dissertação carlos souza pardim (versão final)

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  • 7/30/2019 Dissertao Carlos Souza Pardim (verso final)

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL - UFMSCENTRO DE CINCIAS EXATAS E TECNOLOGIA - CCET

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO MATEMTICAPPGEDUMAT

    CARLOS SOUZA PARDIM

    ORIENTAES PEDAGGICAS NAS ESCOLAS NORMAIS DE CAMPOGRANDE: UM OLHAR SOBRE O MANUAL METODOLOGIA DO ENSINO

    PRIMRIO, DE THEOBALDO MIRANDA SANTOS

    Campo Grande, MS2013

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    CARLOS SOUZA PARDIM

    ORIENTAES PEDAGGICAS NAS ESCOLAS NORMAIS DE CAMPOGRANDE: UM OLHAR SOBRE O MANUAL METODOLOGIA DO ENSINO

    PRIMRIO, DE THEOBALDO MIRANDA SANTOS

    Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Educao Matemtica daUniversidade Federal de Mato Grosso do Sulcomo requisito final obteno do ttulo deMestre em Educao Matemtica.

    Orientadora: Prof. Dr. Luzia Aparecida deSouza

    Campo Grande, MS2013

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    CARLOS SOUZA PARDIM

    ORIENTAES PEDAGGICAS NAS ESCOLAS NORMAIS DE CAMPOGRANDE: UM OLHAR SOBRE O MANUAL METODOLOGIA DO ENSINO

    PRIMRIODE THEOBALDO MIRANDA SANTOS

    Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Educao Matemtica daUniversidade Federal de Mato Grosso do Sulcomo requisito final obteno do ttulo deMestre em Educao Matemtica.

    Orientadora: Prof. Dr. Luzia Aparecida deSouza

    Campo Grande, MS, 05 de fevereiro de 2013

    COMISSO EXAMINADORA

    ___________________________________________Prof. Dr. Luzia Aparecida de Souza

    Fundao Universidade Federal de Mato Grosso do Sul__________________________________________

    Prof. Dr. AntonioVicente Marafioti GarnicaUniversidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    __________________________________________Prof. Dr.Heloisa da Silva

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

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    Deus, Senhor da minha vida.

    Juliana, minha amada esposa.

    Aos meus pais, que sempre me apoiaram.

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    AGRADECIMENTOS

    Deus, pelo cuidado e amor por minha vida. Juliana, minha esposa que sempre me apoiou nos estudos.

    Aos meus pais, Jos Francisco Pardim e Creuza de Fatima de Souza Pardim.

    minha orientadora, professora Dr. Luzia Aparecida de Souza.

    banca examinadora, pelas importantes contribuies.

    A todos que me apoiaram. Obrigado.

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    RESUMO

    O presente trabalho resultado de pesquisa que teve como objetivo compreender, sob o filtrodos manuais pedaggicos, as orientaes nacionais/internacionais sobre as quais se estruturoua formao de professores da Escola Normal em Campo Grande. Para tanto, tomou-se aHermenutica de Profundidade, desenvolvida por John B. Thompson, para anlise de formassimblicas e trazida para a anlise de textos didticos por Oliveira (2008), como principalreferencial para anlise do manual Metodologia do Ensino Primrio, de Theobaldo MirandaSantos, utilizado, conforme arquivo escolar, na Escola Normal Joaquim Murtinho na dcadade 1950.Os resultados desta anlise apontam que o manual em questo serviu comoinstrumento de divulgao do pensamento catlico. Alm disso, o manual se insere num

    perodo em que os cursos de formao de professores estavam preocupados em apresentar aosprofessores os melhores mtodos para se obter um ensino mais eficaz.

    Palavras Chave: Theobaldo Miranda Santos. Manuais Pedaggicos. Escola Normal.Hermenutica de Profundidade. Campo Grande (MS).

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    ABSTRACT

    The objective of this work was understanding the international/nacional orientations whichorganized the preparation of teachers of Campo Grande Normal School. The principalreference to analyze symbolic forms of the pedagogic manual Metodology of ElementarySchools, written by Theobaldo Miranda Santos, was the Deph Hermeneutics, developed byJohn B. Thompson and designed by Oliveira (2008) to analysis of didactics books. These

    pedagogic manual was used in the 1950s at Joaquim Murtinho Normal School, according fileschool's. The outcomes to point out that the pedagogical manual served as instrument ofdivulgation of catholic thoughts. Furthermore, the pedagogical manual was written in a periodthat courses of preparation of teachers were concerned in to show to teachers the bestmethods in order to obtain a teaching more effective.

    Keywords: Theobaldo Miranda Santos. Pedagogical Manuals. Normal School. Hermeneuticsof Depth. Campo Grande (MS).

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1Livro de portarias da Escola Normal Joaquim Murtinho de 1953................ 16

    Figura 2Livro de portarias da Escola Normal Joaquim Murtinho de 1955................ 17

    Figura 3Capa do manual Metodologia do Ensino Primrio....................................... 41

    Figura 4Contedo de multiplicao da cartilha Vamos Estudar?........................... 102

    Figura 5Contedo de multiplicao da cartilha Vamos Estudar?........................... 103

    Figura 6Contedo de multiplicao da cartilha Vamos Estudar?........................... 104

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1ndice do manual Metodologia do Ensino Primrio.................................... 46

    Quadro 2 - Crticas aos mtodos ativos.......................................................................... 72

    Quadro 3 - Distribuio das disciplinas do curso de regente de ensino primrio.......... 93

    Quadro 4Distribuio das disciplinas do curso formao de professores primrios.. 94

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    SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................... 11

    1 ESCOLAS NORMAIS E OS MANUAIS PEDAGGICOS................................. 121.1 As Escolas Normais.................................................................................................. 121.2 Os Manuais Pedaggicos.......................................................................................... 18

    2 A HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE COMO REFERENCIALTERICO-METODOLGICO............................................................................. 222.1 Hermenutica de Profundidade................................................................................ 232.1.1 Anlise Scio-Histrica......................................................................................... 292.1.2 Anlise Formal...................................................................................................... 30

    2.1.3 Interpretao / (Re) Interpretao.......................................................................... 312.2 Pesquisas que se Fundamentaram na Hermenutica de Profundidade..................... 312.3 Mobilizao da Hermenutica Nesta Pesquisa......................................................... 342.4 Paratextos Editoriais ................................................................................................ 38

    3 UM OLHAR SOBRE O MANUAL METODOLOGIA DO ENSINOPRIMRIO................................................................................................................... 403.1 Sobre Metodologia Geral.......................................................................................... 533.1.1 Possveis direcionamentos acerca da Metodologia Geral...................................... 773.2 Sobre a Metodologia Especial.................................................................................. 773.2.1 Possveis direcionamentos acerca da Metodologia Especial................................. 89

    3.3 Estabelecendo compreenses acerca da materialidade do manual Metodologia doEnsino Primrio.............................................................................................................. 89

    4 MANUAL METODOLOGIA DO ENSINO PRIMRIO: PRODUODE/PARA A EDUCAO BRASILEIRA............................................................. 914.1 Algumas consideraes............................................................................................ 114

    5 ALGUMAS CONSIDERAES: FOTOGRAFIAS DE UM FILME EMCONSTRUO............................................................................................................ 116

    REFERNCIAS............................................................................................................ 120

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    Introduo

    O presente trabalho faz parte dos esforos do grupoHistria da Educao Matemtica

    em Pesquisa que tem procurado mapear a formao de professores que ensinam matemtica

    no estado do Mato Grosso do Sul.

    Esta pesquisa iniciou-se em outubro de 2011, quando ocorreu uma mudana na

    orientao do autor deste trabalho. Inicialmente, o projeto de pesquisa tinha como objetivo

    investigar aspectos histricos de problema ldicos em livros didticos no ensino da

    matemtica escolar na 1 fase do secundrio, sob a orientao do professor Dr. Luiz Carlos

    Pais. Por motivos pessoais, a orientao foi passada professora Dra. Luzia Aparecida de

    Souza.Buscando aproximar o projeto de pesquisa aos objetivos de pesquisa do grupo,

    estruturou-se uma proposta de anlise de uma obra trabalhada nas aulas de metodologia nas

    escolas normais de Campo Grande - MS. Do projeto inicial para este, manteve-se o interesse

    do autor na anlise de textos didticos.

    Reis (2011), em desenvolvimento de pesquisa de iniciao cientfica sobre as escolas

    normais de Campo Grande1, identificou um pequeno acervo de livros e atas referentes

    Escola Normal Joaquim Murtinho2

    . Neste acervo foi encontrado um livro de portarias em queconsta a adoo do manual Metodologia do Ensino Primrio, alm de outras obras de

    Theobaldo Miranda Santos. Alm desta informao, foi identificado, em uma das entrevistas

    feitas nesta pesquisa, o uso de um manual voltado para o ensino primrio nas aulas de prticas

    de ensino e, tambm, um caderno utilizado por uma ex-aluna da escola normal em que se

    encontra a anotao de um contedo bem prximo daquilo que est no manual de Santos.

    Partindo destas informaes, formulou-se o seguinte objetivo de pesquisa:

    Compreender, sob o filtro dos manuais pedaggicos, as orientaes pedaggicas (nacionais/internacionais) sobre as quais se estruturou a formao de professores do ensino primrio

    nas primeiras Escolas Normais de Campo GrandeMS.

    Para alcanar este objetivo proposta uma anlise do manual Metodologia do Ensino

    Primrio, escrito por Theobaldo Miranda Santos, edio de 1952.

    1 Campo Grande atualmente capital do Mato Grosso do Sul, estado criado aps o desmembramento do estadode Mato Grosso no ano de 1977, sendo esta diviso efetivada no ano de 1979. At ento, a regio do atual estado

    do Mato Grosso do Sul fazia parte do sul de Mato Grosso que tinha como capital a cidade de Cuiab.2A Escola Normal Joaquim Murtinho, que inicialmente recebeu o nome de Escola Normal de Campo Grande,

    foi criada em 1930. Aps sete anos de sua criao, esta escola normal parou com suas atividades, voltando afuncionar, novamente, no ano de 1947.

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    Cabe ressaltar que uma simples anlise descritiva (abordagem comumente utilizada

    nas pesquisas com livros didticos, como as analisadas por OLIVEIRA, 2008) no permitiria

    que, pela anlise de um texto especfico se fizessem inferncias sobre o cenrio mais amplo

    que, aqui, se pretende compreender. Desse modo, a proposta metodolgica a ser apresentada

    nesta dissertao articula-se fundamentalmente com o objetivo traado: trata-se da

    Hermenutica de Profundidade, desenvolvida por Thompson (1995) para a anlise de formas

    simblicas, e mobilizada no contexto de anlise de livros didticos (entendidos como formas

    simblicas) por Oliveira (2008).

