Brasileiro, enquanto a indústria

do vestuário representa 2,7%, a da bebida representa 1%, e a indústria automobilística

5,4%. O que causa estranheza é que, apesar dessa significativa importância econômica,

o artesanato, e principalmente os artesãos, que produzem essa riqueza, estão logrados no

trabalho informal em sua quase totalidade no país.

10

Alberto Cipiniuk é Doutor em História da Arte e professor assistente no Departamento de Artes e

Design – DAD/PUC – Rio.

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31

Pensando em formas de mudar essa realidade, outro autor que apoia a interação

é João Branco11

(2003, p. 6), para quem:

[...] esta aproximação entre o artesanato e o design,

independentemente da fórmula exata, parece poder constituir um polo

inesgotável para parcerias, para atuações interativas, que os

mercados sublimam com agrado.

No entanto, em alguns momentos, essa relação é posta em questão, pois, se de

um lado políticas de fomento estimulam a atuação do designer sobre o artesanato, de

outro existem críticas a atuações com caráter de dominação no processo de imposição

do saber do designer sobre o saber dos detentores do artesanato tradicional.

Bonsiepe (2008, p. 309) classifica seis linhas de relação entre design e

artesanato que podem ser identificadas atualmente:

1- Atitude Conservacionista: protege o artesanato contra qualquer

influência externa do design.

2- Atitude Esteticista: trata o artesanato como representante da

tradição da cultura popular e eleva os trabalhos de artesanato ao

status de arte.

3- Atitude Produtivista: considera os artesãos como força de

trabalho qualificada e utiliza suas habilidades para produzir

projetos em conjunto.

4- Atitude Essencialista: trata o design vernacular12

do artesanato

como verdadeira base e ponto de partida para produzir um design

tradicional.

5- Atitude Paternalista: trata os artesãos como clientes de política

de programas assistenciais, e implanta um intermediarismo

facilitador da comercialização de seus produtos com altos ganhos

só para quem os vende.

6- Atitude de Estímulo: estimula a inovação para que os artesãos

obtenham mais autonomia e possam melhorar suas condições de

subsistência.

Ao observar a realidade da Comunidade da Mumbuca, identificam-se três

dessas linhas de atuação: atitude produtivista, paternalista e de estímulo, as quais

balizarão parcialmente a análise proposta neste estudo.

11

João Branco é português, trabalha como assistente no Departamento de Comunicação e Arte na

Universidade de Aveiro. Tem mestrado em Design e Marketing pela Universidade do Minho.

12 A expressão Design Vernacular é frequentemente usada para descrever uma forma não acadêmica de

design, ou seja, despido do conhecimento formal que cerca o design “erudito”. São soluções materiais ou

visuais e artefatos presentes no cotidiano, com forte ligação com a cultura local. A expressão se origina da

junção do termo design, no sentido de desenho, projeto ou desígnio, com o termo vernáculo que designa

uma língua nativa. Por design vernacular, porém, pode-se compreender qualquer produto desenvolvido a

partir de um hábito cultural (VALESE, 2007).

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32

A atitude paternalista pode ser identificada no modo de relação dos órgãos

atuantes na região, principalmente aqueles ligados ao governo e às políticas públicas;

enquanto a atitude produtivista e a de estímulo estão mais ligadas ao trabalho dos

designers e ONGs (e serão apresentadas a partir da página 33 desta dissertação).

Tais atitudes demonstram modos possíveis de relação entre o design e o

artesanato e, principalmente, formas de o designer atuar como tradutor e mediador

entre o artesanato e o mercado consumidor. Como afirma Cipiniuk (2006, p. 6), “o

design deve atuar na configuração de produtos, mediando os interesses da comunidade

e do mercado”.

Continuando em sua reflexão, Cipiniuk (ibid.) acrescenta que o projeto

desenvolvido deveria ser feito de uma forma que

[...] complementasse os trabalhos e incentivos já desenvolvidos e que

deveria considerar o resgate das referências culturais na produção de

artefatos, elaborando linhas de produtos que refletissem o

conhecimento técnico tradicional da comunidade em produtos que

atendessem as novas vertentes do mercado.

Refletindo sobre o trabalho do designer, Bonsiepe (1982, p. 20) aponta:

O desenho industrial é uma atividade projetual, responsável pela

determinação das características funcionais, estruturais e estético-

formais de um produto, ou sistemas de produtos, para fabricação em

série. É parte integrante de uma atividade mais ampla denominada

desenvolvimento de produtos. Sua maior contribuição está na

melhoria da qualidade de uso e da qualidade estética de um produto,

compatibilizando exigências técnico-funcionais com restrições de

ordem técnico-econômicas.

Como se pode ver na citação de Bonsiepe (1982), o trabalho do designer consiste

principalmente em identificar problemas formais, propor soluções criativas e implementar

melhorias da qualidade para o desenvolvimento de produtos, além de estar intimamente

ligado à indústria (produtos em série). Por isso, ele se torna a melhor ponte entre o

artesanato e ela. O designer, pensando como um mediador e tradutor dessa linguagem do

artesanato, pode desenvolver direcionamentos em conjunto com a comunidade artesã e

identificar formas possíveis de trabalho e necessidades apresentadas por ela. Isso

possibilita a esse profissional alcançar a meta da base do tripé proposto por Heloisa

Crocco (2000): desenho, ofício de mãos criadoras e canais de distribuição adequados – na

tentativa de encurtar a distância entre o trabalho artesanal e a sociedade.

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33

Conforme afirma Branco (2003, p. 17), “a interação entre design e artesanato

renovará as ofertas dos produtos, deixando-os mais diferenciados e atrativos para os

consumidores”.

Barros (1971, p. 115) também concorda com esse tipo de interação, no sentido

de trabalhar o design para valorizar ainda mais o produto artesanal, e reflete que

[...] a valorização do artesanato como objeto de consumo passa a ser

ao mesmo tempo uma fórmula contra o risco de extinção da atividade e

uma forma de satisfação do desejo gerado na sociedade pós-industrial.

Neste sentido, vale ressaltar que, em todas essas atitudes, relações, interações e

projetos, a transformação tem de ser respeitosa e, principalmente, caracterizada por uma

ética que Helena Sampaio, coordenadora executiva da ArteSol13

, nomeia como a ética do

“interferir sem ferir”, que respeita e valoriza as tradições e cultura locais; não impõe formas,

mas dialoga sobre caminhos e trocas possíveis em que artesãos e designers se beneficiam,

ética que já pode ser vista nos exemplos de Canclini (1983) citados anteriormente, que

buscava a participação crítica dos artesãos em todo o processo de interação.

Barroso (1999) faz uma consideração parecida com a da ética do interferir sem

ferir, quando afirma que a inserção do design na produção do artesanato deve obedecer

a um limite para não se tornar nociva. O autor assevera que “cada produto, de acordo

com sua origem e natureza, pertence a uma determinada categoria que irá definir o tipo

de apoio de que necessita” (Ibid, p. 26). Propõe uma pirâmide com níveis de atuação

distintos quando trata do artesanato tradicional, uma vez que suas principais qualidades

e valores estão na história e nas técnicas aprendidas com as gerações passadas. Para ele,

a interação deve ocorrer de modo a

[...] agregar mais valores sem alterar a essência original dos

produtos, para tanto se faz imprescindível respeitar o processo pelo

qual o objeto é confeccionado além da preservação de elementos

estético-formais, que identifiquem o universo simbólico do artesão.

Essa recriação deve ser realizada em conjunto com a comunidade,

sem imposições. (Ibid, p. 26)

Seja como for, o designer deve continuar propondo formas de “atuar, considerando

principalmente o contexto em que o artesão vive, buscando compreender o modo de

13

[...] ArteSol (Artesanato Solidário), OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)

criada em 2002 para gerar alternativas de trabalho e renda em regiões pobres. Em lugar de ser

simplesmente mais um elo entre artesãos e mercado, a ArteSol busca oferecer soluções em tecnologia

social (REVISTA RAIZ, 2006, p. 73).

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34

produção” (FREITAS, 2006, pp. 128-129). Nesse contexto, a mudança na produção de

artesanato aconteceria de forma mais tranquila, pois os saberes do artesão estariam sendo

considerados, isto é, reconhecidos em um processo de transformação e preservação.

Borges (2009, pp. 66-67) demonstra a mesma preocupação com os modos

como essas interações ocorrem e demonstra como isso poderia ser feito de forma

respeitosa, ao afirmar que

Se a interferência sempre existe, que seja para o bem. Que parta de

uma postura não de adulteração e imposição como fazem os

intermediários, e sim de respeito e diálogo como fazem os (bons)

designers. Esses, ao chegarem a uma comunidade, via de regra

começam por um trabalho de reconhecimento dos signos de

identidade cultural local. Convidam os artesãos a olharem ao seu

redor e para a sua história, e tirarem daí seus motes, seu norte.

Nessa linha de pensamento quanto à postura do designer frente ao artesanato,

Cipiniuk (2006, p. 5) comenta que os envolvimentos entre design e artesanato “devem

procurar respeitar antigas práticas sociais, o seu entorno cultural e, a partir daí, propor

integrações com o mercado justamente com a intervenção do designer”.

Então, pode-se entender o design como mais uma ferramenta dessas políticas

públicas e, quando utilizado, que seja de forma a respeitar e saber reconhecer os valores

do artesanato e do artesão, estabelecendo um sistema de trocas possíveis, de mão dupla,

em que tanto os artesãos quanto os designers atuem e se beneficiem.

1.2.4 Principais programas brasileiros de desenvolvimento do artesanato

ligado ao design

Foi realizado estudo sobre alguns dos principais programas de design e

artesanato e se constatou que tem se intensificado a ideia do trabalho conjunto entre

artesãos e designers. Inclusive várias ONGs, empresas privadas e públicas têm sido

criadas, além de movimentos com o objetivo de ajudar os artesãos de hoje a resgatar sua

cidadania, sua dignidade e sua fonte de renda. Mas ainda falta muito para a formação de

uma mentalidade empreendedora, com a capacitação das organizações e de seus

artesãos para a sociedade de mercado, em que o padrão de qualidade e a capacidade de

produção são alguns dos fatores que determinam a aceitação do produto.

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35

A seguir apresentam-se alguns órgãos/agentes que realizam intervenções no

artesanato brasileiro.14

1.2.4.1 Programa do Artesanato Brasileiro (PAB)

O Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) é vinculado ao Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi instituído em 1995 e atua na

elaboração de políticas públicas envolvendo órgãos das esferas federal, estadual e

municipal, além de entidades privadas, com foco nas potencialidades do setor artesanal.

Figura 3 – PAB

Fonte: Portal do Artesanato, 2008

O PAB tem como missão

Estabelecer ações conjuntas no sentido de enfrentar os desafios e

potencializar as muitas oportunidades existentes para o

desenvolvimento do Setor Artesanal, gerando oportunidades de

trabalho e renda, bem como estimular o aproveitamento das

vocações regionais, levando à preservação das culturas locais e à

formação de uma mentalidade empreendedora por meio da

preparação das organizações e de seus artesãos para o mercado

competitivo (MDIC, 2007).

O PAB é representado em cada uma das 27 unidades da Federação por meio

das Coordenações Estaduais do Artesanato. O Programa desenvolve suas atividades

com base nas seguintes macroações: capacitação de artesãos e multiplicadores; feiras e

14

É importante ressaltar que o objetivo desse estudo não é ter caráter censitário e universal, mas sim

pontuar uma amostra diversificada e representativa, a qual, de alguma forma, possa ser relacionada com

a comunidade Mumbuca – objeto de estudo desta pesquisa.

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36

eventos para comercialização da produção artesanal; e estruturação de núcleos

produtivos no segmento artesanal.

As ações do Programa possibilitam a consolidação do artesanato brasileiro

como setor econômico de forte impacto no desenvolvimento das comunidades, a partir

da consideração de que a atividade é disseminada em todo o território nacional, com

variações e características peculiares, conforme o ambiente e a cultura regional.

Seguem algumas das ações já realizadas pelo PAB:

Estímulo e apoio à participação dos artesãos em importantes feiras de

artesanato no país, por meio da compra de stands; estímulo e apoio à

adoção de método de organização e gestão do negócio e produto por

meio da capacitação de 184 multiplicadores; doação de 27 caminhões

para o transporte dos produtos; apoio à construção de galpões

multiuso; exposição do artesanato brasileiro nos principais

aeroportos do país, em parceria com a Infraero e Banco do Nordeste;

Publicação da cartilha "O Artesão e a Previdência Social", em

parceria com o Ministério da Previdência e apoio do Banco do

Nordeste; publicação do livro "A Arte do Artesanato Brasileiro" em

três idiomas (MDIC, 2007).

1.2.4.2 Programa SEBRAE de Artesanato

O SEBRAE é um dos pioneiros na criação de programas voltados para essa

interação e gerencia diversos projetos em todo o Brasil, com forte atuação e aceitação

principalmente no norte e nordeste. Possui um programa que vem sendo desenvolvido

no Jalapão com o nome de Capim Dourado e atende à comunidade pesquisada nesta

dissertação.

No final da década de 1990, foi implantado pelo SEBRAE o seu programa de

artesanatos (Programa SEBRAE de Artesanato), hoje presente nas 27 unidades

federativas do país e em 16,6% dos municípios brasileiros. Segundo a entidade, o

programa visa estimular o crescimento e a melhoria da produção artesanal,

reconhecendo a sua importância econômica sem diminuir as expressões culturais ligadas

às técnicas de construção do artefato. O SEBRAE expõe que

O objetivo geral do programa é fomentar o artesanato de forma

integrada, enquanto setor econômico sustentável que valoriza a

identidade cultural das comunidades e promove a melhoria da

qualidade de vida, ampliando a geração de renda e postos de

trabalho. (2004, p. 13)

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37

De acordo com o Termo de Referência do Programa SEBRAE de Artesanato

(PSA, 2004), as intervenções do design no artesanato visam à criação de produtos

artesanais com agregação de valores iconográficos e culturais e de acordo com

tendências e demandas do mercado. O resultado dessa produção, cujos atores sãos os

artesãos que detêm a técnica da produção artesanal e os designers que utilizam o design

como ferramenta inovadora, é a criação de uma coleção de peças classificadas como

“artesanato de referência cultural”.

Dois programas se destacam dentro da linha de atuação do SEBRAE: o

Programa Talentos do Brasil e o Talentos do Brasil Rural. Esses programas atuam

inclusive no estado do Tocantins e já desenvolveram alguns projetos com comunidades

artesãs do Parque Estadual do Jalapão, onde está também localizada a comunidade

Mumbuca.

Segundo o site15

do Programa, o Talentos do Brasil é um importante instrumento

de geração de trabalho e renda para artesãs da agricultura familiar, por meio do

fortalecimento do processo de gestão, promoção e comercialização dos grupos artesanais.

Cerca de duas mil artesãs integram os 18 grupos produtivos apoiados pelo Programa,

reunindo técnicas manufatureiras repassadas de geração a geração, com a beleza da

matéria prima natural, retirada da biodiversidade brasileira de forma sustentável.

Figura 4 – Logo Talentos do Brasil.

Fonte: Blog Talentos do Brasil

Atualmente, o Talentos do Brasil une artesãs e artesãos do meio rural de 12

estados brasileiros. Organizadas, 18 cooperativas, formam a Cooperativa Nacional

Marca Única – Cooperunica – que comercializa um portfólio com mais de 1.500

produtos. Estilistas e designers reconhecidos nacional e internacionalmente fazem parte

do Programa – eles compartilham saberes e experiências com as artesãs, adequando os

produtos às exigências do mercado nas oficinas promovidas pelo projeto.

15

Disponível em: <http://talentosdobrasil.com.br/blog/>. Acesso em: ago/2012

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38

Além disso, os produtos resultantes dessas oficinas são comercializados no

Blog do programa, o que proporciona maior alcance e distribuição desse artesanato de

referência cultural.

Figura 5 – Oficina de Artesãs.

Fonte: Blog Talentos do Brasil

Tanto no Programa SEBRAE de Artesanato quanto no Programa do Artesanato

Brasileiro, ambos de abrangência nacional, nota-se uma classificação de categorias e

tipologias que legitima suas práticas, criando uma nivelação de conceitos para a execução

das atividades nos mais diversos pontos do Brasil. Para o PAB, o artesanato

[...] é o produto resultante da transformação da matéria prima com

predominância manual, por um indivíduo que detenha o domínio

integral de uma ou mais técnicas previamente conceituada, aliando

criatividade, habilidade e valor cultural, com ou sem expectativas

econômicas, podendo no processo ocorrer o auxílio limitado de

máquinas, ferramentas, artefatos e utensílios (PAB, 2006, p. 3).

Essa conceituação foi elaborada no Seminário Nacional com os Coordenadores

do PAB em Brasília, em outubro de 2006. De forma semelhante, em 2004, o SEBRAE

elaborou o documento Termo de Referência para orientar e sistematizar suas ações

voltadas para o artesanato, caracterizando a atividade e orientando as ações de design.

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39

1.2.4.3 Outros programas

Partindo de uma atuação em âmbito nacional, têm-se dois importantes

programas de artesanato, descritos a seguir.

a) ArteSol

Inicialmente idealizado como projeto de combate à pobreza em regiões

castigadas pela seca, o ArteSol16

(Artesanato Solidário) foi concebido em 1998 como

um programa social e, a partir de 2002, tornou-se uma OSCIP (Organização da

Sociedade Civil de Interesse Público). Suas ações, que priorizam trabalhos relacionados

ao artesanato, são direcionadas para localidades de baixo IDH (Índice de

Desenvolvimento Humano). Sua atuação ocorre por meio de projetos e ações voltados

para a “valorização da atividade artesanal de referência cultural brasileira, a

Salvaguarda do Patrimônio Cultural Intangível, e inclusão cidadã e produtiva dos

artesãos” (ARTESOL, 2012). Tem como objetivos

Promover o artesanato de tradição como patrimônio cultural;

apoiar os processos de requalificação do objeto artesanal

brasileiro; estimular a formação continuada dos artesãos;

promover o fortalecimento das associações, apoiando-as em seus

processos de sustentabilidade; articular os agentes que atuam em

diferentes frentes no setor, em nível nacional e internacional

(ARTESOL, 2012).

Em 2006, o ArteSol foi reconhecido pela Organização Mundial de Comércio

Justo (World Fair Trade) como uma instituição que segue os princípios do comércio

justo, passando a atuar mais intensamente na difusão desses princípios não só entre os

artesãos, mas também entre seus parceiros e clientes.

Uma inovação ao programa de apoio à comercialização do ArteSol foi inserida

neste ano de 2012, quando ele passou a potencializar a comercialização direta feita pelas

próprias associações/cooperativas de artesãos, a fomentar um maior protagonismo e

empreendedorismo dos artesãos no relacionamento com o mercado e a atuar como

articulador, ao fornecer os contatos das associações para os clientes e orientar os

diálogos para que os pedidos sejam efetivados. Essa negociação direta com os artesãos

16

Disponível em: <www.artesol.org.br>. Acesso em: ago/2012

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40

tem como objetivo estimular a autonomia das associações, já que encara o comércio

como uma ferramenta fundamental para a redução da pobreza e para a conquista de

maior desenvolvimento sustentável.

As ações de capacitação em diversas áreas têm como objetivo transformar o

artesanato em oportunidade de geração de trabalho e renda, com projetos que respeitam

e valorizam as comunidades envolvidas. Sobre esse fato, Lima (2005, p. 13) afirma que

[...] O ArteSol tem se revelado um programa de artesanato de

qualidade, especialmente porque lida com o respeito. Respeito aos

valores populares, respeito aos artesãos, que são produtores de

objetos e são também produtores de cultura.

No site do ArteSol, também é possível comprar produtos artesanais das mais

variadas comunidades brasileiras e frutos de suas oficinas de capacitação. Além disso,

também atua na promoção de mesas redondas, debates e estudos que se transformam em

cases de trabalho e publicações com vistas a expandir e a auxiliar o desenvolvimento

dessas ações de interação com o artesanato em todo o Brasil.

b) A CASA – Museu do Objeto Brasileiro

A CASA tem o objetivo de contribuir para o reconhecimento, valorização e

desenvolvimento do artesanato e do design brasileiros, incrementando a percepção

consciente a respeito do produto brasileiro.

Sua forma de atuação está em

[...] coletar, pesquisar, selecionar, documentar e conservar produtos e

referências culturais; comunicar, difundir e disponibilizar informação e

conhecimento a respeito desses produtos e referências, por meio de

exposições físicas e virtuais, publicações, vídeos, debates, ações

educativas, entre outros; promover e instituir mediações, atuando como

rede que interliga iniciativas e pessoas envolvidas e interessadas na

expressão cultural brasileira; estimular a reflexão crítica sobre a

expressão cultural brasileira, por meio da realização de encontros,

seminários, conferências, cursos etc.; instituir critérios de avaliação de

iniciativas relacionadas ao design e artesanato, estabelecendo

parâmetros quanto à ética e qualidade dos projetos; promover a

capacitação dos agentes culturais envolvidos (A CASA, 2011)

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Em julho/2011, A CASA recebeu a exposição Capim Dourado: costuras e

trançados do Jalapão, que foi considerada uma oportunidade para o público de São

Paulo apreciar e adquirir peças artesanais produzidas por artesãos de cinco comunidades

dos municípios de Ponte Alta, São Félix, Mateiros e Novo Acordo, situados na região

do Jalapão, no estado do Tocantins.

Figura 6 – Folder exposição Capim Dourado.

Foto: Divulgação

A exposição foi realizada pelo Programa de Promoção do Artesanato de

Tradição Cultural (PROMOART), o Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura,

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Centro Nacional de

Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e Associação Cultural de Amigos do Museu de

Folclore Edison Carneiro (ACAMUFEC), com a parceria de A CASA – museu do

objeto brasileiro.

