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Universidade Federal Fluminense Centro de Estudos Gerais Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Departamento de Ciência Política Programa de Pós-Graduação em Ciência Política NELSON R. GASPARIN JR O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL SOBERANIA, ELEMENTOS INSTITUCIONAIS E SUA IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL Niterói 2009

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Universidade Federal Fluminense Centro de Estudos Gerais Instituto de Cincias Humanas e Filosofia Departamento de Cincia Poltica Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica NELSON R. GASPARIN JRO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONALSOBERANIA, ELEMENTOS INSTITUCIONAIS E SUA IMPLEMENTAO NO BRASIL Niteri 2009 NELSON R GASPARIN J R O Tribunal Penal Internacional SOBERANIA, ELEMENTOS INSTITUCIONAIS E SUA IMPLEMENTAO NO BRASIL DissertaoapresentadaaoCursodePs-GraduaoemCinciaPolticada UniversidadeFederalFluminensecomo requisitoparcialparaobtenodoGraude Mestre.readeConcentrao:Estudos Estratgicos. Orientador: Prof. Dr. THOMAS F. HEYE. Niteri 2009 NELSON R. GASPARIN J R O Tribunal Penal Internacional SOBERANIA, ELEMENTOS INSTITUCIONAIS E SUA IMPLEMENTAO NO BRASIL DissertaoapresentadaaoCursodePs-GraduaoemCinciaPolticada UniversidadeFederalFluminensecomo requisitoparcialparaobtenodoGraude Mestre.readeConcentrao:Estudos Estratgicos. APROVADA EM _____/_____/______. BANCA EXAMINADORA __________________________________________________ Prof. Dr. Thomas F. Heye, Orientador, UFF __________________________________________________ Prof. Dr. Vgner Camilo Alves, UFF __________________________________________________ Prof. Dr. Adriano de Freixo, UniBennett AGRADECIMENTOS Marinha do Brasil, em especial, a Escola de Guerra Naval pela oportunidade de realizao deste curso. Universidade Federal Fluminense, em particular aos Professores do Programa de Ps-GraduaoemCinciaPolticapelozeloepeladedicaocomqueexecutaramsuas nobres tarefas. Aoscompanheirosnestajornada,pelasdiscusses,amizadeepelosagradveis momentos vivenciados. AosProfessoresGustavoSenchaldeGoffredoeVgnerCamiloAlves,pela participaonaavaliaodoprojetodepesquisa,pelascrticas,sugesteseindicaes bibliogrficas, bem como pela disponibilidade para participar da defesa desta dissertao. AoProf.ThomasFerdinandHeye,orientadordestapesquisa,pelaexcelnciana conduo deste trabalho monogrfico de concluso de curso. minha famlia que independente de tempestade ou bonana est sempre presente. LISTA DE ABREVIATURAS ADI Ao Direta de Inconstitucionalidade AgR Agravo Regimental ASPA American Service-members Protection Act BIAs Bilateral Immunity AgreementsCICC Coalition for the International Criminal Court CDI Comisso de Direito Internacional das Naes Unidas CR Carta Rogatria CRFB Constituio da Repblica Federativa do BrasilDF Distrito Federal DJ Dirio da J ustia DJ E Dirio da J ustia Eletrnico EC Emenda Constitucional EUA Estados Unidos da Amrica EMA Estado Maior da Armada Ext. Extradio HC Habeas Corpus Min. Ministro ONG Organizao no governamental ONU Organizao das Naes Unidas PL Projeto de Lei RE Recurso Extraordinrio Rel. Relator SE Sergipe STF Supremo Tribunal Federal SEC Sentena Estrangeira TPI Tribunal Penal Internacional TPIY Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslvia TPIR Tribunal Penal Internacional para Ruanda RESUMO AcriaorecentedeumTribunalPenalInternacional(TPI)geroualguns questionamentos,dentreosquaisseapontouparaoperigodesteserumainterferncia indevidanasoberaniadosEstados.Nestesentido,ainstituiodeumajustiapenal internacional pode ser avaliada sob trs dimenses: a dimenso poltica, relativa soberania dosEstados;adimensoaxiolgica,concernenteemergnciadevalorescomunsda humanidade; e a dimenso jurdica, que diz respeito articulao entre o direito nacional, o regional e o internacional. Nossa pesquisa, cujo objetivo analisar o impacto da criao de um TPI na soberania dos Estados, focaliza particularmente as dimenses poltica e jurdica. Assim, investiga-se os antecedentes histricos para o estabelecimento de um TPI de carter permanente, e os aspectos institucionais do TPI. Estuda-se o conceito tradicional de soberania e sua evoluo luz do movimento de internacionalizao dos direitos humanos. Verifica-se a internalizao do Estatuto de Roma no direito ptrio. Ao final, so apresentadas concluses proporcionadas pela anlise efetuada, onde se sublinha que no h perda de soberania em virtude do reconhecimento da jurisdio penal do TPI pelo Brasil. Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional; Soberania; Princpio da Complementaridade. ABSTRACT The recent establishment of an International Criminal Court (ICC) has generated some questions.Amidthem,itcouldbepointedoutthedangerofundueinterferenceinthe sovereignty of states. In this sense, the institution of an international criminal justice can be evaluated under three dimensions: the political dimension, related to the sovereignty of states; the axiological dimension, concerning the emergence of common values of humanity; and the legaldimension,whichconcernsthearticulationamongthenational,regionaland international law. The main goal of this research is to analyze the impact of the creation of an ICC in the sovereignty of States, and has focus in the political and legal dimensions. Thus, the historical background is investigated prior to the establishment of a permanent International Criminal Court, as well as its institutional aspects. The traditional concept of sovereignty and itsevolutioninthelightofthemovementofinternationalhumanrightsarestudied.The internalization of the Rome Statute by Brazilian law is examined. Finally, conclusions are presented from the analysis done, which stresses that there is no loss of sovereignty due to the recognition of the criminal jurisdiction of the ICC by Brazil. Key-words: International Criminal Court; Sovereignty; Principle of Complementarity. SUMRIO 1.0 - INTRODUO.................................................................................................................9 1.1 - O OBJ ETO.....................................................................................................................9 1.2 - ASPECTOS METODOLGICOS..............................................................................10 2.0 - ASPECTOS TERICOS E HISTRICOS.....................................................................13 2.1 - REALISMO, UTOPISMO e a VIA MEDIA ..............................................................13 2.2 ANTECEDENTES DO TPI PERMANENTE ............................................................24 3.0 - ASPECTOS INSTITUCIONAIS DO TPI .......................................................................53 3.1 CONSIDERAES GERAIS.....................................................................................53 3.2 O PRINCPIO DA COMPLEMENTARIDADE ........................................................58 3.3 OS PRINCPIOS GERAIS DE DIREITO PENAL.....................................................62 3.4 ASPECTOS PROCESSUAIS.....................................................................................65 3.5 PENAS........................................................................................................................66 3.6 COOPERAO INTERNACIONAL E AUXLIO J UDICIRIO............................67 3.7 ASSEMBLIA DOS ESTADOS-PARTE E FINANCIAMENTO............................68 3.8 SITUAES E CASOS..............................................................................................68 3.9 CORE CRIMES ...........................................................................................................71 4.0- CONSIDERAES SOBRE SOBERANIA..................................................................86 4.1 ASPECTOS CONCEITUAIS.....................................................................................86 4.2 INTERNACIONALIZAO DOS DIREITOS HUMANOS....................................95 4.3 SOBERANIA, A CONSTITUIO E O SUPREMO..............................................102 5.0 CONSIDERAES SOBRE A INTERNALIZAO DO ESTATUTO DE ROMA 108 5.1 ASPECTOS GERAIS................................................................................................108 5.2 QUESTES CONTROVERSAS..............................................................................117 6.0 - CONCLUSES..............................................................................................................130 7.0 - REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................................................141 ANEXO A...........................................................................................................................150 ANEXO B...........................................................................................................................153 ANEXO C...........................................................................................................................155 1.0 - INTRODUO 1.1 - O OBJETO A criao de uma corte criminal internacional em 1998 pelo Estatuto de Roma gerou alguns questionamentos, dentre os quais se apontou para o perigo deste ser uma interferncia indevida na soberania dos Estados. Neste sentido, de acordo com Cassase1 (2004, p. XV-XVI), a instituio de uma justia penal internacional pode ser avaliada sob trs dimenses: a dimensopoltica,relativasoberaniadosEstados;adimensoaxiolgica,relativa emergnciadevalorescomunsdahumanidade;eadimensojurdica,quedizrespeito articulao entre o direito nacional, o regional e o internacional.Nosso estudo diz respeito dimenso poltica, em especial s tenses entre a soberania dos Estados e o advento de uma corte penal internacional, e, dimenso jurdica no tocante as caractersticas desta corte e a implementao do seu estatuto no Brasil. Deste modo, analisa-se o aparente conflito entre o princpio da soberania, o qual ser qualificado posteriormente, e a instituiodoTribunalPenalInternacional(TPI),combasenomovimentode internacionalizaodosdireitoshumanos.Ademais,efetua-seumainvestigaosobrea implementao do Estatuto de Roma no direito interno luz dos preceitos constitucionais da Repblica Federativa do Brasil. OEstatutodeRomafoiadotado,em17dejulhode1998,pelosEstadosque participaramdaConfernciaDiplomticadosPlenipotenciriosdasNaesUnidasparao Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, o qual foi aprovado com 120 votos a favor, 7 contra e 21 abstenes. Entrou em vigor em 01 de julho de 2002, isto , no primeiro dia do ms subseqente ao transcurso de 60 dias da data em que o 60 Estado depositasse seu instrumento de ratificao, aceitao, aprovao ou adeso, nos termos de seu art. 126.1. Internamente, o Congresso Nacional aprovou o texto do Estatuto de Roma do Tribunal PenalInternacional,pormeiodoDecretoLegislativon112,de6dejunhode2002.Em 1 Antonio Cassase - ex-presidente do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslvia.10 conseqnciaoBrasildepositousuaratificaoem20dejunhode2002e,ento,pelo Decreto n 4388, de 25 de setembro de 2002 foi promulgado o referido Estatuto no Brasil. Entretanto,apesardestaratificaoedadeterminaodeserexecutadoecumpridoto inteiramente como nele se contm, se faz necessrio uma adaptao da legislao interna a este ato internacional ao qual o Brasil soberanamente decidiu se tornar parte. Houvemuitadiscussoarespeitodaconstitucionalidadededeterminadasclusulas destetratadoequecomoestenocomportareservas,haviaumacorrentedoutrinriaque defendiaqueoBrasilnopoderiaterratificadoesteestatutoeoutraqueargumentavao contrrio, que este perfeitamente compatvel com a Carta Magna. Estas correntes e seus respectivosargumentossoapresentadosposteriormentecomodevidoposicionamentodo autor desta pesquisa.Deste modo, vejamos os caminhos que foram percorridos ao longo desta pesquisa para testar a hiptese inframencionada desta investigao cientfica. 