história da arte ii profª sônia pardim (11) movimentos de arte moderna

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Disciplina: História da Arte Professora: Sonia Pardim Movimentos de Arte Moderna Expressionismo O termo possui um sentido histórico preciso ao designar uma tendência da arte européia moderna, enraízada em solo alemão, entre 1905 e 1914. A noção, empregada pela primeira vez em 1911 na revista Der Sturm ('A Tempestade'), mais importante órgão do movimento, marca uma oposição ao impressionismo francês. À idéia de registro da natureza por meio de sensações visuais imediatas, cara aos impressionistas, o expressionismo contrapõe a expressão que se projeta do artista para a realidade. Distante estamos das paisagens luminosas de Claude Monet (1840-1926), ou de uma concepção de arte ligada à mente, e não apenas ao olhar, como quer Paul Cézanne (1839-1906). Para os expressionistas, arte liga-se à ação, muitas vezes violenta, através da qual a imagem é criada, com o auxílio de cores fortes - que rejeitam a verossimilhança - e de formas distorcidas. A afirmação do expressionismo se dá com o grupo Die Brücke ('A Ponte'), criado em 1905 em Dresden, contemporâneo ao fauvismo francês no qual se inspira. Formado por artistas como Ernst Ludwig Kirchner (1880- 1938), Karl Schmidt-Rottluff (1884-1976), Erich Heckel (1883-1970), Emil Nolde (1867-1956), Ernst Barlach (1870-1938), entre outros, o grupo define objetivos e procedimentos que ficarão, daí por diante, associados ao movimento alemão: o caráter de crítica social da arte; as figuras deformadas, cores contrastantes e pinceladas vigorosas que rejeitam todo tipo de comedimento; a retomada das artes gráficas, especialmente da xilogravura; o interesse pela arte primitiva. Essa poética encontra sua tradução em motivos retirados do cotidiano, nos quais se observam o acento dramático e algumas obsessões temáticas, por exemplo, o sexo e a morte.

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Page 1: História da arte ii   profª sônia pardim (11) movimentos de arte moderna

Disciplina: História da ArteProfessora: Sonia Pardim

Movimentos de Arte Moderna

Expressionismo

O termo possui um sentido histórico preciso ao designar uma tendência da arte européia moderna, enraízada em solo alemão, entre 1905 e 1914. A noção, empregada pela primeira vez em 1911 na revista Der Sturm ('A Tempestade'), mais importante órgão do movimento, marca uma oposição ao impressionismo francês. À idéia de registro da natureza por meio de sensações visuais imediatas, cara aos impressionistas, o expressionismo contrapõe a expressão que se projeta do artista para a realidade. Distante estamos das paisagens luminosas de Claude Monet (1840-1926), ou de uma concepção de arte ligada à mente, e não apenas ao olhar, como quer Paul Cézanne (1839-1906). Para os expressionistas, arte liga-se à ação, muitas vezes violenta, através da qual a imagem é criada, com o auxílio de cores fortes -  que rejeitam a verossimilhança - e de formas distorcidas. A afirmação do expressionismo se dá com o grupo Die Brücke ('A Ponte'), criado em 1905 em Dresden, contemporâneo ao fauvismo francês no qual se inspira. Formado por artistas como Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938), Karl Schmidt-Rottluff (1884-1976), Erich Heckel (1883-1970), Emil Nolde (1867-1956), Ernst Barlach (1870-1938), entre outros, o grupo define objetivos e procedimentos que ficarão, daí por diante, associados ao movimento alemão: o caráter de crítica social da arte; as figuras deformadas, cores contrastantes e pinceladas vigorosas que rejeitam todo tipo de comedimento; a retomada das artes gráficas, especialmente da xilogravura; o interesse pela arte primitiva. Essa poética encontra sua tradução em motivos retirados do cotidiano, nos quais se observam o acento dramático e algumas obsessões temáticas, por exemplo, o sexo e a morte.

A arte expressionista encontra suas fontes no romantismo alemão, em sua problematização do isolamento do homem frente à natureza, assim como na defesa de uma poética sensível à expressão do irracional, dos impulsos e paixões individuais. Combina-se a essa matriz, o pós-impressionismo de Vincent van Gogh (1853-1890) e Paul Gauguin (1848-1903). Do primeiro, destacam-se a intensidade com que cria objetos e cenas, assim como o registro da emoção subjetiva em cores e linhas. Do segundo, um certo achatamento da forma, obtido com o auxílio da suspensão das sombras, o uso de grandes áreas de cor e atenção às culturas primitivas. O

Ernst Ludwig KirchnerEmil Nolde

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imaginário monstruoso do pintor belga Jame Ensor (1860-1949), suas máscaras e anjos decaídos, constitui outra referência importante. Assim como uma releitura do simbolismo, pelas possibilidades que abre à fantasia e ao universo onírico, embora os expressionistas descartem uma visão transcendente do simbólico e certo espiritualismo que rondam a linguagem simbolista. O pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) é talvez a maior referência do expressionismo alemão. As dramaturgias de Ibsen e Strindberg, bem como as obras de Van Gogh e Gauguin marcam decisivamente os trabalhos de Munch, em sua ênfase no sentido trágico da vida. A famosa tela O Grito (1893)  - reproduzida dois anos depois em litografia - fornece uma chave privilegiada para termos acesso ao seu universo. A pessoa de aspecto fantasmático em primeiro plano, define um foco que arrasta todo o cenário. As linhas deformadas da figura expandem-se pelo entorno, que participa da angústia do grito, emitido por ela própria, segundo algumas leituras, ou pela natureza, de acordo com Munch em texto escrito para o quadro, publicado na Revue Blanche, em 1895: "Tornei-me consciente do infinito e vasto grito da natureza". A distorção da figura que grita - ou que abafa com as mãos o grito da natureza -, sobre a qual paira a imagem da morte, afasta qualquer idéia de beleza.