Outra importante iniciativa aliada a essa exposição foi a promoção de uma

mesa redonda sob o título: Capim dourado: como manter o brilho deste capim?, que

contou com a presença do designer Renato Imbroisi, de artesãs do Jalapão e outros

profissionais da área, debatendo a preservação, a biopirataria e outras ameaças que o

artesanato de capim dourado vem enfrentando.

Passando a uma atuação mais regional, na comunidade, objeto de estudo desta

pesquisa, têm-se dois importantes programas, o PERCAD e o PEQUI.

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c) PERCAD

O PERCAD é uma iniciativa da ONG tocantinense “Trabalha Brasil”, com

apoio do Ministério da Justiça e do Governo do Estado, por meio da Setas – Secretaria

do Trabalho e Desenvolvimento Social, Secretaria da Indústria e Comércio, entre outras.

Nomeado Programa Estadual de Reflorestamento do Capim Dourado

(PERCAD), foi idealizado em 2006 e aprovado em 2008 com recursos do Ministério da

Justiça. Desde sua idealização, tem como principal foco combater o desaparecimento da

matéria prima que vinha sendo coletada de forma indiscriminada, “agregar” valor aos

produtos, capacitar e qualificar artesãos e introduzir, por meio do design, peças mais

elaboradas com uma linguagem atual. O programa também acompanha os artesãos em

feiras e exposições do ramo de artesanato, tanto em eventos estaduais, como o Palmas

Fashion Week e a Feira Agrotins, como em outros eventos em nível nacional.

A primeira ação do PERCAD foi um curso de capacitação em design com 120

horas/aula na comunidade Mumbuca, a 35 km de Mateiros. Segundo o designer Divino

Alves, o curso deu oportunidade a 60 artesãs de conhecer novas técnicas e aprender a

combinar cores, formas e texturas. Ele explica que as alunas só sabiam trançar o capim,

mas agora aprenderam a costurar, crochetar e bordar. “Para elas, foi uma experiência

completamente nova, assimilaram muito bem as técnicas, e agora podem usar menos

capim e agregar outros produtos” (CAVALCANTE, 2010).

Figura 7 – Mostra de produtos confeccionados na oficina do PERCAD.

Fonte: Heverton Lacerda (2010)

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Essa capacitação procurou oferecer alternativas de produtos que utilizassem

menor quantidade de capim dourado, concentrando a matéria-prima em lugares de

destaque e mesclando com outros materiais. A bolsa, que antes era toda de capim

dourado, agora recebe a inclusão de tecidos, e apenas os detalhes ficam a cargo do capim.

d) PEQUI

A PEQUI17

é uma associação sem fins lucrativos que trabalha com pesquisas

para a preservação do cerrado e tem desenvolvido e apoiado diversos projetos de

pesquisa. Enfoca espécies ameaçadas da fauna brasileira, faz levantamentos de

biodiversidade, uso sustentável dos recursos naturais do Cerrado, educação ambiental,

entre outros.

Apesar de não estar relacionada diretamente com o trabalho de design, essa

associação tem desenvolvido um trabalho muito importante desde 2002, em conjunto

com associações extrativistas do Jalapão, realizando estudos para testar e acompanhar

os efeitos do extrativismo sobre o capim dourado. Os estudos são importantes para o

manejo sustentável da matéria prima, o que garante a manutenção dessa atividade

artesanal, principal fonte de renda dos artesãos do Jalapão.

A partir desses resultados das pesquisas científicas, aliados aos conhecimentos

dos artesãos, foi montada uma cartilha ensinando a forma correta de colher o capim.

Isso porque há uma data no ano em que a colheita do capim possibilita o replantio das

sementes, ou seja, as sementes estão prontas para serem germinadas e as hastes do

capim se encontram na fase mais bonita com o brilho dourado mais intenso. Em seu

site, a PEQUI (2004) expõe que

Com base nos resultados obtidos, a partir de 2004, o Naturatins –

Instituto Natureza do Tocantins – elaborou regras para a colheita das

hastes de capim dourado utilizadas na confecção artesanal. Estas

regras estão na Portaria 092/2005, que determina que: as hastes

apenas podem ser colhidas após 20 de setembro; as flores (capítulos,

ou frutos) devem ser cortadas e dispersas no solo logo após a

colheita; as hastes de capim dourado não podem sair da região in

natura, apenas em forma de artesanato.

17

Disponível em: <www.pequi.org.br> Acesso em: ago/2012

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Figura 9 – Capa da Cartilha Capim Dourado e Buriti.

Fonte: Site PEQUI (2007)

Mais um trabalho que a PEQUI realizou com apoio de outras empresas foi a

produção de um catálogo de produtos de capim dourado confeccionados pelas

comunidades do Parque Estadual do Jalapão. O catálogo, além de fornecer algumas

explicações sobre a matéria prima, traz fotos de todos os produtos desenvolvidos, com

especificações de tamanho e dados de contato para que as compras possam ser feitas

diretamente junto às comunidades, o que facilita o escoamento dos produtos e evita

intermediários.

Figuras 10 e 11 – Capa e folha interna do catálogo de produtos realizado pela PEQUI.

Fonte: Site PEQUI (2009)

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1.2.4.4 Designers

Constata-se também que tem crescido o número de designers envolvidos em

projetos de artesanato. Para esta pesquisa, elegeram-se três deles: Heloísa Crocco,

Marcelo Rosenbaum e Renato Imbroisi, por já terem desenvolvido trabalhos na área do

Jalapão, aproximando-se do estudo de caso proposto.

a) Heloísa Crocco

Heloísa Crocco18

, designer brasileira, trabalha tanto em programas do

SEBRAE como em outros próprios. É considerada um dos principais nomes da junção

design e artesanato no país. Pelo seu pioneirismo, foi uma das primeiras designers a

incursionar no artesanato, em 1993.

Crocco é responsável pelo Laboratório Piracema Design, um núcleo de

pesquisa da forma brasileira. Idealizadora do Projeto Piracema, conta que o laboratório

é feito através de “vivências que ajudam na formação de profissionais para atuação em

programas de aproximação entre design e artesanato”. O projeto, que já passou por

diversas regiões do Brasil, objetivou valorizar a cultura tocantinense com o resgate do

uso do Capim Dourado, desenvolvido em parceria com o SEBRAE na comunidade de

Ponte Alta, no Jalapão. A coleção recebeu o nome de Jalapa.

Figuras 12 e 13 – Oficina no Jalapão e produto confeccionado para a coleção Jalapa.

Foto: Fabio Del Re (2009)

18

Disponível em: <www.croccostudio.com> Acesso em: ago/2012

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Segundo a designer (CROCCO, 2000), em seu procedimento de trabalho com

as várias comunidades, ela busca tirar o cerne do projeto das condições locais, nunca

impor ou levar pronto, estabelecendo uma relação ética. Por meio do diálogo, procuram

eleger um referencial básico da identidade local e desenvolver o design a partir daí,

valorizando o saber local e chamando a atenção para o fato de que o artesão é um

conhecedor nato dos recursos materiais empregados nos artefatos e das tradições da sua

comunidade. Crocco (2000, p. 26) aponta que

Uma relação entre esses dois universos pode contribuir para o

processo de renovação cultural. O papel do designer ultrapassa os

limites do apuro estético que sua interferência possa trazer à

manualidade do artesão. Ele esclarece ideias e sentimentos e faz com

que o objeto reflita o que o homem descobre de seu meio e de si

próprio, incentivando a busca de novas soluções para a confecção

dos produtos.

Um trabalho recente da designer foi feito em parceria entre a ABEST

(Associação Brasileira de Estilistas) e o SEBRAE. O projeto prevê ações durante os

anos de 2012 a 2015. Entre as diversas atuações das duas entidades, estão a

profissionalização de comunidades artesanais e o lançamento do caderno +B da

ABEST, intitulado Identidade Brasil, que tem como fonte de inspiração, segundo

Maurício Medeiros, representante da Associação, o país e suas riquezas iconográficas e

etnográficas.

No projeto, serão beneficiadas 15 comunidades de artesanato por meio de

capacitações para incorporar o design e incluir seus produtos na indústria da moda

brasileira de alto valor agregado.As comunidades serão escolhidas por critérios

específicos, como localização em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) e elevada presença de artesãos que dominem uma técnica específica e que já

tenham sido atendidos pelo SEBRAE.

A primeira comunidade a receber a oficina foi a comunidade Mumbuca, em

Mateiros/TO. Crocco ministrou uma oficina de 9 a 15 de abril/2012, cujo objetivo

(segundo informações do SEBRAE) foi treinar os artesãos para o desenvolvimento de

produtos inovadores e competitivos, fazendo com que essas comunidades incorporem

práticas sustentáveis em sua produção.

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47

Figura 14 – Oficina ministrada por Heloisa Crocco na Mumbuca:

Fonte: Fabio Del Re (2012)

O caderno +B foi lançado pela ABEST em maio/2012. Essa edição do livro

intitulada Identidade Brasil foi dividida em três grandes temas – Traço, GPS e Casulo –

e cada um deles mostra uma faceta da essência brasileira por meio de textos, fotos e

ilustrações. O tema do capim dourado foi incluído dentro de GPS.

Figura 15 – Caderno +B ABEST 2013.

Foto: Divulgação

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b) Marcelo Rosenbaum

Marcelo Rosenbaum é brasileiro, nascido em 1968 em Santo André, São Paulo.

O designer atua há mais de 20 anos à frente do escritório Rosenbaum19

. Seu trabalho

tem como inspiração principal os valores da brasilidade.

A síntese do pensamento de trabalho da Rosenbaum é o conceito do

MORAR20

ampliado, além do projeto do espaço físico e da estética do objeto. O

MORAR é interpretado sob seu recorte dos valores de conexão, identidade cultural,

cultura popular, memória e inclusão.

Rosenbaum, a convite de Heloísa Crocco, participou da edição do Projeto

Piracema – Vivências junto aos artesãos que já trabalham com capim dourado. O

workshop, que aconteceu entre os dias 8 a 18 de julho de 2009, teve como propósito

criar protótipos de produtos novos para os artesãos, orientando-os na continuidade dessa

produção e na maior geração de trabalho e renda para o artesanato local. A coleção

desenvolvida recebeu o nome de Jalapa.

Segundo Rosenbaum, após a chegada ao município de Ponte Alta/TO, o

contato com as artesãs e, principalmente, com a matéria prima, procurou também

conhecer melhor as artesãs e o entorno daquela prática artesanal. Após isso, descreve

em seu site o método utilizado nessa vivência no Jalapão:

Levei referências de tendência das maxi bijoux, tipo que se usa hoje e

que aparecem em todas as revistas de moda, até nas novelas. Fizemos

o exercício de observar o cotidiano delas, as belezas da região e

buscamos incorporar essas formas nos objetos, valorizar o brilho do

capim dourado como matéria mais nobre, e usar outros materiais que

contrastassem, mas que não roubassem a cena. Optei por trabalhar

mais com bijoux, pois necessitam de menos matéria de capim e podem

ser mais valorizadas, já que a aceitação é imediata. Só sei que

gostaria de dedicar cada vez mais do meu tempo para trazer esse

artesanato em potencial, essa riqueza natural para o benefício de

todos. Todos nós temos muito que aprender! É isso, espero que essa

vivência tenha sido tão transformadora para as artesãs e para a

equipe Jalapa, como foi pra mim (ROSENBAUM, 2009)

19

Disponível em <www.rosenbaum.com.br> Acesso em: ago/2012

20 Trabalho permanente do escritório Rosenbaum®, que desenvolve projetos e produtos para o segmento casa.

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49

Figuras 18 e 19

21: Colar Raimunda com fio preto e Mesa Amélia com pés de lixeira.

Fonte: Fabio Del Re (2009)

c) Renato Imbroisi

Renato Imbroisi, segundo o perfil em seu site pessoal22

, é tecelão e designer de

artesanato. Trabalha em parceria com artesãos têxteis, dirigindo oficinas de criação e

desenvolvendo novos produtos. Já participou de muitos projetos em todas as regiões do

Brasil e também trabalha na África (Moçambique, e São Tomé e Príncipe), além de já

ter realizado workshops e oficinas de criação na Itália e no Japão.

Tecelão por formação, iniciou o desenvolvimento de um método criativo junto a

artesãos em 1987, ao chegar ao município de Carvalhos, no Sul de Minas Gerais, onde se

localiza o bairro rural do Muquém. Sem eletricidade, vivendo de pequenas criações e

hortas em sistema de agricultura de subsistência, a pequena população ainda produzia

tecido em teares antigos, feitos à mão com madeira local. A partir da criação de novos

tecidos junto com as tecelãs locais, criou seu método de trabalho, adotado desde 1996 –

ano de seu primeiro convite para atuar como consultor do SEBRAE junto a artesãos do

Distrito Federal. Imbroisi é também um dos pioneiros nesse tipo de atuação no país.

Como ele mesmo afirma:

Eu já tinha um nome, eu já me destacava nessa área, fui um pioneiro.

O SEBRAE me chamou porque já sabia desse meu trabalho. Iniciei o

trabalho com o SEBRAE em 1996, foi 12 anos depois do começo em

Muquém. Foi quando começou o programa de artesanato SEBRAE

(CANANI, 2008, p. 200).

21

Fotos do catálogo Jalapa, produzido ao final da vivência.

22 Disponível em <www.renatoimbroisi.com.br> Acesso em: ago/2012

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50

O designer-artesão também é conhecido por sua habilidade em mesclar as

matérias-primas mais diversas, como o algodão, a corda, galhos, seda, sementes etc.

Entre suas exposições, estão Meninas Geraes (BNDES, Rio de Janeiro, 2003),

Que Chita Bacana (SESC Belenzinho, São Paulo, 2005), Desenho de Fibra (Bento

Gonçalves e São Paulo, 2011). Imbroisi também mantém produção própria de tecidos e

outros objetos têxteis no povoado do Muquém.

Figura 20 – Artesã africana faz colar sob orientação de Imbroisi.

Fonte: Casa Brasil (2011)

Figura 21 – Mostra Brasil na África.

Fonte: Casa Brasil (2011)

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Imbroisi foi pioneiro no trabalho de inserção do design na comunidade da

Mumbuca. Também foi o primeiro a realizar oficinas com as artesãs da região do

Jalapão, sob iniciativa de um trabalho da Secretaria da Cultura, de 1997 a 2001.

No ano de 2011, quase 10 anos depois da sua primeira oficina, o designer foi

convidado a retornar para novas oficinas e desenvolver outras linhas de produtos na

região do Jalapão, em Mateiros e Mumbuca, do dia 14 a 17 de outubro, quando as

artesãs receberam a segunda etapa da capacitação em Capim Dourado ministrada pelo

designer. Ele explica:

Nesta etapa, elas incorporaram melhor a ideia de trabalhar temas

específicos, que darão forma a novas peças da coleção exclusiva que

pretendemos lançar no final do projeto. Como, por exemplo, molduras

de espelho, cúpula de luminárias e peças de acessórios no formato de

folhas em capim dourado (SOUZA, 2011).

Renato Imbroisi também está desenvolvendo um catálogo do artesanato em

capim que delineará a história do artesanato e dos artesãos da região para mostrar como

foi o início e toda a evolução da arte com o capim dourado nessas comunidades.

Considerando esse breve estudo de programas brasileiros de desenvolvimento

do artesanato ligado ao design, torna-se crucial estabelecer algumas conexões com o

design. Para tanto, voltamos às linhas de atuação propostas por Bonsiepe (2008)23.

Primeiramente, observa-se que projetos ligados direta ou indiretamente ao

governo acabam por adquirir uma Atitude Paternalista (Bonsiepe, 2008, p. 309) como o

PAB e também o Programa de Artesanato Brasileiro, citados anteriormente. Mesmo que

unam esforços para o desenvolvimento e comercialização dos produtos artesanais,

muitas vezes acabam caindo na rede de um programa de Gestão de Artesanato, como o

que o SEBRAE mantém na área do Jalapão, e que muitas vezes, com um projeto linear

de atuação, massificam os produtos artesanais num processo de adequação ao mercado e

escoamento de produtos que beneficiam mais os intermediários do que a própria

comunidade, visto que a melhoria e o desenvolvimento que chegam a lugares tão

remotos são pequenos em comparação ao crescimento das vendas dos artefatos

artesanais brasileiros dentro e fora do país.

Margolin e Margolin (2004) afirmam que desde a revolução industrial, o

paradigma do design tem sido o de desenhar para o mercado, enquanto alternativas

23

Conforme apresentado na página 30 dessa dissertação

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recebem pouca atenção. Ou seja, o papel do designer que atua em linhas de trabalhos

sociais, como aquelas ligadas ao artesanato também é o de questionar o conceito de

“mercado” e o de domínio de mercado.

Sobre isso, Bonsiepe (2005, p. 3) cruza o significado de mercado com o de

democracia e diz:

Nas versões neoliberais, a democracia é sinônima da predominância

do mercado como conceito quase sacralizado e como máxima e

exclusiva instância para regular as relações sociais dentro das e

entre as sociedades.

Pensando neste conceito de democracia, o autor ainda reflete ao dizer:

Utilizo uma interpretação simples de democracia, no sentido de

participação para que dominados se transformem em sujeitos que

abrem espaço de autodeterminação, e isto quer dizer espaço para um

projeto próprio, para um design próprio. [...] Faço minha adesão a

um conceito substancial e menos formal de democracia no sentido de

redução de heteronomia, heteronomia entendida como subordinação

a uma ordem imposta por agentes externos. [...] Mencionamos aqui o

papel do mercado e o papel do design dentro do mercado.

Entretanto, o autor faz uma ressalva e diz que não está propondo um design

universalista e idealista, mas sim uma postura crítica dos designers frente às imposições

vigentes. Imposições que podem ser vistas em alguns projetos de design feitos na

comunidade da Mumbuca, que nascem de uma ideia sem diálogo com os artesãos, um

acordo unilateral. Isto pode ser constatado na pesquisa de campo por meio do recorrente

apontamento dos entrevistados.

Ao que parece, a ONG PEQUI vem se destacando em contraponto a essa

imposição e dominação paternalista de certos projetos. Nasceu de uma ideia não

propriamente dita de design, mas dentro de um conceito de preservação e

desenvolvimento do cerrado e de suas comunidades, aproximando-se das Atitudes

Produtivista e de Estímulo (BONSIEPE, 2008, p. 39), uma vez que busca, em conjunto

com os artesãos, a conscientização para a preservação ambiental e a criação de

alternativas de vendas que excluam a necessidade de intermediários, se encaixando no

modelo social de design proposto por Margolin e Margolin (2004).

Os designers Crocco, Rosenbaum e Imbroisi apresentados neste estudo foram

escolhidos não só por sua importância na relação entre design e artesanato, mas também

pelo reconhecimento por sua ética de trabalho junto aos artesãos. Ao que parece em

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seus diálogos, demonstram respeito pela cultura tradicional do artefato artesanal,

percepção das necessidades reais dos artesãos e cuidado com juízos de gosto. Isso é

reiterado na fala dos artesãos entrevistados.

Voltando a Bonsiepe e às Atitudes Produtivista e de Estímulo, é necessário

ressaltar que para o desenvolvimento do trabalho dos designers se encaixar à luz dessas

atitudes, a postura do designer deve ir além da superficialidade da renovação estética.

O design mais e mais se distanciou da ideia de ‘solução inteligente

de problemas’ e mais e mais se aproximou do efêmero, da moda, do

rapidamente obsoleto – a essência da moda é a obsolescência rápida

–, ao jogo estético-formal, à ‘boutiquização’ do mundo dos objetos

(BONSIEPE, 2005, p. 1)

Uma alternativa para a fuga dessa efemerização do trabalho do designer junto

às comunidades artesanais pode estar na continuidade e acompanhamento dos processos

propostos. O acompanhamento regular do trabalho desenvolvido nas oficinas, a volta do

designer à comunidade e a conversa com seus membros sobre o trabalho sendo

realizado pode revelar aspectos novos e contribuir para o desenvolvimento,

permanência e emancipação da atividade.

Longe do idealismo e da negação ao mercado propostos por Papanek (1971), as

relações apresentadas neste estudo auxiliam a embasar e referenciar a pesquisa, já que

também foi constatada a falta de estudos direcionados ao design social e à sua interação

em comunidades, como afirmam Margolin e Margolin (2004, p.46): “não existe mais

suporte a serviços de design social, por ausência de pesquisas que demonstrem como

um designer pode contribuir para o bem-estar humano”.

Os programas, ações e designers pesquisados, sua forma de atuação, métodos e

resultados analisados possibilitaram um direcionamento maior no estudo e na própria

pesquisa de campo, fundamentando e ajudando a perceber as diversas faces do objeto de

estudo também em outros envolvimentos e, com isso, voltando-se para um dos objetivos

do Design Social: o de revelar uma metodologia que ressalte os interesses e

necessidades culturais de um povo e promover a interação social (SENA, 1995).

Além disso, através deste estudo, observou-se o crescimento do número de

interações entre design e artesanato que dizem priorizar a ética e o mútuo

desenvolvimento, visando à conservação da produção artesanal e consequente inserção

no mundo industrial/pós-industrial.

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A religião artística moderna gira sobre si

mesma sem encontrar a via de saúde: vai

da negação do sentido pelo objeto à

negação do objeto pelo sentido.

(OCTÁVIO PAZ, 2006)

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CAPÍTULO 2 – DESIGN E ARTESANATO: UMA RELAÇÃO

POLÍTICA E (I)MATERIAL

Como vimos no capítulo anterior, a aproximação do design para com o

artesanato se intensificou nos últimos anos, e o uso do design como ferramenta de

trabalho aliada no campo do artesanato tem se dado em larga escala.