    No primeiro captulo, apresenta-se uma discusso sobre as escolas normais e os

    manuais pedaggicos, com o intuito de localizar a pesquisa num cenrio mais amplo que,

    adiante, contribuir para o exerccio analtico proposto pela Hermenutica de Profundidade.No segundo captulo, apresentam-se algumas consideraes terico-metodolgicas

    norteadoras desta pesquisa. Discute-se, neste momento, as dimenses da Hermenutica de

    Profundidade, como as pesquisas tm se utilizado desta metodologia e, por fim, como esta

    metodologia foi mobilizada nesta pesquisa. Neste momento, tambm, apresentado o

    conceito de paratextos editoriais desenvolvido por Grard Genette que ser utilizado como um

    instrumento para a anlise interna do manual de Santos.

    No terceiro captulo, apresenta-se a dimenso de anlise interna/formal daHermenutica de Profundidade com uma anlise descritiva do manual de Theobaldo Miranda

    Santos.

    No quarto, captulo apresenta-se a dimenso scio-histrica da Hermenutica de

    Profundidade. Neste momento, so investigadas as condies sociais, polticas, estruturais e

    institucionais de produo do manual Metodologia do Ensino Primrio. Realiza-se

    juntamente com esta dimenso de anlise a (re) interpretao desta obra.

    Na sequncia, o texto Algumas consideraes: fotografias de um filme emconstruo traz um olhar acerca do processo investigativo sobre as orientaes pedaggicas

    presentes na formao de professores primrios no sul de Mato Grosso luz de Theobaldo

    Miranda Santos. Nessas consideraes, buscou-se uma articulao, sempre provisria, das

    potencialidades da hermenutica de profundidade e seus diferentes movimentos analticos

    para esta pesquisa.

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    1 Escolas Normais e os Manuais Pedaggicos

    Com o objetivo de analisar quais orientaes pedaggicas influenciaram a formao

    de professores nas primeiras escolas normais de Campo Grande MS, estruturou-se uma

    breve discusso sobre as escolas normais e os manuais pedaggicos, apresentando indcios do

    que, em geral, as pesquisas tm investigado sobre tais temas, procurando esclarecer as

    intenes desta pesquisa.

    1.1Um pouco sobre as Escolas Normais

    A preocupao com a instruo popular, efetivada a partir da Revoluo Francesa no

    fim do sculo XVIII, desencadeou a implantao de vrias escolas, sob a responsabilidade do

    Estado, voltadas para o ensino primrio e secundrio. Juntamente com a expanso destes

    estabelecimentos de ensino, a necessidade de preparar professores capacitados que pudessem

    assumir as salas de aula tambm se intensifica, acarretando a criao de estabelecimentos

    voltados para a formao dos professores. Estes estabelecimentos foram denominados Escolas

    Normais. Ao discutir os motivos que levaram estes estabelecimentos a receberem tal

    denominao, Schaffrath (2008) aponta que:

    Segundo Maria Isabel Giner (1985), Frederico II da Prssia (Alemanha),depois da Guerra dos Sete Anos, decidiu compor um novo sistemaeducacional onde o ensino fosse obrigatrio e houvesse normas para aformao de professores. Foi ento que os seminrios franceses destinados formao docente foram designados com o nome de Escolas Normais. (p.147)

    O primeiro estabelecimento que recebeu este nome foi criado na Frana em 1795 3, e,

    no decorrer do sculo XIX, se espalhou pelas grandes sociedades europeias e Estados Unidos,

    se tornando importantes centros de formao docente (SCHAFFRATH, 2008).

    A primeira escola normal no Brasil foi criada em Niteri, no ano de 1835, na

    provncia4 do Rio de Janeiro. Em 1847, esta instituio se uniu a outras duas formando o

    Liceu Provincial que encerrou suas atividades em 1851 (SCHAFFRATH, 2008).

    3

    A primeira Escola Normal criada na Frana, no ano de 1795, teve uma curta durao, sendo suprimida apsquatro meses de funcionamento.4 Provncia a denominao dada a cada uma das grandes reas administrativas em que o territrio brasileiro sedividia no perodo do Imprio desde o fim das Capitanias Hereditrias.

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    Aps a abertura da escola normal em Niteri, outras provncias do Imprio tambm

    criaram suas escolas normais. Estas escolas passaram por vrios momentos de instabilidade,

    sendo que elas ora eram criadas, ora extintas, at comearem a se estabelecer a partir da

    dcada de 1870.

    Em Mato Grosso, segundo Tanuri (2000), a primeira Escola Normal foi criada em

    1874. Porm, segundo Marcilio (1963) e Castanha (2008), j em 1840, foi instalada a escola

    normal nesta provncia. Esta escola normal teve pouco tempo de durao, encerrando suas

    atividades em novembro de 1844.

    A partir das ltimas dcadas de existncia do Imprio (1870 a 1890) at as trs

    primeiras dcadas do sculo XX (1900 a 1920), as escolas normais se expandiram por todo o

    pas. O currculo das escolas normais, que inicialmente se limitava aos contedos de ensinoprimrio e apreenso de mtodos de ensino, passa a ganhar uma maior complexidade. O

    modelo de escola normal estabelecido pelo estado de So Paulo tornou-se referncia para

    implantao e organizao do ensino normal em vrios estados do Brasil. Isto se deu,

    conforme Tanuri (2000), pelo envio de grupos de pessoas para estudarem o funcionamento da

    instruo pblica em So Paulo e, tambm, pelas contrataes de professores paulistas

    visando organizao do ensino em seus estados.

    A partir da dcada de 1930, as escolas normais, impulsionadas pelos movimentoseducacionais, se consolidam como importantes centros de formao de professores para o

    ensino primrio, ocorrendo, neste perodo, um aumento na criao de estabelecimentos desta

    natureza e o surgimento dos primeiros Institutos de Educao5.

    As escolas normais permanecem, at o final da dcada de 1960, como os principais

    estabelecimentos de formao de professores primrios. Porm, no incio da dcada seguinte,

    em 1971, com a publicao da lei n 5.692/71 de Diretrizes e Bases da Educao, conforme

    aponta Saviani (2009), as escolas normais desaparecem, instituindo-se, em seu lugar, ahabilitao especfica de 2 grau para o exerccio do magistrio de 1 grau.

    Como se pode perceber, as escolas normais assumiram papel fundamental na formao

    de professores no Brasil e, portanto, tm despertado o interesse de vrios pesquisadores que

    buscam compreender a histria da formao de professores no pas.

    5Institutos de Educao foram centros de formao de professores primrios criados no incio da dcada de 1930.

    Os principais institutos de educao do Brasil foram criados no Distrito Federal (atual municpio do Rio deJaneiro) e no estado de So Paulo. O Instituto do Distrito Federal era formado por uma Escola Secundria, umaEscola de Professores e uma Escola de Aplicao. Ambas as instituies acabaram por ser incorporadas sUniversidades criadas nestas duas regies.

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    As pesquisas que vm sendo desenvolvidas sobre as escolas normais tm se dedicado

    ao estudo da implantao, institucionalizao e consolidao das escolas normais nos estados

    brasileiros (RODRGUEZ; OLIVEIRA, 2008; KULESZA, 1998; CASTANHA, 2008); das

    polticas educacionais e de formao de professores (TANURI, 2000; SAVIANI, 2009), dos

    interesses das elites pela implantao destas escolas nos estados (SCHAFFRATH, 2008).

    Nesta pesquisa, ao estudar as escolas normais, tem-se como inteno, a partir da

    anlise do manual pedaggico, contribuir para a compreenso acerca da formao de

    professores do ensino primrio no pas, focando, especificamente, as escolas normais de

    Campo Grande, atualmente, capital de Mato Grosso do Sul.

    A primeira escola normal da cidade de Campo Grande, que neste perodo fazia parte

    do estado do Mato Grosso, foi criada em 1930, denominando-se Escola Normal JoaquimMurtinho. Esta escola normal funcionou at 1937 quando, devido s reformas realizadas pelo

    Interventor Federal Julio Strubing Muller, foi fechada. Neste mesmo perodo foi aberta outra

    escola normal em Campo Grande, a Escola Normal Dom Bosco que funcionou junto ao

    Colgio Nossa Sra. Auxiliadora, sob a responsabilidade de uma misso de freiras da Igreja

    Catlica. Esta escola normal, pouco tempo depois, tambm encerrou as suas atividades.

    As escolas normais somente voltaram a funcionar no estado de Mato Grosso, dez anos

    aps 1937, durante a interveno de Jos Marcelo Moreira6

    . Em Campo Grande, duas escolasnormais so (re) abertas: a Escola Normal Joaquim Murtinho, que j tinha funcionado

    anteriormente; e a Escola Normal Nossa Sra. Auxiliadora que foi criada no mesmo colgio da

    extinta Escola Normal Dom Bosco.

    Ao iniciar estudos mais pontuais sobre as escolas normais de Campo Grande, a partir

    do seu reestabelecimento, foi localizado nas portarias n 4/1953 e 2/1955 (pertencentes aos

    arquivos da antiga Escola Normal Joaquim Murtinho, localizados em Escola Estadual de

    mesmo nome) a indicao dos manuais adotados para a formao de professores primrios,conforme mostram as figuras abaixo.

    6Jos Marcelo Moreira foi Interventor Federal do Estado de Mato Grosso (1946 1947) durante o incio demandato do presidente Eurico Gaspar Dutra. Manteve-se como Interventor at ser substitudo pelo GovernadorArnaldo Estvo de Figueiredo, eleito por meio de eleies diretas.

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    Figura 1Livro de portarias da Escola Normal Joaquim Murtinho em 19537.

    Fonte: Arquivo Escola Estadual Joaquim Murtinho.

    7Escola Normal Joaquim Murtinho

    Portaria 4/953

    Usando das atribuies que lhe so conferidas pelo Regulamento baixado com o Dec. n 590 de 31-12-48apresenta a relao dos livros adotados no ano letivo de 1953:DesenhoRafael RotondaroEconomia domsticaIzabel de Almeida SerranoTrabalhos ManuaisBertha SchulrelterMetodologia do Ensino PrimrioTheobaldo Miranda SantosManual do Ensino PrimrioTheobaldo Miranda SantosPrticas Escolares: Antnio DAvilaPrtica de EnsinoT. Miranda SantosHistria Geral e do BrasilJoaquim SilvaSociologia Educacional - Amaral Fontoura e Delgado de CarvalhoBiologia Aplicado EducaoAristides Ricardo

    Portugus para o GinsioJos Cretila JniorGeografia do BrasilAroldo de AzevedoPetite Historie de la Literature FranaiseLuiz A. P. VitoriaLingua PortugusaClvis Leite Ribeiro, Felipe Jorge, Jos Loureno e Walter Wey

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    Figura 2Livro de portarias da Escola Normal Joaquim Murtinho ano 19558.