Munch Ensor

KandinskyKokoscka

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O expressionismo conhece desdobramentos em outros grupos na Alemanha, como o Der Blaue Reiter ('O Cavaleiro Azul') de Franz Marc (1880-1916) e Vassily Kandinsky (1866-1914), criado em 1911, e considerado um dos pontos altos do movimento. Após a 1ª Guerra Mundial, a voga expressionista reverbera na produção dos artistas reunidos em torno da Neue Sachlichkeit ('Nova Objetividade'), Otto Dix (1891-1969) e George Grosz (1893-1959), por exemplo. Perseguido pelos nazistas em 1933 como 'arte degenerada', o expressionismo é retomado após a 2ª Guerra Mundial, num contexto de crítica ao fascismo e de tematização dos horrores da guerra, cujo exemplo maior é Guernica, de Pablo Picasso (1881-1973). Fora da Alemanha, manifestações de cunho expressionista aparecem na Bélgica e Holanda pelas obras de Constant Permeke (1886-1952), Gustave de Smet (1877-1943), J. Toorop, H. Werckmann e outros. Na França, trabalhos de Henri Matisse (1869-1954), André Derain (1880-1954), Raoul Dufy (1877-1953), Georges Rouault (1871-1958), Marc Chagall (1887-1985), Chaim Soutine (1893-1943) e outros, dialogam, de modos diferentes, com o expressionismo alemão. É possível lembrar ainda os austríacos Egon Schiele (1890-1918) e Oskar Kokoschka (1886-1980) que desenvolvem pesquisas de franca inclinação expressionista, incentivadas pelas pesquisas psicanalíticas levadas a cabo por Freud na Viena no fim do século. Após os anos 50, o expressionismo abstrato aparece como principal herdeiro do movimento nos Estados Unidos. No Brasil, a produção dos anos 1915-16 de Anita Malfatti (1889-1964), em trabalhos como O Japonês, A Estudante Russa e A Boba, são reveladores de seu aprendizado expressionista. Ainda no contexto modernista, é possível lembrar a forte dicção expressionista de parte da obra Lasar Segall (1891-1957) e o expressionismo sui generis de Oswaldo Goeldi (1895-1961). Mais para frente, com as obras de Flávio de Carvalho (1899-1973), e com as pinturas de Iberê Camargo (1914-1994), percebem-se as possibilidades abertas pela sintaxe expressionista entre nós.

Fauvismo

Ao contrário de outras vanguardas que povoam a cena européia entre fins do século XIX e a 1ª Guerra Mundial, o fauvismo não é uma escola com teorias, manifestos ou programa definido. Para boa parte dos artistas que adere ao novo estilo expressivo - com forte presença na França entre 1905 e 1907 -, o fauvismo representa sobretudo uma fase em suas obras. Falar em vida curta e em organização informal de pintores em torno de questões semelhantes, não significa minimizar as inovações trazidas à luz pelos fauves ('feras'). O grupo, sob a liderança de Henri Matisse (1869-1954), tem como eixo comum a exploração das amplas possibilidades colocadas pela utilização da cor. A liberdade com que usam tons puros, nunca mesclados,

Anita MalfattiFlávio de Carvalho

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manipulando-os arbitrariamente, longe de preocupações com verossimilhança, dá origem a superfícies planas, sem claros-escuros ilusionistas. As pincelas nítidas constroem espaços que são, antes de mais nada, zonas lisas, iluminadas pelos vermelhos, azuis e alaranjados. Como afirma Matisse a respeito de A Dança (1910): "para o céu um belo azul, o mais azul dos azuis, e o mesmo vale para o verde da terra, para o vermelhão vibrante dos corpos".

Os fauvistas fazem sua primeira aparição pública no Salão de Outono, em Paris, 1905. No ano seguinte, no Salão dos Independentes, o crítico Louis Vauxcelles batiza-os de fauves (feras, em francês) em função da utilização de cores fortes e intensas. O grupo reúne diversos pintores: Albert Marquet (1875-1947), reconhecido como desenhista; André Derain (1880-1954), autor com Matisse de paisagens de Collioure, em 1905; Maurice de Vlaminck (1876-1958), responsável por vibrantes paisagens, construídas, de modo geral, com aplicação de tinta diretamente do tubo sobre a tela; Raoul Dufy (1877-1953), que do impressionismo se converte ao fauvismo por influência de Matisse; Georges Rouault (1871-1958), adepto do novo estilo, embora não faça uso das cores brilhantes em suas prostitutas e palhaços. Gravitam ainda em torno das propostas fauvistas: Georges Braque (1882-1963), Othon Friesz (1879-1949), Henri Charles Manguin (1874-1949), Charles Camoin (1879-1965), Jean Puy (1876-1960), Louis Valtat (1869-1952), Kees van Dongen (1877-1968) etc. Antecipações da nova forma expressiva podem ser encontradas na retrospectiva de Vincent van Gogh (1853-1890), de 1901; nas duas mostras de Paul Gauguin (1848-1903), em 1904 e 1906; nas exposições de arte islâmica e do primitivismo francês (1903 e 1904), e também nas viagens realizadas por Matisse, em 1904 e 1905, quando explora o potencial da cor nas paisagens meridionais, fora do registro descritivo tradicional. O entusiasmo pela arte primitiva, a retomada do neo-impressionismo de Van Gogh e Gauguin e a defesa da arte como expressão de estados psíquicos, de impulsos e paixões individuais - contra o registro impressionista da natureza por meio de sensações visuais imediatas -, aproxima o fauvismo do expressionismo alemão, organizado no mesmo ano de 1905 no Die Brücke ('A ponte').  Se isso é verdade (e o fauvismo francês teve, como sabido, grande impacto no movimento alemão), é possível observar derivações diversas nas duas produções de talhe expressionista. Distantes do acento dramático e das figuras distorcidas, caros aos alemães, os pintores franceses elegem a cor, a luz, os cenários decorativos e a expressão da alegria, ao invés da dor e da angústia. Alegria de Viver, de Matisse, 1906, evidencia traços essenciais da atitude estética fauvista. A cena, quase idílica, tematiza a comunhão dos homens com a natureza e o amor, que a liberdade dos corpos nus, o movimento sinuoso das linhas e as cores límpidas expressam. O lirismo da tela e seu feitio decorativo serão explorados pelo pintor, não apenas nas paisagens, mas também nas cenas interiores que realizou. A arte de Matisse é feita para decorar, indica o crítico italiano G.C. Argan, mas "não os templos, o palácio real e a casa dos senhores, e sim a vida dos homens".