1.2 - ASPECTOS METODOLGICOS DeacordocomYin(2001,p.19)hdiversosmtodosparaaproduodo conhecimentocientfico,asquaisparaeleso:experimentos,levantamentos,pesquisas histricas, anlise de informaes em arquivos e estudos de caso. Cada mtodo apresenta vantagens e desvantagens prprias, dependendo basicamente de trs condies: o tipo de questo da pesquisa proposta; a extenso do controle sobre os eventos comportamentais efetivos; e ograudeenfoqueemacontecimentoshistricosemoposioaacontecimentos contemporneos. Destemodo,pararespondererefletirsobreosquestionamentosacimaapontados, verificou-se que a metodologia a ser empregada, para investigar o problema de pesquisa em tela, foi uma anlise comparativa complementada por um estudo de caso. 1.2.1 HIPTESE, VARIVEL DEPENDENTE E VARIVEL INDEPENDENTE DeacordocomVanEvera(1997,p.9etseq.)hipteseumasuposiode relacionamento entre dois fenmenos. Hipteses, como as leis, podem ser causais (Suponho que A causa B) e no-causais (Suponho que A e B so causados por C, ento, A e B esto correlacionados, mas no so a causa um do outro). Assim nesta pesquisa temos: 11 Hiptese: No h perda de soberania em funo do advento de uma jurisdio penal internacional nos moldes do TPI. Varivel Dependente: soberania.Varivel Independente: jurisdio penal internacional 1.2.2 - MTODO Para verificar o impacto da varivel independente sobre a varivel dependente, ou seja, a emergncia de uma nova jurisdio penal internacional sobre o Estado-Nao soberano, foi empreendidaumaanliseacercadoprocessodeimplementaodoTribunalPenal Internacional (TPI) no Brasil. Importanteressaltar,quenossahiptesedizrespeitoaumajurisdiopenal internacional nos moldes do atual Tribunal Penal Internacional, a qual ser detalhada adiante, e no com relao a uma jurisdio penal exercida por outro Estado soberano com suporte no princpio da jurisdio universal advogado por Estados como a Blgica e Espanha, por meio doqualumEstadopodeinvestigarejulgarpessoasacusadasdeterempraticados determinados crimes, independente de estes serem ou no nacionais do Estado ou do local onde estes ilcitos foram cometidos, em clara violao soberania dos demais Estados e margem do atual direito internacional 2. Esta pesquisa foi efetuada em quatro segmentos, divididos em duas partes, a fim de proporcionar as melhores condies para testar a hiptese, apresentados nos captulos dois a cinco. No captulo dois discorre-se sobre a criao do TPI, inserido dentro do contexto das escolasdasrelaesinternacionais,seguidodebrevesconsideraesdosprincipais antecedenteshistricosdesteTribunal,asaber:oTribunalInternacionalMilitarde Nuremberg,oTribunalInternacionalMilitarparaoExtremoOriente,oTribunalPenal Internacional para a antiga Iugoslvia e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda. Em seguida, no captulo 3, discute-se os aspectos institucionais com base no Estatuto deRoma,emparticularoprincpiodacomplementaridadeeoscrimesquesoda competncia do TPI. Esta primeira parte, composta pelos captulos 2 e 3, trata da varivel independente e fornece os elementos necessrios, para a compreenso do modusoperandi do TPI e os elementos distintivos dos tribunais que o antecederam.Apresenta-se, ento, no captulo 4 consideraes sobre a soberania, perquirindo-se as 2 A respeito deste princpio da jurisdio universal vide a obra Crimes Internacionais e J urisdies Internacionais de Cassase, Antnio e Delmas-Marty, M (org.). Trad. de Silvio Noronha. Barueri: Manole, 2004. 12 concepes pretritas at as hodiernas, particularmente busca-se sua conceituao atual luz do movimento de internacionalizao dos direitos humanos. A seguir, apresenta-se como o princpio da soberania aparece na Constituio da Repblica Federativa do Brasil e aos olhos do seu intrprete-mor, o Supremo Tribunal Federal. No captulo 5 analisa-se a recepo deste tratado pelo direito ptrio, e o impacto no ordenamentojurdicodoBrasilemparticulardiscute-seasquestesrelativas imprescritibilidade dos crimes de competncia desta corte criminal, pena de priso perptua epossibilidadedaentregadenacionaisaotribunal.Estasegundaparte,compostapelos captulos 4 e 5, propicia o fundamento necessrio a respeito da varivel dependente e assim pormeiodeanlisecomparativacomajurisdiodoTPI,expostanoscaptulos2e3,a verificao da hiptese deste trabalho. Ao final, encerra-se com as concluses proporcionadas pela anlise do problema. Deste modo, a compreenso dos reflexos da deciso do Brasil de se submeter ao TPI e a investigao do processo de internalizao deste tratado internacional se inserem no campo da Cincia Poltica, particularmente na rea de concentrao de Estudos Estratgicos. Assim,espera-sequeaofinaldaanlisepossamosefetuarconsideraessegurasa respeito deste impacto. Vejamos, ento, os aspectos tericos e histricos a respeito do advento doTribunalPenalInternacionaldecarterpermanenteestabelecidonacapitalitalianaem 1998. 13 2.0 - ASPECTOS TERICOS E HISTRICOS 2.1 - REALISMO, UTOPISMO e a VIA MEDIA As diferentes concepes de Hobbes, Grocio e Kant para as relaes internacionais nos fornecem elementos essenciais para a compreenso do conceito atual de soberania e para oadventodoTribunalPenalInternacionalnocenriomundialcontemporneo.Faz-se necessrioprimeiramenteconhecerestasmatrizestericasparaasrelaesentreEstados, sociedades e indivduos. De acordo com Sabia3 (1999, p.1), para Hobbes4, a fora e o poder so as categorias relevantes destas relaes, e somente por meio delas se consegue estabelecer entre os homens alguma ordem. Para ele, na natureza, caso no houvesse o Estado o grande Leviat5imperariaaguerradetodoscontratodos;omundohobbesianosecaracteriza, portanto, por relaes verticais, onde h Estados superiores e Estados subordinados, ou seja, relaes aliceradas sobre o poder de cada um. Para Grocio6, a existncia de interesses comunspermiteoestabelecimentoderelaesdecoordenaonasquaisareciprocidade predominasobreasubordinao,demodoqueosresultadosobtidospelacooperaoso superioresaosalcanadospelafora.Finalmente,avisokantiana7secaracterizapela traduo em normas jurdicas de valores ditados pela razo, vista como fonte dos imperativos ticosdenaturezauniversalederespeitodignidadedapessoahumana,pessoaesta percebidacomosujeitodedireitonoplanointernacional.Nestaordemtemosimperativos categricos que expressam valores comuns da humanidade. 3GilbertoVergneSabiafoiEmbaixadoreChefedaDelegaobrasileirajuntoConfernciade Plenipotencirios das Naes Unidas sobre o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional. 4 Thomas Hobbes de Malmesbury (1588-1679), autor da Leviat ou Matria, Forma e Poder de um Estado eclesistico e civil. 5 Figura bblica usada por Hobbes para designar o Estado. 6HugodeGroot(ouGrocioouGrotius1583-1645),tericodoDireitoInternacionalPblico,autordo trabalho De jure belli ac pacis. 14 Dentrodestecontexto,passaremosemrevistaopensamentodealgunsautores clssicos das relaes internacionais sobre esta discusso.Aodiscorrersobreosprimrdiosdadisciplinaderelaesinternacionais,naobraVinte anos de crise: 1919-1939, Edward Carr (1981, p. 20 et seq.) destaca que a nova ordem que propunham era to diferente de qualquer coisa a seu redor quanto ouro de chumbo, tendo sido resultado da aspirao e no da anlise. De modo bem enftico, salienta que esquemas elaborados com este esprito, evidentemente, no funcionaro. Da mesma forma que ningum jamaisconseguiufabricarouronumlaboratrio,ningumjamaisconseguiuvivernuma repblicadePlato,ounummundodemercadointernacionallivre,ounumacomunidade cooperativadeFourier.Mas,contudo,perfeitamentecorretovenerarConfcioePlato como fundadores da Cincia Poltica. Adam Smith como fundador da Economia Poltica, e Fourier e Owen como fundadores do Socialismo. O estgio inicial de aspirao, tendo em vistaumfim,umfundamentoessencialdopensamentohumano.Odesejoopaido pensamento. A teleologia precede a anlise. E que o curso dos acontecimentos aps 1931 revelou claramente a inadequao da aspirao pura como base de uma cincia da poltica internacional, e tornou possvel, pela primeira vez, desencadear um srio raciocnio crtico e analtico sobre os problemas nacionais.Deste modo, o impacto do raciocnio sobre o desejo, que no desenvolvimento de uma cincia,segue-seaocolapsodeseusprimeirosprojetosvisionrios,emarcaofimdeseu perodo especificamente utpico, normalmente chamado de realismo. Para o autor, ento, o pensamento imaturo predominantemente utpico e busca um objetivo. O pensamento que rejeita o objetivo como um todo o pensamento da velhice. O pensamento maduro combina objetivo com observao e anlise. Utopia e realidade so, portanto, as duas facetas da cincia poltica. Pensamento poltico e vida poltica sensatos sero encontrados onde ambos tiverem seu lugar.De acordo com Sorel8 (apud Carr, 1981, p. 23) uma eterna disputa entre os que imaginam o mundo de modo a adapt-lo sua poltica, e os que elaboram sua poltica de modo a adapt-la s realidades do mundo.ParaCarraantteseutopiarealidadepodeseridentificadacomaantteselivre Vontade e Determinismo. Assim o utpico, fixando seus olhos no futuro, pensa em termos de criatividadeespontnea,orealista,enraizadonopassado,emtermosdecausalidade.Toda

7 Immanuel Kant (1724-1804), filsofo, autor, entre outras, da obra A paz perptua e outros opsculos. Sobre a paz perptua como fundamento do TPI vide J apiass. O Tribunal Penal Internacional. Rio de J aneiro: Lmen J ris, p. 117-128.15 ao humana sadia deve estabelecer um equilbrio entre utopia e realidade, entre livre vontade e determinismo. O vcio do utpico a ingenuidade, o do realista, a esterilidade.Identifica-a (anttese utopia realidade) tambm com a anttese teoria e prtica. Assim para Carr, o processo poltico no consiste, como crem os realistas, puramente na sucesso defenmenosgovernadospelasleismecnicasdacausalidade,tampoucoconsiste,como crem os utpicos, puramente na aplicao na prtica de certas verdades tericas, evoludas de umaconscinciainterior,porpovossbioseprevidentes.Acinciapolticatemqueser baseada no reconhecimento da interdependncia da teoria e prtica, que s pode ser atingida por meio da combinao de utopia e realidade. Apresenta o autor que uma expresso concreta da anttese entre teoria e prtica na poltica a oposio entre o intelectual e o burocrata, o primeirotreinadoapensar,principalmente,porlinhasapriorsticas,eoltimo,apensar empiricamente. Sublinha ainda, que o radical necessariamente utpico e o conservador um realista. Destacaainda,queaantteseentreutopiaerealidadebaseadanumadiferente concepodarelaoentrepolticaetica.Outpicoestabeleceumpadroticoque proclama ser independente da poltica, e procura fazer com que a poltica adapte-se a ele. O realista no pode aceitar logicamente nenhum padro, exceto o dos fatos. Moralidade s pode ser relativa, no universal. A tica tem que ser interpretada em termos de poltica (Carr, 1981, p. 24-31). Assimdiscorrequeamodernaescoladopensamentopolticoutpicoremontaa destruio do sistema medieval, que pressupunha uma tica universal e um sistema poltico universalbaseadonaautoridadedivina.Osrealistasdorenascimentomoveramoprimeiro ataque srio e violento contra a primazia da tica, defendendo um ponto de vista poltico que tornavaaticauminstrumentodapoltica,aautoridadedoEstadosubstituindo,assim,a autoridade da igreja como rbitro da moralidade. A resposta da escola utpica a esse desafio no foi fcil. Era necessrio um padro tico que fosse independente de qualquer autoridade externa, eclesistica ou civil; e a soluo foi encontrada na doutrina de uma lei da natureza secular, cuja fonte ltima era a razo individual humana. Na cincia, as leis da natureza eram deduzidas por um processo de raciocnio, partindo dos fatos observados, sobre a natureza da matria.Porumaanalogiasimples,osprincpiosnewtonianosaplicavam-seagoraaos problemas ticos. A lei moral da natureza podia ser cientificamente estabelecida; e a deduo racional, a partir dos supostos fatos da natureza humana, tomou o lugar da revelao ou da