    Fonte: Arquivo Escola Estadual Joaquim Murtinho.

    8Escola Normal Joaquim Murtinho

    Portaria 2/1955

    Usando das atribuies que lhe so conferidas pelo Regulamento baixado como Dec. n 590 de 31-12-1948apresenta a relao dos livros adotados no ano letivo de 1.955.DesenhoOlavo FreireArte AplicadaPortugusCurso Normal de Aida CostaAnatomia e Fisiologia Humanas e Noes de Higiene de Carlos CostaDidtica de Minina de Rafael GrisiHigine e Puericultura, de Valdemar de OliveiraPsicologia Educacional Guerino CasasantaPrticas Escolares de Antnio dvilaFundamentos Sociais de Educao de Delgado de Carvalho e Amaral NogueiraMetodologia do Ensino Primrio de Teobaldo de MirandaFrancs de Maria Junqueira SmithIngls Amlia Ken

    Msica deMatemtica de Elemento Aritemetico de F. T. D.Desenho e Caligrafia deHistria do Brasil de

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    Como se v, os manuais escritos por Theobaldo Miranda Santos aparecem nos dois

    anos (1953 e 1955). Entre estes manuais, o manual Metodologia do Ensino Primrio merece

    especial ateno nesta pesquisa, pois por meio deste material que as orientaes sobre os

    mtodos de ensino chegaram ao mbito desta e, possivelmente, da outra escola normal9 que se

    estabeleceu nesta cidade.

    1.2 Manuais pedaggicos

    Os manuais pedaggicos foram importantes instrumentos de formao de professores

    para o ensino primrio. A histria desses manuais est vinculada histria da formao de

    professores e, como parte desse contexto, so importantes fontes de pesquisa para acompreenso de como os seus autores assimilaram as principais ideias pedaggicas, didticas

    e metodolgicas, bem como as orientaes curriculares governamentais que circulavam no

    mbito da educao de determinado perodo. Desse modo, os manuais pedaggicos

    funcionaram como uma espcie de filtro, em que os autores estruturaram aquilo que, segundo

    suas concepes, era a sntese dos mais importantes e necessrios conhecimentos para a

    formao de professores capacitados para o exerccio de sua profisso (VALDEMARIN;

    CAMPOS, 2007; SILVA, 2002; SILVA 2007).Os autores, ao apresentarem os trabalhos de pedagogos, psiclogos, filsofos,

    bilogos, etc. nos manuais pedaggicos, defenderam posies, indicaram mtodos,

    apontando-os como os melhores modos de se trabalhar determinado contedo, apresentaram

    objetivos e valores para o ensino de determinado contedo, agindo no como divulgadores

    passivos das pesquisas, mas ativos, indicando, na escrita do manual pedaggico, suas

    concepes de ensino, de escola, de mtodo, principalmente pelo fato de serem profissionais,

    que de uma forma ou outra, estiveram envolvidos com o ensino primrio (VALDEMARIN;CAMPOS, 2007; SILVA, 2002; SILVA, 2007). Por esse motivo, estes autores estabeleceram,

    por meio de seus manuais, uma influncia sobre a maneira de se pensar e realizar a educao

    por parte de futuros professores. Deste modo, os manuais pedaggicos colaboraram para a

    consolidao de prticas escolares que esto presentes at hoje nestas instituies de ensino.

    (SILVA 2007).

    9Alm destas atas que apontam o uso do manual Metodologia do Ensino Primrio, foi encontrado um cadernode uma ex-aluna da Escola Normal Nossa Senhora Auxiliadora, em que se encontra um contedo bem prximodaquele encontrado no manual de Santos. Por esse motivo, acredita-se na possibilidade deste manual ter sidotambm utilizado nesta escola normal.

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    Como toda produo simblica10, os manuais pedaggicos, ao se referirem ao ensino,

    incorporaram concepes de vida, de ensino e de valores de seus autores, influenciados,

    tambm, pelos acontecimentos sociais, polticos e econmicos que fizeram parte do seu

    contexto de produo, sofrendo, portanto, constantes transformaes desde o incio de suas

    primeiras publicaes, buscando-se adequar s exigncias educacionais de cada poca.

    Silva (2007), ao estabelecer como ponto de partida para os estudos dos manuais

    pedaggicos as publicaes no Brasil e em Portugal iniciadas no final do sculo XIX,

    distingue trs marcos referenciais de produo destes manuais. O primeiro marco abrange o

    final do sculo XIX e incio do sculo XX. Neste perodo, os manuais pedaggicos tinham a

    preocupao de passar aos futuros professores instrues a respeito da organizao escolar e,

    tambm, de prescrever de forma pontual como desenvolver o trabalho em sala de aula.O segundo marco se estabelece com o surgimento e propagao dos ideais do

    movimento conhecido como Escola Nova, a partir das primeiras dcadas do sculo XX,

    quando a pedagogia assume um carter mais cientfico e os manuais comeam a apresentar

    uma preocupao maior com os saberes referentes infncia. Com isso, os contedos

    pedaggicos passaram a ter uma influencia maior desses materiais. Os manuais no traziam

    receitas de como ensinar, mas sim a apresentao de proposio de fundamentos

    (VALDEMARIN; CAMPOS, 2007) que ajudariam o professor a tomar decises necessriaspara tal objetivo.

    O terceiro marco estabelecido a partir de meados da dcada de 1940, quando se

    inicia uma nova forma de elaborao dos manuais pedaggicos, no Brasil, identificada como a

    tecnizao do ensino (SILVA, 2002; 2007). Neste momento, os manuais pedaggicos

    voltaram a valorizar os contedos de metodologia e didtica preocupando-se com uma

    apresentao de receitas prontas de ensino enfatizando ao longo dos captulos aspectos

    relacionados ao planejamento do trabalho docente, desde a definio dos objetivos at asestratgias de transmisso de conhecimentos aos alunos e de avaliao (SILVA, 2002, p.13),

    mas, desta vez, as etapas de aprendizagem da criana permaneceram respeitadas.

    Silva (2002), ao analisar a produo e circulao de saberes nos manuais didticos do

    Brasil de 1930 a 197111, caracteriza as mudanas que ocorreram na escrita dos manuais

    pedaggicos em trs momentos: de 1930 a 1946; de 1947 a 1959; e de 1960 a 1971. O

    10 Este conceito e sua caracterizao sero discutidos em texto prprio mais adiante.11 Silva (2002) aponta que a data inicial da pesquisa define-se em funo de mudanas levadas a efeito em

    escolas normais de vrios estados no Brasil e, principalmente, de um notvel aumento de publicaes destinadasaos futuros professores. Delimitando o marco final, considera-se a promulgao da LDB, n. 5692, que substituias antigas instituies pela Habilitao Especfica para o Magistrio e ainda o fato de, nesse momento, as ediesse apresentarem por meio de recursos tipogrficos mais sofisticados (p.01).

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    primeiro momento caracterizado como o entusiasmo pelo movimento escolanovista

    (SILVA 2002; p. 11) e os autores mais citados nos manuais pedaggicos so aqueles

    pertencentes ao movimento da Escola Nova tais como John Dewey12, Ovdio Decroly13, Johan

    Friedrich Herbart14, Georg Kerschensteiner15, entre outros. O segundo momento, que ocorre

    entre 1947 a 1959, caracterizado pela proposio de metodologias de ensino (SILVA,

    2002; p. 12) quando as discusses metodolgicas comeam a receber um maior interesse por

    parte dos autores. Os nomes de John Dewey e de outros que se consagraram no movimento da

    Escola Nova continuam a ser utilizados, porm o nome de autores de manuais de didtica,

    psicologia educacional, metodologia, entre outros, comeam a ter presena na escrita desses

    manuais. O terceiro e ltimo momento, estabelecido entre 1960 e 1971, caracterizado pela

    apresentao de tecnologias a servio da eficincia das atividades pedaggicas (SILVA,2002, p. 12). Neste momento, h a predominncia das metodologias e tcnicas didticas e,

    apesar de encontrar-se ainda a citao de grandes nomes do movimento escolanovista, h um

    destaque maior para os autores que realizaram uma sntese do pensamento educacional

    (SILVA, 2002, p 09), como por exemplo, Aguayo y Sanchez16, Theobaldo Miranda Santos,

    Loureno Filho17, entre outros.

    As disputas ideolgicas entre os diferentes grupos sociais, tambm se manifestaram na

    elaborao dos manuais pedaggicos. Estes grupos sociais, ao perceberem o grande valor queos manuais pedaggicos possuam como meio de divulgao e conformao de ideais,

    investiram na escrita destes materiais na inteno de propagar as suas concepes. No Brasil,

    os manuais pedaggicos foram utilizados como instrumento de disputa entre dois grupos: os

    catlicos e os renovadores. Os renovadores inspirados pelos ideais escolanovistas de

    gratuidade, laicidade, e obrigatoriedade do ensino. Os catlicos buscando retomar os espaos

    perdidos, principalmente, no meio educacional (ALMEIDA FILHO, 2008).

    12 John Dewey, nascido no estado de Vermont, EUA, em 1859, foi um filsofo e pedagogo cujas ideiasinfluenciaram o movimento educacional conhecido como Escola Nova em vrios pases. apontado como umdos fundadores da escola filosfica do Pragmatismo.13 Ovdeo-Jean Decroly, nascido em Renaix, na Blgica, foi um mdico que, ao combater o modelo de ensino desua poca, contribui para uma renovao da teoria educacional na infncia.14 Johan Friedrich Herbart, nascido em Oldenhurgo, na Alemanha, em 1776, foi um dos precursores do projetode tomar a pedagogia como disciplina cientfica. Seus estudos mais importantes se deram no campo dafilosofia da mente.15 Georg Kerschensteiner, nascido em Munique, na Alemanha, em 1854, foi um pedagogo que estabeleceu avalorizao da inteligncia prtica na pedagogia, ops-se ao intelectualismo de Herbart.16 Alfredo Miguel Aguayo, nascido no ano de 1866, na cidade de Ponce, em Porto Rico, foi um pedagogo degrande influncia na pedagogia cubana. Trabalhou como professor na Universidade de Havana, lecionando asdisciplinas de psicologia pedaggica, histria da pedagogia e higiene escolar. Alm disso, foi autor de livros

    como:Didtica da Escola Nova ePedagogia cientfica.Sua obra foi bastante divulgada na Amrica Latina. NoBrasil suas obras foram publicadas pela Companhia Editora Nacional.17 Manuel Bergstrom Loureno Filho, nasceu em Porto Ferreira, no Estado de So Paulo, no Brasil, foi um dosrepresentantes do movimento educacional da Escola Nova no Brasil, que lutou pela renovao no ensino.