Neste capítulo, vamos compreender como essa relação extrapola uma simples

interação entre áreas de criação consideradas distintas, e passa a ser um processo para

conservação do patrimônio histórico e cultural (material/imaterial) brasileiro à luz da

Constituição Federal de 1988.

2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Os avanços nos estudos jurídicos sobre patrimônio cultural trouxeram uma

nova perspectiva sobre o que seriam esses bens culturais:

Patrimônio cultural não se limita aos monumentos de ’pedra e cal‘,

ou seja, aqueles bens materiais e tangíveis; ao revés, reconhece nas

manifestações culturais imateriais mais uma dimensão desse

patrimônio. (AGUINAGA, 2006, p.4)

Assim como os artefatos artesanais estudados nesta pesquisa, os quais, além de

objetos, são manifestações culturais, as formas de representação manual passaram a ser

reconhecidas como integrantes desse patrimônio cultural, de acordo com a Constituição

Federal de 1988. Pesquisas que já vinham sendo realizadas no tocante a preservação e

continuidade dessas práticas ganharam maior visibilidade, e sua aplicação passou a ser

mais estudada e difundida desde então.

O capim dourado, matéria prima do artesanato que a comunidade Mumbuca24

produz, teve seu valor reconhecido pela lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009 como sendo

bem de valor cultural e patrimônio histórico do estado do Tocantins25. Com isso, tornou

24

Estudo de caso

25 Conforme publicado no Diário Oficial do Tocantins Nº 3.013, 2009 (ANEXO 1)

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56

ainda mais importante a manutenção de suas práticas e a conservação das tradições e

comunidades relacionadas a ele.

O tratamento constitucional do bem cultural está previsto nos artigos 215 e 216

da Carta Federal de 1988. O artigo 215 trata da proteção ao patrimônio cultural de modo

amplo, mencionando o direito de todos ao exercício dos direitos culturais e o acesso às

fontes da cultura nacional, cabendo ao Estado garantir o exercício desses direitos, assim

como a valorização e difusão das manifestações culturais. O artigo 216 traz o conceito de

patrimônio cultural e os meios utilizados para sua proteção. Apresenta a seguinte redação:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se

incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços

destinados às manifestações artístico-culturais;

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,

artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá

e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários,

registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras

formas de acautelamento e preservação.

§2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da

documentação governamental e as providências para franquear a sua

consulta a quantos dela necessitem.

§3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento

de bens e valores culturais.

§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na

forma da lei.

§5º Ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de

reminiscências históricas dos antigos quilombos [...]

Portanto, numa primeira leitura, patrimônio cultural abrange a ideia de

conjunto de bens, materiais e imateriais, portadores de valores culturais. Porém o artigo

216 reporta a necessidade de dotar de significado as manifestações culturais ou bens

culturais. Nesse sentido, Reale (1983, p. 212.) observa que:

As manifestações ou bens são “suportes”. Para que sejam contados

como pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro, necessitam do

“significado”, que sejam portadores de referência à identidade, à

ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira.

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57

Nesse contexto, a comunidade Mumbuca além de possuir o suporte – suas

manifestações culturais (cantigas de roda, festas) e bens culturais (artefatos artesanais) –

conta também com o significado: como remanescentes quilombolas, são portadores de

referência à identidade e constituem Patrimônio Cultural Brasileiro, uma vez que estão

ligados à memória de um dos grupos formadores da sociedade brasileira – a matriz afro,

como caracteriza Ribeiro (1995, p.20):

A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes

da versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental,

diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos

negros africanos, resultando na confluência de tantas e tão variadas

matrizes formadoras de uma sociedade multiétnica.

Conforme apontado pelo autor, a matriz afro é um dos grupos formadores da

sociedade brasileira, mesmo tendo, muitas vezes, sua participação e importância

encobertas. Segundo Merlo,

Lendo os históricos, torna-se cada vez mais evidente o encobrimento

da presença negra. Algumas referências, no entanto, limitam-se em

atribuir ao negro a condição de escravo, sem valorizar sua

contribuição à vida [...] (2005, p. 31)

Esse fator, somado aos já apresentados, torna ainda mais relevante o

desenvolvimento da presente pesquisa com uma comunidade remanescente de

quilombo, no sentido não só de resguardar, mas de dar visibilidade e voz a memórias

suprimidas ou silenciadas.

2.2 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

Como vimos, a Constituição Federal de 1988 ampliou o alcance do patrimônio

cultural, nele inserindo os bens imateriais, uma vez que não é apenas de aspectos físicos

que a cultura de um povo se constitui.

Existe uma porção intangível de ‘herança cultural’, que está contida

nas tradições, no folclore, nas línguas, nos saberes, dentre outros, que

é a própria fonte da identidade do povo brasileiro (AGUINAGA,

2006, p.4).

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Segundo a Unesco, na Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural

Imaterial (2003), o patrimônio cultural imaterial consiste nas

[...] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas –

junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhe são

associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os

indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio

cultural.

Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em função de seu ambiente, de

sua interação com a natureza e de sua história, “gerando um sentimento de identidade e

continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à

criatividade humana” (IPHAN,s/d). Enfim, o que a Constituição Federal chama de

modos de criar, fazer e viver do povo.

Diante disso, e segundo Machado (2003, p. 872.):

O conceito de patrimônio cultural dado pela Constituição Federal

permite uma proteção dinâmica e adaptável às contingências e

transformações da sociedade. Daí a previsão de se resguardar as

formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver.

2.2.1 Conhecimentos Tradicionais

Somado ao que pode ser considerado patrimônio cultural imaterial,

identificamos na comunidade da Mumbuca outro patrimônio que foi reconhecido na

Medida Provisória nº 2.186-16/10, definido como conhecimento tradicional em seu

artigo 7º, § II: “informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou

de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético”. O

§ III assim define comunidade local:

[...] grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de

quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza,

tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que

conserva suas instituições sociais e econômicas.

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Este tema está relacionado aos saberes de minorias, como indígenas,

quilombolas26 e comunidades ribeirinhas, dentre outros grupos que compõem o povo

brasileiro.

Além do enfoque jurídico, os conhecimentos tradicionais vêm ganhando

espaço na mídia, não por se tratar de um “bem cultural imaterial, referência para o

processo formador da sociedade brasileira” (LEONEL, 2010, p.186), mas

principalmente pela abordagem de empresas com interesse econômico, que visam

transformá-los em matéria prima.

Pensando nessas formas de resguardar o patrimônio cultural e suas expressões,

veremos a seguir as mudanças nos modos de proteção ao longo do tempo, em seus

desdobramentos jurídicos, até o momento em que podemos encaixar o design como

ferramenta passível de utilização em tais processos.

2.3 PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO

Conforme mencionado anteriormente passaremos a uma abordagem histórica

das mudanças nas leis de proteção ao patrimônio, a fim de entendermos a importância

do que foi promulgado em 1988.

Ao longo da história de nossas Constituições, é possível identificar a evolução

do interesse pelo patrimônio cultural e as formas de proteção, pela observação dos

respectivos momentos históricos e políticos.

A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 148, dispunha que “cabe à

União, aos Estados e aos Municípios, [...] proteger os objetos de interesse histórico e o

patrimônio artístico do País”.

Na Constituição Federal de 1937, seu artigo 134 destaca que os monumentos

históricos, artísticos e naturais gozam da proteção da Nação e que “os atentados contra

eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional”.

Já no Texto Constitucional de 1946, o assunto foi retratado no artigo 175: As

obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os

monumentos naturais, as paisagens e os locais de particular beleza ficam sob a proteção

do Poder Público.

26

Como a comunidade da Mumbuca.

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Em 1967, o artigo 172 da Constituição Federal previa que o amparo à cultura

seria dever do Estado, e o parágrafo único dizia que “ficam sob a proteção especial do

Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os

monumentos e as paisagens notáveis, bem como as jazidas arqueológicas”.

Nessa abordagem das mudanças na lei, ao analisar o Texto Constituinte de

1988, percebemos que ele extrapolou as propostas anteriores e tratou do meio ambiente

cultural sob nova óptica, desde a essencialidade do meio ambiente em todas as suas

formas como o estabelecimento de mecanismos de preservação, esclarecendo no § 1º do

artigo 216 que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e

protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,

tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento”. Leonel (2010,

p.188) diz que este rol é exemplificativo, o que permite certa liberdade para que o

legislador possa criar outros instrumentos que respondam com precisão e adequação às

demandas da preservação do patrimônio cultural.

Pensando nesses outros instrumentos, inserimos a atuação dos designers junto a

comunidades tradicionais – no caso desta pesquisa, comunidades produtoras de artesanato

– que, através das oficinas e projetos em conjunto com os artesãos, buscam a manutenção

dessas práticas culturais e o consequente desenvolvimento e autonomia de seus membros.

Por outro lado, há muitos atravessadores e aproveitadores que, dotados ou não

de conhecimentos em design, usam o discurso de ajudar e desenvolver, e acabam por

roubar ideias ou produzir linhas de produtos com lucro só para si, sem compartilhá-lo

com a comunidade, o que gera desconfiança entre os artesãos, conforme verificado nas

entrevistas com artesãos e nas pesquisas bibliográficas.

Muitas vezes há má-fé dos designers ou dos empresários. Há casos de

comunidades que têm uma repercussão de mídia significativa e os

designers buscam tirar partido disso desonestamente (BORGES,

2011, p.151)

Com isso em mente, Leonel (2010, p. 191) diz tornar-se necessário para o combate

deste desequilíbrio a “efetivação de instrumentos protetivos que garantam a continuidade,

bem como a identificação da cultura brasileira, numa perspectiva sustentável”.

Ressaltamos que quando utilizamos a palavra proteção, não estamos propondo

um tipo de protecionismo conservador, que alienaria a comunidade das interações

externas, mas sim uma proteção de iniciativas que não visem ao desenvolvimento da

comunidade, objetivando resguardar o próprio patrimônio cultural brasileiro, já que

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entendemos que “os interesses de preservação e de desenvolvimento não são conflitantes

entre si” (IPHAN, s/d), ou seja, este objetivo vai muito além da esfera projetual e estética,

e penetra um campo de valoração e salvaguarda da cultura brasileira.

Com o objetivo de preservar o capim dourado que, conforme mencionado

anteriormente, foi reconhecido pela lei nº 2.186 de 14 de julho de 2009 como sendo

bem de valor cultural e Patrimônio Histórico do estado do Tocantins, realizou-se um

Inventário Cultural da Produção Artesanal com Capim Dourado de Mumbuca a partir da

perspectiva de patrimonialização.

O Inventário é uma das formas de proteção dos bens culturais que a

Constituição Federal prevê no § 1º do artigo 216: “O Poder Público, com a colaboração

da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de

inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de

acautelamento e preservação”.

O inventário recebeu o nome de Capim Dourado – trançando a tradição e foi

realizado pela Fundação Cultural do Tocantins e aprovado pelo Ministério da Cultura

em dezembro de 2008, tendo o seu resultado entregue à comunidade da Mumbuca em

setembro de 2010.

Este projeto objetivou a produção de um conhecimento sistematizado acerca

desse bem cultural que é o artesanato produzido com o capim dourado. Teve como

centro de pesquisa a comunidade da Mumbuca, por ser o berço da prática.

A cultura dos artesãos de Mumbuca, ao se espalhar pelo Jalapão e

outras regiões do estado e do país, imprimiu uma marca ao

Tocantins, tornando-se por força dessa impressão uma referência

cultural para o estado, o seu patrimônio cultural (NAVES, 2010, p.3).

Ainda pensando na adoção de instrumentos de proteção, como o caso do

inventário realizado na comunidade da Mumbuca, o Decreto nº 3.551/10 exemplifica

como sendo tarefas que permitem não só a sobrevivência do grupo detentor do saber

sustentar-se economicamente, mas principalmente preservar sua identidade, de modo a

poder transmitir esses saberes às futuras gerações.

O decreto fornece embasamento jurídico a esta pesquisa que, através do design,

estuda relações que proporcionem o desenvolvimento socioeconômico das comunidades

artesãs e a manutenção de suas tradições. Nossa expectativa é de que, mesmo

interagindo com áreas contemporâneas, como o design, elas preservem os traços que as

identificam e caracterizam, voltando à ética do interferir sem ferir.

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2.4 CULTURA MATERIAL

O artesanato, como vimos, é considerado elemento do patrimônio cultural,

agregando-se aos demais elementos que dão corpo à memória coletiva de um povo.

Também é compreendido como patrimônio imaterial, além de estar sendo estudado

como elemento que compõe a cultura material, no que tange o sistema sociocultural de

determinada sociedade. O design e o artesanato estão integrados a essa categoria maior,

a cultura material, e, portanto, representam valores sociais, econômicos e culturais de

uma determinada sociedade humana (PAULA, 2012, p. 9).

A expressão cultura material está relativamente difundida na história e, embora

em menor grau, também em diversas ciências humanas.

Nos primeiros vinte anos do século XX, a noção de cultura material

completa o seu longo processo de maturação e toma realmente corpo,

tornando-se quase indispensável em vastos sectores das ciências

humanas, como a pré-história e certas formas de arqueologia que se

alargaram consideravelmente (BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7).

Segundo Rede (1996), a expressão cultura material é polissêmica e pode dar

margem a ambiguidade: a polissemia deriva do fato de indicar tanto o objeto de estudo

quanto uma forma de conhecimento (implicando uma proposta de método etc.). Essa

ambiguidade, relacionada à definição ou conceituação do que seria a cultura material

propriamente dita, existe desde os primeiros registros da expressão ou dos estudos da

produção material de diferentes culturas.

Quanto à sua origem, Cardoso (1998) aponta para os estudos etnológicos

realizados pelos colonizadores europeus a respeito de povos considerados primitivos. A

visão europeia adotava uma classificação da cultura material baseada no

desenvolvimento das artes industriais dos países ditos “superiores” em relação às

culturas primitivas. Com isso, o termo cultura material não era aplicado aos objetos

produzidos pela própria cultura europeia.

A expressão ‘cultura material’ era reservada para uma classe de objetos

indignos mesmo de inserção no universo capitalista de compra e venda,

cujo único valor para a sociedade moderna era o de curiosidade ou de

objeto de estudo antropológico (ibid., p.21).

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Com o avanço dos estudos nessa área, somando-se a vários outros analistas,

Whewell (1851) acreditava ser possível verificar o progresso da civilização humana

através do estudo da arte material dos vários povos. Esses estudos levaram ao

surgimento da Academia de História da Cultura Material da URSS, em 1919, por um

decreto de Lênin, marcando o reconhecimento institucional do termo.

Esta data sanciona um facto relativamente novo, o ingresso oficial da

noção no campo da história. O decreto de Lênin fala de história da

cultura material; enquanto dantes as principais ciências humanas

tinham participado na sua gestação, a cultura material, com

instrumento intelectual acabado, passará a ser objeto de história

(BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7).

No período compreendido entre 1920 e a Segunda Guerra Mundial, o termo

cultura material passa a ser de uso corrente na história, principalmente na França, em que

seus historiadores dedicavam-se à “elaboração de uma história nacional que legitimasse o

plano ideológico do novo Estado republicano e centralizado” (ibid., p.10)

Na contracorrente, em 1929, Febrve e Bloch fundaram a Escola de Annales, a

qual pode ser considerada responsável pela contribuição mais significativa aos novos

estudos da cultura material e representou o movimento precursor da História da

Cultura Material.

Com os Annales, os estudos de cultura material distanciaram-se da

abordagem tradicional da história das técnicas, restringiram-se

finalmente ao papel de complemento à história das mentalidades

(REDE, 2003, p.282).

Essa nova forma de olhar a cultura material considerou também a existência de

culturas diferentes, e não mais de culturas opostas ou inferiores.

Atualmente, o estudo da cultura material não tem mais como objetivo

diferenciar as sociedades civilizadas das sociedades selvagens,

quando era comum o uso do termo artefato, mas sim entender melhor

o papel dos artefatos em um mundo em que o consumo de

mercadorias e o consumismo constituem-se em fenômenos da maior

importância social e cultural (CARDOSO, 1998, p.22).

Essa preocupação em descrever o papel das coisas materiais na sociedade

moderna e, sobretudo a valorização da função sígnica dos objetos já era tratada no livro

Le systéme des objets, (BAUDRILLARD, 1968). Esse viés proposto por Baudrillard

estava intimamente ligado a uma abordagem semiológica da cultura material,

entendendo que o “objeto é, antes de mais nada, um signo; a cultura material é um

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sistema discursivo, e seu estudo, uma operação semiótica, identificando Baudrillard

como o mais representativo autor dessa corrente” (REDE, 2003, p.285)

Esses objetos aos quais Baudrillard se referia, segundo Prown (2000, p. 15)

seriam o conjunto de “manifestations of culture through material productions”27

. E

Prown complementa:

The underlying premise is that human-made objects reflect,

consciously or unconsciously, directly or indirectly, the beliefs of the

individuals who commissioned, fabricated, purchased or used them

and, by extension, the beliefs of the larger society to which individuals

belonged”28

(Ibid, p.15).

Ou seja, os objetos fabricados, usados e trocados pelos indivíduos fazem parte

da sociedade em que eles estão inseridos. Sendo assim, contam histórias e refletem o

momento em que foram produzidos.

Cultura material é apenas uma formulação muito restritiva dos

múltiplos aspectos que compõem essa noção, e não abarca a sua

totalidade: a cultura material é composta em parte, mas não só, pelas

formas materiais da cultura. (BUCAILLE e PESEZ, 1989, p.7).

Para entendermos melhor a cultura material, Bucaille e Pesez (Ibid, p. 13)

dizem ser necessário evidenciar algumas características essenciais:

1. A cultura material pode ser definida, antes de tudo, como a

cultura do grosso da população;

2. O estudo da cultura material dedica-se a observar, em vez da

sucessão de fatos diversos, os fatos que se repetem

suficientemente para serem interpretados como hábitos,

tradições reveladoras da cultura que se observa;

3. Constituem um dos domínios mais evidentes e característicos

dos estudos sobre a cultura material os fenômenos

infraestruturas (segundo a terminologia marxista);

4. Estudar a cultura material significa atribuir importância

causal, nos fatos culturais, aos limites materiais que devem

ter em conta.

Ou seja, para os autores, a cultura material é o conjunto de objetos concretos,

produzidos e usados pelo coletivo, com ocorrência constante e estável, para poderem

caracterizar o modo de vida e os valores do grupo social estudado.

27

Manifestações culturais através de produções materiais (tradução nossa)

28 A premissa fundamental é que os objetos construídos pelo homem refletem, consciente ou

inconscientemente, direta ou indiretamente, as crenças dos indivíduos que os encomendaram,

fabricaram, compraram ou utilizaram. E, por extensão, as crenças da sociedade à qual pertenceram

esses indivíduos (Ibid, p.15, tradução nossa)

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Feito com as mãos, o objeto artesanal guarda impressas, real ou

metaforicamente, as impressões digitais de quem o fez. Essas

impressões não são a assinatura do artista, não são um nome;

também não são uma marca. São mais bem um sinal: a cicatriz

quase apagada que comemora a fraternidade original dos homens

(PAZ, 2006, p.6)

A expressão cultura material, como vimos, teve seu nascimento mais ligado ao

campo da arqueologia e da antropologia. Entretanto, várias áreas do conhecimento,

hoje, a reconhecem como instrumento de estudo.

Segundo Rede (2003), a cultura material é estudada e usada como instrumento

de estudo sob duas perspectivas; a primeira seria uma perspectiva histórica,

demonstrando as formas de interação entre as sociedades e sua cultura material; e a

segunda insere a cultura material no processo historiográfico de produção de

conhecimento, figurando como fonte documental.

Para estudar a produção material de uma cultura sob uma perspectiva histórica,

Wright (1993, p.245) fala da importância da contextualização desses objetos:

“centralizar a análise em objetos em movimento em contextos de produção e consumo,

mais do que objetos isolados, permitiria um melhor entendimento da dinâmica social do

grupo envolvido”. Fazendo isso, podemos refletir, por meio do objeto, sobre a estrutura

social de seu contexto de fabricação e uso.

“Os artefatos consistem em testemunho material de uma determinada

sociedade, ao retratar modos de vida e revelar múltiplas expressões culturais” (Velthem,

1998, p.21).

Os objetos/artefatos se transformaram em ícones representantes de

determinadas características de uma época ou de uma cultura, e conforme ressalta

Csikszentmihalyi (1993), representaram papéis diferentes ao longo do tempo, inclusive

como demonstradores de poder e distinção social. O autor (ibid.) ainda estabelece os

aspectos psicológicos das relações entre homens e coisas, ressaltando a função dos

artefatos na construção simbólica do processo de formação histórica do indivíduo.

Antes de prosseguirmos, faz-se necessária a conceituação de artefato, utilizada

largamente neste estudo. Segundo Nunes (2006), a natureza é composta de coisas brutas

e organismos animados; no âmbito artificial, estão localizados os objetos ou artefatos,

os quais surgem de uma ação gerada pela necessidade humana.

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Cardoso (2008, p.21) diz que mais correta que o uso da palavra objeto no

contexto atual seria a palavra artefato, a qual “se refere especificamente aos objetos

produzidos pelo trabalho humano, em oposição aos objetos naturais ou acidentais”.

O termo artefato abrange diversas categorias de objetos, tecnológicos

e industriais, a artísticos e artesanais, independente da função,

utilidade ou valor simbólico, além de que uma cultura se constitui de

um determinado conjunto de artefatos, relacionados por critérios de

contiguidade temporal, geográfica, étnica ou de uso (ibid., p.22).

Retomando o significado simbólico dos artefatos dentro do estudo histórico da

cultura material, podemos perceber que, na sociedade moderna, o uso ou o acúmulo de

artefatos como demonstrativos de status ou poder se tornou uma constante.