8 A. Sorel. LEurope et la Rvolution Franaise, p. 474. 16 intuiocomofontedamoral.Arazopoderiadeterminarquaisseriamasleismorais universalmentevlidas;epresumiu-seque,umavezdeterminadasessasleis,osseres humanos se adaptariam a elas assim como a matria adaptava-se s leis fsicas da natureza. O Iluminismo era a estrada real da felicidade.Nestesentido,sublinhaoautorquepartindodopostuladodequeacaracterstica fundamental da natureza humana era a busca do prazer e a rejeio da dor, Bentham deduziu deste postulado uma tica racional que definia o bem por meio da famosa frmula a maior felicidade para o maior nmero, e esta representou no sculo XIX o contedo da lei natural. Neste contexto, J ames Mill, aluno de Bentham criou o mais completo argumento j elaborado emdefesadainfalibilidadedaopiniopblica.Assim,acrenadequeaopiniopblica julgarcorretamentequalquerquestoracionalmenteapresentadaaela,combinadacoma presunodequeelaagirdeacordocomessejulgamentocorreto,umfundamento essencialdocredoliberal.Carrdestacaquetodasasteoriaspopularessobrepoltica internacional entre as duas grandes guerras foram reflexos, vistos num espelho americano, do pensamentoliberaldosculoXIXeamaisimportanteinstituioafetadaporesse intelectualismo mope da poltica internacional foi a Liga das Naes. Pois esta instituio desdeoprincpioestavaligadadepertocrenadupladequeaopiniopblicaestava destinadaaprevalecer,equeeraavozdarazo;eseindagavaporqueessesprincpios utpicos descolados da realidade possuam aceitao to ampla (Carr, 1981, p. 35-37). Assim o utpico, partindo da primazia da tica, cr que ao visar seu interesse prprio, o indivduo visa o da continuidade, e promovendo o interesse da comunidade, promove o seu prprio. Esta a conhecida doutrina da harmonia de interesses. Destaca, tambm, o autor que foiaescoladolaissez-fairenaeconomiapoltica,criadaporAdamSmith,aprincipal responsvel por sua popularizao. Ressalta, ainda, Carr (1981 p. 52-53) que uma vez que o capitalismo industrial e o sistema de classe tornaram-se a estrutura reconhecida da sociedade, a doutrina da harmonia de interessesadquiriuumnovosignificado.Tornou-seaideologiadeumgrupodominante, interessadoemmanterseupredomnioporintermdiodatentativadeidentificarseus interessescomosdacomunidadecomoumtodo,ouseja,umverdadeirodarwinismona poltica internacionalDestacaoautorqueolaissez-faire,tantonasrelaesinternacionais,quantoentre capital e trabalho, o paraso dos Estados economicamente mais fortes. O controle estatal, seja sob a forma de legislao protetora, ou de tarifas protecionistas, a arma de legtima defesa invocada pelo economicamente fraco. O choque de interesses real e inevitvel; e a 17 natureza total do problema distorcida por uma tentativa de esconder isto. Assim Carr rejeita, enfaticamente, como inadequada e errnea a tentativa de basear a moral internacional, numa pretensa harmonia de interesses, que identifica o interesse da totalidade da comunidade das naes, como o interesse de cada membro individual dela.Oautorlocalizaatransioentreaaparenteharmonia,eotransparentechoquede interesses em torno da virada do sculo, nas polticas coloniais. A Primeira Grande Guerra, queseoriginoudestatensocrescente,agravou-amaiscomaintensificaodocomplexo fenmenoconhecidocomonacionalismoeconmicoequeocarterfundamentaldeste choque de interesses se tornou bvio para todos, exceto para os utopistas que dominavam o pensamento econmico nos Estados de lngua inglesa.DissertaCarr(1981,p.66-70)pocaqueoquesedefrontavanapoltica internacionaleranadamenosdoqueacompletabancarrotadaconcepodemoralque dominou o pensamento poltico e econmico durante um sculo e meio. Internacionalmente, no era mais possvel de deduzir a virtude atravs do raciocnio correto, porque no se podia mais seriamente crer que todo Estado, ao buscar o maior bem para o mundo inteiro, enseja o maior bem para seus prprios cidados, e vice-versa. A sntese da moral e da razo, pelo menos sob a forma crua do liberalismo do sculo XIX, insustentvel. O real significado da crise internacional era o colapso de toda a estrutura utpica, baseado no conceito da harmonia deinteresses.Eparaexaminarasfalhasnaestruturaquelevaramaseucolapsoanalisaa crtica realista aos pressupostos da corrente utopista. Assim, o realismo entra em cena muito aps a utopia, e como forma de reao a ela. Carr salienta que os trs princpios essenciais, implcitos no pensamento de Maquiavel, so as pedrasfundamentaisdaperspectivatericarealistadapolticainternacional.Emprimeiro lugar, a histria uma seqncia de causa e efeito, cujo curso se pode analisar e entender por meiodoesforointelectual,pormno(comoosutpicosacreditam)dirigidapela imaginao. Em segundo lugar, a teoria no cria (como presumem os utpicos) a prtica, mas sim a prtica que origina a teoria. Nas palavras de Maquiavel, bons conselhos, venham de onde vierem, nascem da sabedoria do prncipe, e no a sabedoria do prncipe dos bons conselhos9. Em terceiro lugar, a poltica no (como pretendem os utpicos) uma funo da tica,massimaticaodapoltica.Oshomensmantm-sehonestospelacoao. Maquiavel reconheceu a importncia da moral, mas pensava que no poderia existir nenhuma moral efetiva onde no houvesse uma autoridade efetiva.A moral produto do poder. 9 Conselho aos governantes, 3 edio/ Iscrateset al. Braslia: Senado Federal. 2003. 841p. (Coleo clssicos da poltica.).p. 251. 18 Destaforma,deacordocomahiptesecientficadosrealistas,identifica-se,a realidadecomocursototaldaevoluohistrica,cujasleiscabeaocientistapoltico investigar e revelar. No pode haver realidade alguma fora do processo histrico. Alm disso, orealismomodernocontribuiupararevelarnoapenasosaspectosdeterminsticosdo processo histrico, mas o carter relativo e pragmtico do prprio pensamento. Ressalta, ainda, que o relevante que os princpios utpicos supostamente universais e absolutosnoeramdeformaalgumaprincpios,esimreflexosinconscientesdapoltica nacional,baseadosnumaespecficainterpretaodointeressenacionalnumadeterminada poca. Em certo sentido, a paz e a cooperao entre as naes, ou classe e indivduos, um fim comum e universal, independentemente de interesses e polticas conflitantes. Existe um interesse comum na manuteno da ordem, seja da ordem internacional ou da lei e ordem dentrodeumanao.Contudo,namedidaemquesetentaaplicarestesprincpios pretensamenteabstratosaumasituaopolticaconcreta,elesserevelamcomodisfarces transparentes de interesses egosticos. A falncia do utopismo reside no em seu fracasso em viver segundo seus princpios, mas no desmascaramento de sua inabilidade em criar qualquer padro absoluto e desinteressado para a conduo dos problemas internacionais. O utpico, defrontando o colapso dos padres cujo carter interesseiro ele no compreendeu, se refugia na condenao da realidade que se recusa a adaptar-se a queles padres. Sublinha, ento, que ordem internacional e solidariedade internacional sero sempre slogans dos que se sentem suficientemente fortes para se imporem sobre outros. Oautor,entretanto,reconheceaslimitaesdorealismo.Assim,destacaquea impossibilidadedeseserumrealistacongruenteecompletoumadasmaiscorretase curiosas lies da cincia poltica. O realismo congruente exclui quatro fatores que parecem ser ingredientes essenciais de todo pensamento poltico eficaz: um objetivo finito, um apelo emocional, um direito de julgamento moral e um campo de ao (Carr, 1981, p. 88-91).Carr conclui que qualquer pensamento poltico lcido deve basear-se em elementos tantodeutopia,quantoderealidade.Ondeoutopismotornou-seumaimposturavaziae intolervel, que serve simplesmente como um disfarce para os interesses dos privilegiados, o realista desempenha um servio indispensvel ao desmascar-lo. Mas o puro realismo no pode oferecer nada alm de uma luta nua pelo poder, que torna qualquer tipo de sociedade internacional impossvel. Sublinha, ainda, que no h barreira maior ao pensamento poltico claro do que o fracasso em distinguir ideais, que so utopia, e instituies que so realidade. Destarte, toda situao poltica contm elementos mutuamente incompatveis de utopia e realidade, de moral e poder (Carr, 1981, p. 94-95). 19 Nesta mesma linha Hans J . Morgenthau (2003, p. 3-4) - na obra A Poltica entre as Naes, cujo subttulo A luta pelo poder e pela paz enfatiza que a histria do pensamento polticomodernonomaisdoqueacrnicadoembateentreduasescolasquediferem profundamente em suas concepes da natureza do homem, da sociedade e da poltica. A primeira acredita que uma determinada ordem poltica, racional e moral, pode ser derivada de princpios abstratos universalmente vlidos, pode ser alcanada nas condies atuais e pronto a escola utpica. A segunda considera que o mundo, imperfeito como do ponto de vista racional, resulta do encontro de foras inerentes a natureza humana. Assim sendo, essa escola vemumsistemadecontrolesrecprocosumprincpiouniversalvlidoparatodasas sociedades pluralistas. Ela recorre mais a precedentes histricos do que a princpios abstratos e tem por objetivo a realizao do mal menor em vez do bem absoluto. Esta segunda escola recebeu a denominao de realista em virtude da percepo da naturezahumanatalqualelaseapresenta,edosprocessoshistricos,medidaqueeles ocorrem. Para Morgenthau (2003, p. 4-22), esta escola est alicerada sobre seis princpios do realismo poltico, a saber: 1- O realismo poltico acredita que a poltica, como, alis, a sociedade em geral, governada por leis objetivas que deitam suas razes na natureza humana. Assim o realismo admite a possibilidade de se desenvolver uma teoria racional que reflita essas leis objetivas, mesmo que de maneira imperfeita e desequilibrada. Neste sentido, destaca Morgenthau que a teoria realista consiste em verificar os fatos e dar a eles um sentido, mediante o uso da razo. O realismo parte do princpio de que a natureza de uma determinada poltica externa s pode ser verificada por meio do exame dos atos polticos realizados e das conseqncias previsveis desses atos.2Aprincipalsinalizaoqueajudaorealismopolticoasituar-seemmeio paisagem da poltica internacional o conceito de interesse definido em termos de poder. Neste sentido, essa definio introduz uma ordem racional no campo da poltica, propiciando seu entendimento terico e permite que se evitem duas falcias populares: a preocupao com os motivos e a preocupao com preferncias ideolgicas.O autor usa de uma interessante metfora para diferenciar a poltica internacional, tal comoelarealmente,dateoriaracionaldeladerivada,distinoestaqueseriaamesma existenteentreumafotografiaeumretratopintado.Afotorevelatudooquepodeser percebido pelo olho nu. J o retrato pintado pode no mostrar tudo o que for visvel pelo olho, mas indica, ou pelo menos procura indicar, algo que no pode ser observado pelo olho, a saber, a essncia humana da pessoa retratada.20 3Orealismopartedoprincpiodequeseuconceito-chavedeinteressedefinido como poder constitui uma categoria objetiva que universalmente vlida, mas no outorga a esse conceito um significado fixo e permanente. Assim, o tipo de interesse que determina a ao poltica de um determinado perodo da histria depende do contexto poltico e cultural dentro do qual estabelecida a poltica externa. 