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    inquestionvel a importante contribuio dos manuais pedaggicos na formao de

    professores destinados ao ensino primrio e da conformao de conhecimentos e prticas

    difundidos por estes, mas deve-se considerar que, da mesma forma que os manuais so uma

    interpretao de seus escritores baseados em suas concepes pedaggicas, os professores das

    Escolas Normais e os futuros professores do ensino primrio, tambm exerceram a sua

    interpretao sobre as orientaes contidas nestes manuais, concordando ou discordando

    destas.

    Nesta pesquisa, procurar-se-, por meio da Hermenutica de Profundidade,

    desenvolvida por John B. Thompson e proposta como sensibilidade metodolgica para a

    anlise de textos didticos por Oliveira (2008), identificar traos das orientaes pedaggicas,

    presentes no manual Metodologia do Ensino Primrio, de Theobaldo Miranda Santos,indicadas para a formao de professores nas escolas normais de Campo Grande. Como j foi

    apontado, este manual foi utilizado, na dcada de 1950, na formao dos professores

    primrios da Escola Normal Joaquim Murtinho e, possivelmente, na Escola Normal Nossa

    Sra. Auxiliadora18.

    Esta pesquisa soma-se aos esforos que vm sendo desenvolvidos pelo grupo Histria

    da Educao Matemtica em Pesquisa, que tem procurado mapear a formao de professores

    que ensinam matemtica no estado do Mato Grosso do Sul.

    18 Conforme j apontado em nota de rodap anterior, foi encontrado um caderno de uma ex-aluna desta EscolaNormal que contm contedo bem semelhante ao contedo presente no manual de Theobaldo Miranda Santos.

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    2 A Hermenutica de Profundidade como referencial terico-metodolgico

    Toda pesquisa, e mais especificamente, a pesquisa em histria da educao

    matemtica, baseia-se em pressupostos tericos e metodolgicos que fundamentam a maneira

    pela qual o pesquisador entende e faz a sua pesquisa. Por esse motivo, abordar-se-o, a seguir,

    discusses que tm como inteno situar o leitor sobre os pressupostos/concepes que

    fundamentam esta pesquisa.

    Bolvar et al. (2001), ao discutir as diferenas entre as pesquisas com abordagens

    qualitativas e quantitativas, aponta como principal diferena a forma como fazem emergir a

    teoria. Segundo ele, enquanto nas pesquisas quantitativas [...] as categorias esto

    previamente selecionadas coleta dos dados, [...], de tal forma que de antemo se determina

    que dimenses ou eventos so instncias de uma categoria de interesses [...] 19(BOLVAR et

    al., 2001, p. 106, traduo nossa),nas pesquisas qualitativas se [...] coloca a nfase na

    construo ou gerao indutiva de categorias que permitem dar uma identidade categorial e

    classificao aos dados recolhidos20 (BOLVAR et al., 2001, p. 106, traduo nossa).

    Partindo desta diferenciao, caracteriza-se esta pesquisa como seguindo uma abordagem

    qualitativa, pois a partir da compreenso dos contextos de produo e recepo do manual

    Metodologia do Ensino Primrio que se procurar entender a influncia e o papel das

    orientaes pedaggicas que chegaram, sob o filtro dos manuais pedaggicos, s escolas

    normais de Campo Grande. Alm disso, ao estabelecer previamente as categorias, conforme

    propem as abordagens quantitativas, passa-se a ideia da existncia de um significado latente,

    que espera a ao do pesquisador para ser encontrado. Esta viso ingnua e desconsidera o

    papel ativo do pesquisador sobre o que (e o modo pelo qual) investiga. Inscrever esta pesquisa

    numa abordagem qualitativa significa, tambm, reconhecer que a objetividade como anulao

    daquele que pesquisa, proposta pela viso positivista, ilusria e impossvel de ocorrer numapesquisa. A busca para que a viso do pesquisador no afete o objeto de investigao , em

    princpio, falha, pois esse objeto constitui-se frente ao pesquisador pelos filtros de seu

    olhar. A prpria fonte, torna-se documento frente a intencionalidade e a mobilizao do

    pesquisador.

    Esta pesquisa, alm de pautar-se por abordagem qualitativa, se insere no campo da

    Histria da Educao Matemtica. Realizar uma pesquisa historiogrfica pressupe um

    19 [...] las categorias estn previamente selecionadas a la recogida de los datos, [...], de tal forma que deantemano se determina qu dimensiones o sucesos son instancias de uma categoria de inters [...].20 [...] se pone el nfasis em la construccin o genera cininductiva de categorias, que permitan aportar unaidentidade categorial y classificacin a los datos recogidos.

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    reconhecimento de que no s as questes e os mtodos que conduzem as investigaes so

    do presente, quanto so os indivduos de um passado que j no existe (BLOCH, 2001). Os

    indcios deixados pelo passado so articulados em tramas chamadas de verses histricas.

    Estas, por sua vez, no so criaes descompromissadas, mas sim construes plausveis que

    se baseiam em documentos produzidos pelo pesquisador21 (ALBUQUERQUE JUNIOR,

    2007). Desse modo, o exerccio historiogrfico envolve uma articulao daquilo que o

    investigador interpreta dos signos deixados pelo passado e por ele identificados como tais no

    presente (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007).

    Dentro deste exerccio historiogrfico, com objetivo de compreender quais orientaes

    pedaggicas chegaram s escolas normais de Campo Grande por meio dos manuais

    pedaggicos, tornou-se necessrio a procura por uma metodologia que possibilitassedesenvolver esta investigao abrangendo no apenas a estrutura interna desses materiais,

    como exemplo, as teorias que so abordadas e a forma de apresentao escolhida pelos

    autores, mas, tambm, o seu contexto de produo, sendo este entendido como as influncias

    externas recebidas no decorrer da elaborao e utilizao deste material, tais como, as

    orientaes governamentais, as tendncias educacionais que estavam em alta naquele

    momento, como era trabalhado o manual pedaggico pelos professores etc. Encontrou-se na

    Hermenutica de Profundidade de Thompson (HP) uma metodologia que se enquadra nospressupostos de investigao citados anteriormente. A seguir, apresentar-se- em que consiste

    esta metodologia, procurando pontuar como a HP permite a esta pesquisa, para alm da

    compreenso e anlise do manual, uma compreenso da formao de professores nas escolas

    normais em Campo Grande.

    2.1 A Hermenutica de profundidade de Thompson (HP)

    Thompson, em seu livro Ideologia e Cultura Moderna: Teoria social crtica na era

    dos meios de comunicao de massa, de 1995, na inteno de contribuir para o que, segundo

    ele, uma tarefa permanente de desenvolver uma teoria crtica das sociedades modernas

    (THOMPSON, 1995 p. 425), afirma que o desenvolvimento dos meios de comunicao de

    massa contribuiu de maneira significativa para o desenvolvimento das sociedades modernas,

    assumindo a midiao da cultura como uma das caractersticas constitutivas dessas

    21 Trata-se do posicionamento de que o pesquisador cria ou constitui determinado indcio como documento emum processo de significao. A criao material de documentos tambm participa desse processo, como, porexemplo, no caso de fontes orais (antes inexistentes) produzidas em situaes de entrevista.

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    sociedades. Para Thompson (1995), a expresso midiao da cultura entendida como o

    processo geral atravs do qual a transmisso das formas simblicas se tornou sempre mais

    mediada pelos aparatos tcnicos e institucionais das indstrias da mdia (p. 12). Este autor

    afirma que as pesquisas interessadas no desenvolvimento das sociedades industriais,

    modernas ou no, no se atentaram para essa caracterstica constitutiva das sociedades

    modernas, ou no desenvolveram um trabalho satisfatrio em torno deste tema.

    Thompson, ao desenvolver as suas argumentaes, analisa as concepes de cultura e

    de ideologia que existem/existiram discutindo como estes conceitos surgiram, se

    estabeleceram e se modificaram no decorrer dos sculos e, por fim, elabora a sua prpria teia

    argumentativa. Ao desenvolver a sua concepo acerca da cultura, afasta-se do carter

    restritivo imposto pela concepo clssica22 de cultura, que privilegia trabalhos e valores dealguns em detrimento de outros. Difere-se, tambm, da concepo descritiva23 ao considerar

    o conceito de cultura estabelecido por esta vertente, vago, em alguns usos, e em outros,

    redundante. Por fim, distancia-se da concepo simblica24, ao considerar que o conceito de

    cultura estabelecido por esta vertente, alm de outras dificuldades, no d ateno devida aos

    contextos sociais estruturados dentro dos quais os fenmenos culturais so produzidos,

    transmitidos e recebidos (THOMPSON, 1995, p. 180). Ao elaborar a sua concepo de

    ideologia, busca fugir de um vis que considera a ideologia como uma espcie de cimentosocial, no sentido de manter estveis as sociedades. Para Thompson existem poucos

    fundamentos e evidncias que garantam esta estabilidade. O autor tenciona fugir, tambm, da

    ideia de atribuir s formas simblicas o carter ideolgico prprio destas. Na sua viso, as

    formas simblicas serem ideolgicas, depende da maneira pela qual so usadas e como so

    entendidas em contextos sociais especficos. Distingue-se, tambm, de outras concepes, ao

    considerar a ideologia no apenas em relao s formas de poder institudas no estado

    moderno. Alm destas, considera as relaes de poder e dominao que esto mais presentes

    22 Nesta concepo, segundo Thompson (1995) o conceito de cultura definido como o processo dedesenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas, um processo facilitado pela assimilao de trabalhosacadmicos e artsticos e ligado ao carter progressista da era moderna (p. 170). Esta concepo vincula-se, nosomente, mas principalmente, aos filsofos e historiadores alemes do sculo XVIII.23 Nesta concepo, cultura de maneira geral o conjunto de crenas, costumes, idias e valores, bem como osartefatos, objetos e instrumentos materiais, que so adquiridos pelos indivduos enquanto membros de um grupoou sociedade (THOMPSON, 1995, p. 173). Esta concepo est ligada pesquisadores como Tylor, professorde Antropologia na Universidade de Oxford, no final do sculo XIX; Malinowski, antroplogo pertencente aoincio do sculo XX; entre outros.24 Esta concepo de cultura identificada por Thompson iniciou-se nos trabalhos de L. A. White, e foi colocado

    no cenrio da Antropologia por Clifford Geertz. De acordo com essa concepo, segundo Thompson (1995) oconceito de cultura o padro de significados incorporados nas formas simblicas, que inclui aes,manifestaes verbais, e objetos significativos de vrios tipos, em virtude dos quais os indivduos comunicam-seentre si e partilham suas experincias concepes e crenas.