A sociedade moderna se caracteriza pela proliferação de bens e de

circuitos, cuja definição passa justamente pela distinção: os critérios

históricos ou geográficos, a tradição, a produção de origem

controlada, são mobilizados para conferir um estatuto distinto ao

objeto (REDE, 2003, p. 287)

Essa atitude de reconhecer nos objetos qualidades abstratas que não possuem

se configura como “fetichismo dos objetos”, o que, segundo Rede (1996) seria o ato de

transferir qualidades orgânicas (biológicas ou sociais) aos objetos que, por definição,

possuem apenas propriedades físico-químicas.

Para Miller (1987, p.143), o fetichismo consiste em “privilegiar os objetos no

lugar das pessoas”. Para Cardoso (1998), o fetichismo funciona ao mesmo tempo como

atribuição de valores subjetivos ao objeto e como apropriação de valores subjetivos

representados pelo objeto (ou nele embutidos).

Assim, ao falar dos aspectos materiais da cultura (material), torna-se necessário

falar também da imaterialidade que lhes confere existência e distinção.

É justamente por não se limitarem aos seus ingredientes materiais que

as coisas têm um papel que excede ao de quadro físico da vida social.

O universo material não se situa fora do fenômeno social,

emoldurando-o, sustentando-o. Ao contrário, faz parte dele como uma

de suas dimensões e compartilhando de sua natureza, tal como as

ideias, as relações sociais, as instituições (REDE, 1996, p. 274).

Passamos agora à segunda perspectiva de estudo da cultura material proposta

por Rede (2003), situada no nível historiográfico e que faz da cultura material uma fonte

documental.

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Segundo Lubar e Kingery (1993), existe uma resistência ao uso da cultura

material como fonte documental, predominando ainda o uso dos documentos escritos. E

mesmo quando a cultura material é utilizada como fonte documental, ela fica

dependente da confirmação por textos escritos.

Para Bucaille e Pesez (1989, p.25), os artefatos ou objetos concretos são a

forma mais segura de estudo:

É indispensável o conhecimento simultâneo dos objetos materiais – as

suas dimensões, formas, matéria e, indiretamente, os seus modos de

fabricação – e a sua proveniência exata, de modo a reconstruir ou

explicar o ambiente que os originou.

Com uma linha de pensamento semelhante, Prown (2000) reflete que os

artefatos permitem um contato direto com a cultura estudada, sem a intermediação do

entendimento do observador.

Pela sua própria materialidade, os objetos perpassam contextos

culturais diversos e sucessivos, sofrendo reinserções que alteram sua

biografia e fazem dele uma rica fonte de informação sobre a dinâmica

da sociedade (REDE, 1996, p.276).

Nas discussões sobre o uso da cultura material sob um ou outro aspecto, a

solução que parece viável, segundo Rede (ibid.), está na interação mútua e no controle

recíproco:

Uma solução consistente ao problema da inserção da cultura material

no processo de produção do conhecimento histórico não poderá

partir da defesa de sua superioridade ou da exclusão dos documentos

escritos, e sim apontado para uma perspectiva de informações

provenientes dos dois campos de análise (ibid., p. 277).

Enfim, torna-se necessário entender que a cultura material tem uma dimensão

mais ampla e diversificada do que objetos e artefatos, podendo ser observada também

como um fenômeno social.

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2.5. CONSUMO DE VALORES SIMBÓLICOS

Passaremos agora a pensar sobre o consumo como aspecto da cultura material,

conforme apontado por Miller (2007) e Baudrillard (1997), como representação das

estruturas de significação da sociedade capitalista.

Seja o bem cultural de natureza material ou imaterial mais do que

simplesmente garantir a preservação da memória das tradições

formadoras de uma identidade nacional, o que se quer hoje é

reconhecer a existência de múltiplas identidades, e gerar, a partir

da patrimonialização, perspectivas de inserção econômica, num

imbricamento cada vez maior entre patrimônio e mercado (BELAS,

2008, p.4).

Neste tópico, enfatizaremos a dimensão simbólica do consumo que se torna

verdadeira prática ritual e representa a organização social e o universo simbólico dessas

sociedades, pois, conforme Baudrillard (1997, p.206)

[...] o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os

objetos, mas com a coletividade e com o mundo), um modo de

atividade sistemática e de resposta global em que se funda todo o

nosso sistema cultural [...]. O consumo, pelo fato de possuir um

sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos.

Esse modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo é

o deslocamento das relações interpessoais para a representação delas próprias por meio

dos objetos (apresentado no tópico anterior como o fetichismo dos objetos). O indivíduo

não consome a materialidade do produto (razão pela qual o aspecto funcional dos

produtos de grandes marcas é menos importante do que seu valor de representação),

mas os significados que, por intermédio do produto, geram um conluio social em torno

de valores compartilhados pela sociedade capitalista.

Os artefatos artesanais são objetos repletos desses valores compartilhados pela

sociedade, e o crescimento do interesse por esse segmento gera preocupação no sentido de

[...] encontrar um meio sustentável de preservar e incentivar a

diversidade cultural, mantendo certo equilíbrio na correlação de

forças entre: as populações tradicionais portadoras de saberes e

práticas culturais; os agentes da economia de rede global

interessados em transformar bens culturais em bens de consumo; e os

consumidores que cada vez mais valorizam produtos com

componentes étnicos e/ou ecológicos (BELAS, 2008, p. 8).

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Poucos anos atrás, a opinião geral era de que os artesanatos estavam

condenados a desaparecer, deslocados pela indústria. “Hoje ocorre precisamente o

contrário: para o bem ou para o mal, os objetos feitos com as mãos já são parte do

mercado mundial” (PAZ, 2006, p. 10).

Fruto da globalização, o mercado mundial impõe um viver, um sentir, um

pensar cada vez mais parecido e comum. Nesse sentido, a valorização da diversidade

cultural constitui um bem de incomensurável valor, como diz Semprini (2010), que

A padronização da produção industrial leva inevitavelmente a

produtos mais homogêneos, mais banais [...] e que esse excesso de

formatação e de padronização acabou criando soluções alternativas:

o turismo verde, a frequência em lugares rurais em progressão

constante. (ibid., p. 83)

Com o processo de globalização influenciando todos os aspectos da

vida humana, a questão cultural surge como um importante elemento

dessa dinâmica. Nesse sentido, o mercado vai impondo elementos da

cultura de massa, indispensáveis à expansão das formas de

globalização econômica, financeira, técnica e cultural (SANTOS,

2001, p. 143).

A questão cultural torna-se mais visível, assim como a preocupação com a sua

proteção e continuidade. Nessa linha de pensamento, trabalhos de interação do design

com o segmento do artesanato também buscam formas possíveis de inserção do

artesanato no mercado contemporâneo. Para Silva (2007, p.1),

[...] o artesanato possui valores simbólicos e de identidade cultural

que vêm sendo resgatados e inseridos na sociedade como elementos

de diferenciação, gerando crescente demanda por produtos

artesanais.

Ou seja, a utilização do artesanato como um diferencial na indústria do

consumo vem ganhando força, conforme aponta Silva (ibid.), ao afirmar que a

valorização do artesanato como objeto de consumo passa a ser, ao mesmo tempo, uma

fórmula contra o risco de extinção da atividade e uma forma de satisfação do desejo

gerado na sociedade pós-industrial.

Essa volta dos olhares a produtos artesanais já era entendida por Canclini

(1983) como uma forma de expressar a recusa de uma sociedade mecanizada e a

capacidade de ela “escapar” mediante a aquisição de peças singulares elaboradas à mão.

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O artesanato supre uma lacuna deixada pela produção industrial, que

é a lacuna da identificação e da individualização simbólica dos

objetos diante do grupo ao qual o indivíduo que consome artesanato

pertence. (BARROSO, 2002, p.10)

E como estamos falando de uma configuração pós-moderna, Semprini (2010,

p.37) comenta que

[...] não se pode esquecer que o espaço social pós-moderno é, por

definição, dominado pelo imaterial, pelos conflitos de significados,

pelas construções simbólicas e discursivas.

Segundo Canclini (1983), o artesanato traz consigo toda essa expressão e o

fascínio simbólico explorado pelo capitalismo. Dessa forma, cada vez mais, enfatiza-se

o diferencial em termos culturais do produto artesanal, que lhe confere qualidade e uma

distinção que se converte em vantagem competitiva frente ao mercado consumidor, ao

contrário dos produtos industriais, que são “instrumentos exatos, serviçais, mudos e

anônimos” (PAZ, 2006, p.4). Ou seja, entramos num momento em que os valores

culturais tornam-se o próprio diferencial para o desenvolvimento econômico de uma

sociedade, porque seus valores e conhecimentos são únicos e farão a diferenciação desta

sociedade em um contexto globalizado.

Segundo Borges (2009), diante do avanço da globalização e da

desterritorialização, o mundo passa por momentos de perda de identidade, de

descaracterização. Consequentemente, aumentou a necessidade de o homem pertencer a

um lugar específico no mundo que o defina. E ele busca, cada vez mais, por objetos

típicos gerados no decorrer do tempo, pela região com a qual ele se identifica.

Semprini (2010) afirma que uma marca com identidade forte e definida será

mais valorizada socioculturalmente; e assegura que é a identidade de uma marca que o

público conhece, reconhece e aprecia. Através dessa busca por uma identidade que seja

reconhecida pelo público, a cultura cada vez mais tem surgido como opção para a

diferenciação das marcas. Os olhares se voltam a características e produtos nacionais,

como o artesanato que, segundo Borges (2009, p.64),

[...] exprime um valioso patrimônio cultural acumulado por uma

comunidade ao lidar, através de técnicas transmitidas de pai para

filho; por tudo isso, ele acaba se tornando um dos meios mais

importantes de representação da identidade de um povo.

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E afirma ainda, que há uma valorização dos chamados ‘produtos étnicos’,

objetos feitos à mão nos mais longínquos países e presentes nas lojas sofisticadas de Nova

Iorque e Milão, onde se veem os últimos lançamentos do design internacional (Ibid).

Mais do que simplesmente inovações nos produtos, hoje, essa

inovação na marca, como qualquer outra manifestação social em um

contexto pós-moderno, tem um obrigação de sentido. Uma forma de

inovação crucial para o desenvolvimento das marcas contemporâneas

está ligada a uma interpretação correta das tendências socioculturais

do momento. Uma tendência sociocultural atual é a chamada Marca-

País (SEMPRINI, 2010, p.35).

A existência de uma marca nacional que destaque e identifique bons produtos e

serviços pode ser usada como estratégia. Este caminho foi feito por diversos países,

como vemos a seguir:

No mundo inteiro, a Itália é reconhecida por seu design, a França,

por sua moda e perfumes, a Suíça, pela precisão de seus relógios. Se

estes países utilizaram seus valores culturais para destacarem-se no

mundo dos negócios, podemos nos valer destes sucessos como

referências para tornar a brasilidade um bem econômico valioso.

(SEBRAE, 2002, p.8)

A marca-país, o made in escrito nas etiquetas, passa a ter um papel muito

importante nesse nicho de mercado que busca distinção e um sentimento de

pertencimento em um mundo de fronteiras tão invisíveis como este em que vivemos.

Os programas de desenvolvimento social voltados para a preservação

do “fazer artesanal” estão sendo fortemente disseminados na

sociedade pós-industrial. Esses projetos visam ao desenvolvimento

sustentável dos artesãos com base na formação de cooperativas e

associações. E podem partir de iniciativas do governo, ou de

organizações não governamentais (ONGs) e até de empresas

privadas. Por outro lado, a existência de uma imagem nacional que

destaque e identifique bons produtos e serviços pode ser usada como

estratégia para conquista de mercados. Valorizar e difundir o

patrimônio cultural e humano está sendo um método largamente

utilizado para marcar a identidade local como uma forma de

marketing. O Made In Brasil, por exemplo, é um dos mecanismos

emergentes para a valorização da identidade local como resposta às

tendências globalizantes (CANCLINI, 1983, p.51).

Percebe-se então que ferramentas estratégicas de valorização cultural e de lugar

aplicadas nas relações entre design e artesanato podem apresentar novas formas de

participação do artesanato, em sintonia com a diversidade cultural e com o mundo

globalizado; mais do que isso,

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[...] essas iniciativas desenham um contexto demandante de crescente

protagonismo dos detentores de bens culturais, para além do simples

papel de beneficiário de políticas sociais ou vítimas de apropriação

(BELAS, 2008, p.11).

Trata-se de um processo constante de apreensão e reinvenção do significado

cultural, econômico e político da produção artesanal no qual o designer, após conhecer,

reconhecer e identificar esses processos e características do artesanato, pode sugerir

procedimentos ou inserções na produção artesanal os quais, de alguma forma,

contribuam para que os artesãos encontrem e firmem seu lugar num mundo feito à

máquina.

Neste capítulo, trouxemos uma visão política e histórica dos artefatos que

compõem nossa cultura e nossa cultura material, ressaltando a importância dos bens

culturais materiais ou imateriais para a constituição do patrimônio, e sua inclusão na

Constituição Federal de 1988, que apresentou uma nova visão e alcance dos

significados dos bens culturais e dos artefatos culturais.

Passamos a entender os artefatos como parte importante de nossa cultura

material e de nossa história. Dessa forma, para preservar comunidades tradicionais

artesãs e sua produção material, o trabalho – seja de designers ou não – perpassa o

universo estético, aproximando-se de questões de preservação de fontes históricas.

A comunidade Mumbuca, através de sua produção material, desde a confecção

dos primeiros artefatos utilitários para o dia-a-dia até o momento de inclusão de novos

objetos e conceitos de design, apresenta fatores importantes do seu desenvolvimento

social, já que entendemos que os artefatos são “plenos de significados e vão além de sua

utilização, pois carregam consigo uma história social” (Velthem, 1998, p.21).

Estudos de cultura material trabalham através da especificidade de

objetos materiais para, em última instância, criar uma compreensão

mais profunda da especificidade de uma humanidade inseparável de

sua materialidade (MILLER, 2007, p.47).

Nessa perspectiva de produção de artefatos, é verossímil compreender a relação

do design com a cultura material, já que, segundo Cardoso (1998), na sociedade

industrial, o design representa um sítio privilegiado para a geração de artefatos e constitui,

grosso modo, a fonte mais importante da maior parte da cultura material, sendo possível

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também, por seu intermédio, entender melhor o papel desses artefatos num mundo em que

o consumo de mercadorias constitui um fenômeno de grande importância social e

cultural, sendo também esse entendimento um atributo da cultura material.

Essa parece ser justamente uma das características do design: a de

materializar ideais, valores e conceitos, configurando-os através de

objetos utilitários, correspondentes às mais diversas necessidades,

demandas e anseios sociais (CIPINIUK; PORTINARI, 2008, p.65).

Mais do que materializar ideais ou mesmo ideias, o design passa a figurar

como ferramenta no processo de atribuir valores simbólicos aos artefatos que produz,

numa perspectiva ligada ao fetichismo do objeto, que tem se expandido no mercado

consumidor, o qual busca produtos culturalmente diferenciados e que evoquem emoções

como apego, pertencimento e raízes, em contraponto aos objetos massificados pela

globalização.

Essa corrente de consumo de valores simbólicos vê no artesanato tradicional um

campo vasto de simbologias e signos capazes de preencher as lacunas deixadas pelo

objeto industrial, que tendeu a desaparecer como forma e a confundir-se com sua função.

Os artesanatos pertencem a um mundo anterior à separação entre o

útil e o belo. [...] O artesanato é uma mediação: suas formas não

estão regidas pela economia da função, mas pelo prazer, que sempre

é um gasto e não tem regras. O objeto industrial não tolera o

supérfluo; o artesanato se satisfaz nos adornos. [...] O objeto

artesanal satisfaz uma necessidade não menos imperiosa que a sede e

a fome: a necessidade de recrear-nos com as coisas que vemos e

tocamos, quaisquer que sejam seus usos diários (PAZ, 2006, p.6).

Enfim, entende-se que, ao estudar e desenvolver pesquisas acerca da interação

entre o design e o artesanato, com vistas à continuidade desses processos de produção

de artefatos carregados de historia e de valores simbólicos, acessa-se uma esfera mais

ampla do que o mero entendimento dos desdobramentos entre design e artesanato – que

seria a compreensão da própria sociedade moderna da qual fazemos parte e que,

segundo Baudrillard (1997, p.206), configura-se como um “sistema de objetos”. Por

isso, faz-se necessário “abordá-la pelo estudo dos objetos que a constituem”

(CARDOSO, 1998, p.22).

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O artesanato não nos conquista unicamente

por sua utilidade. Vive em cumplicidade

com os nossos sentidos; é daí que seja tão

difícil desprender-nos dele. É como por um

amigo na rua.

(OCTÁVIO PAZ, 2006)

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75

CAPÍTULO 3 – DESIGN E ARTESANATO: O CAPIM DOURADO DA MUMBUCA

Neste capítulo, trataremos da pesquisa de campo e do estudo de caso em si,

abordaremos desde os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa até os

estudos relativos à situação da comunidade Mumbuca, como remanescente quilombola,

sua relação com o artesanato de capim dourado e, por fim, as interações de design

estabelecidas na comunidade.

Antes de iniciarmos esses relatos dos estudos desenvolvidos na pesquisa de

campo, faz-se necessário demonstrar os procedimentos metodológicos usados ao longo

da pesquisa e, principalmente, aqueles utilizados em campo, para melhor compreensão

do que será apresentado adiante.

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia de pesquisa adotada foi de caráter exploratório e descritivo,

baseada em estudo de caso, com análise comparativa por procedimentos qualitativos.

O embasamento inicial deu-se pela pesquisa bibliográfica, além do trabalho de

campo junto a artesãos que usam o capim dourado na produção de artefatos. Este estudo

começou na pesquisa para o trabalho de conclusão do Bacharelado em Design de Moda,

embora de forma menos abrangente e mais direcionada a perceber o processo de moda e

seus desdobramentos, associados ao artesanato de capim dourado e seu papel social no

desenvolvimento da comunidade, no intuito de criar uma linha de produtos de moda que

agregasse valores simbólicos e sociais. Para tanto, foi realizada observação informal, bem

como entrevistas semiestruturadas, o que concedeu um primeiro contato. Deste trabalho

realizado, retomou-se o contato para a continuidade da pesquisa no mestrado.

O retorno a campo propiciou outros olhares e a realização da observação

participante29, que resultou em um estudo mais próximo da realidade da comunidade e

29

“A observação participante se distingue da observação informal, ou melhor, da observação comum.

Essa distinção ocorre na medida em que pressupõe a integração do investigador ao grupo investigado,

ou seja, o pesquisador deixa de ser um observador externo dos acontecimentos e passa a fazer parte

ativa deles” (BONI; QUARESMA, 2005, p. 71).

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mais consistente, pela inserção de conceitos antropológicos. Isto se tornou salutar,

principalmente, na pesquisa de campo, quando nos deparamos com a seguinte questão:

Saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso

aprender quando perguntar e quando não perguntar, assim como que

perguntas fazer na hora certa [...]. As entrevistas formais são muitas

vezes desnecessárias, devendo a coleta de informações não se restringir

a isso. Com o tempo, os dados podem vir ao pesquisador sem que ele

faça qualquer esforço para obtê-los (WHYTE, 2005, pp. 303-304).

Nesse momento da pesquisa, foram realizadas entrevistas informais, não

estruturadas e semiestruturadas, filmagens e a produção de fotografias, que

contemplaram a coleta de história oral, de vida e de depoimentos dos artesãos da área de

estudo. As entrevistas e/ou gravações das narrações foram feitas de modo a dar

liberdade para os entrevistados discorrerem livremente sobre o assunto. Porém, foram

incluídas perguntas sobre a inserção do design na comunidade e das oficinas realizadas,

fortalecendo a abordagem da problemática central do estudo.

Trabalhar com história oral é ter a compreensão de que essas fontes

nos informam mais sobre o significado do que sobre os acontecimentos.

Através delas, informamo-nos não só sobre os fatos, mas sobre aquilo

que eles significam para quem os viveu e os reconta; não só sobre o

que as pessoas fizeram, mas sobre o que queriam fazer, creem que

podiam fazer, creem que tenham feito e sobre as motivações, juízo e

racionalizações (PORTELLI, apud VELÔSO, 2005, p.27)

A definição da metodologia adotada para este estudo veio pela luz da

Antropologia, como dito anteriormente, e balizada pelo Design. Optar por realizar um

estudo de caso com observação participante do cotidiano dos artesãos possibilitou criar

laços de confiança entre a pesquisadora e os pesquisados, e ter uma compreensão mais

profunda de sua realidade, o que só foi possível pela vivência e convivência durante a

estada na comunidade, atendendo ao tipo de pesquisa qualitativa adotada neste trabalho.

A pesquisa de campo foi realizada no mês de julho/2011, durante um período de dez

dias em que estive acampada na comunidade, acompanhando sua rotina.

A seleção dos entrevistados tomou por base principalmente o vínculo com a

produção artesanal. Foram entrevistados artesãos envolvidos diretamente com a causa

da comunidade, como a presidente da Associação dos Artesãos da Mumbuca.

Priorizaram-se, na seleção, entrevistados de faixas etárias diversas, possibilitando obter

inúmeros pontos de vista sobre o assunto, desde a artesã mais velha da comunidade – a

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matriarca – até a artesã de 21 anos, responsável pelo grupo mais jovem. No intuito de

preservar a identidade dos artesãos, seus nomes serão suprimidos e sujeitos à

identificação ‘artesã/artesão’.