4 O realismo poltico consciente da significao moral da ao poltica, como igualmente da tenso inevitvel existente entre o mandamento moral e as exigncias de uma ao poltica de xito. E sustenta que os princpios morais universais no podem ser aplicados s aes dos Estados em sua formulao universal abstrata, mas que devem ser filtrados por meio das circunstncias concretas de tempo e lugar. 5-Orealismopolticorecusa-seaidentificarasaspiraesmoraisdeuma determinada nao com as leis morais que governam o universo. Assim como sabe distinguir entre verdade e a opinio, capaz tambm de separar a verdade da idolatria. 6 real a profunda diferena existente entre o realismo poltico e outras escolas de pensamento. Por mais que a teoria do realismo poltico tenha sido mal compreendida e mal interpretada,nohcomonegarsuasingularatitudeintelectualemoralcomrespeitoa matrias ligadas poltica. Destarte, para o autor a teoria realista busca entender a poltica internacional como ela , e como deve ser, e no como as pessoas gostariam que ela fosse. Deste modo, Morgenthau (2003, p. 45) destaca que os conceitos de guerra e paz so idias bsicas para a discusso da poltica mundial nas dcadas finais do vigsimo sculo, quando uma acumulao sem precedentes de poder destruidor confere ao problema da paz uma urgncia sem precedentes. Em um mundo em que a fora motriz resulta da aspirao das naes soberanas por poder, a paz s poder ser mantida por meio de dois instrumentos. O primeiro o mecanismo auto-regulador das foras sociais, que se manifesta sob a forma de luta pela busca do poder na cena internacional, isso , o equilbrio de poder. O outro consiste nas limitaes normativas dessa luta, sob a roupagem do direito internacional, da moralidade internacional e da opinio pblica mundial. Sobre este tema, destacamos, tambm, o pensamento de Hedley Bull autor da obra A Sociedade Anrquica. De acordo com Gonalves 10, que apresenta e prefacia esta obra, Bull explicitamenteincorporouatesedeWightsegundoaqualaanlisedasrelaes internacionaistributriadasidiascentraisarroladasnodebateentreastrsmaiores 10Gonalves, W. in Bull, Hedley , A Sociedade Anrquica,. Brasillia: UnB, 2002, prefcio, pg XII et seq. 21 correntesdopensamentoocidental:oRealismodeMaquiavel;oRacionalismodeHugo Grocio; e o Revolucionismo de Kant. Para Bull, o ponto central do pensamento de Grocio constitudo de sua concepo de lei natural, sendo que por lei natural deve entender-se um corpo de regras morais reconhecidas por todos os seres humanos. Estas regras se baseiam na idia que todos os homens tm o direito bsico de preservar sua vida e que, por outro lado, nenhum homem tem o direito de atentar infundadamente contra a vida de outro. Assim, opondo-se a aristotlicos e cticos do seutempo,sculoXVII,HugoGrociobuscavamostraralgumaobjetividadenosvalores morais. Assim, procurava destacar que a despeito da multiplicidade de culturas existentes, era possvel encontrar um denominador moral comum nos seres racionais. Bull aprofundou as teses de Wight, o qual lecionava que a tese de Grocio difere claramente da de Hobbes, para quemosEstadosestoirremediavelmenteentreguesaoestadodenaturezaedespidosde qualquer restrio moral, e tambm se distancia da tese de Kant, para quem os Estados so praticamente um acidente na vida dos homens, sendo mais relevante o progresso moral do ser humano.Destemodo,Bullconsideraperfeitamentepossvelestabelecercritriosde objetividade que fundam a ordem internacional. 11. Hedley Bull, portanto, desenvolve seu pensamento segundo a abordagem racionalista, ou neo-grociana, como ele preferia cham-la, pois para ele a concepo de uma sociedade internacionalpermitearticularaidiadeordeminternacionaldeformaobjetiva,despida, portanto, de valores. Refletindo sobre se existe uma ordem na poltica mundial, Bull (2002, p.51) sublinha que os elementos de uma sociedade sempre estiveram presentes, e continuam presentes no sistema internacional moderno, embora, por vezes, esteja presente s um desses elementos e de sobrevivncia precria. Com efeito, o sistema internacional moderno reflete todos os trs elementossingularizadosrespectivamentepelatradiohobbesiana,kantianaegrociana:a guerraeadisputapelopoderentreEstados,oconflitoeasolidariedadetransnacionais, superando fronteiras dos Estados, e a cooperao e o intercmbio regulado entre os Estados. Em diferentes fases histricas do sistema de Estados, em distintos teatros geogrficos do seu funcionamento, e nas polticas adotadas por diferentes Estados e estadistas um desses trs elementos pode predominar sobre os outros.Ao abordar a temtica da manuteno da ordem na poltica mundial, Bull (2002, p.64 et seq) ressalta que dentro da sociedade internacional, como acontece em outras sociedades, a 11 Gonalves, W. in Bull, Hedley , A Sociedade Anrquica,. Brasillia: UnB, 2002, prefcio, p. XIII-XIV.22 ordem conseqncia no s de fatos contingentes, mas de um sentido de interesse comum nosobjetivoselementaresdavidasocialderegrasqueprescrevemacondutatendopor objetivo esse fim, e de instituies que ajudam a tornar efetivas essas regras. A percepo dos interesses comuns pelos Estados pode derivar do temor da violncia irrestrita, da instabilidade dos acordos ou da insegurana da sua independncia ou soberania, entre outros. Para Bull (2002, p. 104-107) as potncias ocidentais preocupam-se primordialmente comaordem,aojustificarsuaspolticas,enquantoosEstadosdoTerceiroMundoesto empenhadosnarealizaodajustianacomunidadeinternacional,mesmoacustoda desordem,eparacorroboraressatesevale-sedacartadasNaesUnidasondeordeme segurana tm prioridade sobre os direitos humanos. Salienta que a sociedade internacional no receptiva s noes da justia cosmopolita, e s capaz de aceitar as idias da justia humana de forma seletiva, mas no reage da mesma maneira em relao justia entre os Estados. Pois enquanto as idias de justia mundial podem parecer inteiramente contrrias a estrutura da sociedade internacional, e as noes de justia humana parecem implicar uma possvel ameaa aos seus fundamentos, os objetivos da justia entre Estados podem reforar o pacto da coexistncia entre os Estados, acrescentando um imperativo moral aos imperativos do auto-interesse esclarecido e da lei sobre os quais ela repousa.Para Raymond Aron (1979, p.50) na obra Paz e Guerra entre as Naes, cujo subttulo PensamentoPoltico,asduasconcepestericasrealismo/maquiavelismoe idealismo/kantismo no so contraditrias, mas complementares: o esquematismo racional e asproposiessociolgicasconstituemestgiossucessivosnaelaboraoconceitualdo universo social. Reconhece Aron que a compreenso do domnio da ao no suficiente para resolver o problema das antinomias da ao, e s a histria, poder resolver, algum dia, o eterno debate entre maquiavelismo e kantismo. Nestesentido,fazendoumaanalogiacomacinciaeconmicaAron(1979,p.66) argumenta que medida que a escassez diminui, a economia se atenua. Do mesmo modo, a guerra deixaria de ser um instrumento da poltica no dia em que levasse ao suicdio comum dosbeligerantes.Acapacidadedeproduoindustrialdplausibilidadeutopiada abundncia e a capacidade destrutiva das armas modernas reanima os sonhos de paz eterna. E em tom reflexivo, ressalta que de acordo com a profunda e talvez viso proftica de Kant, a humanidade deve percorrer o caminho sangrento das guerras para chegar um dia paz. atravs da histria que se realiza a represso da violncia natural, a educao do homem luz da razo. 23 Destarte, nos alinhamos a Carr o qual conclui que qualquer pensamento poltico lcido deve basear-se em elementos tanto de utopia, quanto de realidade, a Aron para quem as duas concepestericasrealismo/maquiavelismoeidealismo/kantismonosocontraditrias, mas complementares e particularmente a Bull e sua concepo neo-grociana. por meio deste referencial que percebemos, como Sabia (2007, p.1), que o processo de universalizao doDireito,emparticulardoDireitoInternacional,comoinstrumentodeorganizaoe regnciadomundo,podeservistocomoabuscaprogressivadeampliaodaesfera normativa decorrente da coordenao de interesses (viso grociana) e da esfera de valores (visokantiana),comaconseqentereduodombitodeprevalnciadaviolnciaedo poder (viso hobbesiana).Esta ampliao da preeminncia do Direito deve ser percebida dentro de um contexto noqualesteinterpretadocomofenmenocultural,relacionadostradiesjurdicas europias. Estas, por sua vez, so oriundas da convergncia das estruturas jurdicas romano-germnica e da common-law, a qual propiciou o surgimento do Direito Internacional. Com o desenvolvimento e complexificao das relaes sociais e tambm por meio de um grande esforo de direito comparado o direito internacional incorporou valores do direito africano, do direito islmico, entre outros. Isto permitiu a emergncia dos direitos humanos como valor mais elevado e supranacional. Na histria do direito internacional humanitrio questes morais, associadas busca de limites para os sofrimentos causados pela guerra, coexistem com a necessidade de admitir aexistnciadeconflitosarmados.Percebe-se,assim,adialticacomotraomarcanteda trajetriadestedireito.OordenamentojurdicoquefoiconstrudonosculoXXimps restriesaousoilimitadodefora,mesmoemsituaesextremascomoadosconflitos armados. Tal fato exemplifica a possibilidade de se alcanar um denominador comum entre normas de interesse recproco e normas de inspirao tica. Destemodo,acriaodoTribunalPenalInternacionalmaisumexemplodeste processoesuacompreensopodeserefetuadatantosobopontodevistakantiano,onde reinam valores morais, como na ordem grociana, onde imperam interesses. Veremos, adiante, queoTribunalPenalInternacionalcriadofoiotribunalpossvelenooidealizado, corroborando a tese de uma via media, que deve ser costurada, entre utopia e realidade. Afimdemelhorcompreenderesteprocessovejamosalgunsantecedentesque propiciaram as condies para a criao de um Tribunal Penal Internacional, independente e permanente. 