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    nos contextos sociais das pessoas e que, segundo o autor, so, muitas vezes, mais importantes

    para os indivduos. Evita-se, por fim, em sua concepo, a ideia de que a ideologia uma

    iluso, uma distoro do real. Esses conceitos, discutidos e reelaborados por este autor,

    so de extrema importncia no desenvolvimento do referencial metodolgico para a anlise

    das formas simblicas mediadas pelos meios de comunicao.

    Ao denominar a sua concepo de cultura como estrutural, afirma que os fenmenos

    culturais so as

    formas simblicas em contextos estruturados e, portanto, analisar a cultura consisteno estudo das formas simblicas isto , aes, objetos e expresses significativasde vrios tipos em relao a contextos e processos historicamente especficos esocialmente estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formassimblicas so produzidas, transmitidas e recebidas (1995, p.181).

    Thompson concebe ideologia como sendo as maneiras como o sentido25, mobilizado

    pelas formas simblicas, serve para estabelecer e sustentar relaes de dominao26 [...]

    (1995, p. 79). Segundo este autor, estudar a ideologia27 seria procurar compreender como as

    formas simblicas esto sendo mobilizadas para criar, fixar, estabilizar, manter e reproduzir as

    relaes de dominao sempre considerando o contexto no qual est inserida a forma

    simblica, pois esta no ideolgica em si mesma.

    O autor mobiliza os conceitos de ideologia e cultura para analisar discursos

    veiculados em meios de comunicao de massas (CARDOSO, 2009, p. 26). Segundo

    Cardoso (2009), a anlise de um discurso uma anlise cultural, que foca as formas

    simblicas, em relao aos contextos que as produzem, transmitem e recebem (p. 26),

    procurando sempre identificar como as formas simblicas so mobilizadas para estabelecer e

    manter relaes de dominao.

    25 Thompson diz que o sentido no qual est interessado o sentido das formas simblicas que esto inseridasnos contextos sociais e circulando no mundo social (1995, p. 79).26Para Thompson uma relao de dominao quando h relaes sistematicamente assimtricas de poder.Poder a capacidade que possibilita ou capacita alguns indivduos a tomarem decises, e perseguirem certosfins ou realizarem interesses [...]. (1995, p. 199).27 Thompson classifica a ideologia em dois tipos de concepes: a neutra, e a crtica. Segundo Thompson, asconcepes neutras so aquelas que tentam caracterizar fenmenos como ideologia, ou ideolgicos, semimplicar que estes fenmenos sejam, necessariamente, enganadores e ilusrios, ou ligados com os interesses dealgum grupo em particular.(1995, p. 72). J as concepes crticas, segundo o mesmo autor, so aquelas que

    possuem um sentido negativo, crtico ou pejorativo [...] implicam que o fenmeno caracterizado como ideologia ou ideolgico enganador, ilusrio ou parcial; e a prpria caracterizao de fenmenos como ideologiacarrega consigo um criticismo implcito ou a prpria condenao destes fenmenos. (1995, p. 73). A respeito

    desta ltima classificao, o autor distingue quatro critrios de negatividade que compem, ou no, asconcepes que se enquadram nela. Segundo ele, a ideologia pode: ser abstrata ou impraticvel, ser errnea ouilusria, expressar interesses dominantes ou sustentar relaes de dominao. Ainda, conforme o autor aponta, asua formulao sobre a ideologia se enquadra dentro da concepo crtica.

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    Thompson, aps estabelecer o que chama de uma viso terica geral sobre cultura,

    ideologia e meios de comunicao de massa, discute mais detalhadamente o referencial

    denominado Hermenutica de Profundidade, por meio do qual podero ser analisadas as

    formas simblicas em seus contextos scio-histricos, considerando, tambm, a estrutura

    interna dessas formas.

    Formas simblicas, para o autor, so as aes e falas, imagens e textos, que so

    produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtos significativos

    (1995, p. 79). As formas simblicas so caracterizadas por cinco aspectos, a saber: o

    intencional, o convencional, o estrutural, o referencial, e o contextual. Os quatro primeiros

    aspectos se referem ao significado assumido pela forma simblica, e o quinto aspecto nos

    direciona para suas caractersticas socialmente estruturadas.Uma forma simblica possui um aspecto intencional, pois em sua criao sempre h

    uma inteno, um interesse. Estas criaes so produzidas por um sujeito e direcionadas para

    um sujeito. Com relao a este aspecto, Thompson levanta algumas consideraes

    importantes de serem discutidas aqui. Primeiramente, o fato de um sujeito ser capaz de agir

    intencionalmente no quer dizer que ele

    [...] produziu este objeto intencionalmente, ou que esse objeto o que o sujeitopretendia produzir; ao invs disso, dizer, simplesmente, que esse objeto foiproduzido por, ou que foi percebido como produzido por, um sujeito sobre quem[poder-se-ia] dizer, em certas ocasies, que fez isso intencionalmente.(THOMPSON, 1995, p. 184)

    Uma segunda considerao levantada por Thompson diz respeito ao significado.

    Segundo o autor, o significado de uma forma simblica, ou dos elementos constitutivos de

    uma forma simblica, no necessariamente idntico quilo que o sujeito-produtor

    tencionou ou quis dizer ao produzir a forma simblica (THOMPSON, 1995, p. 185).

    Assim, textos (orais, escritos ou imagticos) so significados por seus leitores de modo nodeterminante ou plenamente explicvel em relao inteno de dizer de seu autor.

    As formas simblicas possuem um aspecto convencional, pois ao serem produzidas

    seguem (ou so influenciadas por) padres, regras, cdigos ou convenes estabelecidas pelas

    instituies sociais, que se relacionam diretamente com esta no decorrer da sua elaborao.

    Pode-se tomar como exemplo um advogado produzindo uma petio ao juiz. Ele deve seguir

    as regras estabelecidas pelo frum para a elaborao de tal documento, deve entregar esta

    petio num prazo determinado, ao mesmo tempo este advogado deve estar atento s normasgramaticais e ortogrficas da lngua na qual ele est inserido, deve, tambm, estar de acordo

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    com o rgo que regulamenta a sua profisso no pas. A quebra de uma destas regras pode

    trazer consequncias graves ao processo defendido por este advogado e, at mesmo, a ele

    prprio.

    Thompson faz uma distino entre as regras, cdigos e convenes envolvidos na

    produo, construo e emprego de formas simblicas, de um lado, e aquelas envolvidas na

    interpretao das formas simblicas pelos sujeitos que a recebem, do outro (1995, p. 186). O

    primeiro denominado pelo autor como regras de codificao, o segundo denominado

    como regras de decodificao. O uso dessa terminologia no traz consigo, entretanto, a

    ideia de que, ao ser codificado, um texto passa a ter um significado inerente a ser desvelado

    pelo leitor. Assume-se, aqui, o pressuposto de que os indcios materiais de um texto marcam

    um certo regime de plausibilidade, mas as significaes so mltiplas e no h determinismona relao codificao e decodificao. O prprio autor assume que estes dois conjuntos

    de regras no necessariamente coexistem. Uma forma simblica produzida seguindo

    determinadas regras e convenes pode ser decodificada de maneiras distintas. Pode ser at

    que algo que foi codificado jamais venha ser decodificado, ou algo que nunca tenha sido

    codificado venha o ser decodificado28.

    O terceiro aspecto caracterstico das formas simblicas o aspecto estrutural. Para

    Thompson, isso significa que as formas simblicas so construes que exibem umaestrutura articulada (1995, p. 187). Portanto, as formas simblicas possuem elementos

    internos bem articulados entre si com o objetivo de dar algum significado ao que se quer

    transmitir. esse aspecto que d condies de analisar internamente uma forma simblica.

    Thompson distingue entre a estrutura de uma forma simblica, de um lado, e o

    sistema que est corporificado em uma forma simblica particular, de outro (1995, p.187).

    Para realizar a anlise da estrutura de uma forma simblica indica-se analisar os elementos

    que a compe identificando as relaes estabelecidas entre esses elementos. Para analisar osistema que est corporificado em uma forma simblica, deve-se concentrar os esforos em

    perceber como se d a reunio dos elementos que formam um conjunto coerente entre si. O

    primeiro tipo de anlise contribui para a compreenso do segundo, assim como o segundo

    contribui para a compreenso do primeiro.

    Mesmo que as anlises citadas anteriormente sejam importantes para uma melhor

    compreenso do significado transmitido pelas formas simblicas (THOMPSON, 1995, p.

    188), elas ainda so limitadas. So limitadas pois, apesar das formas simblicas terem uma

    28Essa situao ocorre quando um indivduo interpreta eventos ou padres naturais como sendo, ou que socausados por, um ser sobrenatural, ou divino.

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    estrutura interna, elas tambm referem-se a algo ou algum que jamais se identificar com o

    significado. Outra limitao desse tipo de anlise se deve ao fato de no contemplar o aspecto

    contextual da forma simblica, ou seja, as relaes e influncias em que essas formas esto

    inseridas.

    O quarto aspecto caracterstico das formas simblicas o aspecto referencial. As

    formas simblicas, ao serem construdas, sempre tm a finalidade de se referir, representar e

    dizer algo sobre determinada coisa. Pode-se tomar como exemplo o livro didtico de

    matemtica que, segundo Oliveira (2008), tem como objeto referencial a educao

    matemtica.

    O quinto e ltimo aspecto das formas simblicas o aspecto contextual. As formas

    simblicas so construdas em contextos sociais historicamente estabelecidos e levam em si asmarcas das relaes sociais existentes neste ambiente. Alm disso, as formas simblicas

    tambm so recebidas por indivduos inseridos em contextos sociais que podem se diferenciar

    daquele no qual a forma simblica foi produzida. Compreender, ou no, uma forma simblica

    depende das capacidades e dos recursos que o indivduo capaz de empregar para

    realizar a interpretao.

    At aqui foram discutidos os principais aspectos que constituem uma forma simblica.

    A partir deste momento, apresentar-se- a metodologia proposta por John B. Thompson,conhecida como a Hermenutica de Profundidade.

    Thompson, fundamentado nos estudos de Dilthey, Heidegger, Gadamer, e Ricoeur,

    estabelece algumas condies que devem ser consideradas ao se trabalhar com a hermenutica

    em uma investigao scio-histrica. A primeira condio nos revela que estudar as formas

    simblicas um problema de compreenso e interpretao, pois e las so produes

    significativas.