A comunidade escolhida para estudo de caso foi a Mumbuca. Isto se deu pelo

fato de ser ali o berço do capim dourado e, apesar de todas as intervenções, ainda

conservar os traços tradicionais de seu artesanato, o que não ocorre com frequência nas

outras comunidades do Parque. A opção por um estudo de caso derivou do propósito de

mostrar, por meio da pesquisa de campo, a visão dos artesãos acerca da sua situação

sociocultural e econômica, além de entender o artesanato hoje produzido pela

comunidade, com toda a problemática de matéria-prima e preservação da tradição.

3.2 O PARQUE ESTADUAL DO JALAPÃO

Meio ambiente, homem e cultura são conceitos que se acham

intimamente relacionados, em interações recíprocas e dinâmicas.

(AGUINAGA, 2006, p.1)

Em 12 de janeiro de 2001, foi criado o Parque Estadual do Jalapão (PEJ)30

, que

inseriu parte da região em uma Unidade de Conservação de Proteção Integral,

restringindo o uso e exploração dos recursos naturais, e admitindo apenas o

aproveitamento indireto de seus benefícios. Compreende uma área de 53.341km2,

distribuídos em 15 municípios, com densidade populacional extremamente baixa,

correspondendo a menos de um habitante por quilômetro quadrado (SOUZA-JÚNIOR

et.al, 2002). Apresenta uma situação comum a outras partes do mundo, onde áreas de

elevada biodiversidade estão associadas à pobreza da população humana residente

(MARSHALL; NEWTON, 2003). O objetivo da criação do Parque, segundo a lei n°

1.203 que o rege, é

A proteção desse ecossistema frágil, coberto por uma extensa área

de cerrado ralo e campo limpo com veredas, bem como a fauna a

ele associada. É o maior Parque do estado, cuja posição é

estratégica como elo de continuidade entre as áreas protegidas

pela APA do Jalapão, Estação Ecológica da Serra Geral e Parque

Nacional das Nascentes do Parnaíba, formando um mosaico de

Unidades de Conservação e garantindo o fluxo genético entre as

populações silvestres. Essa característica é seu principal atributo,

30

Lei nº 1.203, 2001 – Cria o Parque Estadual do Jalapão (ANEXO 2)

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na medida em que garante a manutenção da biodiversidade dessa

extensa área de cerrado ainda bem conservado, talvez uma das

últimas áreas de Cerrado nessas proporções. (GOVERNO do

estado do Tocantins, 200831

)

É nessa área que se localiza a comunidade da Mumbuca. Segundo o Plano de

Manejo do PEJ (2003), a área do parque nos moldes atuais representa evidente

incompatibilidade legal no que se refere à permanência da Mumbuca e das demais

comunidades residentes. Além da proibição do uso das terras da reserva para produção

de sua subsistência, coloca entraves significantes à continuidade e sobrevivência delas

na região.

Por meio de audiências públicas, a comunidade vem tentando solucionar este

problema de estar dentro de uma área de preservação ambiental, e já solicitou que sua

área territorial seja delimitada fora dos limites do parque, uma vez que sua inscrição na

área do parque significa não poder plantar, criar animais ou até mesmo colher o capim

dourado e o buriti – matérias primas com as quais o grupo produz o artesanato, sua

principal fonte de renda.

Essa incompatibilidade fez também com que recorressem à Constituição

Federal de 1988, que reconhece o direito à propriedade definitiva das terras ocupadas

por comunidades quilombolas32

.

3.3 REMANESCENTES QUILOMBOLAS

Segundo dados do IBGE, pouco menos de três mil remanescentes de quilombos

vivem no estado do Tocantins. Nos últimos anos, a Fundação Palmares reconheceu 15

comunidades quilombolas. A comunidade Mumbuca foi reconhecida no ano de 200633, e

o processo para a titulação das terras se encontra em andamento junto ao INCRA.

31

Parque Estadual do Jalapão. Disponível em <http://areasprotegidas.to.gov.br/conteudo.php?id=40>

Acesso em ago/2012

32 O artigo nº 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) declara: “Aos remanescentes

das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,

devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

33 Portaria nº2, de 16 de Janeiro de 2006, reconhece a comunidade Mumbuca como remanescente de

quilombos (ANEXO 3)

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Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública

vinculada ao Ministério da Cultura, com a finalidade de promover e preservar a cultura

afro-brasileira, sendo o primeiro órgão federal criado para tal objetivo.

O decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento

para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras

ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo nº 68

do ADCT. Segundo o § 1º deste decreto, a caracterização dos remanescentes das

comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da comunidade junto à

Fundação Palmares, a qual expedirá a certidão que reconhece sua origem quilombola. Isso

dará início ao processo para titulação das terras pelo Ministério do Desenvolvimento

Agrário através do INCRA.

Emitida essa certidão pela Fundação Palmares, o processo que se sucede é longo

e exaustivo: um processo administrativo realizado pelo INCRA, o qual se concretiza no

Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), reconhecendo o território

quilombola e a situação fundiária da terra. A produção do RTDI conta com a participação

da comunidade quilombola interessada, e ele é composto de Relatório Antropológico,

Levantamento Fundiário, Planta e Memorial Descritivo, Cadastramento das Famílias

Quilombolas, Levantamento da eventual sobreposição a unidades juridicamente

protegidas e Parecer Conclusivo da Área Técnica e Jurídica sobre a proposta de área a ser

titulada, nos termos dos artigos 6º e 7º do Decreto nº 4.887/2003. O dossiê resultante será

analisado pelos órgãos competentes, podendo ser aprovado ou não.

Esse caminho de conquista e reconhecimento se iniciou com a carta

constitucional de 1988 que confirmou a existência de um Estado pluriétnico no Brasil,

reconhecendo e garantindo as diferenças étnicas, conforme o artigo nº 68 do ADCT, que

serviram também para ampliar o conceito de quilombos, entendidos anteriormente

apenas como grupos de escravos fugidos, negligenciados e colocados à margem da

sociedade.

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para

os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de

autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações

territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra

relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (Art. 2º do

Decreto nº 4.887/2003).

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A questão da autoatribuição a que o artigo se refere é importante nesse

processo, na medida em que a comunidade, para ser reconhecida, precisa primeiramente

se reconhecer como remanescente de quilombos e deixar (re)nascer sentimentos de

pertença e evocação das raízes históricas e negras, como aponta Merlo (2005, p.53)

[...] para terem suas terras reconhecidas e legitimadas pelo Estado

precisam passar por um processo de autoidentificação como

remanescente de quilombos; isto se faz presente não só na prova de

que são afrodescendentes, mas no fato de que permanecem com uma

identidade cultural. Aqui não é só o território que comprova o “ser

quilombola”, mas, sobretudo o se sentir quilombola [...]

Essas comunidades tradicionais, como a Mumbuca, detêm características

culturais próprias e peculiaridades que as distinguem umas das outras, bem como de toda

a sociedade circundante, e constituem patrimônio cultural brasileiro, segundo o artigo nº

216 da Constituição Federal, por ostentarem “referência à identidade, à ação, à memória

dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, nesse caso, os negros.

3.3.1 Avanços e Conflitos

Se por um lado, o reconhecimento como parque é bom para a manutenção do

ecossistema, por outro tem dificultado a vida das comunidades tradicionais da região do

Jalapão, que vêm lutando para conseguir a titulação de suas terras junto ao INCRA, já

tendo sido reconhecidas pela Fundação Palmares como remanescentes quilombolas e

possuindo o direito de permanecer nas suas terras.

Essa situação de conflito entre a criação de parques e a permanência de

comunidades tradicionais em suas terras não acontece apenas no Jalapão; é uma

situação mais comum do que deveria, incompatível com o artigo nº 68 da Constituição

Federal de 1988, como diz Merlo (ibid., p. 186):

O fato de a Constituição Federal, de um dia para o outro, reconhecer

a existência dos territórios negros não trouxe efetivas garantias

quanto à titulação de muitas propriedades quilombolas. Há todo um

processo longo, exaustivo e que em vários momentos os obriga a

enfrentar oposições à posse ou à reintegração das terras.

A demora nos processos de titulação das terras é outro fator agravante dos

conflitos gerados com o estabelecimento do PEJ; depois de 12 anos da criação do

Parque, ainda não existe nenhuma comunidade quilombola com área titulada.

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Em 2010, o Movimento Estadual dos Quilombolas procurou o Ministério

Público Federal para resolver esse impasse, e com isso, foi criado o Fórum Permanente

de Acompanhamento da Questão Quilombola no estado do Tocantins. O objetivo do

fórum é encontrar um modo de conciliar a conservação ambiental com a sobrevivência e

manutenção dos modos de vida desses povos.

Temos que encontrar um modo de conciliar nossa sobrevivência, que

vem de longa data, com a legislação ambiental, mas não sairemos da

terra onde nascemos e vivemos (Ana Cláudia, moradora da Mumbuca

– informação verbal).

Segundo o Procurador da República, o governo do estado errou ao criar o PEJ

sem um estudo prévio das áreas ocupadas – “o Estado não pode impedir que as

comunidade exerçam seu modo de vida, isso é direito delas”. (MANZANO, 2010)

Atualmente, o processo da comunidade da Mumbuca está em aberto junto ao

INCRA, o qual, em parceria com a Universidade Federal do Tocantins – UFT, está

realizando os laudos antropológicos iniciados em março de 2012. Segundo o site do

Ministério do Desenvolvimento Agrário,

O laudo antropológico é peça do processo administrativo de

regularização dos territórios quilombolas e integra o Relatório

Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), composto ainda por

laudo agrônomo e memorial descritivo da área, que serão executados

por servidores do INCRA. O relatório determina a área do território

de cada comunidade quilombola e é fundamental para assegurar a

titulação para as famílias (MDA, 2012).

É preciso salientar que o ecossistema inclui também as pessoas, e que a

preservação do meio ambiente não pode acontecer em detrimento dos seres humanos.

Toda essa luta tem feito com que os integrantes das comunidades se unam e

busquem não só seus direitos, mas também respeito e dignidade, e compreendam a

necessidade de se organizarem por um objetivo comum.

[...] percebem a importância de seguir com as novas autodenominações,

para conquistar as terras, o direito ao plantio e a dignidade. Se antes se

organizaram em associações para lutar contra a especulação fundiária e

a indústria turística, depois se denominaram comunidade tradicional

para reivindicar o direito ao plantio e à extração de gêneros diversos

necessários à existência dentro da área de reserva, agora se reconhecem

como remanescentes de comunidade de quilombo para legitimarem suas

posses e obterem a titulação. Isso só demonstra a consciência e a

resistência dessa gente aberta às mudanças para se preservarem na terra

que é sua (MERLO, 2005, p.230).

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De fato, essas conquistas só têm se tornado realidade devido às iniciativas do

movimento negro, que lutou pelo cumprimento do preceito constitucional. De certa

forma, isso acabou contribuindo para o reconhecimento de sua própria existência.

3.4 A COMUNIDADE MUMBUCA

A comunidade Mumbuca, escolhida para a pesquisa deste estudo, é

remanescente quilombola resultante da miscigenação entre índios e negros, situada no

município de Mateiros, região do Jalapão, no leste do estado do Tocantins. Essa

miscigenação é frequente entre comunidades quilombolas, como cita Gomes (PINSKY;

PINSKY, 2005, p.450):

Não raras vezes no Brasil, existiram relações interétnicas, envolvendo

populações indígenas com populações escravas africanas e seus

descendentes. Em varias regiões do Brasil, assim como das Américas

– para além dos conflitos e confrontos – escravos fugindo aliaram-se

a grupos indígenas, formando inclusive pequenas comunidades.

A comunidade recebeu esse nome por causa de uma espécie de abelha da

região: “Era a abelha que mais encontrava aqui nesse período desse chão aqui, nesse

local aqui, era Mumbuca e aí ele ficou Mumbuca” (Artesã, 2009 – informação verbal).

A ocupação iniciou-se no começo do século passado, por volta do ano de 1909,

quando a região ainda era parte do estado de Goiás. Desde então, há quase 100 anos, a

comunidade tem construído seu espaço, cultura e atividades. É matriarcal e mantém

vivos os traços de sua organização social e tradições e abriga cerca de 230 pessoas. Suas

atividades são basicamente a agricultura de subsistência e a produção de artesanato com

o capim dourado, o que levou também ao trabalho com turismo, visto que a região do

Jalapão se tornou conhecida por esses artefatos e suas belezas naturais.

Segundo depoimentos dos moradores, por muito tempo, a maior parte da

população se mantinha isolada, o contato com outras comunidades era esporádico,

principalmente por estarem situados em um local de difícil acesso. A comunidade

começou a ter visibilidade pela expansão da produção artesanal do capim dourado, que

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passou a ser reconhecido no início dos anos 90. Mesmo assim, esse contato não causou

o abandono nem de suas terras, nem de suas tradições.

3.5 O ARTESANATO DE CAPIM DOURADO

A produção artesanal começou na região há cerca de 100 anos, através dos

ensinamentos de índios Xerentes34 locais, que deixaram para alguns moradores a

técnica de trançar fibras naturais, principalmente o buriti, abundante na região

(informação verbal colhida na pesquisa de campo e confirmada por Schmidt, 2005).

Da herança indígena, a produção das peças em capim dourado conserva o

ponto da costura, chamado pela comunidade de “costura do capim”. Segundo

Munduruku35 (Naves, 2010, p.17)

O ponto usado no capim dourado, nas costuras dos Xerentes e na

costura dos Karajá quando eles fazem os trançados é o mesmo ponto

que nós chamamos de ponto atrás, que é feito com a palha do buriti.

A prática artesanal manteve papel secundário nas atividades comunitárias,

sendo revitalizada por volta dos anos 1990 por Dona Miúda, que viu na arte com o

capim dourado uma solução de subsistência para seu povo36:

A prática começou aqui mesmo na Mumbuca, minha mãe já trançava

outras fibras como o buriti, e um dia andando por aqui, ela viu aquele

capim amarelo, e chamou de capim ouro. Então ela trouxe um molho

de capim dourado e fez um chapéu e uma bolsa, foi a primeira arte

feita com o capim dourado. Daí, isso ficou parado depois que ela

morreu. Depois de um tempo eu já estava casada, minhas filhas já

tinham crescido, mas eu nunca tinha praticado nada de artesanato.

Foi quando eu vi a oportunidade de retomar essa arte para ganhar

dinheiro, porque nós somos pobres. [...] E através disso, eu consegui

tirar o meu povo do cativeiro (Transcrição de vídeo, 2008)

34

Os Xerente, junto com os Xavante e Xakriabá, são classificados como Jê Centrais e se localizam no

município de Tocantínia (TO), cerca de 70 km ao norte da capital, Palmas, entre os rios Tocantins e Sono,

nas terras indígenas Xerente e Funil, que somam 183.245,902 hectares (SCHROEDER, 2010, p.67).

35 Munduruku é mestre em história e especialista em assuntos indígenas, pertence ao povo Munduruku.

36 Entrevista realizada em julho de 2008 para a pesquisa da conclusão do bacharel em Design de Moda da

autora. A entrevistada em questão era Guilhermina Ribeiro da Silva conhecida como Dona Miúda,

matriarca da comunidade e principal difusora do artesanato com capim dourado. Dona Miúda morreu

na comunidade no ano de 2010 aos 80 anos.

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Esse artesanato tradicional, objeto de nosso estudo, pode ser entendido como

Um subcampo das culturas populares, com conhecimentos e modos de

fazer enraizados no cotidiano das comunidades, onde a reprodução

dos enunciados simbólicos é realizada por intermédio da observação

das práticas dos mais velhos ou da oralidade, em relações de trabalho

doméstico e família (CIPINIUK, 2006, p. 7).

Por tudo isso, a prática carrega consigo toda a valoração cultural e simbólica

mencionada no capítulo anterior, passível de preservação por órgãos públicos e

privados, não só por sua origem, mas também pela importância social, econômica e

cultural para os artesãos.

É interessante observar como a história da produção de artesanato de capim

dourado está entrelaçada com a história da própria Mumbuca, como afirma Dotora,

atual matriarca da comunidade: “A comunidade vive é da força do capim dourado, do

cerrado, que é a nossa inteligência. Ele nos ensina tudo, é a nossa própria vida”

(informação verbal, 2011).

O capim dourado (Syngonanthus nitens) usado na produção desse artesanato é

uma sempre-viva da família botânica das Eriocauláceas. Sua característica principal é a

cor, que lembra o ouro. A planta adulta constitui-se de uma roseta de folhas que fica

próxima à superfície do solo e tem cerca de quatro centímetros de diâmetro

(GIULIETTI et al., 1996). Da flor, estendem-se os fios usados para o artesanato, que

são colhidos uma vez por ano.

Figura 22 – Ramalhete de Capim Dourado

Foto: Fernando Zarur (2007)

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Os primeiros artefatos desenvolvidos com o capim dourado eram utilitários,

como cestos e cumbucas. Com o passar do tempo, o reconhecimento dessa prática, a

busca dos turistas por novos produtos, além das oficinas de design realizadas na

comunidade, passou-se a desenvolver também chapéus, brincos, anéis, pulseiras, bolsas

de capim dourado costurados com “seda” de buriti (Mauritia flexuosa) e também com

fio dourado.

Uma parte da expansão da produção artesanal do capim dourado pode ser

considerada como resultado dos programas de incentivo do governo do estado do

Tocantins37, na intenção de que os produtos e o próprio estado ganhassem destaque,

dentro e fora do país. Assim ampliou o número de artesãos e coletores de matéria-prima,

o que aumentou a coleta das espécies utilizadas. Hoje, a venda de artesanato constitui a

mais importante fonte de renda para diversas comunidades da região.

3.5.1 Importância Socioeconômica

O impacto do artesanato feito com o capim dourado na região foi grande – as

comunidades e os artesãos se mobilizaram para produzir e ser reconhecidos, percebendo

nessa nova arte uma forma de mudar sua condição de vida. E avançaram muito, visto

que o artesanato feito a partir do capim dourado tem influenciado diretamente a

mudança na condição socioeconômica dos moradores do Parque Estadual do Jalapão,

conforme observado nas pesquisas. O artesanato com o capim dourado constitui

importante fonte de renda para muitas famílias, especialmente aquelas geridas por

mulheres. Dona Miúda, precursora dessa prática, conta que é preciso

[...] ter amor e sinceridade por uma obra dessas que nos foi estendida

é de muito valor, onde muitas pessoas pobrezinhas não tinham nada e

hoje estão com o capim, costurando nas bancadas de noite para

sobreviver, não é? Em outra hora, não tinha essa oportunidade,

vendiam o prato de arroz, o prato de feijão. Não estava sendo

suficiente nem para a despesa da casa. Agora, esse prato de feijão e

de arroz fica para a casa, e a comida, as roupas, os remédios, é com o

capim dourado. [...] Quantos abraços, quantos beijos eu não tenho

levado, agradecendo o meu trabalho nesse “Brasil Velho”. Você

37 “

Em cinco de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição, é legitimada a criação do Estado, o norte

de Goiás é finalmente emancipado e passa a se chamar Tocantins, e em 1° de janeiro de 1989 foi instalada a

Unidade Federativa do Tocantins” (DUARTE et.al, 2010, p.4). Ao que parece, o incentivo do governo do

estado à expansão do capim dourado foi fruto de estratégias para promover não só o desenvolvimento do

interior do estado, mas principalmente atrair olhares e turistas para o estado recém-formado.

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86

forma não só os pobres, mas também as pessoas de condição

(Transcrição de Vídeo - 2008).

Figura 23 – Lília Diniz em visita a Dona Miúda.

Fonte: foto da Autora (2008)

Essa prática tem mudado a vida dos habitantes do entorno. Schmidt (2005)

calculou que o rendimento mensal dos artesãos oscila entre meio e quase dois salários

mínimos (R$ 260,00 à época da aferição de preço), apresentando-se como uma forma de

trabalho mais rentável do que outras existentes na região.

Segundo estudo socioeconômico do Instituto Natureza do Tocantins

(Naturatins) em 2008, a atividade artesanal é considerada uma fonte de geração de renda

por 90,7% das famílias que trabalham com artesanato em capim dourado. Para 98,6%

dessas, a atividade artesanal permite o pagamento de contas e a aquisição de bens de

consumo duráveis (NATURATINS, 2008).

A prática ainda é predominantemente feminina, mas se expandiu também para

os homens, e hoje é raro ver uma família que não tenha alguém trançando fios dourados.

O capim dourado é uma joia que Deus deu pra nós da Mumbuca, ele

mudou nossas vidas. Temos conquistado muitas coisas através do capim

dourado, ele nos abriu portas que não pensávamos que pudessem existir,

criamos nossos filhos e nossos netos com o dinheiro que o artesanato nos

dá (Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal).

É visível que o artesanato feito com capim dourado trouxe novas perspectivas

em uma área antes tão isolada. Porém, o desenvolvimento local não foi o único

benefício: as mulheres também apontam a autonomia gerada pela renda obtida com o

capim dourado, já que elas começaram a contribuir com a despesa em suas casas,

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sentiram-se valorizadas, empoderadas na região e com autoestima elevada, fato também

observado por Sousa (2009).

Assim, instituições governamentais e não governamentais de pesquisa e gestão

ambiental têm unido esforços ao dos artesãos, com foco em objetivos comuns: a

conservação associada à geração de renda, à melhoria de qualidade de vida e à

valorização do Cerrado, voltando-se para um dos objetivos do Design Social, que é o de

revelar seu potencial de contribuir para uma qualidade de vida melhor e sustentável

(WHITELEY, 1998).

Dessa forma, o capim dourado e sua importância cultural e social vêm sendo

estudados para propor formas de dar continuidade ao artesanato e condições de

desenvolvimento da comunidade que vive dele.