O advento do cubismo em 1907, com o célebre quadro de Pablo Picasso (1881-1973), Les Demoiselles d'Avignon, marca a crise do fauvismo. Se o cubismo partilha com o fauvismo a idéia de que o quadro é uma estrutura autônoma - ele não representa a realidade, mas é uma realidade própria -, as pesquisas cubistas caminham em direção diversa, rumo à construção de espaços por meio de volumes, da decomposição de planos e das colagens. O interesse pela arte primitiva poderia ser considerado outro ponto de contato entre fauvistas e cubistas, mas ele representa, na verdade, mais um afastamento entre os movimentos. Enquanto os fauves, assim como os expressionistas em geral, vêem na arte primitiva a expressão de uma certa condição natural do homem, Picasso recupera as máscaras africanas como formas libertas de qualquer contexto. O cubismo está na raiz da arte abstrata e dos construtivismos de modo geral. Os fauvistas, por sua vez, estão na origem dos movimentos expressionistas europeus, que irão repercutir na arte dos anos de 1950 e 1960, a partir do expressionismo abstrato. No Brasil, parece difícil localizar influências especificamente

Matisse

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fauvistas embora alguns desses artistas puderam ser vistos na exposição de arte francesa realizada em São Paulo em 1913, no Liceu de Artes e Ofícios. Mais fácil, talvez, pensar em impacto de tendências expressionistas entre nós, por exemplo na produção dos anos 1915-16 de Anita Malfatti (1889-1964) - em trabalhos como O Japonês, A Estudante Russa e A Boba -, na dicção expressionista de parte da obra Lasar Segall (1891-1957), ou ainda em Oswaldo Goeldi (1895-1961). Flávio de Carvalho (1899-1973) e Iberê Camargo (1914-1994) exemplificam novas possibilidades abertas pela sintaxe expressionista entre nós.

Cubismo

Movimento artístico cuja origem remonta à Paris e a 1907, ano do célebre quadro de  Pablo Picasso (1881 - 1973), Les Demoiselles d'Avignon. Considerado um divisor de águas na história da arte ocidental, o cubismo recusa a idéia de arte como imitação da natureza, afastando noções como perspectiva e modelagem, assim como qualquer tipo de efeito ilusório. "Não se imita aquilo que se quer criar", dirá Georges Braque (1882 - 1963), outro expoente do movimento. A realidade plástica anunciada nas composições de Braque leva o crítico Louis Vauxcelles a falar em realidade construída com "cubos" no jornal Gil Blas, 1908, o que batiza a nova corrente. Cubos, volumes e planos geométricos entrecortados reconstroem formas que se apresentam, simultaneamente, de vários ângulos nas telas. O espaço do quadro - plano sobre o qual a realidade é recriada - rejeita distinções entre forma e fundo ou qualquer noção de profundidade. Nele, corpos, paisagens e sobretudo objetos como garrafas, instrumentos musicais e frutas, têm sua estrutura cuidadosamente investigada nos trabalhos de Braque e Picasso, tão afinados em termos de projeto plástico que não é fácil distinguir as telas de um e de outro. Mesmo assim, nota-se uma ênfase de Braque nos elementos

cromáticos e, de Picasso, em aspectos plásticos. A ruptura empreendida pelo cubismo encontra suas fontes primeiras na obra de Paul Cézanne (1839 - 1906) - e em sua forma de construção de espaços por meio de volumes e da decomposição de planos - e também na arte africana, máscaras, fotografias e objetos. Alguns críticos chamam a atenção para o débito do movimento em relação a Henri Rousseau (1844 - 1910), um dos primeiros a subverter as técnicas tradicionais de representação: perspectiva, relevo e relações tonais. O cubismo se divide em duas grandes fases. Até 1912, no chamado cubismo analítico, observa-se uma preocupação predominante com as pesquisas estruturais, por meio da decomposição dos objetos e do estilhaçamento dos planos, e forte tendência ao monocromatismo. Em 1912-1913, as cores se acentuam e a ênfase dos experimentos é colocada sobre a recomposição dos objetos. Nesse momento do cubismo sintético, elementos heterogêneos - recortes de jornais, pedaços madeira, cartas de baralho, caracteres tipográficos, entre outros - são agregados à superfície das telas, dando origem às famosas colagens, amplamente utilizadas a partir de então. O nome do espanhol Juan Gris (1887 - 1927) liga-se a essa última fase e o uso do papel-colado torna-se parte fundamental de seu método. Outros pintores se associaram ao movimento: Fernand Léger (1881 - 1955), Robert Delaunay (1885 - 1941), Sonia Delaunay-Terk (1885 - 1979), Albert Gleizes (1881 - 1953), Jean Metzinger (1883 - 1956), Roger de la Fresnaye (1885 - 1925) etc. Na escultura, por sua vez, a pauta cubista marca as obras de Alexander Archipenko (1887 - 1964), Pablo Gargallo (1881 - 1934), Raymond Duchamp-Villon (1876 - 1918), Jacques Lipchitz (1891 - 1973), Constantin Brancusi (1876 - 1957), entre outros. O ano de 1914 remete ao fim da colaboração entre Picasso e Braque e a uma atenuação das inovações cubistas, embora os procedimentos introduzidos pelo movimento

Braque

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estejam na base de experimentos posteriores como os do futurismo, do construtivismo, do purismo e do vorticismo. Desdobramentos do léxico cubista alcançam não apenas as artes visuais, mas também a poesia, com Guillaume Apollinaire (1880 - 1918) e a música, nas criações de Stravinsky.