24 2.2 ANTECEDENTES DO TPI PERMANENTE De acordo com Cassase e Delmas-Marty ((2004, p. XIII), em se tratando de crimes internacionais,compreendidosemseuduplosentidoformalematerial,ouseja,deuma infrao tipificada por norma internacional e de que esta infrao seja atentatria ordem pblica da sociedade internacional, a elaborao de um direito internacional penal comum tem sidolenta,complexaeevolutiva.Passemosemrevista,ento,algumaspassagensdeste processo. OTribunalPenalInternacional,decarterpermanente,institudoem1988,na Conferncia de Plenipotencirios das Naes Unidas, vm em atendimento a uma demanda antiga da comunidade internacional. De acordo com Hall (1998, p 63) a primeira proposta consistente de criao de um Tribunal Penal Internacional permanente ocorreu a mais de um sculo, de autoria de Gustave Moynier, um dos fundadores e durante muito tempo Presidente do Comit Internacional da Cruz Vermelha. At esta proposio de Moynier, quase todos os processos por infraes ao Direito internacional humanitrio ficavam a cargo de tribunais ad hocconstitudosporumdosbeligerantes,normalmenteovencedor,enodetribunais ordinriosoudeumTribunalPenalInternacional,configurava,assim,umajustiala carte.O autor supramencionado identifica como primeiro tribunal penal internacional ad hoc, formado por juzes da Alscia, ustria, Alemanha e Sua, que se estabeleceu no ano de 1474parajulgarPeterdeHagenbachporhomicdio,violao,perjrioeoutrosdelitos contrrios s leis de Deus e dos homens durante a ocupao da cidade de Breisach. At a proposta de um Tribunal Penal Internacional permanente passaram-se mais de quatro sculos.Influenciado pelos acontecimentos da guerra franco-prussiana (1870-1871), na qual a imprensaeaopiniopblicadeambososladosdivulgavamatrocidades,Moynierseviu obrigado a reconhecer que ...uma sano puramente moral insuficiente para conter as paixesdesencadeadas.Almdisso,asacusaesmtuasimpediramapuniodos responsveis, bem como no houve avanos em termos legais. Assim na reunio de 03 de janeirode1872,doComitInternacionaldaCruzVermelha,Moynierapresentouuma proposta de criao, mediante tratado, de um tribunal internacional, a qual foi publicada em 28dejaneirode1872noBulletininternationaldesSocitsdesecoursauxmilitaires blesss,predecessordaRevistaInternacionaldaCruzVermelha,intituladaNotesurla crationd'uneinstitutionjudiciaireinternationalepropreprveniretrprimerles infractions la Convention de Genve (Hall, 63-82). 25 Esta proposio era singela e contava com apenas 10 artigos, pois tratava apenas dos termos gerais do convnio entre os Estados signatrios, a lei penal internacional deveria ser objeto de um novo tratado que complementaria este convnio. Destacamos o contido no artigo 6:EltribunalnotificarsussentenciasalosGobiernosconcernidosystoshabrnde infligiralosculpablesloscastigos que contra ellos se hayan dictado12, o que nos revela a necessria cooperao dos Estados-Parte para o cumprimento das sanes.EntretantoasaspiraesdeMoyniernoforamconcretizadas.Apossibilidadede criaodeumTribunalPenalInternacionaladvmdasatrocidadescometidasdurantea Primeira Grande Guerra.J apiass (2004, p. 39), baseado nos escritos de Bassiouni, sublinha que mesmo durante o confronto j havia manifestaes com relao aos excessos que estavam sendo cometidos. Exemplifica o massacre dos armnios praticado pelo Imprio Turco-Otomano, em 1915. Os governos da Gr-Bretanha, da Frana e da Rssia, em declarao de 28 de maio do mesmo ano, afirmaram que os responsveis pelas 600.000 mortes de armnios na Turquia deveriam serpessoalmentejulgadosepunidos.Percebe-se,assim,apreocupaocoma responsabilidade penal individual no plano internacional. Classificaram tal conduta de crime contra a civilizao e a humanidade e apontaram que todos os membros do governo turco haveriam de responder juntamente com todos os seus agentes envolvidos.Com o fim do conflito armado, os Estados aliados criaram, em 1919, a Commission ontheResponsibilityoftheAuthorsoftheWarandontheEnforcementofPenaltiesfor Violations of the Laws and Costume of War13. Essa Comisso investigou os acontecimentos relativos ao massacre armnio e ao final dos trabalhos recomendou o julgamento dos militares turcos responsveis, nesta recomendao aparece a noo de crime contra a humanidade. Os EUA alegaram que tais crimes no estavam tipificados na ordem internacional, o que impedia que este julgamento fosse levado a cabo. Houve por meio do Tratado Ed Svres, de 10 de agostode1920,aprevisodacriaodeumtribunalparaojulgamentodoscrimes perpetrados no territrio do Imprio Turco, porm este tratado nunca foi ratificado e tendo sidosubstitudopeloTratadodeLausanne,de24dejulhode1924,pormeiodoqualos envolvidos foram anistiados. De acordo com Perrone-Moiss (2003, p. 575) outra tentativa de estabelecimento de 12O Tribunal notificar suas sentenas aos Estados em questo e estes devem impor aos culpados as penas que contraelesforamsancionadas(traduonossa).Disponvelem, acesso em 08 de dezembro de 2008. 13Sobreoassuntovide,acessoem08de dezembro de 2008. 26 umajurisdiopenalinternacionalocorreucomoTratadodeVersalhes,quepsfim Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Baseado neste tratado surge primeira possibilidade de submeter um criminoso de guerra a um tribunal internacional. Decidiu-se que o ex-Kaiser da Alemanha, Guilherme II, deveria ser julgado por um tribunal internacional, em razo de ofensa suprema moral internacional e autoridade sagrada dos tratados. Guilherme II nunca foi julgado, pois a Holanda, Estado onde se havia refugiado ao final da guerra, negou-se a extradit-lo, tendo em vista considerar tratar-se de crime poltico no passvel, portanto, de extradio. Deste modo, este intento tambm no foi levado adiante. Em1924foifundadaaAssociaoInternacionaldeDireitoPenal(AIDP),na Universidade de Paris, e um dos seus objetivos era o estabelecimento e um Tribunal Penal Internacionalpermanente.FrutodasdiscussesproporcionadaspeloICongresso InternacionaldeDireitoPenal,organizadopeloAIDPem1926,sediadoemBruxelas,foi propostoLigadasNaesacriaodeumaCmaraCriminalnaCortePermanentede J ustiaInternacional14.Buscava-seestabelecerosprincpiosdedireitopenalnoplano internacional e a responsabilidade penal internacional do indivduo. Assim as discusses acerca de um projeto de Conveno para a criao de um tribunal penal internacional permanente, a fim de julgar os autores dos crimes de terrorismo, travou-se noperodoentreguerras,sobosauspciosdaLigadasNaes.Pornoterobtidoas ratificaesnecessrias,talConvenonosematerializou,frustrandosuainstituio.O mundo, ento, j assistia os primeiros sinais de um novo confronto mundial, e assim, qualquer tentativa neste sentido no encontrava as condies necessrias para prosperar. Temos, ento, fruto dos acontecimentos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945): o estabelecimento dos Tribunais de Nuremberg e Tquio, que representam um ponto relevante da histria do Direito Internacional Penal, os quais sero abordados oportunamente. AnarrativadeHungria(1958,p367-368),impacta-nosdeformacontundente,ao revelarcomabsolutaexatidoacruarealidadedascondutasperpetradaspelosnazistas durante a Segunda Guerra Mundial: O incndio dos ghettos fez-se rotina na execuo do plano de eliminao totaldosjudeus.DiziaHimmlerquematarjudeusnopassavadeum expurgodepiolhos,edestruirpiolhosnoumaquestodeideologia, mas uma questo de limpeza. O general Stroop, com volpia sdica, assim sereferiaaoincndiodoghettodeVarsvia:Delibereidestruirtodoo quarteiroderesidnciadosjudeus,fazendodeitarfogoacadagrupode 14 De acordo comM.C.Bassiouni,, L'Association Internationale de Droit Pnal (A.I.D.P.): plus d'un sicle de dvouementlaJusticepnalesetauxdroitsdel'homme.Disponvelemacesso em 08 de dezembro de 2008. 27 casas... Muitas vezes, os judeus permaneciam nos edifcios em chamas at que no mais pudessem suportar o calor, e, receosos de ser queimados vivos, preferiam saltar dos andares superiores, depois de arremessarem ao leito da ruacolchesemveis...Comosmembrosquebrados,tentavamainda rastejar at as casas indenes do fogo... e Hitler pde dizer: Na Polnia, o estado de coisas ficou inteiramente definido. Como os judeus no quisessem trabalhar[sic],forammortos.Senopodiamtrabalhar,deviammorrer. Tinham de ser tratados como bacilos de tuberculose. Nada tem isto de cruel, pois sabido que mesmo as criaturas mansas da natureza, como as coras e os gamos, devem ser mortos para que no possam fazer estragos.(...) No havia limites perversidade, nem trgua fria assassina. S a matana dos judeus atingiu um algarismo de estarrecer: dos 9.600.000 de israelitas existentes na Europa dominada pelos nazis, 60% pereceram. Os cadveres eramenterradosaosmontes,oulevadosparaosfornosdecremao,ou devidocarnciadematrias-primas,eramaproveitados(indita profanao!) para o fabrico de sabo. A barbrie cometida exigia uma ao de toda a comunidade internacional, pois todo o gnero humano havia sido afrontado pelos crimes cometidos pelo III Reich. Neste sentido Lafer(1988,p.169)apontaqueaconcepodeumDireitoInternacionalPenalque Nuremberg ensejou parte do pressuposto de que existem certas exigncias fundamentais da vidanasociedadeinternacionalequeaviolaodasregrasrelativasataisexigncias constituem crimes internacionais. Ressalta-sequeaindaem1944,Kelsen,exiladonosEstadosUnidosdaAmrica, publicava a obra intitulada Paz atravs do Direito15, na qual ele se debateu com a tradicional concepodequesEstadospodiamsersujeitosdedireitoseobrigaesnoDireito internacional e a necessidade e utilidade de se instituir uma responsabilidade penal individual internacional, como forma de atingir uma paz duradoura quando terminasse a conflagrao mundial ento em curso. Enfrentou possveis objees doutrinrias, e elaborou um engenhoso sistema de responsabilizao criminal individual e fundamentou a criao de uma jurisdio penal internacional para tais crimes, a ser instituda mediante tratado, respeitando, portanto, a soberania dos Estados, anexando, uma proposta de estatuto de um TPI (Lorandi, p. 19). Em 1948, aps os julgamentos de Nuremberg e Tquio, que condenaram determinados atosdaSegundaGuerraMundial,aAssemblia-GeraldaOrganizaodasNaesUnidas (ONU),reconhecendoqueemtodososperodosdahistriaogenocdioinfligiugrandes perdas humanidade, e convencida de que a cooperao internacional era indispensvel para livrarahumanidadedessaprticaodiosa,aprovouaConvenoparaaPrevenoea 15 Hans KeIsen. Peace through Law. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1944. 28 Represso do Crime de Genocdio16, a qual dispe em seu artigo primeiro que As Partes Contratantes confirmam que o genocdio, seja cometido em tempo de paz ou em tempo de guerra, um crime do direito dos povos, que desde j se comprometem a prevenir e a punir e em seu artigo sexto que as pessoas acusadas de genocdio (...) sero julgadas pelos tribunais competentesdoEstadoemcujoterritriooatofoicometidooupelotribunalcriminal internacional que tiver competncia quanto s Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdio (grifos nossos). No mesmo ato, a Comisso de Direito Internacional deveria estudar a convenincia e a possibilidade de estabelecer um rgo jurisdicional internacional para processar e julgar as pessoas acusadas de genocdio. Neste mesmo ano foi aprovada a Declarao Universal dos Direitos Humanos 1948 17. Entretanto,comabipolarizaodoMundoqueseseguiuaguerra,emquepesea elaborao de projetos neste sentido no mbito das Naes Unidas, a concepo de uma Corte Penal Internacional permaneceu latente e no se concretizou. Destemodo,comofatoresquepossibilitaramosurgimentodeumTribunalPenal Internacional permanente, podemos apontar: o fim da guerra fria que tornou menos rgidos os alinhamentos ideolgicos que bloqueavam a evoluo do Direito Internacional nessa direo; aglobalizaoeainterdependnciaacentuaramanecessidadedemaiorcoordenaoe normatividade em diversas reas das relaes internacionais, inclusive como proteo contra a atuao ilcita de atores no estatais; e as tendncias de fragmentao liberadas pelo fim da guerra fria levaram irrupo de conflitos tnicos, raciais e religiosos, na maioria dos casos no-internacionais,emqueocorreramcatstrofeshumanitriasemassacres,ameaandoa ordemjurdicaepondoemriscoapazeaseguranainternacionais,reforandoassima opinio dos Estados, de outros atores internacionais e da opinio pblica em favor do reforo da capacidade de sano do Direito Internacional nestes casos (Sabia, p. 4). Esta preferncia pelodireitointernacionaltemcomofundamentoabuscapelaimparcialidadeepela efetividade das decises, uma vez que consiste em um tribunal que no est contaminado pela elite poltica ou jurdica local, a qual muitas vezes permanece no poder. Nesse sentido, o TPI tem uma capacidade maior em chegar mais prximo de uma justia neutra.Este sentimento de repdio a arbitrariedade, e o desejo de julgamento de perpetradores 16 Promulgada pelo Decreto n 30.822, de 6 de maio de 1952, a Conveno para a Preveno e a Represso do Crime de Genocdio, concluda em Paris, a 11 de dezembro de 1948, por ocasio da III Sesso da Assemblia Geral das Naes Unidas. Disponvel em http://www2.mre.gov.br/dai/genocidio.htm acesso em 08 de dezembro de 2008. 