3.5.2 Conservação Ambiental

Nesse contexto, a geração de emprego e renda a partir do uso sustentável das

espécies nativas constitui estratégia para melhorar a qualidade de vida e promover a

conservação da biodiversidade do cerrado. O emprego de técnicas de manejo que visam

a garantir a conservação da espécie explorada e seu ambiente de ocorrência deve ser

divulgado para agregar também valor socioambiental aos produtos vendidos

(CUNNINGHAM; MILTON, 1987).

Ecossistemas naturais são atrativos para turistas e investimentos, o que

contribui para gerar mais renda na região. No entanto, o desenvolvimento e aplicação de

formas de manejo sustentável de espécies nativas são desafios que dependem de

inúmeros fatores, como o conhecimento científico da ecologia das espécies exploradas e

dos efeitos do extrativismo. Regina Spinelli (s/d) cita que

Algumas comunidades carentes das regiões onde nasce o Capim

Dourado viram a possibilidade de geração de renda através da

confecção de artesanato. Para a qualificação desses artesãos locais e

para garantir o uso sustentado do capim, o SEBRAE, em parceria

com o Ministério do Meio Ambiente, desenvolveu um projeto na

região envolvendo 200 famílias carentes com a formação de

associações de artesanato locais.

A preocupação com a conservação das espécies de capim dourado na região é

uma constante para aqueles que dele vivem. A ONG PEQUI se destaca nesse trabalho

de conservação das espécies do cerrado e, com os resultados de suas pesquisas, tem

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contribuído para a elaboração de portarias junto ao Naturatins, regulamentando a

colheita do capim dourado, conforme explica Schmidt (2005, p.68):

Os artesãos devem coletar o capim dourado dentro do período que vai

de 20 de setembro a 30 de novembro, colhendo somente as hastes que

estejam bem douradas, que é o sinal de que a semente já está madura.

Devem cuidar para não arrancar as sapatas (base), evitando a morte

da planta, e cortar as flores do capim ainda em campo, espalhando as

sementes para que germinem e produzam novas plantas.

Isto também se fez necessário, devido ao aumento no número de artesãos que

alcançou a popularidade do artesanato com o capim dourado. Artesãos relatam que

alguns anos atrás, vinham pessoas de todos os cantos do país em busca de capim

dourado e que, na maioria das vezes, não respeitavam as datas estabelecidas, o que

provocou uma enorme preocupação por parte dos artesãos, que requereram maior

vigilância pela direção do Parque.

A retirada indiscriminada levou o Naturatins a instituir a Portaria Naturatins nº

362, de 25 de maio de 200738, regulamentando a atividade de coleta, e evitando a

comercialização do capim in natura.

Outra forma de proteção à subsistência dos artesãos foi a criação das

associações, que se iniciou no ano de 2000 e, além de regulamentar a produção e venda

dos artefatos, também cadastrou todos os artesãos da região, de forma que somente os

artesãos cadastrados podem colher o capim dourado e deixar o Parque portando a

espécie. Ao todo, são nove associações que se uniram formando a AREJA (Associação

de Artesãos em Capim Dourado da Região do Jalapão), que tem por objetivo:

Reunir as nove associações existentes na região, formando uma

única que representará o artesanato produzido, estabelecendo um

regulamento conjunto, visando principalmente à apresentação do

pedido do Registro de Indicação Geográfica do Jalapão /

Tocantins do artesanato em capim dourado ao INPI – Instituto

Nacional da Propriedade Industrial, vinculado ao Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, para análise e

aprovação (SEFAZ, 2008).

38

Vide a íntegra da Portaria no ANEXO 4

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89

3.5.3 Registro de Indicação Geográfica

Conforme exposto anteriormente, o artesanato com o capim dourado se

popularizou muito, e já pode ser encontrado em qualquer região do país, e também no

exterior. Isso afetou a produção das comunidades do Jalapão, que viram trabalho e

esforços desvalorizados pela massificação de sua arte nos centros urbanos.

A consequente descaracterização nos artefatos de capim dourado produzidos

em centros urbanos por pessoas sem qualquer vínculo com a cultura do Jalapão não só

resultou em objetos banais, como também na perda do valor simbólico atribuído à

história contida no artefato que é produzido pelos artesãos da Mumbuca.

Em 2008, com o apoio do governo do estado, a AREJA foi em busca de

reconhecimento do artesanato genuíno, proteção de sua origem e também de seus

artesãos, e apresentou ao INPI o pedido do selo de indicação geográfica para os

trabalhos manuais confeccionados em capim dourado na região do Jalapão, na categoria

“indicação de procedência” (IP).

As indicações geográficas são definidas no artigo 22 do Acordo de Propriedade

Intelectual relativo ao Comércio (ADPIC) como

[...] indicações que identifiquem um produto como originário do

território de um membro, ou região ou localidade deste território,

quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do

produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica.

A legislação brasileira de propriedade industrial, lei nº 9279/96, define dois tipos

de Indicações Geográficas: a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem:

A Indicação de Procedência designa o nome geográfico de um país,

cidade, região ou uma localidade de seu território, que se tornou

conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de

determinado produto ou prestação de determinado serviço (art. 177);

a Denominação de Origem designa produtos ou serviços não apenas

associados a uma determinada região, mas cujas qualidades ou

características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio

geográfico, incluídos fatores naturais e humanos (art. 178).

A comunidade da Mumbuca recebeu o selo de indicação geográfica pelo INPI

em agosto de 2011, sendo o primeiro de sua categoria no centro-oeste do Brasil. A

coordenadora do INPI destacou a importância desse selo para o artesanato local:

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É o reconhecimento de uma reputação da área delimitada para

artesanato em capim dourado. [...] O artesanato em capim dourado

do Jalapão passa a ser mais valorizado a partir de agora. Tem

estudos na Europa de que produtos com indicação geográfica têm um

plus [melhoria] no preço. É questão também de um maior

desenvolvimento local, maior fluxo de turistas (PORTAL BRASIL,

2011).

Para os artesãos, o selo significa um diferencial, garantindo a qualidade e a

competitividade do produto. Outro aspecto importante do selo é a conservação das

espécies, já que ele será concedido somente a artesãos que obedecerem as normas

ambientais que garantem a coleta sustentável da espécie.

3.6 ARTESANATO E AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADE

Quando se fala da interação entre design e artesanato, a primeira preocupação

que vem à mente é a descaracterização do artefato tradicional e a perda de identidade.

Quanto a essa questão, em entrevista realizada, foi possível observar que existe a mesma

preocupação por parte dos artesãos, e a alternativa encontrada por eles é a coexistência do

artefato ressignificado de design e do artefato tradicional, como explica Dotora39 (2011):

Não vamos deixar de produzir o que aprendemos com nossos

antepassados. O que temos feito há muitos anos, vamos continuar

fazendo, com o respeito que temos pela colheita e pelo capim, agora a

inovação, a criatividade, novos modelos, é bom aprender. Porém

nunca vamos deixar de ser e produzir aquilo que nos caracteriza.

Quando questionada acerca da diferença entre os primeiros artefatos

produzidos por eles, sem intervenção externa, e os produtos frutos de oficina, ela afirma

que “não vê muita diferença, pois as pessoas que fazem são as mesmas. Agora,

melhorar a técnica, o acabamento, isso só ajuda para nós produzirmos ainda mais e

melhor”. Relata ainda que outra mudança que ocorreu foi na nomenclatura dos

produtos, que receberam novos nomes após as oficinas.

A mesma pergunta foi feita a outra artesã sobre a descaracterização do artefato,

e ela respondeu:

39

Filha de Dª Miúda e atual matriarca. Informação verbal (2011)

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Depende da metodologia adotada pelas oficinas. Se vem ensinar com

procedimentos mais naturais, respeitando o que nós fazemos, não

muda, mas se é uma proposta com outros materiais, principalmente

artificiais, descaracteriza e dificilmente a comunidade vai adotar essa

ideia (Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal).

Os artesãos também relatam que os dois tipos de produtos artesanais atendem a

diferentes tipos de consumidores: tantos os que vão em busca de conhecer o berço do

artesanato de capim dourado, e assim encontrar peças artesanais mais específicas e

tradicionais, quanto os que também gostam dos artefatos frutos de interações de design.

O pessoal tem um respeito muito grande pela Mumbuca. O artesanato

de capim dourado nasceu aqui, né? Os turistas respeitam muito,

deixam tudo pra trás e vêm comprar aqui. A história do capim é aqui,

por isso que eles vêm pra cá. Lá não tem história, né? E eles querem

saber a história, quem fundou, por quem começou [...] É importante

isso, e é o que segura nós aqui, é a história do capim dourado, a

história de quem começou, que nasceu, isso é muito importante pra

nós. Quem segura todo o valor do capim dourado é a nossa história

(Artesão da Mumbuca, 2011 – Informação verbal).

Ao que parece, o turista que vai até a Mumbuca, busca a história por detrás do

objeto, busca valores culturais; senão, compraria em outros lugares ou centros urbanos

(conforme relato dos artesãos). Os artesãos da Mumbuca dizem que ali, os turistas são

“exigentes”.

Existe uma preocupação muito grande por parte da comunidade em manter

suas tradições. Com isso, fica visível a diferença entre o artesanato produzido na

Mumbuca e os de outras regiões, mesmo o artesanato de referência cultural, que carrega

consigo traços de identidade que o diferenciam, quando comparado a outros. Esse fato

também foi observado por Schmidt (2005, p.32):

Há diferenças marcantes nos tipos de peças confeccionadas por

artesãos de associações e localidades diferentes. O uso de materiais

além do capim dourado e da seda do buriti [...] é mais frequente nas

áreas urbanas do que em comunidades rurais; assim como é mais

comum, nas áreas urbanas a confecção de peças totalmente diferentes

das tradicionais [...].

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Como podemos ver nas fotos a seguir:

Fig 24: Artesanato Tradicional Fig 25: Artesanato de Ref. Cultural

Fonte: Foto da Autora, 2011

A figura 24 apresenta uma peça de artesanato tradicional, trançado com seda de

buriti, sem intervenção de outros materiais, e com trama circular, como é comum nos

produtos tradicionais. Já a figura 25 apresenta colar resultante de uma oficina de design,

onde o capim dourado é usado em menos quantidade e em associação com outros

materiais, como correntes e miçangas. Só pelo fato de a peça na figura 25 ser um

acessório já se distancia do artesanato tradicional, composto por cestos, potes e outros

utilitários do dia-a-dia. Entretanto, ambos os tipos são encontrados na associação dos

artesãos da Mumbuca, onde se comercializam as peças produzidas pela comunidade, e

onde também as fotos foram registradas.

Ou seja: mesmo com o frequente contato com os entornos urbanos, percebe-se

que o fazer artesanal da comunidade Mumbuca tornou-se parte de sua tradição, pautada

pelo respeito e seguimento dos ensinamentos transmitidos pelos mais velhos aos mais

novos. Isso, além de solidificar os laços da comunidade, propicia a agregação de valores

aos artefatos produzidos por eles, posto que se diferenciam culturalmente dos demais.

A convivência com o meio ambiente, principalmente com o capim

dourado, permitiu mudanças na vida local. O artesanato abriu as

portas da comunidade para o mundo exterior e fez com que a cultura

em torno do capim e os elos do seu povo com as tradições do passado

fossem conhecidas (SOUSA, 2009, p.43).

Apesar da significativa inserção do design, que veio com a abertura das portas

da comunidade e é bem-vista pelos artesãos, eles parecem conceber tradição e

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modernidade pacificamente em seu presente, seja como forma de afirmação de

identidade ou como forma de preservar os moldes de vida de seus ancestrais.

A Mumbuca é um povo que aprendeu com seus antepassados a lidar

com o capim dourado, transmitir conhecimentos e habilidades acerca

da planta para os seus descendentes, estabelecendo assim uma

tradição de manter junto com a sua, a história do capim dourado.

Esta união já dura mais de um século, e, mesmo assim, a tradição dos

primeiros moradores continua preservada [...] (SOUSA, 2009, p.44)

Podemos observar, então, que o artesanato de capim dourado produzido pela

comunidade exerce uma função maior do que a prática laboral ou alternativa de renda: à

medida que integra outros esforços da comunidade, reafirma os laços entre seus

membros, com suas raízes e com o ambiente em que vivem. Nesse processo de

afirmação de identidade através de suas práticas, podemos mencionar que o isolamento

experimentado pela comunidade até o início dos anos 90, quando seu artesanato

começou a ser difundido, gerou um tipo de desenvolvimento local que brotou no seio do

próprio grupo, como reflete Junqueira (2000, p.118)

Desenvolvimento Local é entendido como um espaço dinâmico de

ações locais, tendo como pressuposto a descentralização, a

participação comunitária e um novo modo de promover o

desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades

capazes de suprir suas necessidades imediatas, descobrindo ou

despertando para suas vocações locais e desenvolvendo suas

potencialidades específicas.

Esse tipo de desenvolvimento é acompanhado de um sentimento que percola

entre os moradores, de pertença ao lugar em que vivem (onde nasceram, criaram suas

famílias e do qual tiram seu sustento). É esse sentimento que Tuan (1980, p.105)

conceitua como topofilia – “[...] o elo afetivo que a pessoa ou um determinado grupo

social tem em relação ao lugar ou ao ambiente físico”.

Esse sentimento e compromisso com o desenvolvimento local incentivam a

comunidade na busca por melhorias internas, em vez de optar pelo êxodo para lugares

mais acessíveis. As fronteiras que vêm se expandindo pela comercialização de seu

artesanato e do ecoturismo no parque deram acesso da comunidade a outros modos de

vida. Porém, nos recenseamentos realizados no local, não se percebeu redução no

número de moradores, fato também relatado em entrevistas por uma das artesãs jovens

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da comunidade, que disse que os jovens têm vontade de fazer uma faculdade e melhorar

de vida, mas não pretendem abandonar a Mumbuca.

Estou cursando o 3º ano na escola em Mateiros, dou aula para as

crianças na escola fundamental na comunidade e trabalho como

promoter da comunidade, e líder jovem. Tudo que podemos

conquistar de melhorias para a Mumbuca, nos empenhamos em fazer

(Artesã da Mumbuca, 2011 – informação verbal).

É esse o caso do processo pelo direito à posse das terras, previsto no art. 68 do

ADCT aos remanescentes de quilombos.

3.6.1 Festa da Colheita

É perceptível como o fazer artesanal está intimamente ligado à manutenção das

tradições da comunidade, e uma ocasião em especial é responsável por relembrar isso e

reavivar na memória outras tradições centenárias: a Festa da Colheita.

A festa é uma iniciativa dos moradores da Mumbuca para celebrar o início da

colheita do capim dourado. A data de 20 de setembro foi escolhida por marcar a melhor

época para a colheita das hastes do capim – a parte utilizada na produção das peças, de

forma a não comprometer a manutenção dos estoques e a utilização pelas gerações

futuras. Durante muitos anos, foi festejada somente entre os membros da comunidade;

contava com brincadeiras e cantigas de roda, cavalgada ao campo, e também era o

momento de contar histórias e lendas. Quando o capim dourado estava pronto para ser

colhido, a comunidade ia para o campo a cavalo, vivenciando a festa, tanto na saída

como na chegada. O objetivo principal da festa é resgatar a história e a cultura do

Povoado de Mumbuca, seu conhecimento da arte do Capim Dourado, suas

lendas, músicas e outras tradições.

A partir do ano de 2009, a Festa da Colheita se expandiu e conta agora com

parceiros, como a Secretaria da Cultura do Tocantins, o Ibama, o Ministério Público

Federal e o Centro Nacional de Cultura Popular, que reforçam a importância da festa

para a comunidade e aproveitam o momento para também

• Incentivar a coleta coletiva e sustentável da matéria-prima,

dando continuidade aos modos tradicionais do Povoado;

• Minimizar os impactos negativos ao capim dourado, incentivando

a colheita ordenada na época certa e de forma adequada,

reduzindo o desvio da matéria prima para o tráfico;

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• Promover a conservação ambiental, o turismo e a interação entre

as comunidades e as instituições parceiras (MPF, 2011)

No ano de 2011, em decorrência do processo para titulação das terras, a

comunidade recebeu o promotor do Ministério Público, Álvaro Manzano, e o

antropólogo Márcio Santos.

Manzano proferiu palestra que abordou os direitos e deveres dos

remanescentes de quilombos, e ajudou a comunidade a entender, tirar

suas dúvidas e continuar lutando pelos seus direitos (MPF, 2011).

Na ocasião, representantes do Ibama e do Centro Nacional de Cultura Popular

trouxeram informações sobre o processo de indicação geográfica que estava em

andamento, e os progressos nos estudos para conservação do capim dourado.

Nos dias da festa, a comunidade se organiza para receber os

visitantes, principalmente aqueles que vieram das outras

comunidades, com o intuito de compartilhar os saberes sobre a

confecção do artesanato e os procedimentos que os artesãos de

Mumbuca adotaram para que o capim dourado não desapareça

(Artesã, 2011 – informação verbal).

O momento tradicional de celebração se une agora também a outros interesses

da comunidade, que viu na festa uma oportunidade não só de expandir e celebrar sua

cultura, como também um momento de conscientização, trazendo para seus membros

assuntos de interesse e esclarecimentos sobre os possíveis entraves para a continuidade

de sua existência, tanto no Jalapão quanto no artesanato de capim dourado.

Outra iniciativa que surgiu no seio da comunidade para preservar e celebrar

suas tradições foi a vontade dos filhos de Dª Miúda de criar um museu em homenagem

à vida e obra da matriarca e precursora do artesanato.

Gostaríamos de criar um museu na casa da Dª Miúda, de coisas da

história dela. O turista vem aqui para conhecer o berço do capim

dourado e conhecer também a grande responsável por tudo isso.

Agora que ela morreu, o museu é uma forma de homenageá-la e

também dar acesso aos turistas a conhecerem um pouco da vida dela

(Artesãos, 2011 – informação verbal).

A iniciativa foi levada à Secretaria da Cultura, mas até a finalização desta

pesquisa, o órgão responsável não tinha se manifestado sobre o assunto.

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3.7 A QUESTÃO DO DESIGN

Nos itens anteriores desse capítulo, apresentamos o artesanato de capim

dourado, sua importância, desenvolvimento e aplicação para as comunidades que vivem

dele. Passaremos a abordar as interações entre o design e o artesanato na comunidade da

Mumbuca, para refletirmos sobre nosso objeto de estudo.

A partir do ano de 2000, com financiamento da Fundação Cultural do

Tocantins e apoio do SEBRAE-TO, foi promovida uma série de ações, dentre elas a

catalogação das comunidades, o incentivo à formação de associações, além de oficinas

de qualificação e design de peças, sempre com o intuito de desenvolver e comercializar

os produtos resultantes de tais ações. Desse trabalho decorre a maioria das ações de

designers na região.

A primeira oficina de design na comunidade foi ministrada por Renato

Imbroisi, que, na oportunidade, compartilhou a ideia de criação de mandalas ou

sousplats, como ficaram conhecidos os círculos de capim dourado. Os primeiros

trabalhos realizados pelo designer ocorreram numa época em que o capim dourado

ainda era pouco conhecido e a infraestrutura da região era bastante precária, inclusive

sem energia elétrica. Mesmo assim, as oficinas tiveram resultados significativos e a

iniciativa é sempre lembrada pelo grupo.

No ano de 2011, o SEBRAE também levou à comunidade da Mumbuca uma

oficina com a designer Heloísa Crocco. Esse projeto, em parceria com a ABEST

(Associação Brasileira de Estilistas), conforme mencionado no primeiro capítulo,

objetivou o desenvolvimento de produtos inovadores e competitivos, fazendo com que

essas comunidades incorporassem práticas sustentáveis em sua produção.

3.7.1 Contato e Percepção do “Design”

No início de cada entrevista com os artesãos, foi perguntado se ele/ela já havia

participado de alguma oficina de design: todos haviam participado da maioria das

oficinas realizadas, fosse dentro ou fora da comunidade, pois os habitantes da Mumbuca

são convidados a participar das oficinas nas comunidades próximas. Esse dado

demonstrou o interesse dos artesãos pelo trabalho de interação com o design.

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Os artesãos relatam que não tomam contato com novidades somente na

aproximação com os designers, mas também com os turistas que visitam a comunidade:

Pegamos ideias com os turistas também, às vezes alguém vem aqui e

fala que em São Paulo está usando tal modelo, faz um desenho e nós

copiamos, se gostamos do resultado, repetimos. Senão, deixamos de

lado. Temos facilidade de reproduzir os desenhos que são mostrados

pra nós (Artesã, 22 anos, 2011 – informação verbal).

Entrevistados, os artesãos também foram perguntados acerca da importância do

design para eles. Em suas respostas, disseram que ele lhes proporcionou melhorias e

ajudou no desenvolvimento de produtos, especialmente através das oficinas, pois sabem

da importância de manter relação com o que está sendo divulgado nas mídias, não

apenas criar conforme o próprio gosto ou apoiados incondicionalmente nas tradições.

Na entrevista com a designer Heloísa Crocco, quando perguntada sobre a

recepção e percepção do design pelos artesãos, ela respondeu que esse processo “depende

muito da sensibilização da coordenadora local. Como ela prepara este trabalho, é claro

que, da experiência da equipe, tudo tem que ter um tempo e um elo de confiança mutua”

(Entrevista por email em dez/2012/ Vide ANEXO 5).

Alguns artesãos relatam que sentem muita desconfiança em relação a alguns

designers que surgem com a prerrogativa de ensinar, mas aparentam querer aprender as

técnicas da comunidade para utilizar em outros projetos.

Eu acho que existe um aproveitamento por parte de alguns designers,

que vêm dizendo que vão ensinar design e tal, mas querem é aprender

o conhecimento da comunidade, vêm com um discurso pronto, mas

querem é aprender a técnica da costura, do trançado do capim

dourado para ganharem dinheiro depois às nossas custas (Artesã,

2011 – informação verbal).