O cubismo pode ser considerado uma das principais fontes da arte abstrata e suas pesquisas encontram adeptos no mundo todo. No Brasil, influências do cubismo podem ser observados em parte dos artistas reunidos em torno do modernismo de 1922, em alguns trabalhos de Vicente do Rego Monteiro (1899 - 1970), Antonio Gomide (1895 - 1967) e sobretudo na obra de Tarsila do Amaral (1886 - 1973). O aprendizado com André Lhote (1885 - 1962), Gleizes e, sobretudo, com Léger reverbera nas tendências construtivas da obra de Tarsila, em especial na fase pau-brasil. A pintora vai encontrar em Léger, especialmente em suas "paisagens animadas", motivos ligados ao espaço da vida moderna - máquinas, engrenagens, operários das fábricas etc. - e o aprendizado de formas curvilíneas. Emblemáticas do contato com o mestre francês são as telas criadas em 1924, como Estrada de Ferro Central do Brasil e Carnaval em Madureira. Não se pode mencionar o impacto do cubismo entre nós sem lembrar ainda de parte das produções de Clóvis Graciano (1907 - 1988) e de um segmento considerável da obra de Candido Portinari (1903 - 1962), evidente em termos de inspiração picassiana.

Correntes Abstracionistas

Suprematismo

Movimento russo de arte abstrata que surge por volta de 1913, mas cuja sistematização teórica data de 1925 e do manifesto Do cubismo ao futurismo ao suprematismo: o novo realismo na pintura, escrito por Kazimir Malevich (1878-1935) em colaboração com o poeta Vladímir Maiakóvski (1894-1930). O movimento está diretamente ligado ao seu criador, Malevich, e às pesquisas formais levadas a cabo pelas vanguardas russas do começo do século, o raionismo de Mikhail Larionov (1881-1964) e Natalia Goncharova (1881-1962) e o construtivismo de Vladimir Evgrafovic Tatlin (1885-1953). Nesse contexto, o suprematismo de Malevich vai defender uma arte livre de finalidades práticas e comprometida com a pura visualidade plástica. Trata-se de romper com a idéia de imitação da natureza, com as formas ilusionistas, com a luz e cor naturalistas - experimentadas pelo impressionismo - e com qualquer referência ao mundo objetivo, que o cubismo de certa forma ainda alimenta. Se isso é verdade, Malevich ainda fala em "realismo", e o faz a partir das sugestões do místico e matemático russo P.D. Ouspensky, que defende haver por trás do mundo visível um outro mundo, espécie de quarta dimensão, além das três a que nossos sentidos têm acesso. O suprematismo representaria essa realidade, esse "mundo não-objetivo", referido a uma ordem superior de relação entre os fenômenos - espécie de "energia espiritual abstrata" -, que é invisível mas nem por isso menos real.

Léger

Picasso

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Se a arte de Malevich possui pretensão espiritual, ela não se confunde com a defesa do espiritual na arte que faz Wassily Kandinsky (1866-1914), que o define como "expressão da vida interior do artista". Malevich, ao contrário, se detém na pesquisa metódica da estrutura da imagem, que coincide com a busca da "forma absoluta", da molécula pictórica. Como ele mesmo afirma no manifesto de 1915: "Eu me transformei no zero da forma e me puxei para fora do lodaçal sem valor da arte acadêmica. Eu destruí o círculo do horizonte e fugi do círculo dos objetos, do anel do horizonte que aprisionou o artista e as formas da natureza. O quadrado não é uma forma subconsciente. É a criação da razão intuitiva. O rosto da nova arte. O quadrado é o infante real, vivo. É o primeiro passo da criação pura em arte".

As obras suprematistas, vistas pela primeira vez na exposição coletiva A última exposição de quadros futuristas 0.10 (Zero. Dez), realizada em dezembro de 1915 em São Petesburgo, evidenciam a nova proposta pictórica: formas geométricas básicas - quadrado, retângulo, círculo, cruz e triângulo - associadas a uma pequena gama de cores. A austeridade das formas puras e a simplicidade quase hierática da geometria suprematista se apresentam integralmente em obras, hoje célebres, como Quadrado Preto Suprematista (1914-5), Suprematismo: realismo pictórico de um jogador de futebol (1915), Quadrado vermelho: realismo pictórico de uma camponesa em duas dimensões (1915), (1918). Desde 1910, a produção de Malevich encontra-se afinada com as vanguardas européias - com o cubismo das obras iniciais de Pablo Picasso (1881-1973), com as pinturas de Paul Cézanne (1839-1906), Fernand Léger (1881-1955), André Derain (1880-1954) e também com o futurismo -, combinadas em sua obra com fontes folclóricas e populares russas, e com a experimentação artística russa que tem em Maiakóvski sua liderança maior. De uma fase inicial pós-impressionista, sua pintura se dirige às formas tubulares de Léger, à fragmentação cubista e ao trato futurista da imagem (vide O Amolador de Facas, 1912). Com o movimento suprematista, Malevich adere à abstração e ao compromisso com a pesquisa metódica da forma pura, evidenciada em séries como Branco sobre Branco. Após 1918, quando anuncia o fim do suprematismo por considerar o esgotamento do projeto, volta-se preferencialmente ao ensino, à escrita e à construção de modelos tridimensionais que tiveram grande influência sobre o construtivismo.

Ainda que o rótulo suprematismo se confunda com o nome de seu mentor, sua influência sobre outros artistas russos foi notável - lembremos, por exemplo, a pintora Olga Vladimirovna Rozanova (1886-1918) -, assim como sua penetração na Europa, marcando as artes visuais de modo geral: a pintura, a arquitetura, o mobiliário, o design, a tipografia etc. No Brasil, parte da obra de Malevich esteve presente na 22ª Bienal Internacional de Artes Plásticas, de 1994.