    A anlise formal ou interna da forma simblica no rejeitada por Thompson, eleafirma a importncia desta forma de anlise, mas esclarece que esta parcial por no

    contemplar o fato de que as formas simblicas so produes significativas e que trazem

    inevitavelmente problemas qualitativamente distintos de compreenso e interpretao

    (1995, p. 358).

    Outra importante condio a ser considerada se refere ao fato de que o analista social,

    ao interpretar uma forma simblica, pode estar interpretando algo j interpretado pelos

    sujeitos que produziram o campo-objeto em que a forma simblica est inserida.

    Deve-se considerar que os sujeitos que constituem o campo-sujeito-objeto so, como

    os prprios analistas sociais, sujeitos capazes de compreender, de refletir e de agir

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    fundamentados nessa compreenso e reflexo (THOMPSON, 1995, p. 359). Neste sentido,

    os sujeitos pertencentes ao campo-objeto no so indivduos passivos que aceitam as

    situaes sem levantarem questionamentos, muito pelo contrrio, eles aceitam, refutam,

    questionam, sendo possvel at a transformao do campo no decorrer do processo de

    apropriao.

    Por fim, a hermenutica nos lembra que os sujeitos que constituem parte do mundo

    social esto sempre inseridos em tradies histricas (THOMPSON, 1995, 360). Estes

    sujeitos so influenciados por valores e tradies que so passados de gerao em gerao. A

    construo do novo sempre histrica, baseia-se em resduos do passado, seja por

    aproximao ou afastamento.

    Para analisar as Formas Simblicas, Thompson distingue trs exerccios emarticulao: a Anlise Scio-Histrica, a Anlise Formal ou Discursiva e

    Interpretao/Reinterpretao.

    2.1.1 Anlise Scio-Histrica

    Realizar uma anlise scio-histrica de uma forma simblica consiste em reconstruir

    as condies sociais e histricas de produo, circulao e recepo das formas simblicas(THOMPSON, 1995, 366). Nesta dimenso, busca-se compreender as condies nas quais a

    forma simblica foi produzida, quais as intenes por trs de sua construo, que instituies

    esto interessadas na sua produo, quais foram as condies de recepo da forma simblica.

    Dentro da anlise scio-histrica, Thompson apresenta cinco dimenses de anlise

    distintas. A primeira a ser apresentada so as situaes espao-temporais.

    As formas simblicas so produzidas [...] e recebidas [...] por pessoassituadas em locais especficos, agindo e reagindo a tempos particulares e alocais especiais, e a reconstruo desses ambientes uma parte importanteda anlise scio-histrica. (THOMPSON, p.366)

    Uma segunda dimenso estabelecida pelo autor se refere aos campos de interao nos

    quais a forma simblica est inserida. Estes campos de interao so um espao de posies,

    ou um conjunto de trajetrias que oportunizam relaes e acessibilidades diferentes a pessoas

    diferentes.

    As instituies sociais so a terceira dimenso de anlise estabelecida por Thompson.

    Para o autor, as instituies sociais podem ser vistas:

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    Como conjuntos relativamente estveis de regras e recursos, juntamente comrelaes sociais que so estabelecidas por eles. [...] Analisar instituies sociais reconstruir os conjuntos de regras, recursos e relaes que as constituem, traar seudesenvolvimento atravs do tempo e examinar as prticas e atitudes das pessoas queagem a seu favor e dentro delas. (THOMPSON, 1995, p. 367).

    A quarta dimenso a anlise das estruturas sociais. Thompson emprega este conceito

    para se referir s assimetrias e diferenas relativamente estveis que caracterizam as

    instituies sociais e os campos de interao. Analisar a estrutura social identificar as

    assimetrias, as diferenas e as divises. (THOMPSON, 1995, p. 367)

    A quinta e ltima dimenso de anlise apresentada pelo autor envolve os meios

    tcnicos de construo e transmisso das formas simblicas. O meio tcnico pode ser um

    papel, uma pedra, a lngua, os gestos ,e dependendo do meio tcnico utilizado, consegue-se

    um maior, ou menor grau de reproduo e fixidez29, e uma maior ou menor possibilidade de

    participao para os sujeitos que utilizam o meio: a leitura de um livro, por exemplo, exige

    conhecimentos diferentes daqueles que so necessrios para assistir um programa de

    televiso.

    2.1.2 Anlise Formal

    A segunda dimenso de anlise de uma forma simblica denominada por Thompson

    como anlise formal ou discursiva. Esta dimenso possvel, pois as formas simblicas

    possuem uma estrutura articulada na inteno (irrecupervel) de dizer algo.

    A anlise formal consiste na anlise das caractersticas estruturais internas, seus

    elementos constitutivos e inter-relaes, interligando-os aos sistemas e cdigos dos quais eles

    fazem parte (THOMPSON, 1995, p. 370).

    So apontadas pelo autor algumas possibilidades de anlise: a semitica, a daconversao, a sinttica, narrativa e argumentativa. A maneira pela qual o pesquisador ir

    realizar a anlise formal da obra uma escolha pessoal.

    29 Entende-se por fixidez o tempo de durao que um meio tcnico possibilita transmisso de uma formasimblica. Thompson apresenta, como exemplo, a comparao entre o tempo de durao de uma mensagemescrita em uma pedra e uma escrita em pergaminho ou papel. A primeira tem uma durao maior que a segunda.

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    2.1.3 Interpretao/ (Re)interpretao

    A terceira dimenso do enfoque da Hermenutica de profundidade a

    interpretao/(re)interpretao. Segundo Thompson (1995):

    A interpretao constri sobre esta anlise [anlise discursiva], como tambm sobre

    os resultados da anlise scio-histrica. Mas a interpretao implica um movimento

    novo de pensamento, ela procede por sntese, por construo criativa de possveis

    significados. (p. 375).

    Portanto, trata-se da argumentao criativa e plausvel do analista, sintetizando as

    informaes obtidas na anlise scio-histrica e formal ou discursiva. Segundo Oliveira

    (2008):

    nesse momento que as relaes entre a produo e as formas de produo, asinfluncias do contexto scio-poltico que interferiram no produto final [...] devemser construdas. No apenas nessa fase, mas muito fortemente nela, as relaesideolgicas, as formas como o sentido empregado para estabelecer e sustentarrelaes de poder, podem ser identificadas. (p. 43)

    Para finalizar, ressalta-se que estas dimenses da HP no devem ser interpretadas

    como situaes que ocorrem em momentos estanques, distintos. Ao contrrio: se realizam

    simultnea e harmonicamente dando uma viso completa dos processos de produo e

    recepo e, tambm das consequncias atribudas s formas simblicas30.

    Trazendo essa discusso para o contexto educacional, a Hermenutica de

    Profundidade comea a ser mobilizada para a anlise de textos dos mais variados e, desse

    modo, torna-se uma metodologia potencial para o exerccio do qual esta pesquisa se prope.

    2.2 Pesquisas fundamentadas na Hermenutica de Profundidade de Thompson

    Este texto articula e apresenta exerccios de mobilizao da Hermenutica de

    Profundidade na rea da Educao Matemtica. Oliveira (2008), ao identificar a ausncia de

    uma reflexo metodolgica a respeito da anlise de livros didticos, apesar de vrias

    pesquisas j terem sido realizadas no campo da Educao Matemtica, procurou, em seu

    estudo, estruturar uma metodologia de anlise que contemplasse a anlise interna e um

    30Apesar das dimenses da Hermenutica de Profundidade ocorrerem de forma simultnea a maneira pela qual

    estas dimenses sero apresentadas obedecem a linearidade exigida pela escrita.

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    estudo scio-histrico que permitisse compreender os vnculos entre a obra didtica e a

    sociedade na qual ela estava inserida (p.12). Por esse motivo, ao entrar em contato com o

    trabalho de John B. Thompson, prope a Hermenutica de Profundidade, como um modelo

    alternativo para anlise destes materiais, cujas caractersticas j foram apresentadas

    anteriormente.

    Alm de Oliveira (2008), outras pesquisas tambm se utilizaram da Hermenutica de

    Profundidade, mas, diferentemente deste autor que prope esta metodologia como um modo

    de anlise, estas pesquisas utilizaram-se das dimenses metodolgicas propostas pela HP para

    analisarem diferentes tipos de material. Cardoso (2009) utiliza-se desta metodologia para

    analisar as tendncias que permeiam os discursos governamentais (PCNEM/99, PCNEM+/02

    e Orientaes curriculares/06) voltadas para a orientao dos professores de matemtica doEnsino Mdio. Andrade (2012) mobiliza a HP para a anlise do livro Essai sur

    lenseignement en general, et sur celui des mathmatiques em particulier, escrito por Lacroix

    no sculo XIX. Silva (2010) utiliza-se desta metodologia com objetivo de construir um

    histrico do contedo Matrizes a partir da anlise de obras didticas utilizadas para o ensino

    no Brasil desde o final do sculo XVIII at o final do sculo XX (p. 9).

    Em cada um dos usos desta metodologia possvel perceber algumas particularidades.

    A pesquisa de Cardoso (2009), por exemplo, utiliza a palavra dimenso, ao se dirigir aosmomentos de anlise propostos pela HP. Oliveira (2008) se refere a estes momentos como

    fases da HP, assim como Andrade (2011). J Silva (2010) ao se referir aos momentos de

    anlise da forma simblica refere-se a eles como componentes da metodologia. Entre as

    diferentes formas de se referir aos momentos de anlise da HP, opta-se, nesta pesquisa, por

    aquela estabelecida por Cardoso (2009), por ser a que menos se distancia em tomar as anlises

    scio-histrica, formal e a interpretao/ (re) interpretao como momentos que ocorrem

    concomitantemente.Ao realizar a dimenso de anlise scio-histrica, Cardoso (2009) utiliza documentos

    que fornecem as diretrizes legais e documentos que, na viso da autora, serviro de inspirao

    para a produo dos PCNEM/99, PCNEM+/02 e Orientaes Curriculares/06. Entre estes

    documentos foram analisados: a Constituio Nacional de 1985 (BRASIL, 1998); a Lei de

    Diretrizes e Bases para a Educao Nacionala Lei 9394 de 1996, mais conhecida como

    LDB/96 (BRASIL, 1996); o Plano de Desenvolvimento da Educao Nacionala Lei 10.172

    de 2001, ou PNE/01 (BRASIL, 2001); as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

    Mdio o Parecer CEB/CNE n 15, de 01 de junho de 1998, ou DCNEM/98 (BRASIL,

    1999); as Orientaes Curriculares do Ensino Mdio (BRASIL, 2004); Manifesto dos

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    Pioneiros da Educao Nova, de 1932 (TEIXEIRA, 2004); o Manifesto dos Educadores, de

    1959 (AZEVEDO, 2007); e o textoAlgumas normas do CNE, relativas ao ensino mdio e que

    constam no Anexo. Conforme aponta a autora, os documentos foram estudados nos aspectos

    polticos, scio-histricos e filosficos, que so relacionados ao trabalho pedaggico no

    Ensino Mdio e que tm influncia nas propostas de ensino para a Matemtica (CARDOSO,

    2009, p. 38).