Infelizmente, de forma pontual ou não, a apropriação dos saberes de

comunidades tradicionais por designers existe e é frequente (BORGES, 2011;

NUSSBAUM, 2010, BONSIEPE, 2011; THACKARA, 2008), e uma ou outra

experiência ruim pode atrapalhar todo o processo orientado por outros designers, que

realmente visam contribuir com os artesãos. Segundo Crocco, existe a necessidade de

criar um elo de confiança entre artesãos e designers. Aparentemente, esse vínculo se

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estabeleceu entre Imbroisi40 e a comunidade, já que seu trabalho é muito lembrado e

respeitado por todos. Uma artesã mencionou que a lembrança e respeito pelo trabalho de

Imbroisi se dão principalmente pela forma como ele trabalha e respeita os artesãos.

O diferencial do trabalho do Renato Imbroisi é que quando ele chega

à comunidade, não fala assim: “Faz esse modelo”. Ele fala: “Vamos

criar juntos”. Aí alguém diz: “Ah, Renato, eu pensei em criar um

jabuti”. E ele responde: “Então cria o jabuti, se vira com o jabuti”.

Ele dá a liberdade para a pessoa desafiar sua própria inteligência (A

CASA, 201141

).

Ao que tudo indica, o trabalho de Imbroisi foi feito de maneira ética e

respeitosa – isso demonstra um diálogo possível de ser construído com os artesãos, e

que os faz perceber a importância de estar conectados com o mercado atual; de aplicar

certo apuro nas técnicas aprendidas de geração em geração, para a composição de novos

arranjos e combinações, utilizando-se, também, de diferentes materiais, sem perder os

traços característicos de antes.

O Renato veio pra somar, pra ajudar, ele já sabe a língua da

comunidade, porque ele foi um dos primeiros a vir até a comunidade.

Então, ele já conhece, já tem uma afinidade com a comunidade, o

perfil da comunidade. Ele anda por esse mundo afora e sabe o que vai

surtir efeito na comunidade, e nós continuamos a fazer o design que

ele propõe (Artesã, 2011 – informação verbal)

Essa fala nos faz refletir sobre um ponto de vista que vem sendo cada vez mais

advogado pelos atores envolvidos: a forma como deve ser elaborado o trabalho junto a

comunidades, considerando que as ações devem ser dosadas e pensadas para cada local,

de modo a consentir uma maleabilidade dos artesãos na aceitação e apropriação das

ideias propostas nas oficinas.

Os artesãos também fazem uma distinção clara entre seu trabalho e o dos

designers, identificando-se como detentores da técnica, enquanto os designers são os

propiciadores da novidade e portadores da criatividade. “[os designers] vêm ensinar

40

Foram feitas várias tentativas de contato com o designer Renato Imbroisi para uma entrevista sobre seu

trabalho na comunidade. Infelizmente, as respostas a nossas perguntas não foram possíveis por

dificuldades em sua agenda.

41 Disponível em: <http://www.acasa.org.br/ensaio.php?id=348&modo=>. Acesso em: mar/2012.

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outros modelos, porque costurar42 nós sabemos, mas não conhecemos tantos modelos

como eles” (Artesã, 2011 – informação verbal).

Crocco também se referiu a este assunto, dizendo que as artesãs da Mumbuca

“são todas grandes mestras”. É necessário esse respeito pelo saber da comunidade, de

forma a possibilitar trocas, não imposições (Entrevista por email em dez/2012).

Quando o designer se aproxima do artesanato e do artesão, ele tem

que se colocar no mesmo nível, porque ele não tem a capacidade do

fazer. Posso admirar um cesteiro ou uma bordadeira e posso até

desenhar alguma coisa, mas não sei fazer. Precisaria de anos para

aprender. Desenhar está no mesmo nível do fazer, porque ambos

exigem anos de aprendizado. (BORGES apud COSTA, 2011, p.149).

Essa relação entre técnica e desenho nos fez refletir sobre o que já se incutiu

por meio da história e das mídias, pois reitera de forma significativa a ideia de que

design é a “solução inteligente de problemas estético-formais” (BONSIEPE, 2005, p. 2).

3.7.2 Oficinas

Segundo dados coletados, a comunidade da Mumbuca vem recebendo oficinas

de design desde o ano de 2001, quando da primeira interação de design com Imbroisi.

Vale lembrar que a participação em oficinas e a absorção de conceitos de

design exigem muita flexibilidade por parte do grupo, visto que o artesanato tradicional,

além de seguir um modelo de trama específico, é trançado com a seda do buriti,

enquanto os artefatos resultantes de oficinas normalmente recebem a inserção de outros

fios, novas tramas e formas, novos materiais, como sementes, miçangas, tecidos etc.

Observou-se que as oficinas são desejadas pelos artesãos, mas sua percepção é

que recebem poucas, se comparado com outras associações do Parque. Este fato talvez

se deva à questão da localização da comunidade que, por ser de difícil acesso, oferece

obstáculos maiores do que aquelas em áreas mais urbanizadas.

A principal e recorrente reclamação nas entrevistas é o fato de que, nesse

processo de aprendizado, eles muitas vezes sentem falta de ser consultados acerca do

que será apresentado nas oficinas, e acabam por receber projetos com temas menos

relevantes às suas realidades, fato que dificulta todo o processo de interação.

42

Costurar: termo utilizado pelos artesãos da Mumbuca se referindo ao processo de transformar o capim

dourado in natura em artefato artesanal

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100

Eu vejo muita riqueza nesses cursos, que poderia ser aproveitada

muito mais, mas a comunidade nem sempre para pra aprender,

porque chegam falando assim, vai ter um curso tal, tal dia, nesse

horário e pronto. Não conversam com a gente antes, não tem

demanda, acho que deveriam vir aqui antes com a proposta, mostrar

a metodologia, os modelos e ver se a comunidade se interessa (Artesã,

2011 – informação verbal).

Essa falta de diálogo também é criticada por Borges (apud COSTA, 2011, p.149)

que consente:

[...] não se pode chegar aos artesãos já com o desenho pronto, com o

projeto feito. É preciso estabelecer um consenso entre a nossa opinião

e a deles. E que eles compreendam o porquê da intervenção, para que

possam dar continuidade depois.

No caso das oficinas realizadas na Mumbuca, os temas são definidos

previamente. Conforme Crocco: “Pesquisamos tendências e inovação nos materiais;

depois, sensibilizamos a comunidade para mudar”. (Entrevista por email em dez/2012)

Apesar da aceitação e reconhecimento da importância das oficinas para o

desenvolvimento do artesanato, essa falta de diálogo foi uma queixa recorrente:

Falta oportunidade de dizermos o que queremos, não perguntam o que

gostaríamos de aprender. A gente gosta das oficinas, mas gostaríamos

de ser questionados antes sobre o tema. Mesmo porque conhecemos

nossas dificuldades e facilidades, e também o gosto dos compradores, e

por isso às vezes vem oficinas com ideias que sabemos que não vai

funcionar na nossa realidade, e acabamos por gastar nosso tempo com

um produto que no final não vai vender, ou que simplesmente não

vamos fazer (Artesã, 2011 – informação verbal).

Quanto ao resultado das oficinas e sua contribuição para o desenvolvimento da

produção artesanal, os artesãos observam resultados positivos, porém referem que os

principais produtos vendidos pela comunidade não são fruto dessas interações, e sim o

artesanato tradicional, porque, como já mencionado anteriormente, o turista que viaja

até a Mumbuca, busca trabalhos com essas características.

Outro problema também relatado pelos artesãos é a duração das oficinas, que

consideram insuficiente para aprender e por em prática. Essa reclamação reitera uma

crítica de Borges (2011, p. 153) ao processo: “um ponto crucial sobre o qual o gestor é o

principal responsável se refere à duração ou frequência das oficinas. [...] Oficinas

isoladas de curta duração podem desestruturar uma comunidade”.

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101

Nas entrevistas, quando o tema era a duração, muitos mencionavam a questão

do tempo, “do nosso tempo, do tempo da comunidade”: as comunidades têm outro

tempo de produção, o tempo do objeto feito à mão:

A lentidão do tempo artesanal é fonte de satisfação; a prática se

consolida, permitindo que o artesão se aposse da habilidade. A

lentidão do tempo artesanal também permite o trabalho de reflexão e

imaginação – o que não é facultado pela busca de trabalhos rápidos.

Maduro quer dizer longo; o sujeito se apropria de maneira duradoura

da habilidade (SENNET, 2009, p.328).

É preciso haver respeito pelo ritmo de trabalho do artesão; caso contrário, a

contribuição ao final é inexistente – acaba quando a oficina termina. O respeito pelo

tempo do artesão demonstra respeito por todo o sistema que envolve o artesanato, e abre

a possibilidade de continuidade dos trabalhos.

3.7.3 Continuidade

Além do interesse pelo trabalho dos designers, os artesãos demonstram desejo

de continuidade dos processos desenvolvidos nas oficinas, já que gostariam de aprender

mais e compartilhar o resultado das mudanças propostas no escoamento dos produtos.

Esse processo de continuidade, segundo os órgãos responsáveis, existe no

sentido de frequência, que é a volta do designer para ministrar outras aulas, como no

caso de Imbroisi, que já participou de várias oficinas na comunidade desde 2001. Existe

também na criação de outras oficinas com outros designers.

Outro aspecto desse trabalho de continuidade são as feiras de artesanato, onde

os artesãos muitas vezes são levados pelo governo do estado para vender seus produtos

e fazer contatos. Entretanto, com o crescimento do artesanato de capim dourado, alguns

atravessadores vão até essas feiras, expõem o artesanato como sendo da comunidade e

tiram a oportunidade dos artesãos de viajarem e fazerem novos negócios.

Relacionando a continuidade a um conceito de monitoramento ou

acompanhamento pós-oficina, os artesãos relatam que

Não existe esse acompanhamento, não tem não, e isso não é só no

design, é em todos os cursos. Todos os outros cursos que já vieram

não têm monitoramento, não procuram saber como está a produção

do que foi ensinado. Essa parte ai ficou faltando (Artesã, 2011 –

informação verbal)

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102

Esses são fatores que, somados, podem estar contribuindo para que a Mumbuca

não seja a principal responsável pela venda dos produtos de capim dourado da região, e

sim associações mais próximas à cidade. Mesmo tendo iniciado o trabalho, a venda

efetiva acontece em outras regiões, principalmente nas associações em núcleos urbanos.

Em comparação com as vendas nos núcleos de produção tradicionais

(Mateiros e Mumbuca) as ações de difusão da técnica artesanal

acabaram favorecendo muito mais o comércio nos núcleos de

produção recentes, como o município de Ponte Alta, que possui

melhores vias de acesso e infraestrutura, como hotéis, correios,

bancos e internet, fundamentais enquanto suporte a atividade

comercial (BELAS, 2008 43

).

Pode-se ver que essas ações, por um lado, abriram novas perspectivas de

mercado aos núcleos tradicionais e ao desenvolvimento de produtos, mas por outro,

levaram ao aumento da concorrência e à homogeneização da produção, fator um tanto

inevitável quando se fala em mercado. Entretanto, essa massificação ocorre mais nos

centros urbanos, não afetando diretamente a produção de artesanato da Mumbuca, que

se mantém diferenciada pelos próprios valores históricos já mencionados.

Pensando nas características únicas do artesanato diante de uma realidade de

massificação da produção e também sob o risco de ver extintos os recursos naturais, têm

se realizado novas intervenções sob a perspectiva da singularização das peças. Com

isso, a conquista do Registro de Indicação Geográfica se torna ainda mais importante

para legitimar o verdadeiro artesanato de capim dourado, surgido na Mumbuca.

3.7.4 Identificando Aproximações

Passamos agora a uma análise mais pontual, em diligência para identificar

ações de design na Mumbuca que possam ter contribuído para o desenvolvimento da

comunidade, como objetivo proposto nesta pesquisa.

Para tanto, recorremos ao livro de Adélia Borges – Design e Artesanato, o

caminho brasileiro (BORGES, 2011). A autora busca construir um diagnóstico

profundo dessas aproximações no Brasil, e afirma “não existir um procedimento-padrão

43

Disponível em <http://secom.to.gov.br/noticia/2008/4/1/pesquisadores-iniciam-trabalhos-para-

exposicao-do-capim-dourado-no-cnfcp/> Acesso em ago.2012

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103

ou receituário para essas situações” (Ibid., p.59). Ela organiza em eixos principais os

caminhos trilhados nessas parcerias. A partir desses eixos, foi possível identificar sua

presença ou ausência no trabalho desenvolvido na Mumbuca. São eles:

“Melhoria das condições técnicas

Potencialidade dos materiais locais

Identidade e diversidade

Construção das marcas

Ações combinadas” (Ibid, p.59)

Observando os eixos em mais detalhe:

Melhoria das condições técnicas

Nesse eixo, Borges trata do trabalho do designer para desenvolver critérios de

qualidade de produção e acabamento. A autora comenta que vários dos problemas de

acabamento não podem ser atribuídos a um eventual desleixo do artesão e sim à

ausência de informações e perda de referências que faziam parte do repertório local,

mas foram esquecidos ao longo dos anos (Ibid.).

A preocupação com a qualidade é uma constante na Mumbuca. Os artesãos

lembram que Dona Miúda “era exigente em relação ao artesanato em si, que deve ter a

costura compassada e as peças firmes”. Nesse quesito, os trabalhos de design realizados

ajudaram no estabelecimento de critérios de produção e acabamento.

O incentivo à organização da comunidade em forma de associação também

propiciou esse controle de qualidade, já que se observa a qualidade e o acabamento dos

objetos antes de colocá-los à venda na sede da associação.

A associação ajudou e ajuda a gente muito, nos organizamos melhor,

e trabalhamos em conjunto. Além disso, existe a preocupação com o

bom acabamento, o que valoriza ainda mais o nosso trabalho, temos

que nos esforçar mais, o produto só pode ser vendido na loja da

associação se estiver bem costurado, firme e com o capim bem

dourado, que significa que foi colhido na época certa (Artesã, 2011 –

informação verbal).

Mais do que um incentivo por parte dos designers e das ações para a qualidade

dos objetos, são perceptíveis o empenho e dedicação dos artesãos em produzir peças

bonitas, bem acabadas e bem estruturadas.

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104

Potencialidade dos materiais locais

“Aproveitamento das potencialidades dos materiais encontrados na região: nesse

quesito, os designers têm mais a aprender com os artesãos” (BORGES, 2011, p.79).

O capim dourado, riqueza natural da região do Jalapão, já vem sendo utilizado

no artesanato. Projetos conjuntos de design têm auxiliado os artesãos a procurarem

também por outros materiais locais, que possam ser utilizados junto com o capim

dourado, como sementes e outras fibras naturais.

A palha de buriti é usada para costurar o capim dourado, e mais recentemente,

tem se iniciado um trabalho para usar outras partes do buriti, como o fruto que, cortado

em lâminas, pode ser aproveitado no artesanato. Trabalho parecido é feito com o coco

do babaçu em diversas regiões do Tocantins.

Nessa busca pela potencialidade dos materiais da região, em 2011, a Secretaria da

Cultura do estado do Tocantins levou o designer Renato Imbroisi para ministrar uma oficina

com instruções de técnicas de tingimento vegetal para seda do buriti e novos produtos.

Sobre essa oficina, uma das artesãs da Mumbuca que participou disse que “a oficina foi

muito produtiva, enriqueceu nosso artesanato e é muito importante que a Secretaria da

Cultura continue trazendo incentivos desta qualidade para os artesãos de nossa região”.

(Artesã, 2011 – informação verbal).

Encontrar novas fórmulas e/ou funções para os materiais já utilizados, bem

como incorporar novos elementos, tem ajudado a valorizar o artesanato e os artesãos,

que passam a criar com mais liberdade e com uma gama maior de produtos. Nesse

sentido, o trabalho de design realizado na comunidade tem sido muito importante.

Identidade e diversidade

“Gestação de objetos com clara identidade dos lugares em que são feitos;

manutenção e desenvolvimento das técnicas e materiais locais através de sua

linguagem” (BORGES, 2011, p.97).

Conforme mostrado anteriormente, a comunidade da Mumbuca visa reafirmar

seus valores culturais e identitários através do seu produto artesanal. Nessa busca pela

manutenção de suas tradições, as oficinas de design têm ocupado papel secundário, já

que existe internamente a preocupação com a identidade e a busca de referências no

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cotidiano da comunidade, a qual, como passou muito tempo isolada, tirou do próprio

seio a inspiração para a criação de seus artefatos.

Nesse sentido, o trabalho da designer Heloísa Crocco, que mantém o

laboratório Piracema de Design, busca essa diversidade em seus trabalhos e define-se.

[...] como um núcleo de pesquisa da forma cultural brasileira, o

laboratório sacramenta o princípio de que o artesão é soberano,

ponto de partida e de chegada de qualquer intervenção. [...] A

compreensão é a de que o produto do artesão deve ser visto como

materialização de seu complexo patrimônio cultural (Ibid, p.107)

Em sua oficina realizada na Mumbuca, a designer buscou, juntamente com os

artesãos, trazer outras referências locais que pudessem ser trabalhadas, na busca pela

criação de produtos inovadores e de práticas sustentáveis, mas fazendo uso da essência

cultural que caracteriza o artesanato tradicional local.

Imbroisi também realizou um trabalho de diagnóstico em 2011, buscando

conhecer as características da produção que vem sendo realizada, para criar uma linha

de produtos voltados para a cultura da comunidade.

Foi um design muito natural, assim bem rústico, nada artificial.

Foram feitos desenhos de bichos da fauna do cerrado, animais que

conhecemos como borboletas e formigas, tudo muito natural. Colares,

cintos, presilhas de cabelo, tudo característico da nossa região. O

Renato [Imbroisi] é o designer de que a comunidade mais gosta, é um

destaque para nós. (Artesã, 2011 - informação verbal)

Imbroisi referiu-se às oficinas, dizendo que “as artesãs foram muito

participativas e demonstraram muita vontade de se capacitar com novas técnicas,

trabalhar em equipe e desenvolver novos produtos” (SECULT, 2011 44).

Nesse eixo, nota-se que a parceria entre os artesãos envolvidos com suas raízes,

e designers que apreciem e incentivem esses valores culturais é aceita e os produtos dela

derivados são incluídos nas práticas artesanais da comunidade.

Construção das marcas

Equipar os objetos dentro de um programa de identidade visual,

marcas, etiquetas, embalagens bem feitas, catálogos, recursos que são

importantes para comunicar os valores intangíveis dos objetos

artesanais (BORGES, 2011, p.117).

44

Disponível em: http://encantosdocerrado.com.br/n/6709. Acesso em nov/2012

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106

A criação de identidade visual dos produtos artesanais é muito importante.

Porém, ao que parece, este detalhe foi esquecido ou abandonado na comunidade da

Mumbuca. Na pesquisa realizada no ano de 2008, todos os produtos estavam com

etiquetas padronizadas, identificadas com o nome do artesão que produzira aquele

artefato, endereço e telefone da associação, e ainda informavam sobre a

responsabilidade social e identificação local da produção.

Essas etiquetas faziam parte de um projeto desenvolvido pela ONG PEQUI em

parceria com a Embrapa/Cenargem, a Universidade Federal de Brasília, o Programa de

Pequenos Projetos (PPE) e o Naturatins. Como resultado, foram desenvolvidas uma

cartilha para o manejo correto dos recursos naturais e etiquetas que, segundo o projeto,

visavam à diferenciação e agregação de valor às peças dos artesãos no mercado,

informando que cumpriam com as especificações ambientais.

Figura 25: Tag

Fonte: Foto da Autora, 2008

Entretanto, na pesquisa realizada no ano de 2011, o panorama foi outro: os

produtos não possuíam mais essas etiquetas, apenas folhas de caderno recortadas, onde

figuravam o nome do produto, do artesão e o preço de venda.

Fig. 26: Identificação dos produtos

Fonte: foto da Autora, 2011

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107

Não é possível constatar o real motivo para a falta de uma identidade visual

mais completa. Porém, duas possibilidades foram levantadas: a falta de continuidade do

trabalho de identidade visual promovido pelos órgãos responsáveis ou a falta de

sensibilização dos artesãos quanto à importância desses itens.

Teve uma oficina para embalagens e etiquetas, só que foi assim meio

que relâmpago, a comunidade não se atentou para isso. Foi pouco

tempo e não houve a oportunidade de explicar a importância disso, de

sensibilizar os artesãos da importância de se incluir esse tipo de coisa

na produção (Artesã, 2011 – Informação verbal).

A artesã segue dizendo que as etiquetas eram fornecidas pelo estado, o qual

interrompeu a impressão e a entrega na comunidade, sem informar o motivo.

Esse eixo, que poderia contribuir para a valorização dos produtos, está aquém

das expectativas, não sendo perceptível a efetividade de um trabalho nesse sentido. Por

conta disso, produtos esteticamente criativos e bem acabados acabam sendo

comercializados em embalagens básicas e sem identidade, às quais falta inclusive

menção ao valor simbólico do artefato ali contido.

Fig 27: Artesanatos expostos para venda

Fonte: foto da Autora, 2011

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Situação oposta é experimentada pelas associações localizadas na cidade, onde

a identidade visual já merece mais atenção e se estende dos produtos à embalagem,

aliada ainda aos catálogos e sites de revenda disponíveis.