Construtivismo

Para o construtivismo, a pintura e a escultura são pensadas como construções - e não como representações - guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. O termo construtivismo liga-se diretamente ao movimento de vanguarda russa e a um artigo do crítico N. Punin, de 1913, sobre os relevos tridimensionais de Vladimir Evgrafovic Tatlin (1885 - 1953). A consideração das especificidades do construtivismo russo não deve apagar os elos com outros movimentos de caráter construtivo na arte, que ocorrem no primeiro decênio do século XX, por exemplo, o grupo de artistas

Malevich obras suprematistas

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expressionistas reunidos em torno de Wasilli Kandinsky (1866 - 1914) no Der Blaue Reiter [O Cavaleiro Azul], em 1911, na Alemanha; o De Stijl [O Estilo], criado em 1917, que agrupa Piet Mondrian (1872 - 1944), Theo van Doesburg (1883 - 1931) e outros artistas holandeses ao redor das pesquisas abstratas; e o suprematismo, fundado em 1915 por Kazimir Malevich (1878 - 1935), também na Rússia. Isso sem esquecer os pressupostos construtivos que se fazem presentes, de diferentes modos, no cubismo, no dadaísmo e no futurismo italiano.

A ideologia revolucionária e libertária que impregna as vanguardas em geral, adquire feições concretas na Rússia, diante da revolução de 1917. A nova sociedade projetada no contexto revolucionário mobiliza os artistas em torno de uma arte nova, que se coloca a serviço da revolução e de produções concretas para a vida do povo. Afinal, a produção artística deveria ser funcional e informativa. Realizações dessa proposta podem ser encontradas nos projetos de Aleksandr Aleksandrovic Vesnin (1883 - 1959) para o Palácio do Trabalho e para o jornal Pravda e, sobretudo, no Monumento à Terceira Internacional, de Tatlin, exposto em 1920, mas nunca executado - seria erguido no centro de Moscou. De ferro e vidro, a gigantesca espiral giraria sobre si mesma, concebida para ser também uma antena de transmissão radiofônica, é descrita pelo artista como "união de formas puramente plásticas (pintura, escultura e arquitetura) para um propósito utilitário".

A obra de Alexander Rodchenko (1891 - 1956) é outro exemplo de atualização

do programa con strutivista e produtivista russo. Das pesquisas iniciais, em estreito diálogo com as pinturas abstratas e geométricas de Malevich, o artista passa às construções tridimensionais por influência de Tatlin, encontrando posteriormente na fotografia um meio privilegiado de expressão e registro pictórico da nova Rússia. Sua perspectiva fotográfica original influencia de perto o cinema de Sergei Eisenstein (1898 - 1948).

As discussões sobre a função social da arte provocam fraturas no interior do construtivismo russo. Os irmãos Antoine Pevsner (1886 - 1962) e Naum Gabo (1890 - 1977), signatários do Manifesto Realista de 1920, recusam um programa social e aplicado da arte - lembrando as críticas de Gabo ao monumento de Tatlin - em defesa de uma morfologia geométrica em consonância com a teoria suprematista de Malevich. Suas pesquisas inclinam-se na direção da arte abstrata, do diálogo cerrado entre arte e ciência e do uso de materiais industriais, como o vidro e o plástico. Em 1922, quando o regime soviético começa a manifestar seu desagrado com a pauta construtivista, Pevsner e Gabo deixam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. Na década seguinte, a defesa oficial de uma estética "realista" e "socialista" representa o golpe último nas pesquisas de tipo formal dos construtivistas. O exílio dos artistas contribui para a disseminação dos ideais estéticos da vanguarda russa que vão impactar a Bauhaus na Alemanha, o De Stijl, nos Países Baixos, e o grupo Abstraction-Création [Abstração-Criação], na França. Gabo será um dos editores do manifesto construtivista inglês Circle, de 1937.

Não são pequenas as influências do construtivismo na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, no período após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Marcas da vanguarda russa podem ser observadas no movimento concreto de São Paulo, Grupo Ruptura, e no Rio de Janeiro, Grupo Frente. A ruptura neoconcreta estabelecida com o manifesto de 1959 - que reúne Amilcar de Castro (1920 - 2002), Ferreira Gullar (1930), Franz Weissmann (1911 - 2005), Lygia Clark (1920 - 1988), Lygia Pape (1927 - 2004), Reynaldo Jardim (1926) e Theon Spanudis (1915) - não afasta as influências do construtivismo russo, sobretudo na vertente inaugurada por Pevsner.

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Neoplasticismo

O termo liga-se diretamente às novas formulações plásticas de Piet Mondrian (1872-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931) e sua origem remete à revista De Stijl (O Estilo) criada pelos dois artistas holandeses em 1917, em cujo primeiro número Mondrian  publica A nova plástica na pintura. O movimento se organiza, segundo Van Doesburg, em torno da necessidade de "clareza, certeza e ordem" e tem como propósito central encontrar uma nova forma de expressão plástica, liberta de sugestões representativas e composta a partir de elementos mínimos: a linha reta, o retângulo e as cores primárias - azul, vermelho e amarelo -, além do preto, branco e cinza. A consideração das especificidades do neoplasticismo holandês não deve apagar os seus vínculos com outros movimentos construtivistas na arte, que têm lugar na Europa no primeiro decênio do século XX, por exemplo, o grupo de artistas reunidos em torno de Wassily Kandinsky (1866-1944), na Alemanha (o Blauer Reiter), 1911; o construtivismo russo de Vladimir Evgrafovic Tatlin (1885-1953), 1913, e o suprematismo fundado em 1915 por Kazimir Malevich (1878-1935), também na Rússia. De qualquer modo, o novo estilo de abstração geométrica se refere a uma tradição holandesa particular e à trajetória artística de Mondrian. Após um período de formação marcado pelas obras de George Hendrik Breitner (1857-1923) e Toorop, Mondrian adere às formulações cubistas de Georges Braque (1882-1963) e Pablo Picasso (1881-1973), em 1912, durante temporada em Paris. Nas obras dos anos 1913 e 1914 já se observa em seus trabalhos uma depuração das formas e a redução dos detalhes ao essencial, seja nas fachadas e torres projetadas, ou nas marinhas geométricas. O contato com Bart Antony van der Leck (1876-1958) e com a teosofia leva o artista ao uso mais sistemático dos planos retangulares e das cores puras, assim como à defesa de um ideal de harmonia universal a ser alcançado pela arte. Um artigo escrito em 1915 por Van Doesburg sobre a pintura de Mondrian marca o início de uma estreita colaboração, selada quando da edição da revista De Stijl, à qual aderem o pintor e escultor belga Georges Vantongerloo (1886-1965), arquitetos e projetistas como Jacobus Johannes Pieter Oud (1890-1963)  e, Gerrit Thomas Rietveld (1888-1964), além do poeta A. Kok. Até 1924, Mondrian é o principal colaborador do órgão, no interior do qual sistematiza os ideais estéticos da plasticidade pura. Apoiada no princípio básico da redução da expressão plástica à traços essenciais, a nova plasticidade rejeita a idéia de arte como representação, abolindo o espaço pictórico tridimensional. Rejeita ainda a linha curva, a modelagem e as texturas. A cor pura se projeta no plano, encontrando seu oposto na não-cor, no cinza, no branco e no preto. As oposições se desdobram no quadro: linha negra/plano branco, linha espessa/linha fina, planos abertos/planos fechados, planos retangulares/quadrado da tela, cor/não-cor. As composições se estruturam num jogo de relações assimétricas entre linhas horizontais e verticais dispostas sobre um plano único. A forma obtida a partir daí, indica Schapiro em ensaio clássico sobre o artista, é totalidade sempre incompleta, que sugere sua continuidade além dos limites da tela. O neoplasticismo de Mondrian dispensa os detalhes e a variedade da natureza, buscando o princípio universal sob a aparência do mundo. Menos que expressar as coisas naturais, sua arte visa, segundo ele, a "expressão pura da relação".