17Disponvelemacessoem08de dezembro de 2008. 29 decrimescomoogenocdio,alimpezatnica,aescravidosexual,odesaparecimento forado,atortura,entreoutros,segeneralizounacomunidadeinternacional,emboraessa jurisdio penal internacional j tivesse sido manifestado, enfaticamente, por Grocio, no sc. XVII, o qual defendia que crimes internacionais poderiam ser punidos por qualquer Estado, pois afetam o conjunto da sociedade internacional, para ele18: Desde o estabelecimento das sociedades civis, reconheceu-se como verdade que cada Estado ou aqueles que o governam seriam os nicos capazes de punir,oudenopunir,conformejulgassemadequado,asfaltasdeseus sditos que interessassem particularmente ao grupo a que pertencem. Mas no lhes restou um direito to absoluto e to particular a respeito dos crimes queafetemdealgumamaneiraasociedadehumana.Pois,paraestes,os outros Estados, ou seus chefes, tm o direito de diligenciar pela punio, da mesmamaneira que as leis de um Estado em particular do a cada um o direito de ao em juzo para a apurao de determinados crimes (Grocio. livro II, cap. XXI, III). E complementa o jurista: Os Reis, e em geral todos os soberanos, tm direito de punir no somente as injrias cometidas contra eles ou seus sditos, mas tambm aquelas que no lhes dizem respeito em particular, quando contm uma intensa violao do direitodanaturezaouodasgentes,contraquemquerqueseja.Eudigo contra quem quer que seja, e no somente contra seus sditos (Grocio19 livro II, cap. XX, XL.1). Esta indignao da comunidade internacional propiciou as condies necessrias para que num curto perodo fossem criados os tribunais criminais ad hoc20 para a antiga Iugoslvia (1993)21 e para Ruanda (1994)22. Estes tribunais foram institudos por deciso do Conselho de SeguranadasNaesUnidas,rgopolticodaONU.Namesmaocasio,criaram-se 18 Hugo Grocio, Del derecho de la guerra y de la paz. Trad. J aimeTorrubiano Ripoll. Madrid, Ed. Reus (S.A.), 1925. Tomo III, p. 159 (livro II, cap. XXI, III) e p.125 (livro II, cap. XX, XL.1); H. Grotius, De jure belli ac pacis (Le droit de la guerre et de la paix), trad. por J . Barbeyrac, Amsterd, 1729, voI. II, p. 132 (livro II, cap. XXI, III) e p. 103 (livro II, cap. XX, XL.1) apud CASSASSE, Antnio e Delmas-Marty, M (org.). Crimes Internacionais e J urisdies Internacionais. Traduo de Silvio Noronha. Barueri, SP: Manole, 2004, p.11-12. 19 Idem, p. 103 (livro II, cap. XX, XL).20 Tribunais ad hoc tribunais para isso.21 Criado pelo Conselho de Segurana, resoluo 827 de 25 de maio de 1993. A este tribunal cabe julgar graves violaes das Convenes de Genebra de 1949 e do direito e costume humanitrios, genocdios e crimes contra a humanidade, cometidos por pessoas no territrio da antiga Iugoslvia desde 1991. Sua sede est em Haia, nos Pases Baixos (http://www.un.org/icty). Disponvel em: http://www.riobrancofac.edu.br/biblioteca/links_inter1.frb acesso em 25 de julho de 2007. 30 tambmtribunaismistos(nacionaiseinternacionais)paraorestabelecimentodapazeda justiaemnaesarrasadasporguerraciviloulutasdelibertaocolonial,aexemplode TimorLeste,SerraLeoaeCamboja.Estesdoismodelosdejustia(implementadospelos tribunais internacionais e pelos tribunais mistos), no entanto, pecavam por seu carter ex post facto e por vcios de origem, j que se tratavam de tribunais institudos heteronomamente, aindaquepelacomunidadeinternacional,muitasvezessemoconsentimentodos jurisdicionados nem de seus governos e sem levar em considerao o direito interno de cada Estado: de novo, parecia uma justia dos vencedores para os vencidos (Lorandi, p. 20). Este modelo de jurisdio internacional colidia frontalmente com a soberania estatal e tornava alvo de duras crticas.Forja-se,assim,noseiodacomunidadeinternacionalaprefernciapelo estabelecimento,portratadointernacional,deumtribunalpenalinternacional,universal, imparcial e independente. Este percebido como ferramenta fundamental para romper o ciclo deimpunidadesdosperpetradoresdetaiscrimeseexercerefeitopreventivoedissuasor benfico para a paz e segurana internacionais. Neste cenrio, o Estatuto de Roma foi aprovado pela Conferncia de Plenipotencirios das Naes Unidas que se realizou naquela cidade em julho de 1998 instituindo o Tribunal Penal Internacional. Um tribunal internacional com jurisdio criminal permanente, dotado de personalidade jurdica internacional, vinculado (mas no subordinado) ao sistema das NaesUnidas com sede em Haia, na Holanda. Apresentam-se,aseguir,particularidadesdestestribunaisprecursoresque influenciaram sobremaneira esta recente instituio criada pelo Estatuto de Roma. 2.1.1 - TRIBUNAL INTERNACIONAL MILITAR DE NUREMBERG Afimdeproporcionaracompreensonecessriadadimensodestascondutas perpetradas,complementa-secomosimpressionantesfatosconstantesnoacrdodo Supremo Tribunal Federal, de 07/06/1967, que decidiu a extradio de Franz Paul Stangl 23 : Pesa sobre o extraditando a acusao de co-autoria em crimes de homicdio,

22 Criado pelo Conselho de Segurana, resoluo 955 de 8 de novembro de 1994. Foi estabelecido para julgar pessoas responsveis por genocdios e outras violaes graves do Direito Humanitrio cometidas no territrio de Ruanda, ou cometidas por cidados de Ruanda no territrio de Estados vizinhos, entre 1 de janeiro e 31 de dezembrode1994.SuasedelocalizadaemArusha,naTanznia(http://www.ictr.org/).Disponvelem: http://www.riobrancofac.edu.br/biblioteca/links_inter1.frb acesso em 25 de julho de 2007. 23STF.J urisprudncia.HC-44074eExtradies272,273e274Disponvelem:. Acesso em 11 de fevereiro de 2008. 31 praticados em massa, no instituto de extermnio de Hartheim, instalado na ustria, em 1940; no campo de extermnio de Sobibr, construdo em 1942, no ms de abril, ou a partir de maro, na Comarca de Chalm, Distrito de Lublin, na Polnia, e destrudo em novembrode 1943, aps o levante de prisioneirosdemeadosdeoutubro;finalmente,nocampodeTreblinka, construdo a partir de 01.06.1942 , nas proximidades da aldeia desse nome, cerca de 80 km a nordeste de Varsvia, o qual foi parcialmente incendiado narevoltadeprisioneirosde02.08.1943etotalmentedestrudoem novembro daquele ano. Hartheimaparentavaseruminstitutomdico.Naverdade,esse estabelecimentointegravaarededachamadaAoBrak,iniciadana Alemanhaem1939eestendidaustria,em1940.Destinava-se eliminaocoletivaemetdicadeinsanosmentaisedepessoasidosas, fracasouincapacitadasparaotrabalho,bemcomodasconsideradas politicamente perigosas. Variava o mtodo de extermnio: veneno, injees mortferas, inalao de gs. Em Hartheim foi instalada uma cmara de gs, e seincineravaoscorposemfornoapropriado,depoisdedespojadosdos dentes de ouro.Nofoipossveldeterminarexatamenteograndenmerodevtimasde Hartheim. s vezes se amontoavam cadveres, a ponto de 'apodrecerem' os de baixo antes da incinerao. Um ndice comparativo tomado do sanatrio congneredeNiedernhart,onde,segundoodepoimentodoDr.Bohm,o nmero de internados baixara de 1.128, em 1938, para 303; em 1943, no finaldaAoBrak.Oprprioextraditando,emdepoimentoprestadona ustria, em 1947, calculava terem sido mortas de 12 a 13.000 pessoas, desde o incio do ano de 1943.Precaues especiais foram tomadas para ocultar essas atividades, inclusive ojuramentodesigiloeafalsificaodolugaredacausamortisna comunicao do bito aos parentes. Sobibr era, caracteristicamente, um campo de extermnio. Em suas cinco cmaras de gs, disfaradas em casas de banho, calcula-se que foram mortos, desdeabrilde1942atoutubrode1943,cercade250.000judeus, provenientes vrios de pases da Europa. Em mdia eram eliminados 200 por semana. [...] Antes mesmo do incio dos conflitos, em 1935, aps uma jornada do Partido Nazista em Nuremberg, so proclamadas as leis raciais, em 1938 ocorre a Noite dos Cristais, em que 7500 vitrines de lojas judaicas foram destrudas, todas as sinagogas foram queimadas e 20 mil judeus levados para campos de concentrao (Arendt, 2000, p.51). Era o prenncio do que estava por vir. Relembramosqueaquestojudaicacontemploutrssolues:inicialmente,a expulso; depois a deportao e por fim, o extermnio. Arendt (2000, p.129) nos apresenta o estado de esprito geral que reinava no Estado Nazista, sobre o tema discorre: Oobjetivodaconferncia24eracoordenartodososesforosna implementaodaSoluoFinal.Adiscussovoltou-seprimeiroparaas 24 Arendt se refere a Conferncia de Subsecretrios de Estado, em janeiro de 1942, que ficou conhecida como a Conferencia de Wannsee (subrbio de Berlim). 32 complicadas questes legais, como o tratamento a ser dispensado aos que erammeioouumquartojudeus:elesdeveriamsermortosouapenas esterilizados?Emseguida,houveumadiscussofrancasobreosvrios tiposdesoluopossvelparaoproblema,oquequeriadizervrios mtodosdematar,eaquitambmhouvemaisquealegreconcordncia entreosparticipantes;aSoluoFinalfoirecebidacom'extraordinrio entusiasmo' por todos os presentes (...) Houve certas dificuldades, porm. O subsecretrioJ osefBhler,segundonocomandodoGoverno-Geralda Polnia,ficouchocadocomaperspectivadejudeusseremevacuadosdo Ocidente para o Leste, porque isso significava mais judeus na Polnia, e ele propsqueessasevacuaesfossemproteladasequeaSoluoFinal comeasse no Governo-Geral, onde no havia problemas de transporte. Neste contexto, durante o conflito j se formava a convico da necessidade de punir estas condutas algozes, enquanto o discurso de Roosevelt25 ainda revelava uma reprovao moral,anecessidadedelevaracaboojulgamentodosresponsveispelaselvageriada campanha nazista j havia sido manifestada por Churchill, e para ele se constitua em um verdadeiro objetivo de guerra: O governo de Sua Majestade associa-se plenamente aos sentidos de horror e de reprovao expressos pelo Presidente dos Estados Unidos concernentes aosmassacresnazistasnaFrana.Estasexecuesdeinocentes,feitasa sangue-frio, recairo sobre os selvagens que lhas ordenam e seus executores. OsmassacresnaFranasoumexemplodoqueosnazistasfazemem muitos dos outros pases sob seu jugo. [...] A punio para esses crimes deve estarpermanentementeentreosobjetivosmaioresdaguerra(Gonalves, 2001, p.63-64). Poroutrolado,Gonalves(2001)apontaqueosaliadosnoforamosnicosa proclamar a inteno de impor punies aos vencidos no conflito. O Eixo, por diversas vezes, deixouclarasuaintenodetambmjulgarosAliadosacusadosdecrimesdeguerrana Europa. Deste modo, sabia-se que a sina dos vencidos em um conflito daquelas propores seria a submisso ao arbtrio da outra parte. Assim, em 1 de novembro de 1943, assinada pelo presidente Franklin D. Roosevelt dos Estados Unidos da Amrica, pelo Primeiro-Ministro Winston Churchill do Reino Unido e pelo Premier J osef Stalin da Unio Sovitica, a Declarao de Moscou, este documento serve de embasamento inicial para a formao de um tribunal militar internacional. Nele, repudia-se s condutas nazistas, ademais da firme convico de se punir os criminosos de guerra 26. 