Fig. 28: Página do catálogo de produtos de capim dourado

Fonte: Site PEQUI

Ações combinadas

Borges (2011, p. 129) exemplifica outras formas de o designer se relacionar com

as comunidades artesãs. Dentre elas, pelas pesquisas realizadas na Mumbuca, identificou-

se a contribuição do design e dos processos vinculados às ações dos designers para:

a) Redução da matéria-prima aliada à combinação de processos e materiais;

Um aspecto a ser destacado no trabalho sendo desenvolvido nas oficinas é a

conscientização para a colheita não predatória do material; o resultado vem sob a forma

de redução no uso de matéria-prima na confecção do artefato, pela combinação com

outros materiais, como ocorreu na oficina realizada pela ONG Percad em 2010, que

levou o designer Divino Alves para ministrar oficinas de produção de bolsas em tecido

com alças e detalhes em capim dourado.

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Fig. 29: Oficina de bolsas

Foto: Heverton Lacerda, 2010

Além disso, a temática da sustentabilidade do capim dourado é reforçada por

técnicas apropriadas de manejo, visando à manutenção da espécie que só é encontrada

nessa região.

Outra forma de interação entre designer e artesão proposta por Borges (2011):

b) Facilitação do acesso dos artesãos ou de sua produção à mídia;

Ninguém reconhece o valor do que não conhece. Exposições,

publicações, seminários e prêmios têm um papel na divulgação da

revitalização do artesanato, contribuindo para aumentar a percepção

consciente do público sobre o objeto feito à mão e ao mesmo tempo

incentivando boas práticas. Eles podem sensibilizar olhares. Ao

colocarem o artesanato em outro lugar que não o do cotidiano –

sejam as salas dos museus, sejam as páginas dos livros –, permitem

também que se aumente a reflexão sobre os temas (ibid., p.164)

Pensando nisso, um projeto que se evidencia no trabalho feito junto ao

artesanato de capim dourado, com vistas à ampliação de sua visibilidade, foi a parceria

entre a Fundação Cultural do Tocantins e o Centro Nacional de Folclore e Cultura

Popular (CNFCP), que busca manter um espaço diferenciado e permanente de

comercialização no Rio de Janeiro. Essa aproximação ocorreu em 2008, por meio do

projeto Sala do Artista Popular que, segundo Borges (ibid., p.164), “é a iniciativa de

maior longevidade na divulgação do artesanato”.

Dessa parceria, resultou a produção de um catálogo etnográfico e a organização

de uma exposição com venda de peças artesanais no Museu do Folclore Edson

Carneiro, no Rio de Janeiro. As peças expostas foram feitas por artesãos da Mumbuca e

de Mateiros; a exposição contou a história da produção artesanal, ressaltando os valores

simbólicos, tradicionais e a importância dessa atividade para as comunidades.

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110

O objetivo é fazer uma pesquisa bem detalhada sobre a cultura do

capim dourado na região, buscando, através de entrevistas,

informações da origem e de como é feito o artesanato na região. Além

de exposto, o artesanato em capim dourado também estará disponível

à venda, onde além da presença dos próprios artesãos, será agregado

valor às peças, com informações sobre a sua origem e como são

confeccionadas (BELAS, 2008 45

).

Iniciativas como essa, em que se forma uma equipe multidisciplinar com

sociólogos, arte-educadores, designers e fotógrafos, ajudam a desenvolver um trabalho

mais coerente e completo para a divulgação e valorização do objeto artesanal

tradicional, tão importante para a existência de comunidades como a Mumbuca.

Considerando as ações propostas por Borges (2011, p.134), percebemos que

ainda há perspectiva de trabalho em muitas frentes, no caso da comunidade Mumbuca,

tais como otimização de processos de fabricação, interlocução sobre desenhos e cores,

aumento da percepção consciente dessa qualidade pelo consumidor; comunicação dos

atributos intangíveis dos objetos artesanais; contribuição na gestão estratégica das

ações, entre outros.

Analisando o que foi discutido neste capítulo e levando em consideração as

interações de que a comunidade da Mumbuca já participou, observamos que o designer,

quando interage com comunidades de forte tradição e identidade, assume um papel

secundário, menos relacionado à autoria e mais à intenção de auxiliar os artesãos a

criarem e identificarem as próprias referências de sua cultura e história – postura

diferente do que ocorre em grupos de artesanato recente e sem laços culturais.

Muitas vezes, o papel do designer tem que ser esse, menos ligado à sua própria

autoria e à mídia, e mais atento a incentivar o artesão a criar, valorizar a autoria, a

cultura e os signos que já fazem parte de sua tradição.

Percebe-se também que, neste tipo de relação abordada no presente estudo, os

artesãos devem ser respeitados, que para respeitar é preciso conhecer, e também que

esse conhecimento traça o caminho da relação a ser desenvolvida com os artesãos.

45

Disponível em <http://secom.to.gov.br/noticia/2008/4/1/pesquisadores-iniciam-trabalhos-para-

exposicao-do-capim-dourado-no-cnfcp/> Acesso em ago.2012

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111

Tem gente que chega aqui querendo colocar muito material artificial

nos nossos trabalhos. Não gostamos disso, trabalhamos com o

natural, com o que a terra nos dá. Não quero participar de uma

oficina que vai trazer um fio pronto, se posso usar fibra de palmeira e

tantas outras belezas da natureza (Artesã, 2011 – informação verbal).

O caminho é longo e as possibilidades são muitas, e mais do que

ressignificações na forma, é preciso um envolvimento em todos os elos da cadeia

produtiva artesanal, desde a transformação da matéria prima até as atividades de

produção, comércio e serviço.

O envolvimento dos artesãos deve também ocorrer em todas as fases desses

processos, e não simplesmente como receptores das interações, sem opinião sobre o que

será desenvolvido. O diálogo entre as partes, como vimos, é o principal ingrediente para

o sucesso ou o fracasso das interações propostas.

Conhecer para reconhecer parece uma saída plausível, tanto para os designers

quanto para os artesãos. Além do estabelecimento de uma interlocução, esse

conhecimento e reconhecimento fará com que seja possível tentar eliminar o risco de

tornar raso o que é profundo, como as culturas manuais tradicionais.

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O artesanato é um sinal que se exprime à

sociedade não como trabalho (técnica) nem

como símbolo (arte, religião), mas como

vida física compartilhada.

(OCTÁVIO PAZ, 2006)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de qualquer ponderação, é preciso entender que

Durante certo tempo, se acreditou que a industrialização iria matar o

artesanato, da mesma forma que a globalização iria matar as

expressões culturais. [...] Os prognósticos de desaparecimento,

contudo, não se confirmaram (BORGES, 2011, p.203).

Nesta pesquisa, constatou-se a expansão do artesanato no mundo

contemporâneo, aliada ou não à sua aproximação com o design.

Tendo abordado o histórico de aproximações e distanciamentos ocorridos entre

design e artesanato, e também os reflexos da revolução industrial, assunto sobre o qual

Margolyn, Bonsiepe e Papanek, entre tantos outros, já emprestaram suas vozes para

compreensão das mudanças ocorridas, vimos salientar que o design mais e mais se vê

envolvido em projetos em parceria com o artesanato.

A aproximação entre designers e artesãos é, sem dúvida, um fenômeno

de extrema importância pelo impacto social e econômico que gera e

por seu significado cultural. Ela está mudando a feição do objeto

artesanal brasileiro e ampliando em muito o seu alcance (Ibid., p.137).

No Brasil, essa tendência é perceptível nas mais diversas esferas, e novos

“designers de artesanato” parecem surgir a cada dia. Não se sabe ao certo o motivo para

a intensificação dessas aproximações, e nem sua perspectiva de duração. Entretanto, tem

se popularizado o uso do design como ferramenta, até mesmo pelo governo, para

reposicionar, “revitalizar” e “valorizar” a atividade.

A legislação de 1988 – que reconheceu o artesanato como parte do patrimônio

cultural material, e seus conhecimentos tradicionais como parte do patrimônio cultural

imaterial, todos passíveis de proteção e conservação – está aliada ao crescimento dessas

ações em que se inclui o design.

O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 ampliou o reconhecimento dos

bens culturais. Segundo Aguinaga (2006, p.4), “patrimônio cultural não se limita aos

monumentos de ‘pedra e cal’, ou seja, aqueles bens materiais e tangíveis; ao revés,

reconhece nas manifestações culturais imateriais mais uma dimensão desse

patrimônio”. Essa mudança na lei acarretou também uma nova forma de encarar o

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artefato artesanal, que passou a ser visto como símbolo, como parte de nossa cultura

material e de nossa própria história.

[...] como único fenômeno cultural codificado duas vezes: uma vez na

mente do artesão e a outra na forma física do objeto. Essa dupla

codificação permite comparar os três fenômenos culturais, ou seja, o

artefato, bem como seus aspectos cognitivos e comportamentais.

Constitui ao mesmo tempo, o único meio de se inferir algo sobre

formas culturais do passado (NEWTON, 1989, p.15).

Estamos diante de uma questão de identidade vista por meio da cultura

material/imaterial e entendida pelos mecanismos de representação que são atribuídos

aos objetos. E essa questão de identidade ganha sempre mais importância, uma vez que

a globalização mexeu com antigas fronteiras, acarretando uma ressignificação do objeto

artesanal, o qual passou a “aportar aos usuários valores que vêm sendo cada vez mais

reconhecidos como calor humano, singularidade e pertencimento” (BORGES, 2011,

p.203).

A volta ao artesanato não significa um retrocesso. Consiste em uma volta dos

olhares, da construção de uma sensibilidade que revisita o passado diante de mudanças

significativas na contemporaneidade, posto que nenhuma volta é idêntica.

A volta ao artesanato é um dos sintomas da grande mudança da

sensibilidade contemporânea. Estamos perante outra expressão da

crítica à religião abstrata do progresso e à visão quantitativa do

homem. [...] Por isso a popularidade do artesanato é um sinal de

saúde (PAZ, 2006, pp.10-11).

Difunde-se cada dia mais o interesse pelo produto cultural repleto de valores

intangíveis. De uma forma ou de outra, essa busca levou os designers a se tornarem

parceiros dos produtores desse artefato, no caso, o artesanato – e para fins desta

pesquisa, o artesanato de capim dourado.

Acredita-se que, ao estudar o capim dourado e sua importância cultural e

social, reitera-se a luta pela preservação da comunidade de Mumbuca por meio do

artesanato, agora fortalecido por elementos do design, ressignificando o artefato em si e

a noção de desenvolvimento da comunidade em questão. Estabelece-se uma

possibilidade de diálogo intercultural necessário ao design na contemporaneidade, não

somente para valorizar os aspectos estéticos do consumo exótico, mas, sobretudo, para

apresentar outros modos de produção e uso, propondo novas considerações à atividade

projetual, por meio da diversidade cultural.

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115

Ainda existe o senso comum de que designers atuam simplesmente na

forma, na superfície ou na aparência de produtos e serviços. No

entanto, pelo caráter trans e multidisciplinar da atividade, bons

designers têm tido uma atuação ampla, sendo capazes de interagir

com desenvoltura em equipes com competências distintas (BORGES,

2011, p.133)

Entretanto, o design é mais uma ferramenta disponível. Podemos ver no

exemplo da Mumbuca que a situação da comunidade e sua prática artesanal vão além de

uma ressignificação de seus produtos ou uma maior inserção no mercado. A disputa

pela terra e a luta pelo reconhecimento como remanescente quilombola direcionam os

esforços da comunidade na busca pela manutenção de seu território, de suas tradições e

de sua própria existência.

Esse fortalecimento da comunidade como grupo social com identidade cultural

reconhecida por um estado de direito, em função de seu passado escravista, demonstra

que o desenvolvimento que vem ocorrendo é caracterizado pela preservação das

tradições locais e reafirmado em seu fazer artesanal. Este é um fato que muito nos

revela de sua dinâmica social, a qual aceita as mudanças sem abrir mão das tradições,

como na coexistência dos dois tipos de artesanato. “A arte com o capim dourado,

internalizada e apropriada pelos primeiros habitantes mumbuquenses, não foi

enfraquecida pela diminuição do isolamento a que estavam submetidos nem pelo

contato com outras culturas” (SOUSA; 2009, p.45).

A solidificação da estrutura e organização social propiciou a interação com

outras culturas sem a sua própria descaracterização, o que não é frequente,

demonstrando o profundo vínculo da comunidade com suas raízes culturais e um forte

sentimento de pertencimento. Isso parece demonstrar que é possível a inserção do

design em comunidades tradicionais sem mutilar sua singularidade.

Menos tangível do que o impacto econômico, a transformação social,

propiciada pelo empoderamento e aumento da autoestima das mulheres, é também

portentoso. Entretanto, é preciso salientar que a principal responsável por essas

mudanças e transformações sociais é a própria comunidade que, engajada com a causa,

busca, filtra e aplica o que lhe parece pertinente.

Designers, pesquisadores, empresas privadas e órgãos públicos devem

combinar esforços para obter mudanças efetivas, não apenas estéticas, mas também na

forma como se encara o artesanato e as comunidades tradicionais do Brasil.

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É preciso, finalmente, refletir sobre os parâmetros éticos a serem

observados no encontro entre designers, artesãos e gestores, para que

haja efetivamente uma melhora, e não a piora da situação anterior. É

compartilhar e desenvolver metodologias que levem a um diálogo

real. Esses parâmetros não podem ser construídos sobre o conceito de

“caridade” ou de “ajuda”- que trazem dentro de si uma posição de

superioridade e, portanto, de desprezo pelo “outro”-, e sim sobre a

ideia das trocas e aprendizagens mútuas (BORGES, 2011, p.155).

Ações de cunho paternalista, com o desprezo citado pela autora, podem

transformar o design tido como social em uma nova forma de imperialismo

(NUSSBAUM, 2010; THACKARA, 2010). A imposição com rótulo de revitalização,

valorização, agregação de valores ou adequação ao mercado produz consequências

devastadoras, não só no produto artesanal, mas no modo de vida das comunidades.

Primeiramente, há que se entender até que ponto é necessária a intervenção, e

considerar o pensamento e a vontade dos artesãos, em vez de simplesmente

desclassificar o saber popular em detrimento do saber acadêmico, e mesmo de novas

linguagens tecnológicas e estetização. É errônea a interpretação de que “o fazer é um

ato totalmente desprovido do saber” (ARANTES, 1994, p.14).

A comunidade da Mumbuca se mostrou cética quanto à interação com o

design, melhor dizendo, com “qualquer tipo de design” – aquele designer que chega a

qualquer tempo, em uma situação inoportuna, sem metodologia ou temas coerentes com

os anseios do grupo.

Acho que a comunidade está saturada, saturada desse monte de

oficinas, desse tanto de pessoas e reuniões, saturada da mídia, e de

pessoas que vêm aqui “ensinar”. Ensinar o que? Se nós já sabemos

como tecer, precisamos entender o que estão querendo dizer quando

vêm aqui para ensinar (Artesã, 2011 – informação verbal).

A fala da artesã evidencia a falta de diálogo em certos tipos de ações: realizar

oficinas para “cumprir tabela” ou para atrair a atenção da mídia interessada nesse tipo

de comunidade não contribui em nada para a produção artesanal, quiçá para o design

que se pretende diferenciado; pelo contrário, pois, ao não estabelecer uma relação ética

entre as culturas em questão, cria uma pré-indisposição dos artesãos no tocante a ações

futuras. É visível que esse tipo de trabalho não é aceito, muito menos incorporado às

práticas existentes. As oficinas reconhecidas pela comunidade são aquelas que

conseguiram, de alguma forma, enxergar através dos olhos do artesão e valorizar o que

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ele já faz, e não aquelas que partiram da negação do tradicional em prol de uma

modernização falsa e supérflua.

Ao que parece, esse processos de design que foram incorporados pela

comunidade contribuíram para o aumento das vendas, na medida em que abriram novas

perspectivas de mercado aos núcleos tradicionais e ao desenvolvimento de novos

produtos. Por outro lado, levaram ao aumento da concorrência e à homogeneização da

produção em outros núcleos. Ainda assim, essa situação parece não comprometer o

desenvolvimento da comunidade, o qual, como vimos, está pautado no seu fazer

artesanal tradicional, que, para o bem ou para o mal, se tornou atração turística.

Esses olhares da mídia, de programas assistencialistas e do próprio design não

só cansam os artesãos como não produzem benefícios efetivos em sua realidade. A

noção de desenvolvimento nos termos reconhecidos pela comunidade é muito diferente

do senso comum; é o que indica o relato dos artesãos da Mumbuca, os quais preferiram

vetar a construção de casas de alvenaria, em detrimento do barro utilizado nas

construções tradicionais.

O que precisa ser evitado nessa aproximação do design é a inclusão do artefato

artesanal no ciclo da obsolescência programada. O boom do capim dourado ocorrido

nos últimos anos se amornou; houve um momento em que o artesanato foi mais

valorizado, talvez pela novidade – conceito inerente aos campos do design e da moda.

Há que se entender que o artesanato tradicional não é um produto sazonal, está

imbricado em um modo de vida e não pode simplesmente cair no desuso ou na

banalidade.

Mais importante do que levar oficinas de design, é necessário o apoio, o

incentivo social e político, seja o design parte dele ou não, sobretudo porque, existindo

o artesanato, também a comunidade continuará existindo através de sua arte, e

principalmente de suas histórias, tradições e heranças que, somadas às nossas,

constituem o que temos de mais importante – o patrimônio histórico e cultural do nosso

país.

Finalizada, esta pesquisa está longe de apontar considerações românticas e

idealistas em torno do artesanato tradicional, apesar de considerar que, ao adentrar esta

temática em relação ao design contemporâneo, explicita-se sempre um posicionamento

político. Entendemos que os designers não vão salvar o mundo, os artesãos tampouco.

Mas talvez, e isso é apenas um talvez, o artesanato possa “salvar” pelo menos a

sensibilidade que a mecanização de produtos, mentes e processos nos fez esquecer ou

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apagar as imagens que tínhamos de outros tempos, sem saudosismos, mas como

possibilidades de análise e compreensão – memória viva.

O artesanato não quer durar milênios, nem está possuído pela pressa

de morrer em breve. Decorre com os dias, flui conosco, gasta-se

pouco a pouco, não procura a morte nem a nega, aceita-a. Entre o

tempo sem tempo do museu e o tempo acelerado da técnica, o

artesanato é a pulsação do tempo humano. É um objeto útil, mas que

também é belo; um objeto que dura, mas que se acaba e se resigna a

acabar-se; um objeto que não é único como a obra de arte e que pode

ser substituído por outro parecido, mas não idêntico. O artesanato

nos ensina a morrer, e assim nos ensina a viver (PAZ, 2006, p.11).

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ANEXO 1 – LEI Nº 2.186

Reconhece o Capim Dourado como bem de valor cultural e Patrimônio Histórico

do Estado do Tocantins

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ANEXO 2 – LEI Nº 1.203

Criação do Parque Estadual do Jalapão

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ANEXO 3 – FUNDAÇÃO PALMARES RECONHECE A COMUNIDADE

MUMBUCA COMO REMANESCENTE DE QUILOMBOS

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ANEXO 4 – PORTARIA NATURATINS Nº 362

Coleta e manejo do capim dourado

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ANEXO 5 – ENTREVISTA COM A DESIGNER HELOÍSA CROCCO

Entrevista com a designer Heloisa Crocco por email em 2012.

1) Como surgiu a oportunidade trabalhar com as comunidades no

Jalapão?

Pelo Programa Brasileiro do Artesanato/SEBRAE Nacional

2) Como são definidos os temas que são trabalhados nas oficinas?

Pesquisamos tendências e inovação nos matérias . Depois

sensibilizamos a comunidade para mudar.

3) Qual comunidade dentre as visitadas no Jalapão foi mais receptiva?

Ponte Alta

4) Como é a recepção e a percepção dos artesãos em relação ao design?

Depende muito da sensibilização da coordenadora local;Como ela

prepara este trabalho.E claro que da experiência da equipe.tudo tem

que ter um tempo e um elo de confiança mutua

Pesquisa para a dissertação de mestrado em Design

Universidade Anhembi Morumbi

Orientadora: ProfªDrª Márcia Merlo

Aluna: Lília Diniz

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5) Você conseguiu identificar diferenças entre o artesanato produzido

na Mumbuca em relação ao de outras regiões do Jalapão? Se sim,

cite as principais.

Sim. Mumbuca , apesar de ter iniciado este trabalho, fica distante e

assim fica difícil de atender as demandas.Com isto eles estão

chateados por que iniciaram o trabalho , mas a venda efetiva se dá

através de outras comunidades

6) Houve alguma queixa por parte dos artesãos? Algo que eles

gostariam que melhorasse principalmente no que diz respeito à

prática artesanal?

Não , não houve queixa neste sentido.Elas são todas grandes

mestres.O problema é onde fica Mumbuca e como se chega até lá.A

comunicação é terrível.

7) Qual foi o tema da oficina realizada na comunidade da Mumbuca?

TOQUE BRASIL foi uma oficina direcionada para complementos

de moda >projeto ABEST/SEBRAE Nacional

8) Existe algum tipo de acompanhamento realizado após as oficinas, no

sentido de dar continuidade aos trabalhos?

Sim existe acompanhamento do Sebrae do Tocantins e a

coordenadora é ótima Magvan Botelho.

9) Você acha que é possível trabalhar com o artesanato sem

descaracterizá-lo?

Sim acho. Poderíamos falar muito mais sobre isto.Mas o tema é

muito extenso e complexo.Cada caso é um caso .

10) Em sua opinião qual a importância desse tipo de interação que

vem se estabelecendo cada dia mais entre design e artesanato?

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Na maioria das vezes é positiva esta junção em todos os sentidos no

sentido de ingresso para o artesão, no sentido de conhecimento e

abertura de mundo para ele.

11) Você acredita que as oficinas têm apresentado resultados

significativos para o desenvolvimento e autonomia da comunidade?

Tudo depende da comunidade e da liderança. Acho que sim ,é

positivo é maravilhoso ,oportuna muito e não deixa morrer.