As idéias estéticas defendidas em De Stijl ressoam na cena européia mais ampla por meio do ensaio escrito por Mondrian para o público francês, O neoplasticismo (1920), e editado em alemão pela Bauhaus, em 1925. A exposição do grupo em Paris, em 1923, é mais um fator a contribuir para a notoriedade da nova perspectiva artística, que reverbera nos anos 30 nos grupos Abstraction-Création e Cercle et Carré, na França, e no Circle, na Inglaterra. Não se pode esquecer a repercussão das teorias do neoplasticismo na arquitetura

MondrianTheo van Doesburg

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moderna. O rompimento de Mondrian com Van Doesburg data de 1924, quando assina sua última colaboração para a revista. Este último, em 1926, seria responsável por uma dissidência, que batiza como elementarismo. De Stijl deixa de existir oficialmente em 1928.No Brasil, as lições de Mondrian foram incorporadas pelas composições construtivas e econômicas de Milton Dacosta (1915-1988). Ainda que responsável por uma obra amparada em outras referências, Lygia Pape (1927-2004) faz homenagens a Mondrian no Livro da Arquitetura e no desenho Mondrian, 1997.

Futurismo

O Manifesto Futurista, de autoria do poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876 - 1944), é publicado em Paris em 1909. Nesse primeiro de uma série de manifestos veiculados até 1924, Marinetti declara a raiz italiana da nova estética: "...queremos libertar esse país (a Itália) de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários". Falando da Itália para o mundo, o futurismo coloca-se contra o "passadismo" burguês e o tradicionalismo cultural. À opressão do passado, o movimento opõe a glorificação do mundo moderno e da cidade industrial. A exaltação da máquina e da "beleza da velocidade", associada ao elogio da técnica e da ciência, torna-se emblemática da nova atitude estética e política. Uma outra sensibilidade, condicionada pela velocidade dos meios de comunicação, está na base das novas formas artísticas futuristas. Movimento de origem literária, o futurismo se expande com a adesão de um grupo de artistas reunidos em torno do Manifesto dos Pintores Futuristas e do Manifesto Técnico dos Pintores Futuristas (1910). A partir de então, se projeta como um movimento artístico mais amplo, que defende a experimentação técnica e estilística nas artes em geral, sem deixar de lado a intervenção e o debate político-ideológico. Umberto Boccioni (1882 - 1916), Carlo Carrà (1881 - 1966), Luigi Russolo (1885 - 1947), Giacomo Balla (1871 - 1958) e Gino Severini (1883 - 1966) estão entre os principais nomes do primeiro futurismo, que conhece um refluxo em 1916, com a morte de Boccioni e com a crise social e política instaurada pela Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918). Um segundo futurismo tem lugar, sem a unidade criadora e a força do momento originário, apresentando Fortunato Depero (1892 - 1960) como protagonista.

 Dinamismo e simultaneidade são termos paradigmáticos da proposta futurista. A ênfase na ação e na pesquisa do movimento aparece tanto no romance Mafarka, o Futurista, de Marinetti, e no Manifesto Técnico da Literatura Futurista (1912) quanto nas artes visuais, por exemplo na escultura Formas Únicas na Continuidade do Espaço (1913), de Boccioni, e nas telas Os Funerais do Anarquista Galli (1911), de Carrà, e Dinamismo de um Cão na Coleira (1912), de Balla. As inspirações nas pesquisas de cor e nos efeitos de luz do pós-impressionismo divisionista assim como nas técnicas das composições cubistas são evidentes, ainda que o futurismo italiano sublinhe na contramão do cubismo a carga emotiva e a expressão de estados de alma na arte (Estados de Alma nº 1. Os Adeuses, 1911, de Boccioni). A forte politização do movimento é outro traço marcante e distintivo da arte futurista. A base ideológica do movimento é anticlerical - revelam os manifestos políticos lançados em 1909, 1911, 1913 e 1918 - e, em seguida, anti-socialista, pela defesa da modernização da indústria e da agricultura, do irredentismo e de uma política exterior agressiva. As afinidades com o fascismo, entrevistas pelo nacionalismo e pela exaltação do ímpeto e da ação, se concretizam quando

Balla

Boccione

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diversos membros do grupo aderem ao partido fascista. Em Futurismo e Fascismo (1924), Marinetti reúne discursos e relatos em que apresenta o futurismo como parceiro e precursor do fascismo.