25VideJ .BrittoGonalves.TribunaldeNuremberg1945-1946:agnesedeumanovaordemnoDireito Internacional. Rio de J aneiro: Renovar, 2001, p.62-63. 26 O Reino Unido, os Estados Unidos e a Unio Sovitica receberam, procedentes de diversas fontes, provas concretassobreatosdeviolnciaecrueldade,assassinatosemmassaeexecuesdepessoasinocentes, cometidos pelas tropas hitlerianas nos pases que dominaram e de onde esto sendo expulsas atualmente. (...) As 33 De acordo com J apiass (2004, p.48) os aliados tambm criaram a UnitedNations War Crimes Commission (UNWCC), em 20 de outubro de 1943, para investigar os possveis crimes que estivessem sendo cometidos durante a guerra. Seu objetivo, portanto, era similar da CommissionontheResponsibilityoftheAuthorsoftheWarandontheEnforcementof Penalties for Violations of the Laws and Costume of War. As dificuldades, ento, enfrentadas diziam respeito ao fato de que muitas das condutas as quais se pretendia castigar no estavam, a poca, definidas e sancionadas pelo direito internacional. Com o final da guerra na Europa, e com a derrota dos alemes, e aps muita discusso sobre a necessidade, a extenso e a forma do julgamento, em 8 de agosto de 1945, durante a Conferncia de Londres, as quatro potncias vencedoras: os Estados Unidos da Amrica, o ReinoUnido,aUnioSoviticaeaFranacelebraramacordodestinadoaestabeleceras regras, de acordo com seu artigo primeiro for the just and prompt trial and punishment of the majorwarcriminalsoftheEuropeanAxis27 (para o julgamento justo e rpido e a punio dos grandes criminosos de guerra das potncias europias do Eixo). Este acordo denominado CartadoTribunalInternacionalMilitardeNuremberg,acabouporserconhecidocomoo Tribunal de Nuremberg. De acordo com o estabelecido no artigo 4 do Estatuto, coube aos signatrios da Carta de Londres, a indicao dos membros do Tribunal28. Embora possusse a denominao de militar,todososjuzeseramcivis,aexceodojuizsovitico(eseusuplente).Esta denominao decorreu da necessidade dos Estados Unidos da Amrica contornar o obstculo do princpio da anterioridade da lei previsto no Direito Penal Comum interno e inexistente no

trs potncias acima mencionadas, falando em nome dos trinta e dois membros das Naes Unidas, anunciam solenemente a seguinte declarao: Quando se conceder ao Governo Alemo um armistcio, todos os oficiais, soldados alemes emembros do Partido Nacional-Socialista, responsveis por tais atos, pelos assassinatos e execues em massa, todos os que participaram voluntariamente destes crimes sero entregues aos Governos dos pases onde os cometeram, para que possam ser levados aos tribunais e punidos de acordo com as leis vigentes emcadaumdeles.(...)Aconselhamosatodosqueaindanomancharamsuasmoscomsangue,quese abstenham de aderir s fileiras dos culpados, pois as trs potncias aliadas os perseguiro at os recantos mais afastados do mundo e os entregaro aos seus juzes para que a justia siga o seu curso. A declarao no se refereaoscasosdosprincipaiscriminososdeguerra,cujoscrimesnoestodelimitadosporfronteiras geogrficas e que sero castigados de acordo com uma resoluo comum dos Governos aliados. Moscou, 1 de novembro de 1943. Roosevelt Churchill Stalin (Ferro, 2002, p.121-122). 27CartadoTribunalInternacionalMilitardeNuremberg.Disponvelemacesso em 10 de dezembro de 2008. 28 O Reino Unido indicou Geoffrey Lawrence - que tambm foi escolhido como presidente do Tribunal - e J orman Birkett (suplente). J os Estados Unidos da Amrica indicaram Francis Biddle e J ohn Parker, como seu suplente. Por sua vez, a Frana indicou o professor Henri Donnedieu de Vabres, Professor da Universidade de Paris e um dos maiores especialistas europeus em direito penal internacional, e Robert Fa1co como seu suplente. Por fim, a Unio Sovitica teve o Major-General Iona T. Nikitchenko e, tambm, o Tenente-Coronel Alexander F.Volchkov.ArespeitodacomposioeestruturadoTribunaldeNuremberg,videSmith,BradleyF.O 34 Direito Penal Militar (J apiass, 2004, p. 50). Ao tratar da jurisdio atinente ao Tribunal o Estatuto, de acordo com o artigo 6, dissertou este era competente para julgar e punir pessoas que, agindo no interesse dos Estados doEixoEuropeutenhamcometido,querattuloindividualoucomomembrosde organizaes, os seguintes ilcitos: crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A tipificao do crime contra a paz foi assim estatuda: nomeadamente, planejamento, preparao, desencadeamento ou prosseguimento de uma guerra de agresso, ou uma guerra emviolaoaostratadosinternacionais,acordosougarantias,ouparticipaonumplano concertado ou numa conspirao para levar a cabo qualquer um dos atos anteriores. Com relao aos crimes de guerra: nomeadamente, violaes das leis ou costumes de guerra. Tais violaes incluem, mas no se limitam a, assassnio, maus-tratos ou deportao para trabalhos forados ou qualquer outro fim, da populao civil do ou no territrio ocupado, assassniooumaus-tratosdosprisioneirosdeguerraoudepessoasnomar,execuode refns, pilhagem dos bens pblicos ou privados, destruio sem motivo de cidades, vilas ou aldeias ou devastao no justificada por necessidade militar. E no que dizia respeito aos crimes contra a humanidade: nomeadamente, assassnio, extermnio,reduoescravatura,deportaoououtrosatosdesumanoscometidoscontra qualquer populao civil, antes ou durante a guerra; ou perseguies por motivos polticos, raciais ou religiosos, quando estes atos ou perseguies so cometidos ou esto relacionados com qualquer crime abrangido pela competncia deste Tribunal, quer violem ou no o direito interno do Estado onde foram perpetrados. Imputou-se,portanto,aosacusadosaprticadosseguintesilcitospenais:crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Houve tambm discusses a respeito do ilcito conspirao ou plano comum (the common plan or conspiracy), bem como oMinistrioPblicotambmatribuiuaosacusadosaprticadeguerratotal.Oscrimes contra a humanidade foram os de mais difcil definio, pois no faziam parte de nenhum tratado anterior, diferentemente dos crimes de guerra, previstos na Conveno de Haia, de 1907,edoscrimescontraapaz,poisosaliadosconsideraramquesagressesdoEixo violaram a Protocolo de Genebra de 1924, a Resoluo da Assemblia Geral da Sociedade das

Tribunal de Nuremberg. Rio de J aneiro: Francisco Alves, 1978; e Gonalves: J . Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gnese de uma nova ordem no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 35 Naes, de 1927, entre outros Atos Internacionais. Ao positivar o crime contra a humanidade o Estatuto do Tribunal Militar: [...] procurava identificar algo novo, que no tinha precedente especfico no passado.Representaoprimeiroesforodetipificarcomoilcitopenalo ineditismo da dominao totalitria que pelas suas caractersticas prprias o assassinato, o extermnio, a reduo escravido, a deportao, os atos desumanos cometidos contra a populao civil e as perseguies por razes polticas, sociais e religiosas - tinha uma especificidade que transcendia os crimes contra a paz e os crimes de guerra. (LAFER, 1988, p. 168). Sublinhava ainda o Estatuto, que dirigentes, organizadores, instigadores ou cmplices queparticiparamnaelaboraoouexecuodeumplanoconcertadoouconspiraopara cometercrimescontraapaz,crimesdeguerraecrimescontraahumanidadeseriam responsveis por todos os atos realizados por quaisquer pessoas na execuo desse plano.Apresenta-senoanexoB,alistagemdosjulgamentosocorridoserespectivas sentenas. Salienta-se, tambm, que algumas corporaes foram julgadas, a saber: o Gabinete do Reich, o OKW, SA (fora de assalto do partido), a diretoria do Partido Nacional-Socialista, SS (unidade especial de proteo dos lderes do partido), SD (servio de segurana), Gestapo ( polcia secreta do Estado). Foram absolvidas as trs primeiras e as demais banidas. Houve, portanto, condenaes morte, priso e absolvio, bem como uma durao razovel dos processos, de 20 de novembro de 1945 a 01 de outubro de 1946, de modo, a no permitir que eles se arrastassem e com isso gerassem discusses e polmicas ainda maiores.Assim, ressalta-se que a grande contribuio do Tribunal de Nuremberg para o Direito PenalInternacionalconsistiunaimplementaodaidiaderesponsabilidadepenaldos indivduos (por crimes contra a paz, a humanidade e de guerra) no plano internacional, pois peranteestacorteinternacionalosparticularescompareceramcomoresponsveisporsuas condutas e responderam por seus crimes, sem o manto protetor do Estado. Em Nuremberg, portanto,seinauguraumnovosistemadejustiapenalnoqualseimputaaosagentesdo prprioEstadoaresponsabilidadesubjetivapelaprticadecrimescontraahumanidade. Aindaqueagindosobopermissivodesuasleisnacionais,estesagentespoderiamser responsabilizados pela prtica de crimes cujos resultados transcenderiam as fronteiras deste mesmoEstado,vindoaatingirbensjurdicoscujaproteointeressaatodacomunidade internacional, como a preservao da vida humana. Assim, crimes como o genocdio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade, no podem mais ser vistos como atos que afrontam 36 somente os ordenamentos jurdicos internos, de exclusivo interesse de cada Estado. Sendo assim, a instituio do tribunal de Nuremberg, em que pese o fato de ter sido umajustiadosvencedoresvemematendimentoaestademanda,comorespostaaeste imensosofrimentocoletivo.NelsonHungriafazdurascrticasaestetribunal29,squais emborareconheamosomritodavisogarantista30,nonosalinhamos,pelocontrrio percebemos que estas no se sustentam quando confrontadas com a dimenso axiolgica da vida humana. Nuremberg no criou uma atmosfera de injustia, com julgamentos em massa, pelo contrrio, concentrou-se em indivduos especficos, aos quais foram imputadas condutas que no encontravam amparo na sociedade internacional. Destemodo,mesmoreconhecendoquedeterminadascrticassoconsistentes,nos associamosaCassase(2005,p.8),cujoteordareflexonosrevelaarelevnciadeste acontecimento histrico: Enquantoaexperinciaps-PrimeiraGuerraMundialdemonstrouatque pontoajustiainternacionalpodesercomprometidaemnomeda conveninciapoltica,ops-SegundaGuerrarevelou,contrariamente,o quantoessajustiainternacionalpodesereficazquandohvontade 29Crticasforamefetuadasaestetribunalmilitarpelocarterseletivo,porconstituremumajustiaa posteriori, uma justia a la carte. Nelson Hungria fez duras censuras em virtude do desrespeito ao princpio do nullum crimen nulla poena sine lege (princpio da legalidade). Afirmou: O Tribunal de Nuremberg h de ficar como uma ndoa da civilizao contempornea: fez tabula rasa do nullum crimen nulla poena sine lege (com um improvisado Plano de julgamento, de efeito retroativo, incriminou fatos pretritos e imps aos seus autores o enforcamentoepenaspuramentearbitrrias);desatendeuaoprincpiodaterritorialidadedaleipenal; estabeleceu a responsabilidade penal de indivduos participantes de tais ou quais associaes, ainda que alheios aos fatos e a eles imputados, funcionou em nome dos vencedores, que haviam praticado os mesmssimos fatos atribudosaosrus;suassentenaseraminapelveis,aindaquandodecretavamapenademorte.Comodiz Monteiro Schmidt (ver. De Cincias Penales, tomo IX, n 4, 1946): jamshaba podidoconcebirlamente de jurista alguno um derumbe ms grande de los princpios de derecho, que se ilumino, al postre, com uma escerna grostesca: al ahorcamiento del cadver del Mariscal Goering, despus que este se haba suicidado! . Hungria, Nlson. Comentrios ao Cdigo Penal. Tomo I. Volume I, 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p.31. 