    Andrade (2012), ao realizar a anlise scio-histrica do livro de Lacroix, faz uma

    discusso sobre os principais acontecimentos na Frana do final do sculo XVIII at meados

    do sculo XIX que, na viso da autora, influenciaram a vida e a obra de Lacroix. Pelo que se

    percebe, a autora procurou fazer um levantamento considerando as cinco dimenses que

    envolvem a anlise scio-histrica. Para situar o momento histrico em que a obra foiproduzida, a autora discute a Revoluo Francesa, iniciada no fim do sculo XVIII, aponta a

    influncia do pensamento iluminista no desencadeamento da revoluo e consequentemente

    nas mudanas polticas e sociais da poca, e descreve tambm o cenrio de fome e misria em

    que vivia a populao francesa daquele perodo.

    Ao discutir as estruturas e instituies sociais, Andrade (2012) descreve como era a

    vida das mulheres neste perodo e a importncia delas na Revoluo, como eram as famlias

    francesas, como era o modo de produo e comercializao dos livros, o aumento da leiturapor parte da populao francesa, como era a educao na Frana. Neste momento, so

    discutidos como eram os colgios franceses, o que foram as Escolas Centrais, como surgiram,

    e qual a importncia dos liceus na Frana. Tambm foram discutidos o surgimento, a

    implantao e a importncia da Escola Normal e da Escola Politcnica. Nestas discusses, a

    autora sempre relacionou estas instituies com as mudanas proporcionadas pela revoluo.

    Procurando contemplar os campos de interao da obra, a autora aponta os processos

    de aprovao e adoo de livros-texto e as obras produzidas por Lacroix neste momento daFrana. Por fim, a autora discute, procurando contemplar os meios tcnicos de construo e

    transmisso da obra, o modo como o livro de Lacroix foi estruturado internamente, as

    representaes grficas, o tipo de material, e, alm disso, busca as mudanas ocorridas entre

    as edies do livro analisado.

    Silva (2010), ao realizar a anlise scio-histrica, faz uma discusso sobre o

    movimento da matemtica moderna no mundo e no Brasil. Neste momento, ela j desenvolve

    a sua interpretao/ (re) interpretao a respeito do ensino de matrizes presentes nos livros

    didticos analisados.

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    Com relao realizao da dimenso interna/ formal proposta pela Hermenutica de

    Profundidade, Thompson (1995) no indica uma forma especfica de anlise. Ao contrrio, ele

    deixa a escolha do mtodo de anlise interna ao analista. Nas formas simblicas analisadas em

    cada pesquisa percebe-se uma variao de modos de anlise. Cardoso (2009), para a anlise

    interna das orientaes governamentais para os professores de matemtica do Ensino Mdio,

    utiliza-se da anlise argumentativa. Silva (2010) utiliza a anlise descritiva como modo de

    anlise interna dos livros didticos de matemtica usados na pesquisa. Andrade (2012) utiliza-

    se daquilo que ela chama de anlise discursiva que, na viso da autora, envolve a anlise

    argumentativa, narrativa e sinttica.

    Com relao dimenso denominada interpretao/ (re) interpretao, percebem-se,

    tambm, algumas diferenas em sua realizao. Cardoso (2009) divide esta dimenso da HPem dois captulos, num dos quais a autora realiza a interpretao dos elementos obtidos nas

    anlises scio-histrica e interna da forma simblica e, num outro, realiza a (re) interpretao.

    Silva (2010) realiza o momento de interpretao/ (re) interpretao juntamente com a anlise

    scio-histrica, relacionando, tambm, alguns elementos internos e externos obra.

    Ressalta-se que essa concomitncia ou separao refere-se estruturao dos

    trabalhos, tendo em vista que, como j defendido anteriormente, os movimentos analticos so

    feitos, na maior parte das vezes, em simultaneidade.

    2.3 Mobilizao da Hermenutica de Profundidade nesta pesquisa

    Essa pesquisa pauta-se nessa metodologia por julg-la como tendo grande potencial

    para alcanar os objetivos presentes, mas tambm por coadunar com os pressupostos j

    esboados anteriormente e discutidos nas reunies do Grupo Histria da EducaoMatemtica em Pesquisa. Este grupo tem como um de seus objetivos a compreenso do

    movimento de formao de professores que ensinam matemtica no sul de Mato Grosso,

    atualmente Mato Grosso do Sul.

    Na inteno de compreender as orientaes pedaggicas mobilizadas na estruturao

    da formao de professores do ensino primrio de Campo Grande que chegaram por meio dos

    manuais pedaggicos, foi adotado o texto de Theobaldo Miranda Santos, Metodologia do

    Ensino Primrio, para a realizao da anlise. A escolha deste manual se deu por este ter

    sido usado na formao de professores primrios na cidade de Campo Grande. Este uso foi

    identificado numa das pesquisas do grupo, desenvolvida por Reis (2011) sobre a Escola

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    Normal Joaquim Murtinho. A autora identificou, em sua pesquisa, no prdio desta extinta

    escola normal, alguns documentos referentes ao seu perodo de funcionamento que tem incio

    a partir da dcada de 1930. Entre estes documentos foi encontrado um livro de portarias, no

    qual existe a citao dos livros utilizados pela escola normal e indicados nas portarias de n

    4/1953 e 2/1955, conforme as figuras 1 e 2 apresentadas no captulo anterior.

    Alm do fato deste livro ter sido encontrado na pesquisa de Reis (2011) como um

    daqueles utilizados na Escola Normal, outros dois fatores tambm contriburam para esta

    escolha: seu contedo trata da disciplina de metodologia do ensino primrio e, portanto, um

    dos instrumentos cuja funo apresentar aos futuros professores mtodos para o ensino das

    disciplinas do ensino primrio; e o fato de Theobaldo Miranda Santos ter outras de suas obras

    citadas nestas portarias. Este autor tambm desenvolveu a coleo Vamos Estudar?, voltadapara o ensino primrio e direcionada a vrias regies do pas, que foi utilizada no ensino

    primrio do estado de Mato Grosso31 segundo a professora Cndida dos Santos. Aluna da

    Escola Normal Joaquim Murtinho no incio da dcada de 1950, Cndida afirma que sua

    professora de Prtica de Ensino cobrava a matria que era da escola primria , voc era

    obrigada a estudar e ler o livro Vamos estudar, da escola primria, e praticar todas as

    matrias (REIS, 2011, p. 21).

    Feita a escolha do manual Metodologia do Ensino Primrio, assume-se os manuaispedaggicos, e mais especificamente o manual j citado, como forma simblica, pois possuem

    os cinco aspectos-chave que caracterizam um objeto ou qualquer outra produo humana

    como forma simblica.

    Os manuais pedaggicos so produzidos com alguma inteno, neste caso, de

    apresentar aos futuros professores as melhores maneiras de se trabalhar os contedos do

    ensino para que se obtenha uma maior eficcia no processo de ensino e aprendizagem.

    Os manuais pedaggicos seguem determinadas convenes para que possam seradotados nas instituies de ensino. As orientaes governamentais, a lngua oficial do pas, a

    presena de tendncias em alta no discurso educacional, so exemplos de possveis

    influncias acerca da produo dos manuais pedaggicos, que tm uma estrutura interna

    articulada. A maneira como se inicia um contedo e a forma de se apresentar atividades, so

    exemplos de elementos que podem ser identificados e articulados nestes manuais. Ao serem

    produzidos se referem a algo ou a alguma coisa, neste caso s metodologias de ensino

    31 Vale relembrar que na dcada de 1950, na qual foram encontrados indcios do uso do manual Metodologia doEnsino Primrio, Campo Grande fazia parte da regio sul do estado de Mato Grosso, vindo a ser, logo aps adiviso deste estado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, capital do estado de Mato Grosso do Sul.

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    propostas para a formao de professores. Os manuais pedaggicos so produzidos em

    contextos sociais e histricos que, de uma maneira ou de outra, influenciam na sua produo.

    Aps esta caracterizao do manual pedaggico como forma simblica prope-se a

    mobilizao da Hermenutica de Profundidade para a anlise dos manuais pedaggicos, mais

    especificamente, o manual de Santos (1952) foco desta pesquisa. Ressalta-se, uma vez mais,

    que os momentos propostos pela Hermenutica de Profundidade para a anlise das formas

    simblicas so entendidos, nesta pesquisa, como dimenses, movimentos desta metodologia e

    que so muitas vezes desenvolvidas, em ao, concomitantemente, embora o processo de

    comunicao da anlise efetivada se estruture de modo linear e, portanto, ordenado. Desse

    modo, ressalta-se a diferenciao desses dois momentos: o analtico propriamente dito e o de

    comunicao (ou registro para comunicao). Trata-se de movimentos fundamentais aoexerccio investigativo, mas que articulam-se com dificuldade na apresentao linear do

    catico.

    Para o estudo scio-histrico da forma simblica, aqui analisada, foram realizadas

    investigaes a respeito das escolas normais e dos prprios manuais pedaggicos. As

    investigaes sobre as escolas normais contriburam para entender quais os objetivos de sua

    criao, como esta foi entendida e incorporada no pas e, tambm, o papel destas instituies

    na formao de professores primrios no Brasil. As investigaes sobre os manuaiscontriburam para uma compreenso do que foram estas formas simblicas, sobre a sua

    importncia e influncia na formao de professores.

    Prosseguindo com o estudo scio-histrico foram investigados o cenrio poltico e

    educacional no Brasil e no estado do Mato Grosso, procurando compreender em que

    condies o pas se encontrava e quais polticas educacionais vieram a ser implementadas no

    pas. Alm disso, procurou-se identificar quais as instrues governamentais para a formao

    das normalistas. Neste sentido, a anlise da lei orgnica do Ensino Normal (em nvelnacional), promulgada em 1946, e do regulamento n 590, de 1948, realizado pelo estado do

    Mato Grosso sobre o ensino normal, foi importante. Procurou-se, tambm, compreender as

    tendncias educacionais em alta no perodo da produo da forma simblica.