As propostas futuristas impregnam diversas artes. Na música, o teórico, pintor e músico Russolo defende "a arte dos ruídos", pela criação de instrumentos que produzem surpreendente gama de sons (os "entoadores de ruídos"). Nas artes cênicas, o teatro sintético futurista (1915) prevê ações simultâneas que tomam o palco e a platéia. A ênfase na invenção cênica aparece nos posteriores Teatro da Surpresa (1922) e no Teatro Visionário (1929). As experiências futuristas com o cinema, por sua vez, acompanham o movimento a partir de 1915, e mobilizam Marinetti, Balla, entre outros (Vida Futurista, 1916). O cinema é visto como a nova forma de expressão artística que atenderia à necessidade de uma expressividade plural e múltipla, declara o manifesto Cinema Futurista (1916). A arquitetura visionária de A. Sant´Elia (1888 - 1916) é mais um exemplo da extensão do projeto futurista. 

Dadaísmo

Ao contrário de outras correntes artísticas, o dadaísmo apresenta-se como um movimento de crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes mas modelos culturais, passados e presentes. Trata-se de um movimento radical de contestação de valores que utilizou variados canais de expressão: revistas, manifestos, exposições, entre outros. As manifestações dos grupos dada são intencionalmente desordenadas e pautadas pelo desejo do choque e do escândalo, procedimentos típicos das vanguardas de um modo geral. A criação do Cabaré Voltaire, em Zurique, 1916, inaugura oficialmente o dadaísmo. Fundado pelos escritores alemães H. Ball e R. Ruelsenbeck, e pelo pintor e escultor alsaciano Hans Arp (1886-1966), o clube literário - ao mesmo tempo galeria de exposições e sala de teatro - promove encontros dedicados à música, dança, poesia, artes russa e francesa. O termo dada é encontrado "por acaso" numa consulta a um dicionário francês. "Cavalo de brinquedo", sentido original da palavra, não guarda relação direta, nem necessária, com bandeiras ou programas, daí o seu valor: sinaliza uma escolha aleatória (princípio central da criação para os dadaístas), contrariando qualquer sentido de eleição racional. "O termo nada significa", afirmaria o poeta romeno Tristan Tzara (1896-1963), integrante do núcleo primeiro. A geografia do movimento aponta para a formação de diferentes grupos, em diversas cidades, aproximados pelo espírito de questionamento crítico e pelo sentido anárquico das intervenções públicas. O clima mais amplo que abriga as várias manifestações dada pode ser encontrado na desilusão e ceticismo instaurados pela 1ª Guerra Mundial, que alimenta reações extremadas por parte dos artistas e intelectuais em relação à sociedade e ao suposto progresso social. Na Alemanha, nas cidades de Berlim e Colônia, destacam-se os nomes de R. Ruelsenbeck, R.Haussmann, Johannes Baader (1876-1955), John Heartfield (1891-1968), G.Groz e Kurt Schwitters (1887-1948). Em Colônia, Max Ernst (1891-1976) - posteriormente um dos grandes nomes do surrealismo - aparece como um dos principais representantes do dadaísmo. A obra e atuação de Francis Picabia (1879) estabelecem um elo direto entre Europa e Estados Unidos. Catalisador, com Albert Gleizes (1881-1953) e A. Cravan, das expressões dada em Barcelona, onde edita a revista 391, Picabia se associa também ao grupo de Tzara e Arp, em Zurique. Em Nova York, por sua vez, é protagonista do movimento com Marcel Duchamp (1887-1968) e Man Ray (1890-1976).

King's College Dublin

Marcel Duchamp

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Se o dadaísmo não professa um estilo específico nem defende novos modelos, aliás colocou-se expressamente contra projetos pré-definidos e recusou todas as experiências formais anteriores, é possível localizar formas exemplares da expressão dada. Nas artes visuais, os ready-made de Duchamp constituem manifestação cabal de um certo espírito que caracterizou o dadaísmo. Ao transformar qualquer objeto escolhido ao acaso em obra de arte, Duchamp realiza uma crítica radical ao sistema da arte. Assim, objetos utilitários sem nenhum valor estético em si são retirados de seus contextos originais e elevados à condição de obra de arte ao ganharem uma assinatura e um espaço de exposições, museu ou galeria. Por exemplo, a roda de bicicleta que encaixada num banco vira Roda de bicicleta (1913), ou um mictório que invertido se apresenta como Fonte (1917), ou ainda os bigodes colocados sobre a Gioconda de Leonardo da Vinci (1452-1519) que fazem dela um ready-made retificado, o L.H.O.O.Q. (1919).  Os princípios de subversão mobilizados pelos ready-made podem ser também observados nas máquinas antifuncionais de Picabia e nas imagens fotográficas de Man Ray.

Ainda que o ano de 1922 apareça como o do fim do dadaísmo, fortes ressonâncias do movimento podem ser notadas em perspectivas artísticas posteriores. Na França, muitos de seus protagonistas integraram o surrealismo subsequente. Nos Estados Unidos, por sua vez, na década de 50, artistas como Robert Rauschenberg (1925 - 2008),  Jasper Johns (1930) e Louise Nevelson (1899-1988) retomam certas orientações do movimento no chamado neodada. Difícil localizar influências diretas do dadaísmo na produção brasileira, mas talvez seja possível pensar que ecos do movimento dada chegaram até nós através da leitura que dele fizeram os surrealistas, herdeiros legítimos do dadaísmo em solo francês. Por exemplo, em obras variadas como as de Ismael Nery (1900-1934) e Cicero Dias (1907-2003); nas fotomontagens de Jorge de Lima (1893-1953), que podem ser aproximadas de trabalhos correlatos de Max Ernst; na produção de Flávio de Carvalho (1899-1973). Deste último, podemos lembrar as performances, tão ao gosto das vanguardas - por exemplo, a relatada no livro Experiência nº 2 - e também o seu projeto para a Fazenda Capuava, edificada em 1938, cujas motivações de aproximação arte e vida lembram, segundo algumas leituras, o Merzbau de Schwitters.

Picabia Man Ray

Max Ernst

Schwitters.