30Estavisoentendequeestesprincpiosservemcomoumagarantiaaoindivduocontraaarbitrariedade, particularmentecontraaonipotnciadoEstado.GrecoapontaaorigemdoprincpiodalegalidadenaCarta Magna Inglesa de 1215, editada ao tempo do Rei J oo Sem Terra. Seu artigo 39 determinava que Nenhum homem livre ser detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de sua liberdade ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de maneira alguma; e no poderemos, nem faremos pr a mo sobre ele, a no ser em virtude de um juzo legal de seus pares e segundo as leis do Pas (2003, p.106). Neste sentido, a corrente majoritria dos doutrinadores afirma ser a lei nica fonte do Direito Penal quando se quer proibir ou impor condutas sob ameaa de sano. Tudo que no fosse expressamente proibido seria lcito em Direito Penal. O escopo do princpio em questo manter a segurana jurdica, a qual assiste o cidado, no sendo este punido quando no houver uma previso legal criando o tipo incriminador, ou seja, definindo as condutas proibidas. Como fundamentao a tal posicionamento, h ainda a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789, que enunciava os Direitos naturais, inalienveis e sagrados do Homem, por meio do artigo 7 expunha que: Ningum pode ser acusado, preso ou detido seno nos casos determinados pela Lei e de acordo com as formas por esta prescrita. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrrias devemsercastigados;masqualquercidadoconvocadooudetidoemvirtudedaLeideveobedecer imediatamente, seno torna-se culpado de resistncia.. Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789, disponvel em acesso em 10 de dezembro de 2008. 37 poltica de apoi-la e recursos necessrios para faz-la funcionar. Todavia, essesconjuntosdeexperinciasforamparciais,comotodossabem,pois impuseram a justia dos vitoriosos sobre os derrotados. Entretanto, foram importantesemmuitosaspectos.Emprimeirolugar,quebraramo monopliosobreajurisdiopenalcomrelaoacrimesinternacionais como os crimes de guerra, at ento mantido firmemente pelos Estados. Pela primeiravez,estabeleceram-seinstituiesno-nacionaisoudecarter prximoaonacionalcomopropsitodeprocessarepunircrimesde dimenso e alcance internacionais. Em segundo lugar, novos crimes foram concebidos no Acordo de Londres e tornados punveis: os crimes contra a humanidade e os crimes contra a paz. Quer isso tenha sido feito ou no por meio da quebra do princpio do nullum crimen sine proevia lege, fato que, desde1945,essescrimespassaramgradualmenteafiguraremproibies legais internacionais consuetudinrias. Em terceiro lugar, os estatutos e os precedentesdoTribunalMilitarInternacionaldeNuremberg,doTribunal Militar Internacional do Extremo Oriente e dos diversos tribunais instalados pelos aliados em seqncia Segunda Guerra Mundial desenvolveram novas normas e padres de responsabilidade que promoveram o Estado de Direito Internacional, por exemplo, a eliminao da defesa por obedincia a ordens superiores e a possibilidade de responsabilizao de Chefes de Estado. Por fim,umaimportnciasimblicasurgiuapartirdessasexperinciasem termosdeseulegadomoral,quefoitomadocomobaseporaquelesque buscavam um sistema de justia penal internacional permanente, eficaz e no comprometido politicamente. Percebe-se, assim, que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) provocou profundas transformaes no campo do direito internacional. E o movimento de internacionalizao dos direitos humanos ganha foras como resposta s condutas cometidas pelo nazismo, o qual gerouumpathos-umsofrimentonasociedadeocidentalnuncaantesvivenciado.De acordo com Paraguass (2002, p.234): OTribunalPenalMilitarInternacionalemNuremberg-Alemanhaum exemplodeprecedente,trazendocomodireitonovoocrimecontraa humanidade. Foi um jurista ingls presente ao tribunal, L. Lauterpacht, que lembrou tal expresso, dada necessidade de responsabilizar criminalmente aes que no foram anteriormente vistas, num mundo onde ainda no havia certos tipos de exposio dor e sofrimento como campos de concentrao, de extermnio, cmaras de gs, ou contemporneas armas atmicas e cuja expansofoidimensionadapelaguerratotalemovimentosdemassa ineditismo do regime totalitrio, enquanto forma de governo, que identifica o ser humano como suprfluo, segundo Hannah Arendt. Em paralelo ao Tribunal Penal Militar Internacional em Nuremberg, tendo este como modelo, foi tambm criado o Tribunal de Tquio, em 19 de janeiro de 1946, para julgar e punir os criminosos de guerra do Extremo Oriente, o qual ser abordado a seguir. 38 2.1.2 - TRIBUNAL INTERNACIONAL MILITAR PARA O EXTREMO ORIENTE AfundamentaoparaacriaodoTribunalInternacionalMilitarparaoExtremo Oriente, conhecido como Tribunal de Tquio, ocorreu na Conferncia do Cairo, em 01 de dezembrode1943,onderepresentanteschineses,britnicoseamericanosfirmaram declarao por meio da qual manifestaram o objetivo de por fim a agresso japonesa e que intencionavam a criao de um Tribunal Internacional Militar para o Extremo Oriente, a fim de levar a julgamento os criminosos de guerra japoneses. Tais objetivos foram reiterados, em julho de 1945, na Conferncia de Potsdam. Entretanto, somente em 19 de janeiro de 1946, com base no ato de rendio japons assinado em 02 de setembro de 1945, o Comandante Supremo das Foras Aliadas, general Douglas MacArthur, instituiu o Tribunal Internacional Militar para o Extremo Oriente, com sede em Tquio, tendo a mesma base do Tribunal de Nuremberg, o Acordo de Londres. O tribunal iniciou suas atividades em 29 de abril de 1946, e as encerrou em 12 de novembro de 1948. Este Tribunal foi composto por onze juzes, um indicado por cada um dos seguintes Estados:Austrlia,Canad,China,EstadosUnidosdaAmrica,Filipinas,Frana,Reino Unido, Pases Baixos, Nova Zelndia, URSSS e ndia (embora no tenha participado da II Grande Guerra, indicou um juiz na condio de Estado neutro). Tal qual seu precursor, em Nuremberg, este tribunal tambm tinha competncia para julgarcrimescontraapaz,crimescontraasconvenesdeguerraecrimescontraa humanidade, entretanto, no incluiu o tipo penal conspirao (conspiracy), a fim de evitar as discusses sobre esta tipificao ocorridas em Nuremberg31. No que se refere ao crime de agresso(crimecontraapaz),enquantoNurembergtratavaapenasdeguerradeclarada,o Estatuto do Tribunal de Tquio previa como crime o planejamento, a preparao, o incio e a implementao de uma guerra declarada ou no. Outro aspecto distinto que a Carta de Tquio no exclua a possibilidade de recurso contra as decises da Corte, como ocorreu em Nuremberg. EmtermosprocessuaisoTribunaldeTquiomanteveasmesmasdiretrizesdo TribunaldeNuremberg.Quantocompetnciarationepersonae,oTribunaldeTquio julgouapenaspessoasfsicas,aocontrriodoqueocorreraemNuremberg,quetambm julgou pessoas jurdicas, tendo sido 28 as pessoas acusadas (9 civis e 19 militares de carreira), 39 sem nenhuma absolvio, embora as decises no tenham sido unnimes32. HouvecrticassemelhantessdeNuremberg,almdaviolaodoprincpioda legalidade e seus corolrios, aponta-se tambm a no existncia de tipificao prvia do crime de guerra de agresso, bem como o fato de no haver qualquer cominao de pena para tal atoemnenhumdocumentointernacional.AosepronunciaraesterespeitoJ ahrreisassim discorre: Admitindo-se(...)queaevoluoconsagreasubstituiododireito internacionalpblicoantigoporumdireitointernacionalpblico novo,oqualcondeneaguerradeagressocomoumcrime, admitindo-se que esta mudana opere um progresso, ainda importa, para queaacusaosejafundada,queosacusadosdissotivessem conscincia.AprovadessefatoincumbeaoMinistrioPblico,ea dvidadeverserfavorvelaosrus.Seestamosemumafase transitria, na qual o abandono dos velhos princpios incerto, onde o novoconhecimento[ainda]vacilante,aregradainterpretao restritivadaleipenaldeterminaaabsolvio.(...)Portanto,as declaraessensacionais que difamama guerra deagresso, a guerra comoinstrumentodepolticanacional,comoumcrime,no determinamqualquersano,solegesimperfectae.Dequalquer maneira,umacondenaodeveatentaraoprincpionullapoenasine lege.Ademais,certoqueotermocrime,talcomofiguranestas resolues,devasertomadoemseusentidotcnico(...)Oepteto criminal aplicado guerra de agresso pode ser entendido como uma ofensamoral,tantoquantocomoumaincriminao.Nadvida,a acepofavorveldefesadeveprevalecer(apudGonalves,2001, p.160-161). AlmdestasforamefetuadasoutrasapreciaesdesfavorveisaoTribunal, especialmente devido forte influncia americana, que financiava o tribunal. Nem todos os acusados foram condenados, muitos criminosos de guerra foram libertados pelos americanos sem sequer serem processados, inclusive o maior de todos os criminosos o prprio imperador no foi julgado; o Comandante Supremo podia escolher os juzes e reduzir as penas, enfim, houve desvios do objetivo principal que era a punio efetiva dos que haviam atentado contra a paz e a segurana internacionais. Em que pese s crticas formuladas aos julgamentos de Nuremberg e Tquio, h que seregistrarqueestesrepresentaramumavanosignificativonaesferadodireitopenal

31 Sobre o tema vide J apiass (2004, p 53-61). 32 Cumpre ressaltar que o juiz indiano Rahabinod M. Pal acolheu a tese da incompetncia do tribunal, luz dos termos da capitulao e da inexistncia de relao jurdica entre juzes estrangeiros e os acusados japoneses, estes sujeitos, apenas, competncia nacional. Entendeu, tambm, que a acusao importava em violao do princpio da legalidade e, por isso, absolveu todos os acusados. (J apiass, 2004, p. 66). 40 internacional, bem como na construo da percepo da responsabilidade penal internacional do indivduo. Outros julgamentos foram realizados relativos s condutas praticadas durante a guerra de 1939 a 1945, os aliados criaram tribunais internacionais para crimes de guerra em suas respectivas zonas de ocupao na Alemanha, onde foram julgadas cerca de 20.000 pessoas (960 condenadas morte), no Oriente as comisses militares americanas continuaram a julgar criminosos. Alm deste, destaca-se, entre outros, o julgamento pela Frana do general Ptain e de Pierre Laval, e posteriormente os de Klaus Barbie, de Paul Touvier e Maurice Papon; pela Alemanha o de Franz Stangl, condenado morte, tendo sido extraditado pelo Brasil33; e por Israel o julgamento de Adolf Eichmann. Comrelaoaosjulgamentosps-guerra,Arendt(2000,p.318)aorefletirsobreo tema, nos descortina a banalidade do mal e assim se expressa: Resta,porm,umproblemafundamental,queestimplicitamente presenteemtodosessesjulgamentosps-guerraequetemdeser mencionadoaquiporquetocaumadasgrandesquestesmoraisde todosostempos,especificamenteanaturezaeafunodojuzo humano.Oqueexigimosnessesjulgamentos,emqueosrus cometeram crimes legais que os seres humanos sejam capazes de diferenciar o certo do errado mesmo quando tudo que tm para gui-las sejaapenasseuprpriojuzo,que,almdomais,podeestar inteirament