    Para um aprofundamento do estudo scio-histrico, foram realizados levantamentos a

    respeito da vida e das produes de Theobaldo Miranda Santos, que contriburam para uma

    melhor compreenso a respeito dos ideais/concepes deste autor e, tambm, dos campos de

    interao nos quais ele se inseria.

    Foram investigados, ainda, os dirios oficiais publicados no estado de Mato Grosso

    dcada de 1950, com a inteno de encontrar informaes a respeito das escolas normais do

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    estado e se havia alguma sugesto/indicao de livros a serem adotados pelos professores nas

    escolas.

    A anlise interna/formal foi realizada no manual Metodologia do Ensino Primrio,

    editado em 1952. Para execuo desta dimenso realizou-se uma anlise descritiva,

    identificando como a obra estruturada, quais os principais temas abordados e como eles so

    abordados. Desenvolveram-se, tambm, algumas tabelas procurando identificar o que o autor

    aceita ou rejeita daquilo que apresentado no texto.

    Por fim, o desenvolvimento da terceira dimenso da Hermenutica de Profundidade

    ocorreu simultaneamente s outras duas dimenses e um texto articulador foi produzido, de

    modo a (re) interpretar todos os elementos que, de um modo ou outro, contriburam para a

    constituio desta forma simblica utilizada nas escolas normais de Campo Grande.A Hermenutica de Profundidade contribui para uma compreenso sobre a formao

    de professores primrios na cidade de Campo Grande na medida em que prope a articulao

    entre o contexto scio-histrico e a estruturao interna da forma simblica.

    Ao analisar o manual de Theobaldo Miranda Santos sob esta perspectiva, os

    levantamentos referentes s situaes espao-temporais, aos campos de interao, s

    instituies e estruturas sociais, e aos meios de construo e transmisso que constituem a

    anlise scio-histrica, juntamente com os levantamentos estruturais internos, fornecem aopesquisador informaes importantes acerca de: como se pensava a educao, quais as

    polticas e objetivos do governo a este respeito, quais disputas ideolgicas fizeram parte dos

    debates educacionais nos perodos de produo da forma simblica, quais eram as concepes

    de ensino e educao, quais instituies influenciavam a educao, em qual grupo social o

    autor do manual estava inserido e o pensamento deste grupo a respeito da educao, quais os

    objetivos do autor ao escrever o livro, quais as regulamentaes que orientaram a formao de

    professores no pas e no estado, e, por meio da anlise de outros materiais produzidos peloautor, compreender quais as utilizaes que este fez daquilo que foi apresentado na

    estruturao da forma simblica, bem como os usos feitos por alunos e professores do

    manual, enriquecendo as interpretaes sobre a formao de professores primrios no perodo

    de produo e utilizao desta obra.

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    2.4 Paratextos editoriais

    Como forma de complementar/apoiar a compreenso a respeito de alguns aspectos da

    estruturao interna do manual Metodologia do Ensino Primrio, utiliza-se, tambm nesta

    pesquisa, a concepo de Paratextos editoriais, desenvolvida por Gerrd Genette (2009).

    Paratextos editoriais, segundo Genette (2009), so todas as produes (um nome de

    autor, um ttulo, um prefcio, ilustraes, etc.) que, de uma forma ou de outra, reforam e

    acompanham um texto para torn-lo presente, para garantir sua presena no mundo, sua

    recepo e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje, de um livro [...] aquilo por meio

    de que um texto se torna livro e se prope como tal a seus leitores, e de maneira mais geral ao

    pblico (GENETTE, 2009, p. 9).Genette (2009) subdivide os paratextos em duas categorias, distintas em sua relao

    espacial com o texto. Um paratexto que se situa em torno do texto, no espao do mesmo

    volume, como ttulo ou o prefcio, e, s vezes, inseridos nos interstcios do texto, como os

    captulos ou certas notas (p.12) so denominados pelo autor de peritexto. J num paratexto,

    cuja localizao espacial no est anexada materialmente ao texto, como exemplo: as

    conversas, entrevistas, correspondncias dirios ntimos, so denominados pelo autor de

    epitextos.Considerando a situao temporal do paratexto, estes so divididos em: Paratextos

    anteriores, que aparecem antes da existncia oficial do texto (panfletos, elementos ligados a

    uma pr-publicao em jornais e revistas); oparatexto originalsurge juntamente com o texto

    (prefcio, dedicatria); paratexto posterior, surge aps a publicao da obra (prefcio

    introduzido a partir da segunda obra); paratexto tardio, surge, tambm, aps a publicao da

    obra, mas assume um carter mais testamental, de despedida (prefcio, ou posfcio, tardio);

    paratextos ntumos, so aqueles que aparecem quando o autor se encontra em vida;paratextos pstumos, so os paratextos publicados aps a morte do autor do texto. Genette

    (2009) acrescenta que, da mesma forma que estes paratextos podem surgir durante todo

    perodo de existncia do texto, eles podem desaparecer por diversos motivos.

    Levando em conta aquilo que Genette chama de condio substancialdo paratexto so

    duas as classificaes possveis: um paratexto pode ser textual ou factual. O autor aponta

    como exemplos do primeiro caso os ttulos, prefcios, entrevistas, assim como enunciados,

    de tamanhos bastante diversos, mas que compartilham o estatuto lingustico do texto (2009,

    p. 14), ou seja, so textos de mesma natureza escritos que o texto que eles ajudam a

    constituir. No caso dos paratextos de ordemfactual, o autor aponta que estes consistem num

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    fato cuja prpria existncia, se conhecida do pblico, acrescenta algum comentrio ao texto

    e tem peso em sua recepo (p. 14) citando como exemplos, a idade ou sexo do autor, [...] a

    data da obra, [...] a pertena a uma academia, [...] obteno de um prmio literrio, [...] a

    existncia [...] de um contexto implcito que precisa ou modifica em maior ou menor grau a

    sua significao [...] (p. 14).

    Esta abordagem proposta por Genette tem um grande potencial para esta pesquisa na

    medida em que proporciona importantes ferramentas para a discusso a respeito dos

    elementos que compe o manual pedaggico. O autor contribui, assim, para uma percepo

    mais minuciosa e anlise dos indicativos de uma esttica prpria ao manual estudado.

    Ressalta-se que esta pesquisa no a primeira a propor esta aproximao entre a

    Hermenutica de Profundidade e os Paratextos Editoriais. Embora esta proposta seja nova nocampo da Educao Matemtica, Andrade (2012) se utiliza desta concepo, para a anlise do

    livroEssais sur lenseignement en general, et sur celui des mathmatiques en particulier, de

    S. F. Lacroix.

    Da mesma forma que se pretende nesta pesquisa, Andrade (2012), em sua pesquisa,

    mobiliza esta concepo como recurso complementar para a compreenso dos aspectos do

    livro analisado em sua materialidade. Para esta pesquisadora, e tambm nesta pesquisa,

    somente neste sentido [...] as indicaes de Genette complementam as disposies deThompson quanto Hermenutica de Profundidade (p. 45). Conforme aponta a autora, esta

    abordagem aos paratextos contribui, principalmente, para anlise formal ou discursiva,

    proposta por Thompson, mas, tambm em sua anlise scio-histrica na medida em que

    oferece um contexto histrico para a materialidade da obra aqui mobilizada.

  • 7/30/2019 Dissertao Carlos Souza Pardim (verso final)

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    3 Um olhar sobre o manual Metodologia do Ensino Primrio

    Nas pginas que se seguem ser analisada/discutida a estruturao interna do manual

    Metodologia do Ensino Primrio, de Theobaldo Miranda Santos. O manual aqui analisado

    a terceira edio, publicada pela Companhia Editora Nacional, no ano de 1952. A anlise

    deste manual ser feita de forma descritiva usando, tambm, como recurso o conceito de

    paratextos editoriais de Genette (2009).

    Segundo Genette (2009), o formato do livro durante boa parte de sua histria teve um

    importante valor paratextual. Dependendo do formato-dobradura que possuam, os livros

    produzidos tinham um determinado grau de importncia. Conforme este autor, o formato, nos

    diais atuais, com certeza menos carregado de valor paratextual (p. 23), sendo estesnormalizados ou, como diz o autor, banalizados em torno dos formatos mdios do sculo XIX

    (16 x 24 cm). O manual Metodologia do Ensino Primrio em sua terceira edio (1952) tem

    como dimenso 14 x 20 centmetros. Baseado no que aponta Almeida Filho (2008), este

    manual faz parte da primeira impresso da coleo Curso de Psicologia e Pedagogia (1945-

    1954). Conforme aponta este autor, novas alteraes ocorreram em seu formato nas prximas

    reimpresses (2 e 3) com exceo de sua ltima (4 reimpresso). Na segunda reimpresso,

    houve uma diminuio nas dimenses do manual (13,5 x 19 cm), na terceira, um aumento (14x 20 cm).

    Genette (2009) aponta que os recursos paratextuais da capa eram pouco explorados.

    As capas dos livros geralmente se apresentavam mudas, salvo a indicao resumida do ttulo

    e, s vezes, do nome do autor, que figurava na lombada (p.27). A partir do sculo XIX, ao

    perceberem o potencial paratextual da capa, estes recursos passam a ser melhor explorados.

    Dentre as possibilidades daquilo que se pode figurar numa capa, a presena do nome do autor,

    do ttulo da obra e do selo do editor so praticamente obrigatrias.No caso do manual analisado, a sua capa a original e apresenta as seguintes

    informaes: o nome da coleo, o nmero do volume, o nome do autor, numa fonte bem

    maior apresentado o ttulo do manual e, bem mais abaixo, o nome da editora. Todas as

    informaes esto centralizadas na capa, conforme a imagem abaixo:

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    Figura 3Capa do manual Metodologia do Ensino Primrio

    Fonte: Manual Metodologia do Ensino Primrio, 3 edio, ano1952.

    O nome da coleo da qual este manual faz parte possibilita, j de incio, a inferncia

    sobre quais temas sero abordados em seus volumes. Conforme aponta Almeida Filho (2008),

    esta uma coleo cujo prprio coordenador foi Theobaldo Miranda Santos. Observando a

    figura acima tm-se uma noo de como estruturada a capa dos outros manuais desta

    coleo. O que muda desta capa para as demais so as cores de suas margens, a cor da borda

    em que se encontram os temas e a cor das informaes escritas.

    Outra informao latente na figura acima trata-se do nome do autor. Segundo Genette

    (2009) o nome do autor, ao contrrio do que possa parecer, nem sempre foi um elemento

    paratextual de um texto. Partindo disso, o autor distingue trs condies sobre as quais se

    revestem o nome do autor: o onimato, o pseudonimato e o anonimato. O anonimato ocorrequando em um livro no imputada