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SurrealismoO termo, cunhado por André Breton (1896-1966) a partir da idéia de 'estado de fantasia supernaturalista' de Guillaume Apollinaire (1880-1918), traz consigo um sentido de afastamento da realidade ordinária que o movimento surrealista celebra desde o primeiro manifesto, de 1924. Nos termos de Breton, autor do manifesto, trata-se de 'resolver a contradição até agora vigente entre sonho e realidade pela criação de uma realidade absoluta, uma supra-realidade'. A importância do mundo onírico, do irracional e do inconsciente, anunciada já no texto inaugural, se relaciona diretamente ao uso livre que os artistas fazem da obra de Sigmund Freud (1856-1939) e da psicanálise, permitindo-lhes explorar nas artes o imaginário e os impulsos ocultos da mente. O caráter anti-racionalista do surrealismo coloca-o nas antípodas das tendências construtivas e formalistas na arte que florescem na Europa após a 1ª Guerra Mundial, assim como das tendências ligadas ao chamado retorno à ordem. Como vertente crítica de origem francesa, o surrealismo aparece como alternativa ao cubismo, alimentado pela retomada das matrizes românticas francesa e alemã, do simbolismo, da pintura metafísica italiana - Giorgio de Chirico (1888-1978), sobretudo - e do caráter irreverente e dessacralizador do dadaísmo, de onde vieram parte dos surrealistas. Como o movimento dada, o surrealismo apresenta-se como crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes mas modelos culturais, passados e presentes. Na contestação radical de valores que empreende, faz uso de variados canais de expressão - revistas, manifestos, exposições etc. - mobilizando diferentes modalidades artísticas: escultura, literatura, pintura, fotografia, artes gráficas e cinema.  

A crítica à racionalidade burguesa em favor do 'maravilhoso', do fantástico e dos sonhos, reúne artistas de feições muito variadas sob o mesmo rótulo. Na literatura, além de Breton, Louis Aragon (1897-1982), Philippe Soupault (1897-1990), Georges Bataille (1987-1962), Michel Leiris (1901-1990), Max Jacob (1876-1944) etc. Nas artes plásticas, René Magritte (1898-1967), André Masson (1896-1987), Joán Miro (1893-1983), Max Ernst (1891-1976), Salvador Dali (1904-1989), entre outros. Na fotografia, Man Ray (1890-1976), Dora Maar (1907-1997), Brasaï (1899-1984). No cinema, Luis Buñuel (1900-1983). Certos temas e imagens foram obsessivamente tratados por eles, ainda que a partir de soluções distintas, como por exemplo, o sexo e o erotismo; o corpo, suas mutilações e metamorfoses; o manequim e a boneca; a violência, a dor e a loucura; as civilizações primitivas e o mundo da máquina. Esse amplo repertório de temas e imagens encontra-se traduzido nas obras por meio de procedimentos e métodos pensados como capazes de driblar os controles conscientes do artista e, portanto, responsáveis pela liberação de imagens e impulsos primitivos. A escrita e a pintura automáticas, fartamente utilizados, seriam formas de transcrição automática do inconsciente, pela expressão do 'funcionamento real do pensamento' (por exemplo, os desenhos produzidos coletivamente entre 1926 e 1927 por Man Ray, Yves Tanguy (1900-1955), Miró e Max Morise (1903-1973), sob o título O cadáver requintado). A frottage [fricção] desenvolvida por M. Ernst faz parte das técnicas automáticas de produção. Trata-se de esfregar lápis ou crayon sobre uma superfície áspera ou texturizada para 'provocar' imagens,

Giorgio de Chirico

René Magritte

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resultados aleatórios do processo (por exemplo, a série de desenhos História natural, realizada entre 1924 e 1927).

As colagens e assemblages constituem mais uma expressão caraterística da lógica de produção surrealista, ancorada na idéia de acaso e de escolha aleatória, princípio central de criação já para os dadaístas. A célebre frase de Lautrémont é tomada como inspiração forte: 'belo como o encontro casual entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecção'. A sugestão do escritor se faz notar na justaposição de objetos desconexos e nas associações à primeira vista impossíveis que particularizam as colagens e objetos surrealistas. Que dizer de um ferro de passar cheio de pregos, de uma xícara de chá coberta de peles ou de uma bola suspensa por corda de violino? Dalí radicaliza a idéia de libertação dos instintos e impulsos contra qualquer controle racional pela defesa do método da 'paranóia crítica', forma de tornar o delírio um mecanismo produtivo, criador. A crítica cultural empreendida pelos surrealistas, baseada nas articulações arte/inconsciente e arte/política, deixa entrever sua ambição revolucionária e subversiva, amparada na psicanálise - contra a repressão dos instintos - e na idéia de revolução oriunda do marxismo (contra a dominação burguesa). As relações controversas do grupo com a política aparecem na adesão de alguns ao trotskismo (Breton, por exemplo) e nas posições reacionárias de outros, como Dalí.

A difusão do surrealismo pela Europa e Estados Unidos faz-se rapidamente. É possível rastreá-la em esculturas de artistas díspares como Alberto Giacometti (1901-1966), Alexander Calder (1898-1976), Hans Arp (1886-1966) e Henry Spencer Moore (1898-1986). Na Bélgica, Romênia e Alemanha ecos surrealistas vibram em obras de Paul Delvaux (1897-1994), Victor Brauner (1903-1966) e Hans Bellmer (1902-1975), respectivamente. Em solo americano, o chileno Roberto Matta (1911) e o cubano Wifredo Lam (1902-1982) devem ser lembrados como afinados com o movimento. Nos Estados Unidos, o surrealismo é fonte de inspiração para o expressionismo abstrato e para a arte pop. No Brasil especificamente o surrealismo reverbera em obras variadas como as de Ismael Nery (1900-1934) e Cicero Dias (1907-2003), assim como nas fotomontagens de Jorge de Lima (1893-1953). Nos nossos dias vários artistas continuam a tirar proveito das lições surrealistas.

Max Ernst

Salvador Dalí

Fonte: Enciclopédia Visual do itaú CulturalSugestão de leitura: ARGAN, Arte Moderna.